Velejando contra o vento:a Física do velejar
Philippe Gouffon
YCSA, São Paulo, 25 de junho 2015
Programa● Transporte (esporte) com vento: um pouco de história
● O veleiro tradicional
● Física do velejar
➔ Empopada
➔ Través
➔ Orça
➔ Estabilidade (lateral)
● Sempre contra o vento: os veleiros rápidos
● Física, computação e realidade
● Conclusão
● Até 900 DC, as velas eram quadradas✔ Veleiros seguiam os ventos e correntezas✔ Podiam velejar um pouco além de 90° do vento✔ Fenícios teriam chegado(?) até a América
● Em 900 DC foi inventada a vela latina✔ Ela permite subir contra o vento e manobras
rápidas
Caravela NinaSunfish (sec. XX)
Dohw (arabia)
A vela latina evoluiu para o velame com caranguejacarangueja
Gaff rigged schooner.
Her sails, from left to right:● Jib,
● staysail,
● gaff foresail,
● gaff mainsail
● Main gaff topsail
A vela em númerosVelocidade é dada em nós (kn), 1 NM/h = 1852m/h
Uma evolução vertiginosa estes últimos anos:● Travessia do Atlantico – leste-oeste – 2900NM (5370km):
➔ 1905: Charles Barr: 12d 4h, 10,02 kn (monocasco)
➔ 1980: Eric Tabarly: 10d 5h, 11,93 kn (trimaran)
➔ 2009: Pascal Bidegorry: 3d 15h, 32,94 kn (61km/h) (trimaran)
● Volta ao mundo – 21760NM (40300km):
– Banque Populaire V (tri): 45d 13h (19.75kn) – L.Peyron 2012
– IDEC (solitário, tri): 57d 13h (15,84 kn) – F. Joyon 2008
– Macif (solitário, mono): 78d 2h (11.52kn) – F.Gabart 2013
– (lancha: 61 dias, por Suez e Panamá)
Velocidade à vela● Distância em 24h:
➔ Banque Populaire V (P.Bidegorry), 908,2 NM (37.84kn)
– Ericsson 4 (Torben Grael-2008), 596,6NM (24.85kn)(Comanche ,J.Clark/K.Read,2015, 618.01nm, 25.75kn)
➔ Macif (F.Gabart), solo, 534,48NM (22,27kn)
Velocidade à vela1 milha náutica:
➔ Hydroptère, 50,17 kn
➔ Vestas Sailrocket 2, 55,32 kn
500m:
➔ Hydroptère, 51,36 kn
➔ Kite Board, 55,65 kn
➔ Vestas Sailrocket 2, 65,45 kn
● O Hydroptère chegou a 61 kn (113km/h) … e quebrou
Evolução recente
● Ao que se deve esta evolução?– A Física não mudou
– Os materiais mudaram muito● Rigidez maior● Densidade menor● Monitoramento durante o uso
– Simulação numérica
– Idéias novas ou recicladas
A física da vela● O que os exemplos de veículo a vela tem
em comum (excetuando o IKAROS)?– Vela com vento propulsor
– Meio distinto do ar que define a direção do movimento (água, gelo, terra,...). O veículo se “apoia” neste meio.
– Veículo se desloca na interface dos meios
● É a existência desta interface que permite o velejar, da mesma forma que se precisa do chão para poder caminhar
A Física é básica: são as 3 leis de Newton
● 1a LEI: um corpo mantem uma velocidade constante na ausência de força (inércia)
● 2a LEI: uma força F aplicada a um corpo de massa m gera uma aceleração a (F=ma)
● 3a LEI : ação = - reação
Forças que atuam num veleiro● Forças (a soma deve ser nula):
– Vento na vela – depende da direção relativa do vento em relação ao movimento do barco. Há o vento real e o vento aparente (vento relativo)
– Força de empuxo da água cancela o peso
– Atrito do casco na água e atrito das superestruturas no ar
● Torques (a soma deve ser nula):
– Força do vento na vela – torque do mastro
– Força lateral da água na quilha ou bolina
– Força vertical do empuxo no casco e peso da quilha/tripulação
– 2 torques: um aderna o barco, o outro tende a orçar ou arribar
Força do ar na vela
O vento é defletido pela vela. A variação de velocidade vcorresponde a uma aceleraçãoa
a ou seja, uma força.
Esta força arrastaria o barco de lado. Para evitar este movimento o veleiro tem uma quilha ou uma bolina.
Vamos detalhar estas forças adiante
http://newt.phys.unsw.edu.au/~jw/sailing.html
A quilha (e leme)
Dupla função:● Gera uma força hidrodinâmica que se opõe ao deslocamento
lateral (muitas vezes uma bolina faz este papel)● Baixa o centro de gravidade e gera torque de restauração
Perfil de asa:O barco se desloca com ângulo em relação à águaÁgua desviada, fluxo laminar geram uma força decomposta em arrasto e resistência da quilha
● Com o deslocamento lateral, a água quer passar por baixo e em volta da quilha, gerando vortices, com custo alto em energia.
● A solução é uma quilha longa e fina, como a asa do planador.
● Uma outra solução muito comum é uma quilha mais curta com uma asa embaixo
Forças que atuam no velame
– ângulo de derivaVB – velocidade do veleiro
FA – força aerodinâmica totalFp – força propulsoraFT – força geradora do torque
VA – vento aparente
NA HORIZONTAL:
(revista iate 38, 10/2015)
Forças que atuam na quilha
– ângulo de derivaVB – velocidade do veleiro
FH – força hidrodinâmica totalFL – força lateral (torque)
R – arrasto do casco e quilha
NA HORIZONTAL:
(revista iate 38, 10/2015)
Equilibrio de forças e torques
FA + FH = 0 - equilibrio das forças
Fp + R = 0 – barco em velocidade Constante
FT e FL geram torques que se cancelam
F = ½ S C V2
ar = 1.23 kg/m3
H2O
= 1000 kg/m3
(revista iate 38, 10/2015)
Torques● O torque da vela tende a
adernar o barco
● O torque do peso do barco (quilha, etc) em relação ao centro de rotação tende a endireitar o barco
● O torque do empuxo tende a endireitar.
Torque na horizontal:● O leme é usado para
cancelar o torque
(revista iate 38, 10/2015)
Empopada
Vento realVr=10 nós
VrVb=6
Va=4
Na empopada (popa rasa), ● O vento real Vr vem pela popa. ● O vento empurra a vela (e o barco)● A velocidade do barco Vb é
sempre inferior à do vento● O vento aparente Va vem pela popa,
fraco● O escoamento do ar é turbulento
Vr = Vb + Va
Exemplo:
Se Vr=10 kn, Vb=6 kn, Va=4 kn
Obs: Muitos evitam velejar empopados, pois Vb < Vr (para veleiros)
Través
● Vento real de 60° a 120° em relação ao barco, variando de través orçado a través folgado
● É o mais rápido e eficiente pois a força é praticamente na direção do movimento (em barcos “normais”), portanto a quilha trabalha pouco (barco horizontal)
● Barcos conseguem ir mais rápido que o vento
● Há grande escolha de velas
● O fluxo de ar é laminar
OrçaAo lado, 2 veleiros da America's Cup (2000). Ambos estão orçandoO vento deve vir de cima da imagem, verticalmente
Vr
Vb
Va
A soma é vetorial: Vr=10kn Vb=12kn Va=20 kn
● Poucos barcos conseguem orçar desta forma
● Ângulo típico: 40° em relação ao vento real, 30° em relação ao vento aparente mas chega a 20°.
● O vento aparente na orça é quase a soma do vento real e da velocidade do barco
Mais rápido que o ventoPode ou não pode? Fatos respondem à pergunta..
● As curvas polares acima mostram Vb > VR
● 1 milha náutica:
– Hydroptère, 50,17 kn com vento de 29 kn (1.7xVR)
● 500m:
– Vestas Sailrocket 2, 65,45 kn com vento de 26 kn (2.5xVR)
● America's cup 2013:
– Orça esperada a 1.2xVR e empopada 1.6xVR
– Conseguiram 1.8xVR com picos de 2xVR
● Iceboats conseguem chegar a 5x a velocidade do vento
Desprezando tudo(atrito, torque, resistência de materiais...)
VR
Vb
Va
V b=V R
sin (β−α)
sin (α)
Vamos supor que VR e sejam fixos
Vb
Va
Orça
Alheta5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
0
1
2
3
4
5
6
7
8
β=30°
β=45°
β=60°
β=90°
β=135°
β=170°
Angulo do vento aparente
Vb /
Vr
VR
Eliminando restrições● Arrasto:
– Um casco deslocante tem um “limite” de velocidade proporcional à raiz quadrada do comprimento
– Se planar, vai muito mais rápido mas ainda tem arrasto
– Solução: hidrofólios, usados em barcos pequenos (Moth) e grandes (Hydroptère, AC)
● Vela:
– Tecido se deforma com vento e movimento
– Melhor forma é vela com base curta e mastro alto
– Solução: asa rígida com controle de forma
V L (kn)=1.34√L ( pés)
Física, simulação e realidade● A física básica do velejar é conceitualmente
simples mas as contas são muito complicadas
● Ela permite definir limites e identificar o que impede aumento de desempenho e chegar a estes limites
● A tecnologia fornece materiais melhores
● A simulação numérica permite testar idéias, que depois irão para um modelo em tanque e virar uma realidade
● Porém...
Conclusão● ..., as inovações vem das pessoas, tanto
com idéias quanto com o manuseio do barco.
INASMUCH as three quarters of the earth'ssurface is water and only one fourth is land
the good Lord's intentions are very clear:
A man's time should be divided:
three fourths for sailing and one fourth for work.
Alguns termos● Há um termo exato para
cada objeto e ato num veleiro
● A cada faixa de ângulo em relação ao vento há um nome associado
● Numa faixa em torno da direção de onde vem o vento é impossível velejar. O tamanho desta faixa depende do veleiro, do velame e da força do vento
● Cada faixa corresponde a um tipo escoamento de fluxo de vento e água na quilha, portanto de tratamento físico
Vento
Uso da lei dos senosV A
sin(π−β)=
V R
sin (α)=
V bsin (γ)
VR
Vb
Va
Vb
Va
Orça
Alheta
VR
α+(π−β)+γ=π⇒ γ=β−α
V b=V R
sin (β−α)
sin (α)
V A=V R
sin (π−β)
sin (α)
Vela mal regulada:
● Fluxo turbulento● o vento decola a sotavento● A força resultante diminui● O barco não anda
● LEME: perda de controle
Vela bem regulada
● Fluxo laminar● O vento é acelerado entre a buja e
a mestre● A força é maior e melhor
direcionada● O vento sai para trás paralelo à
direção do delocamento
Tipo de fluxo
Curvas polares● Para cada veleiro são traçadas
curvas de velocidade em função do ângulo para diversos valores de velocidade do vento
● Cada veleiro tem sua curva
Modernos clássicosHá um grande esforço de recuperar veleiros antigos e, na sua falta, construir réplicas, algumas com técnicas originais, outras modernas.
Anualmente são realizados grandes eventos, encontros e regatas destes barcos (J-boats, tall ship, saveiros...)
Por exemplo:
Barcos mencionados
Veleiro LOA(m)
Boca(m)
Vela (m2)
Calado(m)
Mastro(m)
Peso(kg)
Atlantic (Charles Barr) 69.7 8.85 1720 4.9 (3) 303000
Banque Populaire V 40 23 720 5.8 23000
Hydroptère 18.28 24 560 1.5-4.0 28 7500
Ericsson IV 21.5 4.7 675 4.5 31.5 14000
Macif 18.28 5.7 570 4.5 29 770
IDEC 29.7 16.5 520 5.7 32 11000
Vestas Sailrocket 2 12.2 12.2 22/18 275
E um pequeno detalhe...
● Um velejador vai navegar sobre um rio cuja correnteza é de 6 nós. Ele sai no fim da manhã num dia sem vento velejando no sentido da corrente e depois de uma hora, para para almoçar.
● Ele retoma o passeio, no sentido da corrente, agora com uma leve briza de 6 nós no sentido e direção da correnteza do rio, por mais 1 hora
A maior distância percorrida foi antes ou depois do almoço?