UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
VICTOR BRUCE FIGUEIRÊDO FAJARDO
A CONFIGURAÇÃO DO CRIME CONTINUADO E SUA LIMITAÇÃO TEMPORAL
Recife
2017
VICTOR BRUCE FIGUEIRÊDO FAJARDO
A CONFIGURAÇÃO DO CRIME CONTINUADO E SUA LIMITAÇÃO TEMPORAL
Monografia Final de Curso apresentada como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharelado em Direito pelo CCJ/UFPE.
Direito Penal e Direito Processual Penal.
Orientador: Prof. Dr Ricardo de Brito
Albuquerque Pontes Freitas.
Recife
2017
Victor Bruce Figueirêdo Fajardo
A CONFIGURAÇÃO DO CRIME CONTINUADO E SUA LIMITAÇÃO TEMPORAL
Data de Apresentação: ___/___/____
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Orientador
Profº. Dr Ricardo de Brito Albuquerque Pontes Freitas.
(UFPE)
_________________________________________________________
Prof.º (UFPE)
_________________________________________________________
Prof.º (UFPE)
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, irmãos e familiares pelo apoio incondicional do qual sempre pude contar.
Ao meu orientador, professor Ricardo de Brito, e a todos os professores da Casa de Tobias;
pessoas essenciais na minha formação.
A todos meus amigos e à turma Robeyonce Lima pelo companheirismo de que pude desfrutar
durante esta inesquecível jornada.
RESUMO
O crime continuado é um fenômeno jurídico criado por razões de política criminal
como forma de atingir uma individualização da pena mais justa e equânime, evitando a
aplicação do cúmulo material a hipóteses de concursos de crimes de menor gravidade. Apesar
de sua antiguidade, o desenvolvimento do instituto do crime continuado sempre ocorreu de
forma conturbada, coexistindo várias discrepâncias entre os juristas acerca de sua aplicação.
Esses dilemas não foram completamente esgotados, perdurando até os dias atuais.
Atualmente, a aplicação da continuidade delitiva é palco para diversos embates
doutrinários. Algumas destas controvérsias remontam à época de sua elaboração, a exemplo
de sua natureza jurídica. Contudo, o debate prevalecente nos tribunais é relativo à exigência
de um elemento subjetivo. Ainda, a caracterização desse instituto está intrinsicamente atrelada
a análise de determinadas condições não definidas em lei. A indeterminação desses conceitos
tem levado os tribunais a estabelecerem rígidos critérios à análise dessas condições,
principalmente, a limitação temporal de 30 dias entre as práticas dos delitos.
Desta forma, este trabalho visa analisar a configuração do crime continuado e elucidar
a sua estrutura com o propósito de estabelecer o melhor tratamento a ser conferido a esta
figura jurídica para atender os objetivos que motivaram sua criação e harmonizá-lo com os
valores prestigiados pelo ordenamento penal.
Palavras-Chave: Crime continuado. Continuidade delitiva. Elemento subjetivo. Limitação
temporal.
ABSTRACT
The continuing offense is a juridical phenomenon created for reasons of criminal
policy as a way to achieve an individualization of the most just and equitable punishment,
thus avoinding the application of the material accumulation to hypothesis of competitions of
crimes of minor gravity. Despite its antiquity, the development of the institute of continuing
offense always occurred in a troubled manner, coexisting various discrepancies between
jurists over its application. These dilemmas were not completely exhausted, lasting until this
day.
Currently, the application of the continuing offense is the stage for several doctrinal
clashes. Some of these controversies refer to the time of their elaboration, like their legal
nature. However, the prevailing debate in the courts concerns the requirement of a subjective
element. In addition, the characterization of this institute is intrinsically related to the analysis
of certain conditions not defined in law. The indeterminacy of the concepts has led the courts
to establish strict criterias for the analysis of conditions, especially a 30-day time limitation
between criminal practices.
In this way, this work intends to analyze the configuration of the continuous crime and
elucidate its structure with the purpose of establishing the best treatment to be conferred on
this legal figure according to the objectives that motivated its creation and with the values
prestige by the criminal legal system.
Key-Words: Continuing offense. Crime continued. Subjective element. Temporal limitation.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................................8
2. CONTINUIDADE DELITIVA: ORIGEM DO INSTITUTO E SUA INSERÇÃO NO ORDENAMENTO
PÁTRIO..............................................................................................................................10
2.1 Evolução histórica. .......................................................................................................................................... 10
2.2 Inserção no ordenamento pátrio................................................................................................................ 13
3. A CONCEITUAÇÃO DO CRIME CONTINUADO..................................................................17
3.1 Natureza jurídica............................................................................................................................................... 17
3.2 Localização do crime continuado no sistema penal............................................................................22
3.2.1 Teoria do concurso de crimes e fisionomia jurídica do delito....................................................22
3.2.2 Unidade de lesão a bem jurídico............................................................................................................. 26
3.2.3 Crime continuado como espécie do concurso material.................................................................29
4. ESTRUTURA DO CRIME CONTINUADO E LIMITAÇÃO TEMPORAL....................................32
4.1 Pluralidade de condutas................................................................................................................................. 32
4.2 Crimes da mesma espécie.............................................................................................................................. 32
4.3 Nexo de continuidade..................................................................................................................................... 33
4.4 Prevalência do elemento subjetivo............................................................................................................ 36
4.5 O fator temporal e sua limitação................................................................................................................. 42
4.5.1 Princípio da proporcionalidade e a promoção penal......................................................................44
4.5.2 Habitualidade delitiva e direito penal de autor................................................................................47
5. CONCLUSÃO..................................................................................................................50
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................53
8
1. INTRODUÇÃO
O direito penal é ramo do ordenamento jurídico que tem como função tutelar os bens
mais relevantes ao convívio social, sem os quais a vida em sociedade restaria completamente
impossibilitada. Devido à essencialidade dos bens jurídicos protegidos por este ramo, a norma
penal possui uma peculiaridade em relação às normas da demais áreas do direito: a sanção
cominada no tipo penal pode atingir bens de suma importância para o seu detentor, a exemplo
da privação da liberdade. É por este motivo que a sanção no direito penal tem a denominação
especial de pena.
A origem do direito penal está intrinsicamente relacionada ao próprio surgimento da
sociedade e do Estado. Com alicerce no contratualismo Hobbesiano, o direito penal surge
como forma de legitimação e limitação do poder punitivo estatal, a fim de possibilitar o
controle da liberdade individual para que esta não ofenda direitos individuais alheios. A pena,
nesse contexto, assume originariamente uma função retributiva. Serve como uma espécie de
retaliação àquele indivíduo que descumpre o contrato social. Posteriormente, a pena passa a
ser vista não meramente como uma punição, mas também como instrumento de política
criminal apto a prevenir a prática de crimes. Transforma-se em um modelo exemplificativo
com o propósito de desestimular a prática de novos delitos. Com o avanço do direito criminal,
a função preventiva deixa de abarcar exclusivamente o caráter pedagógico ou exemplificativo
da pena para ganhar contornos relacionados à ressocialização do apenado. A readaptação
social é almejada com o objetivo de inibir a reiteração criminosa.
O direito é um fenômeno dinâmico. À medida que ocorre a evolução social, o
ordenamento jurídico absorve os novos valores e princípios incorporados pela sociedade. Não
há distinção em relação ao direito penal. A Constituição Federal de 1988 inaugura um novo
paradigma social e jurídico, sobretudo ao instituir o princípio da dignidade humana. Esse
novo panorama, inevitavelmente, influenciou a área criminal. A dignidade da pessoa do
condenado foi resgatada. O apenado nesse cenário é visto sob a perspectiva de alguém que
precisa ser reintroduzido à sociedade, ao invés de uma pessoa que deva ser isolada
socialmente. A eficácia da pena de privação de liberdade para reprimir e inibir toda e qualquer
ação delituosa passa a ser questionada. A análise da punição devida ao autor de um delito é
feita com base na magnitude da lesão efetivamente causada. Princípios como o da
9
insignificância e o da subsidiariedade penal ganham realce. São instituídas penas alternativas
à prisão e institutos despenalizadores são introduzidos, a exemplo da composição civil de
danos, a transação penal e suspensão condicional do processo.
Contudo, convém destacar que, mesmo antes dessa nova conjuntura ser instalada, já
existiam no Código Penal (CP) diversos institutos cuja finalidade seria a de adequar a pena
imposta à conduta efetivamente praticada, considerando a gravidade da lesão e o bem jurídico
atingido. O crime continuado é um desses institutos. A continuidade delitiva remonta à época
dos glosadores e foi um fenômeno criado para beneficiar o réu. Sua finalidade era impedir que
a prática reiterada de crimes de menor relevância levasse a aplicação de uma pena
extremamente prejudicial, incompatível com a gravidade das condutas. Evidentemente, o
crime continuado sofreu várias alterações em sua conceituação e sua aplicação, decorrentes do
avanço da jurisprudência e da doutrina. Todavia, apesar de não ser um fenômeno recente, o
estudo da continuidade delitiva não foi esgotado. Diversos conflitos surgem de sua aplicação.
Paira sobre os seus requisitos configurados um clima de insegurança, responsável por
conduzir os juristas a toda sorte de interpretação, algumas das quais se observa uma completa
deturpação do instituto. Recentemente a limitação temporal na continuidade delitiva foi
enfrentada pelos Tribunais Superiores, sem que alguma tese definitiva fosse consolidada.
Destarte, a análise da configuração do crime continuado é de extrema relevância,
tendo em vista que se constitui em um instituto benéfico ao condenado e um direito subjetivo
seu. É preciso abordar e enfrentar as antinomias que surgiram de sua aplicação pelos juízes e
tribunais com o fim de amadurecer ainda mais esse instituto e compatibilizá-lo com o
paradigma atual da justiça criminal, na qual a pena assume também um caráter restaurativo.
10
2. CONTINUIDADE DELITIVA: ORIGEM DO INSTITUTO E SUA INSERÇÃO NO
ORDENAMENTO PÁTRIO.
Existe uma imprecisão histórica quanto à origem do instituto da continuidade delitiva.
Essa incerteza é um dos fatores que dificultam ainda mais o estudo sobre o crime continuado
e, por conseguinte, favorece o surgimento de divergências doutrinárias acerca de sua
configuração. Contudo, é de suma importância realizar uma abordagem para desvendar as
raízes históricas desse instituto, a fim de revelar e esclarecer a finalidade e objetivo que
estiveram por trás de sua construção e consolidação, apesar de inexistir um entendimento
pacífico sobre sua origem.
2.1 Evolução histórica.
Como já mencionado, não existe entre os doutrinadores um consenso quanto à origem
do crime continuado. Alguns juristas atribuem sua criação ao direito romano, outros apontam
a origem dessa figura ao direito canônico. Contudo, a vertente majoritária relaciona a criação
do crime continuado, ou pelo menos de suas bases teóricas, ao direito italiano, centrado nos
ensinamentos do prático Prospero Farinacio.
A relação da continuidade delitiva com o direito romano apontada por alguns juristas
se deve, em grande parte, ao uso da expressão propter continuationem. Essa expressão era
utilizada como referência ao crime de furto de escravo, especificamente à base de cálculo de
sua pena. Procurava-se, assim, determinar se a pena deveria ser calculada de acordo com o
valor do escravo no momento do furto, ou considerando seu valor no momento de cessação da
posse indevida. É evidente, portanto, que o referido termo estava correlacionado não ao crime
continuado, mas à figura do crime permanente.
Nesse sentido, é valioso destacar a lição dada por Nelson Fayet Júnior1:
“Segundo Eduardo Henriques da Silva Correia (1963, p. 161), o entendimento deque a lei romana já tratava do crime continuado advém da expressão proptercontinuationem, que, na verdade, era utilizada para solucionar a dificuldade em sesaber se a pena do furto deveria ser calculada pelo valor do escravo no momento emque ele fora roubado (infans) ou quando cessara sobre ele a posse do ladrão,“afirmando que propter continuationem furti não se deveria estabelecer qualquerprivilégio”. Daí, então, se cuidar, em realidade, mais propriamente de um crimepermanente”
1 FAYET JR., Ney. Do Crime Continuado. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016, p. 51.
11
Há, ainda, parte da doutrina a defender que os delineamentos essenciais da
continuidade delitiva precederam inclusive os práticos italianos. Para esta corrente, a criação
do abordado instituto guarda correspondência com os glosadores e os pós glosadores. Os
glosadores eram estudiosos que, durante a Idade Média, por volta do ano de 1100 a 1250,
tomavam textos do Direito Romano e do Direito Canônico e faziam algumas anotações
explicativas sobre eles. A partir do século XIII, surgem os pós-glosadores, também chamados
de comentadores, pois, diferente do método utilizado pelos seus antecessores, tinham como
objetivo adaptar o direito romano à sua realidade e, assim, solucionar os problemas práticos
existentes. Nessa época, já é possível notar uma preocupação dos comentadores, em especial
Bártolo de Sassoferrato e Baldo de Ubaldi, com a forma de punição de delitos direcionados a
um mesmo fim. Acerca da relação dos comentadores com a criação do referido instituto,
leciona Ana Rita Martins2:
“Daqui retiram-se já a ideias que viriam a constituir as linhas gerais da figura:“plura delicta”, “ad eundem tinem”, à qual corresponderia então “uno puniuntur”.Nas várias anotações, encontra –se ainda referência ao “oedem tempore”. Esteelemento temporal foi significativamente desenvolvido posteriormente por Baldoque persistiu em torná-lo um “instituto de continuação” (ou seja, o núcleo dacontinuação), contrariamente a Bártolo que o abordava como um mero resultado daunião teleológica dos actos. Pelo exposto, não é incorrecto de se concluir que norespeitante à reflexão dos elementos que seriam necessários para à existência de talfigura existiu nesta época um grande progresso. Faltou depois um impulsoconcretizador, que facultasse a delimitação de outras figuras semelhantes”
Apesar dos avanços impulsionados pelos glosadores e pós-glosadores na teoria do
concurso de crimes, não é possível vislumbrar nesta época a sistematização da figura do crime
continuado ou de um método que funcionasse dessa maneira. Contudo, é importante salientar
que suas construções teóricas serviram como base para que os práticos italianos pudessem
desenvolver o fenômeno da continuidade delitiva entre os séculos XV e XVI.
Os práticos, também denominados de praxistas/tratadistas, sucederam os pós-
glosadores. As distinções entre essas escolas não são tão claras. Todavia, os práticos partem
de um arcabouço teórico maior, pois, além das glosas formuladas pelos seus antecessores
sobre o direito romano, tinham acesso às obras dos pós-glosadores, aspecto que facilitava a
sistematização e a criação de institutos e outras ferramentas jurídicas; permitindo-lhes,
também, o estudo de outros sistemas jurídicos como o direito canônico e o germânico.
A concepção da continuidade delitiva entre os tratadistas italianos surge no âmbito do
concurso de infrações. Conforme já explanado, o sistema jurídico na escola dos praxistas era
2 MARTINS, Ana Rita Baptista. O Crime Continuado. Lisboa, 2012. Dissertação (Mestrado ProfissionalizanteForense) – Programa de Pós-Graduação em Direito – Universidade Católica Portuguesa, 2012, p. 7-8.
12
formado com base na análise, principalmente, do direito romano, e, de forma secundária, do
direito canônico e germânico. No sistema germânico, existiam duas alternativas para o
concurso material de infrações: a absorção de um crime por outro, ou a acumulação das penas.
Por sua vez, no direito romano e no canônico havia apenas uma solução: a acumulação
material de penas, fundamentado no brocardo quot crimina tot poena. Entrementes, essa
solução afigurava-se insuficiente aos praxistas, pois, por vezes, acarretava punições
demasiadamente severas. É o caso do delito de furto praticado por três vezes. A acumulação
de penas nessa hipótese conduzia à pena capital.
Surge então a necessidade de afastar tal situação do concurso de infrações, a fim de
mitigar o rigor excessivo da retribuição. É, portanto, com base em princípios humanitários,
precipuamente no favor rei, e no sentimento de pietatis causa3 que os práticos dão origem ao
instituto do crime continuado.
Neste processo de consolidação do fenômeno da continuidade delitiva, o tratadista
Prospero Farinacio teve grande contribuição, a ponto de ser apontado costumeiramente pela
doutrina como idealizador dessa figura. Contudo, necessário se faz salientar que a
sistematização formulada por ele não foi completamente genuína. Farinacio agrega ao
conjunto de infrações cometidas sobre uma mesma norma (furto) um fator cronológico para
criar esse elo de continuação entre elas. Não se deve olvidar, porém, que esse elemento
temporal já era mencionado nas obras de Baldo, e, foi, portanto, amadurecido por Farinacio.
Acerca da contribuição deste importante tratadista, discorre Ana Rita4:
Apesar de ser FARINÁCIO que vem assentar finalmente toda a sua construção numelemento objectivo (uma relação cronológica das actividades), porém este, já tinhasido reconhecido (ainda que de forma mais superficial) por CLARO, BALDO eBÁRTOLO. É certo que este último atribuía maior importância ao “ímpeto”, ao“mesmo fim”, em detrimento do tal pressuposto objectivo. Contudo, e como afirmaEDUARDO CORREIA, não se deve concluir que entre uma e outra teorizaçãoexiste uma real oposição, uma vez «o elemento da conexão temporal não é apontadoex novo por FARINÁCIO. Aparece já em CLARO, que por seu turno, que pelaprimeira vez acentua expressamente este momento (....) e citava BÁRTOLO.Assim, o ilustre autor prossegue concluindo que entre o elemento subjectivo,prioritário na sua importância na teorização de BÁRTOLO, encontra-se ligado aocritério de conexão temporal de FARINÁCIO, sendo que este último de certa formaserve de meio de prova do primeiro.
O crime continuado idealizado pelos praxistas era, entretanto, bem incipiente e pouco
se assemelhava ao modelo de continuidade delitiva adotado pelas legislações modernas. A
despeito de sua origem remota, o desenvolvimento e aperfeiçoamento desse fenômeno
3 FAYET JR., Ney. Op. Cit., p. 57.4 MARTINS, Ana Rita Baptista. Op. Cit., p. 10.
13
jurídico ocorreu paulatinamente. De acordo com Nilson Vital Naves5, o Código Toscano de
1975 foi o primeiro a conter disposição legislativa a seu respeito, mas sua introdução no
direito positivo moderno se deu apenas no Código da Baviera de 1813; ao passo que sua
forma mais acabada se deu com o Código de Toscana de 1853, o qual serviu de protótipo para
os códigos vindouros.
2.2 Inserção no ordenamento pátrio.
No Brasil, a incorporação do instituto do crime continuado ao ordenamento ocorreu
tardiamente em comparação às legislações estrangeiras. Apesar da ausência de tratamento
legislativo da continuidade delitiva no Código Imperial de 1830, a jurisprudência nessa época
já tinha conhecimento dessa figura6. O crime continuado só foi disciplinado no código de
1890, junto com as demais modalidades de concurso de crimes. Dispunha o art. 66, §2º, do
Código Penal de 1890:
Art. 66.
§2º Quando o criminoso tiver de ser punido por mais de um crime da mesmanatureza, commettidos em tempo e logar differentes, contra a mesma ou diversapessoa, impor-se-lhe-ha no gráo Maximo a pena de um só dos crimes, comaugmento da 6ª parte.
Inúmeras críticas foram realizadas à essa redação, pois, em contraposição à doutrina
estrangeira e a jurisprudência da época, o aludido artigo não estabelecia a exigência de um
elemento subjetivo para caracterização do crime continuado.
Em virtude da grande rejeição do texto legal que inseriu o crime continuado no
ordenamento pátrio, foram promovidas alterações no referido preceito legal pelo Decreto-Lei
4.780/1923, passando a vigorar da seguinte forma: “Quando o criminoso tiver de ser punido
por dois ou mais crimes da mesma natureza, resultantes de uma só resolução, contra a
mesma ou diversas pessoas, embora cometidas em tempos diferentes, se lhe imporá a pena de
um só dos crimes, mas com o aumento da sexta parte”. Com essa mudança legislativa, a
configuração do crime continuado passa a demandar a existência de um elemento subjetivo.
Portanto, conforme a norma insculpida em tal artigo os elementos que compõem a
continuidade delitiva seriam: 1) pluralidades de crimes; 2) unicidade da disposição de lei
5 NAVES, Nilson Vital. Alguns aspectos do crime continuado. Justitia. São Paulo, v. 70, jul./1970, p. 24.6 DOTTI, René Ariel. Revisão do crime continuado. In Separata da Revista da Faculdade de Direito daUniversidade Federal do Paraná. Curitiba: Faculdade de Direito da UFPR, 1969, v. 12, p.174-175.
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violada; e 3) unidade de resolução criminosa genérica (STF, HC 24.751, Rel. ad hoc Min.
Carvalho Mourão, DJ 07.11.32)7.
Essa não foi a única mudança engendrada pelo referido decreto-lei. No que toca a
aplicação da pena, foi abolida a imposição de que a pena do crime praticado em continuação
fosse fixada no máximo.
O código sucessor de 1940 promove uma grande mudança na tradição penal em
relação à continuidade delitiva. De acordo com o §2º de seu art. 51:
Art. 51.
§2° Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou maiscrimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução eoutras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação doprimeiro, impõe-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais graves,se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Observa-se da leitura do dispositivo que foram estabelecidos alguns critérios a serem
considerados na configuração da continuidade delitiva: as condições de tempo e lugar e o
modus operandi, sem excluir outras circunstâncias semelhantes. Acerca dessa inovação,
surgiram as primeiras controvérsias: tais elementos constituir-se-iam em requisitos essenciais
à configuração desse instituto ou funcionariam basicamente como vetores interpretativos para
extrair o elo de continuidade entre as diversas condutas criminosas? É principalmente sobre
este aspecto em que se debruça este trabalho.
Outra mudança crucial diz respeito à exigência de um elemento subjetivo. O preceito
legal não faz qualquer menção à unidade de ideação, como assim retratava o código anterior.
Por este motivo, grande parte da doutrina criminal sustentou que o código penal de 1940 teria
adotado a teoria objetiva pura em relação ao crime continuado. Dessa forma a análise do nexo
de continuidade das infrações cometidas deveria ser feita apenas com base em elementos
objetivos, excluída qualquer referência a um fator subjetivo.
Entrementes, apesar de tal entendimento ter figurado como dominante em tal época,
esteve longe de ser pacífico. Alguns doutrinadores entendiam que a expressão “e outras
semelhantes” contida no preceito normativo permitia a inclusão de tal fator subjetivo. Sem
embargos das críticas feita ao acolhimento da teoria objetiva pura, a exposição de motivos da
Lei 7.209/1984 que alterou o susomencionado código, não deixava dúvidas sobre a escolha do
legislador, nesse sentido:
“O critério da teoria puramente objetiva não revelou na prática maioresinconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria
7 FAYET JR., Ney. Op. Cit., p. 58.
15
objetivo-subjetiva. O projeto optou pelo critério que mais adequadamente se opõe aocrescimento da criminalidade profissional, organizada e violenta, cujas ações serepetem contra vítimas diferentes, em condições de tempo, lugar, modos deexecução e circunstâncias outras, marcadas por evidente semelhança. Estender-lhe oconceito de crime continuado importa em beneficiá-la, pois o delinquenteprofissional tornar-se-ia passível de tratamento penal menos grave que o dispensadoa criminosos ocasionais. ”
Conforme já mencionado, a Lei 7.209/1984 alterou o Código Penal de 1940, sobretudo
sua parte geral. Todavia, a norma inserida no §2º do artigo 51 permaneceu praticamente
intacta. A única diferença é que ela foi transplantada para o artigo 71 do diploma penal e
houve a substituição da expressão “impõe-se-lhe” por “aplica-se-lhe”. No entanto, a referida
Lei incrementou o referido dispositivo, inserindo-lhe um parágrafo único no qual foi criado
um tipo específico de crime continuado, denominado de crime continuado
específico/qualificado/especial.
O crime continuado especial foi concebido por razões de política criminal, como uma
forma de combater a criminalidade organizada. De acordo com a exposição de motivos da Lei
7.209/1984: “A Política Criminal atua, neste passo, em sentido inverso, a fim de evitar a
libertação prematura de determinadas categorias de agentes, dotados de acentuada
periculosidade”. Esta inovação representa um novo marco em relação à teoria da continuidade
delitiva, pois se afasta da inspiração de benignidade que deu azo à criação de tal instituto,
enquanto se aproxima do funcionalismo sistêmico, idealizado por Günter Jakobs. Dessa
forma, o delinquente que atua de forma “profissional” e planejada passa a ser visto como um
inimigo para o direito penal, merecedor de um tratamento punitivo mais rigoroso do que o
dispensado aos criminosos “ocasionais”.
Dispõe o parágrafo único do artigo 71 do Código Penal:
Art. 71
Parágrafo Único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos comviolência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, osantecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos eas circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a maisgrave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 edo art. 75 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
A instituição do crime continuado qualificado sepultou tormentosa e antiga discussão
existente entre os juristas. Perquiria-se até então sobre a possibilidade de caracterização da
continuidade delitiva em infrações contra bens personalíssimos de vítimas diversas. Com essa
inovação legal, ocorreu a superação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
consubstanciada em seu Verbete de nº 605: “Não se admite continuidade delitiva nos crimes
16
contra a vida”. Contudo, ainda existem vozes dissonantes a restringir a aplicação da
continuidade delitiva em casos de homicídios, a exemplo de Elvan Loureiro8.
A evolução da construção da continuidade delitiva em nosso ordenamento não se
estancou com a edição da Lei 7.209/1984. Apesar de não haver alteração legislativa do crime
continuado após tal lei, diversas mudanças ocorreram por meio da via doutrinária e
jurisprudencial. A atividade criadora dos juízes por meio da interpretação judicial tem
exercido forte influência na caracterização da continuidade delitiva. A transformação mais
notória é, sem sombra de dúvidas, a exigência do elemento subjetivo na configuração desse
instituto. Os Tribunais Superiores revisaram seu entendimento sobre o fator subjetivo na
configuração do crime continuado. O Superior Tribunal de Justiça foi pioneiro nessa fase e
pacificou seu entendimento ao adotar a teoria subjetiva-objetiva. Contudo, este
posicionamento não é unânime em todos os Tribunais. O Supremo Tribunal Federal, por
exemplo, apesar de vir adotando essa tese atualmente, ainda não pacificou essa questão,
existindo ministros adeptos a ambas as teorias.
8 CORREIA, Elvan Loureira de Barros. Da pluralidade de vítimas no crime continuado contra a vida.Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco. Pernambuco, N. 7, 2014.
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3. A CONCEITUAÇÃO DO CRIME CONTINUADO
3.1 Natureza jurídica
A definição da natureza jurídica do crime continuado transcende a mera opção
doutrinária9, este é um tópico demasiadamente importante para determinar o tratamento que
deve ser conferido a esse fenômeno jurídico. Existem 3 (três) teorias que buscam elucidar a
natureza jurídica do crime continuado: a teoria da unidade real, a teoria da ficção jurídica e a
teoria mista (ou teoria da unidade jurídica).
Conforme a teoria da unidade real, o crime continuado perfaz-se inegavelmente como
um único crime. Apesar de consistir em uma pluralidade de condutas; para os adeptos desta
vertente cada conduta per si não configuraria um ilícito penal, mas a parte de um todo, e
somente a reunião destas condutas é que poderia ser considerada crime. Dessa forma, o fator
unificante das diversas condutas teria existência ontológica própria, ou seja, a unificação dos
diversos atos ocorreria naturalmente, sem haver necessidade de reconhecimento por parte do
legislador. Essa teoria está correlacionada à teoria objetiva-subjetiva, pois esse fator
unificante seria justamente o elemento subjetivo. Este propósito unitário presente nas diversas
ações evidenciaria o elo de continuidade entre eles, e, seria, portanto, o responsável por
estabelecer-lhes a unidade. Nesse sentido, dispõe Alcides Netto10:
Para os adeptos da teoria da unidade real, o crime continuado seria "umaconfederação de delitos", unidos pela identidade de resolução ou de desígniocriminoso. Por se subordinarem a um dolo unitário, a um mesmo elementosubjetivo, os vários crimes praticados em continuação seriam manifestações parciaisde uma mesma e real unidade psicológica, não resultante da lei, mas por ela apenasreconhecida.
A teoria da ficção jurídica, por sua vez, percorre caminho diametralmente oposto ao da
teoria da unidade real. De acordo com seus defensores, o crime continuado consiste em uma
série de condutas, as quais configurariam isoladamente crimes autônomos, mas que por razões
de política criminal seriam unificadas com o objetivo de aplicação de apenas uma pena. A
unidade, portanto, decorreria exclusivamente da Lei, ou seja, seria uma decisão do próprio
9 CARVALHO, Ivan Lira de. Notas sobre o crime continuado. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 761, p. 5,mar./1999. Disponível em: https://www.jfrn.jus.br/institucional/biblioteca-old/doutrina/doutrina77.doc. Acessoem 20/03/17.10 NETTO, Alcides Munhoz. Aspectos do crime continuado. Revista da Faculdade de Direito de Curitiba.Dez, 1969. Vol. 12, p. 139.
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legislador. Não existiria, portanto, uma situação fática que pudesse ser previamente
qualificada como crime continuado, senão um contexto de pluralidade de infrações a qual,
diante o cumprimento de determinados requisitos, a lei dispensasse tratamento jurídico
semelhante ao cometimento de apenas um delito. Ney Fayet11 destaca algumas justificativas
elencadas pelos juristas para defender essa teoria: 1) a origem do instituto em epígrafe revela
que se trata em realidade de um artifício jurídico utilizado para afastar os efeitos atribuídos
hodiernamente ao concurso real de infrações; 2) a literalidade da lei ao mencionar a expressão
“quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes” não
deixa dúvidas sobre a existência de uma pluralidade delitiva, corroborada ainda pela
expressão “devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro”, tendo em
vista que o termo “deve ser” demonstra que a unidade é conferida apenas no plano jurídico,
sem correspondência no substrato fático.
Contudo, instar salientar que há divergências doutrinárias mesmo entre os adeptos da
fictio iuris. Para alguns juristas, a continuidade delitiva é apenas um artifício legal, uma
técnica empregada no momento da aplicação da pena. Manoel Pimentel denomina essa
vertente de teoria da unidade fictícia limitada. A unidade jurídica ocorreria, portanto,
exclusivamente nesta oportunidade. Em todas as outras etapas, deveriam ser considerados
isoladamente cada crime autônomo. Essa é posição adotada pelo mestre Ney Fayet Júnior12:
Com efeito, a unidade do crime continuado projeta-se tão só sobre a estruturação doapenamento, na medida em que, para os demais efeitos penais, cada um dos crimescomponentes do elo de continuidade mantém a sua autonomia, notadamente no querespeita à prescrição e a decadência, cuja análise é realizada em relação a cadacrime, ou, ainda, em matéria de indulgência principis: “só os crimes abrangidos pelagraça soberana tem extinto o direito de punir que de sua prática, nasceu o Estado”.
Para Manoel Pimentel13, a continuidade delitiva tem por fundamento sua função
finalística de amenizar a pena cominada ao concurso de crimes, portanto, sua unidade deve
ser mantida enquanto for benéfica ao réu. Todavia, sempre que a junção dos crimes
autônomos se afigurar prejudicial ao agente, deve ocorrer o desmembramento das infrações.
Em contraposição, há uma corrente doutrinária partidária da tese de que o fato da
aglutinação de penas na continuidade delitiva decorrer de uma imposição estritamente legal
não configura óbice ao reconhecimento da plenitude da unidade jurídica. Seus defensores
sustentam que “o crime continuado constitui, por ficção, unidade jurídica, para todos os
11 FAYET JR., Ney. Op. Cit., p. 154.12 Id. Ibid, p. 159.13 PIMENTEL, Manoel Pedro, 1922 -. Do crime continuado. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dosTribunais, 1969, p. 216.
19
efeitos, sejam de direito substantivo ou processual”14. Nesta senda, uma vez estabelecida esta
unidade, os elementos componentes do crime continuado tornar-se-iam incindíveis. Tal efeito
determinaria todas as consequências lógicas e jurídicas provenientes do reconhecimento da
continuidade delitiva.
Com efeito, essa parece ser a posição mais adequada ao nosso ordenamento. É
necessário fazer, entretanto, uma ressalva. Vislumbra-se na configuração do crime continuado
dois momentos distintos. No primeiro há uma realidade delitiva plural, ou seja, constata-se a
presença de um concurso real de infrações. É o que se depreende da primeira parte do art. 71
do Código Penal ao mencionar “pratica dois ou mais crimes...”. Assim, se o crime continuado
pressupõe a existência de um concurso de crimes, é necessário averiguar se cada conduta
praticada configura um delito. Deste modo, nessa primeira fase seria realizada a análise
isolada da tipicidade, antijuricidade e culpabilidade de cada uma das condutas. Conferida a
existência de uma diversidade de crimes, passa-se a etapa seguinte. Nesta oportunidade será
avaliada a homogeneidade dos delitos para determina-lhes a unidade e, por conseguinte, a
unificação das penas. É neste momento que a afetação do bem jurídico será apreciada
considerando a totalidade das infrações.
Urge recordar, entretanto, que a finalidade que inspirou a criação desse instituto foi a
de abrandar o rigor excessivo da punição, adequando a pena à verdadeira lesividade que o
conjunto de infrações praticadas implicou. Por este motivo, a tipicidade material sob o prisma
do princípio da insignificância só deve ser avaliada na segunda etapa, quando houver o
reconhecimento da unidade delitiva com a unificação das penas. Por outro lado, a apreciação
da prescrição e da decadência deve ocorrer especificamente para cada delito autônomo, pois
as condutas delitivas prescritas têm sua punibilidade extinta, não podendo, portanto, serem
integradas ao bloco de condutas cujo grau de punibilidade almeja-se fixar.
De fato, essa parece ter sido a vertente adotada pelo legislador penal, posição ainda
mais evidente com a criação do crime continuado especial. Se a construção dogmática da
continuidade delitiva esteve haurida na menor reprovabilidade da conduta daquele que comete
várias infrações em continuação, a sua evolução parece ter sido amparada em outros ideais. A
criação do crime continuado qualificado evidencia que a configuração desse instituto possui
uma coerência lógica intrínseca a si. Isto significa que o nexo de continuidade do qual
depende a unificação dos delitos se configura de acordo com determinados pressupostos
14 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Et al. Crime continuado. Unidade de processo. Revista de Direito Penal.Órgão oficial do instituto de ciências penais da faculdade de direito Cândido Mendes. n. 1, p. 106, jan/mar. 1971.
20
lógicos, e, que sua caracterização não necessariamente revelará uma situação de menor
culpabilidade, podendo inclusive enquadrar-se em uma conjuntura que demonstre um maior
grau de reprovabilidade da conduta. Dessa constatação surgiu a necessidade de alargar a
punição que seria cabível a uma série sequenciada de crimes de determinado tipo (dolosos,
com violência ou grave ameaça a vítimas distintas) na qual a continuidade entre as ações fosse
evidente.
Esse é também o entendimento perfilhado pelo Tribunais Superiores, que mantém a
unidade fictícia do crime continuado, inclusive, em certos aspectos prejudiciais ao autor dos
delitos. É o caso da súmula 711 do Supremo Tribunal Federal que determina a aplicação da lei
penal mais grave, caso a sua vigência seja anterior a cessação da continuidade. O Pretório
Excelso nesse ponto confere ao crime continuado tratamento análogo ao de crimes únicos,
como o crime habitual e o crime permanente.
Existe ainda uma terceira corrente, denominada de teoria da unidade jurídica, que tenta
explicitar a natureza jurídica do crime continuado. De acordo com esta teoria, o crime
continuado não se constitui como crime um único, tampouco como uma pluralidade de
infrações. Seria em realidade um conceito sui generis, um terceiro tipo de crime. Seria,
portanto, “uma figura contemplada pelo legislador, mas tem existência própria e se destina a
fins determinadas; por isso, é uma realidade jurídica e não uma ficção jurídica”15. Sustenta
Ana Rita Martins16 que a teoria mista não tem assentamento em um fator humanitário ou na
mitigação da culpabilidade do autor, mas no ideal de utilidade processual e conveniência
prática; ocasionando, assim, a padronização decisória do processo penal17. Contudo, não há
como relacionar exclusivamente a teoria da unidade jurídica à utilidade processual. Emanuele
Protto, uma das maiores expoentes desta corrente, entende que o crime continuado é uma
unidade absoluta que decorre do vínculo subjetivo idêntico entre os delitos componentes da
unidade jurídica. Por tal motivo, tais delitos perderiam a autonomia ao passo em que
subsistiriam como unidades fáticas sequenciais18.
A teoria da unidade jurídica, entretanto, não difere essencialmente da teoria da ficção
jurídica. Os juristas adeptos da primeira corrente distinguem as duas vertentes com base na
abrangência da unidade jurídica. Divergem, portanto, de boa parte dos doutrinadores
simpatizantes da segunda vertente que partilham do entendimento de que a unidade
15 PIMENTEL, Manoel Pedro, 1922 -. Op. Cit., p. 79.16 MARTINS, Ana Rita Baptista. Op. Cit., p. 13.17 FAYET JR., Ney. Op. Cit., p. 163.18 BARBOSA, Marcelo Fortes. Do crime continuado. Justitia. São Paulo, v. 83, out./1973, p. 149.
21
decorrente do fenômeno da continuidade incide apenas sobre a aplicação das penas. Todavia,
o reconhecimento de que a unidade delitiva é oriunda de uma imposição legal não implica
necessariamente na relatividade de tal unidade. Existem, conforme já fora aludido, entre os
adeptos da teoria da ficção jurídica defensores da plenitude da unidade delitiva. Manoel
Pimentel elabora crítica contundente acerca desta última corrente19:
Aqui, mais uma vez, deparamos com a divergência resultante apenas de conceitosverbais. Tôda realidade jurídica, decorrente de disposição de lei, deve serconsiderada essencialmente uma ficção, quando exista um contraste entre ela e arealidade natural. O legislador pode impor, e muitas vêzes o faz, uma realidadejurídica que não corresponde à realidade natural. Nestes casos, a ficção se converteem realidade jurídica, mas não deixa de ser ficção.
Por fim, insta registrar a posição adotada por Alcides Netto. O eminente jurista advoga
a tese de que as dificuldades encontradas pelos intérpretes na configuração do crime
continuado decorrem da tentativa de estabelecer uma unidade entre os delitos sequenciados;
seja ela real, ficta ou jurídica. O fundamento da criação da continuidade delitiva seria a
mitigação da culpabilidade do autor. Considerada a culpa, nesse caso, não como nexo
psicológico entre o autor e sua conduta; mas em seu sentido normativo, como um juízo de
censurabilidade pessoal sobre o agente20. A continuação delitiva seria proveniente de uma
série de circunstâncias relacionadas a execução do crime, que serviriam como estímulos à sua
prática. Esses fatores diminuiriam o arbítrio, as condições pessoais do agente para resistir à
prática do delito; devendo, portanto, implicar na diminuição de sua culpabilidade. Desta
maneira, elucida Alcides Netto21:
Com base nestes princípios, não é difícil concluir que o verdadeiro fundamento dofavor penal deferido à continuação criminosa reside, precisamente, na diminuição daculpabilidade de seu autor. Após a prática do primeiro crime, amortecem-se erelaxam-se as inibidoras reações morais e jurídicas, superam-se o mêdo dadescoberta do delito e o receio da pena, surgindo no autor a consciência de podervencer os obstáculos objetivos à ação delituosa, além de tornarem-se mais intensasas solicitações para a reiteração, sobretudo quando as condições exteriores forempropícias. Em conseqüência desta maior facilidade para a repetição do delitopraticado e do embotamento da sensibilidade do criminoso com a correlatadificuldade em reagir às circunstâncias e ocasiões favoráveis à reiteração, diminui-sea sua liberdade de decidir, fator que, em princípio, intervém para atenuar o juízo decensura e, portanto, para reduzir a culpabilidade.
A teoria da mitigação da culpabilidade não é, entretanto, incompatível com a teoria da
ficção jurídica. Ademais esse postulado encontra-se contemplado também pela teoria da
benignidade. Com efeito, a origem desse fenômeno está atrelada ao sentimento de piedade
dominante entre os práticos italianos em virtude da pena de morte cominada ao réu pelo
19 PIMENTEL, Manoel Pedro, 1922 -. Op. Cit., p. 82.20 NETTO, Alcides Munhoz. Op. Cit., p. 142.21 NETTO, Alcides Munhoz. Op. Cit., p. 142.
22
terceiro furto. Contudo, a evolução desse instituto repousou sobretudo na percepção de que a
acumulação material de penas decorrente do concurso material de infrações não seria a
solução adequada para a hipótese em que esse concurso ocorresse de forma continuada. A
punibilidade deveria, nesse caso, ser avaliada de acordo com o somatório das lesões causadas
ao bem jurídico tutelado e não pela quantidade de infrações cometidas, efeito este atingido
pela acumulação material de penas. No que concerne à teoria da ficção jurídica, há de se
perceber que a unidade ficta é um meio para atingir determinado fim. Portanto, quando a
unificação dos crimes ocorre, ela permite que a culpabilidade do autor seja apreciada de forma
unitária, implicando, assim, na sua atenuação. A unidade fictícia, então, funciona como
mecanismo de mitigação da culpabilidade, sem que haja a necessidade de que essa unidade
seja estendida a todos os aspectos dos delitos. Nesse sentido, a teoria da mitigação da
culpabilidade se aproxima da teoria da ficção jurídica limitada.
De outra sorte, a teoria da mitigação da culpabilidade está alicerçada na distinção entre
criminoso ocasional e delinquente habitual, absorvendo, assim, uma dimensão subjetiva não
amparada pelo nosso ordenamento e que foi intencionalmente excluída do código atual por
remeter a um direito penal do autor. Ney Fayet22 destaca crítica elaborada por Alcides da
Fonseca acerca desta distinção:
Há um outro ângulo do critério da culpabilidade mitigada que deve ser duramentecriticado. É que a permanente alusão à “periculosidade do agente” está diretamenteassociada à figura do “delinquente habitual ou por tendência” e, (...), esta não passade um repulsivo vestígio de um Direito Penal autoritário, que deita suas raízes nanão menos repugnante culpabilidade pela condução de vida que, em tese, representaapenas uma fase ultrapassada da evolução da dogmática jurídico-penal, mas que, naprática, apresenta-se hodiernamente presente nos corações e mentes de muitosoperadores do Direito.
3.2 Localização do crime continuado no sistema penal
3.2.1 Teoria do concurso de crimes e fisionomia jurídica do delito
O embate doutrinário acerca da natureza jurídica do crime continuado é proveniente da
forma com a qual esse instituto é visto. Tratar-se-ia de um crime único ou de um tipo de
concurso de infrações? A localização imposta pelo legislador a esse instituto, no título das
penas e entre os concursos de crimes, revela sua pretensão em considerar a continuidade
delitiva e o próprio concurso de infrações como fenômenos atrelados à aplicação da pena.
Contudo, nem sempre o legislador consegue definir os elementos essenciais de uma
22 FAYET JR., Ney. Op. Cit., apud FONSECA NETO, Alcides da, 2004, p. 40-1.
23
construção jurídica, de modo a harmonizá-la com o ordenamento jurídico, cuja existência
depende de uma estrutura lógica e racional. Quando isto acontece, cabe a doutrina
compatibilizar a criação legal com o sistema jurídico.
Há muito tempo discute-se sobre a correta posição do concurso de infrações no
sistema penal. Incontáveis críticas foram realizadas ao tratamento dispensado pelo legislador
a esse fenômeno. Com efeito, não se pode reduzir o concurso de infrações ao tema da
aplicação das penas. Assim, como esclarece Fontecilla23, a teoria do concurso abrange duas
dimensões: uma atinente à teoria do delito, na qual se tem por finalidade decompor o crime
em seus componentes mínimos a fim de analisar quantitativamente a existência de infrações; e
outra concernente à dosagem da pena, ou seja, dos efeitos decorrentes do reconhecimento do
concurso e de sua tipologia. Adverte ainda Pierangeli e Zaffaroni24 que:
“O legislador é soberano para estabelecer as consequências de uma ação, mas não épara multiplicar as ações, porque não é Deus e não pode multiplicar o pão. Tratar deuma conduta ou ação ou de uma pluralidade delas é questão que deve ser resolvidacom base em dados ônticos (da realidade) e limites típicos. Neste sentido, a unidadee pluralidade de crimes constitui um claro problema da teoria do crime, seja qual foro critério adotado pela lei para a imposição das penas.”
Desse modo, não há como dissociar o concurso de infrações da teoria do crime. Isto
porque os principais dilemas oriundos da aplicação do concursus delictorum surgem no
âmbito de caracterização do fato punível (unitário ou plural) e, portanto, sua solução perpassa
necessariamente pela análise da configuração do crime. Apenas com o desvendamento da
fisionomia do concurso é possível determinar a consequência jurídica dele advinda25.
Feitas essas considerações, é preciso destrinchar os elementos componentes de um
crime a fim de compreender quando ocorre a pluralidade de infrações ou a unidade delitiva.
Conforme conceito majoritariamente difundido pela doutrina; crime é um fato humano típico,
antijurídico (ilícito) e culpável26. A tipicidade, de modo sucinto, pode ser definida como a
subsunção do fato à norma. A antijuridicidade é um juízo de (des)valor atribuído à ação do
agente, indica sua contrariedade em relação ao ordenamento jurídico penal. A culpabilidade,
por sua vez, é um juízo de censura pessoal direcionado ao agente. Destarte, percebe-se que a
tipicidade e a ilicitude são características atribuídas à conduta. Conclui-se, portanto, desta
assertiva que a suposta existência de uma pluralidade de tipicidades ou de ilicitudes não teria
23 RIQUELME, Rafael Fontecilla. Concurso de delitos e seus principais problemas jurídicos. Justitia. SãoPaulo, v. 41, p. 44.24 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: partegeral. 11ª. São Paulo: RT, 2015, p. 641.25 RIQUELME, Rafael Fontecilla. Op. Cit., p. 44.26 PIMENTEL, Manoel Pedro, 1922 -. Op. Cit., p. 6.
24
o condão de multiplicar o fato criminoso; pois, conforme insistem Pierangeli e Zaffaroni27,
não são as qualidades de um objeto que o multiplicam. A culpabilidade, por estar relacionada
ao agente, também não pode induzir à pluralidade de condutas ou de delitos, mas apenas ao
concursus delinquentium. Deste modo, o único objeto capaz de implicar na pluralidade de
crimes é, essencialmente, o fato. Ele é o substrato do crime, sobre ele é que recaem as
qualidades necessárias à configuração do delito.
Se a multiplicidade de fatos é o fator determinante da pluralidade de delitos, é
indispensável definir juridicamente o que se entende por fato. Inicialmente, deve-se distinguir
os conceitos de ato e ação. Manoel Pimentel28 entende que o ato voluntário é o requisito
mínimo do fato criminoso. O ato seria, então, um componente da ação, compreendida esta
como movimento corporal voluntário composto por um ato ou pela junção de vários deles.
Pierangeli e Zaffaroni29 identificam o ato como uma “unidade biológica ou fisiológica, um só
movimento, uma só inervação muscular” que pode, isoladamente ou por conjunção, constituir
uma conduta.
Há, entretanto, uma diferença crucial entre as posições doutrinárias supramencionadas.
Para Pimentel30, a conduta é a primeira parte constitutiva do fato delituoso cuja configuração
dependeria ainda da existência do resultado natural, ligado à primeira pelo nexo de
causalidade. Pierangeli e Zaffaroni, entretanto, descartam essa ideia. Eles designam a união da
conduta com o resultado por meio do nexo causal de pragma, porém, não consideram que o
resultado e a causalidade façam parte da ação. O elemento que integraria a conduta seria
apenas a previsão da causalidade posto que a ação seja analisada sob o prisma da finalidade.
O resultado e a relação de causalidade seriam, sob essa perspectiva, aspectos a serem tratados
na análise da tipicidade31.
Essa não nos parece ser a posição mais adequada. Admitir que exista apenas um fato
criminoso quando uma só ação provoca uma pluralidade de resultados é igualar essa situação
ao concurso aparente de normas, ou seja, “quando uma mesma conduta encontra, prima facie,
adequação típica em mais de um dispositivo penal”32; com distinção apenas de seus efeitos
jurídicos. Mas esses são eventos diversos. O primeiro encontra correspondência na realidade
fática, enquanto o último só tem existência no plano ideológico. A existência de múltiplos
27 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Op. Cit., p. 637-38.28 PIMENTEL, Manoel Pedro, 1922 -. Op. Cit., p. 6.29 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Op. Cit., p. 642.30 PIMENTEL, Manoel Pedro, 1922 -. Op. Cit., p. 6.31 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Op. Cit., p. 378-79.32 HIRECHE, Gamil Föppel El. Teoria geral do concurso de crimes. REVISTA FORENSE, v.102, n.387,p.117-131, set./out. 2006, p. 6.
25
resultados para uma só ação é um dado concreto. Por outro lado, a incidência de vários tipos
penais provenientes de uma só conduta com um só resultado é um fenômeno que só pode
ocorrer no mundo ideativo.
O direito penal tutela bens jurídicos. Se de uma ação humana não resulta qualquer
lesão a bem jurídico, esta conduta não interessa ao sistema penal. Desse modo, a existência de
todo e qualquer crime depende da existência de um resultado jurídico, compreendido como
lesão a um bem jurídico. Essa lesão pode decorrer da própria conduta em si ou da alteração
fática dela proveniente, a que se denomina de resultado material ou naturalístico. Na primeira
hipótese, o crime se perfaz apenas com a conduta. Na violação de domicílio, por exemplo, a
própria ação de adentrar sem consentimento em casa alheia implica na ofensa à
inviolabilidade do domicílio. Nos crimes que dependem de um resultado material,
denominados de crimes materiais, a lesão ao bem jurídico só ocorrerá de forma plena quando
houver a alteração do mundo concreto exigido no tipo legal. Assim, nos crimes que
demandam apenas o resultado jurídico (crimes formais e de mera conduta) o fato punível se
confunde com a própria ação; porém, nos delitos materiais a conduta por si só não é suficiente
para constituir o fato punível, faz-se necessário também a existência do resultado e nexo de
causalidade.
A tipicidade, conforme já foi esclarecido, é uma característica atribuída ao fato objeto
do direito penal. O resultado natural não é, portanto, questão que deva ser tratada apenas à
nível de tipicidade, pois faz parte do substrato fático. Consequentemente, a tipicidade, assim
como em relação à conduta, apenas pode servir para qualificá-lo. A valoração no ordenamento
penal não recai exclusivamente sobre a conduta. O resultado natural também é outro elemento
da realidade valorado por tal sistema e sobre ele incide tanto a tipicidade quanto a ilicitude. Se
apenas a ação fosse valorada, não existiria justificativa para a redução da pena na tentativa
(art. 14, p.u, CP) e a análise da imputação do resultado (art. 13, CP). A ação típica e
antijurídica deveria, nesse sentido ser punida, independentemente do resultado por ela
causado.
Considerar que só a conduta faz parte do fato punível pode conduzir a situações
absurdas. Suponha-se a seguinte cena: um indivíduo encontra fortuitamente dois desafetos.
Um deles avança sobre ele com uma faca em punho, enquanto o outro permanece em seu
local sem participar da confusão. O primeiro indivíduo percebe então que não conseguirá se
desvencilhar da iminente agressão, correndo o risco de ser morto, e, por isso, resolve utilizar
uma arma de fogo para repelir a agressão. Contudo, ele repara que a posição do seu agressor
26
possibilita atingir também o segundo desafeto. O indivíduo alveja seu agressor com um tiro
que atinge também o segundo desafeto, realizando assim seu intento. Em decorrência do tiro,
os dois inimigos vêm a falecer.
É evidente nesse caso que só houve apenas uma ação, apesar da ocorrência de dois
resultados. Em relação ao primeiro desafeto, haveria a caracterização da legítima defesa,
excluindo a ilicitude. Quanto ao segundo, restaria configurado o tipo do homicídio doloso. Se,
assim como pretendem Pierangeli e Zaffaroni, a conduta for o único suporte fático para
configurar crime, sobre ela recaindo a tipicidade e ilicitude; teríamos nesse caso uma conduta
que seria ao mesmo tempo lícita e ilícita. Isto implicaria, portanto, em uma contradição lógica
insuperável. E, caso, seja sustentado que de uma só ação apenas possa resultar um único
crime, como definir a sua existência nessa situação?
Nos delitos materiais, a ação/conduta é indissociável do resultado natural. Assim,
conforme ensina Fontecilla33, o fato punível nasce da relação de causa e efeito estabelecida
entre a ação e o resultado. Esse mesmo entendimento adota o mestre Damásio de Jesus ao
distinguir fato material do fato típico. O primeiro seria o “conjunto dos elementos da
natureza objetiva descritos pela norma incriminadora”, formado pela conduta, o resultado e
o nexo causal. O fato típico seria o fato material acrescido da tipicidade e da imputação
objetiva. Esclarece ainda o renomado mestre que nos crimes materiais a tipicidade seria uma
qualidade do fato típico e não um elemento dele34. Por fim, é também a posição adotada no
Código Penal, haja vista o enunciado de seu artigo 70 (Quando o agente, mediante uma só
ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes...), no qual resta cristalina a possibilidade de
existência de mais de um crime provocado por meio de uma só conduta.
3.2.2 Unidade de lesão a bem jurídico
Uma conduta pode ser formada exclusivamente por apenas um ato. Em tais hipóteses,
é fácil concluir que existirá tantas condutas quantos forem os atos. Essa análise torna-se
tormentosa quando há possibilidade de que uma conduta seja constituída por vários atos. É
preciso assim estabelecer um critério para definir quando diversos atos fazem parte de uma só
ação ou quando constituem isoladamente uma conduta. Pierangeli e Zaffaroni elencam dois
critérios para solucionar tal dilema: o fator final e o fator normativo. Para que os diversos
movimentos exteriores sejam considerados como componentes de uma só ação, eles devem
33 RIQUELME, Rafael Fontecilla. Op. Cit., p. 46.34 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 34ª ed. São Paulo: Saraiva. 2013, v. 1, p. 266.
27
estar reunidos em um plano comum, de maneira que estariam abarcados pela unidade de
resolução do agente. Esse seria o fator final. Isto significa que os movimentos necessários à
realização do fim (lesão ao bem jurídico) devem estar abrangidos tanto pelo elemento
cognitivo quanto volitivo do agente, como se fizessem parte de um planejamento único. Mas
o fator final não seria suficiente para unificar os atos em uma só conduta. Seria necessário
também um fator normativo para possibilitar a conversão em unidade de desvalor. Esse fator
seria extraído do próprio tipo, por meio do qual o intérprete avaliaria se o resultado poderia
ser considerado de forma unitária como uma lesão única ao bem jurídico35. Mediante a
utilização desses dois critérios, podemos identificar as seguintes hipóteses de unidade de lesão
jurídica:
a) quando há vários atos que correspondem a um só plano final e que são
típicos de um tipo que em geral admite uma pluralidade de movimentos.
Como exemplos temos o homicídio (art. 121, CP) que pode se constituir por
meio de vários atos (diversos golpes) ou de apenas um (um tiro);
b) quando o próprio tipo exige um conjunto de atos indispensáveis à
configuração do delito. É o caso do estupro (art. 213, CP) no qual se é
exigido a violência e a conjunção carnal ou outro ato libidinoso;
c) crimes de ação múltipla: quando o tipo penal elenca várias condutas, sendo a
prática de qualquer uma suficiente para configurar o delito. Isso ocorre, por
exemplo, na constituição de milícia privada (art. 288-A, CP), no qual o tipo
se perfaz pelas condutas de “constituir, organizar, integrar manter ou custear
organização paramilitar”. A prática em uma mesma ocasião e contra a
mesma vítima de mais de uma das ações elencadas não tem o condão de
multiplicar os fatos puníveis;
d) delitos permanentes: nos quais a realização de vários atos tem o objetivo de
fazer perdurar determinado estado, de modo que o momento consumativo se
potrai no tempo;
e) crimes habituais: É a modalidade em que a conduta delitiva se caracteriza
com a reiteração de vários atos idênticos. A conduta na verdade é
proveniente da assiduidade da prática, indica um estilo ou hábito de vida.
35 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Op. Cit., p. 642-43.
28
Um ato isolado, portanto, é insuficiente para configurar o delito. É o caso do
curandeirismo (art. 284, CP).
Há uma situação específica a merecer realce: o concurso aparente de normas. De
acordo com Ney Fayet Junior36, ocorre tal modalidade quando “duas ou mais normas penais,
que tem vigência simultânea e pertencem ao mesmo ordenamento jurídico, disputarem, de
modo aparente, a incidência (enquadramento típico) sobre um único fato natural”. A
aparência da concorrência se dá pelo fato de que apenas uma das normas é aplicada. Trata-se,
na realidade, de um caso de antinomia jurídica que ocorre em âmbito penal quando em um só
fato punível recaem mais de um tipo. É, portanto, uma questão atinente à interpretação
jurídica e, como tal, deve ser solucionada por meios dos critérios consagrados na
hermenêutica jurídica: princípio da especialidade, princípio da consunção e princípio da
subsidiariedade.
a) princípio da especialidade – Decorre do brocardo lex specialis derogat legi
generali. Conforme este cânone interpretativo, quando um tipo é formado
pelos elementos típicos de algum outro tipo com acréscimo de mais alguns
elementos apenas haverá a incidência do tipo mais específico, ou seja,
daquele que exige a maior quantidade de elementos. Há, assim uma relação
de subordinação do tipo mais abrangente ao tipo mais específico. Esse
fenômeno pode ser ilustrado pela figura do infanticídio (art. 123, CP), tipo
penal que, em tese, comportaria o enquadramento típico do delito de
homicídio; mas como essa figura típica exige um elemento especial
(influência do estado puerperal), terá prevalência sobre aquele;
b) princípio da consunção – Consubstanciado no brocardo lex consumens
derogat consumptae. Nesse caso há consunção de um delito pelo outro ocorre
em virtude de uma relação material entre eles. Como se um dos delitos fosse
uma forma de consumação ou exaurimento do outro em virtude de sua maior
gravidade. O tipo penal de um crime constitui elemento típico de outro, como
se fosse uma etapa de tal delito, modalidade denominada de crime complexo.
É o que ocorre por exemplo no delito de estupro quando ocorre lesões leves
em razão da violência praticada. A lesão, nesse caso, é vista como uma etapa
do crime de estupro. Ocorre a incidência do princípio da consunção também
nos delitos progressivos, ou seja, naqueles que o desígnio do autor é único
36 FAYET JR., Ney. Op. Cit., p. 227.
29
mas para atingir o resultado ele passa por uma progressão de crimes. Como
alegoria, podemos citar o caso das lesões corporais no homicídio;
c) princípio da subsidiariedade – Corolário do brocardo lex primaria derogat
legi subsidiarie. De acordo com Pierangeli e Zaffaroni37, “ocorre quando há
uma progressão na conduta típica, em que a punibilidade da etapa mais
avançada mantém interferida a tipicidade das etapas anteriores”. É o caso de
atos preparatórios que por si já configuram crime autônomo, mas que ficam
absorvidos pela tentativa ou pela consumação de um crime mais grave.
Fenômeno presente no disparo de arma de fogo (art. 15 da Lei 10.826/03) que
fica absorvido quando há tentativa de homicídio.
3.2.3 Crime continuado como espécie do concurso material
O crime continuado constitui uma ficção jurídica. Essa ficção está lastreada no fato de,
inobstante sua estrutura ser idêntica ao do concurso material, porquanto seja composto por
uma pluralidade de condutas, o ordenamento jurídico lhe conferir efeito diverso a de tal
modalidade ao estabelecer a exasperação como seu sistema de aplicação de pena. Por esta
razão, Pierangeli e Zaffaroni denominam esse instituto de falso crime continuado ou concurso
material atenuado. De acordo com seu entendimento, existiria um verdadeiro crime
continuado não contemplado na legislação e que configuraria um crime único. Neste, a
variedade de atos praticados, unidos por uma unidade de resolução (fator final), apenas
implicaria em um maior choque da conduta e não em sua pluralidade; enquanto no falso crime
continuado haveria uma pluralidade de condutas, mas apenas uma unidade de culpabilidade38.
É evidente, assim, que na configuração da continuidade delitiva existe efetivamente
uma série de condutas, as quais configuram isoladamente crimes autônomos, mas que por
determinação legal são tratadas de modo unitário para fins de avaliação da punibilidade do
agente. O motivo deste tratamento diverso decorrente da lei tem por justificativa uma relação
de continuidade entre os delitos. Os crimes cometidos possuem certa homogeneidade,
similaridade esta a qual o ordenamento jurídico reconhece uma situação de menor
culpabilidade do que a que comumente está atrelada ao concurso material. Sendo assim,
torna-se necessário adequar a pena correspondente a esta ocasião, considerando a lesividade
37 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: partegeral. 11ª. São Paulo: RT, 2015, p. 655.38 Id. Ibid, p. 646.
30
da conduta do agente, sob o prisma da racionalidade e proporcionalidade, utilizando como
parâmetro a forma de dosagem da pena nas outras modalidades concursais.
Podem ser identificadas duas fases na configuração da continuidade delitiva. Na
primeira, os delitos são considerados isoladamente. Nesta etapa, são avaliados a tipicidade, a
ilicitude, culpabilidade e a prescrição de cada conduta, além de ser fixada a punição cabível
para cada. É nessa fase que se verifica o concurso material. Imprescindível é a realização da
dosimetria de cada delito nesta etapa, pois, conforme, a regra insculpida no artigo 71 do
código penal, o delito mais grave servirá como base para unificação dos delitos, incidindo
sobre ele o aumento de pena decorrente da continuidade delitiva (de um sexto a dois terços).
Desse modo, a ausência de fundamentação específica acerca da dosimetria de cada crime da
cadeia sequencial de delitos, pautada nos elementos concretos de cada caso, importará na
violação da ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988 - CFRB/88) e da
individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CFRB/88). Ademais, a dosimetria individual de
cada ilícito é primordial para análise da prescrição e da comparação com a pena que seria
proveniente do cúmulo material. Por conseguinte, a inexistência da fixação isolada da pena
importa em nulidade39. Essa nulidade, conforme entendimento consolidado
jurisprudencialmente pelo Supremo Tribunal Federal, será apenas parcial, pois exige a
comprovação de prejuízo ao réu e incidirá exclusivamente sobre a individualização da pena,
sem, contudo, invalidar todo o édito condenatório (STF, RHC 107.381/DF, Rel. Cármen
Lúcia, j. 31.5.11).
Na segunda fase, ocorre a unificação dos delitos. Para atribuir este efeito, o juiz deverá
avaliar os critérios elencados no mencionado dispositivo, reconhecendo, assim, o nexo de
continuidade entre os ilícitos penais. Convencido da homogeneidade entre os crimes, o
julgador aplicará o acréscimo da pena estabelecido em lei. Conforme o entendimento
edificado pelo Superior Tribunal de Justiça, o quantum a ser acrescido deve ser fixado
objetivamente de acordo com a quantidade de infrações cometidas (STJ, HC 215226/SP, Rel.
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, j. 17.10.13), como forma de evitar o bis in idem40.
Por fim, impende ressaltar que existem dois tipos de continuidade delitiva. O primeiro
é o crime continuado comum estabelecido no caput do artigo 71 do código penal. O segundo
foi instituído no parágrafo único deste mesmo artigo. É denominado de crime continuado
39 ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Da aplicação da pena em crime continuado ante a reforma de 1984 .Justitia, São Paulo, v. 49, n. 140, out./dez. 1987, p. 118.40 GOMES, Duarte Bernardo. Comentários sobre a aplicação da pena em crime continuado. RevistaJurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, v. 1, abr,/1997, p 105.
31
especial, qualificado ou específico. Esta modalidade, na verdade, é uma espécie do crime
continuado comum, mas com adição de mais três requisitos: I) crimes dolosos, II) emprego de
violência ou grave ameaça à pessoa, e III) vítimas distintas. Apesar de ser uma espécie do
crime continuado comum, esta modalidade foi criada com uma finalidade completamente
distinta. Enquanto o fenômeno da continuidade delitiva foi inspirado por razões humanitárias,
o crime continuado especial surge do reconhecimento de que a aplicação deste instituto a
determinados casos pode implicar em um benefício injustificado a situações que demonstrem
um maior grau de periculosidade do agente. Por esta razão, o mencionado dispositivo confere
ao julgador a faculdade de atenuar o abrandamento da pena em tais ocasiões, permitindo que
seja fixada em até o triplo da pena do delito mais grave, desde que não ultrapasse a pena que
seria aplicada em caso de cúmulo material.
32
4. ESTRUTURA DO CRIME CONTINUADO E LIMITAÇÃO TEMPORAL
4.1 Pluralidade de condutas
Por se constituir em um tipo de concurso material, impõe-se reconhecer que o primeiro
requisito para configuração da continuidade delitiva é a existência de multiplicidade de
condutas. Essa é, inclusive, a primeira etapa para o reconhecimento desse fenômeno jurídico.
A análise da unicidade ou pluralidade de ações já foi abordada no capítulo anterior.
Desnecessário se faz, portanto, tratá-la novamente.
4.2 Crimes da mesma espécie
De acordo com o preceito do artigo 71 do código penal, para haver a caracterização da
continuidade delitiva entre os crimes da cadeia sequencial é mister que eles sejam da mesma
espécie. Paira sobre essa expressão uma discussão doutrinária acerca de sua significação.
Ney Fayet Jr. identifica duas grandes correntes sobre esse aspecto: a) uma orientação
mais conservadora e b) uma mais liberal. A primeira, predominante entre os Tribunais
Superiores, compreende a expressão “mesma espécie” como delitos descritos no mesmo
dispositivo legal, comportando, entretanto, as formas consumadas, tentadas, simples,
agravadas ou qualificadas. A segunda vertente, prevalecente na doutrina, partilha o
entendimento de que crimes da mesma espécie são aqueles que lesionam o mesmo bem
jurídico e que guardam entre si caracteres objetivos e subjetivos comuns41.
Com efeito, a corrente liberal é a mais compatível com a figura da continuidade
delitiva e sua construção histórica pautada no princípio do favor rei. Se a finalidade desse
instituto é adequar a pena a uma situação que revele menor culpabilidade, não há qualquer
óbice para que esse cenário se caracterize diante da prática de infrações que não estão
contidas no mesmo preceito legal. Comunga da mesma opinião, René Ariel Dotti para quem
“a interpretação contrária, literal e radicalizante, cede frente à realidade da vida e à melhor
compreensão sobre a natureza e os objetivos de Política Criminal que embasam o instituto”42.
41 FAYET JR., Ney. Op. Cit., p. 262.42 DOTTI, René Ariel. Algumas notas sobre o crime continuado. p. 3. Disponível emhttp://www.professordotti.com.br. Acesso em: 25/04/17.
33
Prossegue o renomado autor43, oferecendo um exemplo de continuidade delitiva evidente
entre crimes de artigos distintos, citado por Jair Leonardo Lopes:
Imagine-se um balconista que, para fazer o lanche, durante vários dias, deixa decolocar diariamente na gaveta R$ 2,00, de parte das vendas realizadas. Depois disso,durante vários outros dias, aproveitando-se da ausência do padrão, tire da mesmagaveta R$ 2,00, para o mesmo fim. A primeira ação, que seria “apropriar-se”, estáprevista no art. 168, § 1º, III do Código Penal, enquanto a segunda está prevista noart. 155, § 4º, II, do Código Penal. É justo que lhe seja considerada a existência docrime continuado, pois a aplicação do concurso material seria extremamente severa.
Outrossim, quando o legislador penal se refere a violações da mesma norma penal,
emprega a expressão “crimes idênticos” constante dos artigos 69 e 70 do Diploma Penal.
Desse modo, conclui-se que a pretensão do legislador no crime continuado não foi a de aludir
a tipos oriundos do mesmo dispositivo legal, pois, se assim almejasse, teria utilizado a
expressão supramencionada. Por outro lado, o emprego do termo “espécie” revela a tentativa
pelo legislador de aproximação a um modelo classificatório. Neste talante, o termo espécie
seria mais compatível para identificar os crimes de um mesmo capítulo, enquanto o “gênero”
seria correspondente ao título do Código Penal ao qual o capítulo estaria inserido. A
conclusão lógica decorrente seria, assim, que só entre crimes de um mesmo capítulo poderia
ser reconhecido o nexo de continuidade, mas não entre capítulos distintos, mesmo que
localizados no mesmo título44.
4.3 Nexo de continuidade
Não basta apenas que as infrações penais sejam da mesma espécie para configurar a
continuidade delitiva. É imprescindível que entre os delitos praticados haja uma relação de
continuidade, ou seja, que eles de certa forma apresentem uma conexão, tenham traços em
comum. Essa similaridade entre os crimes não diz respeito especificamente aos seus
elementos típicos, é referente às circunstâncias de execução dos delitos. Leva-se em
consideração toda a conjuntura fática em que os ilícitos foram praticados. O fenômeno da
continuidade delitiva foi construído com o propósito de beneficiar os agentes que se
encontrassem em uma situação de menor reprovabilidade de sua conduta. Esses elementos
circunstanciais servem justamente como evidência desse cenário de culpabilidade mitigada,
na qual a junção de vários fatores pode induzir o agente à prática do crime e a facilitar a
perpetuação da conduta criminosa.
43 DOTTI, René Ariel. Op. Cit., apud LOPES, Jair Leonardo. p. 3.44 FAYET JR., Ney. Op. Cit., apud GALVÃO, Fernandes, 2013, p. 286.
34
A homogeneidade dos delitos é, entretanto, um requisito pouco preciso e que, por
conseguinte, tem gerado tormentosos embates doutrinários. O artigo 71 do Código Penal
estabelece como critérios para avaliar a continuidade entre os delitos as condições de tempo,
lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Em virtude da literalidade de tal dispositivo,
muitos julgadores têm utilizado esses critérios como verdadeiros requisitos do crime
continuado. Contudo, essa não parece ser a melhor solução para caracterização desse instituto.
A unificação dos delitos na continuidade delitiva tem por função a adequação da pena em
virtude de uma situação de menor culpabilidade. A principal tarefa do juiz nesse ponto é
analisar se tal situação se concretizou. Portanto, não deverá o julgador adotar um rigor
exacerbado, exigindo o cumprimento estrito das circunstâncias estabelecidas no dispositivo
legal. Constatada a existência desse cenário de menor reprovabilidade social, deve ser
reconhecido o nexo de continuidade delitiva entre os delitos, independentemente se houve a
caracterização de todos os critérios elencados. Essa é a posição adotada por Ana Martins45:
“Determinante para a concretização deste pressuposto é a existência de uma situaçãoexterior, que facilita a prática de novo crime ou desincentiva o agente a agir deacordo com o Direito. Tal situação deve ser real e considerável. Desta forma,admite-se que a circunstancialidade que contribui para a decisão de continuar acontrariar a lei, deve originar uma diminuição de culpa no caso concreto. Ou seja,através de uma construção teleológica do conceito de crime continuado, pretende-sea diminuição da gravidade revelada pela situação concreta, num caso de concurso decrimes.”
As circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução não podem, portanto, serem
consideradas como requisitos ou pressupostos do crime continuado. São verdadeiros critérios,
ou seja, atuam como vetores interpretativos que devem nortear a atividade cognitiva do juiz
direcionada a abalizar a culpabilidade do agente em um cenário de concurso de crimes. Essa é
também a opinião do mestre Damásio de Jesus para quem é insuficiente a identidade das
circunstâncias objetivas, sendo necessário também que “os delitos tenham sido praticados
pelo sujeito aproveitando-se das mesmas relações e oportunidades ou com a utilização de
ocasiões nascidas da primitiva situação”; e, persiste o insigne jurista destacando voto de lavra
do juiz Dínio Garcia, segundo o qual as conexões espacial, temporal, e a homogeneidade do
modus operandi são apenas sintomas dessa situação de menor culpabilidade46.
Com base na essencialidade dos pressupostos do crime continuado, diversos
doutrinadores têm classificado os elementos componentes desse instituto em fundamentais e
45 MARTINS, Ana Rita Baptista. Op. Cit., p. 24.46 JESUS, Damásio de. Op. Cit., p. 652.
35
secundários. Ney Fayet Jr.47 para ilustrar essa classificação faz referência ao critério utilizado
por Maria Teresa Castiñeira Palou:
“La doctrina más generalizada exige para estimar um delito continuado várioselementos de carácter objetivo y uno subjetivo. Elementos fundamentales ysecundários. Son fundamentales aquellos sin cuya concurrencia no puede apreciarsela continuidade delictiva, y secundários los que pueden facilitar, o aclarar, laadmisión del delito continuado, pero cuya inexistência no impede la estimación deaquél. Los elementos secundários no son propriamente elementos del delitocontinuado, aparecen com frecuencia estrechamente ligados a alguno de losprincipales y actúan como prueba o indício de su concurrencia.”
De acordo com esse modelo classificatório, as condições de tempo, lugar e modo de
execução seriam enquadradas na categoria de elementos secundários, pois funcionariam como
indícios da sequencialidade entre os delitos. Contudo, a utilidade prática desta classificação é
discutível. Isto porque ela pode induzir o intérprete a crer que tais condições são componentes
da continuidade delitiva. Não o são. São apenas critérios para identificação do nexo de
continuidade entre os delitos, este sim verdadeiro componente da continuidade delitiva. Essa
identificação deve ocorrer através da análise conjunta das circunstâncias em que os crimes
estão inseridos. Decerto, o reconhecimento da continuidade delitiva será menos conturbado
quando todos os critérios circunstanciais restarem evidentes. Contudo, em determinadas
ocasiões algumas dessas circunstâncias não serão tão transparentes. Nessas hipóteses, a
imprecisão de uma das condições pode dificultar a identificação da continuidade delitiva, mas
poderá ser suprimida diante da nitidez dos outros fatores circunstanciais, em uma espécie de
equilíbrio casuístico entre esses critérios48. Segue essa mesma linha de raciocínio Manoel
Pimentel, para quem “o conjunto de tais circunstâncias é que informa o critério de aferição
da continuação criminosa, segundo a apreciação do julgador. Isoladamente, nenhuma delas
é decisiva”49.
A expressão utilizada pelo legislador carece de maior clareza. Não se pode delimitar
com segurança o sentido de condições de tempo, lugar e modo de execução. Uma
interpretação gramatical não permite, portanto, que a atividade do intérprete culmine em um
resultado restritivo ou extensivo. Dessa forma, a análise semântica dos termos empregados
para caracterizar a homogeneidade dos delitos não pode conduzir a uma limitação das
situações fáticas que podem se subsumir à norma da continuidade delitiva. Essa indefinição,
inclusive, parece ter sido manuseada propositalmente pelo legislador como forma de
reconhecimento da impossibilidade de se estabelecer uma fórmula completamente segura para
47 FAYET JR., Ney. Op. Cit., apud CASTIÑEIRA PALOU, María Teresa, 1977, p. 235.48 MARTINS, Ana Rita Baptista Op. Cit., p. 23.49 PIMENTEL, Manoel Pedro, 1922 -. Op. Cit., p. 146.
36
caracterizar o crime continuado, pois as nuances da realidade fática significativas para
estabelecimento do elo de continuidade ultrapassam a capacidade de previsão do legislador. O
propósito legal é, portanto, expandir a discricionariedade da atividade cognitiva do juiz no
reconhecimento da continuidade delitiva, que deverá ser sempre realizada de forma tópica. A
possibilidade, albergada no próprio preceito, de consideração de outras condições semelhantes
corrobora esse entendimento. Essa é também a conclusão lógica a que se chega por meio de
uma interpretação teleológica. A criação desse instituto guarda correspondência com o
princípio do favor rei e do sentimento de piedade. Dessa forma, a imprecisão presente no
aludido artigo não pode ser considerada em prejuízo do réu, exigindo-se estritamente a
identidade das condições elencadas. Ademais, caso esgotados todos os meios interpretativos
sem que tenha sido possível chegar a qualquer conclusão, vigora o princípio in dubio pro reo,
impondo-se a interpretação mais favorável ao réu50.
Os Tribunais pátrios não parecem, entretanto, terem captado a essência da
benignidade do instituto em epígrafe, haja vista a adoção de critérios rígidos e inflexíveis dos
quais resultam uma franca autorização aos juízes para afastar a caracterização da continuidade
delitiva com base na análise estanque de apenas um critério. Se de um lado existem
precedentes reconhecendo a configuração do crime continuado quando os delitos são
cometidos em comarcas próximas (STJ, HC 206227/RS, 5ª T., Rel. Hilton Queiroz, j.
6.10.11), ou em localidades diferentes por empresas do mesmo grupo econômico (TRF4,
AGE 2005.71.07.003386-0, 8ª T., Rel. Élcio Pinheiro de Castro, j. 7.12.05); por outro, há
julgados em que é exigido o cumprimento de um estrito lapso temporal entre os delitos. Nesse
toar, a jurisprudência anda na contramão do entendimento consolidado doutrinariamente e na
maior parte dos ordenamentos jurídicos estrangeiros de que as circunstâncias externas devem
ser tratadas como elementos acessórios do crime continuado51. Afasta-se, ainda, do contexto
histórico de criação desse instituto e a finalidade que embasou a sua instauração.
4.4 Prevalência do elemento subjetivo
O ponto mais controverso atinente à teoria do crime continuado é, sem sombra de
dúvidas, a existência de um elemento subjetivo na composição de sua estrutura. Acerca de sua
exigência despontam duas grandes teorias: a) a teoria objetiva ou teoria objetiva pura, e, b) a
50 JESUS, Damásio de. Op. Cit., p. 86.51 POSADA MAYA, Ricardo. El delito continuado. Revista Digital de la Maestría en Ciencias Penales de laUniversidad de Costa Rica, N° 3, 2011, p. 94.
37
teoria subjetivo-objetiva ou teoria mista. A teoria objetiva isenta a configuração do crime
continuado de qualquer exigência de um fator subjetivo. O fenômeno da continuidade se
configuraria, portanto, apenas com a análise dos elementos objetivos. As circunstâncias
externas do crime seriam suficientes para revelar a homogeneidade dos delitos. A teoria mista,
por sua vez, concede importância crucial a um fator subjetivo. Este elemento seria primordial
para a caracterização do crime continuado, sem ele não seria possível formar o nexo de
continuidade entre os ilícitos penais. Contudo, a presença desse nexo subjetivo não seria
suficiente, a sequencialidade decorreria da junção desse fator subjetivo com os demais
elementos objetivos. Apenas a título de ilustração, tendo em vista seu completo desuso, insta
salientar que existe uma terceira vertente denominada de teoria subjetiva. Esta corrente tem
índole exclusivamente subjetiva, sustenta a tese de que na caracterização da continuidade
delitiva deve ser considerado apenas o elemento subjetivo.
O código penal brasileiro adotou a teoria objetiva pura. Essa conclusão pode ser
extraída da própria análise do artigo 71, em virtude da ausência de qualquer menção a um
elemento subjetivo; tanto quanto da sua exposição de motivos (Lei nº 7.209/84) em cujo
parágrafo nº 59 há alusão expressa ao acolhimento desta teoria. Não se pode olvidar,
inclusive, de que, quando outrora o ordenamento jurídico optou pela teoria mista com o
Decreto-Lei nº 4.780/1923, o legislador penal se referiu de forma explícita ao coeficiente
subjetivo por meio da expressão “resultantes de uma só resolução”.
Contudo, no que pese a consagração da teoria objetiva em nosso sistema penal, os
tribunais superiores têm consolidado entendimento distinto quanto a esse aspecto. Tanto o
Supremo Tribunal Federal quanto Superior Tribunal de Justiça têm se filiado à corrente da
teoria subjetivo-objetiva. Dessa forma, esses egrégios tribunais vislumbram na configuração
do crime continuado a necessidade de um elemento subjetivo, fundamental para formar o
nexo de continuidade entre os delitos. É o que se depreende dos seguintes precedentes:
..EMEN: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.PACIENTE CONDENADO À PENA CORPORAL TOTAL DE 8 ANOS E 8MESES DE RECLUSÃO, PELA PRÁTICA DE TRÊS DELITOS DE ROUBO,DOIS DELES EM CONTINUIDADE DELITIVA. TESE DE INCIDÊNCIA DOART. 71 DO CÓDIGO PENAL EM RELAÇÃO AOS TRÊS CRIMES. LAPSOSUPERIOR A 30 DIAS DIAS. REVISÃO DO JULGADO. VIA IMPRÓPRIA.HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. - O Supremo Tribunal Federal, por suaPrimeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante dautilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a suaadmissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursalprópria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos deflagrante ilegalidade. - De acordo com a Teoria Mista, adotada pelo CódigoPenal e pela jurisprudência desta Corte, mostra-se imprescindível, para aaplicação da regra do crime continuado, o preenchimento de requisitos não
38
apenas de ordem objetiva - mesmas condições de tempo, lugar e forma deexecução - como também de ordem subjetiva - unidade de desígnios ou vínculosubjetivo entre os eventos. - Hipótese em que o Tribunal de origem afastou aexistência de continuidade delitiva entre o primeiro delito de roubo, datado de22/8/2014, e os crimes patrimoniais praticados pelo paciente em 14 e 29/10/2014,tendo em vista a ausência de vínculo, dado o decurso de mais de trinta dias entre aprática do primeiro e a dos dois últimos delitos, entendimento que se amolda àjurisprudência deste Tribunal Superior. - Ademais, afastada, pelas instânciasordinárias, a ocorrência da continuidade delitiva, incabível a análise da ocorrênciaou não dos elementos objetivos e subjetivos para a configuração da continuidadedelitiva, por demandar o revolvimento do conjunto fático-probatório, inviável na viaestreita do habeas corpus. - Habeas Corpus não conhecido. ..EMEN:(HC 201600015321, REYNALDO SOARES DA FONSECA, STJ - QUINTATURMA, DJE DATA:12/05/2016 ..DTPB:.) (Grifo nosso)
CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 71). RECONHECIMENTO.INVIABILIDADE. AFERIÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART.59 DO CP. INVIABILIDADE. 1. Em se tratando de suposto vício ocorrido nasessão do júri, deveria ter sido suscitado de imediato pela defesa, conformeestabelece o art. 571, VIII, do CPP. Entretanto, essa insurgência só foi veiculada nasrazões do recurso de apelação, tornando a matéria preclusa. Precedentes. 2. A teordo que dispõe o art. 497, IV e XI, do CPP, não há falar em usurpação dacompetência do corpo de jurados o indeferimento de diligência formulada peladefesa e considerada, pelo Juiz Presidente, protelatória e desnecessária, sobretudoquando não há notícia de inconformismo por parte de algum membro do conselho desentença. Precedentes. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, abalizadapor parcela da doutrina especializada, são requisitos necessários paracaracterização da continuidade delitiva, à luz da teoria objetivo-subjetiva: (a) apluralidade de condutas; (b) a pluralidade de crimes da mesma espécie; (c) queos crimes sejam praticados em continuação, tendo em vista as circunstânciasobjetivas (mesmas condições de tempo, lugar, modo de execução e outrassemelhantes); e, por fim, (d) a unidade de desígnios. 4. No caso, as instânciasordinárias apresentaram fundamentação jurídica idônea no sentido de que ficoucomprovado que o paciente agiu movido por desígnios diferentes. Sendo esse oquadro, é inviável proceder ao reexame do suporte probatório que fora levado emconsideração para rejeitar a existência do elemento subjetivo. Precedentes. 5. Não éviável, na via estreita do habeas corpus, o reexame dos elementos de convicçãoconsiderados pelo magistrado sentenciante na avaliação das circunstâncias judiciaisprevistas no art. 59 do Código Penal. O que está autorizado é apenas o controle dalegalidade dos critérios utilizados, com a correção de eventuais arbitrariedades. Nocaso, entretanto, não se constata qualquer vício apto a justificar oredimensionamento da pena-base. Precedentes. 6. Ordem denegada. (HC 110002,TEORI ZAVASCKI, STF – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:09/12/2014.DTPB:.) (Grifo nosso)
Esse fator subjetivo encontra na doutrina diversas denominações, entre elas podem ser
citadas: dolo de conjunto, unidade de desígnio, unidade de resolução criminosa, dolo unitário,
propósito unitário, entre outras. A diversidade de expressões para designar essa unidade de
ideação reflete a dificuldade entre os juristas de a definir. O Supremo Tribunal Federal, por
meio da utilização do termo “unidade de desígnios”, sufragou uma posição mais rígida no que
tange ao requisito subjetivo. Essa unidade subjetiva é entendida como plano unitário.
Destarte, os delitos interligados na cadeia sequenciada devem estar abrangidos por um mesmo
plano, bem como a maior parte das circunstâncias exteriores, sem, contudo, ser exigido toda a
gama de peculiaridades. O elemento intelectivo do agente deve abarcar, portanto, a totalidade
39
dos crimes, o seu resultado final. Não seria suficiente, assim, um dolo genérico direcionado à
realização do delito sempre que fosse oportuno.
Os adeptos da teoria objetiva elaboram crítica ferrenha à adoção da teoria mista.
Asseveram que a exigência de uma carga subjetiva, sem qualquer previsão legal, ofende o
princípio da reserva legal na medida em que impõe uma conditio sine qua non para a
configuração de um benefício inspirado pelo princípio da equidade52. Hungria e Heleno
Fragoso53, por seu turno, repreendiam:
“O elemento psicológico reclamado pela teoria objetivo-subjetiva, longe de justificaresse abrandamento de pena, faz dele a paradoxal recompensa a um plus de dolo oude capacidade de delinquir. É de toda a evidência que muito mais merecedor de penaé aquele que ab initio se propõe a repetir o crime, agindo segundo um plano, do queaquele que se determina de caso em caso, à repetição estimulada pela anteriorimpunidade, que lhe afrouxa os motivos da consciência, e seduzido pelapermanência ou reiteração de uma oportunidade particularmente favorável.”
Ademais, os objetivistas sustentam que esse elemento subjetivo é de difícil
assimilação pelo intérprete por possuir uma dimensão psíquica cuja comprovação ficaria
atrelada à própria confirmação pelo agente. Dessa forma, os elementos objetivos elencados
pelo legislador comporiam um arsenal suficiente para aferição do nexo de continuidade54.
As objeções formuladas pelo objetivistas são bastante pertinentes em relação ao
tratamento jurisprudencial conferido a este coeficiente subjetivo. Todavia, não são suficientes
para afastar a análise desse elemento. Com efeito, o instituto da continuidade delitiva foi
inspirado pelo sentimento de piedade e pautado pelos princípios do favor rei e da equidade
social. Sua interpretação e aplicação devem se guiar por esses ideais, procurando facilitar o
reconhecimento de sua caracterização. A exigência de um requisito não previsto em lei é,
portanto, uma afronta ao objetivo do instituto. Entretanto, isto não significa que a aplicação da
continuidade delitiva deve ser expandida indiscriminadamente, custe o que custar.
O fenômeno da continuidade delitiva faz parte de um sistema jurídico que tem
pretensão de completude e, coerência lógica e racional; por conseguinte, deve se harmonizar
com os outros mecanismos jurídicos. O principal objetivo do crime continuado é afastar a
aplicação do cúmulo material nos casos de concurso material de crimes em que seja revelada
uma menor culpabilidade do agente. Deste modo, se, por um lado, como afirma Hungria, a
unificação dos delitos com base em um planejamento unitário pode revelar uma situação de
52 FAYET JR., Ney. Op. Cit., p. 260.53 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal, arts. 11 a 27. 5ª ed. Riode Janeiro: Forense, 1978. T.2, v. 1, p. 54.54 LIMA, Karina Vieira de e BACH, Marion. A (in)exigência do elemento subjetivo no crime continuado.Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2015-2016, p. 531. Disponível em:https://cadernopaic.fae.edu/cadernopaic/article/viewFile/228/189. Acesso em: 04/05/2017.
40
maior reprovabilidade; por outro, a utilização apenas de critérios objetivos não permite
identificar e distinguir tal situação. Isto porque o agente poderá planejar as circunstâncias
externas de execução dos crimes para se beneficiar com o reconhecimento da continuidade
delitiva. A consideração do coeficiente subjetivo é importante, no mínimo, para afastar tais
hipóteses de premeditação. Aliás, a análise exclusiva dos elementos objetivos tornaria inócua
a equiparação legal do concurso formal impróprio com o concurso material. Quando um
indivíduo pratica um crime logo em seguida a outro idêntico, sem modificar a forma de
execução, é evidente que, com base na teoria objetiva, o terá feito em continuidade delitiva,
porquanto seja impensável que as condições de lugar e de tempo se alterem em questão de
segundos ou breves minutos. Essa hipótese tem sido reconhecida jurisprudencialmente,
inclusive, em caso de crimes contra a vida, à exemplo do famoso caso da Chacina de Vigário
Geral, no qual o STF reconheceu a continuidade delitiva na prática de 21 homicídios e 4
tentativas promovido por um grupo de extermínio em um mesmo bar e em uma só ocasião55.
Notadamente, àquele que, através de uma só ação, pratique mais de um crime, resultante de
desígnios autônomos, será aplicado o cúmulo material, em conformidade com o disposto no
artigo 70 do Diploma Penal. Como justificar, portanto, a aplicação do cúmulo material ao
concurso ideal imperfeito diante da homogeneidade das circunstâncias externas, se para teoria
objetiva pura é justamente a similitude dos elementos objetivos que fundamenta a distinção
entre o crime continuado e o concurso material? Damásio de Jesus oferece também um
exemplo em que a avaliação exclusiva de fatores objetivos pode servir à promoção penal56:
“Quando se aquilata que a pena por dois roubos qualificados com penas mínimas (5anos e 4 meses) somariam 10 anos e 8 meses, a inclusão de permeio de um terceirocrime, com o aumento de 1/6 daria 6 anos e 2 meses, verifica-se o desajuste dacontinuação em sistema liberal”
A dependência da comprovação do nexo subjetivo pela afirmação do agente também
não prospera. Noções subjetivas relacionadas à prática do delito não implicam
necessariamente em uma dimensão psíquica. A análise subjetiva recai na relação do
comportamento do réu com às circunstâncias externas do crime. Avalia-se de que forma essas
circunstâncias podem ter contribuído para sua ação. Esse fator subjetivo, portanto, é extraído
das peculiaridades fáticas do crime e, por este motivo, não importa em depreciação dos
elementos objetivos, mas em sua valorização. Neste sentido, elucida Posada Maya que os
critérios objetivos “(...) están destinados a servir como elementos de soporte o indicios
55 HC nº 77.786-9/RJ, 2º Turma, Brasília, DF, j. 27.10.98, citado por CORREIA, Elvan Loureira de Barros. Op.Cit., p. 119.56 JESUS, Damásio de. Op. Cit., p. 653.
41
procesales, a partir de los cuales se deduce muchas veces la homogeneidad objetiva o el
elemento subjetivo que contribuye a configurar la unidad de infracción delictiva”57.
A própria noção de dolo contempla um elemento volitivo, tendo em vista que no
conceito de ação é considerado um querer, uma vontade dirigida a um fim. Apesar de sua
carga subjetiva, a comprovação do dolo não demanda prova psíquica. Sua abstração decorre
da ponderação das circunstâncias concretas. A avaliação subjetiva na caracterização do crime
continuado, portanto, vai ao encontro do desenvolvimento histórico da dogmática criminal, na
qual a culpabilidade assume papel crucial na estratificação dos comportamentos típicos58.
Contudo, essa culpabilidade não pode ser entendida em sua dimensão psicológica,
pretendendo imiscuir-se na psiquê humana para revelar os motivos internos que induziram o
agente à prática do crime. Deve ser considerada a culpabilidade em seu sentido normativo, na
qual se avalia a interação entre a conduta humana e os fatores exógenos a ela59. A
consideração da culpabilidade é exatamente a chave para distinção entre o crime continuado e
concurso material puro. Na continuidade delitiva há a atenuação da culpabilidade em virtude
de circunstâncias fáticas que facilitam a prática da infração e sua perpetuação. O agente
aproveita as condições e oportunidade que foram criadas com a primeira ação e que
favorecem a repetição de sua conduta. Nesse sentido, dispõe Manoel Pimentel60:
“À luz desse entendimento, pode-se ver perfeitamente que o crime continuadoapresenta a particularidade, no confronto com o concurso real de crimes, deencontrar-se o agente em meio a um processo de redução dos freios inibitórios, jáporque deu o primeiro passo criminoso, já porque perduravam as mesmas razões queo levaram a delinquir pela primeira vez. Ainda que este impulso criminógeno tenhasido determinado pelos fatores internos, inicialmente, o certo é que a continuaçãodelituosa obedeceu ao mesmo comando, perdurando a mesma situação de fato einalteradas as condições do quadro psicológico em que se colocou, ou em que seencontrava o agente”
É como se impulso criminoso ou a intenção delituosa fosse renovada a cada momento
em que a circunstância ou ocasião que lhe serviu de estímulo surgisse. Dessa forma, tanto o
dolo unitário, quando o agente logo na primeira ocasião percebe a conveniência daquelas
circunstâncias favoráveis e concebe desde logo um planejamento para agir; quanto o dolo
alternado, quando o impulso surge com a renovação da situação favorável, estariam
contemplados pela possibilidade de configuração desse instituto61.
57 POSADA MAYA, Ricardo. El delito continuado. Universidad de Salamanca. Faculdad de Derecho.Departamento de Derecho Público General. Área de derecho penal. Tesis para optar por el título de doctor emderecho penal, 2010, p. 530-31.58 FAYET JR., Ney. Op. Cit., p. 257.59 NETTO, Alcides Munhoz. Op. Cit., p. 142.60 PIMENTEL, Manoel Pedro, 1922 -. Op. Cit., p. 117.61 FAYET JR., Ney. Op. Cit., p. 250.
42
Ana Martins, citando o entendimento de Eduardo Correia, elenca à título de
exemplificação as situações mais comuns dessa patente culpabilidade reduzida62:
“a) em primeiro lugar, a circunstância de se ter criado, através da primeiraactividade constitutiva da infracção uma certa relação/acordo entre os sujeitos; b) acircunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime,que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a prática do primeiro crime; c) aperduração do meio apto para realizar um delito, que se criou ou adquiriu com vistaa executar a primeira infracção; d) a circunstância de o agente, depois de executar aresolução que inicialmente tomara, verificar a possibilidade de alargar o âmbito dasua actividade criminosa.”
Se, apesar de munido de todos esses recursos e critérios, o julgador não possuir
condições de avaliar a culpabilidade do agente em um cenário de concurso material de crimes;
deverá, então, reconhecer a continuidade delitiva. As condições e circunstâncias reveladores
da culpabilidade necessitam, sobretudo, de comprovação, portanto, possuem intrínseca
relação com o direito processual penal. Dessarte, na hipótese de dúvida razoável sobre sua
existência, deve ser aplicado o princípio nuclear deste ramo, o in dubio pro reo. Esse é o
entendimento do mestre Ney Fayet Jr.63:
“Decorre daí que, caso se apresente entre as condutas típicas sequenciadas o traçoinequívoco da incontinuidade, ou seja, se lhes faltem os requisitos existenciais parao nexo de continuação, se adotará, em termos de punibilidade, a regra do cúmulomaterial, desprezando-se, assim, o instituto em causa; não obstante, entre esses doispolos – perfeita demonstração do laço de continuidade, de um lado, e a inexistênciaabsoluta do vínculo de continuação, de outro – poderá desenhar-se um terrenonebuloso, em face do qual não se tem clara o tipo de concurso que deveria incidirsobre a pluralidade de condutas puníveis, o que será resolvido, processualmente, naentrega da prestação jurisdicional penal, a partir do comando (do princípio) do indubio pro reo, na medida em que se trata (o modelo-legal do crime continuado) dedireito público subjetivo penal do condenado, e a dúvida, nesta fase, deve beneficiá-lo.”
4.5 O fator temporal e sua limitação
Urge abordar o critério da temporalidade em campo específico em virtude do
tratamento que vem sendo conferido jurisprudencialmente a este elemento. O Superior
Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que o intervalo superior a 30 dias entre a
prática dos delitos descaracteriza a periodicidade peculiar à continuação delitiva. Nesse
sentido, destaca-se o seguinte precedente:
..EMEN: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.CONTINUIDADE DELITIVA RECONHECIMENTO. PRAZO SUPERIOR A 30DIAS. AGRAVANTE QUE FAZ DO CRIME MEIO DE VIDA E SUSTENTO. I -O lapso de tempo superior a trinta dias entre o cometimento dos delitosimpossibilita o reconhecimento da continuidade delitiva, porquanto
62 MARTINS, Ana Rita Baptista. Op. Cit., apud CORREIA, Eduardo Henriques da Silva, 1971, p. 25.63 FAYET JR., Ney. Op. Cit., p. 161.
43
descaracteriza o requisito temporal, que impõe a existência de uma certaperiodicidade entre as ações sucessivas. II - No Processo n. 19397003799 houve aunificação de três condenações com condutas praticadas em 27/1/1997, 1/2/1997 e11/2/1997. O fato delituoso que deu origem ao Processo n. 1900930990, por suavez, foi cometido em 24 de março de 1997. Superior a 30 (trinta) dias o intervalo,fica afastada a regra da continuidade delitiva. III - O agravante, condenado à penaprivativa de liberdade de 62 (sessenta e dois) anos e 20 (vinte)dias de reclusão, pelaprática de crimes de roubo duplamente majorado (5x), resistência, receptação,homicídio qualificado, tráfico de drogas e associação para o tráfico, faz do ilícitoprofissão, tomando-o como meio de vida e de sustento. Inviável, na hipótese, aunificação das penas pela continuidade delitiva. IV - Agravo regimentalimprovido. ..EMEN:
(AGRESP 201402662350, REYNALDO SOARES DA FONSECA - QUINTATURMA, DJE DATA:30/09/2015 ..DTPB:.) (Grifo nosso)
Essa posição encontra acolhimento dos tribunais inferiores e, inclusive, do próprio
Supremo Tribunal Federal, inobstante este último não a aplicar de forma completamente
inflexível. No entanto, esse entendimento tem causado sérios prejuízos aos réus. Isto porque
essa tese tem sido utilizada de forma inexorável para afastar a configuração da continuidade
delitiva, sem que seja analisado, inclusive, os outros critérios objetivos. Não se desconsidere
que, uma vez afastada a continuidade delitiva com fundamento no fator temporal, torna-se
impraticável a avaliação dos demais critérios pelos Tribunais Superiores pela via do habeas
corpus ou pelo recurso extraordinário, pois implicaria o revolvimento do conjunto fático-
probatório, esbarrando na súmula 7 do STJ e 279 do STF (HC 101.733, MIN. MARCO
AURÉLIO – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA 08/09/2015).
A análise estrutural do crime continuado feita nesse trabalho permite concluir que a
adoção da tese encampada pelo STJ não tem cabimento. Primeiramente, porque as condições
de lugar, tempo e modo de execução não são requisitos do crime continuado, mas critérios
que norteiam o seu reconhecimento. Dessa forma, só a análise conjunta desses elementos
pode conduzir a aplicação do instituto em epígrafe. Ainda, porque o elemento subjetivo tem
prevalência sobre os demais critérios, porquanto seja o parâmetro mais adequado para revelar
a situação de menor culpabilidade visada para a aplicação de tal fenômeno jurídico.
Contudo, com a finalidade de suprimir completamente esta tese, consideraremos
possível atribuir ao elemento temporal a natureza de requisito para demonstrar que, mesmo
em tal hipótese, não há razões para delimitar previamente o intervalo de tempo máximo entre
as infrações.
44
4.5.1 Princípio da proporcionalidade e a promoção penal.
O princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso tem dimensão
constitucional, sem embargo de não estar expressamente previsto em nossa Carta Magna, pois
funciona como forma de limitação e controle do poder estatal, e, desse modo, equipara-se a
uma ferramenta de proteção dos direitos individuais. Ele pode ser definido como instrumento
por meio do qual se procede ao exame da medida a ser tomada pelo Estado, com o objetivo de
determinar sua adequação e necessidade à finalidade apontada por seu agente, e se através
dela foi garantida uma relação de proporcionalidade entre o bem protegido pela atividade
estatal e aquele que por ela é atingido ou sacrificado64. Em âmbito penal, ele pode ser dirigido:
a) ao legislador, para preservar a harmonia entre cominação de penas e os modelos de
condutas proibidas; ou, b) ao juiz, para fundamentar o equilíbrio entre a aplicação das penas
e os concretos modos de realização do crime65.
O princípio da proibição do excesso é composto por três subprincípios. O primeiro
deles é o subprincípio da adequação. Esse componente é utilizado na análise da eficácia da
medida estatal para obtenção do fim pretendido pelo legislador. Há também o subprincípio da
necessidade. Por meio dele, o jurista procura revelar todas as medidas eficazes possíveis para
atingir o fim visado pelo legislador e avaliar qual delas é menos prejudicial a outros direitos
fundamentais. O terceiro princípio é denominado de proporcionalidade em sentido estrito. Se
for inviável criar uma medida que não apresente qualquer gravidade aos interesses jurídicos
atingidos, essa colisão entre direitos deve ser resolvida por meio de uma ponderação dos
valores envolvidos para estabelecer qual deles e em que intensidade deve prevalecer66. Esse
sopesamento ocorre justamente por esse último subprincípio.
A decisão judicial é um ator do poder estatal e, como tal, também está sujeito a
controle de mérito por meio do princípio da proporcionalidade. O crime continuado foi criado
por razões de política criminal. O objetivo era afastar a aplicação do cúmulo material no
concurso real de crimes quando ocorresse uma situação evidente de culpabilidade atenuada.
Desse modo, deve ser perquirido: a tese firmada pelo STJ em preestabelecer um limite para o
intervalo entre a prática de crimes é meio propício para afastar a situações de maior
culpabilidade ou que não se enquadrem no cenário imaginado pelo legislador?
64 SANTOS, Gustavo Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo TribunalFederal: limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Editora Lumem Juris, 2004, p. 107.65 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2010, p. 211.66 SANTOS, Gustavo Ferreira. Op. Cit., p. 113-14.
45
A resposta é notoriamente negativa. Isto porque a periodicidade da prática de ilícitos,
isoladamente, pouco revela sobre a situação ou a ocasião do crime. Aliás, supõe-se que aquele
com mais assiduidade no cometimento de delitos encontra-se em uma situação de maior
reprovação do que aquele menos assíduo e que guarda um maior lapso temporal entre os
crimes praticados. Nesta senda, o agente mais assíduo acabaria sendo premiado com a
aplicação do benefício em detrimento daquele que praticasse com menor frequência.
Imagine o seguinte caso: uma família que faz uma viagem de um final de semana a
cada três meses, deixando a casa sob os cuidados da empregada, que vislumbra na ausência
prolongada dessa família uma oportunidade de furtar objetos e dinheiro que se encontram na
residência, sem que haja qualquer desconfiança. A trabalhadora procede sempre da mesma
maneira, subtraindo sempre um valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) para que ninguém perceba
o ato. Essa situação perdura por 3 anos quando as ações são finalmente descobertas. Note-se
que ao final da empreitada o valor total da subtração atingirá o montante de R$ 600,00
(seiscentos reais). Contudo, aplicando a tese consagrada pelo STJ, a empregada terá praticado
12 furtos e na dosimetria será aplicado o cúmulo material. Portanto, mesmo que seja
reconhecida a forma simples e aplicada a pena em seu patamar mínimo (1 ano), a empregada
será apenada com 12 anos de reclusão.
Agora consideremos um empregado responsável pelo caixa de uma loja. Vamos supor
que esse empregado se aproprie mensalmente do valor de 100,00 (cem reais) do caixa e que
essa situação perdure por um ano. O valor apropriado total será de 1.200,00 (mil e duzentos
reais). Esse é um caso típico de continuidade delitiva e, conforme entendimento do STJ,
comportaria a aplicação do instituto. Dessa maneira, o empregado, mesmo se a pena-base
fosse aplicada no máximo, seria apenado com 4 anos de reclusão.
Com base na comparação desses dois casos hipotéticos, é fácil perceber que o
entendimento do STJ pode implicar em sanção mais grave àquele cujo prejuízo ocasionado foi
menor do que a aplicada a alguém provocador de um resultado mais lesivo. A delimitação
prévia de um limite temporal falha, portanto, na individualização da pena, pois impede a
consideração da lesividade das ações em situações semelhantes.
Evidentemente, quanto maior for o intervalo de tempo entre um delito e outro,
sobretudo quando forem poucas as infrações, mais difícil será o reconhecimento da
continuidade delitiva. Contudo, a simetria da periodicidade entre os delitos e a quantidade de
infrações também deve ser considerada na temporalidade. Ademais, as ocasiões que surgem
46
como estímulo à prática do delito muitas vezes são eventos que ocorrem de forma
predeterminada como as férias, ou o fato gerador de um tributo (declaração de imposto de
renda). Nessas hipóteses, a própria jurisprudência dos tribunais superiores tem retrocedido
para aceitar lapsos temporais superiores a trinta dias. Nesse diapasão, é de se destacar os
seguintes precedentes:
No meu sentir, contudo, a questão cronológica não deve ser determinada de antemão- prefixando-se um quantitativo temporal. Penso que a realidade, rica em nuances ematizes, deve ser sempre examinada. Assim, pode haver vinculação pessoal entrecomportamentos que distam mais de um mês e, por outra volta, em hipóteses menosdilatadas, pode ela inexistir. Imagine-se, assim, fenômenos que somente acontecemtrimestralmente - diante de tais fatos, seria forçoso admitir-se a possibilidade daocorrência de crime continuado. (RESP 1.096.614/RS, MARIA THEREZA DEASSIS MOURA - SEXTA TURMA, DJE DATA:14/09/2009 ..DTPB:.)
Certo, tratando-se de crime de sonegação de tributo de recolhimento mensal, parecerazoável admitir-se, sem desfigurar a continuidade delitiva, um intervalo maior.(STF, HC 89573/PE, SEPÚVELDA PERTENCE - PRIMEIRA TURMA, DJEDATA:13/02/2007 ...DTPB:.)
CONTINUIDADE DELITIVA – ELEMENTO TEMPORAL. Caso a caso, há de serperquirida a continuidade delitiva, considerado o fator tempo, sem adotar-se,peremptoriamente, o intervalo máximo, entre os crimes, de trinta dias – precedente:Habeas Corpus nº 89.573/PE, relator ministro Sepúlveda Pertence, julgado pelaPrimeira Turma em 13 de fevereiro de 2007, com acórdão publicado no Diário daJustiça de 27 de abril subsequente. (STF, HC 101733/RS, MARCO AURÉLIO -PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:08/09/2015 ..DTPB:.)
A periodicidade entre os delitos deve ser aferida tendo como parâmetro a própria
situação concreta ensejadora de uma culpabilidade atenuada. Desse modo, essa avaliação só
pode ser realizada casuisticamente, impedindo a criação de um limite genérico. Aliás, a
própria eventualidade da ocasião ensejadora do crime continuado permite concluir que a
temporalidade não pode ser considerada apenas como fator cronológico, mas pode estar
relacionada também a fatores meteorológicos, naturais e culturais; por exemplo, crimes
cometidos diante da fragilidade da segurança pública em tempos chuvosos ou quando há
greve dos policiais militares, delitos cometidos durante estações determinadas quando há
maior frequência de turistas67.
O prévio estabelecimento de uma restrição temporal à configuração do crime
continuado pode, ainda, provocar efeito oposto ao pretendido: servir como estímulo à
reiteração da conduta delituosa. O agente pode sentir a necessidade de encadear outras
infrações apenas a fim de cumprir o requisito temporal e poder se beneficiar com a aplicação
do instituto, no que pese a ocorrência da ocasião propícia à prática do delito ocorrer de forma
mais esparsa. Nesse talante, cabe salientar que o próprio Superior Tribunal de Justiça tem
afastado a utilização de institutos benéficos ao réu quando sua aplicação se traduza em
67 FAYET JR., Ney. Op. Cit., apud PINHEIRO, José Rodrigues, 1985, p. 291.
47
promoção penal. É o entendimento consolidado, por exemplo, para aplicação do princípio da
insignificância na hipótese de reincidência:
..EMEN: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDIÇÕES. REINCIDÊNCIA.INAPLICABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ, prestigiando o entendimento doPretório Excelso, é pacífica no sentido de que o afastamento da tipicidade materialpelo princípio da bagatela está condicionado, cumulativamente, à mínimaofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, aoreduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e à inexpressividadeda lesão jurídica provocada. Ausente qualquer um destes requisitos, mostra-seinviável a aplicação do referido princípio. 2. A reincidência frustra opreenchimento dos requisitos estabelecidos pela jurisprudência do STF, emrazão da notória reprovabilidade do comportamento do agente, inviabilizandoa incidência da bagatela, sob pena de servir de incentivo à reiteração decondutas análogas. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN:(AGRESP 201400747198, ANTONIO SALDANHA PALHEIRO - SEXTATURMA, DJE DATA:14/06/2016 ..DTPB:.) (Grifo nosso)
Assim, se é cabível o afastamento da aplicação um instituto benéfico ao réu por
servir à promoção penal, com mais razão se deve sepultar uma interpretação feita em
detrimento do réu e que pode servir como estímulo à reiteração de crimes.
4.5.2 Habitualidade delitiva e direito penal de autor
O argumento utilizado pelos tribunais para amparar a restrição temporal de 30 dias é
de que um intervalo superior a este seria um indicativo de habitualidade criminosa (STF, HC
107636/RS, LUIZ FUX, DJE DATA:06/03/2012). A habitualidade delitiva ou reiteração
criminosa é considerado um modo, um estilo de vida do agente. Isto significa dizer que o
indivíduo elege a criminalidade como modus vivendi68. O agente é impelido à prática
criminosa não em virtude das peculiaridades das circunstâncias fáticas de cada ocasião, mas
em decorrência de vários outros fatores, sejam eles sociais, econômicos ou psicológicos, que
contribuem para a formação de uma personalidade avessa ao ordenamento jurídico. O
Supremo Tribunal Federal idealiza essa figura como forma de combate ao que se denomina
criminalidade profissional e organizada que culminou, atualmente, na elaboração de
sociedades ou núcleos complexos de criminalidade, a exemplo das organizações criminosas,
das quadrilhas e das milícias.
A primeira incoerência desse raciocínio, como já foi demonstrado, é que não há
efetivamente uma pertinência lógica entre o maior intervalo de tempo entre as condutas e a
habitualidade delitiva. Aliás, se existisse, essa relação seria inversa. A habitualidade seria
68 CERNICCHIARO , Luiz Vicente. Crime continuado e habitualidade criminosa. JUS - Revista Jurídica doMinistério Público (MPMG). Belo Horizonte, v. 18, jan. 1995, p. 226.
48
mais evidente à medida que esse lapso temporal fosse menor. Isto porque seria mais
improvável que a eventualidade típica da continuidade delitiva se renovasse em tão breve
intervalo de tempo do que em um período maior. A terminologia empregada a esta figura é
também incorreta. A continuidade delitiva implica necessariamente na reiteração de delitos,
por consubstanciar uma forma especial de concurso material, a não ser que se adote a teoria
da unidade real, mas essa teoria já foi rechaçada expressamente pelo Supremo Tribunal
Federal.
Contudo, apesar das contradições apontadas, esse não é o principal defeito da adoção
da figura do criminoso habitual. O acolhimento dessa tese constitui uma clara ofensa ao
princípio da legalidade, eis que não há qualquer menção a esse conceito no artigo 71 do
Código Penal. Esta é figura não é sequer existente em nosso ordenamento jurídico, além de
não haver critérios ou parâmetros seguros estabelecidos jurisprudencialmente para seu
reconhecimento69. Aliás, é uma figura que já teve presença em nosso ordenamento jurídico,
disposta no artigo 64 do Código Penal de 1969, mas que foi completamente extirpada pelo
legislador com a revogação deste código sem a correspondente recepção pelo atual código.
Nesse sentir, o Supremo Tribunal Federal resgata uma criação legal que foi abolida pelo
legislador, usurpando, por conseguinte, a sua função, em evidente desrespeito ao princípio da
independência dos poderes (art. 3º da CFRB/88).
Essa criação jurisprudencial da habitualidade delitiva é um resquício do direito penal
de autor, pois como aduz Christiano Fragoso “se calca em aspectos de periculosidade do
agente (e não de culpabilidade)”70. O direito penal de autor é baseado em uma estrutura
dogmática na qual o centro do direito penal passa a ser o criminoso, e não o crime. O agente
responde pela sua personalidade, conduta de vida, e não especificamente por seu ato. O crime
tem importância na medida em que revela um sintoma da periculosidade do agente. O
criminoso é visto, então, como um doente e a pena como remédio imposto pelo ordenamento,
com o intento de sarar o delinquente. A periculosidade é tratada como a enfermidade que
necessita ser a todo custo eliminada. Logo o criminoso passa a ser compreendido como uma
célula cancerígena de um organismo social, assumindo, não raramente, o papel de inimigo
perante a sociedade71. Esse modo de tratamento conferido ao criminoso tem sido
69 FRAGOSO, Christiano. Subjetivizações judiciais do crime continuado poder punitivo autoritário.Boletim Ibccrim. São Paulo, n. 276, nov./2015, p. 5.70 Id. Ibid.71 DE OLIVEIRA, Anderson Lodetti Cunha. Habitualidade e Bagatela: equívocos na interpretação dosinstitutos da culpablidade de autor e de fato. Revista de Doutrina da 4ª Região. Nº 35, 2010, p. 6. Disponívelem: http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/34706/Habitualidade_bagatela_equívocos_oliveira.pdf. Acessoem 08/05/2017.
49
historicamente utilizado pelos “regimes autoritários, práticas racistas e eugênicas, ditaduras.
Porque as características e o modo de vida do grupo/classe indesejado sempre foi motivo
para majorar a pena. Por isso ela é incompatível com o Estado de Direito”72.
Zaffaroni entende, por sua vez, que o direito penal de autor pode se manifestar de duas
formas: pelo direito penal de culpabilidade ou pelo direito penal de periculosidade. A primeira
manifestação considera o ser humano como um sujeito com capacidade de autodeterminação,
capaz de escolher entre uma série de opções. No direito penal de periculosidade, por seu
turno, essa capacidade de autodeterminação do homem é excluída, seus atos são apenas
manifestação dos fatores biológicos e sociais que o condicionam. Nesse sentido, destaca o
brilhante jurista que o direito penal de periculosidade é incompatível com o ordenamento
jurídico, pois quem não tem liberdade de escolher não pode ser responsável por seus atos73.
Arrebata ao final o mestre74:
Seja qual for a perspectiva a partir da qual se queira fundamentar o direito penal deautor (culpabilidade de autor ou periculosidade), o certo é que um direito penal quereconheça, mas que também respeite a autonomia moral da pessoa, jamais podepenalizar o “ser” de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é umaordem reguladora de conduta humana.
Francisco Toledo de Assis descarta também a adoção de uma culpabilidade baseada no
agente do fato. Para o insigne jurista, “toda e qualquer forma de convivência humana estaria
seriamente comprometida sem esta “crença” de que ao homem se pode atribuir algum
poder-de-outro-modo”75. A segurança jurídica que se procura proporcionar a um sistema
penal de índole democrático só pode ser garantida através de conceitos determinados cuja
apreensão seria proveniente apenas do fato, e não de conceitos variáveis oriundos da análise
da periculosidade ou da personalidade do agente76.
Insta destacar que o fato de indivíduo utilizar o crime como modo de vida, não impede
que em determinado momento dela venha a cometer algum delito imbuído de qualquer outro
motivo, ou até mesmo, impelido por determinada ocasião cujas circunstâncias fáticas
facilitassem a prática do ilícito, como ocorre na continuidade delitiva. A adoção do conceito
de habitualidade delitiva, nessa hipótese, fulminaria a oportunidade de aplicação de tal
benefício.
72 Id. Ibid.73 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Op. Cit., p. 110-11.74 Id. Ibid, p. 113-14.75 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 246.76 Id. Ibid, p. 253.
50
Por fim, o afastamento dessa figura não implicaria de modo algum no abrandamento
da sanção penal em casos de evidente criminalidade organizada e profissional. O legislador é
o agente estatal que possui a incumbência de criar os mecanismos legais para combater os
casos de culpabilidade exacerbada presente nos crimes mais vis e complexos; e, assim, o tem
feito. A criação do crime continuado específico, do tipo de constituição de milícia privada
(art. 288-A do Código Penal) e a edição da Lei das Organizações Criminosas (Lei nº
12.850/13) são exemplos de resposta do legislador ao combate da criminalidade organizada.
Outrossim, a avaliação subjetiva da continuidade delitiva pautada na culpabilidade atenuada é
elemento suficiente para excluir as hipóteses de maior culpabilidade revelada por uma suposta
habitualidade delitiva. Não se olvide também que a culpabilidade do fato não despreza
completamente o autor do fato, mas essa análise é restrita à fase de dosimetria do crime77,
momento em que julgador poderá considerar “os antecedentes, a conduta social, a
personalidade do agente (...)”, a teor do disposto no artigo 59 do Diploma Penal.
5. CONCLUSÃO
A necessidade de adequação da sanção criminal à gravidade do fato praticado pelo
agente é um imperativo do Estado Democrático de Direito, no qual a limitação do poder
estatal deve ocorrer não apenas em âmbito estritamente formal, mas também de forma
77 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Op. Cit., p. 251.
51
material, obedecendo sempre aos fins colimados pelo legislador. Nesse sentir, o princípio da
individualização da pena assume na seara criminal importância crucial nessa análise de mérito
das decisões judiciais.
O crime continuado é um instituto jurídico construído exatamente para esse fim de
impedir a aplicação de uma pena totalmente desproporcional à lesão provocada em uma
hipótese de concurso de crimes, ainda que a dosimetria estivesse em conformidade com o
ordenamento jurídico. Sua criação é normalmente atribuída aos práticos italianos, os quais,
inspirados no ideal do favor rei e no sentimento de piedade, formularam um mecanismo legal
para afastar a pena capital àqueles que cometessem o crime de furto pela terceira vez.
A construção dogmática do crime continuado sempre esteve acompanhada de
inúmeras discussões entre os doutrinadores, sem que chegasse a um consenso acerca de sua
natureza e os seus componentes. Dessa controvérsia, decorre a necessidade do presente estudo
com o objetivo de desvendar uma forma de sistematização da continuidade delitiva
compatível com os escopos de sua criação e com a atual realidade social.
No que tange a sua natureza jurídica, a melhor solução é dada pela pelos adeptos da
teoria da ficção jurídica. O fenômeno da continuidade delitiva é efetivamente uma construção
jurídica e não uma realidade ôntica, como defendem os objetivistas. Cada uma das condutas
realizadas configura um crime autônomo. O crime continuado surgiu no âmbito do concurso
de crimes, é, portanto, um mecanismo que nele deve incidir. Ademais, o próprio código penal
faz reverência a existência de vários crimes na continuidade delitiva.
Em relação aos requisitos do crime; cumpre, a priori, recordar que, em virtude de sua
natureza jurídica, a pluralidade de condutas constitui sua primeira exigência. Contudo, para
avaliar a unicidade ou pluralidade de condutas é preciso considerar a ação sob o prisma da
finalidade (fator final) e da normatividade (fator normativo). Esse último fator é a
possibilidade de reunir vários atos como uma forma única de lesão ao bem jurídico. Esta
conclusão só pode ser extraída da própria análise do tipo legal e do tipo de crime.
O artigo 71 do Código Penal também exige como requisito que os crimes sejam da
mesma espécie. Apesar do entendimento dominante jurisprudencialmente de que por mesma
espécie deve-se considerar crimes do mesmo dispositivo legal, a solução mais compatível
com a finalidade do instituto é a que considera crimes da mesma espécie aqueles insertos no
mesmo capítulo e que possuem elementos objetivos ou subjetivos em comum.
52
O terceiro e último requisito é o nexo de continuidade entre os delitos que seria
extraído através das semelhanças das circunstâncias de execução do crime. A lei cita
expressamente as condições de tempo, lugar, modus operandi e outras semelhantes, o que tem
levado vários juristas a considerá-los como verdadeiro requisitos. Contudo, essas condições
elencadas pela lei constituem-se na verdade apenas critérios que devem ser utilizados pelo
julgador para avaliar o elo de continuação entre os delitos. Por este motivo, não podem ser
exigidos de forma irrestrita. A própria indefinição desses conceitos foi utilizada
propositalmente pelo o legislador para ampliar a discricionariedade do juiz na análise do nexo
de continuação entre os delitos. Essa avaliação deve ocorrer sempre de forma casuística e
considerando todos os fatores.
É justamente com base na discricionariedade da análise da continuação que se tem
como possível a análise subjetiva dos delitos. Esse elemento subjetivo, todavia, não pode ser
entendido como dolo unitário, pois o planejamento único pode caracterizar uma situação de
maior culpabilidade. O fator subjetivo, portanto, deve ser avaliado por meio da culpabilidade
normativa, ou seja, deve-se examinar como as circunstâncias fáticas podem servir como
estímulo à prática do crime.
Por fim, essa é a conclusão a que conduz este trabalho. A imposição de restrições
gerais e abstratas à configuração do crime continuado é incompatível com a finalidade desse
instituto. Sua criação se deu como forma de atenuar a sanção em caso de menor culpabilidade.
O juiz, portanto, deve ter liberdade para examinar a mitigação dessa culpabilidade no caso
concreto. Toda imposição genérica na análise da continuidade delitiva, como exigência de um
lapso temporal entre os delitos e a não habitualidade criminosa, configura prejuízo ao réu na
medida em que pode servir de óbice ao exame de outras condições capazes de evidenciar essa
situação de culpabilidade atenuada.
53
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