UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS
DEPARTAMENTO DE QUÍMICA
KEVIN LOPES PEREIRA
DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A INCLUSÃO DE UM ESTUDANTE SURDO NO CURSO DE
LICENCIATURA EM QUÍMICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
VIÇOSA – MINAS GERAIS
2018
KEVIN LOPES PEREIRA
DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A INCLUSÃO DE UM ESTUDANTE SURDO NO CURSO DE
LICENCIATURA EM QUÍMICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
Monografia apresentada ao Departamento de
Química da Universidade Federal de Viçosa como
parte das exigências para a conclusão do Curso de
Licenciatura em Química.
ORIENTADOR: Vinícius Catão de Assis Souza
VIÇOSA – MINAS GERAIS
2018
KEVIN LOPES PEREIRA
DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A INCLUSÃO DE UM ESTUDANTE SURDO NO CURSO DE
LICENCIATURA EM QUÍMICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
Aprovada em 25 de junho de 2018.
Profa. Daniele Cristiane Menezes Departamento de Química – UFV
(Avaliadora)
Profa. Cristiane Lopes Rocha de Oliveira Departamento de Educação – UFV
(Avaliadora)
Prof. Vinícius Catão de Assis Souza Departamento de Química – UFV
(Orientador e Coordenador da Disciplina)
Monografia apresentada ao Departamento de
Química da Universidade Federal de Viçosa como
parte das exigências para a conclusão do Curso
de Licenciatura em Química.
Aos meus pais, Gino e Adriana, e a todas e todos
que de alguma maneira compartilharam comigo o
seu amor e carinho, dedico este trabalho.
AGRADECIMENTOS
Não consigo expressar em palavras toda a minha gratidão a Deus, pelo cuidado, sustento,
amor e inspiração dado a mim durante o processo de construção deste trabalho. Ele é o que
há de melhor em mim: toda honra e glória pertence a Ele!
Agradeço aos meus pais, Gino e Adriana, por me amarem e me apoiarem nessa jornada,
investindo em meus sonhos, me suportando em minhas dúvidas e me aconselhando. Aos
demais familiares, agradeço por todo apoio e carinho, sempre acreditando em mim.
À Raquel, por se fazer tão presente mesmo estando longe. Pelas várias noites junto ao
telefone, as lágrimas e alegrias compartilhadas... Pelo amor!
Ao Quarteto (André, Tati e Mayelli), pela amizade, os “rolês”, estudos, filmes, pelo apoio
espiritual e pelas brincadeiras também.
À família 1521 (Célio, Thiago, William, Jefferson “beavis”, Otávio, Daiane, Marcelo “pequi”,
Luís “bananeira”, Anderson, Brian, Joelson “jobinha”, Elza, Reinaldo “matipó”, Alexandra,
Rafael “feipa”, Thamires, Beatriz “bia”, Marcelo “negão”, Andréia “déia”, Bruno “gaffa”,
Patrícia “patty”, Rodrigo “mandruvá”). Sou extremamente feliz por ter compartilhado tantos
momentos memoráveis com vocês. Todos os Rock’s, as “zueiras” sem fim, ventos, jantas,
jogos, conversas, discussões e rodas de música. Vocês são realmente uma família para mim.
À QUI 13 (Nathália “naty”, Ronald “molejo”, Maíra “mama”, Guelci “gui”, Lucas “côgo”,
Vanessa, Clara), pelos estudos de última hora, pelas mais diversas conversas, pelo carinho,
viagens e doideiras dessa turma. Agradeço por fazerem parte de minha vida. Afirmo que ela
se tornou mais divertida com a presença de vocês.
À Kamila, pelas infinitas gravações, duetos, conversas sobre Deus e sobre a vida. Quase
psicólogos um do outro “rsrsrs”. Sua amizade é muito importante para mim.
À banda de Louvor PIBV, pelos momentos de comunhão, ensaios, arranjos e por dividirem
comigo o prazer de poder louvar a Deus.
À PIBV, por me acolher em Viçosa e ser uma família para mim, me aproximando de Deus e
de uma vida em comunhão com pessoas que possuem um mesmo propósito. Agradeço por
todos os momentos que passamos juntos.
Aos professores da UFV e DEQ, por todo suporte dado, por compartilharem conhecimento e
me auxiliarem na descoberta do profissional que sou. Agradeço em especial à profa. Daniele
Menezes (juntamente com todos os amigos do LAB 412), pelas conversas e discussões sobre
Química Inorgânica, experimentos e “assuntos gerais”. Ao prof. Vinícius Catão, por
acompanhar de perto este trabalho e incentivar minha trajetória neste universo dos surdos e
da Língua Brasileira de Sinais (Libras), além de me orientar sobre o futuro.
Aos companheiros da AAACE e do JJB-UFV, por me proporcionarem momentos de risada,
descontração e muitas emoções. Vocês são sensacionais!
Agradeço à profa. Cristiane Botelho, pela orientação e pela oportunidade de trabalhar no
Projeto Surdo Cidadão, bem como meus companheiros de trabalho: Ana Paula Abrantes e
Eduardo Gomes. Agradeço aos meus amigos surdos (Tiago, Regiane, Ruimar, Ana e Samuel),
por compartilharem comigo a sua cultura e língua, além de todo carinho.
Por fim, agradeço ao estudante surdo, a professora e as intérpretes que possibilitaram que
esse trabalho se tornasse real. Obrigado pela disposição e gentileza para comigo. Este
trabalho também pertence a vocês!
A todas e todos que contribuíram, direta ou indiretamente, para a conclusão desta etapa em
minha vida: MUITO OBRIGADO!!!
Blessed be the mystery of love.
[Abençoado seja o mistério do amor.]
Sufjan Stevens
RESUMO
PEREIRA, Kevin Lopes. Desafios e perspectivas para a inclusão de um estudante surdo no
curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal de Viçosa. Monografia de
conclusão do curso de Licenciatura em Química. Universidade Federal de Viçosa, Junho de
2018. Orientador: Prof. Vinícius Catão de Assis Souza.
A Constituição Federal define que Educação é um direito de todos(as) e responsabilidade do Estado,
devendo ser garantido o desenvolvimento de qualquer pessoa, independente da sua condição. Neste
sentido, estudos relacionados à educação dos surdos discutem a importância de assegurar tais
direitos, favorecendo uma educação de qualidade por meio da acessibilidade linguística (Língua
Brasileira de Sinais – Libras). Assim, o presente trabalho se alinha com tal discussão, abordando a
Educação Inclusiva na perspectiva dos surdos, tendo o foco no Ensino Superior e na Lei 13.409/2016,
que estabelece cotas para pessoas com deficiência nas universidades federais. Com esta Lei, a
probabilidade dos estudantes surdos ingressarem nas instituições federais aumenta, intensificando-
se a necessidade de avaliar se as universidades estão preparadas para lidar com estas demandas.
Desta forma, analisou-se o processo de inclusão de um estudante surdo ingressante no primeiro
semestre de 2018 pela Lei da cota no curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal de
Viçosa (UFV). Para coletar os dados aqui analisados, oito aulas de Química Fundamental foram
acompanhadas, considerando a importância desta disciplina para o curso. Além disso, notas de
campo foram feitas e discutidas com o orientador. Posteriormente, a professora e os dois intérpretes
foram entrevistados com o objetivo de compreender as suas percepções sobre o processo de ensino,
além das condições de trabalho vivenciadas e os desafios encontrados no dia a dia. Com a análise dos
dados, verificou-se que a UFV tem buscado estratégias e políticas de acessibilidade fomentadas pela
Unidade Interdisciplinar de Políticas Inclusivas (UPI), de modo a acolher os estudantes surdos e
permitir a eles uma equiparação de oportunidades por meio da acessibilidade linguística. Em relação
ao curso de Química, verificaram-se alguns desafios para o estudante surdo e demais profissionais.
Destaca-se a dificuldade constatada no processo de tradução/interpretação dos conceitos específicos
da Química, o que compromete a acessibilidade linguística, além da barreira comunicacional entre o
estudante surdo/professora e o estudante surdo/estudantes ouvintes, dificultando a interação social
das partes, algo fundamental para favorecer o desenvolvimento pessoal e profissional ao longo do
processo formativo. Por fim, analisou-se criticamente algumas das ações inclusivas implementadas
na UFV e suas repercussões no ensino, destacando o que é benéfico e precisa ser reforçado, além do
que tem demonstrado não contribuir com o processo de formativo e poderia ser aprimorado.
Palavras-chave: Educação de surdos; Libras; Química; Inclusão Educacional; Ensino Superior.
ABSTRACT
PEREIRA, Kevin Lopes. Challenges and expectation for the inclusion process of a deaf
student in the Bachelor in Chemistry at the Federal University of Viçosa. Undergraduate
Thesis Submitted to the Department of Chemistry in Partial Fulfillment of the Requirements
for the Degree of Bachelor in Chemistry. Federal University of Viçosa (Brazil), June 2018.
Supervisor: Dr. Vinícius Catão de Assis Souza.
The Brazilian Federal Constitution defines that Education is a duty of the government for all, and the
full development of any person, whatever its human condition, must be guaranteed by the State
politics. Then, some researches related to the education of the deaf discuss the importance to ensure
these rights, favoring a quality education in the school and the university through the linguistic
accessibility (Brazilian Sign Language - Libras). The present investigation is aligned to this discussion
and recognizes the importance to debate the inclusion (Education for all) in the perspective of the
deaf people at university approach. Considering the Brazilian Law 13.409 (2016), which establishes
the quotas for people with some disabilities in federal universities, the probability of deaf students
join in these institutions was favored and, consequently, the importance to evaluate if these
institutions are prepared to receive such students. Thus, in order to analyze the process of a deaf
student’s inclusion that join in the Bachelor of Chemistry at Federal University of Viçosa (Brazil), eight
classes of the Fundamental Chemistry Course were followed, considering the importance of this
content for the Chemistry’s Bachelor. Notes were gathered from classroom observations, discussed
with the advisor of this research. In addition, the teacher and the Brazilian sign language interpreters
were interviewed in order to understand about the teaching process and working conditions,
difficulties and challenges in the classroom. Based on the data analyzed, it was verified that the
University seeks strategies and policies for accessibility through its Politics for Students' Educational
Inclusion at University, in order to welcome the deaf student and allow him to equalize opportunities
considering linguistic accessibility. In relation to the Chemistry Bachelor, this poses great challenges
for the deaf student and the professionals involved. The difficulties in the translation/interpretation
process of the specific Chemistry’s concepts are highlighted, which hinders the linguistic accessibility,
as well as the communication barrier between the deaf student/teacher and the deaf student/
hearing students, which prevents social interaction between the group, that is important to favor
personal and professional development. Finally, this research presents some formative actions in the
University and their educational repercussions, highlighting what is beneficial and needs to be
reinforced, besides what does not contribute to the inclusion process and should be improved.
Keywords: Deaf Education; Chemistry; Brazilian Sign Language; Educational Inclusion; University.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
1.1 CAMINHOS PERCORRIDOS PARA A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA ........................................ 11
1.2 BREVE DISCUSSÃO SOBRE O PROCESSO DE INCLUSÃO EDUCACIONAL ................................................ 12
1.3 OBJETIVO GERAL .................................................................................................................. 16
1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ......................................................................................................... 16
2 REFERENCIAIS TEÓRICOS: HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS, LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA E ENSINO DE CIÊNCIAS/QUÍMICA .................................................................. 16
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA .................................................................. 21
3.1 AMOSTRA E COLETA DE DADOS ................................................................................................ 23
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................... 23
4.1 ANÁLISE DAS AULAS DE QUÍMICA FUNDAMENTAL ....................................................................... 23
4.1.1 Observações sobre as aulas ..................................................................................... 31
4.2 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM A PROFESSORA E OS INTÉRPRETES .................................................. 32
4.2.1 A professora de Química Fundamental .................................................................... 32
4.2.2 Os Tradutores Intérpretes de Língua de Sinais e Português (TILSP) ......................... 37
4.3 OBSERVAÇÕES SOBRE OS DADOS .............................................................................................. 41
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO PARA O ENSINO DE
CIÊNCIAS/QUÍMICA ......................................................................................................... 42
5.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ACESSIBILIDADE LINGUÍSTICA (LIBRAS) .................................................... 43
5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESTRUTURA FORNECIDA....................................................................... 43
5.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS INTERAÇÕES SOCIAIS ......................................................................... 44
5.4 IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS/QUÍMICA .................................................................. 45
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... 46
ANEXO I .......................................................................................................................... 49
ANEXO II ......................................................................................................................... 50
ANEXO III ........................................................................................................................ 51
APÊNDICE I ...................................................................................................................... 52
11
1 INTRODUÇÃO
1.1 Caminhos percorridos para a construção do objeto de pesquisa
A temática abordada neste trabalho se relaciona com minha vida de várias maneiras.
As ideias presentes em cada página desta monografia podem ser consideradas parte das
muitas vivências, reflexões, paixões e sonhos expressos durante a minha graduação. Desde
cada relação estabelecida, orientações ou conversas sobre o futuro, tudo contribuiu para
que, de escolha em escolha, eu chegasse no contexto em que realizei este trabalho.
A educação se tornou meu foco ainda no Ensino Médio. Pensava sobre como era
especial o trabalho de um professor. As apresentações de trabalho, aulas de reforço e
orientações aos colegas de sala realizadas me ajudavam a entender sobre o que me cativava
e como isso poderia futuramente se tornar a minha profissão. Semelhantemente, a Química
se tornou meu alvo logo ao ingressar no Ensino Médio. Entre todas as novidades, estudar as
substâncias, os elementos e as interações que ocorrem no nosso mundo foi, de longe, a mais
prazerosa descoberta, estreitando ao passar dos anos as possibilidades e se tornando então
a minha escolha: trabalhar com o ensino de Química.
Ao entrar na Universidade, constatei que minhas certezas geraram mais dúvidas. Ao
se deparar com esse espaço, que contempla várias áreas do conhecimento e estabelece
diversas relações entre elas, a Química revelou-se mais ampla. Porém esta amplitude foi o
que me possibilitou estabelecer relações entre esta área do conhecimento e as formas
possíveis de ensinar os estudantes surdos.
Em minha cidade natal, Divinópolis (MG), eu não tive contato com a comunidade
surda. Minha primeira experiência com eles aconteceu na Primeira Igreja Batista de Viçosa,
que os recebia para participarem do culto, interpretado por pessoas que possuíam o
domínio da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e que eram escaladas conforme a
disponibilidade. Manifestei certa curiosidade ao observar os intérpretes, a maneira como
expressavam as mensagens em Libras. Percebi que seria interessante investir meu tempo
para a aprendizagem desta língua, para poder interagir com os surdos que iam à Igreja e
também para meu crescimento pessoal e profissional.
Participei de dois minicursos realizados pelo Projeto Surdo Cidadão, coordenado pela
prof.ª Cristiane Botelho, do Departamento de Matemática (UFV). Este Projeto de Extensão
trabalha com a divulgação da Libras e com aulas de Matemática e Química/Ciências para
12
estudantes surdos, em uma perspectiva bilíngue. Estes minicursos me auxiliaram nos
primeiros passos em meu processo de aprendizagem da Libras. O mais interessante é que eu
não imaginava que meses depois eu faria parte deste mesmo Projeto. O envolvimento com o
Surdo Cidadão me proporcionou experiências maravilhosas, principalmente no que diz
respeito ao contato com os estudantes Surdos. Posteriormente, visto que era necessário
melhorar minha comunicação em Libras, investi em outros cursos e me dediquei de forma
mais intensa a aprendizagem desta língua.
Em relação ao meu trabalho com a Química, durante aproximadamente dois anos eu
estagiei no laboratório da profa. Daniele Menezes, que me instruiu com todo carinho e
dedicação. Neste período, trabalhei principalmente com meus conhecimentos químicos,
sempre refletindo sobre o que me chamava mais atenção e me motivava. Esta experiência
me ajudou a crescer como profissional e a ser mais maduro em relação as minhas
concepções da Química e seus processos. Neste período reforcei minhas ideias sobre o
quanto estudar Química era importante para mim e como essa ciência me encantava, sendo
essencial para eu reconhecer que realmente este era este o caminho que almejava seguir.
Movido pelo desejo de ser útil para a sociedade e, de alguma maneira, por meio do
meu trabalho, trazer contribuições válidas para a comunidade científica, promovi a união de
três de minhas paixões: o ensino, a Química e a Libras. Com a orientação do prof. Vinícius
Catão, eu fui conduzido a refletir sobre temas relacionados à inclusão, metodologias de
ensino e, principalmente, sobre o tipo de professor que eu queria ser. Pensar sobre o ensino
de Química para surdos, para mim, se constituiu como um grande desafio e, ao mesmo
tempo, uma atividade prazerosa. Tal desafio, futuramente, seria foco da minha monografia e
dos estudos posteriores à graduação.
Após todas as reuniões de orientação conduzidas pelo prof. Vinícius, sempre com
muita sinceridade e paciência, me encontro no momento em que apresentar este trabalho é
também contar um pouco da minha história, com os “sotaques” das muitas experiências
vivenciadas ao longo desta trajetória formativa. Se tais “sotaques” não se estivessem
presentes, este processo não faria sentido. Então avante, porque a história continua!
1.2 Breve discussão sobre o processo de Inclusão Educacional
Autores como Beltrami e Moura (2015) discutem o processo de inclusão dos surdos
na educação brasileira e apontam algumas dificuldades já enfrentadas por essa comunidade,
13
sejam elas de caráter social, linguístico ou político. Existe um número pequeno, porém
considerável, de publicações relacionadas ao processo de inclusão dos estudantes surdos na
Educação Básica, sobretudo quando comparadas com as publicações que referem-se a
educação e inclusão de surdos no Ensino Superior.
Bem como na Educação Básica, a presença do surdo no Ensino Superior aponta
alguns desafios para os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Desafios estes
que estão relacionados à: (i) efetiva inclusão dos alunos, visto que poucos dos envolvidos
(estudantes e professores) possuem o domínio da Libras (1º Língua dos surdos) e conhecem
as especificidades da cultura surda; (ii) carência de sinais em Libras que se equivalem a
termos característicos, em português, das áreas de estudo; (iii) falta de formação específica
por parte do Tradutor Intérprete de Língua de Sinais/Língua Portuguesa (TILSP), sendo um
dificultador na compreensão inicial de determinados conceitos para sua posterior
interpretação/tradução; e (iv) oferecimento de um suporte para os estudantes surdos,
considerando a estrutura das universidades e a necessidade de um investimento financeiro
para a contratação de intérpretes, monitores e outros profissionais envolvidos. Tais desafios
precisam ser discutidos, dada a importância da inclusão dos surdos no contexto educacional.
A educação, segundo Quadros (2003, p.85), “deveria estar calcada em um plano que
atenda de fato as diferenças: sociais, políticas, linguísticas e culturais no contexto brasileiro”.
Quando se procura contemplar as diferenças, a educação inclusiva não é considerada como
um problema, mas como um desafio. Bisol et al. (2010) acreditam que as instituições de
Ensino Superior:
[...] precisam rever profundamente o modo como lidam com o ensinar e o aprender. Precisam conhecer a surdez, pensar sobre as diferenças linguísticas e culturais e sobre o modo como essas diferenças incidem na vida acadêmica desses estudantes. (BISOL et al., 2010, p. 169)
Autores como Lacerda (2006), Oliveira e Benite (2015), Sousa e Silveira (2011),
discorrem sobre temas relacionados à inclusão escolar de estudantes surdos, considerando
que tal inclusão pode ser caracterizada como um movimento que, segundo Pereira, Benite e
Benite (2011), é historicamente recente. Estes últimos autores também consideram “a
educação de surdos como objeto de estudo urgente, visto que muitos professores já
vivenciam em suas salas de aula experiências com esses educandos” (PEREIRA; BENITE;
BENITE, 2011, p. 48). Pode-se também ressaltar o fato de que a educação constitui-se como
14
um direito, assegurado pela Constituição de 1988, de todos os cidadãos. Sendo assim, se
determinado grupo não recebe uma educação digna e eficiente, não podendo usufruir de
seus direitos, tal circunstância já deveria ser considerada como um objeto de estudo
urgente.
No Brasil, a Educação Inclusiva (EI) ganhou certa notoriedade com a publicação da Lei
de Diretrizes e Bases (LDB) em 1996, que baseou-se na Declaração de Salamanca (1994).
Essa declaração defende a democratização das oportunidades educacionais, reforçando que
todos os grupos e classes sociais precisam receber uma educação adequada para seu
desenvolvimento cognitivo.
Os surdos, contemplados pela EI, representam um grupo que por muito tempo foi
estigmatizado. Eram rotulados como incapazes de se desenvolverem, pois tinham uma
“deficiência”, não se encaixando na percepção de “normalidade” que a sociedade possuía.
Desta maneira, estes eram privados de seus direitos humanos fundamentais (SACKS, 1998).
Atualmente, sabe-se que os surdos se desenvolvem normalmente, desde que educados
conforme suas diferenças linguísticas, que constituem-se como a principal diferença entre a
educação de ouvintes e de surdos.
Em todo o Brasil, somam-se aproximadamente 9,7 milhões de “deficientes auditivos”
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. Nesta pesquisa, o
IBGE considera a surdez como um quadro clínico de intensidade e não por questões
culturais. Sendo assim, estes dados englobam um espectro de pessoas com surdez
moderada até as pessoas com surdez profunda, representando cerca de 5% da população
brasileira.
Ao longo dos anos, os surdos vêm conquistando seu espaço e reconhecimento na
sociedade como parte ativa dela. Algumas leis e decretos que favorecem a comunidade
surda e suas necessidades educacionais já foram aprovadas como, por exemplo, a Lei Nº
10.098, de 19 de Dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a
promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida (BRASIL,
2000); a Lei Nº 10.436, de 24 de Abril de 2002, que dispões sobre a Língua Brasileira de
Sinais (BRASIL, 2002); o Decreto Nº 5.626, de 22 de Dezembro de 2005, que regulamenta as
leis apresentadas anteriormente, demandando, por exemplo, a inserção da Libras nos cursos
de Licenciaturas, Pedagogia e Fonoaudiologia (BRASIL, 2005).
15
Em 28 dezembro de 2016 foi sancionada a Lei Nº 13.409, que altera a Lei nº 12.711,
de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência
nos cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais de ensino (BRASIL,
2016). Por meio desta Lei, o Sistema de Seleção Unificada (SISU) de 2018 na UFV aplicou a
determinação de reserva de vagas para estudantes com necessidades especiais
permanentes, sejam estas físicas, auditivas, visuais, mentais ou múltiplas. Mediante estas
circunstâncias, a probabilidade das universidades receberem tais estudantes aumenta, bem
como a necessidade de pensar se estas instituições estão preparadas para incluí-los no meio
acadêmico, ofertando-lhes todas as oportunidades e possibilidades que são oferecidas, no
caso dos surdos, a um ouvinte (equiparação de oportunidades e quebra das barreiras
linguísticas).
Para que essa inclusão aconteça, elaboram-se políticas afirmativas visando assegurar
o direito constitucional à educação de pessoas com necessidades especiais (PNE),
demonstrando certo zelo por parte do governo. Porém, isto não garante que tais políticas
sejam aplicadas corretamente. Nestas circunstâncias, o ensino desse grupo de pessoas fica
comprometido. Assim, é necessário o desenvolvimento de pesquisas voltadas para temas
que vão de encontro à inclusão destes indivíduos no Ensino Superior.
No presente ano de 2018, um estudante surdo (ES) ingressou no curso de
Licenciatura em Química da UFV pela Lei das Cotas (BRASIL, 2016). Tal situação caracteriza-
se como uma oportunidade de se avaliar o processo de inclusão deste estudante, com foco
no ensino de Química, bem como as relações estabelecidas em sala de aula entre ES e TILSP,
professora e demais estudantes ouvintes. Em seu primeiro período, o ES cursou a disciplina
Química Fundamental1, na qual são abordados conceitos gerais que, em sua maioria, já
foram estudados no Ensino Médio, mas agora de maneira aprofundada e mais detalhada.
Sabe-se que a Química é uma Ciência Exata composta por termos e conceitos com
definições técnicas e complexas, em sua maioria. Ela representa um desafio para o
estudante surdo que tem como primeira língua (L1) a Libras, que possui modalidade gestual-
visual e necessita de associações e comparações para compreender tais termos e conceitos
que, em grande parte dos casos, não possuem um sinal específico para sua tradução do
1 Informações detalhadas sobre esta disciplina introdutória ao curso de Química (Bacharelado e Licenciatura)
da Universidade Federal de Viçosa, com o Programa Analítico, podem ser obtidas em: http://www.catalogo.ufv.br/interno.php?ano=2017&curso=BQI&campus=vicosa&complemento=BQI&periodo=1&disciplina=QUI102#disciplina
16
português para a Libras. Nesse sentido, o Professor e os TILSP exercem importante função
no processo de ensino e aprendizagem deste estudante.
Sendo assim, o foco deste trabalho consistiu na análise das relações estabelecidas
entre Professor, TILSP e ES, sendo estas relações internas ou externas ao ambiente da sala
de aula. Sobre as relações internas, investigou se o estudante teve devida acessibilidade
linguística (presença de intérpretes nas atividades acadêmicas), se os conceitos químicos
estão sendo traduzidos/interpretados de modo claro e coerente, se o ambiente de estudo
favoreceu de alguma maneira o processo de ensino e aprendizagem, dentre outras. Sobre as
relações externas, cabem questionamentos relacionados à existência ou não de um suporte
para o estudante surdo e de uma relação entre professor e TILSP para avaliação das aulas.
O presente trabalho deriva da necessidade de contribuir para uma reavaliação do
processo de ensino e aprendizagem, com vistas a compreender o desafio atual de se pensar
a educação inclusiva no espaço acadêmico de uma universidade federal, tomando como
recorte uma disciplina introdutória do curso de Licenciatura em Química.
1.3 Objetivo geral
Avaliar o processo de inclusão de um estudante surdo em aulas de Química Fundamental,
disciplina ofertada no primeiro período do curso de Licenciatura em Química da UFV.
1.4 Objetivos específicos
• Analisar como se deu o processo de inclusão do estudante surdo, relacionado com
sua acessibilidade linguística, durante as aulas de Química Fundamental.
• Conhecer as percepções da professora e dos intérpretes sobre o processo de ensino
estabelecido na sala de aula, suas condições de trabalho, dificuldades e desafios.
2 REFERENCIAIS TEÓRICOS: HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS, LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E ENSINO DE CIÊNCIAS/QUÍMICA
A Lei da Libras (Lei n° 10.436 de 24 de abril de 2002) juntamente com o decreto n°
5.626 de 22 de dezembro de 2005 que a regulamenta, podem ser tomados como um marco
na luta pelos direitos educacionais para os surdos, pois reconhecem a língua dessa
comunidade e a sua importância. Há um histórico envolvendo a educação dos surdos no
17
Brasil e apesar das conquistas serem recentes, os acontecimentos relacionados a educação
desta comunidade datam do século XIX.
Em 1855, o professor Eduard Huet chega ao Brasil a mando de Dom Pedro II, que
promoveu a iniciativa da criação de instituições destinadas ao atendimento escolar de
pessoas com necessidades especiais - PNE. Huet era francês, surdo e possuía conhecimentos
de metodologias para o ensino de surdos, juntamente com Dom Pedro II, foi responsável
pela criação, em 1857 no Rio de Janeiro, do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, hoje
chamado de Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES. A influência de Eduard não se
limitou a fundação do INES, a Língua Brasileira de Sinais - Libras foi criada por meio de uma
junção da Língua Francesa de Sinais (LSF) e os sinais já usados pela população surda
brasileira (STROBEL, 2006).
Observando a situação atual da educação de surdos, Beltrami e Moura (2015)
afirmam que é possível perceber uma ruptura em determinada parte da história que envolve
esse tema. Isso ocorreu por um período de tempo, pois os surdos foram proibidos de
utilizarem a língua de sinais, conforme decidido no Congresso de Professores em Milão
(1880), onde buscavam a “normalização” dos surdos. Isto não agradou a todos, e alguns
surdos resistiram a essa decisão, lutando para que a língua de sinais fosse valorizada. A
desvalorização da língua de sinais provocou um atraso no desenvolvimento da educação
desses indivíduos, que só foi reforçada novamente, após os movimentos de luta e
resistência, com a implantação do bilinguismo como metodologia adequada para se
aprimorar o ensino dos surdos, sendo então tal ruptura destacada pelas autoras.
Ao passar dos anos, entre altos e baixos, os sujeitos surdos sempre lutaram pelos
seus direitos educacionais. Como consequência disso, no Brasil, estudos relacionados à
educação de surdos ganham força com a crescente notoriedade dada a essa comunidade
através da divulgação de sua cultura e do incentivo, por parte do governo, dado a projetos e
pesquisas que abordam temas relevantes para os surdos. Destaque também expresso, por
exemplo, no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), de 2017, que tomou como tema de
sua redação: “Desafios para formação educacional de surdos no Brasil”. Para esta edição da
prova, segundo INEP (2017), 7.603.290 pessoas se inscreveram.
A trajetória educacional no Brasil se inicia na Educação Básica, a Química em si é
abordada somente no Ensino Médio, sendo então, possivelmente, o primeiro contato dos
estudantes com essa ciência. Sendo assim, alguns autores discutem a inclusão dos surdos no
18
ensino médio, Lacerda (2006), por exemplo, com uma abordagem mais ampla, afirma que a
inclusão não se limita apenas a surdez, ela se refere a busca de formas melhores de interagir
com indivíduos de outra cultura, com uma língua diferente, outra fé religiosa, entre outros.
Benite, Benite e Ribeiro (2015) consideram que para qualquer proposta de educação
inclusiva (EI), é fundamental que se estabeleça uma prática educacional que leve em
consideração a diversidade da sala de aula compromissada com as particularidades de cada
estudante. A EI é contra quaisquer formas de exclusão e discriminação, independentemente
de suas origens.
Visto isso, na educação de surdos, propõe-se que as escolas e instituições adotem a
educação bilíngue, pela qual o surdo é reconhecido como uma comunidade que possui
língua e cultura própria. Esta modalidade permite que os surdos sejam instruídos em sua
língua natural, no Brasil a Libras, que é reconhecida como primeira língua. Utiliza-se também
do português, porem como uma segunda língua (BELTRAMI; MOURA, 2015).
Por fim percebe-se que, com a inclusão escolar, os estudantes surdos passam a
frequentar as escolas regulares, porém não cria-se um espaço bilíngue. Nestas instituições,
por exemplo, os conhecimentos químicos são apresentados por um professor de Química,
não em Libras, mas em Língua Portuguesa. Então, para que os estudantes surdos tenham
devida acessibilidade linguística, é necessária a presença do Tradutor Intérprete de Língua
de Sinais/Língua Portuguesa (OLIVEIRA; BENITE, 2015), profissão reconhecida na Lei nº
12.319 de 1º de setembro de 2010 (BRASIL, 2010), considerando-se que o surdo tem o
conhecimento da Libras. Então, se o acesso linguístico for comprometido, o letramento
científico também ficará.
Considerando a quase inexistência de um ensino bilíngue para os surdos nas escolas
regulares, pensar sobre a educação desses indivíduos nas condições atuais reais é
extremamente importante. Deste modo, é possível refletir sobre as ações que estão sendo
realizadas e melhorá-las.
No sistema vigente na maioria das escolas de educação básica no Brasil, nas aulas de
Química, segundo Oliveira e Benite (2015), o professor assume a função de mediador do
conhecimento químico, enquanto o TILSP age como intermediador desse processo. Para os
ouvintes, o professor media a relação entre os estudantes e os conhecimentos científicos.
Em se tratando dos surdos, o TILSP intermedia a mediação feita pelo professor entre tais
19
conhecimentos e o estudante surdo, acrescentando uma etapa em comparação ao processo
que se estabelece com os ouvintes.
Sendo assim, sobre a educação de surdos, Beltrami e Moura (2015) apresentam que:
Entre os surdos e ouvintes há uma única e grande distinção: a linguagem oral. Se por um lado, a qualidade de ser surdo foi anteriormente relacionado à tragédia e à culpa, por ser “diferente” dos demais ao passo que possui uma deficiência auditiva necessitando de um cuidado especial voltado para a educação dos mesmos, por outro lado, com o romper da visão estereotipada voltada a normalização do ser deficiente, no lugar da “cura” para esses busca educá-los segundo a sua cultura e natureza particular, afim de apropriá-los de sua linguagem, distanciando-se da ideia de anormalidade, de incompetência, de patologia, de inferioridade e aberração, inclinando-se para ser igualitário, com suas capacidades e habilidades individuais. (BELTRAMI; MOURA, 2015, p. 159)
Tomando como base a visão apresentada pelas autoras, o sujeito surdo em seu
processo educacional precisa ser educado de modo contextual às suas necessidades
linguísticas, culturais e seus costumes. Ainda que a presença do TILSP possa aumentar as
probabilidades da ocorrência de concepções alternativas incorretas, durante o processo de
interpretação, o uso da língua de sinais caracteriza-se como algo que aproxima o ES de sua
cultura. Vale lembrar que a tentativa de oralização e, consequentemente, a proibição do uso
da língua de sinais no passado, representou para a comunidade surda um retrocesso no que
se refere ao seu desenvolvimento educacional. Tal fato corrobora com a ideia de que uma
educação eficiente deve aproximar o estudante do que é contextual ao mesmo, para os
surdos, destaca-se o uso da Libras, sua língua natural.
Sendo assim, faz-se necessário um bom domínio da Língua de Sinais e a apropriação
da mesma por parte do surdo. Sobre a criança surda, Sacks (1989) afirma que:
[...] a língua deve ser introduzida e adquirida o mais cedo possível, senão seu desenvolvimento pode ser permanentemente retardado ou prejudicado [...]. Assim que a comunicação por sinais for aprendida - e ela pode ser fluente aos três anos de idade -, tudo então pode decorrer: livre intercurso de pensamento, livre fluxo de informações, aprendizado da leitura e escrita e, talvez, da fala. (SACKS, 1989, p. 38)
O autor fortalece a ideia de que, havendo um aprendizado consistente da Língua de
Sinais, seu cognitivo pode se desenvolver normalmente, visto que este domina sua língua e
pode se comunicar, bem como ter acesso às informações que lhe forem necessárias para seu
aprendizado. Com base nisso, destaca-se novamente a importância da Língua de Sinais e da
promoção uma acessibilidade linguística no processo de ensino e aprendizagem dos surdos.
Além das questões já apresentadas, no ensino de química acrescentam-se alguns desafios,
20
pois como afirmam Pereira, Benite e Benite (2011, p. 52) “os conceitos químicos são
essencialmente simbólicos, assim se designam como um sistema geral de signos para os
quais não existe correspondência na língua de sinais”. Há somente uma pequena parcela dos
conceitos Químicos que possuem um equivalente em Libras, isso caracteriza-se como um
desafio para o TILSP.
Diante disso, é importante que o TILSP interprete os conceitos apresentados dando a
eles um significado coerente e que faça sentido para o estudante, novamente considerando
cultura e costumes. A presença desse profissional é essencial visto que há uma barreira
linguística entre professor e estudante surdo. Juntamente com o intérprete, o professor
trabalha para que essa contextualização social e cultural da linguagem Química aconteça,
respeitando seus significados para não criar concepções incorretas dos conceitos. Também,
a utilização de uma comunicação visual e outros recursos que auxiliem a linguagem oral
estimulando outros sentidos, principalmente quando não há correspondências para as
simbologias químicas em Libras, é essencial. Sem o uso de tais estratégias, o aprendizado
dessa Ciência pelos estudantes surdos poderá estar comprometido (PEREIRA; BENITE;
BENITE, 2011).
Além da falta de sinais correspondentes em Libras para os conceitos químicos, outro
dificultador é apresentado por Souza e Silveira (2011), os autores afirmam que os
professores, em sua maioria, não possuem formação para trabalhar com os surdos,
apresentando dificuldades na construção dos conceitos químicos para estes estudantes,
bem como os intérpretes geralmente não possuem formação em todas as suas áreas de
atuação. Sendo assim, defendem a necessidade de um trabalho conjunto entre os
intérpretes e professores para que os sentidos seja produzidos de maneira correta e
posteriormente, juntamente com o surdo, criarem sinais que representem esses conceitos.
Segundo Souza e Silveira (2011):
Os alunos surdos têm dificuldades na aprendizagem em química em função da especificidade da linguagem química e da escassez de termos químicos na língua de sinais. Esse fato, associados ao despreparo dos docentes e ao desconhecimento dos intérpretes português/libras em relação ao saber químico, pode contribuir para a falta de interesse dos alunos surdos pela química escolar. (SOUZA; SILVEIRA, 2011, p. 42)
O conjunto de fatores apresentado pelos autores pode não só provocar certo
desinteresse pelos estudantes surdos, mas também prejudicar a aprendizagem da química
que, aplicada de modo crítico, pode ser funcional para a vida do ser humano.
21
Não somente no Ensino Básico, as questões apresentadas anteriormente também
são válidas para o Ensino Superior. Algumas diferenças são apresentadas por Bisol et al.
(2010), que classifica a universidade como um contexto novo para os estudantes surdos,
com exigências superiores às que encontravam na Educação Básica. Estas circunstâncias
podem representar a possibilidade de experiências positivas em um ambiente de
diversidade. Os autores ainda afirmam que a inclusão de PNE no Ensino Superior é recente,
portanto as universidades precisam “repensar suas estratégias e investir em pesquisas que
contribuam para um maior entendimento dos desafios e para criação de contextos que
favoreçam os processos inclusivos” (BISOL et al., 2010, p. 168).
A entrada dos surdos no Ensino Superior representa mais um passo relacionado ao
acesso à educação por esta comunidade. Porém, reflexos da Educação Básica podem
dificultar o avanço desses indivíduos no ensino superior. Muitas vezes, faltam conteúdos
prévios importantes aos surdos (DAROQUE; PADILHA, 2012), visto que estes em grande
parte não recebem uma educação adequada no ciclo básico e não compreendem conceitos
que seriam fundamentais para a construção de uma linguagem científica mais consistente.
Tal defasagem e outras dificuldades irão permanecer enquanto a escola for organizada para
atender somente os estudantes ouvintes. Para superar tais problemas, é necessário buscar
um caminho bilíngue e multicultural (CRUZ; DIAS, 2009).
As questões relacionadas ao ensino de surdos, seja na Educação Básica ou Superior,
devem ser discutidas para que estes tenham uma educação de qualidade e que os permita
possuir um olhar crítico para as situações da vida. Em se tratando do ensino superior, este
por sua vez, pode favorecer a abertura de horizontes e representar um percurso um tanto
doloroso, pois retira o estudante de seu espaço de conforto, apresentando novos desafios
(BISOL et al., 2010). Tal processo pode ser um marco para estes estudantes que em breve
serão profissionais e “representarão para as próximas gerações de surdos, possibilidades
novas e mais amplas de realização e de qualidade de vida” (BISOL et al., 2010, p. 168).
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Esta pesquisa é de natureza qualitativa, empregando diferentes estratégias de
investigação que se baseiam em textos e imagens (CRESWELL, 2007). Este autor afirma que a
metodologia qualitativa é fundamentalmente interpretativa, onde o pesquisador interpreta
22
os dados, podendo tirar conclusões sobre seu significado. Tal metodologia se divide em três
grupos: pesquisa documental, estudo de caso e etnografia.
Gil (2002) aponta que a pesquisa documental se aproxima da pesquisa bibliográfica,
porém seu material de estudo se diferencia. Ela faz uso de documentos que ainda não
receberam nenhum tratamento analítico como, por exemplo, cartas, fotografias, gravações,
dentre outros. Já o estudo de caso permite uma análise mais aprofundada de um ou poucos
objetos de investigação, de modo a permitir que estes sejam amplamente conhecidos (GIL,
2002). Assim, o presente trabalho fez uso do estudo de caso, pois como apresentado, este
permite analisar determinada unidade profundamente (GODOY, 1995), sendo ideal para a
avaliação dos aspectos referentes ao processo de inclusão do estudante surdo na disciplina
Química Fundamental.
Para realizar este trabalho, oito aulas de Química Fundamental foram observadas.
Durante essas aulas, realizaram-se anotações sobre pontos importantes das mesmas,
conforme recomendações sugeridas por Lüdke e André (1986), que são as seguintes: (i) fazer
as anotações em um tempo próximo ao momento da observação; (ii) indicar dia, hora e local
das observações; e (iii) distinguir as informações descritivas, as falas, as citações e as
observações pessoais do pesquisador. Estas informações foram registradas em um caderno
de campo e discutidas posteriormente com o orientador.
É importante destacar que, de acordo com Alves-Mazzotti (2001), quando uma
pesquisa qualitativa tem o pesquisador observador fazendo parte da dinâmica social
investigada, como foi o caso desta pesquisa, a investigação deve combinar a observação
participante com outros instrumentos de coleta de dados, principalmente para assegurar
uma maior confiabilidade à mesma. Por isso, foi feita entrevista semiestruturada com os
professores e também anotação em caderno de campo. Segundo Bogdan e Biklen (1994), o
caderno de campo se configura como um material descritivo que relata a parte mais
subjetiva das etapas de uma pesquisa qualitativa que adota a observação participante,
principalmente na ênfase especulativa proporcionada pelo desenvolvimento destas
primeiras impressões.
Também, por meio de entrevistas semiestruturadas com os profissionais envolvidos
no processo formativo (professora e intérpretes), traçou-se um panorama sobre questões
importantes que envolveram: as ações realizadas para facilitar o processo de ensino e
aprendizagem, estrutura fornecida pela universidade, formação profissional, dentre outras.
23
Essas entrevistas caracterizaram-se como semiestruturadas para que houvesse um
direcionamento prévio, porém mantendo certa flexibilidade. Também, usou-se a gravação
direta, pois esta permite o registro de todas as expressões orais e também possibilita que o
entrevistador volte toda sua atenção para o entrevistado (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).
Posteriormente, estas entrevistas foram transcritas, usando o sistema de codificação
proposto por Marcuschi (1986), e analisadas com base no referencial teórico apresentado
inicialmente. Conforme definido por Marcuschi (1986), usou-se: (i) (( )) para indicar
observações do entrevistador; (ii) (+) para representar pausas na fala; (iii) /.../ um corte na
produção de alguém.
3.1 Amostra e coleta de dados
As aulas de Química Fundamental foram escolhidas para serem observadas devido a:
(i) presença do estudante surdo e, consequentemente, as intérpretes na turma; (ii)
importância da disciplina para o estudante que cursa o primeiro período da graduação, visto
que é pré-requisito para as outras disciplinas específicas da química; e (iii) proximidade e
facilidade de acesso ao local onde ocorrem as aulas.
As aulas foram observadas sequencialmente e ocorreram entre os meses de Março e
Maio de 2018. Entre os temas abordados pela professora, destacam-se: características dos
modelos atômicos de Bohr e Schröndinger, configuração eletrônica e ligações químicas.
Esses conteúdos permitiram a análise do processo de tradução e interpretação frente
conceitos complexos e conceitos que permitem o uso de modelos e comparações.
Além das aulas, foram feitas entrevistas (ANEXO I) com a professora (P) e as duas
intérpretes que atuaram nas aulas (TILSP1 e TILSP2). As respostas foram gravadas, diante da
autorização de P, TILSP1 e TILSP2, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Anexo II). Ainda, o estudante surdo foi contatado antes do início das ações
propostas anteriormente. Apesar de ser peça fundamental em todo o processo, não foi foco
deste trabalho avaliar aprendizagem deste estudante, mas sim as oportunidades que lhe
foram oferecidas, bem como uma devida acessibilidade linguística e inclusão.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Análise das aulas de Química Fundamental
24
A seguir, será apresentado um esquema da sala de aula e dos elementos e pessoas
que compõem o espaço (Figura 1). Na sequência, discutirá a descrição das oito aulas de
Química Fundamental que foram acompanhadas para análise nesta pesquisa.
Figura 1. Esquema da sala onde as aulas acontecem.
Este esquema representa a posição em que comumente se encontram o estudante
surdo (ES), a Tradutora e Intéprete de Língua de Sinais e Português (TILSP) e a professora (P).
Cabe destacar aqui que a professora se movimenta por todo o espaço da sala e o intérprete
se mantém fixo no espaço próximo ao quadro e tela de projeção. Durante as oito aulas, o
estudante surdo foi acompanhado por duas intérpretes: TILSP1 e TILSP2. Elas se revesaram
assumindo, TILSP1, as aulas de segunda-feira e, TILSP2, de sexta-feira. As aulas aconteciam
segunda e sexta-feira, no turno da noite. Na segunda feira, eram duas aulas de cinquenta
minutos seguidas, na sexta-feira, três aulas de ciquenta minutos. As aulas abaixo foram
consideradas por um dia de aula, sendo estas de 1h40 (segunda) ou 2h30 (sexta) de
duração.
AULA 01 – TILSP1
Nesta aula, o tema estudado foi: Modelo Atômico de Bohr. Desde o início, verificou-
se certa dificuldade por parte da intérprete em expressar alguns termos científicos e
definições relacionados ao tema da aula. Entende-se que isto é natural devido à formação da
intérprete ser deslocada da área das Ciências. Souza e Silveira (2011, pg. 41), em sua
25
pesquisa, também descrevem certa dificuldade de entendimento dos conceitos químicos por
parte dos intérpretes envolvidos. Os autores ainda destacam que essa situação de
deslocamento se caracteriza como “um fator preocupante do trabalho desenvolvido por
esses profissionais”. A dificuldade apresentada por TILSP1 possivelmente causou a perda
parcial do sentido de alguns conceitos, por exemplo: para a definição de “níveis de energia”,
a intérprete usa um classificador que remete mais às características da posição do elétron.
Sua mão direita estava fixa e configurada em S, configuração de mão (CM) 7, segundo
quadro proposto por Pimenta e Quadros (2006, p. 63) (APÊNDICE I), representando o núcleo,
a esquerda, curvada (CM 29), fazia um movimento marcando “camadas” que iam se
afastando do núcleo, demarcando somente o espaço de cada nível (Figura 2). Deste modo, o
conceito de “energia quantizada”, aplicável à definição dos níveis energéticos, não foi muito
explorado.
Figura 2. Representação em Libras dos “níveis de energia” usada por TILSP1.
Em outro momento, ao explicar que o elétron pode receber energia, a professora
contextualiza citando o exemplo da lâmpada fluorescente tubular, instalada na própria sala
de aula, em que a luz emitida pela mesma é explicada pelas transições eletrônicas que
acontecem após o elétron receber energia. Essa energia é fornecida inicialmente pela
diferença de potencial aplicada na lâmpada, porém a intérprete usa o sinal de calor para
representar tal energia, possibilitando um entendimento errôneo, por parte do estudante
surdo, sobre o funcionamento deste objeto. Souza e Silveira (2011) afirmam que
estabelecer um diálogo entre professor e intérprete é essencial para minimizar essas
distorções dos conceitos químicos no processo de interpretação e tradução.
Ainda, julga-se importante destacar que o ES fez questão de copiar as informações
fornecidas pela professora no quadro. No momento em que ele faz suas anotações, parte da
26
fala da professora, interpretada para a Libras, se perdeu. O estudante não consegue fazer
ambas as coisas, copiar e observar a intérprete, sendo então algo negativo, considerando
que há perdas de definições e sentidos que deveriam ser estabelecidos e aprendidos por
meio das ações docente, mediada pela TILSP1. ES não se manifestou com frequência nesta
aula. Sua única intervenção foi ao questionar a professora, que detalhava as equações do
modelo atômico de Bohr, sobre como o valor da velocidade da luz foi determinado e o
porquê desse ser um valor fixo.
AULA 02 – TILSP2
Esta aula iniciou-se com a professora convidando o estudante surdo, que se
encontrava fora da sala, para entrar, para que assim ela iniciasse sua aula. Atitudes
semelhantes a essa são recorrentes durante as aulas e demonstram um constante cuidado e
gentileza por parte da professora. Tais atitudes contrapõem as descrições feitas, por
exemplo, nos artigos de Souza e Silveira (2011) e Benite, Benite e Ribeiro (2015) que, em
seus estudos de caso, identificaram professores que possuem resistência à presença do
estudante surdo e não lidam bem com o mesmo.
Conceitualmente, a aula seguia com estudos sobre o modelo atômico de Bohr. Em
determinado momento, a professora explorava os conceitos de inversa e diretamente
proporcional, abordando as equações de energia e suas variáveis envolvidas na teoria
atômica de Bohr. Tais conceitos foram representados pela intérprete, dando margem para
um entendimento errôneo de que duas grandezas proporcionais sempre possuem o mesmo
valor e esses valores crescem conjuntamente. Com configuração de mão em B (CM 56), cada
mão representava uma variável, as duas no mesmo nível subiam e desciam juntas, trazendo
uma possível ideia de igualdade e não de proporcionalidade (Figura 3).
Figura 3. Classificador usado por TILSP2 para grandezas inversa e diretamente proporcionais.
27
Nestas circunstâncias, o estudante surdo apresentou dificuldades para se
compreender os conceitos. A professora percebendo a dúvida repetiu as definições usando
gestos semelhantes aos utilizados pela intérprete: mãos sobem juntas para indicar variáveis
diretamente proporcionais e mãos se movem em direções opostas para definir grandezas
inversamente proporcionais.
De modo geral, outras dificuldades em expressar termos específicos são encontradas
como, por exemplo, a definição de Algarismos Significativos. A professora trata tal conceito
de modo natural, considerando que este já foi aprendido pelos estudantes na Educação
Básica. Não há como afirmar se o estudante surdo compreendeu ou não o termo, ou se já o
conhecia, porém este não foi explicado pela intérprete que só usou da datilologia para
expressá-lo. Como sua função não é explicar e sim interpretar e traduzir os ensinamentos da
professora, visto que o estudante não se manifestou, o termo não foi devidamente
detalhado e não houve a utilização de um sinal para caracterizar o conceito.
É interessante destacar que mesmo com todas as dificuldades relacionadas aos sinais
e termos específicos, TILSP2 se mostra atenta e cumpre bem sua função, também estabelece
um relacionamento visivelmente agradável com o estudante surdo e com a professora,
criando um bom ambiente para aprendizagem.
AULA 03 – TILSP1
Nesta aula, abordou-se o tema: Limitações do modelo de Bohr: dualidade onda-
partícula e princípio da incerteza. Pela primeira vez, durante o período de observação das
aulas, o estudante surdo pede para que TILSP1 permaneça sentada durante a aula. Isso
gerou problemas, pois a professora se movia do lado oposto ao da intérprete, que estava no
lado direito da sala e um pouco afastada do quadro. Esse posicionamento confundiu o
estudante surdo, que dividia sua atenção para: a intérprete, à direita, a professora, se
movendo à esquerda, e o quadro com as anotações da matéria. As informações anteriores
reforçam a característica visual-gestual da língua de sinais que, diferente do português oral,
não pode ser compreendida sem o devido direcionamento e atenção do olhar, com exceção
do Surdocego2 que comumente faz o uso da Libras Tátil3.
2 Incapacidade total ou parcial de audição e visão, simultaneamente.
3 Sistema que consiste a Língua Brasileira de Sinais ( LIBRAS ) adaptada ao surdocego. É realizada com a mão do surdocego em cima das mãos do interlocutor. Fonte: https://goo.gl/R82xns
28
Observou-se também que a intérprete encontrava-se limitada, considerando que não
podia interagir com as imagens e informações presentes no quadro e na tela de projeção.
Percebendo isso, o estudante surdo pede para que ela volte à sua posição comum, como
representado na Figura 1.
Assim como nas aulas descritas anteriormente, explicar os conceitos científicos
permanece como uma das principais dificuldades enfrentadas pela TILSP, bem como o
entendimento e interpretação de conceitos químicos e físicos apresentados na aula. Como
exemplo, explicou-se que os fótons são definidos como partículas elementares mediadoras
da força eletromagnética. No momento em que a professora introduz este conceito, devido
a uma possível falta de compreensão por parte da intérprete, esta usa o sinal de “foto” para
representar estas partículas (fótons). Este sinal não contempla os conceitos envolvidos na
definição dos fótons, sendo um problema para o estudante surdo que possivelmente se
apropriou de um sentido inadequado para a palavra.
Verificou-se que a turma, em sua maioria, não possuía o domínio da Libras. O
estudante surdo facilitou a comunicação com os ouvintes, pois é parcialmente oralizado,
balbuciando as palavras ao sinalizar seus equivalentes na língua de sinais. O uso de desenhos
e escrita também é recorrente nessa interação, bem como atitudes do surdo relacionadas ao
ensino de sinais para aqueles que se mostram mais interessados na comunicação por meio
da Libras. Alguns estudantes estabelecem uma interação com o surdo que é mais frequente.
De modo geral, a turma demonstra grande respeito com o estudante surdo, suas condições
de linguagem e aprendizagem.
AULA 04 – TILSP1
Esta aula caracterizou-se por possuir termos extremamente técnicos, pois trata-se do
modelo matemático e probabilístico proposto por Erwin Schröndinger para descrever o
átomo, atualmente aceito como a melhor explicação do mesmo. Assim como em outros
casos, é evidente a dificuldade de expressar estes termos abstratos na Libras, não somente
por dificuldades linguísticas, mas também pelo significado atribuído a estes conceitos que
não são familiares a intérprete.
Como já mencionado, a Libras é uma língua com modalidade gestual-visual. Quando
se trata do que é abstrato e não pode ser visto, ela se limita ao uso de associações/relações
para tentar explicar, por exemplo, conceitos e fenômenos que possuem tais características.
29
Porém, em alguns casos, promover estas relações entre os conceitos científicos é difícil pela
especificidade de tais termos. A definição de orbital, por exemplo, não foi bem explorada
durante as aulas, no processo de interpretação, por se encaixar nesta classe de termos
apresentada acima. Enquanto TILSP1 buscava formas de atribuir sentido a palavra, a
professora seguia com as explicações e a intérprete logo a acompanhava sem finalizar as
ideias iniciadas.
Além dos problemas relacionados às especificidades dos termos, durante a
explicação do spin do elétron, a professora o relaciona com um tipo rotação do elétron em
torno de si mesmo. A intérprete expressa essa ideia em Libras substituindo o conceito
apresentado pela professora, associando-o a rotação do elétron em torno do núcleo,
alterando o real sentido associado a palavra. Novamente afirma-se que estas situações são
potencializadas devido à falta de uma formação específica em Química por parte das
intérpretes. Esta formação não pode ser exigida por alguns fatores: a intérprete não trabalha
somente com disciplinas relacionadas à Química e o cargo de nível D4 não exige formação
em nível Superior. Pode-se ainda questionar se haveriam pessoas qualificadas para atender
esta demanda específica.
AULA 05 – TILSP1
Seguindo os conceitos gerados a partir dos estudos da estrutura átomo, nesta aula a
professora abordou o conteúdo de Configuração Eletrônica. Novamente, o tema trata de
questões complexas, gerando dificuldades semelhantes às apresentadas em momentos
anteriores.
Nesta aula especificamente, houve a omissão de definições importantes durante o
processo de tradução e interpretação. Ao comentar sobre as características dos átomos,
apresentadas na Tabela Periódica, a professora cita a massa atômica e, consequentemente,
conceitua os isótopos, isto para explicar que a média ponderada destes equivale ao valor da
massa de um átomo representada na Tabela. Essa informação dada pela professora não foi
totalmente interpretada para o estudante surdo. A intérprete omitiu o termo “isótopo”,
tratando somente como um átomo que possui determinada massa.
4 Cargo de nível técnico da Universidade Federal de Viçosa.
30
Em outro momento, P detalhava a distribuição eletrônica dos íons. Para uma espécie
iônica do bloco d da Tabela Periódica, o átomo ao perder um elétron, o tem retirado de seus
orbitais s mais externos por questões de repulsão e entropia relacionadas ao número de
possibilidades para aquele elétron. Para o orbital do tipo d, existem cinco possibilidades,
enquanto para o orbital s, há somente uma. Sendo assim, é mais favorável a retirada do
elétron de um orbital s, pois nele a repulsão eletrônica é maior e as possibilidades para o
elétron são menores. Isto foi explicado detalhadamente pela professora, porém durante a
interpretação usou-se apenas uma simples comparação entre os orbitais d e s. A intérprete
marcou os dois orbitais no espaço, para o orbital d, fez o sinal “cinco”, para o orbital s, o
sinal “um”. Depois sinalizou que o orbital d possuía mais e o s menos, e que por isso o
elétron seria retirado de s. Da maneira que as definições foram apresentadas, omitiu-se os
conceitos de repulsão eletrônica e das possibilidades para o elétron em cada orbital.
Possivelmente limitando a aprendizagem do estudante surdo.
AULA 06 E 07 – TESTE E PROVA
Na Aula 06 foi aplicado um teste preparatório para a prova, feito pelos alunos em
duplas. O estudante surdo optou por fazer o teste em sala, com o acompanhamento da
intérprete, visto que lhe é permitido, se este desejar, fazer o teste ou prova em um local
diferenciado possuindo um tempo maior para realizá-lo. Na Aula seguinte, os estudantes
realizaram uma avaliação, ES também optou por fazer a prova em sala, juntamente com os
demais discentes.
AULA 08 – TILSP1 e TILSP2
Durante esta aula, TILSP1 e TILSP2 revezaram-se. A professora abordou o tema:
ligações químicas. Ao contrário dos assuntos abordados nas aulas anteriores, essa temática
configurou exemplos que permitiram o uso de classificadores e recursos visuais. Desse
modo, a aula seguiu com maior fluidez, pois os termos foram bem explorados pelas
intérpretes. Isto se deu por que, ao interpretarem conceitos, por exemplo, de distância,
força e energia de ligação, o uso de comparações, gráficos, desenhos e novamente os
classificadores, facilitaram esse processo de tradução e interpretação.
Neste momento, o estudante surdo se manifestou apenas para solicitar que a
professora explicasse novamente o gráfico da energia presente na ligação em função da
31
distância. Ela o fez e com muita atenção e revisou termos que já haviam sido ensinados na
aula anterior, conceituando uma ligação química e algumas de suas propriedades.
4.1.1 Observações sobre as aulas
Após a observação das oito aulas, de modo geral, é possível apresentar algumas
considerações. Vários fatores são importantes para que o processo de ensino e
aprendizagem dos estudantes aconteça de maneira satisfatória, cita-se o tempo de aula, as
relações estabelecidas no espaço de construção do conhecimento, a postura de P, TILS1 e
TILSP2 frente ao estudante surdo, o uso de materiais didáticos como apoio, bem como as
metodologias utilizadas.
Em se tratando da duração da aula, essa se mostrou suficiente para que a professora
abordasse de maneira profunda as temáticas propostas, sem necessidade de cortes bruscos
no conteúdo devido a um limite de tempo. Isto pode ser caracterizado como algo benéfico,
pois segundo Chaibue e Aguiar (2016), o tempo é o maior entrave quando se trata da
tradução simultânea, sendo assim, é ideal que possa se trabalhar os conteúdos sem pressa.
A respeito das relações estabelecidas na aula, P se mostrou gentil com todos os
estudantes, incluindo ES. As intérpretes também estabelecem esse contato agradável,
porém não há a barreira comunicativa que existe entre o educando e a professora, e
também com os demais estudantes. Sendo assim, reforça-se a importância do conhecimento
da Libras pela comunidade acadêmica, meio no qual ES está inserido. Bem como uma
sensibilização por parte dos profissionais envolvidos em conhecer a cultura desse estudante
e suas condições de aprendizagem.
Essa atenção para a cultura se faz necessária a partir do momento que segundo
Benite, Benite e Pereira (2011), a cultura surda é multifacetada, porém possui uma
característica que se destaca: seu aspecto visual. A língua de sinais se traduz de modo visual,
e essa particularidade é muito significativa segundo os autores. O professor, enquanto
educador deve considerar essa singularidade, principalmente fazendo o uso de recursos
didáticos que estimulam essa dimensão. Percebe-se que P foi bem atenciosa quanto a esses
aspectos na aula, usando projeções com gráficos, representações e tabelas, bem como o uso
do quadro para a organização do conteúdo através de esquemas. Tudo de modo bem
organizado.
32
Sobre a acessibilidade linguística desse estudante, esta é mediada pelo intérprete,
que possui domínio da língua de sinais. Durante as aulas, através da interpretação
simultânea, a intérprete permite a ES o acesso a informação apresentada por P. Nesse
processo, percebe-se que alguns conceitos tiveram seu significado alterado, desviado ou
omitido. A Tabela 1 mostra alguns exemplos:
Categoria Conceitos
Mudança de Significado Fótons
Desvio de Significado Níveis de energia; Spin; Inversa e diretamente proporcionais
Omissão de Significado Orbitais; Isótopos; Algarismos significativos
Esses termos foram apresentados anteriormente e reforçam a dificuldade existente
em versar para libras determinados conceitos químicos. A interpretação simultânea ainda
oferece alguns desafios, pois em alguns momentos a intérprete se depara com palavras
desconhecidas e isso caracteriza-se como um problema para expressá-las, como
demonstrado na análise da aula 04 para a explicação de “orbitais”.
Para os casos onde não há sinais equivalentes em libras para uma palavra em
português, a intérprete faz o uso de sinais combinados entre ela e o estudante surdo. Em
alguns casos estes sinais são sugeridos por ela e em outros por ES. Essas combinações
buscam respeitar os aspectos gramaticais e culturais da Libras, de modo a fazer sentido para
o surdo e manter a coerência com o significado do conceito.
4.2 Análise das entrevistas com a professora e os intérpretes
Nesta seção serão apresentadas algumas informações advindas das entrevistas
realizadas.
4.2.1 A professora de Química Fundamental
Por meio de entrevistas semiestruturadas, alguns questionamentos foram
levantados. Estes tratavam sobre inclusão, formação profissional, dificuldades enfrentadas
na educação inclusiva, dentre outros.
Inicialmente a professora (P) foi questionada sobre o conceito que possuía sobre a
educação inclusiva. Classificando a pergunta como difícil, algumas colocações foram feitas
Tabela 1 – Conceitos que tiveram sentido modificado, desviado ou omitido.
33
por ela. Segundo a professora, a inclusão no contexto da universidade é uma proposta muito
boa e necessária. P justifica a importância da inclusão afirmando que é preciso considerar as
necessidades de cada ser humano:
P: a sociedade vem mudando, essas mudanças são lentas e isso acontece de maneira lenta também na universidade. Mas eu acho uma iniciativa formidável, de inclusão, porque essas pessoas elas devem ser tratadas como iguais, mas elas têm (+) é (+) exigências são diferentes para a maioria das pessoas.
P também afirma que, atualmente, não cabe definir um quadro de normalidade na
sociedade e, ainda assim, isso é imposto às pessoas, o que é normal e anormal. Em seu
discurso, P defende que ao fazermos parte da sociedade, podemos lutar para romper com
essas ideias: “P: Eu acho que a gente tem que derrubar a barreira disto porque nós somos a
barreira entre isso.” Em sua fala, ela também pontua que o ser humano possui necessidades
distintas, e essas necessidades devem ser consideradas em seus vários níveis, P chama
atenção que não só a surdez, cegueira, dentre outros mais conhecidos devem ser
considerados, mas também as questões psicológicas. Segundo a professora, muitos
estudantes estão com a saúde mental prejudicada, sofrendo de transtornos e crises que
envolvem o psicológico. Segundo a professora:
P: Eu vejo a inclusão de maneira mais ampla e eu acho que a gente não pode deixar de lado a saúde mental, não é? Então eu sempre faço essa pergunta pros meus estudantes: como é que anda a sua saúde mental? ((risos)).
Ainda sobre inclusão, P coloca que ela deve ocorrer não somente na universidade,
mas na sociedade de forma geral. Diante disto, reitera que vê o que a universidade está
fazendo como algo formidável. Sua opinião reflete a visão de um indivíduo que está dentro
do sistema e percebe as ações que são feitas por ela e pela instituição em que trabalha,
ressaltando os aspectos positivos, que realmente existem, conforme observado nesta
pesquisa.
Sobre o papel da Universidade no processo de inclusão do estudante surdo, a
professora, como já citado acima, acredita que a instituição tem cumprido bem os seus
deveres para com ES. Ela destaca a dedicação e profissionalismo das intérpretes e a
estrutura que a UPI oferece para o discente. Porém, coloca que gostaria que TILSP1 e TILSP2
possuíssem mais liberdade para intervir durante a aula. Segundo a docente “eu acho que em
determinados momentos essa intervenção deveria acontecer pra não passar algo errado ou
errôneo para o estudante” (P). O comentário da professora reflete o seu entendimento
sobre algumas dificuldades encontradas no processo de tradução e interpretação, como a
34
significação de conceitos químicos em libras, que caracteriza uma das principais dificuldades
enfrentadas pelo TILSP no ensino de química para estudantes surdos. Também exprime sua
preocupação com a acepção de concepções alternativas que não correspondem ao seu real
significado.
A professora apresenta uma possível solução para esse problema durante as aulas: a
intérprete, ao se deparar com uma dúvida, questiona a professora e as duas trabalham em
conjunto para saná-la. O seguinte comentário reforça o desejo manifesto pela professora:
P: apareceu uma dúvida em relação a um termo extremamente técnico, né, mecânica quântica, por exemplo, ((risos)) é um assunto que é repleto disso, então (+) surgindo uma dúvida, para tudo e me pergunta, porque como eu falei com elas, aquilo ali não é um seminário, é uma aula. Então uma aula não é de uma pessoa só, é uma plateia enorme né, é uma turma muito grande são os tradutores que estão lá fazendo parte desse processo, é o estudante surdo, então é todo mundo ali e a professora também. Então, por exemplo: - ahh eu não sei como traduzir essa palavra: quantizada, mecânica quântica, não é? Para tudo, pergunta: - Professora, como é que eu faço isso?
P se mostra sempre disposta a contribuir para que ocorra uma aprendizagem
significativa por parte do estudante surdo e de toda a turma, considerando que a professora
também é parte da instituição, e suas atitudes contribuem para que esse processo de
inclusão do estudante, atribuído como função da Universidade, ocorra de forma eficiente.
Visto que P possui papel importante na inclusão de ES, concorda-se que sua
formação deve contribuir positivamente para sua prática docente. Segundo Oliveira (2015),
para haver um ensino de qualidade que atenda às necessidades dos estudantes, conforme
suas particularidades, investir na formação inicial dos profissionais da educação é
imprescindível. Sendo assim, P foi questionada sobre sua formação inicial: Ao longo da sua
formação acadêmica (curso de licenciatura em Química ou pós graduação) algum assunto
relacionado à educação inclusiva foi abordado? Em caso afirmativo, de que forma?
P: Uhm (+) ((risos)) nunca! Nada, nada. E olha que eu sou licenciada, eu não fiz o bacharelado. Estudei para ser professora, para vir para sala de aula, não é? E não, não tive aula de Libras e nem sequer conheci esse termo na época da minha graduação /.../ frequentei praticamente durante toda minha graduação a faculdade de educação sem nunca ter uma formação direcionada com o tema: inclusão.
A professora ressalta que em seu contexto acadêmico viveu uma realidade
totalmente distante do que se refere à inclusão. Segundo ela, seu único contato com esse
tema foi com a presença de um estudante cego do curso de Matemática que, juntamente
com ela, cursava a disciplina de Cálculo na Universidade. A docente considerou esta uma
35
situação triste, pois pensa que, se de alguma maneira sua realidade durante a formação
inicial fosse diferente, possivelmente lidaria melhor com as questões da inclusão.
Faz-se importante observar as mudanças existentes no currículo dos cursos de
licenciatura ao longo do tempo. Com o advento da Lei Nº 10.436 (BRASIL, 2002) e o Decreto
Nº 5.626 (BRASIL, 2005), os cursos de licenciatura passam a ter um contato maior,
comparado a anos anteriores, com a inclusão, com foco na educação de estudantes surdos.
Não somente a Lei, mas também um visível aumento no número de pesquisas relacionadas a
essa temática, vêm contribuindo para que a inclusão seja comumente discutida nas
instituições de ensino que trabalham com a formação de professores. Chega-se a essa
conclusão por meio de uma simples comparação entre o contato da professora entrevistada,
com assuntos que envolvem a inclusão, e do autor do presente trabalho, que apresenta e
discute experiências sobre a inclusão de estudantes surdos. Tal oportunidade não foi
identificada no caso de P.
Diante dessas informações, a professora foi questionada se de alguma maneira se
sentia preparada para lidar com os desafios de trabalhar a educação inclusiva na prática. Ela
respondeu que não, porém hoje se considera mais madura e com a “cabeça aberta” para
lidar com as demandas da diversidade e inclusão. P aponta que o seu objetivo profissional é
passar de professora a educadora, pois a mesma ainda não se considera como tal. Para que
isso aconteça, segundo ela, é necessário se preparar mais para a realidade que está vivendo,
seu primeiro contato com um estudante surdo, por exemplo. Para P, a inclusão está
“batendo à sua porta” e mesmo não tendo uma formação para isso, como professora é
necessário buscar qualificações.
Como citado pela professora, a presença do estudante surdo em sua disciplina
configura sua primeira experiência com o ensino de química para surdos. Quando
questionada sobre essa experiência, as possíveis dificuldades geradas e suas pretensões de
evolução, P coloca que considera suas aulas “tradicionais”, fazendo o uso do quadro, giz e
explicações orais. Segundo ela, uma renovação didática é necessária para atender as
características da nova geração de alunos, incluindo o estudante surdo. A professora
expressa que pretende investir mais nos aspectos visuais: slides, desenhos no quadro,
modelos, dentre outros. Para assim poder aliviar a sobrecarga no uso da língua oral.
Em diálogo com outras pesquisas, como a de Souza e Silveira (2011), a professora
destaca que existe uma barreira linguística entre ela e o estudante surdo. Isso caracteriza
36
uma grande dificuldade, por isso existe certa preocupação em explorar outras formas de
comunicação que são comuns entre eles, principalmente no aspecto visual, já que a
professora não tem domínio da Libras. P ainda comenta que a fluência em Libras
transformaria suas aulas, pois poderia auxiliar no processo de significação dos conceitos ao
traduzir e interpretá-los.
Além das questões conceituais e linguísticas, as relações estabelecidas dentro e fora
da sala de aula também são importantes. Relações entre: (i) Professor e estudante surdo; (ii)
Professor e TILSP; (iii) TILSP e estudante surdo. Nos três casos, preza-se por uma interação
agradável e construtiva, o que não ocorre em todos nos casos. Souza e Silveira (2011) citam
exemplos de professores que possuem dificuldades de interação com estudantes surdos.
Segundo os autores, os docentes afirmam sentir certa tensão pois não sabem como interagir
com esses discentes.
A professora, ao tratar sobre sua relação com as intérpretes, considera que a
interação existente entre elas é pequena. Seria necessário um contato maior para a
discussão das aulas, conteúdos e metodologias usadas. Em suas palavras:
P: [..] a gente tem só aquele contato ali: finzinho de aula e inicinho de aula. Eu acho esse contato pequeno. Eu acho que ele podia ser um pouquinho maior, não é? Então... Para planejar; as dúvidas, por exemplo. A gente podia manter um contato, mesmo que fosse por e-mail, dar uma passadinha aqui de vez em quando, sei lá, uma vez por mês, né, na sala e trocar uma ideia [...]
Pereira, Benite e Benite (2011, p. 53) afirmam que “o intérprete, na maioria das
vezes, não tem o domínio do conhecimento químico, e a não existência de sinais específicos
dificulta ainda mais a intermediação do conhecimento feita por este sujeito”. Dito isto,
estabelecer uma relação entre professor e TILSP é essencial para sanar dificuldades
relacionadas a essa intermediação do conhecimento. As concepções alternativas devem ser
minimizadas, porém para isso é necessário um trabalho conjunto entre os dois profissionais.
A fala da professora vai de encontro a essa ideia. A professora concorda que uma maior
interação entre as duas partes configura um aspecto positivo e auxilia no processo de ensino
e aprendizagem do estudante surdo.
As questões levantadas neste trabalho, estão relacionadas com a entrada de ES no
curso de Química. De modo geral, a professora expressa que inicialmente ficou assustada
diante da experiência que teria. Como já expresso, a professora, pela primeira vez recebeu
um estudante surdo em sua sala de aula. Infelizmente, segundo ela, não foi possível se
37
preparar pois a presença do surdo só foi informada à ela no dia de sua primeira aula do
semestre. Diante disso, afirma que começou a repensar suas aulas para torná-las mais
acessíveis ao estudante surdo, de modo a potencializar sua aprendizagem.
Mesmo com as dificuldades evidentes, P manifestou sua satisfação em poder
participar desse processo de inclusão do estudante surdo, repensando sua prática docente e
seus conceitos sobre educação e inclusão. Ela também destaca sua boa relação com o surdo
e as intérpretes, o que contribui para um crescimento conjunto de todas as partes.
4.2.2 Os Tradutores Intérpretes de Língua de Sinais e Português (TILSP)
Entre as dificuldades apresentadas relacionadas ao ensino de Química para surdos, a
barreira linguística ainda caracteriza-se como principal desafio para a obtenção de uma
educação de qualidade. O papel do TILSP é essencial para que este processo de ensino e
aprendizagem seja bem sucedido. Para tal, esse profissional não deve assumir a função do
professor, mas agir como mediador, trabalhando em conjunto com o docente (OLVEIRA;
BENITE, 2015). Sendo assim realizou-se, bem como para a professora, uma entrevista
semiestruturada com TILSP1 e TILSP2. Isto para promover uma discussão sobre temas
relacionados a função do TILSP e da sua percepção sobre o caso em questão: o ingresso de
um estudante surdo no curso de Química na UFV e as características do seu processo de
inclusão na disciplina de Química Fundamental.
Para iniciar a discussão, TILSP1 e TILSP2 foram questionadas sobre os caminhos que
percorreram até se tornarem intérpretes da universidade na disciplina de Química
Fundamental. TILSP1 expões que se interessou pela Libras a medida que observava as
intérpretes que, na igreja da qual TILSP1 era membra, faziam a tradução e interpretação do
culto para um surdo que frequentava o local. Convidada por esse surdo, TILSP1, iniciou sua
aprendizagem da Libras por meio de cursos e estudos independentes. Após um tempo
começou a receber propostas de trabalho, porém seus objetivos não eram de fazer do seu
conhecimento sobre Libras uma profissão. Apesar disso, ao longo do tempo, sendo
incentivada por colegas, iniciou os seus trabalhos como intérprete.
Em um cenário diferente, TILSP2 iniciou seus estudos por meio de um curso básico de
Libras oferecido em uma escola inclusiva em Ponte Nova - MG, estabelecendo seu primeiro
contato com a comunidade surda. Tal curso era ministrado por um instrutor surdo, o que
gerou em TILSP2 um desejo crescente de investir em sua aprendizagem da língua de sinais
38
para se comunicar com seu instrutor e outros surdos presentes na escola. A partir disso, a
intérprete participou de outros cursos, palestras, grupos de estudos e reuniões com surdos,
e obteve sua certificação para trabalhar como TILSP em uma escola em Ponte Nova. TILPS2
continuou a investir em seus estudos e atualmente é intérprete na UFV.
Oliveira, Melo e Benite (2012) apontam alguns desafios relacionados à formação do
TILSP. Esse deve conhecer amplamente sua língua de partida (português oral) e a língua alvo
(Libras). Além disso, considerando o caso estudado neste trabalho, deve trabalhar com a
linguagem científica, da qual a maioria são deslocados e não possuem uma formação que
abrange tal componente. Por isso, TILSP2 afirma em sua entrevista que o intérprete nunca
pode parar de estudar, ainda citando outras motivações além das apresentadas
anteriormente: TILSP2: [...] ainda mais Libras que tem uma variação linguística né, que é
muito grande, cada cidade tem algum sinal diferente que usa né /.../ então assim, ta sempre
estudando [...].
Constata-se que as lacunas existentes na formação do TILSP refletem diretamente na
sua atuação profissional. Sobre as principais dificuldades encontradas pelas intérpretes nas
aulas de Química Fundamental, TILSP2 destaca o fato de não ser especializada em Química e
ainda propõe uma intervenção: TILSP2: [...] o quê que o intérprete tem que, né, estar
fazendo? É aprofundar na parte teórica da disciplina, né? Pra poder fazer a interpretação da
melhor forma possível. Para TILSP1, sua principal dificuldade durante as aulas é falta de
sinais específicos para a Química. A intérprete apresenta o seguinte exemplo:
TILSP1: [...] orbitais! Quando falou essa palavra eu falei assim: -Gente o quê que é isso? Então assim, eu fui procurar com amigos que já é formado em Química, com professor de Física, porque na hora que falou: física quântica, física clássica; eu (+) meio que embananou na minha cabeça. Eu interpretei, mas (+) /.../ O intérprete não ensina, o intérprete ele só media o assunto. Só que o intérprete ele tem que saber pelo menos do que se trata pra que essa informação ela chegue de forma que o aluno consiga pegar o que é, entendeu? Não adianta passar uma informação vazia [...]
O exemplo apresentado por TILSP1 foi discutido anteriormente nas análises das aulas
onde percebeu-se que o conceito de “orbital” não foi interpretado plenamente. Observa-se
que essa percepção também é recorrente por parte da intérprete que, em sua entrevista,
citou a dificuldade apresentada por ela na tentativa de traduzir o conceito para Libras. Por
meio de seu comentário, conclui-se que TILSP1 avalia sua prática profissional e também
busca diferentes fontes para auxiliá-la a sanar as dúvidas que surgem durante as aulas. Essas
dúvidas poderiam ser apresentadas a professora, que manifestou seu interesse de
39
estabelecer um contato maior com as intérpretes, justamente para facilitar suas construções
de significados, e assim encontrarem uma forma equivalente de representar determinados
conceitos em Libras.
Sobre a função do TILSP no espaço da sala de aula, TILSP1 e TILSP2 defendem que o
intérprete é o mediador do conhecimento, porém existe uma visão errônea por parte de
algumas pessoas de que o intérprete deve ensinar, bem como o professor. O TILSP se
encontra na sala de aula apenas para que o estudante surdo tenha a acessibilidade
linguística. Por meio do acompanhamento das aulas, observou-se que essa função é bem
realizada pelas intérpretes, que possuem uma postura profissional e amigável.
Em linhas gerais, espera-se que cada profissional exerça sua função de modo
satisfatório, porém em uma sala de aula inclusiva, além disso, é necessário que esses
profissionais trabalhem em conjunto. Algumas ações devem ser planejadas para facilitar o
trabalho de ambas as partes. Diante disso a professora disponibilizou o acesso aos arquivos
da disciplina que são postados, pela docente, em um sistema da universidade. A intenção
era que as intérpretes estudassem previamente os sinais e conceitos de um determinado
tema, para que na sala de aula não fossem surpreendidas com termos dos quais elas não
puderam refletir em seu significado e nem ao menos conhecê-lo. Além disso, segundo as
intérpretes, não há nenhuma outra ação realizada externa à sala de aula. Não há reuniões e
nem se promove discussões entre elas e a professora, sobre o que precisa ser aprimorado.
As intérpretes também foram questionadas sobre a criação de sinais para termos
específicos da Química. TILSP1 e TISLP2 concordam que são ações combinadas entre elas e o
surdo. De modo que se há algum sinal que o estudante já conhece, talvez por uma bagagem
do ensino médio, tal sinal é apresentado à intérprete, que pode usá-lo durante as aulas.
Neste caso, de não existir um sinal oficial para um termo específico, o estudante e a
intérprete podem combinar um sinal para que este represente determinado conceito.
Porém, quando isso é feito durante a aula, nem sempre é possível dedicar um tempo
adequado para tal ação. A professora, que não tem o conhecimento da Libras, segue com
suas explicações e muitas vezes parte do conteúdo é perdido pelo estudante surdo. De
modo geral, TILSP1 afirma que, apesar das dificuldades, a universidade tem trabalhado para
que o estudante surdo realmente experimente um espaço inclusivo. Em suas palavras:
TILSP1: Eu acredito que a UFV, ela tem feito o que ela pode sabe, assim, para incluir os alunos, igual, disponibiliza, é, o intérprete, já é um ganho né, porque tem muitos
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alunos aí que talvez não tenha, mesmo que é lei né /.../ toda a assistência que eles precisam, a medida do possível, a UFV tá ali incluindo [...]
A presença do intérprete caracteriza um avanço na luta pelo direito dos surdos à
educação. Esse profissional é essencial para que o estudante tenha acessibilidade no
ambiente universitário. Para manter um trabalho de qualidade, segundo TILSP2, a
universidade também investe em cursos de formação continuada para os intérpretes da
instituição. TILSP1 complementa que eles estão sempre buscando crescer. Para isso,
participam de congressos, palestras, que contribuem para sua evolução como profissional.
Ainda sobre as ações da Universidade, TILSP1 comenta sobre as Tutorias,
considerando-as como uma forma de suportar o aluno em suas dúvidas e dificuldades em
relação aos conteúdos estudados na disciplina. Essas tutorias podem ser frequentadas pelo
estudante surdo e, diante de uma solicitação, a universidade disponibiliza um intérprete
para acompanhá-lo. Além disso, a UFV possui, como forma de apoio a esses estudantes, a
Unidade Interdisciplinar de Políticas Inclusivas, que tem a finalidade de orientar e oferecer
apoio aos estudantes com necessidades educacionais especiais (NEE), matriculados nos três
campi da Universidade (Florestal, Rio Paranaíba e Viçosa), bem como apoiar, acompanhar e
orientar a comunidade acadêmica quanto ao processo de inclusão desses estudantes,
garantindo a acessibilidade devida e a equiparação de oportunidades nas atividades de
ensino, pesquisa e extensão.
Sendo as intérpretes e a professora parte do corpo profissional da Universidade,
TILSP2 faz algumas observações sobre suas ações para promover a inclusão do estudante
surdo:
TILSP2: [...] eu ainda acho, assim, que o intérprete só, não é capaz de fazer toda a acessibilidade. Porque os professores, eles podem usar meios né, adaptar o material, usar slides, recursos visuais né, que possa ajudar mais o aluno surdo. E também, assim, ter essa comunicação mais direta com o aluno não ficar dependente do intérprete [...]
A intérprete aponta para a responsabilidade do professor em trabalhar para que o
estudante surdo tenha uma aprendizagem significativa. TILSP2 traz como exemplo o uso de
materiais adaptados, recursos visuais, dentre outros. Tal sugestão dialoga com as ideias de
Pereira, Benite e Benite (2011) que destacam que o professor possui grande
responsabilidade como representante da cultura científica ensinada, visto que o estudante
surdo não recebe em sala de aula o mesmo número de estímulos que um ouvinte, então o
professor deve recorrer ao uso de metodologias que favorecem os aspectos visuais.
41
A fala da intérprete também chama atenção para a falta de conhecimento da Libras
por parte dos professores em geral. Segundo TILSP2, o estudante surdo teria mais liberdade
de tirar dúvidas e ser orientado pelos professores se esses tivessem o domínio da Libras.
Não somente o domínio da língua, mas também o conhecimento das características próprias
da cultura surda significaria um aspecto positivo no processo educacional. Nessas condições,
algumas dificuldades seriam eliminadas, considerando a ideia apresentada por Benite et al.
(2008), de que certas dificuldades enfrentadas pelos surdos acontecem pois os educadores
utilizam majoritariamente as línguas orais. Diante de tudo o que foi discutido, as intérpretes
também foram questionadas sobre sua experiência de trabalhar na turma de Química
Fundamental, juntamente com a professora e o estudante surdo:
TILSP1: Ah... eu tô achando sensacional, eu tô amando mesmo, assim, cada aula eu fico naquela expectativa: -o que que ela vai explicar hoje? /.../ eu tô gostando, assim, tá sendo uma descoberta muito boa [...]
TILSP1 também destacou o fato de ter a oportunidade de aprender um pouco mais
da Química. Segundo ela, muitas coisas que passaram em branco durante sua Educação
Básica estão sendo aprofundadas pela professora e isso é um ponto positivo em sua
experiência profissional. TILSP2 também caracterizou essa experiência como algo benéfico.
A intérprete destacou que cada estudante possui características pessoais e trabalhar com
essas especificidades dos estudantes surdos (há mais três surdos matriculados na UFV em
cursos de graduação) é muito interessante. Ambas se mostraram satisfeitas em participar do
processo de inclusão de ES nas aulas de Química Fundamental, apesar de todas as
circunstâncias já apresentadas neste trabalho.
4.3 Observações sobre os dados
Associando as informações advindas das observações das aulas e das entrevistas,
percebe-se que a visão das intérpretes e professora condizem com o que foi observado. A
professora, como já apresentado, manifesta estar consciente da situação de ES e da
necessidade do uso de estratégias para o ensino de Química para o mesmo.
Pereira, Benite e Benite (2011, pg.55) chamam atenção para a necessidade de uma
reflexão sobre as ações político-pedagógicas que estão sendo promovidas e aplicadas para
os surdos. É importante considerar, principalmente, as implicações linguísticas existentes e
as especificidades dessa comunidade. Em suas aulas, a professora prioriza o uso de recursos
visuais como estratégia para facilitar o trabalho das intérpretes, que podem usar desde as
42
anotações feitas no quadro até as figuras dos slides projetados como recurso para
apontação, por exemplo.
Sendo este o primeiro contato da professora com a educação de surdos, seus
conhecimentos sobre a cultura desses indivíduos são reduzidos. Bem como observado por
Oliveira e Benite (2015) em sua pesquisa, a professora tem consciência de seu papel e tenta
de algumas maneiras melhorar sua prática docente em relação ao discente surdo, assim
como as intérpretes se empenham para compreender os conceitos químicos e traduzi-los de
um modo coerente. Para o caso aqui estudado, é possível aplicar a afirmação feita por
Oliveira e Benite (2015):
No mesmo instante em que os intérpretes de LIBRAS não têm domínio de conhecimento específico sobre Ciências as professoras parecem não ter conhecimento especializado sobre as formas de aprendizado dos alunos surdos e suas particularidades. (OLIVEIRA; BENITE, 2015, p. 623)
Porém o mais importante é perceber que ambas as partes demonstraram empenho
com a causa da inclusão. P, TILPS1 e TILSP2 diante de conhecimentos, que não lhe eram
comuns, priorizaram a necessidade de ES, ressignificando suas ações para que o mesmo
tenha acesso à educação, nesse caso, a Química.
Uma atuação conjunta entre professor e intérprete é fundamental para possibilitar o
ensino de ciências, planejando as atividades que serão desenvolvidas na sala de aula e
avaliando o que é realizado nesse espaço (OLIVEIRA; BENITE, 2015, p. 467). Como já
observado, essa interação não acontece entre P e as intérpretes. Porém, há o desejo de
estabelecer esse contato pois a professora pode auxiliar as intérpretes em suas dificuldades
e vice-versa.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS/QUÍMICA
O presente trabalho buscou avaliar a inclusão de um estudante surdo na disciplina de
Química Fundamental. Para discutir tal inclusão, pensou-se em três aspectos considerados
fundamentais neste processo: (i) a inclusão em termos de acessibilidade linguística; (ii) a
inclusão em termos estruturais; e (iii) a inclusão em termos sociais.
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5.1 Considerações sobre a acessibilidade linguística (Libras)
Os aspectos linguísticos estão relacionadas com o trabalho da professora e das
intérpretes ao serem em sala de aula a mediadora e intermediadoras, respectivamente, dos
conhecimentos químicos. Verificou-se que, de modo geral, prevalece a dificuldade de se
expressar conceitos científicos em Libras. Durantes as aulas observadas, desvios de sentidos
e omissão de conceitos foram recorrentes no processo de tradução e interpretação. Além
disso, a falta do conhecimento da Libras por parte da professora reduziu as possibilidades de
um trabalho conjunto. Crê-se que o ideal seria que os docentes fossem fluentes na língua de
sinais, para assim conhecer melhor o estudante para o qual ensina, e as intérpretes
possuíssem formação na área em questão, para facilitar na transposição Português/Libras
dos conceitos químicos.
Apesar das carências presentadas, ambas as três (P, TILSP1 e TILSP2) mostraram-se
determinadas e compromissadas com o processo de inclusão de ES. A professora, por
exemplo, recorreu ao uso de recursos visuais em suas aulas. Tal ação é benéfica pois
acredita-se que pode potencializar o aspecto imagético da Libras, permitindo a ES fazer
relações entre os temas estudados e seus modelos e representações na química. A
intérprete discutiu os conceitos Químicos incompreendidos por ela, de maneira
aprofundada, com pessoas dá área desta ciência exata. Tal ação serviu para ajudá-la na
construção dos sinais e classificadores que devem ser usados em sala de aula.
Apesar disso, as ações apresentadas acima poderiam ser realizadas e discutidas entre
a professora e intérprete, pois ambas possuem determinado conhecimento que pode
complementar as ações profissionais alheias. Muitas das dificuldades apresentadas
possivelmente seriam sanadas, mas não são pela falta dessa interação. A professora e
intérprete conhecem bem as ações pedagógicas que poderiam ser desenvolvidas na sala de
aula. Elas compreendem as necessidades dos estudantes e, consequentemente, o perfil de
uma determinada turma. Usando disso, considera-se ideal que tais profissionais criem, em
conjunto, um plano de ações para garantir a acessibilidade linguística do estudante surdo,
ou seja, o acesso à Química.
5.2 Considerações sobre a estrutura fornecida
Considera-se que a Universidade deve oferecer condições de aprendizagens
favoráveis ao estudante surdo, bem como faz a qualquer outro discente da instituição. Os
44
surdos possuem algumas necessidades especiais, por exemplo: suas diferenças linguísticas
diante da maioria ouvinte.
Visto isso, a Universidade trabalha para que ES possua oportunidades acadêmicas e
principalmente um suporte para seus estudos. Na sala de aula, a presença do intérprete
exemplifica um dos investimentos da instituição para que ES tenha uma acessibilidade
linguística, já discutida anteriormente. Além das aulas, o estudante surdo tem acesso às
monitorias de Química Fundamental, na qual pode apresentar suas dúvidas relacionadas aos
temas estudados na disciplina. Destaca-se que a presença do intérprete neste caso, também
pode ser solicitada.
Julga-se importante destacar a ação da UPI, Unidade responsável pelas políticas de
inclusão da Universidade, que organiza também cursos de formação continuada para os
intérpretes, para que esses possam oferecer progressivamente um trabalho de qualidade,
visto que são peças principais na inclusão do estudante surdo. Há também o investimento da
Universidade em projetos que trabalham com a temática da educação dos surdos e a
divulgação da Libras para a comunidade acadêmica. Além disso, estes projetos envolvem a
criação de materiais didáticos para os estudantes surdos, por exemplo, o desenvolvimento
de audiovisuais adaptados em Libras.
Mesmo com todas as limitações de uma Universidade feita para atender
majoritariamente ouvintes, diante da realidade atual, que inclui a presença de ES, a UFV tem
promovido ações que objetivam a inclusão desse estudante no meio acadêmico. Sendo tais
ações recentes, o desenvolvimento delas e suas consequências poderão ser avaliadas
futuramente. Neste trabalho observou-se apenas o início dessas políticas e de um
pensamento inclusivo pelos professores, servidores, administradores, estudantes e todos os
outros envolvidos com a instituição.
5.3 Considerações sobre as interações sociais
A formação profissional não se dá apenas pelo envolvimento com as disciplinas
oferecidas pela universidade. As interações sociais também contribuem com essa formação.
Por meio delas, se faz possível ter experiências e se entender como um ser humano que vive
em um meio social. Essas interações são essenciais para se estabelecer laços e contatos
profissionais, estes permitirão a entrada em projetos, estágios e alguns movimentos
universitários.
45
Sem essa interação, o estudante fica à parte do que acontece no meio que vive. Em
se tratando da Universidade Federal de Viçosa, percebeu-se que falta muito para que as
condições sejam ideais para ES. Poucas pessoas são fluentes em Libras. Principalmente ao
considerar que para muitos, o primeiro contato com a língua de sinais acontece na própria
Universidade. Tal circunstância reflete a incoerência de pensar que a presença do intérprete
por si só caracteriza o processo de inclusão do surdo. Não se trata apenas de aprender
conceitos, mas também de estabelecer interações e vivências. Isso fica comprometido a
partir do momento que a Libras, sendo oficialmente a segunda língua oficial do Brasil, não é
conhecida pela maioria da população. Essa deficiência se reflete no meio acadêmico, onde o
estudante possui um pequeno círculo de contato, limitado a pessoas que conhecem sua
língua.
Apesar da circunstância apresentada, a Universidade atualmente investe na
divulgação da Libras, desenvolvendo alguns projetos que ensinam a Língua Brasileira de
Sinais para a comunidade acadêmica e geral.
5.4 Implicações para o ensino de Ciências/Química
O processo de ensino e aprendizagem em um espaço inclusivo carece de uma
atenção especial. Esse apresenta as dificuldades manifestas no caso de um estudante
ouvinte, somadas às diferenças linguísticas e sociais de um estudante surdo. A presença de
estudantes surdos nas universidades caracteriza-se como uma conquista para esta
comunidade, porém constitui-se como um desafio que precisa ser mais estudado e discutido
para que se ofereçam condições, progressivamente melhores, de aprendizagem para estes
estudantes.
Sobre o processo de inclusão de ES na disciplina de Química Fundamental na UFV,
conclui-se que todas as partes envolvidas contribuíram de forma significativa para que o
estudante dispusesse de boas condições de aprendizagem. Destaca-se a proatividade de P,
TILSP1 e TILSP2, para superar suas dificuldades e deficiências em suas formações,
objetivando o processo de inclusão de ES. Os equívocos destacados nas observações
presentes nesse trabalho servem como material para reflexão das ações realizadas pelos
profissionais envolvidos.
Espera-se que este estudo de caso seja um motivador para outros trabalhos que
envolvem a temática da inclusão de estudantes surdos na universidade e o ensino de
46
Química. Como exemplo, o desenvolvimento de glossários com sinais de temas específicos
da Química, criação de materiais didáticos, uso das TICS e uso dos classificadores voltados
para o ensino de Química no contexto universitário, dentre outros. Ainda existem várias
questões importantes a serem discutidas e que não podem ser ignoradas.
Como citado pela professora da disciplina de Química Fundamental, a inclusão “bate
à nossa porta”. Bem como para ES, outros estudantes surdos possivelmente ingressarão no
curso de Licenciatura em Química da UFV. Sendo assim, para o caso estudado neste
trabalho, algumas arestas precisam ser aparadas, na esperança de que tais ajustes e
correções ocorrerão com o tempo. Apesar disso, observou-se que a Universidade caminha a
passos curtos frente o desafio do novo, porém em uma direção correta.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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STROBEL, K. L. Surdos: vestígios culturais não registrados na história. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2006.
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ANEXO I
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado(a), Convidamo-la a participar da pesquisa Desafios e perspectivas para a inclusão de um estudante surdo no curso de Licenciatura em Química da UFV, desenvolvida pelo licenciando em Química Kevin Lopes Pereira, sob a orientação do professor Vinícius Catão de Assis Souza. A Constituição de 1988 define que a educação é um direito de todas/todos e dever do Estado, devendo ser garantido o pleno desenvolvimento de qualquer pessoa, independente da sua condição. Nesse sentido, estudos relacionados à educação de surdos discutem a importância de assegurar estes direitos, favorecendo uma educação de qualidade na escola e universidade por meio da acessibilidade linguística (Libras). Assim, a presente pesquisa busca avaliar o processo de inclusão de um estudante surdo no curso de licenciatura em Química da UFV, tendo em vista as questões relacionadas com a acessibilidade linguística, que será analisada a partir das aulas de Química Fundamental, ministradas no primeiro período do curso. Por meio de entrevistas com os envolvidos no processo formativo (professora e intérpretes de Libras), além das observações de aula, será traçado um panorama sobre questões que julgamos serem fundamentais para favorecer o processo de ensino e aprendizagem na perspectiva de inclusão dos estudantes surdos na universidade: (i) a formação e as condições de trabalho do professor e dos intérpretes; (ii) os desafios enfrentados por eles em sala de aula; (iii) o modo como a instituição lida com a inclusão dos surdos; e (iv) a relação do estudante surdo com a professora, os intérpretes e os demais estudantes. Para tanto, os seguintes aspectos serão levados em consideração e respeitados: (i) liberdade de se recusar a participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado; (ii) garantia de sigilo quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa; e (iii) participação voluntária, sem ônus algum para o(a) participante. Nestes termos, declaro ter sido informado(a) sobre o referido trabalho e concordo em responder voluntariamente às questões propostas na entrevista semiestruturada, fornecendo as informações necessárias à pesquisa.
Viçosa, _____ de ________ de 2018.
____________________________________________________________ Nome completo e assinatura para a obtenção do consentimento
Caso deseja receber um retorno sobre a pesquisa, encaminhe um e-mail para [email protected].
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ANEXO II
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS
1- Quais foram os caminhos percorridos em sua formação profissional como tradutor e
intérprete de Libras?
2- Quais as maiores dificuldades enfrentadas no trabalho de tradução e interpretação
das aulas de Química na Universidade? Como estas dificuldades poderiam ser
superadas?
3- Qual a principal função de um intérprete educacional no processo de ensino e
aprendizagem?
4- Você estabelece alguma interação com a professora durante a aula? E com o
estudante surdo? Em caso afirmativo, como isso acontece?
5- Existe alguma iniciativa, posterior, do professor relacionada à discussão das ações
promovidas em sala de aula?
6- Você estuda o tema da aula com antecedência? Tem acesso ao material da aula para
se preparar?
7- Como são negociados os sinais para termos específicos da Química?
8- Você considera a estrutura fornecida pela instituição adequada para proporcionar
uma boa condição de aprendizagem aos estudantes surdos? Acredita que uma
efetiva inclusão acontece?
9- Em sua opinião, quais ações poderiam ser feitas para favorecer o processo de ensino
e aprendizagem dos estudantes surdos?
10- A Universidade fornece algum tipo de acompanhamento ou supervisão para
promover melhores condições educacionais para este estudante?
11- A Universidade fornece algum tipo de capacitação ou curso de formação continuada
para os intérpretes?
12- Como você caracteriza a interação do estudante surdo com a professora e os demais
estudantes?
13- Você consegue identificar alguma dificuldade aparente do surdo em relação à
compreensão dos conceitos discutidos?
14- Como tem sido sua experiência, de modo geral, com o estudante surdo e as aulas de
Química?
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ANEXO III
ROTEIRO DE ENTREVISTA
PROFESSORA DE QUÍMICA
1- O que você compreende por educação inclusiva e como você avalia a importância da
inclusão na universidade atualmente?
2- Você acha que a Universidade tem cumprido bem o seu papel no processo de
inclusão do estudante surdo no curso de Química? O que poderia melhorar?
3- Ao longo da sua formação acadêmica (curso de licenciatura em Química ou pós
graduação) algum assunto relacionado à educação inclusiva foi abordado? Em caso
afirmativo, de que forma?
4- Você considera que sua formação acadêmica, de alguma maneira, contribuiu para
lidar com o desafio de trabalhar a educação inclusiva na prática?
5- Você se sente preparada para lidar com os atuais desafios da inclusão na
Universidade?
6- Para você, qual a maior dificuldade para se ensinar Química a um estudante surdo?
Como superar esta dificuldade?
7- Você acredita que o domínio da Libras pelos professores contribuiria de alguma
maneira para o processo de ensino e aprendizagem estabelecido em sala de aula?
8- Até o presente momento, como você avalia a inclusão e participação do estudante
surdo nas suas aulas de Química?
9- Você tem utilizado alguma estratégia de ensino diferenciada para favorecer a
aprendizagem da Química pelo estudante surdo?
10- Como se estabelece a sua relação com o Tradutor e Intérprete de Libras em sala de
aula? Há algum tipo de interação durante a aula?
11- Como tem sido a sua experiência, de modo geral, com o estudante surdo nas aulas
de Química?
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APÊNDICE I
Fonte: Quadro de Configuração de Mãos (CMs) da Libras, por Pimenta e Quadros (2006, p.63)5.
5 PIMENTA, N.; QUADROS, R. M. Curso de LIBRAS 1: Iniciante, LSB Vídeo, 2006.