UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ‐ UFMG
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE ENFERMAGEM
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM APLICADA
RELATÓRIO DE PESQUISA
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE:
UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
(Financiamento FAPEMIG)
Belo Horizonte
2009
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE:
UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
(Financiamento FAPEMIG. Edital PPSUS 005/06. Processo 3301/06)
Belo Horizonte Dezembro, 2009
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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610.734 P665
PIRES, Maria Raquel Gomes Maia.
Avaliação da atenção básica em Belo Horizonte: utilização, oferta e acessibilidade dos serviços/ Maria Raquel Gomes Maia Pires e Leila Bernarda Donato Gottems; Consultor: Túlio Gomes da Silva Mauro.
– Belo Horizonte: UFMG/FAPEMIG, 2009.
166 p.
Bibliografia
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE ENFERMAGEM
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM APLICADA
RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
(Financiamento FAPEMIG. Edital PPSUS 005/06. Processo 3301/06)
PESQUISADORES RESPONSÁVEIS Maria Raquel Gomes Maia Pires – Enfermeira, mestre e doutora em Política Social pela Universidade de Brasília, professora adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (Coordenadora). Leila Bernarda Donato Göttems – Enfermeira, doutoranda em Administração na Universidade de Brasília, professora do curso de Enfermagem da Universidade Católica de Brasília, assessora técnica da Coordenação de Pós‐Graduação e Extensão da Escola Superior de Ciências da Saúde da SES‐DF (Pesquisadora).
CONSULTORIA ESTATÍSTICA Prof.: Túlio Gomes da Silva Mauro. Psicólogo, mestre em Psicologia/UnB, consultor em análise organizacional e pesquisas quantitativas em saúde. MESTRANDAS, APOIO TÉCNICO E BOLSISTAS DE GRADUAÇÃO Ana Carolina Alves Lage – Enfermeira. Apoio Técnico em Pesquisa/EE/UFMG. Camila Mendes Passos – Enfermeira, mestranda em Enfermagem/EE/UFMG. Flávia Leles – Iniciação Científica/CNPq. Lucas Leite‐ Extensão – PROEX/UFMG. Luciana do Vale – Iniciação Científica – FAPEMIG. Marcelo Augusto – Iniciação Científica – CNPq. Nívea Furtado Figueiredo – Enfermeira, mestranda em Enfermagem/EE/UFMG. Tiago Cupertino – Iniciação Científica – FAPEMIG. ENTREVISTADORES – ETAPA SURVEY Cissa Martina Daiana Oliveira. Denise Pereira. Viviane Costa Soares.
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RESUMO
Introdução: avaliam‐se a utilização, a oferta e a acessibilidade de Unidades Básicas de Saúde (UBSs) no Sistema Único de Saúde (SUS) de Belo Horizonte (BH). Questiona‐se se a forma de organização da atenção básica, a partir dos princípios do Programa Saúde da Família (PSF), modificam a utilização e o acesso da população aos serviços. Hipótese: considera‐se que, embora o contexto de desenvolvimento da política de atenção básica influencie o modo de produzir ações de saúde, a utilização dos serviços pelo usuário ocorre de forma semelhante tanto em UBSs completa e parcialmente cobertas pelo PSF, quanto nas UPAs. Há influência do modelo tradicional de atenção centrado na consulta médica e na demanda espontânea. Objetivos: analisar o desenvolvimento da política de atenção básica à saúde do SUS de Belo Horizonte, com a implantação do PSF; avaliar a atenção básica à saúde, em Belo Horizonte, quanto à articulação com as urgências, utilização, oferta e acessibilidade dos serviços; analisar em que medida a implantação das Equipes de Saúde da Família, em Belo Horizonte, contribuem para a reorganização da atenção básica, no que se refere à oferta, utilização e acessibilidade dos serviços de saúde. Material e método: a pesquisa tem caráter avaliativo, abordagem quantitativa e qualitativa, com triangulação de métodos. O delineamento conta com três etapas complementares: na primeira, realizou‐se um survey com 997 usuários de 10 UBSs e 7 Unidades de Pronto‐Atendimento (UPAs). Interrogou‐se se o problema de saúde que as pessoas levam às urgências poderia ser resolvido na atenção básica. Verificaram‐se, comparativamente, os procedimentos utilizados e a racionalidade dos entrevistados na escolha dos serviços; na segunda, formaram‐se 4 grupos focais com 30 profissionais de saúde (16 enfermeiros e 14 médicos), das 10 UBSs, para avaliar a organização do processo de trabalho, à luz dos princípios do PSF e dos resultados do survey; na terceira, verificou‐se a oferta dos serviços de atenção básica, quanto aos parâmetros nacionais de cobertura populacional e de produção dos atendimentos, conforme as diretrizes e protocolos assistenciais da atenção básica do Sistema Único de Saúde. Analisaram‐se as bases de dados secundárias do Sistema Fênix, da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Submeteu‐se o estudo à aprovação dos Comitês de ética em pesquisa, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Parecer 053/06 –, e Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSBH) – protocolo 19/2006. Resultados: os resultados apontam duplicidade de ações entre UBSs e Urgências, ambas realizando procedimentos de atenção básica; pouca utilização e oferta de ações programáticas nas UBSs, que seguem com predomínio do atendimento à demanda espontânea e centralidade no médico e na doença; distanciamento, da organização do processo de trabalho das ESFs, das práticas de vigilância à saúde; dificuldade em planejar ações, realizar ações programáticas, preventivas e de promoção à saúde. Conclusão: verificaram‐se, porém, indícios de mudanças, com práticas de educação, calcadas na promoção da saúde, que incluem grupos de unibiótica, qualidade de vida e atividades físicas.
Palavras‐chave: Acesso aos serviços de saúde – Avaliação em saúde – Atenção Primária à Saúde
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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ABSTRACT
Introduction: Utilization, offer and accessibility to Basic Health Units in Unique Health System (SUS) in Belo Horizonte are evaluated. The way of organizing the basic care is questioned, taking in consideration the principles of Family Health Program (PSF) which affect the utilization and the accessibility to the services by the population. Hyphotesis: Although the context of the basic care policy development influences the way of producing health actions, it is considered that the utilization of the services by the patients happens in similar ways both in Basic Health Units – complete or partially covered by Family Health Program – and in Emergency Service Units. Objectives: To analyze the development of health basic care policy provided by Unique Health System in Belo Horizonte, with the implementation of Family Health Program; to evaluate the basic health care in Belo Horizonte in relation to the articulation in emergencies, utilization, offer and accessibility to services; to analyze to which extent the implementation of Teams of Family Health in Belo Horizonte contributes to the reorganization of basic care in relation to utilization, offer and accessibility to health services. Material and method: the research has evaluative nature, quantitative and qualitative approach, with the use of these three mentioned methods. The structure has three additional steps: in the first one, a survey with 997 users of 10 basic health units and 7 units of Emergency Service was carried out. It was questioned whether the health problems that bring people to the emergency services could be solved in basic care units. The used procedures were compared to the reasoning of interviewers in choosing services. In the second one, 4 focus groups were formed with 30 health professionals (16 nurses and 14 doctors) from 10 basic health units which were selected to evaluate the organization of the work taking in account the principles of the Family Health Program and the results of the survey. In the third step, there was the provision of basic health care services, based on the national parameters of population coverage and production of care, according to the guidelines and protocols of basic care, provided by the Unique Health System. The secondary database of the Fenix System of the Municipal Health Secretariat of Belo Horizonte was analyzed and the study was submitted to the approval of the ethics committees of research of the Federal University of Minas Gerais (UFMG) ‐ Opinion 053/06 ‐ and the Municipal Health Secretariat of Belo Horizonte (SMSBH) ‐ Protocol 19/2006. Results: The studies showed duplication of actions between the basic health units and the emergency services, both performing basic care procedures; limited utilization and offer of programmed actions in UBSs, in which there was a predominance of spontaneous demand and centrality in doctor and disease; distance of the organization of the work process in the teams of the Family Health Program, regarding to the health practices; difficulty in planning actions and performing programmed and preventive actions to promote health. Conclusion: there were, however, signs of change with educative actions supported on health promotion, including groups of unibiotica, quality of life and physical activities. Keys words: Primary Health Care – Health Evaluation – Health Services Accessibility
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 ‐ Amostra de Unidades Básicas de Saúde investigadas por Distrito Sanitário e cobertura populacional do Programa de Saúde da Família, em Belo Horizonte, 2009........................................................................
52
Tabela 2 ‐ Número de questionários aplicados nas Unidades Básicas de Saúde e nas Unidades de Pronto‐atendimento de Belo Horizonte, dezembro de 2008...................................................................................................
53
Tabela 3 ‐ Perfil dos usuários das Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Pronto‐atendimento, Belo Horizonte, por sexo, idade, renda, escolaridade, situação empregatícia, residência, local de trabalho e plano de saúde, dezembro de 2008.......................................................
79
Tabela 4 ‐ Tempo e meio de transporte utilizado para o deslocamento dos usuários às Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Pronto‐atendimento, em Belo Horizonte, dezembro de 2008...........................
82
Tabela 5 ‐ Problema de saúde e procedimentos utilizados pelos usuários das Unidades Básicas de Saúde completas, ou parcialmente cobertas pelo Programa de Saúde da Família, e das Unidades de Pronto‐atendimento, de Belo Horizonte, dezembro de 2008............................
83
Tabela 6 ‐ Procedimentos de média complexidade utilizados pelos usuários das Unidades de Pronto‐atendimento, em Belo Horizonte, dezembro, 2008........................................................................................................
84
Tabela 7 ‐ Conhecimento referido pelo usuário sobre o Programa de Saúde da Família, por serviço de saúde, Belo Horizonte, dezembro de 2008
85
Tabela 8 ‐ Opinião do usuário sobre a conduta dos profissionais no momento do atendimento nas Unidades Básicas de Saúde e nas Unidades de Pronto Atendimento, Belo Horizonte, dezembro de 2008.....................
86
Tabela 9 ‐ Tipo de serviço de saúde que o usuário foi orientado a procurar no momento do atendimento nas Unidades Básicas de Saúde e nas Unidades de Pronto‐atendimento, Belo Horizonte, dezembro de 2008
86
Tabela 10 ‐ Tempo que o usuário levou para ser completamente atendido e para conseguir a consulta médica de que precisa, por locais de entrevista, Belo Horizonte, dezembro de 2008........................................................
87Tabela 11 ‐ Motivo da procura pela Unidade Básica de Saúde ou pela Unidade de
Pronto‐atendimento, referido pelo usuário, Belo Horizonte, dezembro de 2008..................................................................................
90
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8
Tabela 12 ‐ Situações em que o usuário procura a Unidade de Pronto‐atendimento e a Unidade Básica de Saúde, por locais de coleta Belo Horizonte, dezembro de 2008................................................................
91
Tabela 13 ‐ Motivos da não procura pela Unidade Básica de Saúde, por locais de coleta, Belo Horizonte, dezembro de 2008............................................
92
Tabela 14 ‐ Indicadores de cobertura populacional e de consultas médicas por habitante/ano nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, Belo Horizonte, 2009......................................................................................
120
Tabela 15 ‐ Média percentual dos procedimentos realizados pelas Equipes de Saúde da Família, nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de outubro de 2009 a março de 2009, Belo Horizonte, 2009 ..
121
Tabela 16 ‐ Média percentual dos procedimentos realizados pelas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a agosto de 2009, Belo Horizonte, 2009...................................................
123
Tabela 17 ‐ Comparação entre o percentual médio mensal de procedimentos realizados e a utilização informada pelos usuários, nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, Belo Horizonte, outubro de 2009........
124
Tabela 18 ‐ Comparação entre o total da demanda prevista para os programas de atenção à saúde e as consultas realizadas nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, Belo Horizonte, no período de agosto de 2008 a setembro de 2009.................................................................................
127
Tabela 19 ‐ Comparação entre a média da demanda prevista e as consultas realizadas nos programas de atenção à saúde pela Equipe de Saúde da Família e pela equipe de apoio nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a agosto de 2009, Belo Horizonte, 2009..............................................................................
129
Tabela 20 ‐ Comparação entre o total da demanda prevista e as consultas realizadas nos programas de atenção à saúde, pelo médico e pelos enfermeiros das Equipes de Saúde da Família nas Unidades Básicas selecionadas, no período de setembro de 2008 e agosto de 2009, Belo Horizonte........................................................................................
131
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1‐
Média percentual dos procedimentos realizados pela Equipe de Saúde da Família, nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a agosto de 2009, Belo Horizonte, 2009......................................................................................................
122
Gráfico 2 ‐ Média percentual dos procedimentos realizados pela Equipe de Saúde da Família e de apoio nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a agosro de 2009, Belo Horizonte, 2009............................................................................
123
Gráfico 3 ‐ Média percentual de procedimentos de ações programáticas realizados pelas Equipes de Saúde da Família e Equipe de Apoio, nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a agosto de 2009, Belo Horizonte, 2009.....................................
126
Gráfico 4 ‐ Comparação entre a média de demanda prevista e de consultas realizadas nos programas de atenção à saúde nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a março de 2009, Belo Horizonte.............................................................................
128
Gráfico 5 ‐ Comparação entre a média da demanda prevista e das consultas realizadas nos programas de atenção à saúde pelo médico e enfermeiro das Equipes de Saúde da Família e nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a março de 2009, Belo Horizonte............................................................................
129
Quadro 1 ‐ Referencial metodológico para avaliação da atenção básica em Belo Horizonte...............................................................................................
46
Quadro 2 ‐ Indicadores e conceitos utilizados na avaliação dos serviços de atenção básica, nas Unidades Básicas de Saúde investigadas, Belo Horizonte, 2009.....................................................................................
67
Quadro 3 ‐ Referências metodológicas utilizadas na avaliação da oferta dos serviços das Unidades Básicas de Saúde investigadas, Belo Horizonte, 2009.......................................................................................................
73
Quadro 4 ‐ Tipos de organização das ações programáticas usuais nas Unidades Básicas de Saúde, sistematizadas a partir dos Grupos Focais com os profissionais médicos e enfermeiros da Equipe de Saúde da Família
114
Quadro 5 ‐ Triangulação da utilização, oferta e acessibilidade das Unidades Básicas de Saúde investigadas, Belo Horizonte, 2009.........................
136
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10
Figura 1 Distribuição das unidades assistenciais do Sistema Único de Saúde de Belo Horizonte, segundo tipo e natureza jurídica, 2005‐2007........
17
Figura 2 Distribuição geográfica das Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Pronto Atendimentos nos distritos sanitários, Belo Horizonte, 2008............................................................................................ 52
Figura 3
Formas de Investigação da Hermenêutica de Profundidade segundo Thompson..............................................................................................
60
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AB Atenção Básica
AC Alta Complexidade
ANS Agência Nacional de Saúde
APS Atenção Primária à Saúde
BH Belo Horizonte
DATASUS Banco de Dados do Sistema Único de Saúde
ESF Equipe Saúde da Família
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica
GF Grupo focal
FêNIX Sistema de Informação Registro de Atendimento Individual
HP Hermenêutica de profundidade
MC Média Complexidade
MS Ministério da Saúde
OPAS Organização Panamericana de Saúde
OMS Organização Mundial de Saúde
PSF Programa Saúde da Família
SMSA‐BH Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte
SUS Sistema Único de Saúde
SIAB Sistema de Informação da Atenção Básica
SPSS Statistical Package for the Social Sciences
UBS Unidade Básica de Saúde
UPA Unidade de Pronto Atendimento
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
14
2 OBJETIVOS
19
3 REFERENCIAL TEÓRICO 20
3.1‐ Oferta, demanda e necessidades em saúde: em busca da acessibilidade dos serviços no SUS...................................................................................
20
3.2‐ Para além da atenção básica: reorganização do SUS por meio da interseção do político e do econômico........................................................
31
4 METODOLOGIA 43
4.1‐Delineamento do estudo............................................................................. 48
4.1.1‐Etapa 1: survey com os usuários das UBSs e das UPAs............................. 48 4.1.2‐Etapa 2: organização do trabalho pelas Equipes Saúde da Família............ 48 4.1.3‐ Etapa 3: avaliação da oferta e da demanda por serviços de atenção
básica/SUS.................................................................................................. 49
4.2‐Síntese das etapas e triangulação de métodos: grupo de discussão com os gerentes das UBSs..........................................................................................
50
4.3‐Detalhamento das etapas da pesquisa.................................................... 50 4.3.1‐Etapa 1 – utilização dos serviços de atenção básica e de urgência............ 50 4.3.1.1‐Plano amostral ............................................................................... 50 4.3.1.2‐Coleta de dados e instrumentos......................................................... 53 4.3.1.3‐Análise estatística............................................................................
56
4.4‐Etapa 2 ‐ acessibilidade das Unidades Básicas de Saúde........................... 57 4.4.1‐Coleta de dados e instrumentos......................................................... 58 4.4.2‐Análise: interpretação dos depoimentos a partir da hermenêutica de
profundidade e análise do discurso...............................................................
59
4.5‐Etapa 3 ‐ oferta dos serviços de atenção básica....................................... 65 4.5.1‐Métodos utilizados para a análise das bases de dados secundárias......... 65 4.5.2‐Procedimentos operacionais para o cálculo dos indicadores de oferta.... 68 4.5.2.1‐Indicadores de cobertura dos serviços de atenção básica................... 68 4.5.2.2‐Indicadores de produção de ações e serviços de saúde...................... 68
4.6‐Triangulação de métodos e técnicas.............................................................
76
4.7‐Aspectos éticos.............................................................................................
76
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
13
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES 77
5.1‐Utilização dos serviços de atenção básica e urgências pelo usuário............ 77
5.1.1‐Perfil socioeconômico e procedência do usuário.................................. 77 5.1.2‐Problema de saúde referido e acesso aos serviços de saúde.................. 81 5.1.3‐Racionalidade do usuário na utilização dos serviços de saúde.................
89
5.2‐Acessibilidade dos serviços de Atenção Básica/SUS/SMSA‐BH.................. 93 5.2.1‐Contextualização sociohistórica dos entrevistados............................... 94 5.2.2‐Análise estrutural............................................................................... 99 5.2.2.1‐O tom dos debates.......................................................................... 99 5.2.2.2‐Características do trabalho das ESF nas UBSs..................................... 105 5.2.3‐Dinâmica interpretativa......................................................................
118
5.3‐Análise da oferta e da demanda por serviços de atenção básica nas UBSs investigadas..............................................................................................
119
5.4‐Triangulação dos resultados e discussão com os gerentes das UBSs..........
132
6 CONCLUSÃO 137
6.1‐De usuários, usos, serviços e profissionais em saúde............................... 137
6.2‐Estranho e esperançoso PSF..................................................................
141
REFERÊNCIAS
143
ANEXOS 155
Anexo A‐ Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG.......................... 156
Anexo B‐Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da SMSA‐BH......................
157
APÊNDICES . 158
Apêndice A‐ Questionários para usuários do sistema de saúde de Belo horizonte...................................................................................................
159
Apêndice B‐ Roteiro semi‐estruturado para grupo focal com os profissionais de saúde....................................................................................................
163
Apêndice C‐ Formulário 1: Análise dos grupos focais; identificação de interdiscursos.............................................................................................
164
Apêndice D ‐ Formulário 2: Para análise dos grupos focais; falas individuais..... 165 Apêndice E ‐ Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)..................... 166
XX
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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1 INTRODUÇÃO
A discussão que a atenção primária em saúde seria um lócus privilegiado no qual se
desencadeariam as mudanças no modelo de atenção à saúde – por influir mais diretamente
na organização e produção da demanda por bens e serviços de saúde – não é nova.
Desde o lema da histórica Conferência Internacional de Alma Ata1, Saúde para Todos
no Ano 2000, países do mundo inteiro têm se preocupado em estruturar sistemas de saúde
mais resolutivos, equânimes, universais e pautados na integralidade. Uma análise
consistente sobre a rede básica de saúde, entendendo‐a como ponto estratégico para mudar
a forma com que serviços e práticas se organizam para assistir a saúde da população, é
realizada por Merhy (2002). Esse autor aborda a especificidade da rede básica como um
lugar fecundo para se operarem mudanças no modelo assistencial, e advoga que,
diferentemente do hospital, ocorrem nela possibilidades de menor aprisionamento das
práticas em saúde, podendo abrir‐se a diversas alternativas.
Atualmente, o Brasil elegeu o Programa Saúde da Família (PSF) como principal
estratégia para reorganização da rede básica de serviços de saúde, apostando nas
repercussões para o Sistema Único de Saúde (SUS). Um dos problemas que a Estratégia
Saúde da Família (ESF) encontra para se consolidar enquanto mudança de práticas consiste
nas diferentes formas com que ela se implanta nos grandes centros urbanos. Em geral,
devido aos problemas estruturais típicos das metrópoles, o PSF insere‐se de forma periférica
e, ou sem grandes impactos na forma de organizar as ações básicas de saúde, perpetuando o
modelo tradicional de atenção.
Esta pesquisa centra‐se na avaliação da atenção básica no que se refere à utilização,
oferta e acessibilidade dos serviços e tem por objetivo investigar como as Unidades Básicas
de Saúde (UBSs) se estruturam no sistema de saúde para atender à população a partir de
suas características sociais; como se estabelecem os fluxos entre UBSs e as urgências; em
que medida a oferta desses serviços é adequada às demandas da população; como os
1 A Conferência de Alma Ata, em 1978, tornou‐se um marco para a saúde pública por pactuar com os países membros da ONU o compromisso que, até o ano 2000, toda a população teria acesso aos serviços e ações de saúde, independentemente de cor, raça, classe social ou religião. Passados quase 30 anos daquele evento mundial, constata‐se que o lema instituído permanece mais atual do que nunca.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
15
usuários utilizam os serviços e, por fim, a contribuição dos princípios do Programa Saúde da
Família para a reorganização do trabalho da equipe na atenção básica. Trata‐se, pois, de uma
pesquisa avaliativa que utiliza as abordagens quantitativas e qualitativas para apreensão do
objeto.
Tendo em vista a expressiva implantação do PSF (desde 2002) em Belo Horizonte, que
o elegeu como política pública de saúde prioritária, questiona‐se se a forma de organização
da atenção básica, a partir dos princípios do Saúde da Família, modifica a utilização e o
acesso da população aos serviços. A hipótese inicial é que, embora o contexto de
desenvolvimento da política de atenção básica influencie o modo de produzir ações de
saúde, a utilização dos serviços pelo usuário ocorre de forma semelhante tanto em UBSs,
completa e parcialmente cobertas pelo PSF, quanto nas UPAs, havendo influência do
modelo tradicional de atenção centrado na consulta médica e na demanda espontânea.
De forma abreviada, o funcionamento do PSF ocorre por meio da implantação de
equipes de saúde formadas por médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agente
comunitário de saúde (ACS), que ficam responsáveis pela atenção à saúde da população (de
2.400 a 4.000 pessoas) adstrita ao território onde se localiza a unidade de saúde. Essas
equipes podem contar com equipes de saúde bucal (ESB), composta por odontólogo, pelo
técnico e pelo auxiliar de consultório dentário, realizam o diagnóstico de saúde da
população, que atende, e planeja as ações a partir dos problemas priorizados.
A grande capilaridade que o PSF atinge, associada aos desafios gerados pelo rápido
crescimento quantitativo, descompassado da devida qualidade necessária à consecução das
diretrizes éticas que o programa/a estratégia assume, talvez seja a maior virtude e a maior
fragilidade dessa proposta.
A virtude encontra‐se no fato de a rápida expansão ter‐se tornado fato político no
interior do SUS difícil de ser ignorado, levantando antigos e acalorados debates sobre o
modelo técnico‐assistencial. Dentre os temas amplamente discutidos, citem‐se a
necessidade de mudar a formação dos profissionais e a forma de produzir cuidado em
saúde. O PSF, entretanto, pode retroceder quando reforma ranços antigos da saúde pública
brasileira, embalados pelo conservadorismo neoliberal, qual seja a tendência em se
constituir em ação compensatória de baixo custo para grupos focalizados e marginalizados
do acesso à qualidade nos serviços de saúde.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
16
O potencial de mudança do PSF reside tanto nas diretrizes que norteiam o processo de
trabalho dos profissionais (integralidade, resolubilidade e intersetorialidade das ações,
trabalho em equipe, vínculo de co‐responsabilidade das famílias assistidas e estímulo à
participação social), quanto na reorganização de serviços e práticas que ele pode ensejar;
isso porque, ao delimitar o território2 como lócus de atuação da ESF, pautada no trabalho
em equipe, no cuidado integral à família e no vínculo de co‐responsabilidade, pode organizar
os serviços de saúde a partir da priorização dos problemas, contribuindo para a
hierarquização da demanda aos demais pontos da atenção. Dessa forma, além de fortalecer
o vínculo entre profissionais, usuário, famílias e comunidade, se a ESF estiver inserida num
processo de educação permanente e contar com condições adequadas de trabalho3, pode
melhorar consideravelmente o acesso e a resolubilidade da assistência à saúde da
população.
Em geral, em vez de o PSF inserir‐se na rede formal de serviços para reorganizá‐la,
como preconizado, implanta‐se de forma periférica, focalizada, pouco articulada e, ou sem
grandes diferenças da forma tradicional de organizar as ações e os serviços básicos de saúde;
ou seja, recortado por programas de saúde pública materno‐infantil, no atendimento à
demanda espontânea, na fragilidade das ações de vigilância/promoção da saúde, centrado
na doença e no profissional médico. Tal equívoco, ou desvio nos princípios, que regem a
estratégia saúde da família, tem causas estruturais mais profundas, posto tratar‐se de uma
mudança paradigmática processual, histórica e tensa em conflitos na arena política de
conformação do SUS4.
Diante de tal premissa, e tendo em vista os propósitos desta investigação, questiona‐
se como as UBSs organizam‐se, a partir da implantação da Estratégia Saúde da Família em
Belo Horizonte, como ocorre a articulação com a urgência/pronto‐atendimento (UPAs), e se
têm conseguido ampliar o acesso da população aos serviços de saúde. A convivência do
modelo tradicional de organização, focado no atendimento à demanda espontânea, com a
2 Território como reconhecimento de determinada área geográfica e populacional segundo a lógica das relações entre condições de vida, saúde e acesso às ações e serviços de saúde (TEIXEIRA, 2002; MONKEN e BARCELLOS, 2005). 3 As condições adequadas envolvem aspectos que vão da infraestrutura física das Unidades Básicas de Saúde, equipamentos, insumos e medicamentos em suficiência e qualidade, até a retaguarda de uma rede de serviços de referência especializada e hierarquizada que dê suporte às ações desenvolvidas na atenção básica. 4 Por oportuno, a análise das 14 experiências premiadas na II Mostra Nacional de Saúde da Família realizada em Pires (2004), além do vasto referencial nele citado, expressa os acertos e incoerências da estratégia/programa a que se refere.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
17
Estratégia Saúde da Família, calcada na vigilância à saúde, permeia‐se por contradições e
disputas. Na maioria das vezes, há dificuldades na reorganização prevista, que se insere no
complexo contexto social e econômico das políticas públicas (HOCHMAN et al., 2007),
principalmente em municípios de grande porte, como Belo Horizonte (BH).
O sistema de saúde de BH está conformado em nove Distritos Sanitários, que
correspondem às regiões administrativas da cidade, onde se distribuem os serviços de
saúde. Na Figura 1, visualiza‐se a distribuição das unidades assistenciais do município
segundo o tipo e a natureza jurídica5
Figura 1 ‐ Distribuição das unidades assistenciais do
Sistema Único de Saúde de Belo Horizonte, segundo o tipo e a natureza jurídica 2005‐2007
Fonte: SMSA/BH, Relatório de gestão 2007.
5 BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão 2007. Disponível em: www.pbh.gov.br/saude. Acesso em: 10 jan. 2010.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
18
A implantação do PSF na capital mineira teve início em 2002, na tentativa de captar os
profissionais da própria rede, mediante adesão voluntária estimulada por um plus salarial, e
resultou na formação de 176 equipes. Com a baixa adesão dos servidores, utilizou‐se da
estratégia de contratação de serviços prestados. Hoje, o município conta com 508 equipes
de saúde da família (ESF), distribuídas em 145 Unidades Básicas de Saúde, responsáveis pela
atenção básica de aproximadamente 75% da população citadina. A rede básica conta com
profissionais que oferecem suporte às ações do PSF na própria UBS, como a equipe de apoio
(188 médicos pediatras, 124 clínicos, 130 ginecologistas, 89 assistentes sociais), 65 equipes
de saúde mental, 200 equipes de saúde bucal e 2 núcleos de reabilitação6.
Porém, a história de construção de um sistema de saúde pautado pela priorização da
atenção básica e pelo fortalecimento da gestão municipal, como ordenadora da rede dos
serviços de saúde pública, conveniados e contratados ganhara força a partir de 1993
(CAMPOS et al., 1998). Ações implantadas naquela época, como o acolhimento para a
ampliação da oferta de serviços nas UBSs e a implantação da central de regulação,
repercutem na atual organização dos serviços. Nesse caso, há de se considerar a trajetória
histórica das políticas públicas, ou Path dependence como pano de fundo importante para o
entendimento do contexto atual. A teoria do Path dependence, na análise das políticas
públicas, considera que processos sociais reais têm dimensões temporais. O exame desses
processos permite identificar mecanismos sociais, entendidos como os caminhos viáveis com
que as coisas acontecem. Tem‐se, aqui, a ideia de que uma sequência de escolhas é, a cada
momento, condicionada pela situação criada por opções anteriores (HELLER, 2007).
No caso da construção do Sistema de Saúde de Belo Horizonte, a avaliação de como o
serviço de atenção básica se organiza, a partir dos princípios do PSF, passa pela análise do
contexto em que tal estratégia se insere. A política pública de saúde, circunstanciada pela
arena política de decisões do processo de formulação e implantação das ações, sofre
influência do passado, da sua história pregressa e recente. Tais premissas igualmente
nortearam a investigação que se segue.
6 BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Saúde. Avanços e desafios na organização da atenção básica à saúde em Belo Horizonte: HMP Comunicação, 2008. 432 p.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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2 OBJETIVOS
1 Analisar o desenvolvimento da política de atenção básica à saúde do SUS de Belo
Horizonte com a implantação do PSF;
2 Avaliar a atenção básica à saúde em Belo Horizonte quanto à articulação com as
urgências, utilização, oferta e acessibilidade aos serviços;
3 Analisar, em que medida, a implantação das Equipes Saúde da Família, em Belo
Horizonte, contribuem para a reorganização da atenção básica no que se refere à oferta,
utilização e acessibilidade aos serviços de saúde.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
20
3 REFERENCIAL TEÓRICO7
3.1 Oferta, demanda e necessidades em saúde: em busca da acessibilidade dos serviços no
SUS
De um lado, a demanda, ou seja, a quantidade de um bem ou serviço que a população
está propensa a adquirir e, ou disposta a “pagar” por ele; do outro, o volume de bens ou
serviços que fornecedores e, ou prestadores estão dispostos a vender, a um dado preço e
determinada altura, denominado oferta. Conceitos clássicos da economia, demanda e oferta
de bens e serviços constituem importantes reflexões teóricas sobre o mercado da saúde no
Brasil, principalmente no âmbito da economia da saúde, seja em nível macro ou micro
(PIOLA e VIANNA, 1995; SANTOS, 2002; GADELHA, 2003). É nessa perspectiva que se busca
entender como esses fatores econômicos se comportam no setor saúde e quais as
repercussões para a consolidação do SUS, em especial no que tange ao princípio da
equidade, visto como expressão da justiça no acesso à saúde, direito de cidadania.
Os fatores que influenciam a demanda e a oferta de serviços de saúde estudados pela
microeconomia tornam a temática interessante, haja vista as “falhas”, as ambivalências e as
especificidades reveladas. Importa, igualmente, aprofundar a relação entre demanda e
necessidades de saúde, ou como a demanda da população é percebida como expressão das
exigências humanas mais essenciais para se ter ou conquistar saúde, considerando‐se a
relação intersubjetiva que se estabelece entre profissionais e usuários, próprias do cuidado
em saúde (AYRES, 2001). Parte‐se da premissa de que a incongruência entre a oferta dos
serviços e as demandas dos usuários do SUS funda‐se na ambiguidade com que os
profissionais interpretam as necessidades de saúde da população, gerando ineficiência e
agravando a iniquidade no acesso a bens e serviços.
No escopo das políticas sociais, pressupondo‐se o contexto, as forças sociais e a
dinâmica que as conformam no capitalismo (OFFE, 1991), cabe considerar a relação entre
demanda e oferta de serviços de saúde para além do enfoque econômico, embora esse lhe
7 Esse tópico é composto de uma revisão conceitual sobre oferta, demanda e acessibilidade dos serviços de saúde, seguida de um artigo publicado Revista Saúde & Sociedade, Revista Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 189‐198, 2009.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
21
seja fundamental. Interessa, sobretudo, o cenário em que os distintos atores, ou seja,
gestores, empresários, profissionais de saúde ou usuários, relacionam‐se para produzir e
consumir serviços de saúde, o qual reflete‐se sobre as condições desiguais em que tais
relações ocorrem. Nessa perspectiva, a concepção de oferta insere‐se e expressa‐se na
produção das ações de saúde no âmbito da política pública, por meio da articulação
contextual entre rede física e uso adequado de equipamentos, profissionais e tecnologias
para atender às demandas da população. Significa dizer que o sentido de oferta de serviços,
para a saúde, imbrica‐se nos determinantes do modelo de atenção (PAIM, 2007; CAMPOS,
2006), transcendendo o enfoque das trocas de mercado inerentes ao ambiente econômico.
Por demanda dos usuários ao SUS, entende‐se a procura por determinados tipos de serviços
e, ou profissionais para resolverem seus problemas de saúde. A dissonância entre as razões
que levam as pessoas a buscarem os serviços de saúde e a capacidade de os profissionais
escutá‐las, adequadamente, respondendo de maneira satisfatória a ambos, ou o mais
próximo possível disso, constitui aspecto central para a gestão dos sistemas de saúde.
Ainda sobre o consumo de serviços de saúde, sob a ótica dos clássicos determinantes
econômicos de demanda e oferta, muitos estudos apontam as peculiaridades do setor
(PIOLA e VIANNA, 1996; CASTRO, 2002). Arrow (1963, citado por Iunes, 1995), elenca as
principais características desse tipo de relação de consumo:
a) do ponto de vista da pessoa, a demanda por serviços de saúde é irregular, tendo em
vista a imprevisibilidade da doença;
b) a demanda por atenção à saúde ocorre numa circunstância de vulnerabilidade, a
doença, que compromete a racionalidade do consumidor;
c) experiências anteriores não são aprendizados para futuras relações, pois
procedimentos bem sucedidos podem não ocorrer da mesma maneira;
d) a relação de confiança médico‐paciente é determinante no comportamento de
consumo e nem sempre ocorre sob os princípios adequados da clínica, da ética e da
racionalidade sistêmica;
e) a ética médica condena a propaganda e a competição; tais restrições limitam o
volume de informações, inclusive de preços, para o consumidor tomar decisões;
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
22
f) a entrada de novos profissionais e, portanto, a oferta de serviços é extremamente
regulada pela corporação médica, em especial no que se refere aos outros profissionais de
saúde8;
g) o mercado de atenção médica é caracterizado pela discriminação de preços para um
mesmo tipo de serviço;
h) a relação médico e paciente é assimétrica, sob o ponto de vista de conhecimento, o
que reduz as chances de escolha do consumidor.
Vê‐se que, pelas especificidades e profunda subjetividade do setor saúde, ele não pode
ser tomado como um “mercado autêntico”, uma vez que as premissas básicas para que as
leis da oferta e da procura operem livremente, em busca de um possível “equilíbrio”, não
existem: ou seja, a condição de liberdade de escolha das pessoas que procuram serviços de
saúde, em especial nas situações agudas de enfermidade, é restrita e vulnerável. São falhos
os determinantes clássicos da demanda para o caso da saúde. Os usuários, em geral, não
detêm informações suficientes para escolha racional dos bens e serviços, não são tidos como
os melhores “juízes” do seu próprio bem‐estar e nem capazes de planejar sua demanda e
consumo, principalmente no contexto do modelo biomédico de atenção à saúde. No geral,
observa‐se que diversos elementos comprometem a desejada perfeição do mercado para o
setor saúde. Essas “falhas”, que justificariam a atuação do Estado na regulação e garantia
dos direitos do cidadão, podem ser sintetizadas em:
a) assimetria de informações;
b) imprevisibilidade dos eventos de doença;
c) caráter das externalidades inerente aos bens públicos, ou seja, a capacidade de a
utilização individual promover benefícios para além daqueles gozados pelo consumidor9;
d) ocorrência de riscos e incertezas, que prejudicam a população mais idosa e, ou mais
exposta aos fatores condicionantes do processo saúde‐doença;
8 Cita‐se o caso da luta pela aprovação do “ato médico”, que inibe o exercício das demais profissões de saúde, ao tomar privativamente para o médico, habilidades, que são comuns a outras profissões, desde a semiologia e a clínica até as ações de promoção da saúde, por exemplo. Ver: http://www.atomediconao.com.br/. 9 Um exemplo usual é a campanha de vacinação da poliomielite. A imunização de uma parcela da população promove o bem‐estar coletivo por meio da “competição” entre os vírus selvagens, causadores da doença, e os atenuados, expelidos pelas fezes das pessoas vacinadas, com vantagens para a saúde de todos.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
23
e) risco moral, comum tanto nos seguros privados, como nos públicos de saúde, por
meio do qual o usuário tenderia a consumir mais do que o necessário porque seu gasto não
aumentaria com esse comportamento;
f) existência de barreiras, tanto do lado da oferta – regulação do exercício profissional
pelas categorias –, como da demanda – dificuldades no acesso dos usuários às consultas e
procedimentos (CASTRO, 2002; SANTOS, 2001).
Outro ponto a se analisar é a relação entre demanda, necessidade e utilização dos
serviços de saúde. No escopo da economia da saúde, a demanda é vista como liberdade de
escolha do consumidor, segundo suas preferências. Tal concepção opõe‐se ao conceito de
necessidade, em geral definida como quantidade de serviços que, na opinião médica, deve
ser consumida num determinado tempo para que as pessoas possam permanecer saudáveis
(IUNES, 2002). Assim, entre o desejo do usuário em ter acesso ao bem ou serviço e sua
utilização efetiva, existe um profissional que determina o quê, a quantidade, quando e as
condições em que tal consumo ocorrerá. Para além da crítica a alguns enfoques sobre
necessidades de saúde da população10, em geral considerada a expensas do usuário como
protagonista, importa especificar os meandros e repercussões da procura e do consumo dos
serviços de saúde para a gestão do SUS. Observa‐se que a atuação de um agente externo, o
médico, intermedeia a relação entre os pagadores – população, planos de saúde ou Estado –
e os prestadores de serviços – ofertantes de consultas, procedimentos e exames.
A figura do expert, médico, que define o que é bom para a saúde da pessoa, da família,
da sociedade e do sistema de saúde, está calcada em pressupostos “falhos” e insustentáveis
para o setor, quais sejam:
a) as decisões e encaminhamentos médicos são tecnicamente corretos, impessoais e
dissociados dos interesses pessoais;
b) o médico tem perfeito conhecimento das reais condições de saúde da população;
c) existe um padrão bem definido, entre os profissionais, do que seja “boa saúde”;
d) existe perfeito conhecimento sobre todas as possibilidades de intervenção e
hierarquização dos procedimentos, em especial nos aspectos de “custo‐efetividade”
(SANTOS, 2001).
10 A discussão sobre necessidades de saúde é realizada adiante, neste mesmo tópico.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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Para Castro (2002), esse profissional, agente econômico privilegiado, tem papel
estratégico no mercado em saúde, com poder de induzir tanto a demanda – por
procedimentos, consultas, exames, consumo de medicamentos, outros – como a oferta, no
papel de prestador de serviços.
No que concerne à organização dos serviços ambulatoriais, especializados e de
internações para atender às demandas de saúde da população, observa‐se no Brasil um
complexo médico‐hospitalar expressivo, por vezes acima dos parâmetros de oferta
recomendados por organismos nacionais e internacionais, embora marcado por
desigualdade regional. Tal conformação, que inclui a predominância numérica dos hospitais
filantrópicos e privados sobre os públicos, é fruto do “milagre” econômico da década de
1970, quando o governo investiu massivamente na construção de complexos médico‐
hospitalares eminentemente privados, subsidiada, em sua maioria, por recursos públicos
(MENDES, 1993; COHN e ELIAS, 2003). Essa herança, bem como a compra, pelo Estado, de
boa parte dos procedimentos produzidos pelo setor privado, em especial os mais caros,
tornam as relações entre o segmento público e o privado imbricado, profundamente
influenciado pelos interesses de mercado (SANTOS e GERSCHMAN, 2004). Em consequência,
pode‐se dizer que a demanda de serviços de saúde do SUS é extremamente induzida pela
oferta, ocasionando iniquidades regionais, má alocação de recursos, pouca racionalidade
sistêmica e desigualdade no acesso (CASTRO et al., 2005). Ou seja, a organização
indiscriminada de recursos, de profissionais, de equipamentos e de serviços para
atendimento aos problemas de saúde da população, oferta, influencia as demandas da
população, que passa a desejar exames, consultas e procedimentos, independentemente da
real necessidade sentida e, ou recomendada tecnicamente.
Como exemplo da falta de planejamento na alocação, distribuição e adequação da
oferta de serviços no país, e considerando‐se o parâmetro recomendado por organismos
nacionais e internacionais de 2 a 3 leitos por 1000 habitantes, observa‐se que a maioria das
Unidades Federadas cumpre esse requisito, com exceção da região norte (BRASIL, 2004a).
Tendo em vista que as desigualdades em saúde inserem‐se no contexto das iniquidades
sociais, refletindo‐as, predominantemente, vê‐se coerência com as assimetrias estruturais
das políticas públicas no país (TRAVASSOS, 1997). Sobre esse tema, destaque‐se um estudo
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
25
recente da Universidade de São Paulo (USP) divulgado pelo jornal Folha de São Paulo11,
ainda não publicado nos meios científicos, que afere a densidade da oferta de equipamentos
médicos por população, a partir de parâmetros internacionais.
Os resultados parciais, apresentados nesse artigo, confirmam a extrema desigualdade
na distribuição dos serviços de saúde. Na relação entre o número de equipamentos
existentes nas unidades de saúde por população, dos 50 primeiros municípios listados no
estudo, 22 têm menos de 5.000 habitantes e 27 até 10.000, havendo apenas uma capital
nesse ranking.
Outro dado alarmante é a quantidade de aparelhos de ressonância magnética e de
tomografia, recursos e procedimentos mais caros do SUS, que excede a recomendação da
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na referida
pesquisa, 89 cidades têm uma densidade de aparelhos de ressonância magnética e
tomografia superior a 100 para cada milhão de pessoas, enquanto o índice da OCDE é de 7,7
e 17,5, respectivamente.
A concentração de recursos médico‐hospitalares em algumas regiões do país contrasta
com a incipiente oferta de serviços em municípios menos desenvolvidos, e retrata as
desigualdades no acesso ao SUS. Por outro lado, evidencia a indução que a oferta produz
sobre a demanda, em especial nas regiões mais ricas do país, cuja pressão do mercado e das
corporações profissionais influencia a venda indiscriminada de bens e serviços para o poder
público. Essa situação acentua a ineficiência do gasto público em saúde, um dos sérios
problemas que o SUS tem de enfrentar, conforme constatado em recente estudo do Banco
Mundial (BIRD, 2007)12.
Do exposto, cabe adentrar no consenso sobre as possíveis saídas aos impasses para a
organização do SUS. Uma delas consiste na difícil tarefa de reorganizar os serviços, a partir
das necessidades de saúde da população. A partir dessa premissa, questiona‐se: de que
necessidade se fala? Do usuário, do profissional de saúde ou do gestor? Como os serviços de
saúde escutam as expressões do processo saúde‐doença das pessoas? De que formas são
interpretadas, encaminhadas e, ou atendidas as demandas trazidas pelas pessoas que
11 MAGALHÃES, João Carlos; REIS, Thiago. Má distribuição faz pequena cidade ter mais equipamentos. Folha de São Paulo, São Paulo, 02 set. 2007. Cotidiano, p. 1‐2. 12 A despeito do enfoque restritivo para as políticas sociais orientadas pelo Banco Mundial, em respeito à preponderância do mercado neoliberal globalizado, refira‐se à existência de técnicos e estudos consistentes, independentemente, da vinculação ideológica da instituição à qual pertencem.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
26
procuram os serviços de saúde? Será que o exercício da democracia, tão duramente
conquistada na conformação do SUS, foi incorporado às práticas de saúde? Embora fuja aos
objetivos deste estudo aprofundar todas essas questões, cabe uma reflexão sobre as
necessidades em saúde e as repercussões para um acesso mais equitativo ao SUS.
Das várias possibilidades de discussão sobre necessidades em saúde, seja pelo viés
econômico, epidemiológico, social ou da saúde coletiva, ambas as tendências concordam
quanto à dificuldade de conceituá‐la. Fala‐se muito mais dos enfoques, dimensões,
influências e recortes, do que propriamente de definições rígidas. Uma boa maneira de
começar, talvez seja pelos dicionários da área. No glossário da economia da saúde (PIOLA e
VIANNA, 1996), o termo necessidade aparece como “noção instrumental”, utilizado no
sentido de a pessoa precisar consumir cuidados de saúde. Distinguem‐se as “necessidades
sentidas”, aquelas singularizadas pelos sujeitos, as “necessidades expressas”, apresentadas
pela população aos serviços de saúde, e as “necessidades normativas”, identificadas pelos
profissionais de saúde. O dicionário de economia, na mesma linha, classifica o termo como
“exigência individual ou social que deve ser satisfeita por meio do consumo de bens e
serviços” (SANDRONI, 2005: 588). A obra distingue a origem das necessidades como natural
ou social. A primeira relaciona‐se à reprodução biológica (fisiológicas, alimentação, sono),
enquanto a segunda refere‐se à organização da sociedade, como educação, emprego, saúde
e outros.
Sobre a satisfação das necessidades, Sandroni (2005) a contextualiza na forma como a
riqueza é gerada, reproduz‐se e se distribui entre a população, tendo em vista a escassez de
bens e serviços para o atendimento de todos. Além da dicotomia entre o natural e o social,
difícil de sustentar em realidades complexas (MORIN, 2002), predomina nos enfoques
econômicos o sentido do consumo, que, apenas em parte, explica e subsidia a
operacionalização das políticas de saúde, tendo em vista os princípios do SUS.
No campo social, o atendimento das necessidades torna‐se objeto das políticas
públicas, entendendo‐as no escopo da correlação de forças estabelecidas na esfera
econômica de produção, que são vistas como “exigências humanas essenciais, requisitos
indispensáveis à subsistência” (OUTHWAITE e BOTTOMORE, 1996).
Segundo Marx e Engels (1993), o conceito se inscreve nas relações de produção, sendo
produto e condição para tal. Algo que precisa ser satisfeito para que a vida continue. É ao
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
27
mesmo tempo resultado e substrato das relações produtivas, viabilizadas pelo trabalho13. Na
acepção marxista, o ser humano trabalha para satisfazer suas necessidades básicas e as
reinventa a partir do trabalho, aperfeiçoando‐as. O modo de produção capitalista
desvirtuaria a essência genérica humana ao subsumir o trabalho em favor do capital,
descaracterizando o sentido ético da ação e da dignidade humana.
Vertentes mais críticas do marxismo atualizam essa visão, marcada por determinismo
ortodoxo econômico. A Escola de Frankfurt, por exemplo, recupera a subjetividade perdida
nas relações sociais do trabalho. Seus representantes advogam a influência que o
capitalismo exerce, por meio da cultura da mídia, na indução de necessidades de consumo
das pessoas, requisito central para que o capitalismo sobreviva (OUTHWAITE e BOTTOMORE,
1996; THOMPSON, 1995). Em vista das transformações atuais do capitalismo, que precisa
cada vez mais do trabalho imaterial, subjetivo, calcado no conhecimento humano para se
reproduzir, a visão marxista de necessidades, apesar de relevante e válida, por centrar‐se no
processo de trabalho, é contemporizada por correntes neomarxistas (HOLLOWAY, 2003;
HARDT e NEGRI, 2002; GORZ, 2005; LAZZARATO e NEGRI, 2001).
Ainda no escopo das políticas sociais, Pereira (2007) realiza pertinente revisão sobre o
conceito de necessidades humanas. Em busca de um elenco básico de demandas a ser
satisfeito pelas políticas sociais – que não se confunda com o mínimo da agenda neoliberal –,
a autora lista algumas abordagens sobre o assunto. Assim, influenciariam o conceito:
a) a ortodoxia econômica do bem‐estar, que confunde necessidades com preferências,
e cidadãos com consumidores, remontando‐se ao liberalismo clássico;
b) a “nova direita” que, a exemplo da ortodoxia econômica, equipara a satisfação das
necessidades com o funcionamento seletivo do mercado;
c) as críticas do imperialismo cultural, para as quais as necessidades variam de grupo
para grupo, e a universalização podem incorrer em relação de domínio sobre as minorias
sociais;
d) a visão marxista, fundada na concepção de necessidades como fenômeno histórico;
13 Cf. Marx (MARX, ENGELS, 1993: 3): “A forma como os indivíduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente aquilo que são, o que são coincide, portanto com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem como com a forma com que o produzem. Aquilo que os indivíduos são depende portanto das condições materiais da sua produção. Esta produção só aparece com o aumento da população e pressupõe a existência de relações entre os indivíduos.”
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
28
e) os democratas radicais, para os quais os grupos têm o direito de lutar pelos seus
interesses, mas sem desrespeitar as regras e a cultura que os unem aos demais membros da
sociedade;
f) os fenomenologistas, para os quais as necessidades são fenômenos socialmente
construídos, essencialmente subjetivos.
A autora critica os limites de todas as vertentes e chama a atenção para o excesso de
subjetividade e relativismo de algumas para a operacionalização das políticas, como o
culturalismo e a fenomenologia, apesar de reconhecer‐lhes a pertinência dos argumentos.
À guisa de uma abordagem das necessidades humanas, que transcenda tanto o
determinismo econômico, quanto o subjetivismo pouco operável para as políticas sociais,
Pereira (2007) encontra em Doyal e Gough (1991) uma saída interessante. Esses dois autores
procuram uma universalidade possível para as necessidades humanas, defendem que todos
os seres humanos, em todos os tempos, lugares e culturas, teriam “necessidades básicas
comuns”, e as distinguem, ainda, das necessidades não básicas, ou intermediárias, e de
aspirações, desejos ou preferências.
A implicação particular das necessidades básicas comuns seria “a ocorrência de sérios
prejuízos à vida material dos homens e à atuação deles como sujeitos (informados e
críticos), caso essas necessidades não sejam adequadamente satisfeitas” (PEREIRA, 2007:
68). Doyal e Gough acreditam que tais exigências comuns aos seres humanos seriam
objetivas e universais, delimitam a “saúde física” e a “autonomia” como pré‐condições para
se alcançarem os objetivos da participação social. Não sendo um fim em si mesmo, os
princípios‐chave que alimentariam tais necessidades seriam a participação e a libertação.
Doyal e Gough distinguem a autonomia básica ou “de agência” como aquela em que o
sujeito é capaz de eleger objetivos e crenças, valorá‐los, responsabilizar‐se por decisões e
atos. Para tanto, as pessoas teriam de dispor de um grau de compreensão de si mesmas
(saúde mental), de capacidade psicológica para formular opções para si próprias e de
oportunidades objetivas que lhes permitiriam agir. A autonomia crítica – um estágio mais
avançado – é descrita como “a capacidade das pessoas de não apenas saber eleger e avaliar
informações com vistas à ação, mas de criticar e, se necessário, mudar as regras e práticas
da cultura a que pertencem” (PEREIRA, 2007: 74).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
29
O alcance desse nível de satisfação das necessidades estaria relacionado à existência
de alguns “satisfatores” ou necessidades intermediárias, segundo Doyal e Gough, que
seriam:
a) alimentos adequados e água potável;
b) habitação adequada;
c) ambiente de trabalho sem riscos;
d) meio físico sem riscos;
e) cuidados de saúde apropriados;
f) proteção à infância;
g) relações primárias significativas;
h) segurança física;
g) segurança econômica;
h) educação básica;
i) planejamento familiar, gravidez e parto seguros.
A garantia de liberdade dos direitos civis, políticos e de acesso aos “satisfatores”, bem
como de participação política, seriam pré‐condições para viabilização das políticas sociais.
Observa‐se que grande parte dos requisitos para a garantia da autonomia como requisito da
necessidade, seja ela de agência ou crítica, relaciona‐se ao conceito ampliado de saúde
traçado na Constituição Federal de 1988, sobre o qual se inscreve o SUS. O direito à saúde,
numa visão intersetorial, e inserida num determinado contexto sociohistórico, constitui um
dos alicerces da cidadania ativa, que por sua vez, depende de condições estruturais do
desenvolvimento humano das nações para se efetivar.
Assim sendo, cabe ponderar a pluralidade que o tema inspira, em especial para o
campo da saúde, cujos aspectos culturais, sociohistóricos e subjetivos precisam ser
considerados na satisfação das necessidades de saúde trazidas pelos usuários. Sobre o
assunto, Campos e Bataeiro (2007), apesar do viés marxista pouco arejado, realizam
interessante análise sobre as concepções de necessidades de saúde que aparecem em
publicações de periódicos da área.
Campos e Bataeiro questionam se as necessidades são apreendidas pelos serviços de
saúde e qual o conceito é utilizado com maior frequência. Dos 73 resumos encontrados em
bases científicas digitais, essas autoras delimitam três categorias empíricas sobre o tema:
a) oferta e demanda de ações nos serviços de saúde;
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
30
b) administração e planejamento de serviços de saúde;
c) necessidades de saúde.
Os resultados indicam que os serviços, em geral, lidam com as necessidades das
pessoas sob a ótica restrita da doença, com pouca preocupação com abordagens processuais
de saúde‐doença. Além disso, os resumos apresentam visões, predominantemente,
instrumentais da racionalidade econômica, inscritas no paradigma hegemônico do modelo
biomédico, calcado no consumo de consultas.
Tal cenário, além de perpetuar práticas pouco dialógicas, que desconsideram as
necessidades dos usuários na produção das ações de saúde, incorre na perpetuação do
modelo de atenção centrado no hospital, no médico e na doença, bem como na dificuldade
em realizar‐se acesso efetivo, gerando ineficiência equitativa do sistema de saúde.
Urge no setor saúde, seja no âmbito das práticas ou da organização dos serviços,
repensar a forma com que as necessidades são consideradas pelos profissionais, técnicos,
gestores e demais atores que conformam as políticas de saúde. Há de se transcender a visão
medicalizante, autoritária e prescritiva com que as demandas dos usuários são respondidas
pelos serviços. No âmbito das práticas, o resgate da autonomia e da participação crítica dos
sujeitos, sejam individuais ou coletivos, no processo de restabelecimento ou promoção da
saúde, precisa tornar‐se imperativo ético. Para tanto, há de se aperfeiçoar tecnologias que
instrumentalizem os profissionais para abordagens mais democráticas dos problemas de
saúde da população (CUNHA, 2005).
Por outro lado, a micropolítica do trabalho em saúde, ‘vivo em ato’ (MERHY, 2002b),
repercute na forma com que os serviços se organizam para atender às demandas da
população – expressão ou não de suas necessidades. Essa escuta ampliada das demandas
por serviços de saúde, que pode identificar os motivos e as racionalidades que movem os
usuários no sistema de saúde, precisa igualmente de novos olhares e formas de gestão. O
confronto que se estabelece entre a cegueira dos serviços frente à voz, nem sempre clara,
dos cidadãos que os procuram, redunda em dificuldade de acesso efetivo, na perspectiva
revisada por Travassos e Martins (2004), para os quais a utilização seria uma dimensão do
acesso, caracterizada pelo consumo do serviço de saúde ofertado.
A perspectiva ampla do termo acesso, por seu turno, contempla fatores explicativos
contextuais, tais como as necessidades e a qualidade do cuidado, foca‐se no domínio da
efetividade das ações e na satisfação dos usuários. A acessibilidade dos serviços de saúde, ou
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
31
a adequação da forma de organização dos profissionais e das tecnologias às necessidades
dos usuários, passa pela inversão da lógica com que os mesmos se organizam.
Em vez de se criarem demandas, a partir da oferta indiscriminada e desigual de
serviços, esses é que precisam estruturar‐se a partir das exigências e dos problemas de
saúde dos cidadãos. Nisso reside uma mudança de termos e sentidos no acesso ao SUS, para
que o paciente deixe de esperar, passivamente, pelo que lhe é de direito, e assuma a
perspectiva crítica de protagonizar a conquista de sua saúde e da comunidade a que
pertence. Trata‐se de ampliar o conceito de equidade, e a pluralidade que ele assume no
âmbito do SUS, ou seja, tratamento igual para necessidades iguais, igualdade de
oportunidade na utilização de serviços, uso igualitário e a partir das necessidades humanas,
ou na saúde como bem público para todos (PORTO, 1996; TRAVASSOS, 1997).
Pelo tamanho dos desafios que a gestão do sistema de saúde brasileiro tem de
enfrentar, tal premissa traduz‐se na redução das desigualdades na alocação de recursos
financeiros entre as regiões e na redistribuição mais equitativa dos serviços. Pressupõe‐se,
ainda, a garantia da universalidade e da democracia no acesso, bem como uma melhor
adequação da oferta às necessidades da população, sobretudo aquelas de autonomia, de
crítica e de participação.
3.2 Para além da atenção básica: reorganização do SUS por meio da interseção do político
e do econômico14
A organização da assistência à saúde no SUS, por meio da rede de serviços de
atenção básica (AB), de média (MC) e de alta complexidade (AC), é realizada pela
centralidade dos procedimentos médico‐hospitalares sobre a promoção da saúde,
preponderantemente. Tal característica é fruto de um modelo de atenção marcado pela
hegemonia dos interesses da corporação médica, das indústrias e dos serviços privados de
saúde. A tendência manifesta‐se na compra indiscriminada de serviços do setor privado pelo
público e na baixa qualidade da atenção básica do SUS, o que contribui para a ampliação do
uso de planos privados pela classe média.
14 GÖTTEMS, L. B. D.; PIRES, M. R. G. M. Para além da atenção básica: reorganização do SUS por meio da intercessão do político com o econômico. Revista Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 189‐198, 2009. (Texto adaptado com revisões).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
32
Estudo oportuno sobre a oferta de serviços no Brasil (SANTOS e GERSCHMAN, 2004),
com foco nos arranjos institucionais, credores, pagadores e provedores, argumenta sobre a
segmentação de clientelas, segundo as lógicas de mercado, e acrescenta, ainda, que o poder
de compra dos consumidores prepondera sobre os princípios do SUS, com diferenciações na
qualidade e no tipo de serviço disponível.
No que se refere à concepção de atenção básica, recente portaria ministerial (BRASIL,
2006) ratifica a visão clássica da atenção primária à saúde (APS) enquanto primeiro nível de
atenção, estratégia e filosofia para organizar os serviços de saúde (STARFIELD, 2002), e é
descrita como
[...] um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde (BRASIL, 2006: 1).
Acrescente‐se o caráter democrático e integrado das ações, bem como os princípios
que norteiam a organização dos serviços pela Estratégia Saúde da Família, como o trabalho
em equipe, a territorialização, a co‐responsabilidade sanitária, o foco nas necessidades da
população, e a Unidade Básica de Saúde (UBS) como contato preferencial dos usuários com
o sistema de saúde.
Observam‐se dualidades na política oficial, uma vez que a concepção ampliada do
conceito de saúde choca‐se com a delimitação programática das ações, inicialmente,
proposta pela Norma Operacional de Assistência a Saúde 01/02 (NOAS) (BRASIL, 2002), e
reeditadas no referido documento. Na conjuntura política e econômica em que a proposta
de implantação do SUS se insere, convém considerar a atenção básica de forma ambígua. Ou
seja, ora como um conjunto de ações que pode viabilizar mudanças a partir dos seus
princípios, e em diálogo com os demais níveis, como advoga o discurso da Estratégia Saúde
da Família (ESF), ora como programas de saúde pública, exequíveis por meio de atividades,
atribuições e normas bem definidas.
A média e a alta complexidade inserem‐se num cenário permeado por disputas mais
acirradas entre o público e o privado. Numa primeira conceituação, a MC pode ser
entendida como um conjunto de ações ambulatoriais e hospitalares caracterizadas pela
especialização médica, procedimentos diagnósticos e terapêuticos, adensamento
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
33
tecnológico e oferta baseada na economia de escala. A economia de escala, no setor saúde,
se expressa na redução dos custos da produção, à medida que o volume, ou a demanda por
ações de saúde aumenta (PIOLA e VIANA, 1995). Pauta‐se, nessa lógica, a organização do
SUS por níveis de complexidade, em que os serviços de atenção básica tendem a ser
dispersos e próximos da população. Os de média e alta complexidade são regionalizados,
localizados em emergências, ambulatórios de especialidades e internações hospitalares,
visando à concentração do volume para redução de custos. Alie‐se a isso o princípio da
equidade no acesso, em que a primazia do direito à saúde se sobrepõe à eficiência
econômica (TRAVASSOS, 1997). A alta complexidade é expressa como
[...] um conjunto de procedimentos que, no contexto do SUS, envolve alta tecnologia e custo, objetivando propiciar à população acesso a serviços qualificados, integrando‐o aos demais níveis de atenção (atenção básica e de média complexidade) (BRASIL, 2007a:18).
Percebe‐se que esse conceito define‐se, igualmente, pelo fator econômico,
pautando‐se na regulação para aperfeiçoar a escassez da oferta.
As ações básicas de saúde públicas, de menor custo e consumidas eminentemente
pela população pobre, com baixo poder de vocalização e mobilização política, interferem
muito pouco na relação entre mercado e trabalho, inerente à conformação das políticas
sociais (BEHRING, 1988; LAURELL, 2002). Por outro lado, a média e a alta complexidades têm
interface direta com o financiamento e a manutenção do setor privado de serviços. O setor
público financia parte das ações mais caras ofertadas pela rede de prestadores – a alta
complexidade – mantendo uma situação rentável para os hospitais privados, que
corresponde a 61,8% dos estabelecimentos de saúde e mais de 60% dos leitos do Brasil
(BRASIL, 2004).
Em linhas gerais, o SUS, forjado no seio do modo liberal‐privatista de organizar a
provisão de cuidados à saúde (CAMPOS, 2007), continua comprando os procedimentos mais
caros ofertados pela rede privada. Além disso, mantém baixa a concorrência entre os
serviços públicos e os privados de AB e MC, possui clientela três vezes maior e com pouco
poder de pressão. Para atender a esses usuários conta com uma oferta própria,
comparativamente menor, uma vez que apenas 42,6% dos estabelecimentos de saúde e
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
34
39,3% dos leitos são públicos, e regula precariamente os prestadores de serviços (MATOS e
POMPEU, 2003).
3.2.1 Intercessão do político e do econômico para reorganização do SUS
Nos últimos anos, em especial a partir da década de noventa com a expansão do
Programa Saúde da Família (PSF), discute‐se que a mudança do modelo de atenção poderia
ser feita a partir da atenção básica. Por modelo de atenção, entende‐se a forma com que a
assistência à saúde é produzida e se estrutura nos serviços para atender às necessidades da
população. Concebe‐se pela articulação entre sujeitos (gestores, profissionais de saúde e
usuários); tecnologias (conhecimentos aplicados) e recursos físicos (insumos, equipamentos,
infraestrutura) utilizados no processo de trabalho para intervir nos problemas de saúde
individuais e coletivos, contextualizados sociohistoricamente, e diz respeito ao modo de
organizar as ações e os serviços de saúde, expressando‐se no cotidiano das regras, normas e
condicionantes macroeconômicos que conformam as políticas de saúde. O foco na
autonomia dos sujeitos, na interdisciplinaridade e nas potencialidades partilhadas dos
recursos locais, ampliando a noção de “clínica” para além do biológico, definiria a nova
forma de agir em pauta, diferente da tradicional, em que a doença e a fragmentação dos
processos de trabalho predominam sobre as necessidades dos usuários (CUNHA, 2005;
PAIM, 2006).
O potencial da mudança, que a atenção básica enseja, pelo menor aprisionamento
das práticas, pela formação de vínculos com as famílias, pela capilaridade e pelo poder de
mobilização das redes sociais (PIRES, 2004), parece não ser suficiente para mudar a lógica de
produção das ações em saúde, considerando‐se as disputas entre capital e trabalho
mediadas pelo Estado na conformação das políticas sociais (OFFE, 1991). A atenção básica
precisaria de maior articulação entre as dimensões política e econômica da política de saúde
para a reestruturação dos serviços no SUS. Para análise dessa premissa, verificam‐se os
principais argumentos usados para discutir a reorganização dos modelos assistenciais, a
partir da APS.
Desde a conferência de Alma Ata, em 1978, que estabeleceu o lema “saúde para
todos no ano 2000”, a utopia de transformação de sistemas de saúde, a partir das
concepções e práticas ampliadas da APS, inspirou movimentos de reforma sanitária em
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
35
diversos países, inclusive no Brasil. Há consenso de que Alma Ata influenciou, na década de
80, reformas tanto em países de baixa renda, preponderantemente, como nos
industrializados – em menor escala, devido a melhores condições de saúde da população
(GREEN et al., 2007). A conquista do SUS legal, fruto de um movimento social, que envolveu
intelectuais, profissionais de saúde e setores médios da população, contemplou os ideais de
justiça e democratização do sistema de saúde, a partir da implantação de seus princípios
(FLEURY, 1997; ESCOREL, 1998). Recentemente, o não cumprimento da meta “saúde para
todos no ano 2000” tem levado governos, profissionais de saúde, técnicos e intelectuais a
refletirem sobre o tema.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan‐americana de Saúde
(OPAS) ratificam a APS como eixo da reorganização dos sistemas de saúde, cujas diretrizes
têm orientado as políticas de saúde de distintos governos.
Em recente ensaio15, em que se reafirma a necessidade de renovação da atenção
primária à saúde nas Américas, em consonância às orientações da OMS, Macinko et al.
(2007) afirmam que existem evidências científicas para correlacionar a atenção primária e a
efetividade dos sistemas de saúde no mundo todo e, advogam a adaptabilidade dos
pressupostos aos distintos contextos sociais, políticos e econômicos dos países.
Dentre os motivos para a renovação proposta, destacam‐se:
1) a APS seria condição para o alcance das metas do milênio: acabar com a fome e a
miséria; oferecer educação básica e de qualidade para todos; reconhecer a igualdade entre
os sexos; valorizar a mulher; reduzir a mortalidade infantil; melhorar da saúde das gestantes;
combater a AIDS, a malária e outras doenças; a qualidade de vida e respeitar o meio
ambiente (PNUD, 2007);
2) o aproveitamento das lições aprendidas nos 25 anos decorridos desde Alma Ata;
3) o surgimento de novos desafios epidemiológicos;
4) a correção de alguns desvios nos enfoques divergentes da APS implementados em
alguns países;
5) o desenvolvimento de conhecimentos para tornar mais efetivas as práticas de APS;
15 La renovación de la atención primaria de salud en las Américas. Revista Panamericana de Salud Publica, Washington DC USA, vol. 21, n. 2‐3, Feb./Mar. 2007, p.73‐84.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
36
6) o reconhecimento de que a APS é uma ferramenta importante para reduzir
desigualdades sociais;
7) a APS seria condição para enfrentar os determinantes sociais, e alcançar altos
níveis de saúde da população.
Nesse documento são defendidos, ainda, compromissos, concepções, valores,
princípios e elementos essenciais para um sistema de saúde baseado na APS e apresentadas
linhas estratégicas para a implantação da proposta. No campo das definições, considera‐se
que um sistema de saúde fundado na APS constitui uma estratégia de organização integral,
pautada na saúde como direito universal, equitativo e solidário e apresentam‐se os
seguintes princípios:
a) intersetorialidade;
b) participação;
c) sustentabilidade;
d) justiça social;
e) responsabilidade e prestação de contas dos governos;
f) orientação para a qualidade;
g) respostas às necessidades da população.
Enumeram‐se, também, Nesse texto os elementos essenciais:
a) acesso e cobertura universais;
b) atenção integral e continuada;
c) ênfase na promoção e prevenção;
d) atenção adequada;
e) orientação familiar e comunitária;
f) mecanismos de participação ativa;
g) políticas e marco legal sólidos;
h) organização e gestão ótimas;
i) políticas e programas para promover equidade;
j) contato preferencial aos serviços de saúde;
k) recursos apropriados;
l) recursos adequados e sustentáveis;
m) ações intersetoriais (Macinko et al., 2007).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
37
Não obstante a relevância desses preceitos para o desenvolvimento de nações justas
e éticas, percebe‐se o tom ideológico das diretrizes da OMS/OPAS nem tanto pelo que
afirma, mas pelo que não diz. Num discurso que cabe tanto à direita, quanto à esquerda, as
recomendações praticamente confirmam os equívocos presentes na declaração de Alma
Ata, ou seja, ratifica a ordem econômica mundial vigente e delega, unicamente, para o
espaço da política a tarefa de viabilizar políticas de saúde universais. Cabe acrescentar que o
acesso universal e a atenção integral representam diretrizes que, em tese, são compatíveis
tanto com o desenho socializante da tradição européia dos sistemas nacionais, quanto com a
tradição norte‐americana liberal‐privatista (CAMPOS, 2007). Nem a declaração de 1978, nem
a atual, explicitam como subverter a atual mercantilização da saúde apenas pelo escopo da
política; muito menos, como alcançar a equidade em contextos em que prepondera o lucro
das indústrias de bens e serviços de saúde, concentradas nos países desenvolvidos.
Tendo em vista as atuais transformações sociais, políticas e econômicas do
capitalismo, a discussão sobre o modelo assistencial é complexa, por envolver as
repercussões ocorridas com o advento da globalização. A transnacionalização e a rápida
circulação do capital financeiro, facilitadas pela conectividade das informações, modificaram
as lógicas de produção e de acumulação capitalistas; modificaram, também, o papel do
Estado na regulação do mercado, que agora rompe as fronteiras nacionais e conforma um
“império” com múltiplos focos de poder descentralizados (HARDT e NEGRI, 2002). Tal
contexto macroeconômico repercute duramente nos países periféricos, como o Brasil, com
influências sobre as políticas sociais (PIRES e DEMO, 2006).
A intocabilidade na ordem econômica mundial é explicitada em ambos os
documentos, como se observa no trecho da declaração de Alma Ata:
[...] o desenvolvimento econômico e social baseado numa ordem econômica internacional é de importância fundamental para a mais plena realização da meta de saúde para todos e para a redução da lacuna entre o estado de saúde dos países em desenvolvimento e dos desenvolvidos. A promoção e proteção da saúde dos povos são essenciais para o contínuo desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhor qualidade da vida e para a paz mundial (Rede de Direitos Humanos e Cultura, 2007).
Afirmar que a “ordem econômica internacional” é requisito para a realização da meta
de “saúde para todos” revela certa incoerência. Seria possível garantir universalidade no
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
38
direito à saúde apenas pelo viés do mercado, que se assenta na mais‐valia e na concentração
de renda? Pelo que se tem visto, a primazia do lucro sobre o bem comum, marca das
economias liberais, tem alargado as desigualdades sociais no mundo todo (SANTOS, 2002).
Na versão atual de Alma Ata, o documento da OPAS é menos explícito na filiação
ideológica. Porém, uma leitura atenta desvela aspectos do neoliberalismo presentes nos
compromissos assumidos pelas nações, na 18º reunião da OPAS. Um deles, “o
reconhecimento das funções decisivas tanto do indivíduo quanto da comunidade para
estabelecer um sistema baseado na APS” (MACINKO et al., 2007), embora seja requisito
importante para o controle democrático da população sobre os poderes públicos, aponta
certa tendência em individualizar e responsabilizar a sociedade, privadamente, por questões
que são de ordem pública e requerem a mediação essencial do Estado.
De todo, vislumbra‐se uma situação ideal de saúde desconectada dos desafios
globais, que países periféricos da América, como o Brasil, têm de enfrentar. Algumas dessas
questões centrais com que o SUS se depara são:
a) importação da maioria dos equipamentos, medicamentos e insumos necessários à
oferta de serviços de saúde, gerando dependência internacional;
b) baixa competitiva do setor industrial em saúde;
c) pouca capacidade produtiva em conhecimento e tecnologias, capaz de aumentar a
autonomia e o desenvolvimento econômico;
d) elevação da taxa de juros para atrair capital, comprometendo os investimentos
internos;
e) submissão das políticas sociais às determinações restritivas impostas por bancos,
credores e FMI;
f) contingenciamento orçamentário para pagamento da dívida externa e aumento
dos fundos de reserva nacionais, gerando políticas públicas restritivas e focalizadas (PIRES e
DEMO, 2006; GADELHA, 2003).
Para os dilemas da gestão do SUS – como o subfinanciamento das ações e serviços, a
frágil regulação do setor privado, a incipiente política de desenvolvimento tecnológico e as
iniquidades no acesso aos serviços – as orientações dos organismos internacionais pouco
contribuem para a redistribuição das desigualdades sociais. É pouco provável a coexistência
de sistemas de saúde universais, equânimes e solidários com a concentração de renda e
poder. Para ampliar as garantias sociais, há de haver intervenção no mercado de bens e
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
39
serviços em favor do direito à saúde ou, numa visão mais global, desenvolvimento das
capacidades produtivas do país, calcado no trabalho imaterial, que se alimenta do
conhecimento humano (LAZZARATO e NEGRI, 2001; GORZ, 2005). Tal pressuposto é
requisito central para aumentar a competitividade das nações periféricas no capitalismo
global.
Observa‐se, nas justificativas para a “renovação da APS”, certa limitação na aposta da
relação entre saúde e desenvolvimento humano como condição determinante para o
alcance das “metas do milênio”. A afirmação de que a organização de sistemas de saúde
fundados na atenção primária é suficiente para a redução de desigualdades sociais
estruturais, como acabar com a fome, soa incompleta e dissociada do contexto
sociohistórico. Creditar ao setor saúde a responsabilidade de modificar questões complexas,
como aumentar os níveis de educação do país ou reduzir as discriminações sociais, parece
ter sido o principal equívoco da implantação do SUS (CONH, 2003). A escolha de um sistema
“híbrido” entre o modo liberal e socializante de organizar o cuidado à saúde (CAMPOS,
2007), em que o pagamento de prestadores privados de serviços hospitalares convive com a
oferta de atenção básica eminentemente pública e gerida pelo Estado, tem limitado a
consolidação do acesso universal e da atenção integral. A opção de o Estado brasileiro
assumir a APS como estratégia para a “revolução social” (CAMPOS, 2007), num contexto
marcado por extremas desigualdades sociais condizentes com países periféricos, não tem
sido suficiente para reordenar renda e poder. Nesses termos, é como se fosse possível fazer
a revolução por dentro do Estado, algo controverso se o considerarmos, no final das contas,
Estado capitalista (COCCO, 2001).
Contrapondo‐se aos argumentos apresentadas pelas correntes liberais, que
concebem uma relação de causa e efeito entre saúde e desenvolvimento humano, como se
ambos não fossem dialeticamente imbricados, Gadelha (2005) realiza consistente revisão
teórica internacional e cita três estudos curiosos, que desmistificam a relação direta entre os
indicadores de saúde e o crescimento econômico. O primeiro questiona a relação entre taxa
de crescimento e mortalidade infantil e conclui que a educação e o contexto institucional
geral são mais centrais para as condições de saúde e o desempenho econômico das nações.
O segundo não encontra evidência entre aumento da expectativa de vida e a renda per
capita, indicando que, apesar de os países periféricos estarem com os indicadores de saúde
um pouco melhores, a distância econômica acentua‐se. O terceiro faz estimativas entre os
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
40
PIBs dos países, caso fossem eliminadas as adversidades de saúde, e conclui que, na situação
hipotética de igualdade das condições de saúde, a diferença entre os 10% mais ricos e os
10% mais pobres cairia dos atuais 20,5 para 17,9, o que é irrisório.
O autor argumenta pela não incorporação da saúde como um fator genérico nas
funções econômicas de produção: parte da ideia de que é necessário repensar a saúde no
contexto histórico‐estrutural, na sua inserção global e na relação com a assimetria do
progresso tecnológico. Gadelha (2005) localiza semelhanças entre a agenda liberal e a forma
como o tema saúde e economia vem sendo tratado no Brasil: ou seja, sujeição às falhas de
mercado, tecnologias de baixos custo e complexidade, foco na atenção primária,
municipalização e saúde como direito individual. À guisa de uma breve síntese, questiona:
[...] um país e um povo pobre, dependente, desigual, sem acesso a conhecimento, com condições precárias de trabalho e sem capacidade de aprendizagem, mas que venha elevando sua expectativa de vida, é saudável? (Gadelha, 2006: 332).
Se entendermos saúde na perspectiva histórico‐estrutural, resultado dos processos
produtivos e das relações sociais, responde‐se sonoramente não ao questionamento do
autor. Para se mudarem as condições de pobreza, educação, trabalho, renda, poder e,
portanto, saúde, numa nação democrática, precisa‐se mais que sistemas de saúde fundados
na APS. Ratifica‐se a necessidade de se interferir nas lógicas desiguais de acumulação
capitalista, buscando‐se maior equidade no acesso às políticas sociais. Tal tarefa é complexa
demais para se confinar ao idealismo dos valores, princípios e elementos da proposta de
renovação da APS. Embora o espaço da política seja essencial para a pactuação das questões
de interesse público, ele não ocorre destituído de poder e dos interesses privados, em
especial no capitalismo. Para um embate de tal envergadura, há de se fortalecer o sentido
do bem comum e da cidadania na sociedade civil, situação ainda distante em países como o
Brasil (CARVALHO, 2004).
Cabe reafirmar que, para que a atenção primária à saúde possa conferir equidade e
universalidade no acesso ao SUS, é preciso que ela seja suficientemente capaz de interferir
no mercado de bens e de serviços de saúde. O potencial estratégico da relação entre os
diferentes níveis de atenção do SUS reside na possibilidade de se agregar ao poder de
vínculo e mobilização da comunidade, inerentes à APS, uma melhor regulação do sistema de
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
41
saúde, em especial sobre a oferta de especialidades diagnósticas e terapêuticas,
pertencentes à média e alta complexidades. A atenção básica precisa de maior poder de
resposta, por meio da incorporação de tecnologias e relação eficiente com as especialidades.
Os valores, princípios e elementos da APS destacados pela OPAS seguem como utopia para o
sistema de saúde brasileiro, tão duramente conquistado no bojo da democratização do país.
Porém, cabe entendê‐los na conjuntura neoliberal e globalizada, na perspectiva de
vislumbrar estratégias capazes de ampliar a cidadania.
Argumenta‐se que não é propriamente a atenção básica, mas a relação entre os
níveis de atenção do SUS, o ponto estratégico para se operarem as mudanças necessárias ao
modelo de saúde vigente. A interface das UBSs com as urgências, serviços especializados e
de diagnóstico confere maior adensamento tecnológico, resolubilidade e organização dos
fluxos de usuários para continuidade da assistência. Uma vez melhor articulada a AB com a
MC, tende‐se a impactar as ações de alta complexidade do SUS, racionalizando a utilização
dos serviços, a partir das demandas da população. Em consequência, a relação do poder
público com os prestadores privados de saúde terá de sofrer maior regulação por parte do
Estado, interferir no status quo de venda de serviços indiscriminada e pouco controlada
(MATOS e POMPEU, 2003).
Outro ponto importante refere‐se ao impacto que um sistema público eficiente pode
ter sobre a venda de planos privados de saúde. Se hoje tal comercialização ocorre, em
muito, capitaneada pelas debilidades da atenção básica e da média complexidade do SUS,
essa relação poderia mudar com uma oferta pública de maior qualidade. As melhores
políticas sociais, no Brasil, são acessadas mais facilmente pelas classes médias e altas, que
detêm maior poder de vocalização de suas demandas (DEMO, 2005). Não se advoga que
ocorra um retrocesso na universalidade do SUS, ou que os ricos tomem o lugar dos pobres.
Porém, a presença da classe média como usuária do sistema público de saúde tem se
mostrado requisito importante para a conquista da cidadania. Como exemplo, cita‐se o
programa nacional de AIDS, referência mundial e palco importante dos movimentos
organizados da sociedade civil, na sua relação com o Estado.
A luta iniciada pela Reforma Sanitária e demais atores sociais para a implantação do
SUS precisa inserir as questões econômicas nos diversos espaços políticos de decisão para
conquista do acesso à saúde universal. Para além das necessárias reivindicações de
ampliação do orçamento e regulamentação da Emenda Constitucional 29/2000 (SANTOS,
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
42
2005), há de se incluir na pauta de negociação aspectos que se imbricam no mercado de
bens e serviços de saúde, tais como:
a) a relação com os prestadores privados de saúde;
b) as políticas de investimentos para geração de conhecimentos e tecnologias para o
setor;
c) a submissão das emendas parlamentares à gestão do sistema de saúde;
d) a regulação dos planos e seguros privados de saúde;
e) regulação da gestão do trabalho em saúde;
f) a relação entre gastos públicos e resultados em saúde, dentre outros.
Tratar a saúde como um bem público e capital social, portanto implicados nas
relações de mercado, parece ser um caminho viável para a intercessão do político e do
econômico rumo à sustentabilidade do SUS. Tal perspectiva transcende o discurso focalizado
na APS como caminho para a implantação de sistemas de saúde universais.
Do exposto, conclui‐se que a atenção básica, embora possa constituir‐se espaço
político para produção de dinâmicas e tecnologias mais partilhadas de poder, tem tido pouca
influência no reordenamento do mercado de bens e de serviços de saúde, comprometendo
seu potencial para inversão do modelo de atenção. No caso brasileiro, observa‐se a limitação
da atenção primária à saúde desencadear a reorganização dos serviços no SUS.
A atenção básica capaz de interferir na lógica da oferta, a partir da demanda,
promover maior acesso, equidade e racionalidade econômica ao SUS, é aquela que melhor
se articula com os serviços de urgência, especialidades e diagnose‐terapia. Associe‐se a isso
uma população politicamente atuante, sabedora dos seus direitos e que exerça com firmeza
o controle social sobre o governo na implementação de políticas sociais de qualidade. A
inclusão da dimensão econômica na agenda da Reforma Sanitária aparece como
componente central para o atual contexto globalizado e restritivo das garantias sociais. Eis
um caminho estratégico para reorganização do sistema de saúde em pauta, orientada pelos
princípios e diretrizes que ratificam a saúde como direito inalienável, não sujeito às
intempéries do mercado.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
43
4 METODOLOGIA
O método de abordagem utilizado neste trabalho é o da pesquisa avaliativa, entendida
como averiguação, em que interagem e disputam espaços de poder avaliadores e avaliados,
inseridos em uma conjuntura social complexa, orientada para propor mudanças no cenário
em foco. Para tanto, adotou‐se a triangulação de métodos proposta por Minayo (2005), cujo
ato investigativo considera abordagens amplas, para além da clássica tipificação de análise
calcada em estrutura, processo e resultado.
A avaliação, como estratégia investigativa, é entendida como um processo sistemático
de fazer perguntas sobre o mérito e a relevância de determinado assunto, proposta ou
programa; objetiva estimular processos de aprendizagem e de desenvolvimento de pessoas
e de organizações, em interação com a metodologia do processo avaliativo; centra‐se na
consolidação de entendimentos e parcerias, no apoio às mudanças, na correção de rumos e
na ampliação do comprometimento dos diferentes atores; visa a fortalecer o grupo,
limitando o poder dos gestores e promovendo o diálogo do pluralismo de valores,
inevitavelmente presente, quando se trata de definir prioridades em saúde, objeto
primordial do planejamento em saúde (MINAYO, 2005, BOSI e MERCADO, 2006). A avaliação
por triangulação de métodos incorpora a análise das estruturas, dos processos e dos
resultados, com a compreensão das relações envolvidas no desenvolvimento das ações,
levando em conta a visão que os participantes constroem sobre a proposta (MINAYO, 2005).
Nesta pesquisa, apresenta‐se um estudo de caso (BAUER, 2002; MINAYO, 1992), o qual
expressa um determinado foco no cenário de complexas condições socioeconômicas e
culturais da realidade, sendo parte dele, na totalidade. Um estudo de caso representa uma
significação estratégica e exemplar para a investigação, devendo ser interpretado à luz das
referências teóricas e do contexto sociohistórico em que se insere (THOMPSON, 1995). A
unidade‐caso ou “corpus”16 desta etapa investigativa compõe‐se das informações formais e,
ou informais produzidas pelos diversos atores que viabilizam ou influenciam os serviços e as
práticas da atenção básica em Belo Horizonte.
16 Para Orlandi (2001), a delimitação do corpus e a análise da pesquisa estão intimamente relacionadas, uma vez que decidir sobre a constituição do corpus envolve priorizar certas propriedades discursivas.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
44
Por centrar‐se na dinâmica da relação entre os serviços de saúde do SUS, são utilizadas
abordagens quantitativas e qualitativas, entendendo‐as complementares, para interpretar e
desvelar as realidades. Tal intento pressupõe reconhecer que as correntes teóricas em que
se fundamentam os métodos quantitativos, preponderantemente positivistas, opõem‐se às
abordagens fenomenológicas e dialéticas dos enfoques qualitativos. Não se pretende
desconsiderar tal aspecto, central na discussão epistemológica da ciência, mas buscar, na
medida do possível, a unidade de contrários capaz de realizar sínteses transformadoras
(MINAYO et al., 2005). Não sem conflito, porém, e considerando a complexidade avaliativa
requerida no âmbito do SUS, assume‐se a preponderância da abordagem qualitativa sobre a
quantitativa. Com isso, afirma‐se que, para além da rigorosa precisão estatística da medição,
necessária e oportuna em muitos sentidos, busca‐se com maior ênfase a análise de
profundidade, o desvelamento dos dados empíricos à luz do referencial teórico e da
hipótese.
Desse modo, delimitaram‐se as categorias utilização, oferta e acessibilidade em saúde
como construtos centrais da investigação, por meio das quais se avaliaram os serviços de
atenção básica em Belo Horizonte. Categorias como “fluxo de pensamentos abstratos
vivenciados concretamente na realidade histórica” são utilizadas aqui como parâmetros,
balizas ou estruturas mais definidoras para apreensão do campo‐sujeito‐objeto investigado
(THOMPSON, 1995; MARX, 1999). Nesses termos, a relação entre os níveis de atenção do
SUS – em especial a atenção básica com as urgências – é analisada como componente da
utilização e da oferta dos serviços de saúde. Por sua vez, a caracterização do consumo de
serviços e a análise do padrão de oferta predominante indicam elementos para a
investigação da acessibilidade das UBSs, de modo a entender a forma de organização do
trabalho das ESFs nas unidades de saúde. Avalia‐se o quão próximas ou distantes estas se
encontram das necessidades dos cidadãos, tendo por suposto os princípios e as diretrizes do
SUS.
Definiram‐se duas dimensões de análise para nortear a avaliação, concebidas de
maneira articulada: a) política de saúde; b) gestão e organização do SUS‐BH. Na primeira,
mais contextual, buscam‐se elementos da conformação da política pública para situar os
princípios e diretrizes em que a atenção básica/sistema de saúde se pauta, bem como
identificar prioridades, consensos, concepções e possíveis contradições que orientam as
ações da SMSA‐BH. Esse panorama é utilizado para as análises contextuais dos serviços e
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
45
práticas de saúde, em especial no que se refere à influência da trajetória histórica da política
pública e das diretrizes técnicas que orientam a atenção básica. Na segunda, gestão e
organização do SUS‐BH, busca‐se analisar a estruturação dos serviços de saúde, em especial
na articulação com as urgências. O cenário da pesquisa inclui 10 UBSs, distribuídas nos 9
distritos sanitários, e as 7 UPAs do sistema de saúde de Belo Horizonte, conforme descrito
no plano amostral adiante. As dimensões, categorias e parâmetros avaliativos, que
originaram o delineamento do estudo, e os instrumentos de coleta de dados são descritos
no Quadro1.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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QUADRO 1 REFERENCIAL METODOLÓGICO PARA AVALIAÇÃO DA ATENÇAO BÁSICA EM BELO HORIZONTE
OBJETIVOS: 1) Analisar o desenvolvimento da política de atenção básica à saúde/SUS em Belo Horizonte com a implantação do PSF; 2) Avaliar a atenção básica à saúde em Belo Horizonte quanto à articulação com as urgências, utilização, oferta e acessibilidade dos serviços; 3) Analisar em que medida a implantação das Equipes Saúde da Família em Belo Horizonte contribuem para a reorganização da atenção básica no que se refere à oferta, utilização e acessibilidade dos serviços de saúde. DIMENSÕES CATEGORIAS INDICADORES/PARÂMETROS AVALIATIVOS FONTES/INSTRUMENTOS a ‐ Política de Saúde
‐Contexto institucional; ‐ Atores políticos ‐ Propósito e ações
1‐ Coerência entre princípios do SUS e trajetória da política de saúde local;2‐ Conformação dos serviços de saúde no SUS e interdependência das ações; 3‐ Gestão da política de organização da AB/SUS a partir do PSF
‐ Plano Municipal de Saúde de BH; ‐ Documentos e Diretrizes para a organização local da AB/BH; ‐ Protocolos assistenciais/SMSA‐BH.
b ‐ Organização da atenção básica/SUS
‐Utilização
4‐Padrão de utilização dos serviços de atenção básica e de urgências pelos usuários (UBS como primeira escolha para atendimentos básicos; motivos da escolha; problemas de saúde que motivam a procura pelo atendimento; contra referenciamento das UPAs nos casos de urgência/emergências; vínculos entre a população e a UBS; satisfação da população); 5‐Formas de acesso da população aos serviços da UBS e da UPA.
‐ Aplicação de questionários aos usuários das UBSs e UPAs‐ survey; ‐ Instrumento 1‐ Questionários para usuários dos serviços de saúde/SUS de Belo horizonte
‐ Oferta
6‐População coberta pelo PSF das UBSs (parâmetro 3500 a 4000 hab/ESF); 7‐Número de consultas médicas por habitante/ano da UBS (parâmetro 1 consulta/hab/ano) 8‐População adstrita da UBS com e sem ESF (parâmetro 1/30.000 sem PSF e 1/12.000 com PSF, para grandes centros urbanos); 9‐Comparação da produção de atendimentos de demanda espontânea e das ações programáticas das ESFs e da equipe de apoio, por UBS, em relação ao recomendado pelas diretrizes da SMSA‐BH; 10‐ Análise comparativa entre a produção de atendimentos de demanda espontânea e das ações programáticas das ESFs e da equipe de apoio, por UBS, com a utilização dos serviços informada pelos usuários no momento do survey. 11‐ Análise comparativa entre a demanda prevista pelos parâmetros de programação para a atenção básica e os atendimentos realizados dentro das ações programáticas de saúde da criança, mulher e adulto, por ESF e equipe de apoio, nas UBSs. População coberta pelo PSF das UBSs;
‐ Sistema de Saúde em Rede/ GEREPI/ SMSA‐BH; ‐ Sistema Fênix/GEREPI/ SMSA‐BH; ‐ Prograb – Programação para gestão por resultados/DAB/SAS/Ministério da Saúde; ‐Documentos e Diretrizes para a organização local da AB/BH; ‐ Protocolos assistenciais da SMSA‐BH, SES/MG e MS; ‐ Parâmetros nacionais de programação/PT 1101/GM2001
Continua ...
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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Conclusão
OBJETIVOS: 1) Analisar o desenvolvimento da política de atenção básica à saúde/SUS em Belo Horizonte com a implantação do PSF; 2) Avaliar a atenção básica à saúde em Belo Horizonte quanto à articulação com as urgências, utilização, oferta e acessibilidade dos serviços; 3) Analisar em que medida a implantação das Equipes Saúde da Família em Belo Horizonte contribuem para a reorganização da atenção básica no que se refere à oferta, utilização e acessibilidade dos serviços de saúde. DIMENSÕES CATEGORIAS INDICADORES/PARÂMETROS AVALIATIVOS FONTES/INSTRUMENTOS b ‐ Organização da atenção básica/SUS
‐ acessibilidade 12‐Coordenação do trabalho dos profissionais realizado a partir dos princípios da atenção básica/saúde da família; 13‐Realização do trabalho em rede entre os profissionais na UBS, entre os serviços e com a comunidade.
‐ Grupo Focal com os profissionais em saúde. Apresentação dos resultados do survey com usuários. ‐ Instrumento 2 – Roteiro para grupo focal com profissionais em saúde
Fonte: Elaboração própria, 2009.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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4.1 Delineamento do estudo
O desenho da investigação é composto de três etapas complementares – conforme se
seguem – que se articulam triangularmente para produzir informações capazes de responder
à pergunta investigativa. Optou‐se por ampliar a pesquisa, antes prevista para apenas um
Distrito Sanitário de Belo Horizonte, para uma amostra de 10 UBSs, distribuídas nos 9
distritos sanitários da cidade. Justifica‐se essa opção em virtude da relevância do estudo
para a política de saúde local, buscando‐se certa representatividade e exemplaridade nos
resultados buscados.
Para cada uma das etapas da pesquisa foram elaborados e, ou adaptados instrumentos
que pudessem subsidiar o processo de coleta. Utilizaram‐se questionários para os usuários
do sistema de saúde de Belo Horizonte e roteiros semiestruturados para as etapas seguintes,
qual sejam, grupos focais com profissionais em saúde, análise da oferta de serviços e grupo
de discussão com os gerentes (Anexos A e B).
4.1.1 Etapa 1: survey com os usuários das UBSs e das UPAs
Realizou‐se um survey quantitativo com os usuários das 10 UBSs e de todas as UPAs
sobre o problema de saúde, o motivo da procura e os procedimentos realizados nesses
serviços. Desenvolveu‐se um estudo descritivo para teste da hipótese de que não há
variação estatisticamente significativa nos procedimentos realizados em usuários nas UPAs e
nas UBSs de Belo Horizonte, predominando a consulta médica básica e os procedimentos de
enfermagem, independentemente do nível de complexidade do serviço buscado pelo usuário.
O plano amostral é detalhado adiante.
4.1.2 Etapa 2: organização do trabalho pelas Equipes Saúde da Família
Uma vez sistematizados e contextualizados os resultados do survey, sobre a utilização
dos serviços pelos usuários, realizou‐se a avaliação do processo de trabalho dos profissionais
em saúde das UBSs, em especial das ESFs, aprofundando‐se os cenários obtidos com os
usuários; investigaram‐se as possíveis mudanças no processo de trabalho dos profissionais
em saúde com a implantação do PSF, tendo por referência os princípios que o regem.
Utilizou‐se a técnica de grupo focal para discussão dos resultados. Para tanto, realizaram‐se
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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4 grupos focais, nos dias 17, 19, 24 e 26 de março de 2009, com 30 profissionais em saúde,
sendo 14 médicos e 16 enfermeiros das ESFs, distribuídos nas 10 UBSs que compõem a
amostra.
As perguntas que nortearam as discussões foram: 1) Como explicar que usuários
acometidos com afecções leves utilizem mais as UPAs (57,4%) que as UBSs (30,9%) para o
atendimento? Existiriam “barreiras de acesso” dos serviços de atenção básica aos usuários?
2) Se o PSF é considerado estratégia prioritária na reorganização dos serviços, quais os
fatores que explicam a pouca utilização das ações programáticas nas UBSs onde ele foi
implantado completamente? 3) O que vocês, profissionais das ESFs, têm feito de diferente
para modificar o modelo tradicional de atenção nas UBSs, calcada no atendimento à
demanda espontânea e em especialidades médicas? 4) Quais os princípios do Saúde da
Família seriam mais fortes na organização do trabalho nas UBSs?
4.1.3 Etapa 3: avaliação da oferta e da demanda por serviços de atenção básica/SUS
Como forma de complementar as informações da primeira e da segunda etapas,
verificou‐se a oferta dos serviços de atenção básica quanto aos parâmetros nacionais de
cobertura populacional e de produção dos atendimentos, conforme as diretrizes e
protocolos assistenciais da atenção básica/SUS; analisaram‐se as bases de dados secundárias
do Sistema de Saúde em Rede e do Sistema Fênix/SMSA‐BH, ambos responsáveis pela
produção dos atendimentos realizados pelas UBSs do sistema de saúde de Belo Horizonte. O
detalhamento dos procedimentos operacionais é realizado adiante. Procurou‐se avaliar os
seguintes indicadores: 6) População coberta pelo PSF das UBSs (parâmetro 4.000 hab/ESF);
7) Número de consultas médicas por habitante/ano nas UBSs (parâmetro 1
consulta/hab/ano); 8) População adstrita às UBSs com, e sem ESFs (parâmetro 1/30.000 sem
PSF e 1/12.000 com PSF, para grandes centros urbanos); 9) Comparação da produção de
atendimentos de demanda espontânea e das ações programáticas das ESFs e da equipe de
apoio, por UBS, em relação ao recomendado pelas diretrizes da SMSA‐BH; 10) Análise
comparativa entre a produção de atendimentos de demanda espontânea e de ações
programáticas das ESFs e da equipe de apoio, por UBS, com a utilização dos serviços,
informada pelos usuários no momento do survey; 11) Análise comparativa entre a demanda
prevista pelos parâmetros de programação para a atenção básica e os atendimentos
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
50
realizados dentro das ações programáticas de saúde da criança, mulher e adulto, por ESF e
equipe de apoio, nas UBSs.
4.2 Síntese das etapas e triangulação de métodos: grupo de discussão com os gerentes das
UBSs
Como forma de verificar a adequabilidade das triangulações de métodos e técnicas
realizadas para a síntese das três etapas da pesquisa, realizou‐se um grupo de discussão com
os gerentes das 10 UBSs. Além de verificar a consonância dos resultados encontrados com a
realidade dos serviços, esse momento constituiu‐se num retorno dos resultados
encontrados junto aos gestores, conforme previsto em pesquisas avaliativas. A participação
dos sujeitos no processo de produção do conhecimento é componente importante em
pesquisas com enfoques emergentes, que buscam transcender a relação causal, o
distanciamento entre o sujeito e o objeto, bem como a falsa neutralidade científica,
amplamente criticado nos enfoques dialéticos (BOSI e MERCADO, 2006).
4.3 Detalhamento das etapas da pesquisa
4.3.1 Etapa 1 – utilização dos serviços de atenção básica e de urgência
Apresentam‐se, a seguir, os métodos utilizados para a definição da amostra dos
usuários, das UBSs e das UPAs do sistema de saúde de Belo Horizonte, em que foram
aplicados os questionários (Apêndice A). Relatam‐se, ainda, os momentos de validação do
questionário e da coleta de dados realizada.
4.3.1.1 Plano amostral
a) Contexto
O município de Belo Horizonte possui uma população de 2.238.526 de habitantes.
Segundo informações da Agência Nacional de Saúde (ANS), estima‐se que 70% dessa
população utilizam os serviços públicos de saúde e têm como porta de entrada a rede de
serviços de atenção básica à saúde e de pronto‐atendimento. Do ponto de vista da oferta de
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
51
serviços básicos, a rede é composta por 146 unidades básicas de saúde (UBSs), cuja
cobertura é de 70% da população de BH, e por 7 unidades de pronto atendimento.
b) População
A população envolvida no estudo compreende todas as pessoas que utilizam os
serviços oferecidos nas unidades básicas e nas unidades de pronto‐atendimento, residentes
ou não no município de Belo Horizonte.
c) Cálculo da amostra
A população, considerada no cálculo, foram todas as pessoas residentes no município
de Belo Horizonte. Partiu‐se de uma prevalência média de 75% de consultas médicas e de
procedimentos de enfermagem realizados tanto nas UBSs, quanto na UPA,
independentemente do problema de saúde e nível do atenção do sistema, cujos dados
foram obtidos no piloto da investigação. Levando‐se em conta uma população estimada de
2.000.000 habitantes, que é atendida na rede de serviços públicos da cidade, um erro de
amostragem de 3% e de um nível de confiança de 95%, estimou‐se uma amostra de 800
usuários. Optou‐se pela aplicação inicial de 820 questionários, tendo em vista o percentual
de prováveis perdas. Porém, conforme se relata adiante, finalizou‐se a coleta de dados dessa
etapa com a aplicação de questionários a 977 usuários.
Para a definição da amostra das unidades básicas e de pronto‐atendimento,
consideraram‐se:
a) as 7 unidades de pronto‐atendimento (UPAs) do SUS/BH;
b) as 145 UBSs, que foram divididas em dois estratos: aquelas que possuem população
completamente coberta pelas ESFs e aquelas com população parcialmente coberta pelas
ESFs17.
A seleção da amostra de UBS foi feita por sorteio aleatório, considerando‐se a
proporcionalidade de 1 UBS por Distrito Sanitário, totalizando‐se 9. Porém, sorteou‐se mais
uma UBS, no distrito Venda Nova, para melhor contemplar as características sociais e
econômicas da região. Tendo em vista que as 31 UBSs parcialmente cobertas pelo PSF
correspondem a 21,3% das 145 UBSs de Belo Horizonte, procurou‐se manter essa
17 Considera‐se UBS completamente coberta aquela em que toda a população adstrita é atendida pelas ESFs implantadas. Parcialmente coberta significa que nem toda a população adstrita da UBS faz parte da área de abrangência da ESF. Parte dela é atendida por profissionais em saúde conforme o modelo tradicional de organização da AB.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
52
proporcionalidade na amostra de UBS para o survey. Dessa forma, foram sorteadas 2 UBSs
parcialmente e, 8 completamente cobertas por ESFs. Vale dizer que esse é um critério
importante para a pesquisa, uma vez que se avalia a contribuição do PSF na organização dos
serviços de atenção básica. Na Tabela 1 e Figura 2, explicita‐se a amostra de UBSs
investigadas por distritos sanitários de Belo Horizonte.
Tabela 1 ‐ Amostra de Unidades Básicas de Saúde investigadas por Distrito Sanitário e cobertura
populacional do Programa de Saúde da Família, em Belo Horizonte, 2009
Distritos Sanitários
Nº UBS com população
completamente coberta pelo PSF
Nº UBS com população
parcialmente coberta pelo PSF
UBS sorteadas completamente PSF
UBS sorteadas parcialmente
PSF
Oeste 13 2 UBS 1Venda nova 14 1 UBS 2
UBS 3 Centro sul 1 11 UBS 4Leste 10 4 UBS 5Norte 17 2 UBS 6Barreiro 20 0 UBS 7Nordeste 20 1 UBS 8Pampulha 1 8 UBS 9Noroeste 18 2 UBS 10Fonte: Dados da pesquisa, 2009.
Figura 2 – Distribuição geográfica da amostra de Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Pronto Atendimento investigadas, por distritos sanitários, Belo Horizonte, 2008 Fonte: SMSA/BH, Relatório de gestão 2007.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
53
A quantidade de usuários entrevistados, em cada um dos serviços, foi distribuída
inicialmente na proporcionalidade de aproximadamente 1/3 da amostra total para as UPAs e
de 2/3 para as UBSs. Calculou‐se, inicialmente, a aplicação de 40 questionários em cada uma
das UPAs, somando‐se 280 e 60 em cada uma das UBSs, totalizando‐se 540. Porém,
conforme se descreverá, no decorrer da coleta de dados, realizada no período 20/08/08 a
16/10/08, aplicaram‐se 993 questionários aos usuários de 10 UBSs de Belo Horizonte e nas 7
UPAs selecionadas, descritas na Tabela 2.
Tabela 2 ‐ Número de questionários aplicados nas Unidades Básicas de Saúde e nas Unidades de Pronto‐atendimento de Belo Horizonte, dezembro de 2008
Unidade Básica de Saúde N° de questionários
UPAs N° de questionários
UBS 1 87 Oeste 46
UBS 2 60 Venda Nova 44
UBS 3 64
UBS 4 63
UBS 5 64 Leste 44
UBS 6 92 Norte 43
UBS 7 66 Barreiro 46
UBS 8 62 Nordeste 45
UBS 9 61 Pampulha 43
UBS 10 63
Total 682 Total 311
Fonte: Dados da pesquisa, 2009.
4.3.1.2 Coleta de dados e instrumentos
A necessidade de realização de uma coleta de dados empíricos, nas UBSs e UPAs, começou a
desenhar‐se, a partir do delineamento do estudo, devida aos poucos dados disponíveis sobre a
utilização comparativa desses serviços pelo usuário do sistema de saúde de Belo Horizonte. Embora
não prevista, inicialmente no projeto, essa fase subsidia todo o desenrolar do estudo. Geraram‐se
informações importantes sobre a caracterização da demanda por serviços de atenção básica e sua
relação com as urgências dos respectivos distritos.
Objetivou‐se com essa coleta quantificar a procedência de pessoas que buscam
atendimento nas UBSs e nas UPAs; verificar os motivos que as levam a procurar as UBSs e as
emergências/pronto‐atendimento; caracterizar os principais procedimentos de atenção
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
54
básica e de média complexidade demandados pelos usuários nos serviços de saúde
investigados; avaliar, comparativamente, a demanda que procura as UBSs e os serviços de
pronto‐atendimento e as emergências, em Belo Horizonte.
Realizou‐se um survey com fins científicos, cujos rigor metodológico e fundamentação teórica
assumiram centralidade para a consistência acadêmica requerida (BABBIE, 2005). A expressão
survey, que, traduzida, significa levantamento de dados, consiste em um “método para coletar
informações de pessoas acerca das suas ideias, sentimentos, planos, crenças, bem como origem
social, educacional e financeira” (GUNTHER, 1996: 10). Esse método é utilizado em diversas áreas das
ciências sociais e requer a elaboração de um questionário para a coleta de dados, que é aplicado na
forma de entrevista individual, por telefone ou, mesmo, enviado pelo correio. Optou‐se pela
aplicação direta dos questionários, por entrevistas individuais, uma vez que o encontro intersubjetivo
com o usuário para desvelamento das escolhas sobre os serviços de saúde, devidamente, registrado
nos diários de campo subsidiou a complementaridade dos métodos quantitativo e qualitativo.
A pesquisa foi realizada com o usuário, nas UBSs e nas UPAs, após o atendimento.
Contou‐se com uma equipe de 8 entrevistadores, que se distribuíram nos turnos da manhã e
da tarde, de segunda a sexta‐feira. Desse modo, estabeleceram‐se cotas de usuários a serem
entrevistados por turno e dia, de forma a obter um equilíbrio na quantidade de usuários
entrevistados, nos dias previstos para a coleta. Em média, cada serviço contou com dois dias
de coleta, sendo realizado um serviço por vez. O tempo total de abordagem do usuário teve
duração de, no máximo 10 minutos, o que conferiu agilidade ao processo.
Com o objetivo de minimizar possíveis perdas, foram aplicados e validados 993
questionários, com um desperdício residual de 15 instrumentos (0,9%). Logo, foram
aplicados 173 questionários a mais do que a amostra calculada (820). O sucesso da coleta de
dados não foi individual, mas fruto de um trabalho em equipe bem realizado, em que o
envolvimento de cada ator no processo foi fundamental. Podem‐se apontar algumas
estratégias que se mostraram relevantes para esse bom desempenho:
a) entrada em campo, de maneira planejada e articulada com a SMSA‐BH;
b) inserção da figura do “coordenador de campo”, cuja função é garantir a qualidade
das informações no momento da coleta, de modo a se evitarem perdas de questionário;
c) inserção concomitante dos dados no pacote estatístico Statistical Package for the
Social Sciences (softwere SPSS, versão 13.0), identificando‐se possíveis erros e reparando‐os
com os entrevistadores em tempo de sua memória recente;
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
55
d) coleta concentrada em um único serviço da amostra, evitando‐se pulverização e
fragmentação das informações.
A articulação com a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, em todos os
momentos da coleta, respaldando institucionalmente a entrada nas UBSs e nas UPAs, foi
fundamental. Outra estratégia importante – a visita prévia aos serviços, onde se daria a
aplicação dos questionários – permitiu discutir os objetivos e decidir com os gerentes a
melhor logística para a realização da pesquisa. Nesse aspecto, foram fundamentais os
detalhes referentes ao uniforme, à identificação e localização dos entrevistadores, bem
como a afixação de um banner explicativo sobre a pesquisa. Pretendeu‐se chamar a atenção
dos usuários para a investigação, de forma a torná‐la atrativa e, valorizar a participação dos
sujeitos nas entrevistas. Cabe repetir que os questionários foram aplicados de forma
aleatória em usuários após o atendimento recebido, o que exigiu atenção e cautela dos
bolsistas e coordenadores de campo no cumprimento desse quesito.
No diário de campo os registros eram realizados pelos entrevistadores no momento da
coleta de dados com os usuários. Anotavam‐se informações sobre a quantidade de
questionários previstos e realizados no dia, bem como observações sobre o fluxo de
atendimento, as rotinas, a escala dos profissionais, as ocorrências e as impressões pessoais,
que pudessem prejudicar ou explicar os resultados da coleta. Tais notas mostraram‐se úteis
no percurso da investigação. A partir delas foi preciso suspender a realização da coleta nas
UBSs, durante a campanha de vacinação, que começou a contar com maior número de
homens para se vacinarem, precavendo‐se de possíveis vieses da amostra, devidos à
alteração significativa do perfil dos usuários. Por precaução, em duas UBSs (UBS 1 e UBS 6)
em que se verificou o aumento do número de homens para vacinação, repetiu‐se a aplicação
dos questionários, após o período de coleta, o que contribuiu para o aumento da amostra.
Outro fato digno de nota foi a inclusão de mais uma UBS na amostra, além das 9
inicialmente sorteadas. Observou‐se que, após a localização geográfica das UBSs no mapa de
Belo Horizonte e coleta iniciada, a UBS sorteada no Distrito Sanitário de Venda Nova, não
correspondia às características socioepidemiológicas daquela região, uma das mais pobres
da cidade. Assim, optou‐se por sortear mais um serviço, conforme descrito anteriormente.
O questionário para avaliação da utilização dos serviços pelos usuários foi adaptado da
pesquisa “Análise da Relação da Média Complexidade com os serviços de atenção básica do
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
56
DF e entorno” (PIRES et al., 2008), que passou por um processo de validação constante de
cinco etapas.
Para a pesquisa, realizou‐se um piloto, com aplicação de 103 questionários, sendo 53
numa UBS e 50 numa UPA. Foram feitos diversos ajustes e modificações, com discussões
constantes da equipe. A versão final consta de 26 itens. Investigou‐se o problema de saúde
do usuário no momento da coleta; o motivo, a racionalidade da escolha e as características
da utilização dos serviços de saúde; tempo de deslocamento e de atendimento, bem como o
grau de satisfação com a resolução do problema inicialmente buscado. Levantaram‐se,
ainda, informações socioeconômicas do usuário, de modo a lhe conformar um perfil
aproximado. Ainda na fase piloto, realizou‐se um grupo focal com os profissionais em saúde,
ajustando‐se a técnica e os roteiros elaborados.
4.3.1.3 Análise estatística
Tendo em vista os objetivos da pesquisa e, em especial, da etapa de survey para
caracterização da demanda que procura as UPAs e UBSs, foi utilizada a estatística descritiva básica
para quantificação dos dados em nível nominal, ordinal e intervalar (LEVIN e FOX, 2004).
Considerando‐se que as respostas dos usuários sofrem influências de um contexto socioeconômico
cultural complexo e ambivalente, que necessita de amplas abordagens e aprofundamentos para
maior desvelamento da realidade em foco, neste estudo a preocupação inferencial, embora
relevante, não foi aprofundada. Tal afirmação se justifica pelas seguintes razões:
a) a pesquisa prima pela complementaridade de métodos e técnicas, com predomínio do
enfoque qualitativo sobre a mensuração;
b) a etapa de survey destina‐se ao mapeamento da demanda que procura os serviços de
saúde, caracterizando‐lhes a forma de utilização predominante pelos usuários;
c) os sujeitos entrevistados são considerados unidades, ou corpus investigativo, singulares e
complexos, propensos a ambivalências múltiplas, pouco padronizáveis pelo viés estatístico.
Nesse sentido, a estatística descritiva serviu para quantificar os procedimentos realizados
pelos usuários nas UPAs e nas UBSs do SUS/BH, os motivos que as levam a procurar o atendimento,
bem como a forma com que têm acessado os serviços de saúde, em especial a atenção básica. Desse
modo, utilizou‐se do programa estatístico SPSS (versão 13.0) para a análise dos aspectos conjunturais
e quantitativos do banco de dados. Identificaram‐se erros de digitação, análise de dados omissos e,
identificação e tratamento de outlires. A seguir, usou‐se a estatística descritiva (análise de
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
57
frequências e percentuais) e teste de comparação entre frequências x² para a interpretação e
apresentação dos resultados.
4.4 Etapa 2: acessibilidade das Unidades Básicas de Saúde
A avaliação do processo de trabalho das ESFs, etapa eminentemente qualitativa,
ocorreu com a realização de quatro grupos focais e é considerada o momento central da
investigação, uma vez que, por meio dela, procurou‐se desvelar a proposta de estruturação
da atenção básica, a partir dos princípios do Saúde da Família, que permeiam e são
amplamente assumidos pelo discurso dos atores sociais do SUS. Nessa etapa, objetivou‐se
analisar a contribuição da implantação das ESFs, em Belo Horizonte, para a reorganização da
atenção básica, no que se refere à oferta, utilização e acessibilidade dos serviços de saúde.
Os grupos focais (GF) reuniram‐se, num mesmo local, e durante certo período. Deles
participaram pessoas que fazem parte do público‐alvo da investigação. Com a realização dos
GFs, objetivou‐se coletar uma variedade de informações, de sentimentos, de experiências e
de interpretações, acerca de um determinado tema, a partir do diálogo e do debate entre os
participantes. Trata‐se de uma técnica de pesquisa que coleta dados por meio de interações
grupais e da discussão de um tópico sugerido pelo pesquisador (DIAS, 2000; GONDIM e
BAHIA, 2002; BAUER e GASKELL, 2003).
Por tratar‐se de encontro intersubjetivo, permeado de relações de poderes,
singularidades e ambiguidades próprias das relações sociais, o método escolhido para a
análise dos depoimentos foi o do materialismo histórico dialético. Centrou‐se na unidade
dos contrários e na expressão da realidade dos sujeitos, em busca de possíveis sínteses para
as questões levantadas (TRIVIÑOS,1996; DEMO, 2000; MINAYO, 2006)
Procurou‐se desvelar os interditos, as exemplaridades e as disrupções. Tentou‐se ir
além da linearidade das falas, sempre tão impregnadas de padrões que mascaram o
cotidiano dos serviços de saúde. Visou‐se, assim, ao que não se explicita, o que se contradiz
sem intenção, o que não se mostra ou aparece num primeiro momento.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
58
4.4.1 Coleta de dados e instrumentos
A dinâmica dos grupos durou, aproximadamente, 2 horas, contou com um número
de participantes entre 6 e 12, conforme recomendação da técnica e teve como objetivo
conhecer o processo de trabalho da ESF na UBS. Para tanto, partiu‐se do contexto
sociohistórico dos entrevistados, aspecto importante para a interpretação dos depoimentos
produzidos, como se verá no tópico seguinte.
Inicialmente, os profissionais apresentavam‐se sob um cognome especial e citavam
um fato, ou momento marcante da sua vida pessoal ou profissional. Em seguida, passava‐se
à descrição dos resultados obtidos no survey, como subsídio às questões levantadas a seguir.
A partir de então, discutiam‐se a duplicidade de ações entre as UBSs e as UPAs, já que,
ambas atendem problemas de saúde leves; as barreiras de acesso identificadas nas UBSs; a
pouca utilização das ações programáticas pelos usuários, em relação às consultas de
demanda espontânea; as distintas formas de organização do trabalho das ESFs e os possíveis
indícios de mudanças nas práticas profissionais, a partir dos princípios do Saúde da Família.
O roteiro de entrevista (Apêndice B), que contém quatro questões, foi elaborado a partir da
primeira etapa da pesquisa e dos resultados do survey, quando surgiram os temas a serem
aprofundados. Realizou‐se um pré‐teste das perguntas, durante o piloto da investigação,
com as adequações cabíveis.
Participaram dos GFs observadores externos que anotavam o comportamento dos
profissionais durante as discussões, ou seja, as expressões, o gestual, os ditos, os silêncios,
tudo o que pudesse auxiliar nas análises. Esses observadores formavam a equipe de
bolsistas, que passou por um curso preparatório sobre métodos e técnicas em pesquisas
qualitativas (com enfoque na análise do discurso, teoria que subsidiou a análise, bem como a
hermenêutica de profundidade), cujos detalhes serão ditos adiante. Para tanto, foram
elaborados os instrumentos de análises e um manual para os pesquisadores, como forma de
melhor coordenar a sistematização dos dados. Cada sessão foi gravada e filmada
integralmente. Tanto as transcrições dos depoimentos, quanto as imagens produzidas, bem
como os registros dos observadores, foram utilizados nas análises.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
59
4.4.1.1 Análise: interpretação dos depoimentos a partir da hermenêutica de profundidade
e análise do discurso
Investir na avaliação como instrumento que subsidie a indicação de mudanças
constitui a principal aplicabilidade das concepções críticas dos processos avaliativos. Tal
prerrogativa é pouco priorizada em muitas técnicas utilizadas para avaliar programas e
serviços de saúde, seja porque a premência da doença imprime um foco na epidemiologia
clássica, seja porque a gestão dos sistemas e serviços de saúde, igualmente, exigem
respostas ágeis em relação à sua eficiência. A despeito de as premissas programáticas serem
plenamente justificáveis, há de se considerar que a profundidade dos princípios doutrinários
do SUS, nos quais o PSF se espelha, pressupõe o fomento à centralidade dos sujeitos como
protagonistas na conquista do direito à saúde.
Na tentativa de desvelar a linearidade dos depoimentos, utilizou‐se um referencial
teórico‐motodológico calcado na hermenêutica de profundidade (HP) (THOMPSON, 1995).
Priorizou‐se a interpretação das falas, dos textos e dos interdiscursos produzidos nos grupos
focais, para a identificação das formas com que os profissionais organizam o trabalho nas
UBSs, ou a acessibilidade dos serviços, parte de uma realidade complexa e ambivalente.
Para visualizar como ocorre a produção e a gestão do cuidado, na prática dos serviços
de saúde, há de se investir num instrumental analítico, que considere o contexto, as relações
sociais e as dinâmicas que ocorrem na realidade estudada (PIRES e GOTTEMS, 2009). A
hermenêutica de profundidade (HP) é adequável a essa necessidade, pois procura analisar
como os discursos são produzidos para manter relações de poder. Thompson (1995), calcado
na teoria crítica, e refletindo sobre ideologia, cultura e comunicação de massas na sociedade
moderna, propõe um arcabouço metodológico para instrumentalizar análises de discursos.
Em linhas gerais, esse referencial propõe interpretar como as “formas simbólicas”,
entendidas como construções significativas, que exigem interpretação, são empregadas para
manter relações de poder, o que se denomina ideologia. Thompson afirma que a
“hermenêutica da vida cotidiana” deve ir além da “interpretação da doxa”. A doxa, de que se
fala, são as opiniões, crenças e compreensões que são sustentadas e partilhadas pelas
pessoas, num determinado contexto sociohistórico. No referencial teorizado, o campo‐
objeto contextual é igualmente considerado na análise, uma vez que tanto as formas
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
60
simbólicas, quanto os sujeitos que as produzem estão inseridos em condições sociais e
históricas específicas.
Em termos de método, Thompson (1995) sistematiza o referencial em três âmbitos:
análise sociohistórica, análise formal ou discursiva e interpretação ou re‐interpretação. A
análise sociohistórica diz respeito às condições conjunturais em que as formas simbólicas
são produzidas e conformadas; a análise formal ou discursiva procura desvelar a estrutura
da complexidade dos objetos e expressões, que circulam o campo social. A interpretação ou
re‐interpretação procede na realização de sínteses possíveis, a partir das etapas anteriores,
em que se procura manter o caráter aberto, ou a intenção de tentar colocar‐se no lugar do
outro.
Na Figura 3, sintetizam‐se as formas de investigação da hermenêutica de
profundidade (THOMPSON, 1995).
Figura 3 ‐ Formas de Interpretação da Hermenêutica de Profundidade segundo Thompson
Análise Sócio‐Histórica
‐Situações espaço‐temporal; ‐Campos de Interação ‐Instituições sociais ‐Estrutura Social ‐Meios técnicos de transmissão
Referencial Metodológico da Hermenêutica de Profundidade (HP)
Análise Formal ou Discursiva
‐Análise semiótica ‐Análise de conversação ‐Análise sintática ‐Análise narrativa ‐Análise argumentativa
Interpretação ou Re‐interpretação
Fonte: Thompson (1995: 365).
Tanto a hermenêutica de profundidade, referencial metodológico centrado na
interpretação das formas simbólicas, quanto a análise do discurso, constructo teórico que
privilegia a compreensão da linguagem em suas condições de produção e apreensão de
significados, podem ajudar a desvelar estruturas mais profundas, presentes nos
depoimentos. O que há de comum entre tais abordagens é a concepção de ideologia,
INTERPRETAÇÃO DA DOXA INTERPRETAÇÃO DA VIDA
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
61
enquanto discurso que reedita relações de poderes excludentes18, bem como o realce das
falas, com o objetivo de explicitar as formas de dominação manifestas na comunicação e na
língua.
Optou‐se por analisar os depoimentos dos profissionais em saúde à luz da proposição
metodológica da hermenêutica de profundidade, defendida por Thompson, utilizando‐se os
subsídios da análise do discurso, propostos por Orlandi (2001), para exame das formas
simbólicas expressas nas declarações dos grupos focais. Extraíram‐se das obras desses
autores conceitos e instrumentos apropriados à pesquisa realizada, sem maior
aprofundamento sobre o complexo campo teórico que cada uma delas aborda que, embora
relevantes e necessários à metodologia do conhecimento científico, fogem às ambições
deste estudo.
Não se pretende elaborar uma teoria metodológica própria, para manejo dos dados
empíricos da pesquisa, mas inspirar‐se em algumas abordagens para analisar, com voz
própria, sabendo‐a limitada, ambígua e discutível, os depoimentos presentes nas falas dos
entrevistados, recurso igualmente utilizado em produções anteriores (PIRES, 2001; PIRES,
2004; PIRES, 2005). Ciente da incompletude do conhecimento, em que os consensos e
limites cabem na capacidade de objetivação humana, assume‐se aqui a dialética entre a
estrutura e a dinâmica das relações sociais19. Assim, no caminho do referencial
metodológico da HP, proposto por Thompson e reinterpretado por Demo (2001), o
procedimento investigativo dos grupos focais estrutura‐se em três momentos
interdependentes e complementares: 1) contextualização sociohistórica; 2) análise
estrutural e 3) dinâmica interpretativa. O objetivo é desvelar a superficialidade do
depoimento por meio do aprofundamento significativo da relação subjetiva manifesta no
18 A análise do discurso propõe uma ressignificação da noção de ideologia a partir da linguagem, concepção próxima à de Thompson, que se interessa em saber como as formas simbólicas servem para manter relações de dominação. Veja‐se este trecho em Orlandi (2001: 47): “O sentido é assim uma relação determinada do sujeito – afetado pela língua – com a história. É o gesto de interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço da relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão materialmente ligados. Pela língua, pelo processo que acabamos de descrever.” 19 Minayo (1992) arremata com propriedade a relação entre hermenêutica e dialética, realçando a impossibilidade de uma única abordagem dar conta de explicar a realidade: “Enquanto a hermenêutica penetra no seu tempo e através da compreensão procura atingir o sentido do texto, a crítica dialética se dirige contra seu tempo. Ela enfatiza a diferença, o contraste, o dissenso e a ruptura de sentido. A hermenêutica destaca a mediação, o acordo e a unidade de sentido” (p. 227).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
62
campo‐sujeito‐objeto recortado, sabendo‐os limitados pelo mistério maior da comunicação
humana20. Assim sendo, elencaram‐se as seguintes dimensões:
a) Contextualização sociohistórica
A conjuntura em que se produzem, recebem e circulam as formas simbólicas
influencia o sentido expresso nos depoimentos dos sujeitos; ou seja, as condições e as
oportunidades em que cada sujeito se encontra, o percurso, os ritos, as tradições, os
poderes e contra‐poderes, as intervenções possíveis e, ou pouco prováveis, os saberes e
conhecimentos; enfim, as circunstâncias em que as formas simbólicas se dão interferem na
comunicação e na linguagem das relações sociais. Pretendeu‐se captar minimamente a
tessitura dialética da historicidade presente no grupo, de forma a perceber como as sínteses
se movem no cotidiano. No que tange às informações dos entrevistados, importa um breve
registro da trajetória profissional e cidadã, objetivando demarcar o cenário em que se
inserem. Os aspectos valorativos, culturais, subjetivos e sociais mencionados têm relevância
para análise do depoimento, uma vez que integram o campo‐objeto em que se produzem os
discursos que mantêm relações de poderes;
b) Análise estrutural
O espaço onde ocorrem os depoimentos e os sentidos nele incluídos são histórico‐
estruturais, convivem dialeticamente com movimentos próprios da história e com estruturas
que se reeditam com maior assiduidade no contexto em foco. Nele, ocorrem as
características mais constitutivas e formais da língua e do discurso, que contribuem para
explicar minimamente, até onde for possível tal formalismo, como a linguagem funciona, em
cenários sociohistóricos específicos, para produzir significados. A face estrutural da análise
não se resume à linguagem e seu funcionamento, posto que o mistério da fala é, por demais,
complexo e imperfeito. Trata‐se de etapa importante para a tentativa de desvelar a
superficialidade do texto, destacando‐lhe as frequências, códigos, “silêncios”,
“interdiscursos”, posicionamentos, modo de dizer e não‐dizer, argumentos e demais
características importantes presentes na exterioridade da fala.
“Texto”, “interdiscurso” e “silêncio” constituem conceitos destacados na teoria do
discurso em Orlandi (2001), segundo a qual, o texto é uma unidade complexa que pode
20 Nunca se sabe ao certo o que se diz, por que se diz e como se diz, já que o sentido revela elementos objetivos e subjetivos da existência humana não totalmente conhecidos. A esse respeito ver: Orlandi, E. P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2001.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
63
significar uma palavra, uma frase ou uma entrevista inteira. Também pode ser um livro, um
romance ou qualquer recurso que faça sentido ao momento histórico. Não é a extensão que
delimita o texto, mas o fato de constituir unidade em relação à situação. O interdiscurso diz
respeito à ‘‘memória discursiva’’ ou ao que é dito antes, em outro tempo, e que retorna à
fala dos sujeitos para fazer sentido21. Interdiscurso é a articulação de vários discursos, várias
interpretações possíveis que sustentam um modo de dizer as coisas. A relação entre o dito e
o não dito, entre o subentendido, entre o que se diz não dizendo, manifestam‐se nas várias
formas em que o silêncio ocorre. Entender o silêncio e seus significados depende de como
acontece a inserção dos interlocutores no contexto histórico. Assim, o silenciamento da fala
pode ter vários sentidos, muitos dos quais subjetivos, com diversos efeitos sobre a ação do
sujeito22.
Para analisar depoimentos em profundidade, tentando descascar a fala, extraindo‐
lhe sentidos e ideologias, o manejo mínimo de estruturas linguísticas se faz necessário. Se
for certo que nunca se saberá com certeza o total significado da fala e seus muitos sentidos,
tal incerteza alimenta a busca aprimorada, que se reconstrói continuamente na ambígua e
controversa comunicação humana. Na tentativa de captar tais entrelinhas, consideram‐se:
• Códigos e termos frequentes: investigam‐se a frequência dos componentes
comunicativos, os argumentos que voltam, frases e palavras que se repetem, discursos que
retornam, ênfase em determinadas expressões;
• Posicionamentos e argumentações: buscam‐se estruturas mais profundas do
depoimento, principalmente as crenças, os comportamentos arraigados, as expectativas,
silêncios, atos falhos, astúcias, recorrências. Procura‐se decifrar a forma de argumentar do
entrevistado, os recursos e subterfúgios de convencimento, o envolvimento e a adesão
daqueles que escutam.
c) Dinâmica interpretativa
Tanto o contexto sociohistórico, quanto a análise estrutural articulam‐se na dinâmica
interpretativa, a qual constitui a síntese possível do campo‐objeto‐sujeito investigado. O
21 Para exemplificar a noção de interdiscurso, Orlandi interpreta o sentido de uma convocação para eleição em um campus universitário feito através de uma faixa escrita: “vote sem medo!“, que também poderia significar, por exemplo, “vote com coragem”, remetendo‐se à época da ditadura. Em um outro trecho, a autora pontua que “vote sem medo” pode ter como interdiscurso “vote sem medo de ser feliz!”, slogan da campanha de Lula, candidato de esquerda à presidência do Brasil. 22 Para aprofundamento sobre “silêncio” e demais conceitos da teoria de discurso ver: Orlandi, E. P. A Linguagem e seu funcionamento. Campinas: Pontes, 1996 e Orlandi, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2001.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
64
movimento elucidativo de sentidos e poderes requer idas e vindas como elementos
importantes para o entendimento do cotidiano. Trata‐se do arremate possível, do desfecho
provisório, movediço e reflexivo, do significado construído pelos sujeitos – entrevistado e
entrevistador. A interpretação implica movimentos de construção criativa e temporal das
desconstruções realizadas, em contextos específicos, e pretende chegar a construtos
inusitados de significados, a partir de análises formais, que subsidiam novas críticas
reconstrutivas. Interpretar é um processo inacabado que envolve a subjetividade dos
interlocutores incluídos na relação comunicativa, portanto sempre incompleta, por se
refazer na diversidade de significados possíveis (THOMPSON, 1995). É importante destacar
que o método, aqui, proposto não pretende esgotar o imenso campo interpretativo da
realidade, mas dimensionar alguns fatores que se reeditam com maior frequência nos
espaços‐tempos sociais, sabendo‐os limitados e incompletos23. Essa etapa contém duas
partes articuladas:
1ª) Do ponto de vista do entrevistado (standpoint epistemology): um exercício de se
colocar no lugar do outro, dentro de seu contexto e vivências, para entender o que ele
gostaria de dizer ou de se fazer ouvir. Ou seja, seria o “entendimento do outro como o outro
gostaria de ser entendido”;
2ª) Crítica e reinterpretação: síntese principal do grupo, fundamentadas na categoria
de análise da acessibilidade dos serviços e nos indicadores de avaliação delimitados (Quadro
1). Revisão da interpretação realizada, na tentativa de manter o processo de reconstrução
próprio do conhecimento inovador.
A análise dos interdiscursos foi realizada com base nos registros dos observadores e
da presença dos processos grupais que viabilizam ou emperram as dinâmicas relacionais
(FERN 2001 apud GONDIM e BAHIA, 2002). Assim, investigou‐se a presença dos seguintes
processos grupais:
• Bloqueios de produção, visto como a ativação simultânea de dois processos
distintos, pensar o que vai dizer e ouvir o que os outros estão dizendo, que pode
comprometer a fala do participante ou o momento oportuno para a mesma;
23 “A metodologia da HP nos possibilita fazer uso de métodos particulares de análise e ao mesmo tempo alerta‐nos sobre seus limites e suas falácias subjacentes. São um esquema intelectual para um movimento de pensamento que demonstra características distintas das formas simbólicas, sem cair nas armadilhas gêmeas do internalismo ou do reducionismo” (Thompson, 2000: 377).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
65
• Influência social, caracterizada pela apreensão da avaliação, a autoconsciência
e a influência normativa como fatores inibidores das falas;
• Influência normativa, comparação que se faz com as normas e padrões
vigentes num grupo, como inibidores. Pode ocasionar receio em discordar, em se destacar
da “média” do grupo, em ser recriminado por não concordar com as regras vigentes;
• “Pegadores de carona”, diz‐se das pessoas que se beneficiam do discurso do
grupo, sem dar nada em troca. Elas fariam pouco esforço em acrescentar argumentos às
falas grupais.
O processo de análise dos grupos foi criterioso e detalhado, realizado uma por vez, e
sistematizada a síntese ao final. Num primeiro momento, examinaram‐se os interdiscursos
dos participantes, mediante o formulário próprio (formulário 1, APÊNDICE C) em que se
verificaram as imagens e as transcrições. Numa segunda etapa, procedeu‐se o desvelamento
individual dos depoimentos, utilizando‐se o referencial da hermenêutica de profundidade e
a análise do discurso (formulário 2, APÊNDICE D).
Realizadas as análises individuais, sistematizava‐se a síntese do grupo, extraindo‐se
as categorias empíricas oriundas das falas. Finda essa etapa, retornava‐se ao relatório dos
interdiscursos e redigia‐se um único texto analítico. Esse procedimento foi repetido em cada
um dos quatro grupos focais. Ao final, elaborou‐se uma síntese geral.
4.5 Etapa 3: oferta dos serviços de atenção básica
A discussão dos grupos focais elucidou a maioria das questões da pesquisa.
Aprofundou‐se a análise do processo de trabalho dos profissionais das ESFs, tendo por
suposto os princípios do PSF. Porém, foi preciso comparar a utilização dos serviços
informada pelos usuários no momento do survey, ou a caracterização da demanda por
serviços de atenção básica, com a oferta dos atendimentos realizados pelas UBSs. Por outra,
a presumível diminuição das ações programáticas em relação aos atendimentos de demanda
espontânea, fomentada nos resultados da etapa quantitativa, foi amplamente questionada
pelos profissionais em saúde, embora se tenha ratificado que as distintas formas de
organização das UBSs, para os programas de saúde normatizados, explicariam os números.
Com o objetivo de verificar a pertinência dos dados coletados, procedeu‐se à análise da série
histórica de todos os procedimentos realizados no período de setembro de 2008 a agosto de
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
66
2009 nas 10 UBSs da amostra, como forma de avaliar os indicadores de oferta elaborados no
referencial metodológico da pesquisa (Quadro1). Delimitou‐se esse período por coincidir
com o período da coleta de dados do survey e grupo focal. Essa delimitação justifica‐se,
ainda, dada a necessidade de extrair um padrão médio da produção, importante para as
confirmações empíricas buscadas no estudo. Coletaram‐se dados sobre o cadastro
populacional das UBSs e sobre a produção de todos os profissionais em saúde das 10 UBSs.
4.5.1 Métodos utilizados para a análise das bases de dados secundárias
Utilizou‐se o sistema de informação Registro de Atendimento Individual‐ FÊNIX,
responsável pela informação de todo o atendimento realizado pela rede própria da SMSA‐
BH, que possibilita extrair indicadores que avaliam a produção dos serviços. As informações
disponibilizadas pelo FÊNIX incluem o histórico, por usuário, nas Unidades de Saúde da rede
própria, bem como o consolidado dos atendimentos realizados, que subsidiam a geração da
produção ambulatorial do SUS, em Belo Horizonte. Esse sistema alimenta a maior parte dos
sistemas de informações nacionais do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde, do
Ministério da Saúde (DataSUS/MS), como o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB).
Embora o município esteja em substituição gradual dessa tecnologia pelo Sistema Saúde em
Rede, que inclui a implantação dos protocolos eletrônicos em todas as 146 UBSs, esse
processo é recente, e não contemplaria todo o período delimitado para a série histórica.
Escolheram‐se alguns atendimentos específicos correspondentes às áreas
programáticas mais consolidadas na atenção básica. Assim, avaliaram‐se as seguintes ações
programáticas:
a) Saúde da mulher – pré‐natal e prevenção do câncer;
b) Saúde da criança – acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de
crianças menores de 1 ano;
c) Saúde do adulto – atendimentos ao hipertenso.
Além desse critério, consideraram‐se as situações que possuíam dados consistentes,
a fim de evitar vieses no estudo. Para manejo do banco de dados enviado pela SMSA‐BH
utilizou‐se o programa Excel, versão 2007, e a estatística descritiva simples. Realizou‐se o
cálculo de percentual e de médias, considerado suficiente para atender aos objetivos da
etapa.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
67
Construíram‐se duas planilhas, inicialmente, que originaram todos os gráficos e
análises do estudo. A seguir, descrevem‐se os procedimentos realizados em cada uma das
tabelas, que por sua vez explicam todos os gráficos gerados.
Para definição dos procedimentos necessários para a análise da oferta, levaram‐se em
conta os indicadores de número 6 a 11 (Quadro 1), indicadores e conceitos utilizados na
avaliação dos serviços nas UBSs, listados no Quadro 2. A partir desses dados, definiram‐se os
cálculos dos dados disponíveis.
Quadro 2Indicadores e conceitos utilizados na avaliação dos serviços de atenção básica, nas Unidades Básicas de Saúde investigadas, Belo Horizonte, 2009
INDICADORES DE AVALIAÇÃO CONCEITOS UTILIZADOS
Cobe
rtura 6‐População coberta pelo PSF das UBSs ‐ Cobertura populacional das Equipes Saúde da Família
(ESFs). 7‐Número de consultas médicas por habitante/ano da UBS
‐ Cobertura populacional de consultas médicas anual,por habitante.
8‐População adstrita da UBS com, e sem ESF ‐ Cobertura populacional de serviços de atenção básica.
Prod
ução
das ações e serviços de
saú
de
9‐Comparação da produção de atendimentos de demanda espontânea e das ações programáticas das ESFs e da equipe de apoio, por UBS, em relação ao recomendado pelas diretrizes da SMSA‐BH 10‐ Análise comparativa entre a produção de atendimentos de demanda espontânea e das ações programáticas das ESFs e da equipe de apoio, por UBS, com a utilização dos serviços, informada pelos usuários no momento do survey
‐Média mensal de atendimentos totais realizados por profissionais da ESF e equipe de apoio nas UBSs. ‐Média mensal de atendimentos de ação programática realizados por profissionais da ESF e equipe de apoio nas UBSs. ‐Média mensal de atendimentos de demanda espontânea. ‐ Procedimentos de demanda espontânea utilizados pelos usuários nas UBSs. ‐ Procedimentos de ações programáticas utilizados pelos usuários nas UBSs.
11‐ Análise comparativa entre a demanda prevista pelos parâmetros de programação para a atenção básica e os atendimentos realizados dentro das ações programáticas de saúde da criança, mulher e adulto, por ESF e equipe de apoio, nas UBSs
‐ Média de consulta mensal prevista e realizada para o pré‐natal, por profissional da ESF e equipe apoio nas UBSs. ‐Média de consulta mensal prevista e realizada ao usuário com hipertensão arterial, por profissional da ESF e equipe apoio. Média de consulta mensal prevista e realizada para o preventivo de câncer de mulheres, por profissional da ESF e equipe de apoio. ‐ Média de consulta mensal prevista e realizada às crianças menores de 1 ano, por profissional da ESF e equipe apoio.
Fonte: Elaboração própria, 2009
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
68
4.5.1.1 Procedimentos operacionais para o cálculo dos indicadores de oferta
4.5.1.1.1 Indicadores de cobertura dos serviços de atenção básica
A análise da cobertura dos serviços de atenção básica foi realizada mediante os
indicadores clássicos para verificação da oferta adequada à população. Avalizou‐se a
disponibilidade de UBSs, ESFs e de consultas médicas básicas para as pessoas da área de
abrangência dos serviços investigados. Os cálculos e as fontes de informações utilizados são
descritos no Quadro 3, adiante.
4.5.1.1.2‐ Indicadores de produção das ações e serviços de saúde
Avaliou‐se a oferta das ações e serviços disponibilizados pelas UBS à população, com o
uso dos dados sobre a produção dos serviços e estimativas de demanda a partir de
parâmetros oficiais de programação. Inicialmente comparou‐se a realização dos
atendimentos de demanda espontânea com aqueles oriundos das ações programáticas, por
equipe e profissionais das UBSs. Os resultados desse estádio foram contrastados com as
informações do survey, por meio da análise da oferta e da demanda dos serviços, no que foi
possível realizá‐la. Por fim, viu‐se o desempenho das ESF e de apoio das UBSs na realização
das consultas previstas para cada uma das ações programáticas selecionadas – saúde da
criança, saúde da mulher (pré‐natal e preventivo de CA) e saúde do adulto (controle da
hipertensão arterial). Seguem‐se os conceitos utilizados, devidamente sintetizados no
Quadro 3 (pag. 72).
a)Média mensal de atendimentos realizados pela UBS
Selecionou‐se o número total de atendimentos realizados pela UBS, presente na série
histórica; dividiu‐se o valor por doze meses, correspondente ao período anual delimitado, e
obteve‐se o total de atendimentos mensal. Para efeitos de cálculo, considerou‐se o total de
atendimentos realizados em homens e mulheres.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
69
b) Média mensal de atendimentos de ação programática realizados pela Equipe de apoio e
Equipe Saúde da Família
Da mesma forma que no item anterior, calculou‐se a média de cada um dos tipos de
atendimentos realizados pelos distintos profissionais nas UBSs, ou seja, pelo médico
generalista e pelo enfermeiro, integrantes das ESFs, ou médico especialista (ginecologista,
pediatra e clínico geral), componentes da equipe de apoio. Somou‐se o número referente ao
motivo de atendimento de toda a série histórica, dividiu‐se por doze, e obteve‐se a média de
atendimentos mensal por ação programática.
Descreveu‐se cada um dos programas, da seguinte maneira:
• Consulta de pré‐natal: selecionou‐se a variável “motivo de atendimento: pré‐natal
no primeiro, segundo e terceiro trimestres”, por profissional de saúde;
• Consulta para acompanhamento do crescimento e desenvolvimento (CD) da criança:
selecionou‐se a variável “motivo de atendimento: puericultura, na faixa etária menor de 1
ano”, por profissional de saúde;
• Consulta para preventivo câncer ginecológico: selecionou‐se o “motivo de
atendimento: coleta de material citopatológico”, por profissional de saúde;
• Consulta ao hipertenso: selecionou‐se o “motivo de atendimento: hipertensão”, por
profissional de saúde.
c) Média mensal de atendimentos de demanda espontânea
Considerou‐se para o cálculo da demanda espontânea o item “motivo de atendimento:
outros, quadro agudo, doença respiratória, diarreia aguda, parasitose intestinal, infecção do
trato urinário, doença de pele e anexos, doenças do aparelho geniturinário, doenças do
aparelho gastrointestinal, negligência/maus tratos, valvulopatia reumática, portador de
deficiência física, alcoolismo, epilepsia, Doença de Chagas, doença reumática, neoplasia,
convalescença de AVC, convalescença de infarto”.
Somaram‐se todos os atendimentos citados acima para os profissionais em saúde das
ESFs ou da equipe de apoio, de toda a série histórica. Dividiu‐se por doze e encontrou‐se a
média mensal de atendimentos de demanda espontânea. Foram considerados esses
atendimentos por não se encaixarem em nenhuma outra ação programática, mesmo
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
70
aquelas não analisadas na pesquisa, tais como controle da tuberculose, eliminação da
hanseníase, saúde do idoso, saúde mental.
Para a obtenção do total das ações programáticas, somou‐se a média mensal de todas as
ações programáticas consideradas na pesquisa, por profissional de saúde.
Observe‐se que o cálculo do percentual foi realizado sobre a média mensal do total de
atendimentos realizados pela unidade básica de saúde.
d) Média de consulta mensal prevista e realizada para o pré‐natal
Estimou‐se a população de gestantes da área de abrangência de cada ESF, utilizando‐
se o parâmetro de 3% do total das mulheres, segundo o proposto pelo Ministério da Saúde
e, adotado igualmente, pela SMSA‐BH (BRASIL, 2006; BELO HORIZONTE, 2006).
Do total de gestantes, 85% seriam de baixo risco, e correspondem à demanda de pré‐
natal das ESFs, e 15% seriam de risco elevado, e correspondem à demanda do ginecologista
da Equipe de apoio. Para estimar a quantidade mensal de consultas a serem realizadas, que
é diferente da quantidade de pessoas, foi preciso fazer um ajuste matemático que
expressasse a demanda mensal de atendimento às gestantes da área. Assim, multiplicou‐se
a estimativa de mulheres grávidas pelo número previsto de consultas anuais (seis) e dividiu‐
se o valor por 12 para obter o valor mensal. Esse procedimento foi realizado sempre que o
número de consultas anuais recomendado foi superior a uma.
• Consultas de pré‐natal realizadas: selecionou‐se a variável “motivo de
atendimento: pré‐natal no primeiro, segundo e terceiro trimestres”, por profissional de
saúde (médico e enfermeiro das ESFs e ginecologista da equipe de apoio). Dividiu‐se o valor
por 12, e obteve‐se o valor mensal.
e) Média de consulta mensal prevista e realizada para o preventivo de câncer de mulheres
Para o cálculo da demanda de mulheres para a realização do preventivo de câncer
ginecológico, as informações disponíveis no FÊNIX/SMSA/BH eram incompatíveis com a faixa
etária requerida para o cálculo dos exames a serem realizados.
Diante dessa limitação, utilizou‐se a população total das UBSs para realização dos
cálculos. Com os parâmetros oficiais nacionais e locais (BRASIL, 2006; BELO HORIZONTE,
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
71
2006), estimou‐se que 4,4% da população geral sejam de mulheres de 35 a 49 anos, e que
40% das mulheres nessa faixa etária nunca fizeram exame citopatológico. O PSF seria
responsável pela cobertura de 70% desse total, o enfermeiro assumiria a metade (50%), e o
médico generalista a outra metade. Das mulheres que já fizeram exame citopatológico, 50%
deveriam ser cobertos pelas ESFs, com a mesma distribuição de realização dos exames entre
o médico (50%) e o enfermeiro (50%). Estima‐se que a população feminina, entre 25 e 35
anos, e entre 49 e 60 anos, corresponda a 11,49% da população geral. O Saúde da Família
cobriria 50% dessa parcela, sendo que o enfermeiro assumiria metade (50%), e o médico
generalista, a outra metade.
• Consultas realizadas para preventivo CA: selecionou‐se a variável “motivo de
atendimento: coleta de material cérvico‐uterino”, por profissional de saúde (médico e
enfermeiro das ESFs e ginecologista da Equipe de apoio). Dividiu‐se o valor por 12, e obteve‐
se o valor mensal.
f) Média de consulta mensal prevista e realizada ao usuário com hipertensão arterial
Estimou‐se a população de hipertensos da área de abrangência das UBSs, utilizando‐
se o parâmetro de 22% da população, com idade acima ou igual a 40 anos, conforme
recomendações oficiais (BRASIL, 2006; BELO HORIZONTE, 2006). Prevê‐se que 80% dessa
demanda sejam acompanhados nas UBSs; assim, adotou‐se a população referente a esses
80% como base de cálculo. Para realizar a previsão do número de consultas, de acordo com
essa demanda, calcularam‐se 6 consultas ao ano, para cada usuário hipertenso,
considerando‐se que duas são de responsabilidade do médico generalista e 4 do enfermeiro.
Duplicou‐se o número de usuários estimados por 6 e dividiu‐se esse montante por doze,
obtendo‐se o número previsto de consultas mensais a serem realizadas pelas ESFs nas UBSs.
• Consultas realizadas a usuários hipertensos: selecionou‐se a variável “motivo
de atendimento: hipertensão”, por profissional de saúde (médico e enfermeiro da ESF e
clínico da equipe de apoio). Dividiu‐se o valor por 12, e obteve‐se o valor mensal.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
72
g) Média de consulta mensal prevista e realizada à criança
Considerou‐se a população menor de 1 ano, cadastrada nas UBSs analisadas.
Recomenda‐se que sejam realizadas, no mínimo, 8 consultas anuais para cada criança menor
de um ano, das quais, duas pelo generalista, duas pelo pediatra e quatro pelo enfermeiro.
Identificou‐se o número de crianças menores de um ano, cadastradas na área. A base de
cálculo da demanda de consultas previstas e realizadas para as crianças foi o cadastro da
ESF, e não uma estimativa com base em dados populacionais, como nos itens anteriores.
Para a previsão do número de consultas a serem realizadas, multiplicou‐se o total de
crianças das UBSs por 8, referente ao número de consultas anuais, e dividiu‐se por doze, a
fim de obter‐se a média mensal.
• Consultas de acompanhamento ao crescimento e desenvolvimento realizadas:
selecionou‐se a variável “motivo de atendimento: puericultura”, por profissional de saúde
(médico e enfermeiro das ESFs e pediatra da Equipe de apoio). Dividiu‐se o valor por 12, e
obteve‐se o valor mensal.
Observa‐se que o percentual foi calculado tendo como base o total de atendimentos
de cada ação programática.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
73
Quadro 3
Referências metodológicas utilizadas na avaliação da oferta dos serviços das Unidades Básicas de Saúde investigadas, Belo Horizonte, 2009
Indicadores de avaliação Conceitos utilizados Procedimentos operacionais e fontes de informação Parâmetros oficiais6 ‐ População coberta pelo PSF das UBSs;
‐ Cobertura populacional da Equipes Saúde da Família (ESFs).
‐ Identificação da área de abrangência de cada ESF das EBS. Fonte: Sistema de Informação Fenix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009.
Cada ESF deve oferecer serviços a uma população de 3500 a 4000 pessoas (BRASIL, 2006a).
7 ‐ Número de consultas médicas por habitante/ano da UBS;
‐ Cobertura populacional de consultas médicas anual por habitante.
‐ Identificou‐se o número total de consultas médicas anuais da UBS; dividindo‐o,depois, pela população total da área de abrangência da UBS. Fonte: Sistema de Informação Fenix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009.
1 consulta médica por habitante ao ano (BRASIL, 2002).
8 ‐ População adstrita da UBS com e sem ESF;
‐ Cobertura populacional de serviços de atenção básica.
‐ Identificou‐se a população total da área de abrangência das UBS completamente e parcialmente cobertas pelo PSF. Fonte: Sistema de Informação Fenix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009.
‐ 1 UBS sem PSF para cada 30.000 habitantes, em grandes centros urbanos (BRASIL, 2006a); ‐ 1 UBS com PSF para cada para cada 12.000 habitantes, em grandes centros urbanos (BRASIL, 2006a).
9 ‐ Comparação da produção de atendimentos de demanda espontânea e das ações programáticas das ESFs e da equipe de apoio, por UBS, em relação ao recomendado pelas diretrizes da SMSA‐BH; 10 ‐ Análise comparativa entre a produção de atendimentos de demanda espontânea e das ações programáticas das ESFs e da equipe de
‐Média mensal de atendimentos totais realizados por profissionais da ESF e equipe de apoio nas UBSs.
‐ Nº total de atendimentos realizados pela UBS (ações programáticas e demanda espontânea), período out./2008 à out./2009, dividido por 12 (ano). Fonte: Sistema de Informação Fenix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009.
‐A SMSA‐BH recomenda que a ESF destine 25% das atividades para o acolhimento (atendimento da demanda espontânea) e que o restante seja dedicada às demais ações da ESF(BELO HORIZONTE, 2008). ‐As equipes de apoio oferecem retaguarda para as ações da ESF, inclusive na realização das ações programáticas (BELO HORIZONTE, 2008).
‐ Média mensal de atendimentos de ação programática realizados por profissionais da ESF e equipe de apoio nas UBSs.
‐ Nº de ações programáticas realizadas (“motivo de atendimento:pré‐natal no primeiro, segundo e terceiro trimestres; puericultura, faixa etária menor de 1 ano; coleta de material citopatológico; hipertensão”), por profissionais de saúde (médicos de apoio, generalistas e enfermeiros da ESF), período out./2008 à out./2009, dividido por 12 (ano). Fonte: Sistema de Informação Fenix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009.
‐Média mensal de atendimentos de
‐ Nº de atendimentos à demanda espontânea (“motivo de atendimento –outros, quadro agudo, doença respiratória,
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
74
apoio, por UBS, com a utilização dos serviços informada pelos usuários no momento do survey;
demanda espontânea. diarreia aguda, parasitose intestinal, etc.,”), por médicos de apoio, generalistas e enfermeiros da ESF, período out./2008 à out./2009, dividido por 12. Fonte: Sistema de Informação Fênix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009.
‐ Procedimentos de demanda espontânea utilizados pelos usuários nas UBSs.
‐ Nº total de consultas médicas, acolhimentos e consultas de retorno informadas pelo usuário no survey. Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
‐ Procedimentos de ações programáticas utilizados pelos usuários nas UBSs.
‐ Nº total de procedimentos de ação programática informada pelo usuário no survey.
Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
11 ‐ Análise comparativa entre a demanda prevista pelos parâmetros de programação para a atenção básica e os atendimentos realizados dentro das ações programáticas de saúde da criança, mulher e adulto, por ESF e equipe de apoio, nas UBSs;
‐ Média de consulta mensal prevista e realizada para o pré‐natal, por profissional da ESF e equipe apoio nas UBS.
‐ Nº consultas previstas às gestantes, referente a 3% das mulheres cadastradas na área de abrangência das ESF e da UBS, multiplicado por 6 (consultas anuais), dividido por 12 (ano); ‐ Nº consultas realizadas, referente ao “motivo de atendimento: pré‐natal no primeiro, segundo e terceiro trimestres”, por profissionais de saúde (médicos de apoio, generalistas e enfermeiros da ESF), período out./2008 à out./2009, dividido por 12.
‐ Saúde da Criança: 8 consultas anuais, sendo 2 para o médico generalista, 2 para o pediatra e 4 para o enfermeiro da ESF (BELO HORIZONTE, 2008); ‐ Saúde da Mulher ‐ Pré‐natal (BELO Horizonte, 2008; BRASIL, 2006b): estima‐se que 85% das gestantes da área de abrangência da ESF sejam de baixo risco. Recomenda‐se que o pré‐natal dessas mulheres seja realizado pelo PSF (6 consultas, 3 com enfermeiro, 3 com médico). Os outros 15% das gestantes seriam de risco elevado, cujo pré‐natal deve ser realizado pelos médicos de apoio (ginecologista e, ou obstetra, 7 consultas); ‐ Saúde da mulher – Preventivo de Câncer (BELO Horizonte, 2008; BRASIL, 2006b): PSF: cobertura de 70% das mulheres entre 25 e 35 anos, e 50% daquelas entre 25 e 35, e 49 e 60 anos. Cada profissional, médico e enfermeiro da ESF, realizam o exame em 50% dessa demanda. ‐ Saúde do Adulto – Controle da Hipertensão (BRASIL, 2006b): 80% da demanda estimada precisam de
‐ Média de consulta mensal prevista e realizada ao usuário com hipertensão arterial, por profissional da ESF e equipe apoio.
‐ Nº de consultas a usuários hipertensos acima de 40 anos, referente a 22% da população cadastrada na área de abrangência das ESF e da UBS, multiplicados por 6 (consultas anuais), divididos por 12 (ano); ‐ Nº referente ao “motivo de atendimento: hipertensão”, por profissionais de saúde (médicos de apoio, generalistas e enfermeiros da ESF), período out./2008 à out./2009, dividido por 12.
‐ Média de consulta mensal prevista e realizada para o preventivo de câncer de mulheres, por profissional da ESF e
‐ Nº de preventivos de CA a mulheres, na faixa etária de 25 a 49, referente a 4,4% da população cadastrada na área de abrangência das ESF e da UBS, divididos por 12 (ano); ‐ Nº de preventivos de CA a mulheres, na faixa etária entre 25 e 35 anos, e entre 49 e 60 anos, referente a
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
75
equipe de apoio. 11,4% da população cadastrada na área de abrangência das ESF e da UBS, divididos por 12 (ano); ‐ Nº consultas para prevenção do CA às mulheres (“motivo de atendimento: coleta de material citopatológico”), por profissionais de saúde (médicos de apoio, generalistas e enfermeiros da ESF), período out./2008 à out./2009, dividido por 12 (ano).
acompanhamento pelo PSF, realizando 6 consultas ao ano, sendo 2 do médico e 4 do enfermeiro da ESF.
‐ Média de consulta mensal prevista e realizada às crianças menores de 1 ano, por profissional da ESF e equipe apoio.
‐ Nº de consultas previstas às crianças menores de 1 ano, cadastradas pela ESF e UBS, multiplicado por 8 (consultas anuais), dividido por 12 (ano). ‐ Nº de consultas realizadas a crianças menores de 1 ano: “motivo de atendimento: puericultura, faixa etária menor de 1 ano”, por profissionais de saúde (médicos de apoio, generalistas e enfermeiros da ESF), período out./2008 à out./2009, dividido por 12 (ano).
Fonte: elaboração própria, 2009
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
76
4.6 Triangulação de métodos e técnicas
Ao término de cada uma das etapas da pesquisa, procedeu‐se à complementaridade
das informações e dos métodos obtidos. Assim, o resultado sobre a utilização das UBSs e das
UPAs nas entrevistas com os usuários subsidiou boa parte das discussões nos grupos focais
dos profissionais em saúde. Problematizou‐se como a organização do trabalho nas UBSs
explicaria os cenários delineados, e aprofundou‐se no desvelamento das distintas formas de
realizar as ações de saúde nas UBSs. Com o fechamento e a síntese dos resultados,
realizaram‐se a análise comparativa da utilização informada pelo usuário, dos
procedimentos ofertados pelas UBSs (mediante a análise dos bancos de dados secundários),
bem como as especificidades dos grupos focais que explicaram o panorama da oferta e
utilização dos serviços.
Deu‐se o fechamento da pesquisa com um grupo de discussão com 7, dos 10 gestores
das UBSs, que ratificaram a consonância dos dados com a realidade dos serviços. Essa fase
constitui‐se, igualmente, um retorno das informações aos sujeitos, requisito importante em
pesquisas avaliativas com enfoques emergentes, críticos e dialéticos (BOSI e MERCADO,
2006).
4.7 Aspectos éticos
A garantia de anonimato e sigilo sobre a origem das informações foi preservada. Os
sujeitos foram esclarecidos quanto às formas de divulgação dos resultados em publicações
com fins científicos, com a garantia de jamais serem citados nomes ou qualquer outra forma
de identificação. Elaborou‐se um documento em duas vias, denominado “Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido” (Apêndice E), com as informações pertinentes à
pesquisa, assinado pelos entrevistados e pesquisadores. O estudo foi aprovado pelos
Comitês de ética em pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, Parecer n ETIC
053/06 (Anexo A), e Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, protocolo 19/2006
(Anexo B).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
77
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
5.1 Utilização dos serviços de atenção básica e urgências pelo usuário
Conforme descrito na metodologia, averiguou‐se a utilização dos serviços de saúde
pelos usuários das UBSs e UPAs do SUS/BH, de forma a caracterizar‐se a demanda aos
serviços de atenção básica e de urgências do sistema de saúde de Belo Horizonte do ponto
de vista do perfil socioeconômico, do problema de saúde referido, dos principais
procedimentos realizados, formas de acesso e de utilização, bem como a racionalidade na
escolha do serviço de saúde. As 993 entrevistas foram realizadas com usuários que, ao
término do atendimento, aceitassem participar da pesquisa, com base em escolha aleatória
e obedecendo aos preceitos éticos em pesquisa.
Os resultados foram estruturados em três blocos, descritos a seguir. No primeiro
abordam‐se o perfil socioeconômico e a procedência dos usuários; no segundo analisam‐se o
problema de saúde referido e o acesso aos serviços, no terceiro discrimina‐se a
racionalidade do usuário na escolha dos serviços de atenção básica e de urgência.
Sempre que possível, serão analisados, comparativamente, os usuários das UBSs e das
UPAs, uma vez que se pretendeu testar a hipótese que não há diferença significativa nos
procedimentos realizados nesses serviços, e que prevalecem as consultas médicas básicas e
os procedimentos de enfermagem. Entende‐se que a duplicação de ações básicas de saúde é
inadequada à proposta de reorganização do SUS, a qual prevê a resolução dos problemas
básicos de saúde nas UBSs. A proporção de questionários aplicados foi de 69,0% nas UBSs24
e de 31% nas UPAs, segundo dinâmica de cada serviço.
5.1.1 Perfil socioeconômico e procedência do usuário
Do total de 993 usuários entrevistados, 94,4% residiam em Belo Horizonte e 5,6%
moravam em municípios metropolitanos.
No que se refere ao gênero, 73,2% do total dos entrevistados pertencem ao sexo
feminino e, 26,8% ao masculino. A preponderância do sexo feminino pode ter sido
24 Neste estudo, os termos Unidade Básica de Saúde (UBS) e Centro de Saúde (CS) são considerados sinônimos.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
78
influenciada pelo período de dias úteis e horário comercial em que foi realizada a pesquisa,
embora a literatura aponte que as mulheres são as que mais utilizam os serviços de saúde,
até certa idade (RIBEIRO et al., 2006; PINHEIRO et al., 2002). Quanto à faixa etária, observa‐
se uma concentração na faixa de 21 a 40 anos de idade; portanto, a população
economicamente ativa foi a que mais demandou atendimento nos serviços de saúde em
Belo Horizonte.
Dos participantes, 38,3% não tinham concluído o ensino fundamental, seguidos dos
27,7%, que concluíram o ensino médio. Quanto ao local de trabalho, 91,5% dos
entrevistados trabalham na capital mineira.
Quando se agregam os entrevistados, sem escolaridade e os que não concluíram o
ensino fundamental, alcança‐se a porcentagem de 44,2% da amostra, o que aponta a notória
baixa escolaridade dos usuários do SUS/BH.
A empregabilidade é bastante diversificada e composta por empregados (33,8%),
seguida de desempregados com ocupações não remuneradas (33,2%), inativos (17,0%) e
subempregados (16,1%). A renda dos entrevistados variou de um a três salários mínimos
(53,84). Muitos não têm plano de saúde (69,6%) e quando alguns membros da família o
possuem, o índice não passa dos 25,9%.
Com exceção do local de residência, de trabalho e da empregabilidade, não há maiores
diferenças no perfil do usuário que utiliza os serviços públicos de saúde de Belo Horizonte. O
percentual de usuário das UPAs, que não mora na capital, é de 17,49 % e o das UBSs, de
0,3%. No item empregabilidade, as pessoas entrevistadas nos serviços de urgência (43,8%)
aparecem mais bem colocadas que as da atenção básica (29,2%), conforme Tabela 3.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
79
Tabela 3 ‐ Perfil dos usuários das Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Pronto‐atendimento, Belo Horizonte, por sexo, idade, renda, escolaridade, situação empregatícia, residência, local de trabalho e plano de saúde, dezembro de 2008
SEXO Usuário da UBS Usuário da UPA
N % N %
Masculino 162 24 100 33 Feminino 512 76 203 67TOTAL 674 100 303 100
IDADE Usuário da UBS Usuário da UPA
N % N %
11 a 20 72 11 29 9,6
21 a 30 175 26 96 31,7
31 a 40 132 20 69 22,8
41 a 50 113 17 51 16,8
51 a 60 89 13 25 8,3
61 a 70 63 9 16 5,3
Acima de 71 30 4 17 5,6
TOTAL 674 100 303 100
RENDA FAMILIAR Usuário do CS Usuário da UPA
N % N %
Até R$ 415,00 110 16,32 64 21,12
De R$ 416,00 a R$ 1245,00 369 54,75 157 51,82
De R$ 1246,00 a R$ 2075,00 99 14,69 49 16,17
Acima de R$ 2076,00 41 6,08 17 5,61
Sem rendimentos 6 0,89 5 1,65
Não declarada 49 7,27 11 3,63
TOTAL 674 100 303 100
ESCOLARIDADE Usuário da UBS Usuário da UPA
N % N %
Sem Escolaridade 41 6,08% 17 5,61
Fundamental Incompleto 271 40,21% 103 33,99
Fundamental Completo 83 12,31% 38 12,54
Médio Incompleto 70 10,39% 38 12,54
Médio Completo 183 27,15% 88 29,04
Até Ensino Superior 26 3,86% 19 6,27
TOTAL 674 100% 303 100% (Continua)
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
80
Tabela 3 ‐ Perfil dos usuários das Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Pronto‐atendimento, Belo Horizonte, por sexo, idade, renda, escolaridade, situação empregatícia, residência, local de trabalho e plano de saúde, dezembro de 2008
(Conclusão)
SITUAÇÃO EMPREGATÍCIA Usuário do CS Usuário da UPA
N % N %
Empregado 197 29,23 133 43,89
Subempregado 114 16,91 43 14,19
Sem renda 238 35,31 86 28,38
Inativo 125 18,55 41 13,53
TOTAL 674 100 303 100
LOCAL DE RESIDÊNCIA Usuário do CS Usuário da UPA
N % N %
BH 672 99,7 250 82,51
Fora de BH 2 0,3 53 17,49
TOTAL 674 100 303 100
LOCAL DE TRABALHO Usuário do CS Usuário da UPA
N % N %
BH 278 41,2 158 52,15
Fora de BH 18 2,7 17 5,61
Não se Aplica 378 56,1 128 42,24
TOTAL 674 100 303 100
PLANO DE SAÚDE Usuário do CS Usuário da UPA
N % N %
Sim, toda família 31 4,6 13 4,29
Sim, alguns membros 171 25,4 82 27,06
Não 472 70,0 208 68,65
TOTAL 674 100 303 100
Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
Analisando‐se os dados da Tabela 3, não se observa diferença significativa entre o
grupo de homens e de mulheres quanto à escolaridade (x²= 4,404; gl= 5; p=,493) e idade (x²=
10,791; gl= 6; p=,095), mas há diferença significativa entre o grupo de homens e de
mulheres, quanto à renda familiar (x²=72,878; gl=5; p<,000), à ocupação (x²=103,422; gl=3;
P<,000), ao local de trabalho (x²=70,838; gl=2; p<,000) e a possuir plano de saúde
(x²=11,289; gl=2; p<,004).
Os homens demandam mais serviços de saúde, na faixa etária de 11 a 30 anos
(77,8%) em relação às mulheres (55,0%). Na faixa de idade de 31 a 40 anos, a situação
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
81
inverte‐se, com maior demanda por serviços realizada pelas mulheres (27,1%) em relação
aos homens (10,8%).
Em geral, os usuários das UBSs e das UPAs do SUS/BH têm baixa escolaridade (50%) e
variadas formas de inserção no mercado de trabalho: predominam mulheres com vínculo
empregatício (52,2%) e homens sem renda (42,0%), os quais estão predominantemente na
faixa etária economicamente ativa de 21 a 30, residindo na própria cidade de Belo Horizonte
(94%), embora 17,5% dos usuários que utilizam as UPAs morem na região metropolitana da
cidade. Além disso, a presença maciça das mulheres na utilização dos serviços de saúde
corrobora outros estudos, que consideram a mulher como principal protagonista do cuidado
familiar, e cujo aumento dos níveis de autonomia, politização e escolaridade repercutiriam
favoravelmente na diminuição das iniquidades sociais (DEMO, 2003. PNUD, 2007).
5.1.2 Problema de saúde referido pelo usuário e acesso aos serviços de saúde
Nesse item, caracterizaram‐se o motivo da procura aos serviços, o problema de saúde
referido pelo usuário, o tempo que levou para ser completamente atendido, bem como os
procedimentos realizados, classificados em atenção básica e, ou de média complexidade.
Para dimensionar o acesso aos serviços, utilizaram‐se as variáveis transporte,
procedimentos realizados, tempo de deslocamento e de atendimento. A análise dessa
categoria empírica, assim como da racionalidade do usuário na procura ao serviço, foi
norteada pela seguinte questão: os problemas de saúde que o usuário leva às UPAs
poderiam, em tese, ser resolvidos nas UBSs?
A discussão buscou relacionar, sempre que possível, as diferenças entre os
respondentes das UBSs completa ou parcialmente cobertas pelo PSF25, com aqueles das
UPAs.
Em relação ao tempo de deslocamento, 94,1% dos usuários das UBSs gastam menos
de 30 minutos para se deslocarem. Esse é o tempo que se leva, em média, para se chegar às
UPAs (77,6%), sendo esse valor altamente significativo (x²= 162,350; gL= 3; sendo p<0,0001).
25 Para as UBSs completamente cobertas pelo PSF, utiliza‐se a denominação (UBS‐PSF), para aquelas que não são totalmente cobertas pela estratégia, denominou‐se UBSs‐parcial.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
82
As pessoas vão às UBSs, principalmente, a pé (85%) ou, de ônibus, van, lotação, táxi
(7,9%), de veículo particular (5,9%;), de moto (1% ) ou, ainda, de “carona” (0,2%). Nas UPAs,
essa proporção inverte‐se: utilizam‐se, principalmente, do transporte público (43,6%), do
veículo particular (23,4%), da caminhada (15,5%), da ambulância do Serviço de Atendimento
Móvel de Urgência (SAMU) (9,2% ), da “carona” ou da moto (8,3%) para chegar ao destino.
Observou‐se diferença significativa entre os grupos tanto para o tempo (x²= 39,09; gL= 1;
sendo p<0,000), quanto para a forma de deslocamento (x²= 401,712; gL= 2; p<0,000).
(Tabela 4).
Tabela 4 ‐ Tempo e meio de transporte utilizado para o deslocamento dos usuários às Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Pronto‐atendimento, em Belo Horizonte, dezembro de 2008
TEMPO DESLOCAMENTO Usuário da UBS Usuário da UPA
N % N % Menos de 30 min 634 94,1 235 77,6 de 31 min a 1h 36 5,3 52 17,2 TOTAL 670 99,4 287 94,8 de 1h a 2h 4 0,6 11 3,6 mais de 2h 5 2,0
MEIO DE TRANSPORTE Usuário da UBS Usuário da UPA
N % N %
Ônibus/ Van/ Lotação/ Táxi 53 7,9 132 43,6
Veículo Particular / Carona 41 6,1 90 29,7 A pé 573 85,0 47 15,5 Ambulância/ SAMU 28 9,0 Moto 7 1,0 6 2,0 TOTAL 674 100 301 89
Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
Quando se compara o problema de saúde referido pelos usuários, nas UBSs
completamente (UBS‐PSF) e, parcialmente, cobertas pelo PSF (UBSs‐parcial), com o
problema referido pelos usuários nas UPAs, nota‐se que as afecções leves aparecem
preponderantemente nas urgências (57,4%). Apesar de serem passíveis de serem resolvidas
na atenção básica, tais enfermidades são a segunda causa, tanto nas UBSs tradicionais
(30,9%), quanto naquelas completamente cobertas pelo PSF (27,4%). Nesses locais, as
consultas de retorno aparecem como principal demanda por atendimento (40,3% UBS‐
parcial, 33,3% UBS‐PSF) e as ações programáticas ocupam a terceira posição (22,6% UBS
parcial, 28,5% UBS‐PSF).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
83
Nota‐se que essa diferença é bastante significativa na comparação de frequências (p<
0,000). Importa observar que as UBSs parcialmente cobertas pelo PSF atendem
proporcionalmente mais usuários com afecções leves (30,9%) do que aquelas,
completamente, organizadas pelas diretrizes do Saúde da Família (27,4%); esse fato é,
estatisticamente, significativo ( p< 0,000).
Como pode ser verificado na Tabela 5, a consulta médica básica e o procedimento de
enfermagem são os principais atendimentos realizados em todos os serviços investigados,
independentemente do nível de complexidade do SUS. As consultas básicas aparecem em
primeiro lugar (UPAs: 67,3%; UBS‐parcial: 66,1%; UBS‐PSF: 62,0%), seguidas dos
procedimentos de enfermagem (UPAs: 31,0%; UBS‐parcial: 27,4%; UBS‐PSF: 28,9%) sem
diferença estaticamente significante entre as frequências (consultas, p< 0,266; enfermagem,
p< 0,711).
Tabela 5 ‐ Problema de saúde e procedimentos utilizados pelos usuários das Unidades Básicas de Saúde completas, ou parcialmente cobertas pelo Programa de Saúde da Família, e das Unidades de Pronto‐atendimento, de Belo Horizonte, dezembro de 2008
Problema de Saúde Usuário de UBS Parcial PSF
Usuário de UBS Completamente PSF
Usuário da UPA
N % N % N % Consultas de retorno 50 40,3 134 33,5 1 0,3
Afecções leves* 34 27,4 170 30,9 174 57,4
Ações programáticas/ Controle de agravos**
28 22,6 157 28,5 1 0,3
Afecções moderadas a graves*** 8 6,5 19 3,5 66 21,8
Acidente/ lesão/ gravidez alto risco
3 2,4 12 2,2 54 17,8
Outros 1 0,8 8 1,5 7 2,3
Procedimentos Realizados Usuário de UBS Parcial PSF
Usuário de UBS Completamente PSF
Usuário da UPA
N % N % N %
Consulta médica 82 66,1 341 62,0 204 67,3
Classificação de risco/ Acolhimento
22 17,7 123 22,4 124 40,9
Procedimentos de enfermagem 84 27,4 159 28,9 94 31,0
Consultas de enfermagem 3 2,4 33 6,0 21 6,9 Consulta odontológica/ Procedimentos odontológicos
9 7,3 20 3,6 3 1,0
Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
84
Quanto aos demais procedimentos realizados nos usuários da UPA, aqueles
destinados à diagnose‐terapia, como o diagnóstico por imagem (30,s%) e os exames de
patologia clínica (33%), são preponderantes e seguidos da consulta com especialistas
(27,40%), conforme a Tabela 6.
Tabela 6 ‐ Procedimentos de média complexidade utilizados pelos usuários das Unidades de Pronto‐atendimento, em Belo Horizonte, dezembro, 2008
Procedimentos de Média Complexidade N % Diagnóstico por imagem 77 37,0%
Exames de patologia clínica / Anatomapatologia 63 30,2%
Consulta médica com especialista 57 27,4%
Procedimentos traumato‐ortopédicos 6 2,8%
Procedimentos ambulatoriais especializados / Ações especializadas em Odontologia***/ Outros
5 2,4%
Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
Perguntado se conhecia o PSF, o usuário, em sua maioria, afirmou que não,
independentemente, de estar em uma UBS parcialmente coberta (76,6%), totalmente
coberta pelo PSF (72,7%) ou em uma UPA (70,3%), não havendo diferença estatisticamente
significativa entre as frequências (p< 0,406). Porém, quando inquirido, se algum profissional
daquele serviço conhecia sua família, a resposta variou significativamente (p< 0,000).
Nos serviços com total cobertura do PSF, a resposta foi afirmativa em 70,4% dos
casos. Nas UBSs‐parcial a resposta aparece em 52,4% das falas e nas UPAs, como esperado,
apenas 8,6% responderam sim (Tabela 7).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
85
Tabela 7 ‐ Conhecimento referido pelo usuário sobre o Programa de Saúde da Família, por serviço de
saúde, Belo Horizonte, dezembro de 2008
USUÁRIO CONHECE O PSF Usuário da UBS
Parcial Usuário da UBS
Completamente PSF Usuário da UPA
N % N % N %
SIM 29 23,4 150 27,3 90 29,7
NÃO 95 76,6 400 72,7 213 70,3
TOTAL 124 100 550 100 303 100
PROFISSIONAL CONHECE A FAMÍLIA DO USUÁRIO?
Usuário da UBS Parcial
Usuário da UBS Completamente PSF
Usuário da UPA
N % N % N % SIM 65 52,4 387 70,4 26 8,6 NÃO 59 47,6 163 29,6 277 91,4 TOTAL 124 100 550 100 303 100
QUEM CONHECE A FAMÍLIA DO USUÁRIO?
Usuário da UBS Parcial
Usuário da UBS Completamente PSF
Usuário da UPA
N % N % N % ACS 48 38,70 346 62,90 Enfermeiro 15 12,10 52 9,50 12 4,0 Médico 14 11,30 36 6,50 12 4,0
Técnico de Enfermagem 5 4,00 25 4,50 9 3,0
Odontólogo/ACD/THD Outro
4 3,1 9 1,6 2 0,7
Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
O agente comunitário de saúde (ACS) é citado como quem mais conhece a família do
entrevistado (38,7%: UBS‐parcial; 62,9%: UBS‐PSF), seguido do profissional enfermeiro
(12,1%: UBS‐parcial; 9,5%: UBS‐PSF) e médico (11,3%: UBS‐parcial; 6,5%: UBS‐PSF).
A opinião do usuário, sobre o atendimento recebido varia, a depender do serviço de
saúde em que ele se encontra (Tabela 8). Em geral, nas UBS, os usuários avaliam que os
profissionais ouvem mais seu problema de saúde (UBS‐parcial: 95,2%; UBS‐PSF: 91,5%;
UPAs: 88,8%); perguntam sobre as condições da sua vida (UBS‐parcial: 29%; UBS‐PSF: 32,2%;
UPAs: 12,2%) e, que a maioria desses profissionais orienta sobre os cuidados com a saúde
(UBS‐parcial: 79,8%; UBS‐PSF: 76,2%; UPAs: 66%). Nas UBSs‐PSFs, as respostas sobre a
resolução dos problemas buscados é superior aos demais locais onde se coletaram os dados
(UBS‐parcial: 37,1%; UBS‐PSF: 82,5%;UPA: 67,7%). Em contrapartida, os profissionais da UPA
orientam o usuário, com maior frequência (39,3%), a procurar por outro serviço (Tabela 9):
em geral, o PSF (30,4%), com diferença significativa (p< 0,000).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
86
Tabela 8 ‐ Opinião do usuário sobre a conduta dos profissionais no momento do atendimento nas Unidades Básicas de Saúde e nas Unidades de Pronto Atendimento, Belo Horizonte, dezembro de 2008
CONDUTA Usuário de UBS Parcial
Usuário de UBS Completamente PSF
Usuário da UPA
N % N % N % ‐Ouviu e compreendeu bem o problema de saúde
118 95,2 503 91,5 269 88,8
‐Perguntou sobre as condições de vida e saúde da família
36 29,0 137 32,2 37 12,2
‐Orientou sobre o tratamento e cuidado para com a saúde
99 79,8 419 76,2 200 66,0
‐Pediu sua opinião sobre os tratamentos e cuidados prescritos
27 21,8 127 23,1 36 11,9
‐Resolveu o problema de saúde 108 37,1 454 82,5 205 67,7
‐Orientou a procurar outro serviço de saúde
14 11,3 73 13,3 119 39,3
Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
Tabela 9 ‐ Tipo de serviço de saúde que o usuário foi orientado a
procurar no momento do atendimento nas Unidades Básicas de Saúde e nas Unidades de Pronto‐atendimento, Belo Horizonte, dezembro de 2008
SERVIÇO DE SAÚDE Usuário de UBS Parcial
Usuário de UBS Completamente PSF
Usuário da UPA
N % N % N % PSF/ UBS/ Centro de Saúde
2 1,6 8 1,5 92 30,4
UPA 4 3,2 7 1,3 3 1,0
Hospital 2 1,6 14 2,5 16 5,3
Outros 6 4,8 44 8,0 8 2,6 TOTAL 14 11 73 13 119 39 Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
O tempo é um fator importante para o acesso ao serviço, seja o que o usuário levou
para ser completamente atendido, seja o que precisou esperar para conseguir a consulta
médica de que precisava.
Na fala da maioria dos respondentes, as UBSs conseguem, na maioria dos casos
(76%), atendê‐los em até 2 horas, enquanto nas UPAs, o atendimento completo se dá, nesse
tempo, em 50,8% dos casos. Nesses locais, é relativamente comum uma espera superior a 4
horas (29%), mais rara nas UBSs (3,1%). Porém, os entrevistados afirmam conseguir, mais
rapidamente, a consulta médica de que precisam nas urgências, esperando até 4 horas em
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
87
81,8% das falas. Nas UBSs, essa espera é comum para apenas 29,4 % dos casos. Ao contrário,
nas UBSs, o usuário espera mais de um dia pela consulta que foi buscar (52,4%), o que
dificilmente ocorre na UPA (2,6%). A comparação entre as respostas mostrou‐se
estatisticamente significativa (p< 0,000) (Tabela 10).
Tabela 10 ‐ Tempo que o usuário levou para ser completamente atendido e para conseguir a consulta médica de que precisa, por locais de entrevista, Belo Horizonte, dezembro de 2008
TEMPO DE ATENDIMENTO Usuário da UBS Usuário da UPA
N % N % Menos de 30 min 204 30,3 40 13,2 De 31 min a 1 hora 136 20,2 61 20,1 De 1 a 2 horas 172 25,5 53 17,5 De 2 a 4 horas 141 20,9 61 20,1 Mais de 4 horas 21 3,1 88 29,0 TOTAL 674 100 303 100%
TEMPO DE ESPERA PELA CONSULTA MÉDICA Usuário da UBS Usuário da UPA
N % N % Menos de 4 horas 198 29,4 248 81,8 De 4 a 12 horas 85 12,6 36 11,9 De 12 a 24 horas 10 1,5 8 2,6 De 1 a 3 dias 78 11,6 2 ‐ De 3 a 5 dias 27 4,0 1 ‐ Uma semana 58 8,6 15 dias 54 8,0 Até 1 mês 76 11,3 Mais de um mês 59 8,8 Não sabe informar 29 4,3 8 2,6 TOTAL 674 100 303 100 Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
Em geral, a demanda que chega aos serviços de atenção básica e de urgência do SUS‐
BH é decorrente de consultas médicas básicas (UBS‐parcial: 66,1%; UBS‐PSF: 62%; UPA:
67,3%), seguida de procedimentos de enfermagem (UBS‐parcial: 27,4%; UBS‐PSF: 28,9%;
UPA: 31,0 %).
Na UPA, esses atendimentos são motivados por afecções leves, na maioria dos casos
(UPA: 57,4%; UBS‐parcial: 27,4%, UBS‐PSF: 30,9%), que poderiam, em tese, ser resolvidos na
atenção básica. Tendo em vista que as consultas médicas e os procedimentos de
enfermagem são procedimentos comuns às UBSs, na maioria dos casos, tais achados
indicam que a oferta de atenção básica em Belo Horizonte é suficiente, em termos de
cobertura populacional e acesso geográfico. Porém, tal oferta não tem sido capaz de
organizar melhor os fluxos de atendimento às urgências, que apresentam certa agilidade no
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
88
pronto‐atendimento. É provável que esse seja um fator decisivo para o usuário, que prefere
esperar um pouco mais por atendimento na UPA, mas sair com a consulta médica e, um
eventual exame que foi buscar, que passar pelo itinerário previsto para ele na UBS. Nesses
locais, é comum ter que se dirigir mais de uma vez para conseguir o que precisa, na opinião
do usuário. Contraditoriamente, o usuário avalia ser melhor o atendimento recebido nas
UBSs que nas UPAs, inclusive no que se refere à resolubilidade do problema de saúde pelos
profissionais que o atenderam (UBS‐parcial: 37,1%; UBS‐PSF: 82,5%; UPA: 67,7%).
Esses resultados corroboram a hipótese inicial que motivou o survey e, levantam
questionamentos importantes para a organização dos serviços no sistema de saúde
existente em Belo Horizonte. Ao que parece, tanto as UBSs, quanto as UPAs realizam
praticamente o mesmo tipo de atendimento, restrito ao modelo tradicional de atenção
centrado na doença, no médico e no medicamento. Por outro lado, o fato de as UPAs serem
citadas como a principal porta de entrada para o usuário com gripe, tosse, conjuntivite ou
afecções agudas leves, contraria a proposta de reorganização do SUS pela atenção básica,
uma vez que essas enfermidades são passíveis de ser resolvidas nas UBSs.
Além disso, tal fato significa uma duplicação de ações, incoerente com a proposta de
integralidade e de hierarquização da assistência, e impacta significativamente os gastos
públicos em saúde. Desse modo, quando se realiza o teste estatístico de correlação de
spearmans’rho entre as variáveis problema de saúde e local de atendimento, observa‐se
significância elevada. Existe uma correlação importante entre gravidade do problema de
saúde, referido pelo usuário, e o local em que foi atendido (r=0,27 p<0,001). Esse resultado
indica que, quando a gravidade do problema varia, a complexidade do atendimento altera‐
se em 27%. Esses valores têm uma probabilidade muito pequena de acontecer ao acaso
(p<0,001). Ao que tudo indica, embora o usuário busque as urgências para problemas de
saúde simples, também as procura nos casos mais graves, conforme preconizado nas
diretrizes organizativas do SUS.
O problema de saúde, ou a causa que leva a pessoa a procurar atendimento nos
serviços de saúde, depende da morbidade, da gravidade e da necessidade sentidas pelo
próprio usuário. Esse julgamento sobre a necessidade de atendimento, que caracteriza a
demanda que chega aos serviços, é influenciado por vários fatores, como idade, sexo,
localização geográfica – que facilita ou não o acesso –, crenças, religião, condições
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
89
socioeconômicas, escolaridade, condições psicológicas, dentre outros (TRAVASSOS e
MARTINS, 2004).
Levando‐se em conta o baixo nível de informações que as pessoas têm para cuidar da
própria saúde, em especial aquelas de menor escolaridade, infere‐se que esse seja um fator
para a procura às UPAs, por problemas de saúde relativamente simples, o que configura um
desencontro entre a racionalidade do usuário e a acessibilidade dos serviços de saúde.
Como se verá no item a seguir, o descompasso entre a racionalidade do usuário e a
adequação dos serviços às necessidades de saúde identificadas na população, constitui um
desafio para ampliação do acesso aos serviços de saúde.
5.1.3 Racionalidade do usuário na utilização dos serviços de saúde
Na tentativa de explorar, quantitativamente, a racionalidade do usuário na procura
aos serviços de saúde, analisaram‐se questões sobre a necessidade de mentir o local de
residência, para ser atendido; o motivo da procura e da não procura de uma UBS, bem como
o porquê de dirigir‐se uma UPA. Verificou‐se, ainda, se a organização da oferta de atenção
básica do SUS‐BH influencia a utilização dos serviços de atenção básica e de urgência, pelos
usuários, de modo a complementar os itens anteriores dessa etapa da pesquisa.
Os usuários não costumam mentir sobre o local de residência para conseguir
atendimento (UBS: 95,2%; UPA: 94,0%). Pouco mais da metade dos entrevistados das UBSs e
a maioria dos que estavam nas UPAs informaram ter o hábito de procurar as emergências
ou os hospitais, quando precisam de atendimento (UBSs‐parcial: 51,6%; UBS‐PSF: 56,4%;
UPA: 84,2%), havendo diferença estatisticamente significativa (p<0,000).
O Centro de Saúde ou UBS é a primeira opção de atendimento para a grande maioria
dos usuários dos serviços de saúde e, para cerca da metade dos que utilizam as urgências
(UBS: 90,2%; UPA: 52,8%, sendo p<0,000).
Quanto ao motivo da procura pelo serviço de saúde, predominam como respostas a
proximidade da residência (UBSs‐parcial: 64,5%; UBS‐PSF: 64,4%; UPA: 44,2%), o fato de o
usuário ser cadastrado no mesmo (UBS‐PSF: 15,5%) ou, de ter sido encaminhado por outro
serviço, no caso das UPAs (12,2%), havendo diferença significativa entre as frequências
observadas (p<0,000), conforme se pode observar na Tabela 11.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
90
Tabela 11 ‐ Motivo da procura pela Unidade Básica de Saúde ou pela Unidade de Pronto‐atendimento, referido pelo usuário, Belo Horizonte, dezembro de 2008
Motivos da procura
Usuário de UBS Parcial
Usuário de UBS Completamente
PSF
Usuário da UPA
N % N % N % É mais próximo da minha residência 80 64,5 354 64,4 134 44,2
É cadastrado nesse serviço 17 3,7 85 15,5 1 0,3
É o único existente 14 11,3 52 9,5 3 1,0
O serviço é melhor que o existente próximo à minha residência
11 8,9 36 6,5 28 9,2
Foi encaminhado formalmente do CS / UPA 0 0,0 7 1,3 12 4,0
Foi indicação / solicitação de outros serviços de saúde
0 0,0 6 1,1 37 12,2
Por decisão própria, da família ou de terceiros 0 0,0 4 0,7 11 3,6
Atendimento mais rápido 0 0,0 1 0,2 21 6,9
Porque o CS não resolve o problema de saúde 0 0,0 0 0,0 28 9,2
Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
Em geral, o usuário costuma procurar a UPA, as emergências ou os hospitais, quando
considera que o problema de saúde é grave (UBSs‐parcial: 35,5%; UBS‐PSF: 37,8%; UPA:
46,2%); quando fica doente e a UBS não está aberta (UBSs‐parcial: 8,10%; UBS‐PSF: 12,5%;
UPA: 3,30%; sendo p<0,000) ou, quando avalia que a UBS não irá resolver seu problema de
saúde (UBSs‐parcial: 11,3%; UBS‐PSF: 11,1%; UPA: 17,8%; sendo p<0,017). O motivo de
procura às UBSs é, principalmente, para a realização de consultas médicas e de exames de
rotina (UBSs‐parcial: 90,3%; UBS‐PSF: 84,2%; UPA: 50,5%; sendo p<0,000); para aviar
medicações prescritas (UBSs‐parcial: 72,6%; UBS‐PSF: 68%; UPA: 34,7%; onde p<0,000), para
vacinação (UBSs‐parcial: 61,3%; UBS‐PSF: 63,5%; UPA: 30,7%; onde p<0,000) ou para
realização de ações programáticas de saúde (UBSs‐parcial: 59,7%; UBS‐PSF: 50,7%; UPA:
27%).
O motivo da não procura pelos Centros de Saúde, pelos usuários das UPAs, inclui o
julgamento da não resolução do problema de saúde (19,1%). Nesse caso, os usuários
consideram o atendimento lento (16,8%) ou não conseguem ser atendidos no mesmo dia
(10,2%), sendo significativa a diferença entre as frequências (p<0,000), como se constata nas
Tabelas 12 e 13.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
91
Tabela 12 ‐ Situações em que o usuário procura a Unidade de Pronto‐atendimento e a Unidade Básica de Saúde, por locais de coleta, Belo Horizonte, dezembro de 2008
Situações em que procura as urgências
Usuário de UBS Parcial
Usuário de UBS Completamente
PSF Usuário da UPA
N % N % N %
Quando o problema de saúde é grave 44 35,5 208 37,8 140 46,2
Quando fica doente e o CS não está aberto 10 8,1 69 12,5 10 3,3
Quando avalia que o CS não vai resolver o problema
14 11,3 61 11,1 54 17,8
Para qualquer situação de doença, porque tem mais equipamentos e já faz os exames
1 0,8 11 2,0 18 5,9
Para qualquer problema de saúde 4 3,2 7 1,3 41 13,5
Pois confia no desempenho técnico dos profissionais
0 0,0 3 0,5 4 1,3
Situações em que procura a UBS
Usuário de UBS Parcial
Usuário de UBS Completamente
PSF Usuário da UPA
N % N % N %
Consultas e exames de rotina 112 90,3 463 84,2 153 50,5
Para pegar medicação prescrita 90 72,6 334 68,0 105 34,7
Vacinação 76 61,3 349 63,5 93 30,7
Realizar preventivo do CA ginecológico 22 17,7 122 22,2 26 8,6
Acompanhamento de hipertensão e diabetes 24 19,4 100 18,2 28 9,2
Solicitar encaminhamento para outro serviço e, ou especialidade
19 15,3 100 18,2 27 8,9
Para tratamento odontológico 26 21,0 53 9,6 14 4,6
Acompanhamento do CD das crianças 15 12,1 47 8,5 24 7,9
Participar de atividades educativas 6 4,8 43 7,8 11 3,6
Para acompanhamento pré‐natal 13 10,5 32 1,8 4 1,3
Reuniões do conselho de saúde local 1 0,8 3 0,5 1 0,3
Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
92
Tabela 13 ‐ Motivos da não procura pela Unidade Básica de Saúde, por locais de coleta, Belo Horizonte, dezembro de 2008
Porque não procura a UBS
Usuário de UBS Parcial
Usuário de UBS Completamente
PSF
Usuário da UPA
N % N % N %
Não resolve meu problema de saúde 2 1,6 26 4,7 58 19,1
Atendimento muito lento 3 2,4 18 3,3 51 16,8
Não consegue atendimento no mesmo dia 2 1,6 15 2,7 31 10,2
Tem plano de saúde 3 2,4 11 2,0 11 3,6
Corro o risco de ir e voltar sem atendimento 0 0,0 5 0,9 16 5,3
Não existem os atendimentos que procuro 0 0,0 3 0,5 6. 2,0
O CS nunca está aberto no horário que preciso 0 0,0 1 0,2 4 1,3
O CS é mais distante de onde moro do que a UPA
0 0,0 0 0,0 6 2,0
Fonte: Dados da pesquisa, 2008.
Observou‐se que a grande parte das ações programáticas em saúde é utilizada em
maior percentual pelos usuários das UBSs parcialmente cobertas pelo PSF, se comparado
com aqueles das UBSs totalmente cobertas pela estratégia. Esse é o caso do
acompanhamento aos hipertensos e diabéticos (UBSs‐parcial, 19,4%; UBS‐PSF, 18,2%; sendo
p<0,001), do acompanhamento ao crescimento e desenvolvimento (CD) infantil (UBSs‐
parcial, 12,1%; UBS‐PSF, 8,5%) e da realização do pré‐natal (UBSs‐parcial, 10,5%; UBS‐PSF,
1,8%; p<0,000). Por sua vez, percebeu‐se maior utilização das atividades educativas pelos
usuários das UBS‐PSF (7,8%), em relação à UBS parcial (4,8%).
O julgamento acerca do seu problema de saúde e dos serviços, que podem solucioná‐
lo, é o principal motivo da escolha das pessoas, pelo hospital ou pelo centro de saúde.
Considerando‐se a capacidade limitada de escolha a que estão sujeitos os consumidores dos
serviços de saúde, devido à limitação de informações (CASTRO, 2002) e a escolaridade
(RIBEIRO et al., 2006), agravada pela baixa escolaridade dos usuários do SUS, a percepção
individual sobre seu problema de saúde, em geral, não coincide com o diagnóstico realizado
pelos profissionais. Haja vista as distintas interpretações sobre necessidades humanas que
influenciam o direcionamento das políticas de saúde (CAMPOS e BATAIERO, 2007). Esse
assunto mereceu um aprofundamento qualitativo.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
93
5.2 Acessibilidade dos serviços de Atenção Básica/SUS/SMSA‐BH
Os grupos focais (GFs), realizados para análise do processo de trabalho dos
profissionais, constituem um momento de aprofundamento central da pesquisa e ratificam
grande parte das informações levantadas pela etapa survey.
A dinâmica dos debates ocorreu com algumas características que se repetiram em
todos os GFs. Outras, não tão frequentes, significaram resultados importantes para o
desvelamento da realidade que se pretendia averiguar. Diferentemente da etapa anterior,
nesta, priorizaram‐se a exemplaridade dos casos, o diferente, o inusitado, o que foge do
padrão e que são capazes de produzir reflexões importantes sobre o fenômeno em foco.
Entende‐se que são complementares tanto a recorrência dos eventos, característica da
etapa quantitativa, como a singularidade que os mesmos possam expressar, melhor
capturável pelos métodos qualitativos. Nesses termos, utilizou‐se da triangulação de
métodos e técnicas para responder aos questionamentos da investigação, em que se
procurou articular a extensão dos fenômenos à intensidade com que ocorrem (MINAYO,
2006; BOSI e MECADO, 2006).
A dinâmica dos trabalhos contou com um primeiro momento contextual, em que os
profissionais relataram aspectos marcantes da vida pessoal e profissional, seguido da
apresentação dos resultados do survey e do debate das questões levantadas. A seguir,
procedeu‐se à discussão dos resultados identificados a partir das dimensões escolhidas para
o exame dos dados, a partir da hermenêutica de profundidade e da análise do discurso
(THOMPSON, 1995; ORLANDI, 2001; DEMO, 2002). Delimitaram‐se os interdiscursos, as
categorias e as interpretações dos depoimentos nas três dimensões complementares, quais
sejam: contexto sociohistórico; análise estrutural e dinâmica interpretativa. Procurou‐se
sintetizar os resultados do grupo, porém sem perder as singularidades relevantes para as
respostas buscadas.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
94
5.2.1 Contextualização sociohistórica dos entrevistados
Os interdiscursos identificados nos grupos sofreram influência dos seguintes
processos intergrupais: pegador de carona, bloqueio de produção, influência social e
normativa (FERN, 2001 apud GONDIM e BAHIA, 2002). De modo geral, os participantes
assumiram com facilidade o discurso hegemônico, com raras e importantes exceções.
Verificou‐se que aqueles que divergiam da opinião do grupo eram uma minoria
social, embora extremamente relevante para os objetivos desta investigação. No geral, essas
pessoas tendiam a ficar caladas ou a se manifestarem de forma simbólica. Evidenciou‐se
típica expressão da influência dominadora das normas e dos códigos de conduta dos
trabalhadores em saúde, que ora se posicionavam de forma autoritária, ora assumiam um
tom defensivo nos debates, ora reclamavam seus direitos. Essa peculiaridade esteve
presente em maior ou menor grau, influenciando de forma significativa o discurso
produzido, eminentemente bloqueador dos processos de trabalhos que se pretendia
desvelar. Atenta a essas questões, no processo de análise procurou‐se interpretar, clarear e
realçar, sobretudo, o que apareceu com menor frequência, mas que se configurou como
preciosidade reflexiva pouco comum e inerente aos processos de mudanças, para além do
senso comum e do instituído (LABBATE, 2003; BELLATO e PEREIRA, 2006; LINS e CECILIO,
2008).
No que se refere aos fatos narrados e ao cognome de apresentação, percebeu‐se que
as mulheres centraram‐se em aspectos da vida pessoal e afetiva, em geral, enquanto os
homens explicitaram assuntos do trabalho e das conquistas pessoais.
Outras características importantes identificadas foram os aprendizados vivenciados,
o momento presente e o que se faz dele, as superações por meio de projetos, as valorações
da amizade e dos laços afetivos familiares. As categorias, apresentadas a seguir, foram
extraídas dos depoimentos:
a) Relações familiares, maternidade e, ou situações de sofrimento com os usuários:
foram escolhidos relatos da vida pessoal, considerados marcantes e, predominaram entre as
mulheres. Casamento, filhos, neto, afastamentos do trabalho, bem como sensibilidades
diante da morte ou do sofrimento dos usuários foram temas recorrentes. A centralidade do
afeto predominou nas apresentações, seja dos acontecimentos significativos de vida e de
trabalho, seja nas gravuras escolhidas.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
95
No momento da seleção dos postais para as apresentações, muitas mulheres
mostraram fotos de criança e de maternidade. Outras falaram, igualmente, de aspectos
emocionais, exibindo fotos de água, típica dos simbolismos afetivos interpretados pela
psicologia (ESTES, 1994), ou frases de efeito. Em alguns casos, evidenciou‐se certo
comedimento nas participações, que aos poucos ampliou posicionamentos. Noutros casos,
observou‐se contradição entre a sensibilidade declarada nas falas e as posturas diretivas
sobre os usuários que vieram depois, próprias da formação dos profissionais em saúde
(PIRES, 1989).
b) Formação e conquistas da profissão médica: os homens (médicos) mantiveram‐se no
escopo da vida profissional ao relatarem os aspectos importantes de suas vidas, informando
a escolha da medicina e as alegrias do vestibular como fatos importantes. É curioso observar
que nenhum deles mencionou a morte de pacientes como momento marcante, ao contrário
das médicas. O único médico que o fez, relacionou‐a mais ao desempenho pessoal em
conferir o atestado de óbito – sugerindo‐a como uma primeira experiência – do que
propriamente a sensibilidades ligadas à perda de usuários. Outro fato importante foi que
todos os profissionais da medicina fizeram questão de destacar o orgulho que sentiam da
profissão, seja compartilhando as alegrias com o vestibular, com a escolha da profissão, com
a vida acadêmica ou nos destaques dados aos títulos de especialistas.
Cabe destacar que essa pretensa superioridade dos médicos, socialmente sustentada
e reproduzida na formação profissional, reaparece nos discursos dessa categoria ao longo
das falas, influenciando o discurso das enfermeiras presentes que, na maioria das vezes, a
reproduziam.
c) Militância e palanque: os cognomes escolhidos por dois participantes, Expectante e
Transformador, que influenciaram o discurso de dois dos quatro grupos, bem como a
apresentação que se seguiu, anunciara o que viria em seguida. Parece que os dois
representantes estavam ansiosos por um palanque em que pudessem proclamar o discurso
da militância trabalhista aguerrida, da qual se ausentavam reflexões mais profundas ou
auto‐reflexões transformadoras.
Expectante veio preparado para falar “da demanda excessiva e das precárias
condições de trabalho”, temas que não abandonou em nenhum momento. Apresentou‐se,
declarando que esperava mudança no seu trabalho, nas condições de trabalho e na
“clientela” que atende. Tal consideração evidencia o discurso dominante: primeiro meu
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
96
trabalho, depois ele de novo, para só então melhorar a “clientela”. Curioso utilizar a
terminologia clientela, bem distante da noção de vínculo e de co‐responsabilidade requerida
pelo PSF. Esse participante manteve‐se determinado a levar a cabo sua bandeira,
esquivando‐se da responsabilidade sobre a situação que denunciava, mesmo fazendo parte
dela.
Da mesma forma, o tom amistoso e progressista, presente na apresentação do
Transformador, modificou‐se no decorrer dos debates, e assumiu um discurso estereotipado
e pouco comprometido, infelizmente, reforçando a imagem negativa que se tem do servidor
público, que apenas em parte corresponde ao real. Esse entrevistado queixou‐se das
condições indignas de trabalho, reclamou direitos plenos, mas fez pouca avaliação das
práticas que realiza.
Curiosamente, a postura do militante irrefletido de si mesmo aparece ao lado de uma
apresentação amigável e pacífica em praticamente todos os profissionais que assumem tal
característica. Perceberam‐se maleabilidade do discurso e palavras de ordem, típicas do
político profissional que precisa adequar‐se às diversas situações para despertar atenções a
seu favor. Porém, apesar de marcante, não se pode generalizar essa postura entre os
participantes. Como todo estereótipo, esse também significa apenas um rótulo unificador
que nem sempre cabe na pluralidade e na diversidade do cotidiano. Embora tenha
influenciado o tom defensivo dos debates, os outros participantes, em geral, demonstraram
compromisso com a prática profissional e com a melhoria da saúde da população.
d) Estranhamento em acatar ordens e decisões: a perplexidade em ter que acatar
ordens evidenciou‐se de forma mais expressiva na categoria médica, provavelmente em
virtude da formação e da prática voltadas para a centralidade no processo de trabalho em
saúde. Alguns representantes verbalizaram situações desconfortantes em relação à
autoridade, pouco habitual na categoria, bem como irritação em ter que atender todo
usuário que chega às UBSs. Houve relatos de enfermeiros que demonstraram
descontentamento com negativas a pedidos de mudança de função ou saídas das UBSs para
atividades formativas. Porém, não se verificou revolta ou perplexidade mais contundentes,
apenas um desejo forte de eximir‐se das contradições do processo de trabalho nas UBSs.
e) Politicamente correto e bem pouco de mim: a fala, bem como a postura retraída
durante os depoimentos, indicaram insegurança no trabalho e na vida para, pelo menos,
duas participantes, enfermeiras. A primeira mostrou certa autodesvalorização, no momento
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
97
em que não se considerava uma estrela, mas gostaria de brilhar como tal. Outra agiu como
uma pegadora de carona típica, preferindo ancorar‐se em outros depoimentos a se expor
desnecessariamente. Porém, tal atitude aparenta ser natural e própria de quem tem
realmente muito pouco a dizer sobre as coisas, não como defesa elaborada, presente em
outros profissionais. As falas politicamente corretas ou com pouca explicitação do que se
pensa estiveram presentes em parte dos entrevistados, em pelo menos 2 grupos.
Em alguns profissionais, o tom laranja do depoimento foi revelado. Nesses, ou se
tendeu para qualquer lado, ou se evidenciou um distanciamento das posturas de mudança,
pró‐ativas, frente ao cenário das práticas de trabalho.
f) PSF, vamos à luta! Alguns exemplos reproduziram o discurso oficial de mudança de
práticas no PSF, de maneira aguerrida. Da mesma forma que o tom defensivo da categoria
Militância e palanque prejudica uma análise mais consistente dos limites e das possibilidades
da estratégia de mudança em foco, aqui também, a bandeira de luta tende a ofuscar as
contradições da prática com que o programa/estratégia se depara. Um dos principais
exemplos identificados, uma enfermeira padrão, com todos os avanços e contradições que
isso possa significar, mostrou‐se engajada do início ao fim. Embora se critique o tom
messiânico inerente às fragilidades políticas pouco ambivalentes (DEMO, 1992; PIRES, 2001),
há de se destacar o valor de tal engajamento. A profissional aparentou traços fortes de
determinação e compromisso com tudo o que faz. A experiência de 15 anos na área
hospitalar parece refletir‐se numa segurança profissional importante, demonstrada durante
as falas. Além disso, fez autoavaliação constante e tendeu a refletir de forma mais
aprofundada sobre as situações apresentadas ao grupo.
g) Estranha no ninho: a intersubjetividade no trabalho e na vida: essa participante
chegou atrasada e não pegou carona na turma, desceu antes ou sequer subiu no discurso
alheio. Também não escolheu cognome, parecia inteira e pela metade naquele lugar
inóspito, com gente tão conhecidamente estranha. Falou a verdade, o que sentia e a crise
pela qual estava passando, e para qual dizia precisar “de uma força que não tem” para
continuar. Disse‐se desmotivada. Diferentemente dos demais colegas, apresentou‐se
sensibilizada com uma usuária hipertensa, tida como resistente ao tratamento. Na verdade,
a usuária não sabia ler, fato que viria a descobrir pela observação atenta em consultas
subsequentes. Com ajuda da filha e de estratégias de acompanhamento, a profissional teria
conseguido intervir positivamente na situação. Essa participante relatou a gratidão da
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
98
usuária e sua satisfação em recebê‐la, quem sabe num momento especialmente oportuno,
haja vista o desalento relatado. A descoberta singular desse encontro lhe foi peculiar,
exemplificando um sentido de vínculo que ultrapassa o discurso superficial e inconsistente
explicitado pelos demais participantes.
Um olhar atento sobre o contexto sociohistórico dos participantes indica influência
de gênero, de classe social e de formação sobre o perfil que apresentam. Há certa tendência,
não homogênea, ao conservadorismo das falas, seja em relação às tradições sociais ou ao
papel destacado para o homem e para a mulher na sociedade. Do lado masculino,
sobressaem a agressividade, a competitividade e a determinação dos discursos. No
feminino, submissão, afetos e a vida em família. O tom tradicional, por vezes, mescla‐se ao
discurso autoritário dos profissionais em saúde, acostumados que estão a prescrever
condutas para o outro, desconsiderando a singularidade e a história desses. Da mesma
forma, a formação excessivamente técnica inibe uma reflexão ética, política e social mais
aprofundada da realidade social, com tendência à superficialidade nas análises. A
delimitação dos extremos, ora tendendo ao tom defensivo e autoritário, ora à defesa
engajada da bandeira do PSF, igualmente, denuncia fragilidade política típica (DEMO, 1993;
PIRES, 2001).
Entre os extremos, ou nas brechas desse discurso, verificam‐se as saídas e as
possibilidades. Dos que se mantiveram mais quietos e contidos, verificaram‐se duas
possibilidades: em alguns casos, tal comportamento pode indicar um mecanismo de defesa
de não se exporem desnecessariamente, tornando difícil captar o sentido velado do que se
pretendia; noutros, e aqui valem ponderações oportunas, pressupõe uma divergência
importante do padrão do grupo.
Nesses casos, em especial na categoria estranho no ninho, observou‐se uma postura
mais refletida e preocupada com algumas questões que escaparam à maioria dos
entrevistados, como a singularidade dos vínculos com o usuário como uma dimensão
importante do cuidado, para além do processo de trabalho e do PSF (PIRES, 2005; PIRES e
GÖTTEMS, 2009). Pela relevância desses processos para as mudanças pretendidas, essa
excentricidade foi esmiuçada em todas as etapas da análise dos GFs.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
99
5.2.2 Análise estrutural
Essa dimensão é dividida em duas partes: a primeira, ressalta o tom dos debates,
mais interpretativa dos discursos e das argumentações; a segunda centra‐se nas questões da
pesquisa, acerca da organização do trabalho da ESF.
Na primeira parte, apresenta‐se o enfoque discursivo presente nos depoimentos, por
meio dos quais se procura desvelar o texto, esmiuçando‐se os termos e as expressões
repetidas, os silêncios, as contradições, as omissões e os deslizes. Na segunda, procura‐se
responder objetivamente às perguntas sobre a acessibilidade dos serviços. As categorias que
se apresentam foram extraídas das falas dos sujeitos.
5.2.2.1 – Tom dos debates
a) “Eles, os usuários”: a maioria dos entrevistados, em maior ou menor grau, utilizou‐
se de termos pejorativos, autoritários, expressões irônicas ou restritas à doença, para
referir‐se ao usuário. Por outra, o relacionamento com o cidadão é explicitado, pelos
entrevistados, como se estivessem num front, ou numa guerra, em que as ESFs têm de se
defender das “demandas” da população. São exemplos disso os seguintes trechos de fala:
“pessoal da obra do parque”; “eles deixam o posto todo vermelhinho”; “minha filha!”; “um
monte de atirador”; “a pessoa não dá valor”; “eles não fazem o ‘para‐casa’ deles”; “mãe”; “a
pneumonia”; “a asma grave”; “a verminose”; “a depressão leve”; “eu falei que ia chamar a
polícia para me defender de tanto paciente”; “algumas mães”; “eles fazem até o
diagnóstico”; “a população sabe o jeito de entrar”; “a febre é uma porta de entrada”; “1005
dos que vão lá estão com febre”; “A unha quebrou, eles vão. O cílio caiu, eles vão”; “a mãe
faz o diagnóstico que ela acha”; “eles só faltam espancar a pessoa porque o exame está
atrasado”; “eles vão lá no Cersam e dão um sossego para todos os outros que até daria para
resolver antes”; “eles ficam querendo matar a gente que encaminhou para lá”.
A prática autoritária dos profissionais em saúde, ora aparece ostensivamente na
maioria dos casos, ora veladamente, sob a forma de assistencialismo e paternalismo. O
cuidado à saúde é de concepção restrita, e funciona muito mais como mecanismo de tutela
e de controle da população – comum ao modelo vertical de atenção sanitarista –, do que
como uma possibilidade de reconstruir autonomias de sujeitos sociais (PIRES, 2005; PIRES e
GÖTTEMS, 2009).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
100
Percebeu‐se, nos relatos, indignação de boa parte dos profissionais, em geral os mais
antigos no serviço público, devida ao fato de os usuários poderem ser atendidos a qualquer
hora nas UBSs, o que antes, não acontecia. Desse assunto, não foram feitas nenhuma
reflexão ou ponderação sobre o direito à saúde da população, duramente conquistado no
bojo do movimento social da reforma sanitária e da redemocratização do país. Tal discurso
confirma a fragilidade política dos profissionais, ou uma deficiência em realizar análises mais
contextuais da situação, para além do fato isolado, que os aborrece circunstancialmente.
Notaram‐se recorrência de depoimentos, que indicaram o excesso de demanda para
justificar a não realização das ações programáticas, sem uma reflexão mais profunda ou co‐
responsável sobre o assunto; reforço do discurso hegemônico, que culpabiliza a população
pelas debilidades do serviço e observações que o “usuário seria mais medicocentrista do que
todo mundo”, como se o profissional não o influenciasse nessa postura.
Noutro depoimento, atribuiu‐se a barreira de acesso às UBSs à “cultura do paciente”.
É interessante verificar a repetição do termo paciente, bem ao estilo biomédico,
completamente incoerente com a mudança de paradigma preconizada, que pressupõe
autonomia dos sujeitos. Os profissionais explicam de forma simplista os dados da pesquisa.
Afirmaram, também, os participantes dos GFs, que o usuário quer o atendimento de forma
imediata, sem maiores reflexões sobre a conjuntura em que isso ocorre ou a co‐
responsabilidade do serviço na organização dessa demanda. Tal afirmativa implica perguntar
se, seria apenas o usuário, a querer resultados ágeis nos serviços de saúde que procura?
Em evidente preconceito de classe, foram feitas considerações sobre uma possível
desestruturação da família pobre. A visão de família, sob esse aspecto, restringe‐se ao
enfoque tradicional e nuclear, pouco arejada, refletindo insipiência nas abstrações sobre as
mudanças, pelas quais o conceito de família assume na contemporaneidade (RIBEIRO e
RIBEIRO, 1995; FONSECA, 2005). Sobre as famílias dos usuários, ouviram‐se afirmativas tais
como: “São mães que não toleram os filhos... famílias totalmente desorganizadas”.
Noutras situações, menos explícitas no tom autoritário, os participantes iniciaram os
depoimentos falando do comportamento do “paciente”, para depois refletirem sobre a
organização dos serviços e dos profissionais das UBSs. A utilização do termo “paciente”, em
vez de usuário, traduz a verticalidade de práticas que se deseja evitar. Porém, em alguns
casos, tal posicionamento não se constituiu em postura discriminatória, apenas de
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
101
autoridade. Ao contrário, boa parte dos profissionais, que manteve essa fala mais comedida,
tentou ver o outro lado da questão, seja do usuário ou dos profissionais.
b) “Eles, os usuários, os gestores e o governo”: observou‐se a tendência de a maioria
dos participantes responsabilizarem, apenas, o usuário e os gestores pela situação
apresentada pelos dados, o que presumivelmente os isentaria; discordância sobre a
“barreira de acesso” nas UBSs, uma vez que todos os usuários seriam “acolhidos” e
informação que as UBSs teriam “um limite”, mas que caberia à Secretaria Municipal de
Saúde resolver a situação. Nessa perspectiva, pode‐se ler que nunca é responsabilidade
nossa, profissionais em saúde.
Percebeu‐se, também, explícita influencia social dos dois profissionais‐militantes
(Expectante e Transformador), cujo discurso clássico do movimento sindical ortodoxo, tem
inspiração marxista, porém superficial. Num dos argumentos, falou‐se que a atenção básica
ampara‐se em três pilares: o usuário, o gestor e o profissional. Porém, apenas os
trabalhadores fariam a sua parte; gestores e usuários estariam em sintonias diferentes.
Os dois participantes referidos demonstraram agilidade em adequar o discurso e
ganhar simpatia do grupo, que os elegeu, confortavelmente, como representantes. Outro
profissional‐militante defendeu que o “governo”, por ser representado pelos “gestores”, é
culpado de tudo, ao lado da população que os procura em busca de solução para suas vidas.
Os usuários são, pois, vistos como se estivessem do lado de lá do front, arruaceiros,
barulhentos, “entes estranhos” dos quais, eles, profissionais isentos, têm que se defender.
Expressões como “pessoas infelizes”, “aqueles pacientes” e “clientela que a gente atende”
evidenciam um distanciamento da população adstrita, além de um preconceito de classe
explícito. As “pessoas infelizes” estariam na periferia, não entre nós, trabalhadores
honestos.
Para exemplificar o tom desbotado do discurso marxista, que o segundo profissional‐
militante evidencia, cabe‐lhe uma rápida análise. A teoria desse profissional consiste na
consideração que os “gestores” utilizam os trabalhadores para pacificar os conflitos sociais,
com o objetivo de evitar que a população se organize. Com isso, a demanda para o PSF, que
seria muito maior, no Brasil do que em outros países, teria aumentado muito. Nessa
estratégia estaria, também, a canalização de todas as políticas sociais para a área da saúde,
que agora teria de responsabilizar‐se pelo registro dos cidadãos, entre outras demandas
específicas da área social.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
102
Essa visão equivocada continua no entendimento superficial demonstrado sobre o
financiamento da saúde, que segundo o Expectante estaria toda redirecionada e
“carimbada” na saúde; ou seja, os governos estão “contra nós, trabalhadores, e nos
utilizam” para “calar a boca da população”.
Esse participante utilizou‐se, ainda, de questões trabalhistas, que incomodam a
todos, para ganhar força nos argumentos, os quais, em geral, são destituídos de
conhecimentos ou profundidade analítica e demonstrou agilidade em mudar o foco de
qualquer discussão para aquilo que considera relevante, conseguindo chamar a atenção do
grupo.
O “sonho dourado” de trabalho, evidenciado nas falas do Expectante, foi um possível
“PSF na Noruega”. Segundo ele, “O cara deve ficar deitado na maca o dia inteiro... eu
imagino. De vez em quando, deve aparecer algum norueguês lá”. Na ótica desse profissional,
o ideal de trabalho seria a esperta ociosidade do trabalhador, mesmo que pago pela
sociedade. Nota‐se, nesse caso, vigência do estereótipo “levar vantagem em tudo” ou da
primazia do interesse individual sobre o coletivo, o que, de resto, é denunciada no seu tom
militante. Noutros termos, a mesma ética equivocada do gestor, que usaria o trabalhador do
PSF para “manter o cabresto na população”, também lhe pertence, na medida em que acha
certo o uso do escasso recurso público para manutenção de privilégios privados.
c) Estranho PSF, o “trem do PSF”: utopia e crise: a expressão regional trem é utilizada
no sentido de trambolho, esquisitice, desconhecimento, estranhamento. Ora, é usuário que
não entende “o trem das eletivas”, num relato de caso em que, após esperar 3 horas para
marcar um exame, explicam‐lhe que sua consulta seria eletiva. O pacato cidadão teria se
aborrecido e perdido o controle por causa “do trem das eletivas”.
Confusão feita, a polícia acionada, e o paciente, nem tão paciente assim, é levado.
Noutra ocasião, afirmaram os participantes dos GFs, que a população não quer “esse trem
de PSF”, preferindo uma UPA no lugar de uma UBS. Por outro lado, vários depoimentos
explicitaram o sentimento de angústia e crise diante da proposta de mudança prevista pelo
PSF.
Confiram‐se alguns exemplos:
Passa dos nossos limites. Eu estou vendo muito, pelo menos lá no meu CS e em todos os profissionais, um esgotamento. O pessoal está cansado de bater sempre na mesma tecla, tentando e ainda não conseguindo sair. Eu
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
103
achava que era só um sentimento meu, mas quando a gente senta e conversa, vê que é um sentimento geral da comunidade. A gente está cansado...
A gente está esgotado. E a cobrança vem da família e da própria Secretaria, dos governos... É só cobrando resultados, cobrando dados... E a gente está meio que chegando no limite. O pessoal tinha que falar que trabalhar no PSF tem vida curta. Eu estou há sete anos, caminhando para os dez anos, mas os próximos dez anos a gente não aguenta mais não.
Houve exemplos de preocupação sincera com a prática profissional e com o processo
de trabalho antes, e depois da implantação do PSF. Identificaram‐se reflexões importantes
sobre alguns “efeitos colaterais” que o PSF teria trazido, ou seja, um possível
aprofundamento na fragmentação do processo de trabalho e na competição entre os
profissionais.
Sobre a discussão das possíveis mudanças, para os participantes dos GFs, o PSF
estaria “engatinhando”. O “peso dos 4.000” usuários, com os quais as ESFs se
responsabilizam, reaparece em tom de desabafo e indignação, ao lado da postura
paternalista que os profissionais sustentariam. Pouco se aprofunda sobre a possível relação
de tutela gerada pelo que viria a ser uma relação de vínculo e co‐responsabildiade com as
famílias; ou seja, ao invés do cuidado, na perspectiva autônoma, percebe‐se o “peso” nas
costas, o “enfado”, a irritação, a sensação de cansaço, de desilusão e de crise, ao lado de
esparsas experiências positivas.
Resta perguntar se os profissionais em saúde, realmente, acreditam na estratégia
saúde da família, mesmo que a cumpram de forma relativamente recomendada. Há nas
reflexões um tom de desconfiança que gera dúvidas sobre o crédito dos profissionais ao
programa, em especial, nas reflexões daqueles que têm mais tempo de serviço público.
Positivamente, observou‐se que uma das enfermeiras repetiu com frequência a
expressão “contramão da história”, para referir‐se às contradições do nosso tempo e das
práticas profissionais nas UBSs, que necessitariam de mudanças profundas. Apesar de não se
aprofundar em maiores reflexões epistêmicas, o depoimento indica sabedoria. Essa
enfermeira defendeu uma atenção diferenciada sobre os desafios da contemporaneidade,
calcada na gestão da informação e na virtualidade do tempo, que influenciam a vida privada
e as práticas de saúde que os profissionais precisam incorporar.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
104
Em outro exemplo, pleno de angústia e de possibilidade, a participante médica
estranhada entre os colegas, a exemplo das prerrogativas de mudanças do PSF, não se
manifestou verbalmente nas discussões. Manteve‐se quieta, braços cruzados, descrente
daquilo tudo, recolhida, protegida. Saiu antes do término das discussões. Um espasmo
muscular indisfarçável, presente na única vez em que se manifestou, apresentou‐se de
forma recorrente, a despeito do silêncio verbal.
Numa metáfora aproximativa, parece que a crise estivera inscrita incontrolavelmente
no corpo, na vitalidade, na voz e na expressão daquele profissional diferente dos pares. O
caso se aproxima da realidade com que o PSF se depara para constituir‐se em estratégia de
mudança: ou seja, um cotidiano de serviços espremido entre a crise de um modelo que se
quer suplantar e a utopia prenhe de um novo que custa a nascer.
Em síntese, o tom das argumentações presentes, na maioria dos profissionais, foi o
de eximir‐se de reflexões mais consistentes sobre o processo de trabalho desenvolvido nas
UBSs.
Embora não seja possível generalizar (haja vista as situações de crise e utopia
descritas, que podem propiciar mudanças), a tônica em individualizar os usuários pelos
problemas de acesso e de organização dos serviços das UBSs prevaleceu. Foi necessária uma
condução precisa para que se pudesse extrair respostas às perguntas formuladas, embora o
próprio grupo tenha se flagrado em contradições irrefletidas, que ratificavam as informações
e o levantamento das questões obtidas no survey.
Cumpre dizer, porém, que tal característica não se manifestou de forma agressiva, à
exceção dos dois participantes (Expectante e Transformador) detalhados acima. Predominou
a falta de auto‐reflexão ou de autocrítica nos posicionamentos, apesar de serem
apresentados de forma colaborativa, muito mais que defensiva. Em algumas falas, era quase
como se os participantes dos GFs não estivessem se ouvindo, tão explícita era a centralidade
no biológico e na doença. Em síntese, captou‐se muito dos múltiplos sentidos presentes no
calor dos debates, em que se podem aprofundar os aspectos subjetivos que movem os
profissionais no cotidiano dos serviços.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
105
5.2.2.2‐ Características do trabalho das ESF nas UBSs
Nas respostas às questões de acessibilidade debatidas nos grupos focais,
identificaram‐se confirmações das barreiras de acesso, do acolhimento como triagem, do
predomínio do modelo tradicional de atenção e da ambivalência na realização dos grupos
educativos, que aparecem como atendimento massificado e, ou como indícios de mudanças.
Averiguaram‐se os tópicos referentes às dificuldades de acesso e de duplicidade de ações
entre UBSs e UPAs informadas pelos usuários; a baixa utilização das ações programáticas
verificadas – em relação à demanda espontânea –, bem como as possíveis diferenças que o
Saúde da Família teria trazido, à luz dos princípios que os norteiam.
a) Dificuldades no acesso do usuário:
De início, a dificuldade de acesso do usuário foi negada por alguns participantes,
como se verificou nas análises estrutural e dos interdiscursos. Porém, no decorrer dos
debates, verificou‐se que os próprios profissionais flagraram‐se nas deficiências em planejar
melhor as ações, resumindo‐as ao atendimento da demanda espontânea. Por outro lado, a
postura resistente às mudanças e o frágil entendimento dos princípios do PSF, por si,
ratificaram as barreiras identificadas no survey. Observou‐se um equívoco na concepção de
acesso, entendido como forma restritiva, isso é, apenas como uso dos serviços.
Considerou‐se o simples fato de os usuários falarem sobre suas demandas no
acolhimento como acesso. Os participantes dos GFs afiançaram‐se na débil evidência de que
o acolhimento corresponderia ao atendimento buscado pela população, fato que
rapidamente foi contraditado, ao se verificar o tom meramente selecionador da atividade.
As discussões confirmaram os indicativos de barreiras de acesso, tais como:
• a listinha, que é preparada no acolhimento para a consulta médica;
• a dificuldade em conseguir rapidamente o exame que de que se precisa nas UBSs;
• o relato que o usuário sabiamente “dribla” o horário do acolhimento para tentar uma
consulta;
• a priorização de atendimento, a partir do que seria urgente, sempre a partir da visão
do profissional, que em geral desconsidera outras necessidades do usuário. Dessa forma,
“uma depressão leve” fica para quando houver vaga;
• a confirmação da informação da pesquisa sobre a agilidade de atendimento nas UPAs
e a debilidade das UBSs;
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
106
• o atendimento viciado às mesmas pessoas e a ausência de qualquer mecanismo que
as ESFs pudessem utilizar para melhor ordenar a demanda e ampliar a acessibilidade;
• a confirmação de demora na marcação de consultas especializadas;
• a recepção não orientaria, corretamente, o usuário, caracterizando‐se uma barreira
de acesso, em muitas ocasiões;
• a demora na marcação e no retorno dos exames realizados;
• a afirmação que, em muitas ocasiões, os “pacientes” foram encaminhados para as
UPAs, em virtude da alta demanda nas UBSs;
• o agendamento de consultas é citado como uma barreira de acesso, uma vez que
induziria o usuário a procurar as UPAs.
Os participantes dos grupos focais objetaram que a dificuldade de acesso do usuário
verifica‐se em virtude de incoerências na recomendação da própria SMSA‐BH, como a que
indica que apenas 25% do tempo da ESF devem ser destinados ao acolhimento. A realidade
das UBSs ainda não condiz com essa diretriz, o que dificultaria a organização do trabalho
pelas ESFs.
Em relação ao tempo gasto para que o usuário seja completamente atendido, os
participantes dos grupos focais informaram que, dificilmente, o atendimento ocorreria em
menos de 4 horas, a não ser em caso de acolhimento sem consulta.
Pelo tom e recorrência dos discursos – de forma velada, mas não menos presente –,
percebeu‐se que outra dificuldade encontrada pelo usuário, nas UBSs, centra‐se na postura,
pouco aberta de boa parte dos profissionais, às mudanças preconizadas, com alguns indícios
de diferenças dignas de nota.
As ações da UBS são citadas como um “apagar o fogo”, porque as UPAs não
conseguiriam atender à demanda. É digna de nota a fraca percepção de alguns profissionais
sobre os papéis de cada nível de atenção, em especial da atenção básica e da estratégia
saúde da família, no sistema de saúde. Da mesma forma, verificaram‐se distorções no papel
secundário que as UBSs desempenhariam, em relação a outros serviços, o que as situariam
como retaguarda do atendimento de urgência, especialidade das UPAs. Muitos participantes
dos grupos focais confirmaram como resultado positivo e, motivo de orgulho, a ampliação
da oferta de serviços, em especial de consultas médicas, pelas UBSs, uma vez que “o agudo”
não volta. É interessante notar o quanto se preocupam com o não voltarem os casos de
urgência e o tão pouco em planejar melhor as ações para organizar o fluxo da demanda
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
107
espontânea, que por sua vez impactaria o excesso de demanda de que reclamam os
participantes dos GFs. Tal fator, igualmente, pode indicar dificuldade de acesso, visto que a
forma de organizar o processo de trabalho influencia a demanda por serviços.
Em geral, para os participantes dos GFs é “muito fácil” explicar a duplicidade de ações
entre UBSs e UPAs, individualizando‐se o usuário pela situação, o que predominou em
muitos discursos, conforme referido no item anterior. O usuário procuraria as UPAs por
dificuldade de entendimento da sua doença e da necessidade equivocada de consultas e
exames. Essa posição evidenciou a fragilidade em analisar mais profundamente o contexto e
as práticas profissionais envolvidas na situação, bem como as atribuições previstas para cada
nível de atenção. No entendimento da maioria dos participantes, em especial dos médicos, é
quase como se fosse um “fato consumado”, com muito pouco a se fazer para modificar a
situação, uma vez que o usuário “não tem jeito”.
Um dado importante citado nos grupos foi o fato de a clientela das UPAs ser formada
basicamente por trabalhadores, que não poderiam esperar pelo atendimento previsto para
ele nas UBSs. Na verdade, isso é apenas parte da história, uma vez que o perfil
socioeconômico do usuário, nas UPAs e nas UBSs, não se altera significativamente: ou seja, a
presença de trabalhadores é frequente em ambas as unidades. Relataram‐se casos inversos,
em que o usuário retorna das UPAs com uma contra‐referência para atendimento na rede
básica. Nesse caso, há “um vai‐e‐vem” do usuário, que em geral costuma pagar o ônus pela
desarticulação entre UPAs e UBSs; é ocasional os usuários com problemas de saúde
considerados urgentes negarem‐se ir à UPA.
b) Acolhimento como triagem
O acolhimento aparece como simples triagem no trabalho das ESFs, em geral com o
uso de uma listinha, que é preparada para a consulta médica. Seria uma atividade
secundária para os médicos e de todo o profissional que dela participa.
Como, em geral, o enfermeiro é quem realiza essa tarefa, o fato de o médico
participar ocasionalmente da atividade foi motivo de espanto para os colegas da profissão. A
enfermagem é vista como “apoio”, principalmente para problemas de saúde considerados
simples. Vejam‐se algumas expressões emblemáticas:
Eu não estou falando do acolhimento. O acolhimento, a enfermagem está lá para ouvir. Estou falando da consulta médica.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
108
Todos são ouvidos. Tem uma pessoa especializada que sabe discernir o que é mais urgente e o que pode ‘empurrar com a barriga. É mais ou menos assim’. Todo mundo é escutado sim. Antigamente, quem chegava mais cedo com uma dor de barriga, uma verminose, era atendido. A pneumonia que chegava mais tarde ia embora para casa. Eram doze fichas, acabou, acabou. Hoje não. Todo mundo é escutado. Lógico que, quem está com pneumonia, a enfermagem põe na frente, prioriza. Essa emergência é atendida. Agora, a verminose fica para quando puder... a depressão leve, o dia em que tiver vaga a gente coloca [...].
O acolhimento com hora marcada, a contragosto das recomendações oficiais da
Secretaria de Saúde do município, ainda é uma realidade para muitas ESFs, constituindo‐se
em dificuldades de acesso. Houve relatos de que o acolhimento na UBS seria “rapidinho”,
quando é feito pelo médico da ESF, supostamente mais resolutivo do que aquele conduzido
pela “minha enfermeira”. Observam‐se posturas da centralidade biomédica nos
depoimentos. Ratifica‐se que possam existir ainda barreiras de atendimento aos usuários,
como o acolhimento.
Veja‐se no trecho abaixo:
Uma enfermagem de dar linha no usuário, de quanto menos ficar aqui melhor! Acolhimento não é! Quando você vai acolher, ouvir a pessoa, identificar a necessidade, você vai muitas vezes fazer a triagem do atendimento médico. Se não há medico, não há acolhimento!
A discussão sobre o médico participar, ou não, do acolhimento foi ponto de debate,
uma vez que caracterizaria uma “consulta rapidinha”.
Observa‐se, aqui, limitação dos enfermeiros, ao concordarem que poderiam fazer
uma “consulta rapidinha”, mas os médicos não. Confirmam‐se as dificuldades que o usuário
encontraria nas UBSs, em geral limitada a certo número de consultas e de acolhimento.
Verifica‐se a permanência do modelo de atenção tradicional, centrado no atendimento às
pessoas que procuram espontaneamente os serviços: a diferença introduzida seria que, com
o PSF essa “fila” seria escutada de maneira mais qualificada no acolhimento. Porém,
persistem as dificuldades em organizar essa demanda, a partir dos princípios do PSF.
c) Predomínio do modelo tradicional de organização dos serviços
Todos os médicos utilizaram, com frequência, o pronome pessoal ou o pronome
possessivo, na primeira pessoa do singular para falar do cotidiano de trabalho, o que sugere
centralidade do ego ou tendência autoritária, e que pode ser observado no emprego de
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
109
expressões como: “eu analiso isso”, “minha enfermeira”, “minha profissão”, “meu posto”,
ou expressões que sugerem distância entre os pares, com “a enfermagem está lá para
ouvir”. Observa‐se hegemonia da prática médica sobre as demais profissões, em várias falas
dos participantes dos GFs, tanto de médicos, quanto dos enfermeiros, mas o discurso desses
pouco se contrapunha ao daqueles.
Observaram‐se processos grupais de “influência social e normativa”, atrelados ao
discurso médico. Acentue‐se que, em maior ou menor grau, os médicos caracterizam sua
atividade – a consulta – como a mais importante do serviço de saúde.
É curioso observar a utilização do termo “posto de saúde” para se referir às UBSs.
Trata‐se de uma denominação que se tem procurado evitar, uma vez que faz referência ao
modelo tradicional de atenção que se quer superar. Tal ato falho, atrelado ao conjunto dos
depoimentos, indica uma prática eminentemente influenciada pelo modelo biomédico, com
pouco espaço para as mudanças recomendadas pelo PSF.
Há de se destacar que a mudança da forma de organização dos serviços de saúde é
muito mais estrutural do que circunstanciada a um, ou outro setor de política, constituindo‐
se em mudança paradigmática difícil de ocorrer de um dia para outro (GÖTTEMS e PIRES,
2009). Porém, o que se verifica é que, ao contrário do que se aposta, o PSF, muitas vezes, ao
invés de relativizar essa hegemonia, acaba reforçando‐a, o que pode ser verificado,
principalmente, na desestruturação de programas de saúde pública clássicos, como se
identifica nesta pesquisa.
Por outro lado, observou‐se limitação no entendimento de mudança do modelo
preconizado, como a escolha de um programa de medicamentos, por exemplo, para
explicitar o que seria diferente para as ESFs.
Outro exemplo, que merece ser citado, é o da dupla triagem nos centros de
especialidades, que encontra justificativa em falas como “os profissionais do PSF não
saberiam encaminhar”. Tratou‐se, ainda nos GFs, do conflito entre médicos especialistas e
generalistas, cujo discurso desvelou que os médicos generalistas do PSF são considerados
incompetentes ou “de segunda categoria”, por aqueles que se encontram nos centros de
especialidades. Sem dúvida, essa questão é extremamente importante para a adesão dos
médicos à proposta de mudança do modelo.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
110
d) Processo de trabalho centrado na demanda espontânea: “o agudo engole o PSF!”
Pode ser identificado, em vários depoimentos sobre a prática profissional, o foco do
atendimento na demanda espontânea e na consulta médica, em detrimento das outras
atividades das ESFs, mesmo que muitos participantes dos GFs afirmassem que “acreditam no
PSF”. São raros os exemplos de planejamento das ações, trabalho em equipe, abordagem
integral ou coordenação do trabalho, a partir dos princípios do SF.
Em geral, há pouca apreensão ou incorporação de atividades de vigilância e de
promoção da saúde nos depoimentos; débil preocupação com abordagens mais amplas
sobre os problemas de saúde que o usuário traz frequentemente às UBSs, com o objetivo de
investigar o que estaria por trás daquelas “figurinhas marcadas”, que estão, sempre, nos
serviços de saúde. Da mesma forma, não se identificam entendimentos mais consistentes
sobre a necessidade de melhor organizar a demanda que procura as UBSs, de forma a
aproximá‐los, o mais possível, das necessidades de saúde da população, requisito para as
mudanças na acessibilidade dos serviços.
Os depoimentos confirmam que as ações programáticas sempre ficam para depois,
uma vez que as ESFs priorizam o atendimento da demanda que chega às UBSs. Em várias
ocasiões, informou‐se a necessidade de desmarcar as consultas agendadas para
atendimento “ao agudo”, principalmente pelo enfermeiro. Parece que o termo agudo,
repetido várias vezes por muitos profissionais, traduz bem a situação vivenciada pelas UBSs.
Há certa agudização do trabalho das ESFs que, diariamente, é renovado sem que os
profissionais se detenham mais sobre ele: ou seja, há exacerbada preocupação com o
sangramento da demanda, mas as ESFs não se detêm, satisfatoriamente, na busca de sua
origem. É quase uma “lavagem de ferida” cotidiana, ou um “enxugar o gelo”.
Observam‐se priorização do atendimento ao usuário, que chega às UBSs,
repetidamente, e é tratado como “agudo” pelos profissionais; restrição da pessoa à doença
que lhe acomete, em sintonia com o modelo biomédico que se deseja suplantar. Se no
hospital, o paciente tem alguma identidade – ainda que restrita ao número do leito que
ocupa e a sintomatologia da doença que lhe acomete –, nas UBSs ocorre uma generalização
extrema das individualidades, escondidas sob o rótulo agudo. Isso é tão significativo, que
muitos profissionais referem‐se aos usuários com termos pejorativos ou assimétricos, como
“manada”, “eles”, “turba”, “folgadinhos”, dentre outros.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
111
Por outro lado, o uso do termo prevenção, para se referir ao que as ESFs estariam
fazendo de diferente, de forma restrita à ótica da doença (ainda que numa abordagem
profilática), traduz bem a organização do trabalho nas UBSs, a partir do SF: ou seja,
incidência de atendimentos aos “agudos”, em detrimento de abordagens pautadas na
promoção da saúde. Noutros termos, e em tom de desabafo, os participantes dos GFs
disseram que “o agudo engole o PSF!”.
e) Grupos educativos como atendimento massificado e como indício de mudanças
A maioria dos participantes dos GFs citou a realização dos grupos educativos como
uma forma de agilizar o atendimento, mas não apresentou maiores preocupações teóricas
ou metodológicas com os processos de educação em saúde, que esses grupos poderiam
propiciar. O que, a esse respeito preocupa, está numa possível substituição das ações
programáticas clássicas, que incluem a alternância de diversas atividades individuais e
coletivas, pelo atendimento massificado por meio dos grupos operativos, principalmente nas
ESFs. Em geral, são utilizados mecanismos de “barganha”, como a troca de receitas,
medicamentos ou fornecimento de lanches, para “chamar a população”, sem que haja
reflexões mais apuradas sobre os motivos que afastam os usuários das atividades oferecidas
nos grupos operativos, a despeito de terem surgido exemplos de experiências bem
disputadas.
Percebeu‐se uma tendência em jogar a culpa no usuário, mesmo que as falas
denunciem falta de clareza sobre o papel das ESFs e, de mais facilmente dizer que “eles [os
usuários] odeiam os grupos”, a refletir sobre o porquê de a população não gostar da maioria
das atividades oferecidas. Quando ocorre alguma mudança na forma de realizar as
atividades nesses grupos, mesmo que pequena, por exemplo, atividades de educação física,
a procura da população aumenta consideravelmente. Se as ESFs refletissem sobre o próprio
processo de trabalho, poderiam ter melhor percepção dos métodos ortodoxos e pouco
atrativos, que utilizam para as atividades de educação em saúde, predominantes nas UBSs,
como se constatou nos depoimentos e nos resultados do survey. A esse respeito, pergunta‐
se se os profissionais participariam dos grupos que costumam promover ou, se seria uma
atividade pobre, para os pobres (usuários).
Sobre os indícios de mudanças, realizaram‐se amplas reflexões, com sincera
preocupação dos participantes dos GFs, sobre a realização de grupos com troca de receita.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
112
Foram admitidas, pelos participantes dos GFs, deficiências na formação profissional para
essa atividade. Percebeu‐se um incômodo em alguns profissionais, ao admitir não trabalhar
da melhor forma possível e que, por isso, gostariam de maior apoio e capacitação nessa
área. Desvelou‐se, com muita propriedade, a realização dos grupos com troca de receitas nas
UBSs e, sobre eles, ponderaram‐se as fragilidades das estratégias adotadas pelas ESFs frente
às necessidades dos usuários que, afinal, não estariam tão distante das de todos os cidadão
que utilizam os serviços prestados pelo SUS; ou seja, a necessidade de atendimento mais
ágil, qualificado, com enfoques inovadores à saúde, que ultrapassem o modelo de palestras
para repasse de informações que, na maioria das vezes, a população já sabe. O depoimento
abaixo pode constituir um exemplo do que estaria “na contramão da história”, segundo a
enfermeira padrão (alínea f), e que precisaria ser ultrapassado:
Uma coisa que a gente não consegue muita adesão é nas ações educativas, por exemplo, fazer grupo de grávida fora da consulta de pré‐natal nem precisa! Grupo de hipertenso se não tiver casado com atendimento médico e busca de receita nem precisa! Agora adolescente levar para a unidade de saúde nem pensar! Nós já fizemos na unidade. Nós temos na unidade o envolvimento das ACS. Nós falamos vocês vão fazer grupo de aleitamento materno, vocês vão ser responsáveis de envolver, vocês vão ser as monitoras. O quórum é assim baixíssimo. Elas têm que ficar assim na cobrança. Elas não vieram assim, você tem que convidar. Hipertensos só houve sucesso quando houve a presença do médico. A gente ficou lá um tempão sem médico, uns dois anos quase sem médico, e aí começou a fazer grupo de troca de receita com o clínico. Ah! Quantos que o senhor vai poder atender? Eu acho que vai dar para atender uns dez, depois uns quinze, depois 20. Cem por cento! Cem por cento das pessoas que se cadastraram no grupo iam. E é o mesmo “lenga‐lenga”, falar um pouquinho de hipertensão, não sei o que lá e receitinha. E todo mundo contente achando bonitinho. Oh! O doutor [...] está fazendo grupo aqui! Sabe! Mas se fosse com enfermeiro para orientação à saúde o quórum é baixíssimo. Eu cansei! Não faço grupo de nada! Só de planejamento familiar. Que também só vai porque está casado com a ligadura, que é o que todo mundo vai buscar. Então, as pessoas têm muita informação, elas não dependem de nós para buscar informação ou o que elas fazem da vida, obviamente.
Ao que tudo indica, a implantação do PSF teria vulnerabilizado alguns processos bem
estruturados nas UBSs, como as ações programáticas, por exemplo. No caso da atenção ao
hipertenso e ao diabético, tal desestruturação é clara. Por outro lado, notou‐se que, onde os
serviços estavam mais organizados, eles tendem a acontecer da maneira tradicional, sem
grandes mudanças ou inovações.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
113
f) Ações programáticas secundarizadas, restritas, pouco planejadas, com diferentes
conformações
As ações programáticas, em especial a hipertensão e o diabetes e, igualmente outras,
não são realizadas prioritariamente pelas ESFs para a população adstrita, pois dependem do
contexto de organização de cada equipe e UBS, a despeito da existência dos protocolos
municipais. Há sobreposição e, ou duplicidade de ações desenvolvidas pelas ESFs e pela
Equipe de apoio, de forma que, ambas realizam consultas, dentro dos programas, sem
distinção de papéis. Tal situação demonstra fragilidade na acessibilidade, uma vez que
desloca a Equipe de apoio da função prevista de retaguarda das ESFs, para os casos mais
graves, dentro das especialidades clínicas básicas (pediatria, ginecologia e obstetrícia, clínica
geral). Ocorre desarticulação no processo de trabalho dentro das próprias UBSs, com
comprometimento da reorganização preconizada.
Como referido, preocupa uma possível substituição dos programas de saúde pública
pela realização de grupos operativos, em que ocorrem de forma simultânea a palestra, a
consulta e a troca de medicação. Tal indício pode significar um entendimento equivocado do
sentido de mudança, atribuído ao PSF. Como visto, a estratégia Saúde da Família propõe
reconstruir processos de trabalho existentes, ampliando o foco da atenção, e não
desestruturar os programas de saúde que classicamente conformaram a atenção primária à
saúde no Brasil.
Em vários momentos, confirmou‐se falta de planejamento ou de realização das ações
programáticas nas UBSs selecionadas, o que corroborou os dados da pesquisa. Houve
relatos, segundo os quais as ESFs estariam “retomando as coisinhas perdidas”, como a
classificação dos hipertensos da área, para implantação das consultas e definição das demais
estratégias de atuação, e que, a dificuldade das ESFs em planejar as ações, ocorreria porque
as equipes “sempre esbarram no agudo”. As distintas formas de organização das ações
programáticas, numa mesma unidade de saúde, apresentaram variações entre o
cumprimento total, parcial ou insuficiente dos protocolos. A forma de organização depende
da habilidade do profissional da ESF, em especial do enfermeiro que, algumas vezes, não
realiza as consultas de enfermagem, com exceções importantes e destacadas.
Acrescente‐se que, muitas das antigas atribuições do enfermeiro, como a supervisão
da equipe de enfermagem, da sala de vacina, de curativos, gestão de materiais e
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
114
equipamentos, dentre outras, não estariam sendo cumpridas a contento e, pelo menos três
formas de organização de ações programáticas coexistiriam numa mesma ESF.
As análises dos relatos registrados, possibilitaram a elaboração do Quadro 4, que
indica 5 possibilidades distintas de organização de ações programáticas nas UBSs
selecionadas.
Quadro 4Tipos de organização das ações programáticas usuais nas Unidades Básicas de Saúde, sistematizadas a partir dos Grupos Focais com os profissionais médicos e enfermeiros da Equipe de Saúde da Família
Classificação Descrição
TIPO 1 – AZUL Consultas médicas e de enfermagem realizadas pela ESF, conforme protocolos.
TIPO 2 ‐ VERDE Consultas realizadas apenas pelo médico, com pouca participação da enfermagem. Em geral, médico generalista intercala com apoio. Enfermagem realiza a primeira consulta ou consultas ocasionais.
MODELO HÍBRIDO
O enfermeiro realiza os preventivos de CA, encaminhando para tratamento com médico da ESF ou de apoio; ou ainda, intercala as ações programáticas com médico de apoio, sem participação do médico da ESF.
TIPO 3 ‐ AMARELO
Consultas sem participação da ESF ou da enfermagem. São realizadas apenas pelo médico de apoio ou generalista. A enfermagem não realiza consulta.
TIPO 4 ‐ VERMELHO
Realização de grupos operativos, com orientações e troca de receitas. Consultas médicas e de enfermagem ocasionais ou inexistentes, por demanda espontânea ou mediante casos identificados pela ESF.
g) Indícios de mudanças e dos princípios do PSF na prática profissional
De forma residual, dois participantes (enfermeiros) demonstraram alguma visão
contextual da realidade social com que as ESFs deparam‐se no processo de trabalho. Foram
citados a violência, o desemprego, o alcoolismo, o analfabetismo e as agressões, como
questões sociais que permeiam o trabalho da equipe e, obviamente, a tornam impotente
para resolvê‐los de forma isolada. Observaram‐se o envolvimento e a preocupação desses
profissionais nas situações vivenciadas, como o abandono de um idoso, pela própria família,
que se recusa dele cuidar; a sobrecarga de trabalho das ESFs e o pouco preparo para lidar
com o peso das questões sociais que batem à porta das UBSs, todos os dias.
Há indícios de uma possível crise entre o que se espera dos profissionais das ESFs e
uma sensibilidade para as mudanças, que se exaure e dá sinais de enfraquecimento diante
da realidade dos serviços. Esse sentimento de impotência e angústia permeia os sentidos
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
115
despertados pelos profissionais no processo de trabalho do PSF, já evidenciado em outros
estudos (LANCHMAN et al., 2009; VELOSO, 2005) e caracteriza momentos de turbulência
subjetiva, dos quais podem advir mudanças ou retrocessos. Entretanto, uma visão mais
aprofundada do contexto sociohistórico desse cenário, que inclui questões sociais,
econômicas, políticas e culturais, as quais influenciam a realidade sanitária da população,
não foi expressiva nos depoimentos.
A análise dos depoimentos apontou que o PSF ampliou o conhecimento sobre o
usuário e sua família, sendo esse um dos avanços. Outra mudança seria maior acesso do
usuário “agudo” às UBSs, o que não acontecia à época das senhas para atendimento.
Registrou‐se, de forma contundente que, de diferente mesmo, o PSF não estaria realizando
nada muito significativo. Porém, alguns avanços, como a ampliação da oferta de serviços aos
usuários, são detectados. Apesar de poucos, para uma estratégia que pretende reverter
modelos de atenção, constituem um primeiro passo para a pretendida ampliação da
acessibilidade dos serviços, como se pode abstrair do depoimento abaixo:
A gente tem evoluído né! Eu estou pensando! Eu já vivi muitos momentos de estar assim, assoberbada, louca pra sair do PSF. Tanto que eu achava maluco arreganhar as portas e você ficar lá assim pra conter o povo, a boiada. Sentia que eu estava no meio de uma guerra. Entrincheirada no acolhimento, você ficava entrincheirado no acolhimento esperando o inimigo. Quantos foram hoje? Uma coisa assim, viu! Hoje isso está se suavizando! Eu acho que esses grupos todos que a prefeitura tem promovido, as discussões todas com os profissionais que fazem PSF. O próprio documento das diretrizes. É uma coisa bacana que a gente tem no centro de saúde, também acho que é um privilégio para nós, é a gerência.
Há algo, ao mesmo tempo, progressista e conservador nesse discurso, que se coaduna
com o perfil do enfermeiro padrão, de formação arraigada; percebem‐se qualidades e
debilidades nas características identificadas. O compromisso, a determinação e a postura de
“arregaçar” as mangas para fazer as coisas acontecerem, superando‐se obstáculos, são os
valores importantes a destacar. Porém, a exemplo das contradições identificadas na própria
enfermagem (PIRES, 2001), sente‐se falta de reflexões mais amplas, principalmente, sob o
ponto de vista político e de correlações entre atores, sobre a prática profissional. A despeito
disso, a profissional carrega consigo características importantes para a reorganização de
qualquer processo de trabalho que se queira, o que é central para sua realização. Pode‐se
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
116
mesmo dizer que os possíveis avanços que o PSF possa ter conquistado advém de uma
atitude propositiva e reformadora, importante para os processos de mudança.
Destaque‐se o sucesso do grupo de unibiótica de uma UBS selecionada, conduzido por
uma ACS, como um trabalho diferente realizado pela ESF. Nos depoimentos, considerou‐se o
caso como uma excentricidade, pelo fato de ser uma ACS quem o realizaria. Lamenta‐se a
frágil capacidade reflexiva sobre a mudança de modelo preconizada, que rompe com a lógica
da doença e inclui outros olhares sobre o processo saúde‐doença, no qual a ACS assume
relevância acentuada. Relatou‐se, ainda, como inovador, a criação de um núcleo de saúde do
idoso, voltado para atividades de saúde, não de doença, no qual são desenvolvidas
atividades físicas, de lazer e educativas, calcadas na promoção da saúde. Essa experiência
tem como parceira uma faculdade privada e, embora não apresente nada de excepcional, a
vivência indica ações calcadas em outra forma de enxergar a saúde.
Outra experiência de grupos de educação em saúde trata de uma forma de organizar
cursos de maneira mais sequencial e programada, restrita a 6 sessões, cujo conteúdo
mínimo seria “repassado”. Apesar do tom diretivo e “instrucional” da proposta, essa
experiência tem conseguido adesão e cumprido o papel de manter‐se no escopo da saúde.
Contraditoriamente, citaram‐se também como “diferente” ou “avanço” do PSF, o fato
de as ESFs conseguirem vacinar todos os idosos, uma vez que os profissionais os conhecem.
É curioso o destaque para uma ação que, historicamente, obteve êxito desde o surgimento
das políticas públicas de saúde. Não é sem razão que o programa de imunização, do Brasil, é
um dos exemplos de êxitos e qualidade do SUS (GADELHA e ROMERO, 2007). Ademais, as
ações de controle de endemias, pautadas no militarismo de teor policialesco, faz parte de
um modelo de atenção que se quer superar.
Considerou‐se inovadora, nos depoimentos, a atividade de planejamento das ações e
de diagnóstico situacional elaborado pelas ESFs como tarefa do curso de capacitação dos
ACSs. Há, também, informações sobre a rotina de, nas reuniões das ESFs, examinarem‐se os
casos da demanda espontânea da semana com elaboração de ações para intervir na situação
identificada. Nesse caso, há boas repercussões da capacitação dos ACSs no trabalho da
equipe, que contribuem positivamente para ampliar a acessibilidade dos serviços e possíveis
mudanças no processo de trabalho das ESFs. Outras ações diferenciadas, de alguns grupos,
são exemplificadas de forma isolada, tais como reuniões de mobilização popular e de
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
117
formação de grupos de educação física. Curiosamente, tais atividades advêm de uma UBS
parcialmente coberta pelo PSF.
Acerca dos princípios do PSF, dos quais se estaria mais próximo, há ratificação do
vínculo, da integralidade e do trabalho em equipe. Os mais distantes seriam a
intersetorialidade e a resolubilidade, embora tais afirmações não se sustentem nos relatos
sobre o processo de trabalho da ESF. Nota‐se maior preocupação com a continuidade da
assistência prestada às famílias adstritas como dado positivo. Algumas vezes, tais aspectos
aparecem como uma construção partilhada de cuidado, avançando‐se no “vínculo”
preconizado. Na maioria dos casos, porém, predominam a obrigatoriedade e a tensão
gerada pelo “peso dos 4.000”. A noção de “vínculo” é considerada, mais como uma
obrigação ou dever das ESFs, do que, propriamente, uma relação construída no cotidiano de
trabalho dos profissionais, ainda que haja exceções.
Conforme se comentou, não se verificou maior influência dos princípios do SF nos
discursos, apesar de a maioria dos profissionais ter concordado que o “vínculo” seria um
elemento forte da Estratégia. O entendimento do SF, como estratégia de mudança, é frágil,
sem maior impacto na forma de organização do serviço. Percebe‐se fragilidade na
incorporação dos princípios do SF no discurso e na prática profissional.
Vários participantes dos GFs, das UBSs selecionadas, informaram não existir PSF
implantado, de fato, nas UBSs, em especial naquelas parcialmente cobertas. As
considerações sobre as especificidades das UBSs das áreas nobres da cidade devem ser
levadas em conta. Nelas, a população estaria acostumada a, e “vinculada” aos médicos
especialistas que, em muitos casos, fizeram o pré‐natal e o parto dos filhos de uma mesma
família. Tal fato demonstra que alguns princípios do PSF não foram observados em todas as
UBSs e que, se o vínculo fosse uma das marcas fortes do Programa, as UBSs tradicionais,
também apresentariam vários exemplos de vinculação. Por isso, pergunta‐se: Que mulher
não busca essa situação de confiança numa hora tão importante, como o parto? Além disso,
a situação da violência, típica dos grandes centros urbanos, torna o “vínculo” uma questão
especial para reversão do modelo de atenção.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
118
5.2.3 Dinâmica interpretativa
Na articulação do contexto sociohistórico dos entrevistados com a análise estrutural
dos depoimentos, foi possível sintetizar indicações que auxiliam no desvelamento dos
sentidos de poder que caracterizam as práticas e os discursos dos profissionais. Tais
arremates são importantes para aprofundar a realidade da organização dos processos dos
trabalhos das ESFs. Assim, a dinâmica dos depoimentos moveu‐se com a presença, em maior
ou menor grau, das seguintes categorias:
a) Posturas autoritárias: na maioria das vezes, o usuário pobre é tratado como cidadão
de segunda linha.
b) Cultura do (des)serviço público: os vícios ou os estereótipos do típico funcionário
público, que prefere não se envolver em processos de mudanças, cumpre tarefas
normatizadas e tem pouca disposição para reinventá‐las, aparece de forma velada. A
negação e resistência predominaram nos depoimentos, atreladas à culpabilização do outro,
em geral o usuário, governo e gestores, pelas deficiências do serviço.
c) Pressão por resultados e atendimentos no trabalho dos profissionais: há de se
reconhecer a existência de contradições entre as normatizações da SMSA/BH e a realidade
dos serviços, predominantemente, ainda centrada no modelo tradicional de atendimento, o
que tem gerado tensões no ambiente de trabalho.
d) Sensação de “‘angústia” com o PSF: essa sensação está presente em muitos
depoimentos, principalmente naqueles apresentados no final dos GFs, e parece indicar a
falência de um modelo biomédico de atenção que é ilógico, dispendioso, pouco resolutivo,
desgastante e permeado de atritos entre profissionais e usuários. Ao cabo, parece que
ambos – usuários e profissionais – permanecem no escopo da doença, sem se olharem de
frente. A frágil capacidade de análise contextual das contradições de uma prática
profissional eminentemente medicalizante destituída de maiores intersubjetidades no
processo de trabalho, que singularizem a satisfação mútua, exaure qualquer tentativa de
mudança preconizada. O modelo biomédico, ainda hegemônico, exibe sinais de um paciente
que “agoniza” em praça pública, embora os sujeitos que o realizam (os profissionais em
saúde) não tenham plena consciência disso.
e) Adesão incipiente ao PSF: nas poucas falas, em que se citou algo diferente do
tradicional, mesmo que incipiente, havia sempre um quê de “não envolvimento” ou de
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
119
dispersão, misturado com alguma iniciativa de fazer as coisas diferentes, mesmo que de
forma isolada. Porém, percebeu‐se que esses profissionais estão longe de fazer a diferença
ou de se engajar mais fortemente nas mudanças de práticas, talvez pela exaustão de um
processo de trabalho angustiante. Ainda que incipientes, essas adesões significam uma luz.
Houve profissionais que disseram ter aderido ao PSF, isoladamente, a despeito dos outros
médicos da UBS. Há de se perguntar se esses profissionais seriam tão diferentes assim dos
colegas, ou se não “vestiram” superficialmente a camisa do PSF para evitar maiores
conflitos. São, particularmente, curiosos alguns exemplos, como o fato de um pediatra,
atualmente generalista em uma das ESFs selecionadas, atender apenas crianças e não
realizar nenhuma outra ação programática prevista no PSF; a perplexidade da classe médica
frente à universalidade do acesso ao SUS, que aparece quase como uma “ousadia” contra a
ordem hegemônica. Via de regra, esse tipo de postura denota traços do pensamento liberal,
muito característico da profissão.
f) Mudanças e aprendizados com o PSF: as expressões de proposição explicitadas na
apresentação de alguns entrevistados reapareceram em suas argumentação. Há maior
capacidade de reflexão desses profissionais, quando ponderam sobre os desafios reais da
implantação do PSF. Destaca‐se a presença de reflexões sinceras sobre a prática profissional,
quando os participantes dos GFs consideram o PSF como um desafio, a ser enfrentado e
superado no cotidiano de trabalho. Verificam‐se atenção e envolvimento de alguns
profissionais com a proposta de mudança, ao lado de angústias vivenciadas na prática
profissional, em especial no que e refere aos grupos operativos que realizam.
5.3 Análise da oferta e da demanda por serviços de atenção básica nas UBSs investigadas
Na última fase da pesquisa, objetivou‐se confirmar os dados da primeira e da segunda
etapas. Inicialmente, foram analisados dos indicadores clássicos de oferta, sintetizados na
cobertura populacional das ações e dos serviços básicos de saúde. Em seguida, realizou‐se
avaliação da produção dos atendimentos das UBSs, a partir das bases de dados secundárias
da SMSA/BH, comparando‐a com a previsão de demanda para as áreas programáticas.
Conforme verificado na etapa survey, os serviços de atenção básica em Belo Horizonte
têm boa distribuição geográfica e populacional. Na análise da oferta dos serviços das 10
UBSs, levaram‐se em conta, primeiramente, os parâmetros de cobertura (BRASIL, 2006), seja
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
120
de ESF (1 para cada 4000 habitantes), de UBS (1 para cada 12.000 hab, quando cobertas pelo
PSF e 1 para 30.000, em UBS sem PSF, para grandes centros urbanos) ou de consultas
médicas (1/1.000.000 hab).
Na Tabela 14, observa‐se que as UBSs investigadas estão bem distribuídas em termos
de cobertura populacional, pois apenas 4 delas ultrapassam o parâmetro recomendado de
12.000 pessoas por área de abrangência. No que se refere à população coberta pelas ESFs,
apesar de todos os grupos focais terem reclamado da “grande demanda”, o fato é que todas
estão dentro do parâmetro recomendado, com exceção da UBS 7.
Tabela 14 ‐ Indicadores de cobertura populacional e de consultas médicas por habitante/ano nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, Belo Horizonte, 2009
UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE
Cobertura total de PSF
(a)
População de Abrangência*
População Coberta ESF
Nº ESF
Pop/ESF Nº de consultas médicas/ hab.
Ano** UBS 1 sim 15.435 11.259 5 2.251,8 1,565
UBS 2 sim 11.300 9.384 3 3.128 0,886
UBS 3 sim 18.652 15.906 5 3181,2 0,729
UBS 4 não 10.069 7.842 3 2.614 2,516
UBS 5 sim 14.901 13.947 4 3.486,7 1,543
UBS 6 sim 8.670 8.326 3 2.775,3 2,394
UBS 7 sim 17.679 17.175 4 4.293,7 0,835
UBS 8 sim 12.205 10.772 5 2.154,4 1,311
UBS 9 não 11.750 5.687 3 1.895,6 1,574
UBS 10 sim 13.627 12.205 5 2.441 1,514
Fonte: Dados da pesquisa, 2009. * Parâmetro recomendado: 12.000 habitantes para UBSs completamente cobertas pelo PSF, e 30.000 para parcialmente cobertas, capitais metropolitanas (BRASIL, 2006). ** Parâmetro recomendado: 1 consulta médica por habitante/ano.
Desse modo, ratifica‐se que muito maior que a “demanda” da qual as ESFs reclamam,
é a falta de organização e de planejamento das ações dessas equipes. Outro fato importante,
que se constata, é que, mesmo diante da grande utilização das consultas médicas verificadas
na etapa survey, 3 Unidades de Saúde (UBS 2, UBS 3 e UBS 6) não cumprem o parâmetro
mínimo de oferta na realização de consultas por habitante/ano. Tais resultados ratificam a
necessidade de melhor organização dos serviços para o atendimento à população, uma vez
que há recursos físicos e humanos disponíveis em quantidade adequada, sob a análise dos
indicadores de oferta clássicos.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
121
Na comparação entre a oferta de atendimentos de demanda espontânea e ações
programáticas realizadas pelas ESF nas UBS, visualiza‐se total inversão do que é
recomendado pelas diretrizes da SMSA/BH (BELO HORIZONTE, 2006): que 25% dos
atendimentos sejam destinados ao acolhimento, consequentemente à demanda
espontânea. No Gráfico 1, a média de atendimentos de demanda espontânea realizados
pelas ESF nas 10 UBSs corresponde a 76,9%, enquanto apenas 23,02% são de ações
programáticas. Quando se verifica a desagregação dos dados pelas UBSs (Tabela 15),
percebem‐se discrepâncias acentuadas nessa média. Num extremo, as UBSS 4, 6, 8, 9 e 10
mantêm‐se entre 80% e 86% dos atendimentos restritos à demanda espontânea. Porém, há
casos polares, como a UBS 1, em que a demanda espontânea responde por 44% da
produção das ESFs, contrastando com 55,09% de ações programáticas.
Tabela 15 ‐ Média percentual dos procedimentos realizados pelas Equipes de Saúde da Família, nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de outubro de 2009 a março de 2009, Belo Horizonte, 2009
UBS Demanda Espontânea Ações Programáticas Total das Atividades
N % N %
1 282 44,06 358 55,94 640
2 578 68,08 271 31,92 849
3 679 67,23 331 32,77 1010
4 1054 83,25 212 16,75 1266
5 1034 79,54 266 20,46 1300
6 1250 86,21 200 13,79 1450
7 470 69,02 211 30,98 681
8 1468 81,33 337 18,67 1805
9 1095 81,84 243 18,16 1338
10 1152 80,45 280 19,55 1432
Total 9062 76,99 2709 23,01 11771
Fonte: Sistema de Informação Fenix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009
* Demanda espontânea: consultas realizadas pela ESFs, fora dos protocolos e acolhimentos. **Ações programáticas: consultas realizadas pelas ESFs dentro dos protocolos.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
122
Gráfico 1 ‐ Média percentual dos procedimentos realizados pela Equipe de Saúde
da Família, nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a agosto de 2009, Belo Horizonte, 2009
Fonte: Sistema de Informação Fenix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009.
Na produção global das UBSs (Gráfico 2), considera‐se a produção das ESFs e das
equipes de apoio. Nota‐se que diminuiu a diferença entre o atendimento centrado na
demanda espontânea (68,1%) e as programáticas (31,86%). Quando se desagregam os dados
por UBS, persistem as discrepâncias verificadas anteriormente, ou seja, a UBS 1 chega a
inverter a relação, produzindo 67,2% dos atendimentos de ações programáticas e 32,7% de
demanda espontânea (Tabela 16).
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
123
Tabela 16 ‐ Média percentual dos procedimentos realizados pelas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a agosto de 2009, Belo Horizonte, 2009
UBS Demanda Espontânea Ações Programáticas Total das Atividades
N % N %
1 282 32,71 580 67,29 862
2 578 62,96 340 37,04 918
3 679 60,90 436 39,10 1115
4 1054 72,29 404 27,71 1458
5 1034 69,72 449 30,28 1483
6 1250 79,26 327 20,74 1577
7 470 59,64 318 40,36 788
8 1468 76,58 449 23,42 1917
9 1095 73,84 388 26,16 1483
10 1152 67,84 546 32,16 1698
Total 9062 68,14 4237 31,86 13299
Fonte: Sistema de Informação Fenix/GEREPI/SMSA‐BH, Nov. 2009.
* Demanda espontânea: consultas realizadas pela ESF e equipe de apoio fora dos protocolos e acolhimentos. **Ações programáticas: consultas realizadas pelas ESF e equipe de apoio dentro dos protocolos.
Gráfico 2 ‐ Média percentual dos procedimentos realizados pela Equipe de Saúde da Família e de apoio nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a agosro de 2009, Belo Horizonte, 2009
Fonte: Sistema de Informação Fenix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
124
Compararam‐se os resultados entre a caracterização da demanda identificada no
survey com o usuário e a média de atendimentos produzidos nas UBSs investigadas durante
o mês de outubro de 2008, período da coleta de dados. Embora a análise esteja
comprometida, uma vez que as entrevistas ocorreram em apenas 2 dias por UBS, 3 horas
por turno, e a média dos atendimentos foi realizada utilizando‐se a produção do mês,
percebe‐se similitudes entre o padrão apresentado em ambas, conforme demonstrado na
Tabela 17. Observa‐se que a diferença entre os atendimentos de demanda espontânea em
relação às ações programáticas se assemelha, correspondendo a 36,48% da oferta de
procedimentos nas UBS e 38,26% da utilização dos serviços informadas pelos usuários. Esse
dado é relevante para as confirmações buscadas nessa investigação, haja vista os
questionamentos dos profissionais acerca dos dados obtidos no survey com os usuários, em
especial no que tange a baixa produção das ações programáticas.
Tabela 17 ‐ Comparação entre o percentual médio mensal de procedimentos realizados e a utilização informada pelos usuários, nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, Belo Horizonte, outubro de 2009
Demanda Espontânea*
(a)
Ação Programática**
(b)
Diferença percentual da demanda espontânea em relação à ação programática
(a‐b) Procedimentos ofertados pela UBS
68,14% 31,86%
36,48%
Utilização informada pelos usuários na entrevista
52,86% 14,60%
38,26%
Fonte: Survey com usuários, Sistema Fênix/SMSA‐BH, 2009. * Demanda espontânea ofertada pela UBS: consultas realizadas fora dos protocolos e acolhimentos. Demanda utilizada: consultas médicas, acolhimentos e consultas de retorno informadas pelo usuário no survey.
**Ações programáticas ofertadas pela UBS: consultas realizadas dentro dos protocolos. Demanda utilizada: procedimento de ação programática informada pelo usuário no survey.
Para confirmar as informações produzidas nas etapas precedentes, procedeu‐se ao
exame da produção das ações programáticas ofertadas pelos profissionais da equipe saúde
da família e de apoio, por UBS. Conforme recomendação das diretrizes da SMSA/BH e da
política nacional de atenção básica (BELO HORIZONTE, 2006; BRASIL, 2006), a ESF deve
responsabilizar‐se pela maior parte das ações programáticas da área de abrangência, posto
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
125
que a maioria delas é usual, de baixo risco e, ou de caráter preventivo. Na lógica da
organização proposta, os médicos especialistas da equipe de apoio ofereceriam retaguarda
às ESFs, que lhes encaminhariam os casos que requerem maior especialidade. Conforme o
que se verificou no survey e nos grupos focais, ocorre duplicidade de ações entre essas duas
equipes de atenção básica, ambas realizando as ações programáticas, conforme os distintos
modelos apresentados no Quadro 4.
Cabe lembrar que as ESFs são, em geral, numericamente maiores (a variação é de 3 a 5
equipes) que a quantidade de médicos especialistas (Tabela 14). Além disso, na presente
análise, considerou‐se também a produção dos enfermeiros das ESFs. Assim, o fato de
existirem mais profissionais do PSF produzindo as ações programáticas, que da equipe de
apoio, reflete‐se na quantidade e na média percentual aferida. Mesmo diante dessa
ressalva, verificam‐se disparidades entre as UBSs (Gráfico 3). Em algumas (UBS 2, 3 e 8), as
ESFs assumem entre 75% e 79% das ações programáticas realizadas na UBS e as equipes de
apoio realizam entre 20% e 24,9%. Há situações, nas UBS 7, 9, 1 e 6, por exemplo, em que
essa proporção diminui, ficando as ESFs com aproximadamente 65% das ações e as de apoio
com índice em torno dos 35%. No extremo oposto, as UBSs 5, 4 e 10, praticamente dividem
as ações programáticas da UBS entre a ESF e de apoio, o que não é recomendado. No geral,
as ESFs são responsáveis por 63,9% das ações e a equipe de apoio 36%.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
126
Gráfico 3 ‐ Média percentual de procedimentos de ações programáticas
realizados pelas Equipes de Saúde da Família e Equipe de Apoio, nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a agosto de 2009, Belo Horizonte, 2009
Fonte: Sistema de Informação Fênix/GEREPI/SMSA‐BH, 2009.* Ações programáticas: consideram‐se os atendimentos dentro dos protocolos da SMSA‐BH.
Porém, apenas o exame da produção das ações não é suficiente para verificar se a
forma de organizar e produzir serviços de atenção básica nas UBSs consegue atender à
demanda prevista para as mesmas. Tendo por objetivo delimitar melhor a análise da oferta
das ações programáticas, fez‐se uma avaliação comparativa entre a demanda de consultas
previstas para esses programas e as realizadas pelas ESFs e de apoio nas UBSs. Delimitou‐se
o acompanhamento ao crescimento e ao desenvolvimento da criança menor que um ano, o
pré‐natal, o preventivo do câncer ginecológico, bem como o programa de prevenção e
controle da hipertensão arterial, que continham dados completos para o período
selecionado, para o este estudo. Em linhas gerais, tratou‐se de averiguar o desempenho das
UBSs, por equipes profissionais, em relação à demanda prevista a partir dos parâmetros
oficiais de programação, conforme descrito na metodologia.
Na Tabela 18 e no Gráfico 4 observa‐se que o total das consultas de ações
programáticas realizadas pelos profissionais nas UBSs investigadas não atingem o previsto
(4127 ou 54,5%). Nota‐se, ainda, uma diversidade de cenários entre as 10 UBSs, que varia de
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
127
pouco mais de 30% das consultas realizadas em relação à demanda prevista, até 74,26%
(UBS 7, UBS 2). Vale lembrar que o cálculo é feito sobre a área de abrangência da UBS. Se
considerada a informação da Agência Nacional de Saúde26, que de 20% a 30% da população
de Minas Gerais são beneficiários de planos privados de saúde, portanto com pouca
recorrência ao SUS para as ações básicas de saúde, ainda assim percebe‐se um baixo
desempenho das UBSs em relação ao esperado para os programas de saúde pública. Porém,
sabe‐se que a implantação do PSF ocorre, prioritariamente, em regiões de médio a elevado
risco social pelo Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), que se baseia no Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) para definição das prioridades em políticas públicas. Ou
seja, a população pobre dos grandes centros urbanos, em que o PSF foi implantado, utiliza
quase exclusivamente o SUS.
Tabela 18 ‐ Comparação entre o total da demanda prevista para os programas de atenção à saúde e as consultas realizadas nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, Belo Horizonte, no período de agosto de 2008 a setembro de 2009
UBS Média mensal de demanda prevista*
Média de consultas realizadas nas ações programáticas**
Percentual de consultas realizadas em rel. à demanda
prevista (%) UBS 1 891 580 65,0 UBS2 632 224 34,4 UBS 3 741 436 58,8 UBS 4 544 404 74,2 UBS 5 986 449 45,5 UBS 6 534 327 61,2 UBS 7 1046 324 30,9 UBS 8 671 449 66,9 UBS 9 748 388 51,8 UBS 10 774 546 70,5 TOTAL 7567 4127 54,5
Fonte: Sistema de Informação Fênix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009.
* Previsão de consultas calculada para as áreas de saúde da criança, mulher (pré‐natal e preventivo de câncer) e adulto (hipertensão), a partir dos parâmetros do Prograb/Ministério da Saúde e cadastro das ESFs.
26 Boletim “ANS Informação”. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/upload/informacoesss/folder_ANS‐Info_2009.pdf. Acesso em: 6 dez. 2009.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
128
Gráfico 4 ‐ Comparação entre a média de demanda prevista e de consultas
realizadas nos programas de atenção à saúde nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a março de 2009, Belo Horizonte
Fonte: Sistema de Informação Fênix/GEREPI/SMSA‐BH, nov. 2009.
* Previsão de demanda calculada para as áreas de saúde da criança, mulher (pré‐natal e preventivo de câncer) e adulto (hipertensão), a partir dos parâmetros do Prograb/Ministério da Saúde e cadastro das ESF. ** Consultas médicas e de enfermagem realizadas dentro dos protocolos.
Cabe sinalizar que a situação descrita, acerca da pouca utilização das ações
programáticas pelos usuários identificada no survey, foi devidamente aprofundada nos
grupos focais. A análise em curso apenas confirma a frágil capacidade de planejamento das
ESFs, impactando na acessibilidade dos serviços, que poderia ampliar sua capacidade de
responder às demandas da população pela prevenção de doenças e promoção da saúde.
Quando se observa a realização de consultas, em relação à previsão de demanda
para as ESFs e equipe de apoio, constata‐se distanciamento com o que é preconizado: ou
seja, a equipe de apoio, que deveria realizar as consultas referenciadas pela ESF, ou de maior
risco, acaba concorrendo com as ESFs na realização de todas as ações programáticas
demandadas pela população, com poucos critérios de referenciamento, como se viu nos
grupos focais. A Tabela 19 ilustra que as ESFs não conseguem cumprir a demanda prevista
para os atendimentos programáticos, realizando apenas 36,48% deles. As equipes de apoio,
no entanto, superam a previsão da clientela das ações programáticas que lhes seriam
específicas em quase quatro vezes (379%). Da mesma forma, observa‐se acanhamento no
desempenho das consultas de enfermagem em relação à demanda prevista, se comparadas
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
129
ao profissional médico da ESF. Enquanto o médico consegue realizar 71,54% das consultas
da demanda prevista de ações programáticas, o enfermeiro cumpre apenas 12,96% do
preconizado, conforme Gráfico 5.
Tabela 19 ‐ Comparação entre a média da demanda prevista e as consultas realizadas nos programas de atenção à saúde pela Equipe de Saúde da Família e pela equipe de apoio nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a agosto de 2009, Belo Horizonte, 2009
Equipe de atenção básica
Média mensal de demanda prevista*
Consultas realizadas* Percentual de consultas realizadas em relação à
demanda prevista Equipe de Saúde da
Família (ESF) 7170,5 2616 36,48%
Equipe de apoio 402,5 1528 379%Fonte: Sistema de Informação Fênix/GEREPI/SMSA‐BH, Nov. 2009 e dados da pesquisa, 2009.
*Previsão de demanda calculada para as áreas de saúde da criança, mulher (pré‐natal e preventivo de câncer) e adulto (hipertensão), a partir dos parâmetros do Prograb/Ministério da Saúde e cadastro das ESF. **Consultas médicas e de enfermagem realizadas dentro dos protocolos.
Gráfico 5 ‐ Comparação entre a média da demanda prevista e das consultas
realizadas nos programas de atenção à saúde pelo médico e enfermeiro das Equipes de Saúde da Família e nas Unidades Básicas de Saúde selecionadas, no período de setembro de 2008 a março de 2009, Belo Horizonte
Fonte: Sistema de Informação Fênix/GEREPI/SMSA‐BH, Nov. 2009 e dados da pesquisa, 2009.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
130
Quando se discrimina o desempenho de médicos e enfermeiros das ESFs, em relação à
demanda prevista para os programas de atenção à saúde da criança, pré‐natal, preventivo
do câncer ginecológico, bem como prevenção e controle da hipertensão arterial, observam‐
se diferenças importantes, demonstradas na Tabela 20. Quanto ao programa saúde da
criança, percebe‐se uma sobreoferta de consultas, em relação à demanda prevista, com
superioridade da produção do generalista (2665%) à do enfermeiro (366%). Porém, há de se
questionar esse dado da pesquisa, que com certeza incorre em falhas na qualidade da
informação obtida no sistema FÊNIX. Atente‐se que, para o cálculo da demanda, considerou‐
se o total de crianças cadastradas da UBS, e não uma estimativa segundo parâmetros
oficiais, como nos cálculos anteriores; as consultas realizadas foram, igualmente, retiradas
da produção das UBSs.
Alguns vieses podem explicar essa desproporção entre o número de consultas
realizadas e a demanda prevista para o acompanhamento às crianças menores de um ano,
que chega a 2665%, no caso dos médicos e a 366%, para os enfermeiros. Em primeiro lugar,
como se constatou nos grupos focais, as ESFs não têm por hábito trabalhar a informação do
cadastro da área de abrangência como instrumento de planejamento e gestão. Muitas falas
chagaram a denotar que o “planejamento é zero” nas ESFs. O número de crianças, menores
de um ano, bem como outros dados cadastrais, é renovado mensalmente pelo trabalho do
agente comunitário de saúde (ACS). Observou‐se nos grupos focais que a vigilância à saúde
da população é uma ação incipiente realizada pelo PSF. Diante disso, há pista suficiente para
inferir que as informações dos bancos de dados não conferem com a realidade das ESFs,
mesmo que informada e atualizada por elas. Quanto às consultas, é possível que muitas
crianças consultadas tenham entrado pelo fluxo da demanda espontânea e não dos
protocolos assistenciais, haja vista a forma de organização centrada na demanda
espontânea, identificada nos grupos focais. Outra possibilidade pode ser o registro
inadequado da idade efetuado no momento da consulta. De todos os modos, o resultado
explica, em muito, as dificuldades de planejamento das ações das ESFs, em especial as de
prevenção e promoção da saúde, que influenciam diretamente na acessibilidade dos
serviços.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
131
Tabela 20 ‐ Comparação entre o total da demanda prevista e as consultas realizadas nos programas de atenção à saúde, pelo médico e pelos enfermeiros das Equipes de Saúde da Família nas Unidades Básicas selecionadas, no período de setembro de 2008 e agosto de 2009, Belo Horizonte
Saúde da Criança – Acompanhamento ao Crescimento e Desenvolvimento (menores de 1 ano) Profissionais da ESF Média mensal de
consultas prevista* Consultas
realizadas** Percentual de consultas realizadas em
relação à demanda prevista Médico 76,5 2039 2665
Enfermeiro
153 560
366
Saúde da Mulher – Pré‐natal Profissionais da ESF Média mensal de
consultas prevista* Consultas
realizadas** Percentual de consultas realizadas em
relação à demanda prevista
Médico
912,5 233
25,5
Enfermeiro
912,5 560
16,9
Saúde da Mulher – Preventivo do Câncer Ginecológico Profissionais da ESF Média mensal de
consultas prevista* Consultas
realizadas** Percentual de consultas realizadas em
relação à demanda prevista
Médico
466 116
24,8
Enfermeiro
466 137
29,3
Saúde do Adulto – Prevenção e controle da hipertensão arterial Profissionais da ESF Média mensal de
consultas prevista* Consultas
realizadas** Percentual de consultas realizadas em
relação à demanda prevista
Médico
1395 1561
111,8
Enfermeiro
2787 94
3,37 Fonte: Sistema de Informação Fênix/GEREPI/SMSA‐BH, Nov. 2009 e dados da pesquisa, 2009. *Demanda prevista para a atenção à saúde da criança: crianças menores de 1 ano selecionadas do cadastro das ESFs, considerandose prevalência de 95%. Recomendam‐se 2 consultas com médico generalista, 2 com pediatra e 4 com enfermeiro. Pré‐natal: estima‐se que 3% da população feminina sejam gestantes. Identificou‐se esse percentual, a partir do cadastro das ESFs (BRASIL, 2006). Prevêm‐se 3 consultas médicas e 3 de enfermagem. Preventivo de CA: estima‐se que 40% da população entre 25 e 59 anos precisariam fazer o preventivo de CA, seja porque o fizeram há mais de 3 anos (32%) ou nunca o realizaram (8%), considerando‐se uma cobertura de 80%. Recomendam‐se 50% de consultas médicas e 50% de enfermagem. Estima‐se que 15% da população adulta são hipertensos, recomendando‐se uma cobertura de 80%. Prevêm‐se 2 consultas médicas anuais e 4 de enfermagem. (BRASIL, 2006; BELO HORIZONTE, 2006). **Consultas realizadas dentro dos protocolos.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
132
Com relação à atenção à saúde da mulher, as ESFs cumprem menos de 30% das
consultas previstas, assim distribuídas: a) Pré‐natal: médico, 25,54%; enfermeiro, 16,99%; b)
preventivo do câncer ginecológico: médico, 24,8%; enfermeiro, 29,3%. Por outro lado, o
programa de prevenção e controle da hipertensão e do diabetes assume números
interessantes. Os médicos cobrem 111,8% da demanda de consultas previstas, enquanto o
enfermeiro ficaria bem aquém na sua produção, realizando apenas 3,37% das consultas
previstas. Igualmente aqui pode acontecer de o usuário hipertenso acessar as consultas pela
demanda espontânea, uma vez que a forma de organização desse programa, identificada no
grupo focal, restringe‐se, em maioria, ao tipo 4, com realização de grupos e trocas de
receita, apenas. Outro fato relevante é que a produção de consultas do enfermeiro está
sempre aquém do esperado, mesmo que as diretrizes e protocolos oficiais dos respectivos
programas de saúde pública estabeleçam um número superior de consultas em relação ao
médico.
5.4 Triangulação dos resultados e discussão com os gerentes das UBSs
Confirmadas a duplicidade da utilização dos serviços de atenção básica e de urgência,
as dificuldades de acessibilidade das UBS, em especial no que se refere às ações
programáticas, de prevenção e promoção da saúde pelas ESFs, procedeu‐se à avaliação da
oferta de procedimentos nas UBSs, a partir desses pontos centrais. Esses três momentos
complementares nortearam a triangulação de informações e métodos necessários à
avaliação da utilização, oferta e acessibilidade dos serviços de atenção básica no SUS de Belo
Horizonte.
A partir dos achados da primeira etapa (quantitativa), levantaram‐se questões sobre a
organização dos serviços, ou acessibilidade, a serem investigadas nos grupos focais.
Aprofundaram‐se os aspectos referentes à organização do trabalho das equipes, que
explicariam o paralelismo dos atendimentos nas UBSs e nas UPAs, bem como a possível
debilidade na organização de ações programadas em relação à demanda espontânea nas
UBSs, a partir dos princípios do Saúde da Família e das diretrizes da SMSA/BH. Além de
ratificados os resultados parciais encontrados, delimitaram‐se as características principais
referentes ao processo de trabalho das equipes de atenção básica. As principais categorias
extraídas dessa fase foram: a) dificuldades no acesso dos usuários à UBS; b) o acolhimento
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
133
como triagem; c) predomínio do modelo tradicional de organização dos serviços centrado na
demanda espontânea; d) diferentes formas de organização das ações programáticas nas
UBSs, divergentes ao recomendado nos protocolos da SMSA/BH; e) grupos de educação em
saúde como atendimento massificado e como práticas de promoção da saúde; f) indícios de
mudanças na prática do PSF e g) incipiência dos princípios do PSF na prática profissional.
A dificuldade no acesso aos serviços de atenção básica verifica‐se na “listinha” de
usuários a serem consultados, preparada pelo acolhimento‐triagem, na demora em
conseguir exames e consultas especializadas e no agendamento de consultas desvinculadas
de ações de planejamento ou no estudo da demanda pelos profissionais. Ocorrem inversões
dos papéis entre os dois níveis, com escolha acentuada pelos pronto‐atendimentos,
predominando o modo centrado na doença, no médico e no medicamento como principal
opção da população. A diferença introduzida foi a substituição da “fila” para pegar a senha,
por uma escuta mais qualificada no acolhimento, em geral ainda caracterizado como
triagem, com certa ampliação nas possibilidades de acesso. A predominância do modelo
biomédico pode ser caracterizada da seguinte maneira:
a) o conceito de atenção básica, conjunto de ações integradas de promoção,
prevenção, tratamento e reabilitação da saúde, passa ao largo da prática de muitos
profissionais;
b) oferecem‐se poucas alternativas mais estruturadas de atendimento, além da
consulta médica, para os problemas de saúde, que “não seriam casos de urgências”, trazidos
pelos cidadãos, dificultando a reorganização do processo de trabalho preconizada pelo PSF;
c) observam‐se poucas atitudes ou práticas diferentes daquelas do modelo tradicional
de atenção, centrado no atendimento à doença, na fragmentação do processo de trabalho e
nas especialidades médicas;
d) fala‐se da realização da “prevenção” como diferença do trabalho do PSF, sem
maiores reflexões sobre a limitação conceitual do termo: reproduz‐se o modelo sanitarista,
restrito à ótica da doença, nos depoimentos e no processo de trabalho dos profissionais.
Classificaram‐se, pelo menos, cinco formas distintas de organização das ações
programáticas nas UBSs, e quatro delas fogem ao recomendado pela SMSA‐BH e protocolos.
São elas: 1) tipo azul: consultas médicas e de enfermagem realizadas pela ESF, conforme
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
134
protocolos; 2) tipo verde: consultas realizadas apenas pelo médico, com pouca participação
da enfermagem. Em geral, o médico generalista intercala‐se com o apoio. A enfermagem
realiza a primeira consulta ou consultas ocasionais; 3) modelo híbrido: o enfermeiro realiza
os preventivos de CA, encaminhando os casos para tratamento com médico da ESF ou de
apoio; ou ainda, intercala as ações programáticas com médico de apoio, sem participação do
médico da ESF; 4) tipo amarelo: consultas sem a participação das ESFs ou da enfermagem; 5)
tipo vermelho: realização de grupos operativos, com orientações e troca de receitas.
Consultas médicas e de enfermagem ocasionais ou inexistentes, por demanda espontânea
ou mediante casos identificados pelas ESFs. Observou‐se, ainda, que tanto as ESFs, quanto
as UBSs convivem com mais de uma forma de organizar as atenções programadas,
constituindo‐se numa miscelânea de cenários pouco padronizáveis.
Diante do expressivo e rico resultado da etapa qualitativa, direcionou‐se a análise da
oferta dos serviços para os gargalos presentes nos grupos focais.
Aprofundados os fatores explicativos da baixa utilização das ações programáticas, em
virtude da influência do modelo tradicional de organização dos serviços identificado,
examinou‐se a produção das UBSs selecionadas com o objetivo de comparar com os achados
relatados. Visou‐se ratificar, na análise da oferta, as deficiências das ações de planejamento,
de prevenção e de promoção da saúde das ESF e das UBS. Por meio dos indicadores clássicos
de cobertura, pelo exame comparativo da produção das ações programáticas em relação à
demanda espontânea e, pelo cruzamento das consultas realizadas com a demanda prevista
para os programas de saúde pública, investigou‐se o padrão de oferta das unidades, à luz
das evidencias encontradas. Os resultados da análise da oferta das UBS, além de
confirmarem o survey e o grupo focal, demonstram a extensão da discrepância verificada
entre o discurso e a prática da estratégia saúde da família no cotidiano dos serviços de
saúde.
Outra forma utilizada para ratificar a veracidade dos achados com a realidade dos
serviços foi discuti‐los com os gerentes das UBSs. Realizou‐se um grupo de discussão com 7,
dos 10 gerentes convidados para a atividade, de caráter consultivo, para divulgação prévia
dos resultados e como forma de “retorno”, do conhecimento produzido, ao cotidiano de
onde ele emergiu. Os gerentes, que participaram do grupo de discussão, concordaram com
os dados apresentados, acrescentando discussões relevantes sobre a condução da política
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
135
de atenção básica em Belo Horizonte. Citou‐se o movimento pela ampliação do acesso às
UBSs, com implantação do acolhimento, como um momento de muito investimento pela
gestão central da SMSA/BH, e certa resistência dos profissionais. Embora todos
concordassem que a porta das UBSs está mais aberta, uma vez que todo usuário tem sua
queixa avaliada, percebeu‐se a necessidade premente de organizar melhor os processos de
trabalhos dos profissionais, avançando‐se no planejamento da atenção e nas práticas de
promoção da saúde.
Por fim, os gerentes das UBS ratificaram a veracidade dos resultados, com acréscimo
de aspectos da gestão, que influenciariam os cenários delineados. Cabe referir que a síntese
sistematizada neste estudo não foge em nada ao diagnóstico realizado pela própria
SMSA/BH, no documento em que se discutem os avanços e desafios na organização da
atenção básica à saúde em Belo Horizonte (BELO HORIZONTE, 2006).
Na ocasião da elaboração das diretrizes para a organização da atenção básica, a
própria Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, numa demonstração de seriedade e auto‐
reflexão importante para a superação das dificuldades, identificou as situações a serem
enfrentadas, sintetizados em três pontos principais:
1) O movimento para a ampliação da oferta dos serviços de atenção básica para
atendimento universal de todo usuário que procure a UBS, em curso desde gestões
anteriores, teria dificultado a organização das ações programáticas e de vigilância à saúde;
2) Os principais desafios para a organização do processo de trabalho das UBSs,
identificados no citado documento, são: a) os dilemas da atenção programada; b) a gestão
da demanda espontânea e c) a ampliação da promoção da saúde e da intersetorialidade;
3) A relação entre a atenção básica e a urgência carece de “trabalho em rede” e de
“acompanhamento e avaliação do sistema” (Belo Horizonte, 2006: 253).
No Quadro 5, sintetizam‐se os resultados da pesquisa, sobre os quais se remeteu à
hipótese do estudo.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
136
Quadro 5 Triangulação da utilização, oferta e acessibilidade das Unidades Básicas de Saúde investigadas, Belo Horizonte, 2009
UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PELOS USUÁRIOS
ANÁLISE DA OFERTA DOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO BÁSICA
ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS: FORMA DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DAS ESF NAS UBS
Fonte: Elaboração própria, 2009.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
137
6 CONCLUSÃO
6.1 De usuários, usos, serviços e profissionais em saúde
A oferta de atenção básica do sistema de saúde de Belo Horizonte, apesar de extensa e
facilmente acessível, sob o ponto de vista geográfico, tem dificuldades para ampliar o acesso
efetivo do usuário aos serviços. O cidadão leva a maior parte dos problemas de saúde para
as urgências, mesmo aquelas tipicamente passíveis de serem resolvidas na atenção primária
à saúde. A não resolução da demanda do usuário, o atendimento lento e a não marcação de
consultas para o mesmo dia são citados como limitações das Unidades Básicas de Saúde.
A caracterização das pessoas que procuram as UBSs e as UPAs se assemelha na maioria
das variáveis investigadas. O perfil socioeconômico ratifica informações de outras pesquisas
sobre o usuário do SUS, predominando‐se a baixa escolaridade, com variadas formas de
inserção no mercado de trabalho, as mulheres com vínculo empregatício e os homens sem
renda. A faixa etária mais expressiva encontra‐se no grupo economicamente ativo, residente
na própria cidade de Belo Horizonte, embora menos 1/4 dos que utilizam as UPAs more na
região metropolitana da cidade. A grande maioria não tem plano de saúde e ganha até três
salários mínimos, dependendo quase que exclusivamente do SUS para ter acesso a serviços
de saúde.
Confirmou‐se a utilização preponderante da consulta médica básica e dos
procedimentos de enfermagem pelos usuários tanto nos centros de saúde, como nas
emergências, sem diferença estatisticamente significativa entre eles. O achado explicita a
duplicidade de ações entre os serviços de atenção básica e de urgência, o que dificulta a
organização do sistema de saúde, a partir da atenção básica. Identificou‐se a pouca
utilização das ações programáticas em relação à consulta médica obtida pela procura
espontânea do usuário às UBSs, o que indica centralidade no atendimento à demanda
espontânea e no profissional médico, características do modelo de atenção biomédico que
se pretende superar.
Ao que tudo indica, a implantação da Estratégia Saúde da Família fragilizou processos
estruturados nas UBSs, como os programas de atenção à saúde normatizados. Quando tais
serviços se encontravam mais bem consolidados, tenderam a permanecer com poucas
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
138
alterações com a implantação do PSF. Como os programas de atenção à saúde materno‐
infantil são clássicos no modo tradicional de organizar a atenção básica, explicado
historicamente pelo “sanitarismo‐campanhista” (MENDES, 1993), as consultas são
realizadas, como de costume, pelas especialidades básicas. No caso em questão, há um claro
exemplo de dependência da trajetória histórica ou Path dependence (HELLER, 2007). Os
hábitos de agendamentos do acompanhamento ao crescimento e desenvolvimento da
criança e do pré‐natal diretamente na recepção, por costumeiro, explicitam a influência do
passado de que se fala.
No caso do programa de prevenção e controle da hipertensão, a desestruturação é
premente. Em nome do anunciado “novo modelo do PSF” tende‐se a desconsiderar o que já
existia, como os programas de atenção à saúde por ciclo de vida, vulnerabilizando as ações
preventivas e de promoção à saúde. Em seu lugar, verifica‐se a realização de grupos
operativos diretivos e autoritários, centrados em palestras e troca de receitas, que em nada
auxiliam na reorganização preconizada.
O paradoxo da situação é que os indícios de mudanças verificados com o PSF ocorrem
pelas vias da promoção à saúde nos grupos de educação em saúde. As experiências de
unibióticas, de promoção da qualidade de vida de idosos ou de atividades físicas nas UBSs
exemplificam possibilidades de mudanças. Outro indício oportuno seria o envolvimento das
ESFs em atividades de planejamento, com a capacitação dos ACSs, que também envolve a
área da educação. Por tudo, há de se ter muita atenção com a realização das atividades de
educação em saúde nas UBSs. Elas constituem‐se em importante estratégia para
permanecer e, ou para desequilibrar práticas de saúde vigentes.
Há de se perguntar se o PSF seria estratégia adequada, apenas, para populações
pobres e menos esclarecidas. Como pode ser observado, nas UBSs localizadas em regiões
mais ricas da cidade, cujos usuários têm nível socioeconômico elevado, tende‐se a rejeitar o
modelo. Sob o véu da universalidade do SUS, cabem algumas reflexões. Como seria um PSF
para a classe média, na qual está incluída quase metade (47,1%) da população brasileira?
Quem de nós aceitaria orientações do ACS, com menor nível de informação e formação que
o nosso? Deixaríamos sequer ele entrar na nossa residência? Outro ponto crítico seria o
“vínculo” obrigatório com determinada equipe de saúde e profissionais. E se não tivermos
“empatia” com aquele profissional? E se a relação simplesmente não acontecer? Onde fica a
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
139
liberdade de o cidadão procurar um atendimento que satisfaça melhor suas necessidades?
Só seria permitida aos que tiveram melhor oportunidade de renda, escolaridade, trabalho,
vida e cidadania, como nós? Seriam possíveis outras possibilidades de organização para a
atenção básica, menos diretiva na relação com a população e mais assente em relações
partilhadas de cuidado? Embora fuja aos objetivos deste estudo responder aos
questionamentos, os resultados obtidos são importantes para futuras agendas de pesquisa.
Para além da simples quantificação e do desvelamento, nesta investigação procurou‐
se dimensionar, aprofundar e sistematizar, cientificamente, os problemas identificados pela
própria SMSA/BH, de modo a sinalizar crises e possibilidades inerentes aos processos sociais.
Nesse sentido, cabe aqui, apropriar‐se da expressão utilizada por um dos profissionais em
saúde, sobre a necessidade de “retomar certas coisinhas perdidas”, sem tanta necessidade
de inventar a roda. O mais expressivo dos trabalhos, inclusive aqueles que indicaram os
caminhos da diferença no trabalho do PSF, na maioria das vezes, pauta‐se pela simplicidade.
Há de se atentar que utilizar‐se do novo não significa destruir tudo o que existe e construir
algo inédito no lugar. Com esse impulso, pode‐se correr o risco de jogar “A água da banheira
com a criança ainda dentro”, sinal que estaria acontecendo uma desestruturação dos
programas de saúde pública.
Mudar a abordagem não significa desconsiderar todas as ações existentes, mas
readequá‐las e reinventá‐las cotidianamente. Nesse sentido, espera‐se que o PSF realize de
forma diferente, democrática, partilhada, centrada na autonomia dos sujeitos e
contextualizada na família, as ações previstas nos respectivos programas e, não, deixar de
realizá‐las. Da mesma forma, não se pode abrir mão dos fluxos de previsão, de organização e
de avaliação da demanda de cada um dos programas. Tais normas subsidiam as ações de
vigilância à saúde, inerentes ao PSF. O risco restritivo da permanência na clausura do
método programático, que desconsidera a complexidade e a diversidade de contextos
específicos, ocorre, também, nas tarefas realizadas sem a mínima consistência,
planejamento ou especificidade, como se observou nos grupos de educação com troca de
receitas.
É preciso que, principalmente, as equipes saúde da família, retomem as atividades de
planejamento e de programação da assistência e utilizem, efetivamente, o vasto material
hoje disponível. É hora de recuperar as ações de cada programa de atenção à saúde,
utilizando‐se da força de trabalho e de informação que as ESFs detêm sobre o diagnóstico de
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
140
saúde da população. A equipe da atenção básica tem condições de delimitar efetivamente a
demanda de usuários para cada uma das ações programáticas, seja pelo cadastro da área,
seja pelo trabalho dos ACSs, com supervisão atenta do enfermeiro; por isso, é urgente que a
equipe da atenção básica trabalhe a informação como instrumento de gestão e de
planejamento; incorpore a avaliação à prática diária do processo de trabalho, seja
verificando o perfil nosológico e quantitativo das pessoas que procuram a unidade
rotineiramente, seja examinando os indicadores de processo e de resultado do trabalho que
a própria equipe tem em mãos. É necessário, pois, inserir metas e projetos de realização no
trabalho das ESFs, em todos os âmbitos, seja da assistência e da prevenção, seja da
promoção da saúde.
A gestão da demanda espontânea, sintetizada pelo grupo focal como “o agudo
engole o PSF”, pode ser encarada como consequência das debilidades na organização do
trabalho da equipe de atenção básica, que a origina. Em relação à cobertura populacional,
nenhuma das ESFs apresentou maior discrepância ao recomendado.
O que parece caótico no sistema é a permanência de um modelo de atenção
“agonizante” e pouco resolutivo, que apenas desgasta a saúde dos trabalhadores e onera os
cofres públicos. Não há como diminuir a procura por tratamentos e remédios, se não se
estudar e organizar melhor a demanda. Qualquer planejamento, que se pretenda atingir,
passa pelo diagnóstico situacional, pelo estudo aprofundado das causas do problema. Para
tanto, são necessários classificação, priorização, proposição de ações preventivas, avaliação,
revisão de estratégias, melhor organização dos fluxos, agendamento prévio, garantia de
atenção programada, que sejam consistentes e qualificados para os públicos‐alvos dos
programas de atenção à saúde. Algumas estratégias, cujo desgaste reflete‐se no
acolhimento, que atende de 30 a 50 pessoas por turno, adoece e irrita usuários e
enfermeiros (esses, na linha de frente), e estão longe de propiciar um momento de vínculo.
Tal problema precisa ser considerado com seriedade por todos – médicos, enfermeiros,
ACSs, gestores, etc. –, na busca de soluções.
A relação com os outros níveis, não apenas com as urgências, também com as
especialidades, depende de uma reestruturação produtiva do trabalho da atenção básica,
inclusive com a incorporação de tecnologias para a diagnose e a terapia. Para a maioria das
ações de média complexidade, consumidas pelo usuário nas UPAs, corresponde a exames
laboratoriais simples, como o EAS e o hemograma, possíveis de serem realizados na atenção
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
141
básica. Nas UBS, há demora na entrega dos resultados de exames simples, apesar de serem
marcados e terem o material colhido na própria unidade. É preciso rever os fluxos e os
tempos em que as ações ocorrem, na tentativa de agilizar as respostas que o cidadão busca,
ainda que, erroneamente nas urgências. É necessário estabelecer um tempo para uma real
escuta das objeções dos usuários do SUS que, afinal, não divergem muito das da maioria dos
cidadãos brasileiros. A guerra de barreiras e de normas que se impõe à população volta‐se
para os serviços e para a gestão do sistema de saúde, expressas na duplicidade de ações, nos
procedimentos desnecessários e nas dificuldades de acesso, principalmente para os
procedimentos mais caros.
Por fim, há de se assumir os limites da atenção básica em reverter modelos de
atenção, que para tanto precisaria interferir na articulação entre o político e o econômico
para a conformação das políticas sociais. Tal tarefa – paradigmática – é complexa demais
para os estetoscópios e as palestras da equipe saúde da família (GÖTTEMS e PIRES, 2009).
Há limites estruturais, que fogem ao escopo da atenção básica e da própria política de
saúde, para a inversão das práticas preconizadas, que esbarram na tensão entre o mercado
e a cidadania presentes na arena político‐econômica do Estado, mediador e palco das
políticas públicas. Talvez se as missões para a atenção básica fossem mais factíveis e
operáveis, sem a pretensão de revolucionar a saúde e a sociedade pelo PSF, as angústias,
crises e desestímulos identificados nos depoimentos dos profissionais em saúde seriam
menores, melhor gerenciadas.
6.2 Estranho e esperançoso PSF
A esperança, corporificada nos gestos e nas falas de alguns participantes, manteve‐se
calada e distante durante as discussões, quase como se aquela tentasse encontrar um
espaço para manifestação desses. Talvez pela dinâmica dos processos grupais identificados,
carreados de influências sociais e normativas, não houvesse espaço suficiente para que ela
se expressasse. Percebeu‐se, nessas falas, certa tensão entre a crise vivenciada no cotidiano
de trabalho e a espera por um recomeço que demora a chegar. Enquanto persistiu o
compasso, a melhor estratégia usada pelo grupo foi mantê‐la quieta, mas acolhedora de um
sentimento que, às vezes, singularizava o encontro com o outro, noutras vezes parecia
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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solitária frente a um modelo de atenção padronizado e com pouco espaço para os reclames
da alma.
Numa aproximação com o espírito calado dos poucos representantes dessa metáfora,
pode‐se dizer que os princípios da estratégia saúde da família, ou a perspectiva de mudança
que ela enseja, exibam sinais de cansaço, esgotamento, desestímulo e crise psíquica. Há
indícios de esperança nos encontros intersubjetivos que ela pode propiciar entre as almas
aflitas, que aparentemente estariam em lados opostos de um campo minado, em que todos
perdem. Fala‐se da casual, singular e residual possibilidade da diferença que pode existir
quando a aposta num sentido diferente para o trabalho, para a vida e para a saúde humana
ilumina os corações e as mentes das pessoas.
Seja nas relações entre usuários e os profissionais em saúde, entre as ESFs e a
comunidade, ou entre profissionais, há sempre algo de inusitado que pode surgir quando se
abre espaço para uma atitude dialógica, sublimada e partilhada de poderes. Porém, trata‐se
de algo “espasmódico”, arrítmico, sem regularidade programada, a exemplo do tique
nervoso encravado inoportunamente no corpo de uma profissional de saúde estranhada
pelo grupo. Como outros transtornos do espírito, o tique‐PSF também é tratável, mas exige
muita dedicação, paciência e disposição para ir fundo nos desígnios do inconsciente. Não é
tarefa fácil, há de se desvelar a soberba do ego, eivado de vaidades de homens e de
mulheres que se debatem cotidianamente nas práticas e nos serviços de saúde.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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TRAVASSOS, C.; MARTINS, M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, supl. 2, 2004. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. UGÁ, M. A. et al. Descentralização e alocação de recursos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Rev. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, 2003. VICECONTI, P. E. V.; NEVES, S. Introdução à economia. 5. ed. São Paulo: Frase Editora, 2002. VELOSO, I. S. C. A interferência da violência social no trabalho em uma Unidade Básica de Saúde. 2005. 93 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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ANEXOS
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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ANEXO A – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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ANEXO B – Parecer do comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde
de Belo Horizonte
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APÊNDICES
AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM BELO HORIZONTE: UTILIZAÇÃO, OFERTA E ACESSIBILIDADE DOS SERVIÇOS
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APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO PARA USUÁRIOS DO SISTEMA DE SAÚDE DE BELO
HORIZONTE
Atenção entrevistador !Esclarecer os objetivos do estudo e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).FILTRO: 1‐ Entrevistar usuários que concordarem em participar da pesquisa e que tenham terminado o atendimento; 2‐ Perguntar se o usuário já respondeu a esse questionário antes. Em caso afirmativo, agradecer e escolher outra pessoa. OBJETIVOS:
A) Quantificar a procedência de pessoas que buscam atendimento nos Centros de Saúde e Unidades de Pronto‐Atendimento;
B) Verificar os motivos que levam as pessoas a procurarem os centros de saúde e as emergências/pronto‐atendimento;
C) Caracterizar os principais procedimentos de atenção básica e média complexidade demandados pelos usuários nos serviços de saúde investigados;
D) Avaliar a demanda que procura os Centros de Saúde e os serviços de pronto‐atendimento/emergências de Belo Horizonte;
Entrevistador:____________________________________________________________________________Local da entrevista: ( ) Unidade de Pronto‐Atendimento (UPA) ( ) Centro de Saúde Data ____/____/2008 Dia da Semana:2ª ( ) 3ª ( ) 4ª ( ) 5ª ( ) 6ª ( ) Turno: ( ) Manhã ( ) Tarde
1‐ Qual é seu problema de saúde no momento (ou da pessoa que você acompanha) : ( ) Afecções agudas leves (gripes, amigdalites, dermatite, bronquites leves, tosse, febre, conjuntivite, dor lombar, vômito, diarréia, dor de estômago, dor no corpo, dor de dente, distúrbio nutricional, DST); ( ) Afecções agudas de moderadas à graves (crise asmática, pico hipertensivo, cardiopatias, infecção urinária, cólica renal, sintomatologia do infarto, abcesso dentário, DPOC, tumor/câncer) ; ( ) Acidente (fraturas, ingestão de corpo estranho, etc.); ( ) Lesão (picada de inseto, cortes na pele, entorse, luxações, etc.); ( ) Gravidez de alto risco; ( ) Retorno (cirurgia, parto, consultas de rotina e controle); ( ) Controle de agravos (tuberculose, hanseníase, diabetes, hipertensão, doença de chagas, prevenção de câncer, hipertensão); ( ) Ações programáticas (vacinação, pré‐natal, puericultura, ação educativa, outras); ( ) Outro _______________________ 2 ‐ Que tipo de atendimento foi realizado ? ( marcar todos os procedimentos informados pelo usuário)ATENÇÃO BÁSICA ( ) Consultas médicas (generalista, PSF, clínico, pediatra, ginecologista) ( ) Consultas odontológicas ( ) Ações executadas por outros profissionais de nível superior ( ) Procedimentos médicos em pele e mucosas ( ) Consultas de enfermagem (nível superior) ( ) Procedimentos de enfermagem/ Atendimentos de nível médio (aux. enfermagem) ( ) Procedimentos Odontológicos/ nível médio ( ) Grupos/Atividades Educativas ( ) Acolhimento ( ) Classificação de risco (UPA) ( ) Práticas Complementares (homeopatia, acupuntura, fitoterapia, etc.) ( ) Outro: ______________________________ MÉDIA COMPLEXIDADE ( ) Consultas médicas com especialistas (gastroenterologista, ortopedista, cirurgião, cardiologista, etc.) ( )Procedimentos ambulatoriais especializados (Procedimentos ginecológicos, cirurgias gerais, de mama, procedimentos/cirurgias do aparelho visual, digestivo, auditivo, de pele, tecidos subcutâneos e mucosa, sistema ortoarticular, ap digestivo e anexos/parede abdominal, circulatório, nervoso, atendimento a queimados ( ) Procedimentos traumato‐ortopédicos ( ) Ações especializadas em Odontologia (Ações em odontologia, especializadas, próteses odontológicas, próteses de face e cabeça, odontorradiologia)
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( ) Exames de patologia clínica (Bioquímica, coprologia, hematologia, imunologia, microbiologia, urina, micologia, LCR (Liquor), esperma, líquido amniótico, Líquido sinovial e derrames, suco gástrico, exames diagnóstico em geriatria, patologia clínica ocupacional, medicina nuclear in vitro) ( ) Exames de Anatomopatologia e Citopatologia ( ) Diagnóstico por imagem (Ultra‐sonografias, ecocardiografia, endoscopia, RX) ( ) Outro ?_____________________________________________________________
3‐ POR QUE VOCÊ VEM A ESSE SERVIÇO DE SAÚDE ?( ) Por que foi indicação/solicitação de outros serviços de saúde( ) Por que foi encaminhado formalmente do Centro de saúde/unidade de pronto atendimento ( ) Por decisão própria, da família ou de terceiros( ) Porque conhece pessoas nesse serviço que facilitam o acesso( ) Porque esse é o serviço de saúde mais próximo da minha residência( ) Porque esse serviço é melhor que o existente próximo a minha residência( ) Atendimento mais rápido ( ) Por que o Centro de Saúde não resolve o meu problema de saúde
( ) Por que é o único existente
( ) Por que é o mais próximo do local de trabalho e/ou estudo
( ) Por que o CS está fechado
( ) Por que é cadastrado nesse serviço
( ) Outro ? _________________________________________________
4 – SOBRE OS PROFISSIONAIS QUE O ATENDENDERAM, RESPONDA: SIM NÃOEles lhe ouviram e compreenderam bem o seu problema de saúde Sim ( ) Não ( )
Algum deles Perguntou sobre as condições de vida e saúde da sua família Sim ( ) Não ( )Eles lhe orientaram sobre o tratamento e cuidados com a saúde de forma compreensível
Sim ( ) Não ( )
Algum deles pediu sua opinião sobre os tratamentos e os cuidados prescritos Sim ( ) Não ( )Eles resolveram seu problema de saúde Sim ( ) Não ( )Eles lhe orientaram a procurar outro serviço de saúde Sim ( ) Não ( )* Se Sim, Qual ? ( ) PSF/Centro de Sáude ( ) UPA ( ) Hospital ( ) Outro 5‐ VOCE ACHA QUE OS PROFISSIONAIS DESSE SERVIÇO CONSEGUEM RESOLVER A MAIOR PARTE DOS SEUS PROBLEMAS DE SAUDE ? ( ) Sim ( ) Não 6‐ VOCÊ COSTUMA PROCURAR A UPA, EMERGÊNCIAS OU O HOSPITAL QUANDO PRECISA DE ATENDIMENTO ? ( ) SIM ( ) NÃO SE A RESPOSTA FOR “SIM” NO ITEM 6, RESPONDER A QUESTÃO 7. EM CASO NEGATIVO, PULAR PARA A 8. 7‐ PARA QUAIS SITUAÇÕES VOCÊ PROCURA A UNIDADE DE PRONTO ATENDIMENTO OU HOSPITAL ?(Marcar mais de uma opção)
( ) Quando o problema de saúde é grave
( ) Fica doente e o CS não está aberto ( ) Avalia que o CS não vai resolver o problema( ) Para qualquer problema de saúde ( ) Para qualquer situação de doença, porque tem mais equipamentos e já faz os exames ( ) Considera que vai precisar de internação( ) Confia no desempenho técnico dos profissionais (melhores médicos, profissionais mais capacitados)( ) Por que é o serviço mais próximo da minha residência( ) Outro: ________________________________________8 – VOCÊ VAI AO CENTRO DE SAÚDE ANTES DE IR/VIR À UPA ?( ) SIM ( ) NÃO
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SE A RESPOSTA FOR “SIM” NO ITEM 8, RESPONDER A QUESTÃO 9. EM CASO NEGATIVO, PULAR PARA A 10. 9‐ PARA QUAIS SITUAÇÕES OU ATENDIMENTOS VOCÊ PROCURA O CENTRO DE SAÚDE (Marcar mais de uma opção)? ( ) Solicitar encaminhamento para outro serviço e/ou especialidade( ) Vacinação ( ) Realizar acompanhamento de hipertensão e diabetes
( ) Realizar o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança
( ) Realizar acompanhamento pré‐natal
( ) Realizar o exame preventivo de Câncer ginecológico
( ) Pegar medicação prescrita
( ) Tratamento odontológico
( ) Para fazer consultas médica e exames
( ) Para participar de atividades educativas ou reuniões (grupos, palestras, etc.)
( ) Para participar de reuniões do conselho de saúde local
( ) Outro: ____________________________________________________________________
10‐ POR QUE VOCÊ NÃO PROCURA O CENTRO DE SAÚDE (pode‐se assinalar mais de uma opção) ?
( ) Não consegue atendimento no mesmo dia
( ) O atendimento é muito lento
( ) Não resolve o meu problema de saúde
( ) Não há médicos para atender
( ) Não existem os atendimentos que procuro
( ) Os profissionais do centro de saúde são pouco capacitados
( ) O Centro de Saúde nunca está aberto no horário que preciso
( ) No Centro de Saúde corro o risco de ir e voltar sem ser atendido
( ) O Centro de Saúde é mais distante de onde moro do que a UPA
( ) O Centro de Saúde é mais distante do meu trabalho do que a UPA
( ) Outros:_____________________________________________________
11‐ VOCÊ CONHECE O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF) ?( ) SIM ( ) NÃO 12‐ ALGUM PROFISSIONAL DESSE SERVIÇO CONHECE A SUA FAMILIA?( ) SIM ( ) NÃO SE SIM, QUAL PROFISSIONAL? ( ) ACS ( ) TEC.ENF. ( ) ENFERMEIRA ( ) ACD/THD ( ) MÉDICO ( ) ODONTOLOGO ( ) OUTRO:__________ 13‐ VOCÊ JÁ PRECISOU MENTIR SOBRE O LOCAL DE RESIDÊNCIA PARA SER ATENDIDO NESSE SERVIÇO ?
( ) SIM ( ) NÃO
14‐ QUANTO TEMPO VOCE LEVA PARA CONSEGUIR A CONSULTA MÉDICA QUE VOCE PRECISA NESSE SERVIÇO? ( ) Menos de 4h ( ) De 4h a 12h ( ) De 12 a 24h ( ) De 1 a 3 dias ( ) De 3 a 5 dias
( ) Uma semana( ) 15 dias ( ) 1 mês ( ) Mais de 1 mês
15‐ QUANTO TEMPO LEVOU PARA SER COMPLETAMENTE ATENDIDO DO MOMENTO QUE CHEGOU ATÉ O TÉRMINO DO ÚLTIMO PROCEDIMENTO ? ( ) Menos de 30 min. ( ) Mais de 4h a 6h
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( ) De 31 min a 1h ( ) Mais de 1h a 2h ( ) Mais de 2h a 4h
( ) Mais de 6h a 8h ( ) Mais de 8h
INFORMAÇÕES SOBRE O PERFIL DO USUÁRIO
16‐ INFORMAÇÕES SOBRE O RESPONDENTE AO QUESTIONÁRIO:( ) É o próprio usuário ( ) É o acompanhante *QUANDO O USUÁRIO FOR CRIANÇA, RESPONDER AS QUESTÕES QUE SEGUEM COM DADOS DO ACOMPANHANTE. 17‐Escolaridade: ( ) Sem Escolaridade ( ) Ensino Fundamental Incompleto ( ) Ensino Fundamental Completo
( ) Ensino Médio Incompleto ( ) Ensino Médio Completo ( ) Ensino Superior Incompleto ( ) Ensino Superior Completo
18‐Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino 19‐Idade: ___________________
20 ‐ Atualmente você está:( ) Empregado ( ) Desempregado ( ) Subempregado (serviços temporários, sem renda regular) ( ) Inativo (aposentado, pensionista, afastado) ( ) Estudante ( ) Dona de casa ( ) Outros:__________________
21‐ A renda familiar bruta atualmente é :( ) Até ½ SM (R$ 207,50) ( ) De ½ a 1 SM (R$ 207,50 a 415,00) ( ) De 1 a 2 SM (R$ 415,01 a 830,00) ( ) De 2 a 3 SM (R$ 830,01 a 1245,00) ( ) De 3 a 5 SM (R$ 1245,01 a 2075,00) ( ) De 5 a 10 SM (R$ 2075,01 a 4500,00) ( ) Acima de 10 SM (Acima de R$ 9.000,01) ( ) Sem rendimentos ( ) Não declarada
22‐ Local onde Trabalha (se empregado ou sub‐empregado)( ) Belo Horizonte ( ) Fora de Belo Horizonte. De onde ? ________________ ( ) Não se aplica 23‐ Local onde reside ( ) Belo Horizonte. ( ) Outro Município. Qual ? __________________
24‐ Você ou alguém da família possui plano de saúde?( ) Sim, todos os membros ( ) Sim, alguns membros ( ) Não
25‐ Quanto tempo você demorou a chegar a esse serviço de saúde:( ) Menos de 30 min. ( ) De 31 min a 1h ( ) Mais de 1h a 2h ( ) Mais de 2h a 4h ( ) Mais de 4hs
26‐ Qual a forma de transporte utilizada para se deslocar a esse serviço:( ) Ônibus/van/lotação/táxi ( ) Metrô ( ) Veiculo particular ( ) Carona ( ) A pé ( ) Ambulância ou SAMU
Muito obrigada (o) ! Tenha um bom dia ou boa tarde !
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APÊNDICE B ‐ ROTEIRO SEMIESTRUTURADO PARA OS GRUPOS FOCAIS COM
PROFISSIONAIS DE SÁUDE
Objetivo: Analisar em que medida a implantação das Equipes Saúde da Família em Belo Horizonte contribuem para a reorganização da atenção básica no que se refere à oferta, utilização e acessibilidade dos serviços de saúde. Dimensão – b‐Organização da atenção básica/SUS Categorias de Análise
Indicadores Avaliativos Questões Norteadoras – GRUPO FOCAL
Acessibilidade
14‐Coordenação do trabalho dos profissionais realizado a partir dos princípios da atenção básica/saúde da família, com pactuações e reprogramações 15‐Realização do trabalho em rede entre os profissionais na UBS, entre os serviços e com a comunidade 16‐Inter‐relação com os demais serviços de saúde (UBS, UPAS, Hospital, etc.);
1‐Por que usuários acometidos com
afecções leves utilizariam mais as UPA
(57,4%) que as UBS (30,9%) para serem
atendidos ? Existiriam ‘barreiras de acesso’
desses usuários aos serviços de atenção
básica ?
2‐Se o PSF é considerado estratégia
prioritária na reorganização dos serviços,
como explicar a pouca utilização das ações
programáticas nas UBS onde ele foi
implantado completamente ?
3‐ O que vocês, profissionais das ESF, têm
feito de diferente para modificar o modelo
tradicional de atenção na UBS, calcada no
atendimento à demanda espontânea e em
especialidades médicas ?
4‐ Quais os princípios do Saúde da Família
seriam mais fortes na organização do
trabalho na UBS ?
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APÊNDICE C ‐ FORMULÁRIO 1: ANÁLISE DOS GRUPOS FOCAIS; IDENTIFICAÇÃO DE INTERDISCURSOS
CRITÉRIOS DE ANÁLISE 1‐Identificação dos Processos Grupais (Fern, 2001): ( ) Bloqueio de produção (a ativação simultânea de dois processos distintos, pensar o que vai dizer e ouvir o que os outros estão dizendo, pode comprometer a fala do participante ou o momento oportuno para a mesma); ( ) Influencia Social (a apreensão da avaliação, a autoconsciência e a influencia normativa como fatores inibidores das falas) ( ) Influencia normativa (comparação que se faz com as normas e padrões vigentes num grupo como inibidores. Pode ocasionar receio em discordar, etc.) ( ) Pegadores de carona (pessoas que se beneficiam do discurso do grupo, sem dar nada em troca. Pouco esforço em acrescentar argumentos às falas grupais) 1.2‐ Verificar elementos da análise estrutural do grupo ‐ Posicionamentos e argumentação (interditos, silêncios, omissões, contradições, etc.) 2‐ Análise estrutural – argumentações do grupo nas respostas às questões do GF: 1‐QUESTÃO: Como vocês, gerentes de UBS, avaliam e que estratégias têm utilizado quando se vêm diante das seguintes situações extraídas dos GF com os profissionais:
a‐Mesmo com a existência dos protocolos e do documento de organização da atenção básica da SMSA‐BH, discutida amplamente na rede de serviços, verificaram‐se distintas formas de organização das ações programáticas nas UBS (pelo menos quatro), que fogem ao recomendado. Em alguns casos, como no programa de hipertensão e diabetes, há total substituição das ações individuais pelo grupo operativo com troca de receita. b‐Verificou‐se uma ‘exaustão’ generalizada dos profissionais de saúde, presente em todos os grupos focais, que em muitos momentos o fizeram reagir defensivamente aos dados da pesquisa. Viu‐se similitude com o sentimento que eles referiram no atendimento à demanda espontânea, como se estivessem ‘entrincheirados’ nas UBS. As expressões ‘front’, ‘eles’, ‘guerra’, ‘conter o povo’ ou ‘manada’, para se referir ao usuário, apareceram com freqüência. c‐Na voz dos profissionais, a implantação do PSF teria trazido alguns ‘efeitos colaterais’, tais como: 1‐a fragmentação dos processos de trabalho entre os profissionais na UBS e a competição entre as ESF por resultados teria aumentado; 2‐haveria uma cobrança excessiva dos gestores e gerentes s acerca das ‘4000 pessoas que eles teriam que dar conta’, que incluem os atendimentos à demanda que lhe chega diariamente, dificultando a realização das outras atividades previstas para o PSF.
2‐QUESTÃO: Que tipo de suporte os gerentes das Unidades Básicas de Saúde dispõem e necessitariam para ampliar capacidade de mediar a reorganização dos processos de trabalho dos profissionais de saúde, a partir dos princípios e diretrizes da Atenção Básica/SUS ? 3‐ QUESTÃO: Tendo em vista que a UBS e a UPA atendem usuários com problemas de saúde leves, passíveis de serem resolvidos na atenção básica, seria possível dizer que a existência de UPA geograficamente acessível, com agilidade no pronto‐atendimento e com maior oferta de tecnologias para diagnose‐terapia, contradiz com a atual forma de organização das UBS, em que o acolhimento funciona muitas vezes como dificultador do acesso? Ou seja, a concepção da UPA, calcada no modelo biomédico, comprometeria a reorganização da atenção básica a partir da Estratégia Saúde da Família ? 3‐ Impressões finais e comentários sobre a condução do moderador: registrar aspectos gerais identificadas na dinâmica do grupo e nas respostas às questões formuladas.
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APÊNDICE D ‐ FORMULÁRIO 2: PARA ANÁLISE DOS GRUPOS FOCAIS; FALAS INDIVIDUAIS
1‐ IDENTIFICAÇÃO: DATA: 17
NOME PROFISSÃO UBS COGNOME
2‐ ANÁLISE
A‐ Contextualização sociohistórica Resumo da trajetória profissional e cidadã dos entrevistados, objetivando demarcar o cenário em que eles se inserem. Citar aspectos valorativos, culturais, subjetivos e sociais que possa ter relevância para análise do depoimento
B‐ Análise Estrutural: (utilizar transcrição, vídeo e anotações dos observadores) b.1‐Códigos e termos freqüentes b.2‐Posicionamentos e argumentação (interditos, silêncios, omissões, contradições, identificação dos processos grupais no depoimento: bloqueio de produção, pegar carona, influencia social e normativa.) * Questões do GF: 1‐ Como explicar que usuários acometidos com afecções leves utilizem mais as UPA (57,4%) que as UBS (30,9%) para serem atendidos ? Existiriam ‘barreiras de acesso’ desses usuários aos serviços de atenção básica ? 2‐ Se o PSF é considerado estratégia prioritária na reorganização dos serviços, como explicar a pouca utilização das ações programáticas nas UBS onde ele foi implantado completamente ? 3‐ O que vocês, profissionais das ESF, têm feito de diferente para modificar o modelo tradicional de atenção na UBS, calcada no atendimento à demanda espontânea e em especialidades médicas ? 4‐ Diante dos resultados apresentados sobre a utilização dos serviços de saúde pelos usuários e experiência de vocês, quais os princípios do Saúde da Família seriam mais fortes na organização do trabalho na UBS ? Em que medida a integralidade, o trabalho em equipe, o vínculo de co‐responsabilidade com as famílias, o estímulo à participação social, a resolubilidade e a intersetorialidade estão presentes nas ações desenvolvidas ?
C‐ Dinâmica Interpretativa a‐ Do ponto de vista dos entrevistado(standpoint epistemology) b‐Crítica c‐Reinterpretação * Indicadores de Avaliação:Atentar para identificação dos critérios abaixo
14‐Coordenação do trabalho dos profissionais realizado a partir dos princípios da atenção básica/saúde da família, com pactuações e reprogramações
15‐Realização do trabalho em rede entre os profissionais na UBS, entre os serviços e com a comunidade
16‐Inter‐relação com os demais serviços de saúde (UBS, UPAS, Hospital, etc.);
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APÊNDICE E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
O Sr.(a). é convidado para participar da pesquisa intitulada “Avaliação da atenção básica em Belo Horizonte: organização, oferta e acesso aos serviços de saúde” que tem como objetivo 1‐Avaliar os Centros de Saúde de Belo Horizonte quanto à articulação com as UPAs, oferta e acesso dos usuários aos serviços; ‐Analisar em que medida a implantação das equipes saúde da família (ESF) em Belo Horizonte tem contribuído para a (re)organização da atenção básica no que se refere à oferta e acesso aos serviços;‐ Indicar prioridades para mudanças nos Centros de Saúde de Belo Horizonte. Sua participação será por meio da concessão de entrevista, com a duração máxima de 10 minutos, respondendo questões sobre escolaridade, ocupação e local de residência, problema de saúde que está passando e demais motivos que o fizeram a procurar os serviços de saúde de BH. Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e lhe garantimos os direitos abaixo relacionados:
• solicitar, a qualquer momento, maiores esclarecimentos sobre essa pesquisa pelos telefones: 3248‐9849 ou 9298‐0903;
• segredo absoluto sobre nomes, local de trabalho, residência e quaisquer outras informações que possam levar à identificação pessoal e da instituição a qual pertence;
• ampla possibilidade de negar‐se a responder a quaisquer questões ou a fornecer informações que julgar prejudicial à sua integridade física, moral e social;
• solicitar que parte das falas e/ou declarações sejam excluídas de documento oficial, o que será prontamente atendido;
• desistir, a qualquer tempo, de participar da pesquisa. Os resultados da pesquisa serão publicados em jornais, revistas e eventos científicos, apresentados para equipes técnicas e de gestores da SMSA‐BH para que possa subsidiar a organização dos serviços de saúde. Uma cópia deste termo permanecerá com o Sr.(a) e a outra ficará arquivada, juntamente com os demais documentos da pesquisa, com o pesquisador responsável, na Escola de Enfermagem da UFMG, sala 514, Av. Alfredo Balena, 190. Telefones: (61) 3409‐9849.
Belo Horizonte, ________ de _______________________ 2008.
Participante: __________________________________________ .
Assinatura do pesquisador responsável: __________________________________ Profa. Dra. Ma Raquel Gomes Maia Pires Professora Adjunta da Escola de Enfermagem/UFMG Coordenadora da Pesquisa