Seilert, Villi Fritz.
Direito Ambiental - O protocolo de Kyoto e o Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo - internalização no direito nacional e um ensaio crítico frente ao princípio do
poluidor pagador.
Dissertação (Especialização em Direito Público) – Faculdade Projeção, Brasília, 2007. 1. Direito Ambiental. 2. Protocolo de Kyoto. 3. Mecanismos de Desenvolvimento Limpo - Monografias. Faculdade Projeção – Brasília/DF - 2007
“O Titanic, evidentemente, não tinha como afundar. As probabilidades eram ridículas. Por outro
lado, acelerar o navio daria belas notícias nos jornais, levantaria entusiasmos e financiamentos,
permitindo mais investimentos e assim por diante. Enfim, o progresso. A realidade é que o navio
afundou, e junto com ele uma certa prepotência dos que arriscam tudo para sair na primeira página.
Mas as culpas nunca estão de um lado só, e entre os que ignoram riscos e os tímidos que não avançam
por excessiva prudência, há bastante espaço para o bom senso.”
Prof. Dr. Ladislau Dowbor1
(metáfora em comentário ao conteúdo do relatório “The Economics of Climate Change ou a economia da mudança
climática - Resumo Executivo - 27 p).
Agradecimentos: Não posso deixar de agradecer aos
meus filhos André, Sara, Amadeus e Arthur, que se
tornaram fonte de sinergia, quando a boa inspiração me
faltava.
À Denise, uma mulher amável e dedicada a me dizer
sempre: vá em frente!
1 Professor titular de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo . Graduado em Economie Politique pela Universite de Lausanne (1968) , especialização em Curso Superior da Planificação Nacional pela Escola Superior de Estatística e Planejamento (1972) , mestrado em Economia Social pela Escola Superior de Estatística e Planejamento (1974) e doutorado em Ciências Econômicas pela Escola Superior de Estatística e Planejamento (1976) .
2
Sumário:
Apresentação 5
I. A CQNUMC, o Protocolo de Kyoto e o MDL 7
1 Contextualizando do problema de fundo – as mudanças climáticas globais 7
2 A recepção do Protocolo de Kyoto na ordem jurídica nacional 10
3. Iniciativas legislativas federais direta e indiretamente relacionadas às mudanças climáticas
12
II. Lacunas e barreiras jurídicas ao MDL. 14
1 Elementos jurídicos e operacionais estranguladores da aplicação do Protocolo de Kyoto 14
2 Considerações sobre os critérios de elegibilidade para o MDL 17
2.1 Sobre o critério da participação voluntária 17
2.2 O critério dos benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo 18
2.3 O critério da adicionalidade 18
2.4 O critério do desenvolvimento sustentável 19
3. Aspectos jurídicos e processuais relacionados ao MDL no contexto brasileiro 20
3.1 As regras do requerimento do documento de concepção do projeto 21
3.2 Requerimento de validação e a carta de aprovação dos projetos 26
3.3. Aspectos processuais relacionados à legislação ambiental e trabalhista 27
3.4. O registro de reduções certificadas de emissões 28
3.5. Sobre as modalidades e procedimentos para projetos de reflorestamento e florestamento no Brasil
30
4. Anotações sobre as possibilidades de aprimoramento dos instrumentos regulamentares para os efeitos do MDL em diversos seguimentos e programas governamentais
33
4.1. No setor de energia 33
4.1.1. Na área de energias renováveis 33
4.1.2. A condicionante da eficiência energética 36
4.2. Os setores agropecuário e florestal 38
III. O MDL à luz dos princípios jurídicos ambientais brasileiros 40
1. Enunciado do problema 40
2. O Princípio do Poluidor Pagador – PPP 43
2.1 Origem e marco jurídico 43
2.2 As externalidades e a internalização dos custos sociais da poluição 46
2.3 Fundamentos e o papel do PPP no direito ambiental 47
2.4 O princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental 48
2.5 O fundamento legal e os óbices à reparação do dano ambiental 49
3. Conclusões sobre o problema enunciado – MDL x PPP 50
Bibliografia 54
3
Apresentação:
Se as preocupações com o meio ambiente tomam cada vez mais espaço nas ciências,
inclusive no Direito, a questão específica das mudanças climáticas, além das suas
implicações no campo das soluções tecnológicas e políticas, emerge como um arranjo
jurídico endereçado a dar suporte aos esforços para solução de conflitos e celebração de
acordos entre as nações que buscam medidas de reação ao aquecimento global e às suas
conseqüências sobre a vida no nosso planeta.
Em que pese as multifacetas que a abordagem do tema possa implicar, este estudo
tratará de recortá-lo à análise do arranjo jurídico à que se reveste os termos do acordo
multilateral celebrado por ocasião da Sétima Conferência das Partes (COP-7), mais
conhecida como Protocolo de Kyoto.
Feita a delimitação, em primeiro lugar o presente trabalho tem por objetivo, como se
verá no primeiro capítulo, examinar alguns dos aspectos legais de direito interno
relacionados à regulamentação do Protocolo de Kyoto e o denominado “Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo - MDL”, especialmente no que se refere ao rito da recepção
daquela norma de natureza internacional pelo direito nacional.
No segundo capítulo trataremos de abordar o que consideramos fatores jurídicos e
normativos causadores de estrangulamentos e barreiras para uma maior agilidade na
aplicação do MDL no Brasil. Analisaremos, sob enfoque jurídico, alguns dos mais
importantes programas, projetos e arranjos tecnológicos implantados ou em vias de
serem implantados no Brasil, cujos escopos estão relacionados, direta ou indiretamente,
com as preocupações climáticas globais e as metas pretendidas pelo Protocolo de
Kyoto.
Na seqüência, como poderá se ver no terceiro capítulo, empreenderemos um ensaio
crítico sobre o instituto do MDL. Nessa iniciação crítica nosso propósito será confrontar
e questionar o suposto status de instituto de direito ambiental do MDL, acostado aos
princípios basilares do direito ambiental brasileiro, em especial o “Princípio do Poluidor
Pagador – PPP”.
4
A abordagem deste trabalho funda-se essencialmente em método investigativo-
descritivo, tendo por suporte dos argumentos aqui apresentados, informações
produzidas pelos autores e creditados nas fontes bibliográficas e nas notas de rodapé.
Resta dizer que a escolha do tema está isenta de qualquer conotação ideológica. Sua
eleição, isso sim, está relacionada ao compromisso de vida, lastro dos paradigmas que
fazem parte do desafio de profissão do pesquisador subscrevente, enriquecimento da sua
atuação em políticas públicas e projetos com alta vinculação ao tema aqui desenvolvido.
5
I. A CQNUMC, o Protocolo de Kyoto e o MDL
1. Contextualizando do problema de fundo - as mudanças climáticas globais
Considerados as recentes passagens relacionadas aos desequilíbrios climáticos,
confirmados por autoridades científicas e políticas mundiais2 e, mais recentemente,
reconhecidos até pela renitente posição norte-americana, dispensável maiores
argumentos para confirmar que o equilíbrio climático no planeta tem sofrido profundas
transformações.
Se antes a discussão dos temas relacionados ao meio ambiente estava contaminada pelos
diagnósticos suspeitos de fantasias, agora assume o tom, com as devidas provas, de um
paradigma que envolve as possibilidades de preservação não só dos recursos naturais,
mas da própria espécie humana. Estamos no anunciado “olho do furacão” da espécie
humana.
Pois bem, ainda que não seja do mérito do nosso trabalho considerar as causas desse
desequilíbrio de proporções apocalípticas, podemos partir do pressuposto de que está
descartada a posição até muito recentemente predominante de que os desequilíbrios
climáticos recentes resultam de efeitos cíclicos naturais, para a nova posição na direção
de que um dos pontos sensíveis do fenômeno decorre dos efeitos antrópicos sobre o uso
dos recursos naturais, por fim causadores do denominado “efeito estufa”. Ou seja: não
se trata somente de conjunção ou fenomenologia natural, mas agora está provado que a
ação humana, nas proporções e no ritmo que se desdobram, não é mais suportável para
o planeta e a vida dos seus habitantes.
Uma explicação mais simplificada para este fenômeno sugere que o efeito estufa resulta
inequivocamente da ação humana na queima de combustíveis fósseis, de forma que a
2 O IPCC - Intergovernamental Panel on Climate Change ou Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas - foi constituído no fórum das Nações Unidas para fornecer informações científicas, técnicas e sócio-econômicas relevantes para o entendimento das mudanças climáticas. Seus impactos potenciais e opções de adaptação e mitigação. É um órgão intergovernamental aberto para os países membros do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Desde a sua criação em 1998, o IPCC lançou quatro relatórios de estudos. O último (4º) foi lançado em Bangcoc no dia 4 de maio de 2007 sob a chancela de mais de 2000 pesquisadores de ilibada reputação no mundo científico. O documento deixa claro que o mundo tem a tecnologia e o dinheiro para agir de forma decisiva e a tempo de evitar a elevação drástica de temperaturas que poderá levar espécies à extinção, elevar o nível dos oceanos, causar caos econômico e gerar secas e enchentes. No cenário que exigirá mais esforços para ser implementado, o relatório diz que o mundo deve estabilizar a quantidade de gases do efeito estufa na atmosfera em 445 partes por milhão até 2015, para manter a elevação da temperatura global abaixo de 2º C além dos níveis pré-industriais, com um impacto de redução do PIB mundial de menos de 3% até 2030 e menos de 5,5% até 2050.
6
cobertura vegetal do solo - especialmente as florestas - está projetando para a atmosfera
uma enorme quantidade de carbono que em condições normais fazia parte dela, e,
impulsionada pela agressividade da pauta de interesses econômicos, passou a ser
convertidos em carvão, petróleo, gás, etc.
No meio científico é consenso que o caminho para solucionar o problema do
desequilíbrio na queima de combustíveis fósseis, deve começar com pelo menos as duas
seguintes medidas:
a) diminuir ou evitar a emissão de gases de efeito estufa (GEE), para impedir que
continuem e destruir a camada de ozônio;
b) retirar o excesso de gases de efeito estufa (GEE) existentes que atuam
desequilibrando o clima do planeta.
Não por outra razão, após inúmeros estudos, avaliações, análises, e, especialmente
motivada pelos contundentes fenômenos climáticos ocorridos ao longo dos últimos 30
anos, e, tendo em vista as projeções catastróficas para os próximos anos, a Organização
das Nações Unidas - ONU decidiu tomar a frente da situação e, de posse de dados
concretos e fidedignos acerca do quantum de GEE que cada país produz, decidiu criar
na grande conferência internacional de ecologia, conhecida como “Eco92”, a
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima - CQNUMC. 3
Tal convenção foi celebrada tendo por objetivo pactuar políticas para “a estabilização
das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, em um nível que impeça uma
interferência antrópica perigosa no sistema climático” (artigo 2º da convenção).
Do ponto de vista da sua natureza é de considerar que a CQNUMC nada mais é do que
um tratado um pouco atípico aos modelos do direito internacional.
É que tal espécie de tratado caracteriza-se por um objetivo bem sedimentado e fixo - um
verdadeiro norte a ser cumprido - enquanto já o modo de implementá-lo se define aberto
e variável, assumindo no seu cumprimento um perfil flexível.
3 O Brasil foi o primeiro país a assinar a Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima em 4 de junho de 1992. O Congresso Nacional a ratificou em 28 de fevereiro de 1994. A Convenção entrou em vigor para o Brasil em 29 de maio de 1994, no nonagésimo dia após a ratificação pelo Congresso Nacional.
7
Pois bem, essa alteração e mutação de perfil, ao nosso juízo é o reconhecimento de que
ao longo do tempo os caminhos eleitos para se alcançar o objetivo central podem se
mostrar inadequados ou obsoletos, de forma que mantê-los poderia colocar em risco o
alcance do próprio objetivo.
Como veremos é essa flexibilidade de caminhos que permite a que os países signatários
possam escolher diferentes remédios de acordo com seus interesses circunstanciais.
A flexibilização de possibilidades e meios para alcançar os objetivos da CQNUMC é
operada mediante a realização periódica de convenções complementares (as
conferências partes – COP), onde, por intermédio de tratados específicos, se pactuam
regras para implementar o objetivo geral esculpido na CQNUMC.
Por essa razão se pode dizer que a CQNUMC é uma espécie de “conferência mãe”,
onde se fixa e petrifica o objetivo, e, a partir dela, realizam-se outras convenções, ou o
que também podemos chamar de “conferências filhas”, cuja finalidade é encontrar e
programar meios para se alcançar aqueles objetivos previstos na “conferência mãe”.
Uma dessas “conferências filhas”, foi a de número 7 (COP7), por cujos resultados
ficaram conhecidos como “Protocolo de Kyoto”. Um tratado internacional
complementar à CQNUMC, realizado em dezembro de 1997, na cidade de mesmo
nome, no Japão.
Kyoto estabeleceu compromissos específicos pelos quais inferiu efeito jurídico a que
inicialmente os 39 países signatários passassem a tomar medidas para a redução de
emissões de GEE (gases de efeito estufa) para a redução da emissão dos gases que
provocam o chamado efeito estufa.
Nesse processo de consulta internacional as Nações Unidas convencionaram o
Protocolo de Kyoto como um instrumento regulamentador sobre as mudanças
climáticas do planeta, com reduções projetadas em 5,2%, em média, em relação aos
níveis de emissão medidos no ano de 1990.
8
Com a ratificação do acordo pela Rússia, formalizada em 18 de novembro de 2004,
atingiu-se o mínimo de 55 países-parte da convenção.
Como principal compromisso direcionado a que os países desenvolvidos alcancem suas
metas, o Protocolo de Kyoto estabeleceu "Mecanismos de Flexibilidade", sob o
denominado sistema de “Mecanismos de Desenvolvimento Limpo - MDL”.
Pois bem, é por esse princípio de flexibilidade que o MDL permite que as nações
desenvolvidas alcancem parte de suas obrigações de redução dos GEE por meio da
implantação de projetos, não necessariamente em seus territórios nacionais, mas
financiados em países em desenvolvimento, de modo que reduzam as emissões de CO2
(dióxido de carbono) e de outros gases conhecidos como "greenhouse gases" (GHG) ou
as "compensem" (seqüestrem) por emissão de gases que os neutralizem.
Os fluxos de GEE de cada projeto de MDL então adotarão padrões de medição de
acordo com métodos acordados internacionalmente e sendo quantificados em unidades
padrão, conhecidas como Certificados de Emissões Reduzidas - CERs, emitidas por um
Conselho Executivo, o Executive Board, e creditadas aos participantes da
correspondente atividade. Estes certificados são expressos em toneladas de GHG
evitadas.
Trata-se, pois, de um mecanismo em franca expansão em termos mercadológicos, de
modo a atrair inúmeras oportunidades, já que o capital privado detém importante papel
no desenvolvimento do MDL.
2. A recepção do Protocolo de Kyoto pela ordem jurídica nacional
O rito de recepção do Protocolo de Kyoto ao direito positivo nacional se conformou,
como de regra, aos princípios previstos nas normas constitucionais, somados aos
enunciados emanados pelo Supremo Tribunal Federal, formando assim sólida base
também na jurisprudência.
Nessa matéria a nossa Corte Suprema não reconhece a auto-exequibilidade e
9
operacionalidade da norma internacional no âmbito interno, sem o devido ato de
ratificação legislativa.
As posições doutrinárias são uníssonas no sentido de que a incorporação à ordem
jurídica interna de compromissos assumidos pelo país por meio de tratados
internacionais, decorre “de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação
de duas vertentes homogêneas: a do Congresso Nacional, que a resolve,
definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos
internacionais (CF, Art. 49, I), e a do Presidente da República, que, além de poder
celebrar esses atos de direito internacional (CF, Art. 84, VIII), também dispõe, enquanto
chefe de Estado que é, da prerrogativa de promulgá-los mediante decreto”.4
Assim a CQNUMC para alcançar eficácia para o direito brasileiro houve que ter sido
primeiramente aprovada pelo Decreto Legislativo 01 de 03 de fevereiro de 1994, e,
posteriormente, ser submetida à promulgação pelo Decreto 2.652 de 01 de julho de
1998, a partir de quando passou a vigorar no âmbito nacional.
No caso do Protocolo de Kyoto, em que pese ter sido signatário desde a sua celebração
em 1997, foi ratificado pelo Brasil somente em junho de 2002, por meio do Decreto
Legislativo 14.402.
Muito embora ratificado e sancionado por atos típicos da ordem jurídica nacional, de
modo inusitado este veio a vigorar somente a partir de fevereiro de 2005, ocasião da
ratificação pela Rússia, fato que completou o número mínimo de 55 países ratificadores,
conforme previsto na condicionante inscrita no seu próprio texto.
4 Documento: Instrumentos legais e regulamentares para a política nacional de mudanças climáticas, produzido pela Presidência da República, 2005 – em www.planalto.gov.br/secom/nae/Clima2/06.pdf
10
3. Iniciativas legislativas federais direta e indiretamente relacionadas às mudanças
climáticas, de acordo com os compromissos da CQNUMC e do Protocolo de Kyoto
Constam a seguir as principais iniciativas e instrumentos legislativos que versam sobre
medidas e políticas nacionais relacionadas às mudanças climáticas:
Projeto de Lei 261/07, em tramitação na Câmara Federal, com proposta de
regulamentação do Programa Nacional de Mudanças Climáticas – PNMC;
Projeto de Lei 3.902/2004, em tramitação na Câmara Federal, com proposta de
regulamentação do Programa Nacional de Mudanças Climáticas – PNMC;
Decreto 3.515/2000, cria o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas – FBMC;
Decreto Presidencial de 07 de julho de 1999 institui a Comissão Interministerial
de Mudança Global do Clima - CIMGC;
Resolução nº1 da CIMGC, de 02/12/2003.
No que se refere ao MDL, o direito positivo nacional conta com uma das mais
complexas bases legislativas que exprime o arcabouço jurídico nacional à regulação de
temas direta ou indiretamente relacionados aos seus objetivos, conforme classificados a
seguir, segundo as diferentes fontes e matérias:
i. No arcabouço geral do direito ambiental nacional
A Constituição Federal de 1988
Os Crimes Ambientais – Lei 9.605/98
ii. Nas regras de licenciamento ambiental
Política Nacional do Meio Ambiente – Lei 6.938/81
Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama (279/01, 237/97)
iii. Na política de reflorestamento e florestamento
Código Florestal – Lei 4.771/65
Sistema Nacional de Unidades de Conservação
Comissão Técnica Nacional de Engenharia genética e CTNBio5 – Lei 8.974/95
Biosegurança.
11
iv. Na política de desenvolvimento tecnológico e eficiência energética
Procel – Decreto Presidencial de 18/07/91;
Conpet – Decreto Presidencial de 18/07/91;
Conservação e Uso Racional de Energia – Lei 10.295/0;
P&D e Eficiência Energética – Lei 9.991/00;
Inovação Tecnológica – PL 7.282/02;
Inovação Tecnológica na Indústria – Lei 8.661/93;
Resoluções Aneel;
vi. Nos programas de incentivo a energia renovável
Proinfa – Lei 10.438/02;
Decreto 5.025/04;
Programa Luz para Todos – Decreto 4.873/03;
Prodeem – Decreto Presidencial de 27/12/94;
Resoluções Aneel;
vi. Na regulação dos transportes
Proconve6 – Lei 8.723/93 - Programa de Controle da Poluição do Ar por
Veículos Automotores;
vii. Na gestão de resíduos
Resoluções Conama.
viii. No direito tributário
Código Tributário Nacional.
ix. No direito administrativo
Processo administrativo no âmbito da administração pública federal – Lei
9.784/99;
Mercado de valores mobiliários – 6.385/76
x. No direito trabalhista
12
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
II. Lacunas e barreiras jurídicas do MDL
Conforme enunciamos nas preliminares deste trabalho, pretendemos nesse capítulo
analisar parte do que consideramos lacunas e barreiras de natureza jurídico-formais e
processuais que sugerem pontos de obstrução ao pleno arranjo e instalação do MDL e,
por conseqüência, trazem prejuízos ao alcance dos bons resultados de projetos de
desenvolvimento limpo no Brasil.
1. Elementos jurídicos e operacionais estranguladores da aplicação do Protocolo de
Kyoto
Como vimos no capítulo anterior o Protocolo de Kyoto, mesmo após a sua ratificação
pelo Brasil, teve a sua eficácia jurídica no âmbito nacional dependente de condicionante
externa. Vimos que para ser promulgado pelo Presidente da República, esse tratado
precisava antes entrar em vigor no plano internacional. E tal vigência só veio ocorrer
quando foi alcançado o número mínimo de países ratificantes, fato confirmado pela
adesão russa em 2005.
O longo período de indefinição quanto ao futuro do Protocolo de Kyoto talvez tenha
sido o maior e mais sério óbice para a realização dos seus objetivos, tanto no nível
internacional quanto no âmbito dos países signatários. E tal óbice tem sua origem na
própria gramática jurídica adotada pela CQNUMC.
A principal decorrência dessa longa indefinição é que sem a plena vigência das normas
insertas no Protocolo, as necessárias medidas de redução das emissões passaram a
perder espaço de atuação legal, incluindo o MDL.
Avaliado sob chave estritamente jurídico-formal, sem a plena força do Protocolo de
Kyoto, norma jurídica instituidora do MDL, não havia como existir, no plano legal,
qualquer projeto MDL, bem como sua implementação e desenvolvimento.
13
Não por outra razão é de se ver que, mesmo antes da confirmação da entrada em vigor
do Protocolo, em 16 de fevereiro de 2005, com a ratificação do mesmo pela Federação
Russa, internacionalistas já estudavam a possibilidade de considerar efeitos de vigência
das normas com base na soft law.5
Ressalta-se a criação do regime de comércio de licenças de emissão de gases de efeito
estufa (ETS) na União Européia. Nos termos da Diretiva 2003/87/CE7, o mercado
europeu foi criado com o objetivo de contribuir para o cumprimento mais eficaz dos
compromissos na CQNUMC e no Protocolo de Kyoto da União Européia e de seus
estados-membros.6
Atualmente, a participação no mercado europeu dos mecanismos de flexibilização como
instrumentos complementares, encontra-se sob um processo de regulação no âmbito da
União Européia.
Também ainda sob discussão está a definição do caráter de suplementariedade dos
mecanismos de flexibilização. Segundo o relatório à proposta de Diretiva sobre o tema,
datado de 17/03/2004, ainda não se conseguiu o consenso quanto ao montante de
participação desses mecanismos no mercado europeu.
O texto proposto pelo Conselho delimita a participação de reduções oriundas do MDL e
das atividades de implementação conjunta (IC) a 6% do total de licenças alocadas por
estado-membro para cada período, permitindo-se à Comissão considerar se o montante
de até 8% do total de licenças alocado pelos estados-membros para o período poderia
ser acatado nos termos do Art. 23 da Diretiva 2003/87/CE.
5 Soft law: trata-se de normas com vistas a comportamentos futuros dos Estados, que não chegam a ter o status de normas jurídicas,
mas que representariam uma obrigação moral aos Estados (obrigações imperfeitas, mas, de qualquer forma, com alguma
normatividade) e têm uma dupla finalidade: a) fixar metas para futuras ações políticas nas relações internacionais; b) recomendar
aos Estados adequarem as normas de seu ordenamento interno às regras internacionais contidas na soft law. Podem assumir diversas
formas ou denominações, como non binding agreements, gentlemen’s agreements, códigos de conduta, memorandos, declaração
conjunta, declaração de princípios, ata final, e até mesmo denominações tradicionalmente reservadas a normas da hard law como
acordos e protocolos. in Manual de legislação Internacional p. 184-185.
6 Conforme publicada no Jornal Oficial da União Européia aos 25/10/2003 - Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13/10/2003. Versão portuguesa. Disponível em: http://www.europa.eu.int.
14
Em proposta feita pelo Parlamento, constante do mesmo relatório, defende-se que o uso
de reduções oriundas dos mecanismos de flexibilização não pode ultrapassar 50% dos
esforços de cada estado-membro para atingir suas metas de redução de emissões.
Não obstante todas as discussões acerca do arranjo legal a ser dado à Diretiva sobre
inserção dos mecanismos de flexibilização no mercado europeu, é certa a possibilidade
de comercialização futura, no mercado europeu, das Reduções Certificadas de Emissão
(RCEs), oriundas de projetos MDL.
Fato é que as indefinições quanto ao futuro do Protocolo de Kyoto, por um lado, e as
iniciativas de países e empresas em criar seus próprios regimes de comércio de licenças
de emissão de gases de efeito estufa, deu início à existência de um mercado paralelo ao
idealizado em Kyoto.
Adicione-se a isso as crescentes regulamentações de alguns estados norte-americanos
contrariamente à posição anti-Kyoto mantida no âmbito federal daquele país. Apesar de
a maioria de tais regimes de comércio de licenças de emissão restringir-se a atividades
de redução implementadas no âmbito dos países, estados ou empresas no qual foram
criados, vislumbra-se, em alguns casos, a possibilidade de participação de projetos de
redução realizados em países não pertencentes aos respectivos mercados, inclusive
projetos brasileiros.
Esse é o caso, por exemplo, da Chicago Climate Exchange (CCX), programa voluntário
pelo qual as empresas participantes comprometem-se a atingir metas de redução de
emissões de gases precursores do efeito estufa implementado na Cidade de Chicago.
Além de atividades de reduções de emissão realizadas pelas empresas participantes,
podem realizar-se, no âmbito da CCX, atividades de substituição de combustível,
destruição do metano de aterros sanitários, energias renováveis e projetos florestais
implementados no Brasil.7
Também merece destaque a atuação do Banco Mundial e sua carteira de fundos
financeiros de investimento em projetos de redução de carbono. Entre esses, cita-se o
7 CCX. Homepage da Chicago Climate Exchange. Disponível em: www.chicagoclimatex.com/about/program.html.
15
Biocarbon Fund, destinado a financiar projetos que seqüestrem ou conservem gases de
efeito estufa nas florestas, agricultura e outros ecossistemas.8
Diferentemente do sistema criado pela CQNUMC e pelo Protocolo de Kyoto, o
Biocarbon Fund admite projetos de conservação de florestas, abrindo, ao Brasil, um
grande potencial de atuação.
Contudo, contrastando com o sistema jurídico instituído pela CQNUMC e o Protocolo
de Kyoto, os projetos destinados a suprir os mercados e regimes jurídicos alternativos
citados não carecem de regulamentação tanto no âmbito do direito internacional
público, quanto interno.
Já no caso nacional os projetos de redução de emissões ou conservação de florestas
realizados em nosso país prescindem de um processo de aprovação por parte do poder
público nacional, como é o caso de projetos MDL, a serem necessariamente aprovados
pela Autoridade Nacional Designada.
2. Considerações sobre os critérios de elegibilidade para o MDL
2.1 Sobre o critério da participação voluntária
Esse critério refere-se à livre opção de cada país signatário em desenvolver projetos
MDL. No intuito de cumprir as obrigações assumidas na CQNUMC e no Protocolo de
Kyoto, os países signatários podem livremente escolher os mecanismos que melhor se
coadunam com suas respectivas condições sócio-econômicas, entre eles, o MDL.
Em outras palavras, a voluntariedade implica a inexistência, nos sistemas jurídicos
pátrios, de normas mandatárias, a obrigarem a realização de atividades de redução de
emissões de GEE via MDL.
8 A esse respeito ver em www.carbonfinance.org/biocarbon/home.cfm
16
Não obstante o sistema legal brasileiro não prescrever normas jurídicas que obrigam a
realização do MDL no país, identificam-se normas mandatárias relacionadas a
atividades elegíveis como MDL, como é o caso do reflorestamento em áreas de
preservação permanente, previsto no Código Florestal.
Inicialmente relacionada ao critério da voluntariedade, por dizer respeito à existência de
arcabouço regulatório no país, a existência de regras jurídicas coercitivas voltadas para
determinadas atividades elegíveis como MDL tem sido objeto de análise no âmbito do
critério da adicionalidade, a seguir analisado.
2.2. O critério dos benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo
Para ser qualificado como MDL, qualquer projeto deve demonstrar através de
indicadores de prova da sua potencialidade para benefícios reais, mensuráveis e de
longo prazo, relacionados à mitigação das mudanças climáticas.
Para que um projeto MDL seja creditado e possa emitir reduções certificadas de
emissões, deve comprovar que contribuiu de forma adicional à determinada referência,
para a redução de emissões ou para o seqüestro de carbono da atmosfera.
2.3 O critério da adicionalidade
A adicionalidade refere-se às reduções de emissões de GEE resultantes da comparação
das emissões da atividade do projeto MDL com as emissões que ocorreriam na ausência
desse projeto.
Esse cenário de referência chama-se linha de base. A forma imprecisa com o que a
definição da adicionalidade foi estabelecida pelos textos legais tem levado a literatura a
identificar dois tipos de adicionalidade: uma ambiental respeitante à comprovação das
reduções de emissões de gases precursores de efeito estufa em relação ao cenário de
referência; e outra dita financeira, relativa à viabilidade econômica do projeto com e
sem os recursos oriundos do MDL (Leining et al. 2000).
17
A adicionalidade financeira diz respeito à aferição se o projeto seria econômico e
financeiramente viável sem os proveitos oriundos do MDL. Parte-se do pressuposto de
que, se viáveis economicamente, tais projetos seriam realizados e, portanto,
considerados como “business-as-usual”.9
Apesar de não estar prevista nos Acordos de Marraqueche10, a adicionalidade financeira
é comumente utilizada para demonstrar que o projeto não seria uma atividade
normalmente realizável sem a consideração dos proveitos oriundos da venda das RCEs.
Ao que parece, a comprovação da adicionalidade pressupõe a identificação de uma ou
mais barreiras à implementação da atividade do projeto MDL proposto. Assim, permite-
se justificar a adicionalidade com base na existência de barreiras legais, tecnológicas,
econômico-financeiras, políticas etc.
2.4. O critério do desenvolvimento sustentável
O Protocolo de Kyoto, reconhecendo o desenvolvimento sustentável como um objetivo
a ser alcançado por intermédio do MDL, atribuiu a definição de sua extensão e conceito
a cada país receptor de projetos, levando-se em conta as estratégias e princípios
nacionais.
Essa atribuição coube à Autoridade Nacional Designada, instituída no Brasil como a
Comissão Interministerial da Mudança Global do Clima. A Comissão já estabeleceu os
critérios de desenvolvimento sustentável no Anexo III da Resolução nº 1 de 2 de
dezembro de 2003.
O citado anexo estabelece que os participantes do projeto MDL devem provar que sua
atividade contribui para o desenvolvimento sustentável, tomando como referência os
seguintes aspectos:
9 "Business-as-usual", na sigla inglesa, BAU, ou seja, "negócios-como-sempre". Continuar a fazer como de costume, como era feito, sem interferências de outras variáveis.10
No período de 29 de outubro a 9 de novembro de 2001, foram realizadas em Marraqueche, Marrocos, a 7ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a 15ª Sessão do Órgão Subsidiário de Implementação e a 15 Sessão do Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico.
18
Contribuição para a sustentabilidade ambiental local;
Contribuição ao desenvolvimento de condições de trabalho e à criação líquida de
empregos;
Contribuição à distribuição de renda;
Contribuição ao treinamento e desenvolvimento tecnológico;
Contribuição à integração regional e relação com outros setores.
Para comprovar a consecução do desenvolvimento sustentável, os participantes do
projeto podem apenas descrever como a atividade proposta coaduna-se com os aspectos
listados no Anexo III, segundo seus próprios fundamentos e pontos de vista. Contudo, a
Resolução nº 1 de 02/12/03 da AND não prescreve qualquer mecanismo de aferição da
compatibilidade efetiva entre o projeto proposto e os critérios de desenvolvimento
sustentável.
Mesmo contando-se com a atuação dos órgãos administrativos com poder de polícia
ambiental ou de fiscalização dos direitos e condições de trabalho, suas atribuições
restringem-se ao quanto previamente determinado em lei.
Em outras palavras, os órgãos de fiscalização e controle estão adstritos à averiguação de
condutas ou abstenções de atos se insertos em lei, quando imbuídos de competência
para tanto por previsão legal. Um procedimento a aprimorar.
3. Aspectos jurídicos e processuais relacionados ao MDL no contexto brasileiro
Trataremos a seguir, de aspectos relevantes relacionados à integração das modalidades e
procedimentos para o MDL, previstos na Decisão dos Acordos de Marraqueche, ao
direito brasileiro, com destaques para aqueles que, segundo os diversos autores
consultados e referenciados, representam algum tipo de obstáculo à célere
implementação de projetos MDL no país.
3.1. As regras do requerimento do documento de concepção do projeto
19
Segundo o Acordo de Marraqueche, o ciclo do projeto MDL começa com a concepção
do documento do projeto, no qual devem constar informações detalhadas sobre a
descrição da atividade do projeto, metodologias de linha de base e monitoramento,
plano de monitoramento, duração da atividade do projeto e período de creditação,
cálculos de emissões por fontes de GEE, impactos ambientais e comentários de atores
interessados.
Vale ressaltar que ao menos sobre dois desses requerimentos, o ordenamento jurídico
brasileiro contém normas incidentes:
As normas sobre controle e mitigação de impactos ambientais, e
Os comentários dos interessados11.
A condicionante das cautelas ambientais - previsibilidade e mitigação de impactos
A avaliação de impacto ambiental é um requerimento presente não apenas nas
modalidades e procedimentos dos Acordos de Marraqueche, mas nas modalidades de
projetos de pequena escala e atividades de florestamento e reflorestamento.
Conforme prescrito na Lei 6.938/81, a avaliação de impacto ambiental configura um
dos instrumentos da política nacional do meio ambiente, sendo exigível para qualquer
atividade potencialmente poluidora e fazendo parte do procedimento de licenciamento
ambiental, também previsto na mesma norma.
Inscrito na Constituição Federal de 1988, o estudo de impacto ambiental (EIA), é a
forma de avaliação de impacto ambiental mais completa, posto que, conforme estipulam
as resoluções Conama nº 01/86 e nº 237/97, contempla um mais complexo e
circunstanciado estudo da área de influência da atividade, os impactos ambientais
existentes, alternativas à atividade ou localização do projeto, medidas de mitigação,
compensação ou prevenção.
Durante o processo de licenciamento, exige-se a elaboração do EIA como requisito à
obtenção da licença prévia, nas hipóteses previstas nas citadas resoluções, bem como
11 § 37, b do Acordo de Marraqueche.
20
naquelas de significativo impacto ambiental. Contudo, dada a complexidade desse
estudo e todas as exigências burocráticas necessárias à sua realização, alguns estados
federados têm instituído formas de avaliação de impacto ambiental mais simplificadas,
visando, com isso, agilizar o processo de licenciamento.
É o caso, por exemplo, de modalidade aplicada pelos estados de São Paulo, Bahia e
Mato Grosso, cuja legislação ambiental previu o relatório ambiental preliminar. Baseada
nas informações contidas nesse relatório preliminar, a autoridade ambiental decide
sobre a necessidade de realização do EIA, conforme prescrito na legislação federal.
Do exposto, verifica-se que toda atividade qualificada como potencialmente poluente
deve submeter-se a um processo de licenciamento ambiental e, caso necessário, deve
realizar um estudo de impacto ambiental ou outra forma de avaliação de impacto
ambiental.
Conforme prescrito no Protocolo de Kyoto, qualquer atividade que prove resultar em
reduções adicionais de GEE pode ser elegível como um projeto MDL. Dessa forma,
projetos que contemplem atividades voltadas para eficiência energética, fontes
renováveis de energia, reflorestamento e florestamento, gestão de resíduos e
aproveitamento do metano, setor de transportes e substituição de combustíveis, podem
ser enquadrados como atividades MDL.
Assim é de considerar que, em geral, o proponente de um projeto MDL que pretenda
desenvolver tais atividades no país, precisa antes requerer a obtenção das licenças
ambientais e, caso necessário, realizar o estudo de impacto ambiental, nos termos das
referidas resoluções do Conama.
Assim, por essa condicionante devem submeter-se ao estudo de impacto ambiental:
Eficiência energética: atividades que impliquem instalação, construção, aumento
ou operação de fontes de poluição em complexos industriais, como petroquímicos,
siderurgia, cloroquímicos, destilarias de álcool, etc.
Fontes renováveis de energia: plantas com mais 10 MW ou usinas hidrelétricas
com mais de 10 MW de potência instalada;
21
Gestão de resíduos: aterros sanitários, sistemas de tratamento de esgoto e água,
criação de animais;
Reflorestamento e florestamento: exploração econômica da madeira em áreas
maiores de 10 hectares (ha) ou menores se atingirem áreas significativas ou
importantes para a preservação ambiental;
Substituição de combustíveis: qualquer atividade que use carvão vegetal acima de
10 toneladas por dia;
Setor de transportes: exploração de combustíveis fósseis, fabricação de
combustíveis não derivados do petróleo.
Registre-se que, no intuito de fazer frente à crise de suprimento de eletricidade ocorrida
em 2001, o governo federal lançou uma série de medidas, a maioria incentivando a
construção de novas plantas de geração.
Como uma estratégia governamental, o Conama instituiu, no mesmo ano, a Resolução
279/01, prescrevendo processo de licenciamento ambiental simplificado para plantas de
pequeno potencial de causar impactos ambientais.
Considerando que a Resolução 279/01 não foi revogada com o fim da crise, suas
normas ainda permanecem válidas e exigíveis. Dessa forma, qualquer planta de geração,
incluindo hidrelétricas, termelétricas, usinas eólicas e outras fontes renováveis, que
impliquem pequeno potencial de causar impactos ambientais, deve submeter-se ao
processo de licenciamento ambiental simplificado, cujos principais aspectos são os
seguintes:
Para adquirir a licença prévia, o proponente do projeto deve submeter à autoridade
ambiental o relatório ambiental simplificado (RAS), estudo que contém os
aspectos ambientais da localização, instalação, aumento ou operação da planta,
compreendendo o diagnóstico ambiental da área de influência do projeto,
identificação dos impactos ambientais relevantes e respectivas medidas de
controle, compensação e mitigação;
Baseada no RAS, a autoridade ambiental determina se o projeto preenche todos os
requerimentos para ser contemplada pelo processo de licenciamento simplificado.
22
Em caso negativo, o proponente do projeto deve submeter-se ao procedimento
padrão, realizando os estudos de impacto ambiental exigíveis;
Em caso de decisão positiva, o proponente do projeto obtém a licença prévia,
devendo cumprir todas as exigências técnicas impostas pela autoridade ambiental,
como condição para obtenção da licença de instalação.
Isso significa dizer que os problemas práticos oriundos do próprio funcionamento do
processo de licenciamento ambiental, mesmo considerando as iniciativas tomadas para a
sua simplificação, também afetam diretamente os projetos MDL, revelando-se um das
barreiras jurídicas à implementação de tais tipos de projetos no país.
Deve ser ressaltado que as normas relativas à avaliação de impacto ambiental e ao
processo de licenciamento são aplicáveis e exigíveis para quaisquer atividades
potencialmente poluentes, independentemente de serem desenvolvidas como projetos
MDL.
Sobre os comentários dos interessados
Relativamente aos comentários dos atores interessados (nos termos do § 37, b, do
Acordo de Marraqueche), os proponentes do projeto MDL devem incluir na
documentação do documento de concepção do projeto (project design document –
PDD), cópias dos comentários feitos por interessados previamente convidados a avaliar
o projeto. Contudo, essa norma internacional nada menciona sobre quais interessados
devam ser necessariamente chamados a tecer comentários ao projeto, o que torna por
gerar problemas.
Na ausência da norma internacional específica, a AND brasileira, por meio da
Resolução nº 1 de 2/12/03, determina, no seu Art. 3º, inciso II, como documentação
necessária à obtenção da Carta de Aprovação, a juntada de cópias de convites a
comentários feitos aos seguintes atores locais: governos municipais e câmara de
vereadores; agências ambientais municipais e estaduais; Fórum Brasileiro de
Organizações Não-Governamentais e movimentos sociais, de proteção ao meio
ambiente e ao desenvolvimento; associações comunitárias; e o Ministério Público.
23
Os entes enumerados na norma conformam como é de se supor uma lista
exemplificativa, podendo, o proponente do projeto, enviar convites de comentários a
outros interessados, caso entenda necessário.
Essa lista contém apenas aqueles entes que necessariamente devem ser chamados a
fazer comentários ao projeto. As entidades listadas na Resolução compreendem os mais
importantes interessados no desenvolvimento de projetos MDL, apesar de não estarem
incluídas as universidades e centros de pesquisa atuantes na área de influência do
projeto ou envolvidos com o tema.
No entanto, deve ser ressaltado que a consulta a tais entidades revela-se a única forma
de participação pública na implementação de projetos MDL no Brasil. Como
mencionado anteriormente, a Comissão Interministerial é formada apenas por
representantes de ministérios envolvidos com o tema mudanças climáticas, e a
possibilidade de participação de interessados resume-se a comentários ao projeto, cujo
resultado é incluído como documentação pertencente ao PDD.
Não se nega a possibilidade de participação pública em outras etapas do processo de
certificação, como, por exemplo, a possibilidade de qualquer interessado propor
comentários aos projetos na fase da validação.
Identifica-se, assim, pelo menos no que toca à decisão quanto à pertinência do projeto
aos interesses nacionais e ao desenvolvimento sustentável, atribuição essa da
Autoridade Nacional Designada, que os mecanismos de participação pública criados na
Resolução são apenas indiretos.
3.2. Requerimento de validação e a carta de aprovação dos projetos
Segundo os §§ 37 e 40 do Anexo I do Acordo de Marraqueche, antes da submissão do
relatório de validação ao Conselho Executivo, a EOD deve receber dos proponentes do
projeto MDL aprovação escrita da participação voluntária, emanada pela AND de cada
parte envolvida, incluindo a confirmação, pela AND do país anfitrião do projeto, de que
o projeto contribui para o desenvolvimento sustentável.
24
Tais requerimentos são comprovados pela AND do país anfitrião por meio da chamada
Carta de Aprovação, nos termos do § 40, a, do Anexo I do Acordo de Marraqueche.
A AND brasileira já estabeleceu as normas concernentes à carta de aprovação, nos
termos da Resolução nº 1 de 2/12/03.
Assim, conforme o Art. 3º de aludida norma:
“no intuito de obter tal aprovação, os proponentes de um projeto MDL
devem submeter à Secretaria Executiva da Comissão Interministerial, em
formato eletrônico e impresso: cópia do documento de concepção do
projeto, incluindo documento que ateste a conformação do projeto aos
critérios de desenvolvimento sustentável; cópias de convites a comentários
feitos a determinadas entidades e atores locais; relatório de validação
emanado pela EOD; declaração assinada por todos os participantes do
projeto estipulando o responsável, o modo de comunicação com a AND e
o termo de compromisso do envio de documento de distribuição das
unidades de redução certificadas de emissões, que vierem a ser emitidas a
cada verificação das atividades do projeto para certificação; os
documentos que assegurem a conformidade da atividade de projeto com a
legislação ambiental e trabalhista em vigor, quando for o caso”.
Depois de analisar essa documentação, a Comissão deve emanar sua decisão final de
aprovação ou não do projeto proposto. Essa decisão deve ser publicada em 60 dias
depois da data da primeira sessão ordinária da Comissão subseqüente ao recebimento da
documentação requerida, em conformidade com o Art. 6º da Resolução.
A AND deve tornar toda a informação coletada sobre o projeto MDL pública,
ressalvadas as informações consideradas confidenciais, em consonância aos Art. 7º e 8º
da Resolução.
Contudo, alguns aspectos da Resolução revelam-se questões legais importantes:
Relatório de validação: de acordo com o inciso III do Art. 3º da Resolução nº 1, para
obter a carta de aprovação, os proponentes do projeto precisam submeter à Comissão
Interministerial relatório de validação expedido pela EOD.
25
Contudo, conforme mencionado, a carta de aprovação emanada da AND do país
anfitrião do projeto configura documentação necessária à avaliação feita pela EOD,
anterior à emissão do relatório de validação e sua submissão ao Conselho Executivo,
nos termos dos §§ 37 e 40 do Anexo I do Acordo de Marraqueche.
Considerando as prescrições da norma internacional, a exigência do relatório de
validação como condição à emissão da carta de aprovação, inserto na Resolução nº 1,
pode, na opinião dos autores, salvo melhor juízo, dar ensejo a incongruências. Se a
norma brasileira é aplicável, a EOD terá de elaborar seu relatório de validação sem levar
em conta as exigências do citado § 37, notadamente de seu item “a”.
3.3. Aspectos processuais relacionados à legislação ambiental e trabalhista
Conforme prescrito no Art. 3º, inciso V da Resolução nº 1, os proponentes do projeto
devem submeter à Comissão, documentos que atestam a conformação do projeto à
legislação ambiental e trabalhista em vigor. Verifica-se aqui mais lacuna, pois a
Resolução não especifica quais documentos devem ser anexados.
Sobre a decisão final de recurso administrativo:
A decisão da AND configura uma decisão administrativa. Apesar disso, a Resolução nº
1 nada menciona sobre a possibilidade de recurso administrativo. Na lacuna da norma,
torna-se aplicável a lei geral, isso é, a Lei 9.784/99, que regula o processo
administrativo no âmbito da administração pública federal. Nos termos dos Art. 56 a 65
da Lei, é possível interpor recurso administrativo contra qualquer decisão administrativa
por motivos de mérito e/ ou legalidade.
O recurso deve ser destinado à autoridade que proferiu a decisão recorrenda. Caso essa
não reconsidere sua decisão em 5 dias, o recurso administrativo é encaminhado ao órgão
superior para revisão e nova decisão. Sobre esse aspecto, salta a necessidade de definir
qual é a autoridade superior à Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima.
26
Ademais, o recurso administrativo pode ser processado até no máximo três níveis de
instâncias, levando à possibilidade de demora e burocracia, o que certamente acarreta a
aumento dos custos de transação.
Sobre a carta de aprovação:
O Art. 9º da Resolução nº 1 de 2/12/03 determina que “até que seja promulgado o
Protocolo de Kyoto, a decisão final de que trata o Art. 6º subsidiará a emissão de carta
de aprovação nos termos da alínea a do § 40 do Anexo I referido no Art. 1º, em que
conste o seu caráter condicional”.
Isso quer dizer que a emissão da 05 Carta de Aprovação, prevista nos termos do § 40
do Anexo I do Acordo de Marraqueche, esteve condicionada à entrada em vigor do
Protocolo de Kyoto.
Em outras palavras, parece-nos que as decisões tomadas antes da vigência desse tratado
não têm a natureza de carta de aprovação, representando apenas uma declaração de
conformidade técnica do projeto.
Contudo, considerando que a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto está assegurada, e
levando-se em conta todas as atividades realizadas no âmbito do Conselho Executivo e
demais órgãos criados para gerir o MDL, e mais, vislumbrando a inserção desse
mecanismo no mercado de carbono europeu recém-criado, é de se sugerir uma
reavaliação do texto da Resolução nº 1.
3.4. O Registro de reduções certificadas de emissões
Depois de validado pela EOD e registrado pelo Conselho Executivo, outra EOD deve
ser contratada para verificar as reduções de emissões proporcionadas pelo projeto MDL
e, posteriormente, certificar tais reduções, estabelecendo a quantidade de RCEs
correspondentes à redução verificada, por meio de um relatório de verificação
encaminhado ao Conselho Executivo.
27
Além desse aspecto formal, outros merecem considerações, como a seguir
destacaremos.
3.4.1. Aspectos relacionados à natureza jurídica das reduções certificadas de emissões
A definição da natureza jurídica das RCEs revela-se importante para delimitar-se a
adequada regulação das transações realizadas no âmbito interno, bem como da estrutura
fiscal incidente sobre essas.
No que toca à regulação das transações de RCEs realizadas no contexto brasileiro, a
questão que se levanta diz respeito à possibilidade de qualificação das RCEs como
commodities ou valores mobiliários, permitindo-se sua comercialização em bolsa de
valores ou futuros, bem como a ingerência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
como ente público dotado de poderes de fiscalização e gestão.
Para Rocha (Rocha, 2003), as RCEs não apresentam, a princípio, natureza de uma
commodity, pois os projetos MDL e de IC, já em andamento, apresentam
características bastante distintas, o que impede a padronização do produto ou serviço.
Essa diferenciação faz com que não seja possível negociar atualmente as RCEs como
contratos futuros, cujo objetivo seria reduzir os riscos do preço do carbono evitado.
Já Souza e Miller (Souza et alli 2003) reconhecem a existência de duas correntes. Na
primeira, as RCEs podem vir a ter caráter de derivativos, sob o argumento de que, neles,
está presente o hedge (operação ou transação futura).
A segunda corrente de pensamento vê nas RCEs uma espécie de contrato de compra e
venda, haja vista que não poderiam enquadrar-se como derivativos.
Isso porque não se ligam à existência de nenhum ativo subjacente. Além disso, não se
vislumbra como a preocupação com gastos com tecnologia, levando um agente a optar
pela compra de RCEs, possa constituir, verdadeiramente, um hedge.
28
Essa corrente, assim, sustenta que as RCEs conformam-se à natureza de contratos de
compra e venda, das quais poder-se-ia extrair um ativo intangível, ou seja, um ativo
cujo valor não guarda relação com a forma, física ou diversa, na qual os direitos
correspondentes são incorporados. As RCEs, nesse sentido, representariam o direito a
um benefício futuro de “poluir conforme o Protocolo de Kyoto”. Eis aqui um ponto que
fará a ligação com o nosso próximo capítulo, quando trataremos de verificar a
consonância do MDL com os princípios do direito ambiental brasileiro.
Os mesmos autores destacam ainda outra corrente, segundo a qual as RCEs não
proviriam de contratos de compra e venda, mas de contratos atípicos, posto que
oriundos de situação inteiramente nova.
De qualquer forma, para que possam ser comercializadas em Bolsa de Valores ou de
Futuros, as RCEs precisam antes estarem previstas em lei como valores mobiliários, nos
termos do Art. 2º da Lei 6.385/76 e posteriores alterações. A questão da natureza
jurídica das RCEs, como visto, ainda não se encontra plenamente resolvida, imperando
dúvidas e discussões nos meios acadêmicos e governamentais.
3.5. Sobre as modalidades e procedimentos para projetos de reflorestamento e
florestamento no Brasil
Dados seu extenso território, suas condições ambientais favoráveis e o fato de que as
maiores emissões de GEE estão relacionadas ao desflorestamento e ao uso da terra, o
Brasil é considerado um dos países com maior potencial para desenvolver projetos na
área de reflorestamento e florestamento.
Identificados aspectos da integração de tais procedimentos ao ordenamento jurídico
pátrio, alguns vimos destacar.
3.5.1. Sobre as espécies exóticas e geneticamente modificadas
29
Nos termos da Decisão proferida na COP912, a utilização de organismos geneticamente
modificados (OGM) ou espécies exóticas em atividades MDL de florestamento ou
reflorestamento estão condicionadas à legislação do país anfitrião do projeto.
No Brasil, a utilização de OGM ainda enfrenta uma intensa e controversa discussão
política, jurídica e científica, cujo ápice ocorreu no final de 2003, quando parte
significativa da safra de soja comprovou-se transgênica, apesar da proibição de sua
utilização comercial.
Duas medidas provisórias foram logo instituídas para regular o destino da soja
ilegalmente produzida, sendo posteriormente convertidas em leis, apesar da existência
da Lei 8.974/95. Toda essa discussão levou à elaboração de um projeto de lei regulador
da matéria, em tramitação no Congresso Nacional.
3.5.2. Sobre os impactos socioambientais e econômicos
As modalidades e procedimentos para projetos MDL de reflorestamento e
florestamento, inovando as normas gerais sobre MDL, estabeleceram, como requisito de
validação dos projetos, a necessidade de que os proponentes da atividade MDL
submetam à EOD, não só uma avaliação de impacto ambiental, mas também uma
avaliação de impactos sócio-econômicos, nos termos do item G, § 10, c, da Decisão da
COP 9. Ambos os estudos devem ser conduzidos em conformidade com as exigências
legais de cada país anfitrião de projetos MDL.
O sistema legal brasileiro prescreve normas relativas aos estudos de impacto ambiental,
mas fraqueja a respeito de avaliações de impacto sócio-econômico. Na ausência de
normas legais pertinentes aos estudos sócio-econômicos, a AND poderia prover
medidas e especificações voltadas para os projetos MDL, a exemplo da Resolução
Conama 237/97, que, ao prescrever normas sobre o estudo de impacto ambiental,
12 De 1 a 12 de dezembro de 2003 foi realizada, em Milão, Itália, a 9a. Conferência das Partes (CoP-9) da Convenção de Mudança de Clima. Entre os temas de maior atenção, destacou-se a questão da regulamentação de sumidouros de carbono no âmbito do MDL. Os sumidouros, especialmente plantações e florestas de todos os tipos, têm provocado polêmica ao longo dos anos do regime internacional de clima, uma vez que há várias questões controversas sobre fundamentos e detalhes de sua inclusão e operacionalização no MDL. A CoP-9 também discutiu os fundos financeiros para apoiar os países menos desenvolvidos e para a adaptação às conseqüências do aquecimento global.
30
determina que esse deve contemplar, de forma indireta, a análise das condições sócio-
econômicas da área de influência da atividade.
Essa análise deve abarcar os usos e ocupação do solo da área de influência, usos da
água, aspectos sócio-econômicos da região, fazendo referência à existência de sítios
arqueológicos, históricos ou monumentos culturais, relações de dependência da
comunidade do entorno e potencial uso dos recursos ambientais no futuro.
3.5.3. O problema jurídico da propriedade da terra e comunidades de baixa renda
As modalidades e procedimentos estabelecidos na COP9 para projetos de
reflorestamento e florestamento prescreveram a necessidade de os proponentes dos
projetos provarem a titularidade sobre as terras onde as atividades estejam sendo
realizadas.
Quando visto a questão da propriedade da terra no contexto brasileiro, algumas questões
se levantam:
Que tipos de propriedade e de terra seriam usados para o desenvolvimento de tais
tipos de projeto MDL?
Quem são os titulares ou qual o regime de propriedade dessas terras?
Quem seriam as pessoas a desenvolverem os projetos? Os titulares das terras
estariam diretamente envolvidos?
Comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, ciganos, pequenos produtores
rurais, posseiros, grupos de assentamento da reforma agrária ou outros grupos de
baixa renda teriam acesso ou oportunidade de desenvolver projetos MDL?
Mesmo que o enfrentamento de tais questões implique uma profunda rediscussão sobre
as próprias bases históricas e sociológicas do uso da terra no Brasil, na nossa opinião é
preciso que a Autoridade Nacional Designada, dentro de suas atribuições, discipline e
regulamente, a exemplo da Resolução nº 1 de 02/12/ 2003, os projetos de
reflorestamento e florestamento.
31
4. Anotações sobre as possibilidades de aprimoramento dos instrumentos
regulamentares para os efeitos do MDL em diversos seguimentos e programas
governamentais afetos
A seguir será examinada a necessidade de criação e aperfeiçoamento de instrumentos
regulamentares relativos à mudança do clima, em segmentos produtivos selecionados,
que possibilitem o pleno aproveitamento das principais oportunidades de negócios
relacionadas a projetos MDL.
A análise jurídica da intercessão entre as normas internacionais reguladoras do MDL e
as normas nacionais incidentes sobre os segmentos produtivos selecionados foi feita nos
termos a seguir delineados.
4.1. No setor de energia
No segmento referente a atividades voltadas para o setor energético, as questões
identificadas de maior relevância referem-se à aparente incongruência entre as normas
federais existentes e a necessidade de comprovação do critério da adicionalidade,
conforme já abordamos.
4.1.1. Na área de energias renováveis
Os sistemas interligados
Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa): instituído
pela Lei 10.438/02, o programa visa ao aumento da participação das fontes renováveis
no sistema elétrico brasileiro.
Dividido em duas fases, e contemplando as fontes pequenas centrais hidrelétricas,
biomassa e usinas eólicas, o programa estabelece para a sua primeira fase, limitada a
uma potência instalada de 3. 300 MW, valores diferenciados da energia produzida, a
serem pagos pela Eletrobrás e repassados aos consumidores, equivalendo a um subsídio.
32
Recentemente regulado pelo Decreto 5.025/04, o Proinfa já passou por uma primeira
Chamada Pública, pela qual foram fixadas as contratações. Ressalte-se que, nos termos
do parágrafo único do Art. 5º do Decreto 5.025/04, determinou-se como objetivo do
Proinfa, além do aumento da participação das energias renováveis contempladas na
matriz elétrica brasileira, também a redução de emissões de gases precursores do efeito
estufa, em conformidade à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima.
Segundo algumas interpretações, projetos MDL dessa natureza poderiam ter
dificuldades de provar o cumprimento do critério da adicionalidade, uma vez que a
existência dos subsídios oriundos do Proinfa poderia levar à idéia de que tais fontes
renováveis conformar-se-iam a práticas comuns, ou, ao menos, tornar-se-iam
economicamente inviáveis.
Ainda no tocante ao Proinfa, outra questão que se levanta diz respeito ao cálculo do
valor econômico, base sobre a qual são calculados os preços da energia a ser paga pela
Eletrobrás.
Nos termos do Art. 3º, inciso XII do mencionado Decreto 5.025/04, o valor econômico
há de ser calculado levando-se em consideração “as receitas advindas de subprodutos e
co-produtos que venham a ser comercializados”.
À primeira vista, poder-se-ia indagar se, para o cálculo do valor econômico de
determinada atividade que também fosse contemplada num projeto MDL, haveria
incidência da receita oriunda da venda das RCEs, nesse caso, consideradas co-produtos
ou subprodutos da atividade.
Nesse aspecto, cabe lembrar que a definição do valor econômico foi feita
separadamente para cada fonte renovável contemplada no Proinfa, de acordo com os
parâmetros e cálculos constantes do Anexo II da Portaria 45 de 30/03/04, do Ministério
das Minas e Energia.
O cálculo do valor econômico, assim, levou em conta uma atividade padrão para cada
fonte renovável, sendo válido para qualquer atividade beneficiada pelo Proinfa, e não
caso a caso.
33
Igualmente, considerando que tal cálculo foi feito com base em uma atividade padrão, é
de se pressupor que possíveis receitas oriundas da venda de RCEs não foram sequer
tomadas por subprodutos ou co-produtos, uma vez que, no plano fático, ainda não
fazem parte da prática comum de quaisquer das fontes renováveis contempladas no
Proinfa.
As normas regulamentadoras do Proinfa não são claras a respeito da titularidade das
RCEs oriundas de projetos MDL contemplados pelo programa. Com efeito, nada é
mencionado no Art. 11 do Decreto 5.025/04, que define o conteúdo dos contratos a
serem firmados entre Eletrobrás e produtores. No entanto, o Art. 16, inciso I, alínea “c”
do mesmo Decreto prevê indiretamente a participação da Eletrobrás na titularidade das
RCEs, estipulando que a Conta Proinfa, a ser administrada pela Eletrobrás, será
composta das receitas decorrentes de “eventuais benefícios financeiros provenientes do
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo”.
Sistemas de eletrificação rural (sistemas comunitários)
Programa de Desenvolvimento Energético dos Estados e Municípios (Prodeem): criado
em 1994, com o principal objetivo de prover eletricidade a comunidades isoladas por
meio de fontes locais de energia, promovendo o desenvolvimento sustentável.
O Prodeem visou ao fornecimento de eletricidade e sistemas de bombeamento de água
para uso comunitário (escolas, postos de saúde, abastecimento de água), em regiões
rurais sem acesso à rede elétrica, utilizando, na maioria dos casos, células solares
fotovoltaicas.
Contudo, sérios problemas de gestão, como falta de controle patrimonial e de
assistência técnica às comunidades contempladas, levaram o governo a anunciar sua
reestruturação e incorporação ao programa Luz para Todos.
Universalização do acesso Luz para Todos: lançado no final de 2003 pelo governo
federal, com o objetivo de promover a universalização do acesso à energia elétrica no
34
país, considerada como condição essencial para o desenvolvimento econômico e social,
erradicação da pobreza e aumento da renda.
O Decreto 4.873/03, instituidor do programa, contempla, além da extensão de rede, as
plantas de geração descentralizadas e sistemas individuais.
Nos termos da Portaria 38, de 09/03/2004, do Ministério das Minas e Energia, as plantas
de geração descentralizada, bem como os sistemas individuais, podem usar as seguintes
opções tecnológicas: pequenas, micro e mini centrais hidrelétricas, pequenas plantas
térmicas a biomassa (ou a diesel), energia eólica e solar, bem como sistemas híbridos.
Estima-se que de 500 mil a um milhão de unidades consumidoras poderiam ser
atendidas utilizando fontes renováveis.
4.1.2. A condicionante da eficiência energética
Conforme já vimos para que seja adicional, qualquer projeto MDL deve comprovar que
sua atividade não constitui medida a ser obrigatoriamente realizada em função de
determinação legal.
Nesse sentido, eventual projeto MDL que proponha atividade de eficiência energética
relativamente aos equipamentos ou máquinas elencados em normas, somente poder-se-
ia considerar adicional à medida que previsse níveis de eficiência energética maiores ou
consumos de energia menores que aqueles estipulados na norma.
Tais patamares mínimos e máximos haveriam, portanto, de ser considerados na linha de
base sobre a qual realizar-se-ia o cálculo da adicionalidade.
O mesmo raciocínio pode feito para projetos de eficiência energética a serem
implementados em órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e
fundacional. Segundo o Decreto 4.131/02, tais órgãos estão obrigados a atingir metas de
consumo de energia elétrica correspondentes a 82,5% do consumo mensal, tendo por
referência o mesmo mês do ano 2000.
35
Como se pode constatar, similarmente ao Proinfa, as normas disciplinadoras das
atividades de eficiência energética no país podem levar à discussão sobre a
comprovação da adicionalidade em projetos de eficiência energética realizados no
Brasil.
O Procel
O Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica foi criado em 1985 como um
fundo para coordenar projetos de eficiência energética, programas de disseminação de
informações à sociedade e gestão da demanda, apoio técnico e especificação de medidas
de eficiência energética.
Em 1991, o programa foi transformado em programa governamental, como ação
complementar ao Programa Nacional de Racionalização da Produção e do Uso da
Energia.
Atualmente, o Procel, cuja Secretaria Executiva é exercida pela Eletrobrás, mantém uma
série de medidas, destacando-se o selo Procel, o prêmio de eficiência energética, o
programa de eficiência na iluminação pública, entre outros.
O Conpet
O Programa Nacional de Racionalização do Uso de Derivados de Petróleo e Gás
Natural foi criado em 1991, com o objetivo de estimular o uso mais eficiente dos
derivados de petróleo e gás natural, indicando metas de 25% de eficiência em 20 anos.13
O Programa foi instituído pelo Ministério de Minas e Energia e a Secretaria Executiva,
assim como o apoio técnico, administrativo e financeiro é assegurado pela Petrobras.
4.2. Os setores agropecuário e florestal
13 Conpet. Homepage do Programa Nacional de racionalização do Uso principal de Derivados de Petróleo e Gás Natural.
Disponível em: www.conpet.gov.br.
36
Atividades relacionadas ao uso da terra, mudanças no uso da terra, florestamento e
reflorestamento (LULUCF) sempre foram objetivo de grandes discussões no âmbito das
negociações da CQNUMC.
A existência de posicionamentos os mais diversos e até contrários, defendidos pelos
diferentes estados signatários, tem levado a uma relativização da participação de tais
atividades como medidas de mitigação e projetos MDL.
Com efeito, como resultado da COP 9, instituiu-se o procedimento para certificação de
projetos MDL voltados apenas para atividades de reflorestamento e florestamento,
excluindo-se, como atividades elegíveis, até o presente momento, projetos na área
agrícola, como o sistema de plantio direto.
Contudo, a restrição à participação e ao desenvolvimento de projetos na área agrícola
não pode justificar a ausência de fomento à pesquisa e conhecimento sobre os processos
de redução e de seqüestro de carbono certamente decorrentes de tais atividades.
Relativamente ao segmento da pecuária, abre-se a oportunidade de projetos de redução
de emissões de gases precursores de efeito estufa oriundas da fermentação entérica e da
disposição dos dejetos e carcaças animais.
A ausência de normas federais mandatárias a disciplinarem atividades de controle da
fermentação entérica ou de gestão dos resíduos animais elimina eventuais discussões
acerca da adicionalidade de projetos MDL voltados a tais atividades.
Diferentemente do setor pecuário, o arcabouço regulatório federal relativo às atividades
de reflorestamento e florestamento compõe-se de normas imperativas, nomeadamente o
Código Florestal (Lei 4.771/65) e a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98). O Código
Florestal impõe a obrigação de manutenção de áreas de preservação permanente (APP)
e de reservas legais, estabelecendo que, em caso de desflorestamento, a vegetação deve
ser recomposta.
37
Além disso, segundo a Lei de Crimes Ambientais, o desmatamento de coberturas
vegetais localizadas nessas áreas, sem a devida autorização administrativa, configura
crime ambiental.
Uma estrita interpretação dos esclarecimentos feitos pelo Conselho Executivo levaria à
conclusão de que a existência de normas jurídicas internas mandatárias válidas e
exigíveis, nomeadamente o Código Florestal e da Lei de Crimes Ambientais,
inviabilizaria projetos de reflorestamento ou florestamento das áreas legalmente
protegidas.
Isso porque, por tratar-se de obrigações exigíveis por lei, o reflorestamento ou
florestamento de áreas de reserva legal ou de preservação permanente careceriam de
adicionalidade.
Como resultado, o país perderia a possibilidade de utilizar o MDL como incentivo à
recomposição dessas áreas. Contudo, apesar de serem normas jurídicas mandatárias
válidas e exigíveis no território nacional, sabe-se que tanto o Código Florestal quanto a
Lei de Crimes Ambientais não apresentam eficácia social, levando à situação em que
muitas das áreas protegidas acham-se desmatadas, sem perspectivas de recomposição no
curto ou médio prazo.
Assim, a ausência de eficácia social de tais normas poderia ser entendida como barreira
fática, razão pela qual os projetos de reflorestamento e florestamento em tais áreas
protegidas não seriam considerados como práticas comuns e, portanto, mereceriam ser
qualificados como adicionais.
38
III. O MDL à luz dos princípios jurídicos ambientais brasileiros
1. Enunciado do problema
Nosso ensaio parte do seguinte enunciado: até que ponto o mecanismo de
desenvolvimento limpo, nascido no art. 12 do Protocolo de Kyoto, tem índole aderente
ao direito ambiental brasileiro? Propomos assim uma abordagem do MDL à luz dos
princípios ambientais brasileiros.
Ou de forma mais direta: é, enfim, o MDL um instrumento sustentado no direito
ambiental?
A solução dessa questão está intimamente associada à pergunta pela verdadeira função
do MDL no mundo real, subordinado às cautelas ambientais exigíveis. Há que se situar
tal instituto sob uma perspectiva ambiental, ou seja, colocá-lo à luz dos princípios do
direito ambiental.
Para balizar essa análise propomos desde já situar os princípios clássicos do direito
ambiental brasileiro, que a melhor doutrina define em pelo menos quatro:
1. O princípio da participação;
2. O princípio do desenvolvimento sustentável;
3. O princípio da ubiqüidade e, por fim,
4. O princípio do poluidor-pagador.
Sobre esse último nos ateremos com mais atenção, uma vez que, para o enfoque que
trataremos de dar, se posiciona como epicentro.
Parece-nos importante contrastar este instituto – o MDL - àqueles princípios, para então
verificar até que ponto, como se propala comumente nos fóruns “neo-ambientalistas”, o
MDL é elevado ao status de um dos mais importantes instrumentos contemporâneos do
direito ambiental brasileiro.
39
Para compreender o MDL sob a perspectiva do direito é preciso entender a sistemática
jurídica internacional na qual o mesmo está inserido. Proponho essa verificação por
etapas.
Como vimos nas preliminares deste trabalho, o protocolo de Kyoto estabelece que os
países desenvolvidos (Anexo I da CQNUMC), terão a obrigação de reduzir a quantidade
de seus GEE em pelos menos 5% em relação aos níveis coletados em 1990. Essa
obrigação deve ser cumprida entre 2008 e 2012.
Para alcançar esse objetivo do Protocolo de Kyoto, e em última análise o objetivo da
CQNUMC, duas diretrizes foram fixadas:
a) Substituição das matrizes energéticas por fontes “limpas” ou ambientalmente
“corretas”;
b) Seqüestro do carbono, protegendo florestas ou implementando o reflorestamento.
Dito isso, onde se encaixa o MDL?
Na prática o instituto constitui um dos mecanismos financeiros criados pelo Protocolo
de Kyoto (art. 12) que tem por finalidade alcançar os dois objetivos básicos acima
descritos.
Eis que o funcionamento do MDL dá-se através da seguinte forma: os países do anexo I
(desenvolvidos), que juntos são responsáveis por 96% dos GEE, devem fazer o
financiamento de projetos de mecanismos de desenvolvimento limpo (Projetos de
MDL) a serem implantados nos países do Anexo II (países em desenvolvimento) com a
finalidade de se obter, em concreto, e a longo prazo, uma redução do GEE nos níveis
exigidos pelo Protocolo de Kyoto.
Porém, um outro elemento da engenhosidade criada pelos países do Anexo I, o fizeram
a ser um “bom negócio”: uma vez financiado o Projeto de MDL nos países em
desenvolvimento, e caso realmente o projeto tenha logrado êxito (redução concreta do
GEE ou inibição de sua liberação), essa redução ou vantagem decorrente da
implementação de Projetos de MDL resultará na geração de créditos (títulos
40
negociáveis), como já vimos denominados Certificados de Emissões Reduzidas – CER.
Tais certificados é que servirão para compensar (quitar) as obrigações de redução
assumidas no Protocolo de Kyoto, retroagidas aos níveis de 1990.
Melhor explicando: os países que em grande parte tem hegemonia econômica no
mundo, e em grande medida responsáveis pelo desequilíbrio climático resultante do
efeito estufa, gozam da prerrogativa de cumprir as obrigações previstas no Protocolo de
Kyoto (redução de GEE aos níveis de 1990) sem modificar em nada as matrizes
energéticas de seus países, mantendo ou aumentando a sua poluição, desde que usem
como forma de compensação, os títulos ou certificados de redução de carbono,
adquiridos pelo financiamento dos projetos de MDL realizados nos países em
desenvolvimento.
Deve ser dito que, ao contrário do que se tem afirmado nos discursos políticos, a
paternidade do MDL não é brasileira, ou de propositura brasileira. Na verdade a
proposta do Brasil, em junho de 1997, foi de criação do Fundo de Desenvolvimento
Limpo (FDL), que seria formado pelas multas pagas pelos países desenvolvidos que não
cumprissem as suas metas pré-estabelecidas de redução de emissões. Tal proposta teve
amplo apoio dos países emergentes do anexo II, mas teve radical oposição de todos os
países desenvolvidos, do anexo I.
Naquela proposta original, diga-se de passagem, não havia nada de certificado de
redução de carbono como crédito a ser usado no futuro. Ou seja, a proposta brasileira
tinha um caráter de sanção, exatamente por isso de plano rejeitada pelos países do anexo
I.
No entanto, em outubro de 1997, três meses depois, novo fato se fez revelador de uma
nova estratégia: os EUA com o apoio e a interlocução do Brasil, articularam uma versão
alterando o FDL, que, então passou a chamar-se Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo. 14
14 Art. 12 do Protocolo de Kyoto: 1. Fica definido um mecanismo de desenvolvimento limpo.; 2. O objetivo do mecanismo de desenvolvimento limpo deve ser assistir às Partes não incluídas no Anexo I para que atinjam o desenvolvimento sustentável e contribuam para o objetivo final da Convenção, e assistir às Partes incluídas no Anexo I para que cumpram seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3. ; 3. Sob o mecanismo de desenvolvimento limpo: (a) As Partes não incluídas no Anexo I beneficiar-se-ão de atividades de projetos que resultem em reduções certificadas de emissões; e (b) As Partes incluídas no Anexo I podem utilizar as reduções certificadas de emissões, resultantes de tais atividades de projetos, para contribuir com o cumprimento de parte de seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3, como determinado pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo.; 4. O mecanismo de
41
Surge ai a suspeição de incompatibilidade entre o MDL e o bom direito ambiental.
Antes de adentrar ao mérito dessa suspeição, propomos fazer uma análise sobre o
Princípio do Poluidor Pagado – PPP. Pois cremos que não se pode incorrer em desvio
de interpretação imaginando que o princípio do poluidor pagador possa se tornar um
instrumento de manipulação econômica, portanto uma reversão do seu conteúdo e
objetivo.
Uma interpretação literal da expressão que rotula o princípio conduz a impressão de que
é possível pagar para poluir, o que inequivocamente a reversão àquilo que o princípio
consagra.
2. O Princípio do Poluidor Pagador – PPP
2.1 Origem e marco jurídico
O Princípio do Poluidor Pagador (PPP), de acordo com Antunes (1997), foi introduzido
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), através
da Recomendação "C" (72), 128, de 28 de maio de 1972, e encontrou ressonância no
Ato Único Europeu, artigo 130 R, 2.
Posteriormente, a Declaração de Estocolmo 815, resultado da reunião da Assembléia
Geral das Nações Unidas, em junho de 1972, em Estocolmo (Conferência de
Estocolmo), incorporou este princípio, que veio se tornar um dos pilares para o
desenvolvimento limpo deve sujeitar-se à autoridade e orientação da Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo e à supervisão de um conselho executivo do mecanismo de desenvolvimento limpo.; 5. As reduções de emissões resultantes de cada atividade de projeto devem ser certificadas por entidades operacionais a serem designadas pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo, com base em: (a) Participação voluntária aprovada por cada Parte envolvida; (b) Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação da mudança do clima, e (c) Reduções de emissões que sejam adicionais as que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto.; 6. O mecanismo de desenvolvimento limpo deve prestar assistência quanto à obtenção de fundos para atividades certificadas de projetos quando necessário. ; 7. A Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo deve, em sua primeira sessão, elaborar modalidades e procedimentos com o objetivo de assegurar transparência, eficiência e prestação de contas das atividades de projetos por meio de auditorias e verificações independentes.; 8. A Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo deve assegurar que uma fração dos fundos advindos de atividades de projetos certificadas seja utilizada para cobrir despesas administrativas, assim como assistir às Partes países em desenvolvimento que sejam particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança do clima para fazer face aos custos de adaptação; 9. A participação no mecanismo de desenvolvimento limpo, incluindo nas atividades mencionadas no parágrafo 3(a) acima e na aquisição de reduções certificadas de emissão, pode envolver entidades privadas e/ou públicas e deve sujeitar-se a qualquer orientação que possa ser dada pelo conselho executivo do mecanismo de desenvolvimento limpo. ; 10. Reduções certificadas de emissões obtidas durante o período do ano 2000 até o início do primeiro período de compromisso podem ser utilizadas para auxiliar no cumprimento das responsabilidades relativas ao primeiro período de compromisso. 15 Declaração das Nações Unidas sobre Ambiente Humano – Convenção de Estocolmo - de 5 a 16 de junho de 1972.
42
desenvolvimento de legislação interna e internacional sobre responsabilidade e
compensação por danos ambientais (Vargas, 1998).
A Declaração do Rio (Eco92), em seu Princípio nº 16, também adotou o Princípio do
Poluidor Pagador:
"As autoridades nacionais devem procurar assegurar a internalização
dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando em
conta o critério de que quem contamina deve, em princípio, arcar com
os custos da contaminação, levando-se em conta o interesse público e
sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais".
Pelo princípio em tela, busca-se impedir que a sociedade arque com os custos da
recuperação de um ato lesivo ao meio ambiente causado por um poluidor perfeitamente
identificado (Machado, 2003).
O ordenamento jurídico do Brasil também adota o Princípio do Poluidor Pagador como
está prescrito no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal de 1988:
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados (Machado, 2003).
Conforme entende Paulo de Bessa Antunes:
"o PPP parte da constatação de que os recursos ambientais são
escassos e que seu uso na produção e no consumo acarretam a sua
redução e degradação. Ora, se o custo da redução dos recursos
naturais não for considerado no sistema de preços, o mercado não
será capaz de refletir a escassez. Em assim sendo, são necessárias
políticas públicas capazes de eliminar a falha no mercado, de forma a
assegurar que os preços dos produtos reflitam os custos ambientais"
(Antunes, 2002).
O direito ambiental, segundo Martín Mateo tem uma vocação redistributiva, uma ênfase
preventiva e está baseado na primazia do interesses coletivos (Mateo, 1991). Nesse
43
sentido, o princípio do poluidor pagador é um importante instrumento jurídico do
Direito Ambiental que visa atuar no mercado redistribuindo os custos da deterioração
ambiental.
O princípio do poluidor pagador faz com que o sujeito econômico poluidor arque com
os custos da prevenção e da precaução do dano, o que em linguagem econômica
significa a "internalização das externalidades ambientais negativas" (Derani, 1998).
Este princípio visa, principalmente, desestimular a atividade poluidora desmedida
através de correções no mercado que façam com que o produtor tenha que escolher
entre suportar o custo econômico da poluição ou deixar de poluir:
"Por força do PPP, aos poluidores não podem ser dadas alternativas
que não deixar de poluir ou então ter que suportar um custo
econômico em favor do Estado que, por sua vez, deverá afetar as
verbas assim obtidas prioritariamente a ações de proteção do
ambiente. Assim, os poluidores terão que fazer os seus cálculos de
modo a escolher a opção economicamente mais vantajosa: tomar
todas as medidas necessárias a evitar a poluição, ou manter a
produção no mesmo nível e condições e, conseqüentemente, suportar
os custos que isso acarreta." (Canotilho, 1998).
É importante então que os valores a serem suportados pelo poluidor sejam calculados de
forma a tornar mais onerosa a escolha de poluir e pagar do que a opção por pagar para
não poluir, o que pode ser alcançado através, por exemplo, de investimentos em
tecnologias limpas e controle de emissão.
Tais valores, além da redução da poluição a um nível considerado aceitável possibilitam
também a criação de um fundo público destinado a "combater a poluição residual ou
acidental, auxiliar as vítimas da poluição e custear despesas públicas da administração,
planejamento e execução da política de proteção ao meio ambiente" (Gomes, 1999).
Sem a adoção de estratégias econômicas como o princípio do poluidor pagador o lucro
obtido as custas da não consideração das externalidades recai sobre a sociedade
44
constituindo-se numa apropriação indevida do patrimônio ambiental, ou como se
costuma dizer correspondendo a "privatização dos lucros e socialização das perdas".
Um "subsídio" injusto a quem polui o ambiente: "Os recursos ambientais como água, ar,
em função de sua natureza pública, sempre que forem prejudicados ou poluídos,
implicam em um custo público para a sua recuperação e limpeza. Este custo público,
como se representa um subsídio ao poluidor. O Principio do poluidor pagador busca,
exatamente, eliminar ou reduzir tal subsídio a valores insignificantes" (Antunes, 2002)
2.2 As externalidades e a internalização dos custos sociais da poluição
Como se sabe, "a produção traz inerente um conjunto de efeitos não desejados,
conhecidos como externalidades". (Comune, 1992)
O objetivo maior do princípio poluidor-pagador é fazer com que os custos das medidas
de proteção do meio-ambiente — as externalidades ambientais — repercutam nos
custos finais de produtos e "serviços cuja produção esteja na origem da atividade
poluidora.16
Em outras palavras, busca-se fazer com que os agentes que originaram as externalidades
"assumam os custos impostos a outros agentes, produtores ou consumidores" (Comune,
1992, p.13).
O poluidor, então, passa a ser o primeiro pagador, de modo que é obrigado, dessa
forma, "a integrar plenamente, no seu processo de decisão, o sinal econômico que
constitui o conjunto dos custos ambientais".17
2.3. Fundamentos e o papel do PPP no Direito ambiental
16 V. Organisation de Coopération et de Développernent Êconomiques, ob. cit., Annexe (Príncipes directeurs relatifs aux aspects êconomiques despolitiques de Venvironnement sur le plan international), p. 11.17 Idem nota 16.
45
Na formulação e análise do princípio poluidor-pagador está a questão da "internalização
dos custos sociais da poluição" ou "internalização dos efeitos externos", noção que pode
ser explicada através de um exemplo bastante cotidiano e simples.
Suponha-se que você ao chegar em sua casa, todos os dias se depara com o fato de que
o seu quintal e sua casa encontram-se borrifados por fuligem advinda da emissão de
fumaça de uma fábrica localizada na sua vizinhança.
Ora, num modelo jurídico (e econômico) tradicional, a conta da limpeza e repintura da
casa é paga pelo seu proprietário e não por aquele que, de fato, causou o dano. Em
conseqüência, os produtos eventualmente fabricados pelo poluidor — já que este nada
está pagando pela sua atividade poluidora — não refletirão os custos reais da poluição.
Fala-se, então, que tais custos, porque não computados no processo de produção, são
uma externalidade ou custo externo.
Externalidades, agora em sentido jurídico ambiental, são os custos sociais do processo
de desenvolvimento e que, só recentemente, através do princípio poluidor-pagador,
passaram a ser computados — já que exigíveis — no preço final de produtos e serviços.
Diz-se assim que tais custos são internalizados. Diferentemente do que sucede com o
exemplo acima, as externalidades nem sempre são de fácil cálculo. Primeiro porque são
múltiplas as conseqüências de uma única ação poluidora (despesas médicas, limpeza,
pintura, danos em materiais, em plantações e em rebanhos, queda do turismo e efeitos
de longo prazo, ocorrência de doenças). Segundo porque danos morais, o desconforto
humano, por exemplo, não são computáveis com essa gramática (Turk et alli, 1988).
O princípio poluidor-pagador apoia-se na teoria da compensação (paga quem provoca
uma ação governamental, na medida do custo desta) e na teoria do valor (paga quem se
beneficia com a poluição, na medida dos benefícios recebidos).
46
Se é certo que o princípio poluidor-pagador encontra seus fundamentos principais na
teoria econômica, é através do Direito, particularmente do Direito Ambiental, que passa
a integrar a ordem jurídica e, a partir daí, se torna exigível contra e para todos.
É que cabe ao Direito Ambiental responsabilizar-se, no plano da formulação de normas
jurídicas, por esta problemática da internalização dos custos sociais do
desenvolvimento, aportando os instrumentos adequados de implementação,
viabilizando, assim, os critérios recomendados pela Economia (Mateo, 199, p 95).
2.4 O princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental
Ao contrário do que se imagina, o princípio poluidor-pagador não se resume na fórmula
"poluiu, pagou". "O princípio poluidor-pagador não é um princípio de compensação dos
danos causados pela poluição"18.
Seu alcance é mais amplo, incluídos todos os custos da proteção ambiental, "quaisquer
que eles sejam", abarcando, a nosso ver, os custos de prevenção, de reparação e de
repressão do dano ambiental, assim como aqueles outros relacionados com a própria
utilização dos recursos ambientais, particularmente os naturais, que "têm sido
historicamente encarados como dádivas da natureza, de uso gratuito ou custo marginal
zero"(Comune, p. 20).
Numa sociedade como a nossa, em que, por um lado, o descaso com o meio-ambiente
ainda é a regra, e, por outro, a Constituição Federal prevê o meio ambiente como "bem
de uso comum do povo" (Art. 225, caput), só podemos entender o princípio poluidor-
pagador como significando internalização total dos custos da poluição.
2.5 O fundamento legal e os óbices à reparação do dano ambiental
18 Organisation de Coopération et de Développement Êconomiques, ob. cit., p. 5.
47
Coube a Lei 6.938/81, instituidora da Política Nacional do Meio-Ambiente — pela
introdução da responsabilidade civil objetiva19 — revolucionar o sistema de reparação
judicial do dano ambiental no Brasil, permitindo, de vez, por essa via, a incorporação,
em nosso país, desta faceta do princípio poluidor-pagador.
É verdade que, mesmo antes da Lei 6.938/81, o dano ambiental, pelo menos em tese,
podia ser judicialmente reparado. Repita-se, só em tese, já que o regime jurídico do
Código Civil, então aplicável, baseado em culpa (imprudência, negligência e imperícia),
não permitia, pela quantidade de prova, exigida da vítima, a condenação do poluidor.20
Fica claro, portanto, que, em realidade, o Direito tradicional, especialmente o Civil,
nunca funcionou adequadamente na proteção do meio-ambiente, não acolhendo o
princípio poluidor-pagador. seja no regramento dos direitos de vizinhança, seja na base
da responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual.
Primeiro, porque o dano ambiental, via de regra, é de natureza difusa, atingindo toda
uma coletividade de pessoas. Na medida em que o processo civil clássico só permitia
que se cobrassem em juízo prejuízos próprios, meramente individuais, raramente os
danos ambientais passavam pelo crivo do Judiciário.
Segundo, o regime jurídico da responsabilidade civil aquiliana, conforme já referido,
exigia a prova de culpa (imprudência, negligência ou imperícia) do poluidor para, só
então, aplicar o principio poluidor-pagador. Apenas o dano culposamente causado era
passível de indenização. E, como se sabe, provar que o violador agiu com culpa era
quase sempre — para não dizer sempre — impossível.
3. Conclusões sobre o problema enunciado – MDL x PPP
19 " ... baseia na idéia de que a pessoa que cria o risco deve reparar os danos advindos de seu empreendimento" (Milaré, 1988, p. 46)
20 "Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".
48
Então, como vimos, só um vício de interpretação do sentido original do PPP, produzido
pelo espírito do legislador, é que suportaria a proposição de que o MDL é um
instrumento de natureza jurídica ambiental.
O PPP, pela sua própria destinação é um postulado com raízes inspiradoras no direito
econômico, vindo a transitar por substancial mudança ao constituir-se num dos
postulados mais nobres e sérios do direito ambiental.
Como evidenciado a sua principal destinação está estritamente vinculado à correta
interpretação e aplicação dos fatos que definem as externalidades negativas.
A externalidade é, como o nome mesmo já diz, algo que está fora. Esse fenômeno
econômico pode ser classificado em positiva ou negativa, quando no preço do bem
colocado no mercado não estão incluídos os ganhos e as perdas sociais resultantes de
sua produção ou consumo, respectivamente. Ou seja: a externalidade designa uma falha
de mercado, no sentido de que o produto posto no mercado não possui um preço que
contenha em si todos os ganhos ou perdas resultantes da sua produção.
A interpretação jurídica do princípio do poluidor pagador pretende não simplesmente
internalizar o custo, embutir no preço, e assim produzir, comercializar ou mercanciar
produtos que sabidamente são degradantes do meio ambiente, nas suas diversas etapas
da cadeia de mercado. Enfim, não se compra o direito de poluir mediante a
internalização do custo social.
O PPP tem por função dar tratamento à externalidade, provável ou real e, assim,
Produzir as seguintes conseqüências no mundo do direito:
impedir a atividade, porque não existe comprovação científica de que poderá causar
externalidades negativas, adotando-se o subprincípio da precaução (é o que está
acontecendo agora com os produtos transgênicos, por exemplo. Como ninguém sabe
do ponto de vista científico que mal pode causar o produto (OGM), então impede-se
a sua produção);
49
Avaliadas e identificadas previamente as externalidades negativas, então caberá a
adoção de técnicas que neutralizem ou compensem as referidas externalidades,
concretizando, portanto, o subprincípio da prevenção;
Em último caso, não sendo possível precaver ou prevenir, aplica-se a
responsabilização (civil, penal e administrativa) pelos danos e/ou ilícitos causados
ao meio ambiente.
É exatamente por isso que o poluidor pagador não é, como se poderia imaginar, apenas
um princípio corretivo, senão porque a sua intenção é justamente evitar o dano.
Portanto, mais do que errada a idéia de que o poluidor pagador seja um passaporte para
poluição, bastando apresentar um visto de compra (internalização do custo) para que se
tenha então o direito de poluir. Repetindo, esse princípio “tem uma estrutura aberta,
permitindo desse modo, que a sua execução seja feita através de instrumentos
econômicos, seja através de instrumentos de responsabilidade civil, ou ainda de outros
instrumentos”.
Este princípio é concretizado por outros subprincípios, tais como a prevenção, a
precaução, a responsabilidade (civil, penal ou administrativa).
Pois bem, após situarmos o PPP e seus objetivos mais fieis ao direito, então poderemos
avançar na análise a que nos propomos no início deste trabalho, no que diz respeito aos
compromissos deste capítulo.
Retornemos a provocação à critica: ora, se o poluidor pagador é rigorosamente
cumprido e atendido, e, respeitado, como vimos, nessa ordem, quando:
a) se evita o risco de ocorrer as externalidades negativas ambientais, impedindo o
exercício de uma atividade econômica, justamente porque não se tem conhecimento
científico dos eventuais riscos ao meio ambiente (atua o subprincípio da precaução);
b) se previne a sociedade dos danos ambientais, antes previstos e medidos, que seriam
resultantes das externalidades negativas ambientais de uma determinada atividade
econômica (subprincípio da prevenção);
50
c) se reprime o poluidor pelos ilícitos ou danos causados ao ambiente, quando as
externalidades negativas não tenham sido a seu tempo impedidas. Trata-se de sancioná-
lo civil, penal e administrativamente (subprincípio da responsabilidade).
Então, o MDL não é um instrumento de efetivação do PPP, porque ele, na prática se
destina a outra solução: a de “comprar o direito de poluir”, usando de forma desviada e
apartada da sua destinação pelo direito.
Se esse raciocínio está correto, então poderemos seguir em outras conclusões: O MDL é
um instrumento – até bem elaborado, no entanto com índole política e de arranjo de
solução econômica para garantir aos países do anexo I a continuação da prática
predatória com arranjo neo-colonialista.
Ora, se é através do MDL que se obtém um título, com valor de mercado, que é
negociado na bolsa de valores mobiliários, que já aludimos anteriormente - o CER, ou
certificado de emissão de carbono – e de posse desse título, ou este “crédito”,
compensa-se o passivo ambiental estabelecido pelo Protocolo de Kyoto, e, assim, todos
do anexo I podem continuar a emitir o GEE.
Se fundado no direito, e nesse caso no marco do direito ambiental brasileiro, e se
fidedigno aos seus princípios, ou ao menos no PPP, então teríamos outras
conseqüências e em outra direção. Teríamos então, por fidelidade, os seguintes
resultados:
a) Responsabilização pura e simples dos países do Anexo I por todos os
desastres ambientais (e os sociais que dele decorreram) oriundos do GEE
lançados ao longo dos anos, especialmente após a Revolução Industrial,
e não simplesmente a partir de 1990;
b) Impedimento de utilização de matrizes energéticas que sejam
responsáveis pela emissão de carbono, como a queima de combustíveis
fósseis, atuando de forma a exigir a substituição das matrizes existentes
por outras que sejam limpas;
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c) Compensação aos países que ao longo dos anos, tal como o Brasil, se
prestam para manter um mínimo de sustentabilidade no clima do planeta,
sem que nenhuma “recompensa” lhe tenha sido dada.
Então, assim de tudo se pode dizer, menos que o MDL seja um instrumento jurídico
ambiental. Isto porque tal instituto não se afina com os princípios basilares do Direito
Ambiental Brasileiro: nem no princípio da participação, nem no da ubiqüidade, nem no
desenvolvimento sustentável e, tampouco como vimos mais detidamente, no Princípio
do Poluidor Pagador.
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Revista Consultor Jurídico, 2 de março de 2007
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