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Psicologia: Teoria e Pesquisa Jan-Mar 2010, Vol. 26 n. 1, pp. 109-120

Violência contra a Mulher e Representações Mentais: Um Estudo sobre Pensamentos Morais e Sentimentos de Adolescentes

ValériaAmorimArantes1

Universidade de São PauloGenovevaSastreAlbaGonzález

Universidade de Barcelona (Espanha)

RESUMO -Nestapesquisaanalisamosprocessospsicológicossubjacentesàsformasdesituar-sediantedaviolênciacontraamulher.Participaram120adolescentesbrasileiros,estudantesdeescolaspúblicasdacidadedeSãoPaulo,deambossexos,com12,14e16anos.Oinstrumentoconsistiunorelatodeumconflitocomepisódiosdeviolênciafísicaeverbalvividoporumaadolescenteeseunamorado.Identificamoscincomaneirasdeposicionar-sediantedaviolênciacontraamulhereumarelaçãoentreasestratégiasderesoluçãopropostas,ospensamentosesentimentosatribuídosaosprotagonistaseadinâmicaimaginadaparaessarelação.Foiobservadoqueaviolênciasedámaisentreoshomensdoqueentreasmulheres,emaisentreosmaisnovosdoqueentreosmaisvelhos.

Palavras-chave:violênciacontraamulher;representaçõesmentais;modelosorganizadoresdopensamento;adolescência.

Violence against Women and Mental Representations: A Study about Moral Thoughts and Feelings of Adolescents

ABSTRACT - Inthisresearchweanalyzedthepsychologicalprocessesunderlyingsomeformsoffacingviolenceagainstwomen.Theparticipantswere120BrazilianadolescentsfrompublicschoolsofSãoPaulo,ofbothgenders,andaged12,14and16yearsold.Theinstrumentwasareportofaconflictwithepisodesofverbalandphysicalviolenceexperiencedbyanadolescentandherboyfriend.Weidentifiedfivedifferentwaystounderstandtheviolenceagainstwomenandarelationamongtheproposedresolutions’strategies,thoughtsandfeelingsattributedtotheprotagonists,andtheimagineddynamicsforthisrelation.Itwasobservedthatviolenceoccursmoreamongmenthanamongwomen,andmoreamongyoungerthanamongolderpeople.

Keywords:violenceagainstwomen;mentalrepresentations;thoughtsorganizingmodels;adolescence.

1 Endereçoparacorrespondência:FaculdadedeEducação,UniversidadedeSãoPaulo.Av.daUniversidade,308,CidadeUniversitária.SãoPaulo,SP.CEP05.508-900.Email:[email protected].

Aviolênciacontraamulher,comopostulaLima,BucheleeClímaco(2008),consisteemumgraveproblemadesaúdepúblicaeviolaçãodosdireitoshumanos.Alémdeacarretargravesconsequênciasparaodesenvolvimentoplenoeinte-graldamulher,comprometeodesenvolvimentosocioeco-nômicodopaís(Narvaz&Koller,2006a).Nessesentido,aviolênciacontraamulhernãopodeserencaradacomoumaquestão da vida privada,mas simobjeto de preocupaçãosocial(Bravo,1994).

Acomplexidadequeenvolveaproblemáticadaviolênciacontraamulher–queabarcaasformasdeviolênciafísica,violênciasexualeviolênciaemocionaloupsicológica(Corsi,1997,2003)–,requerestudoseintervençõessobdiferentesperspectivas.Conscientesdasdiversasdimensões–sociais,políticas,econômicasetc.–queenvolvemareferidatemática,opresentetrabalhoestácircunscritonocampopsicológicoe temcomopropósito analisar as representaçõesmentaisdeadolescentessobreumepisódiodeviolência–físicaepsíquica–sofridaporumamulher,colocandoemevidênciaosfatorespsicológicossubjacentesaessasrepresentações.

Tais fatores contribuempara a compreensãodas dife-rentesmaneiras de situar-se diante da violência contra amulher–aceitá-la,negá-laoulutarcontraela,entreoutras.Issoporquê,senoplanosocialadiscriminaçãodasmulheresé,claramente,umaviolaçãodosdireitoshumanos(LeiNº.11.340,de07deAgostode2006),dopontodevistapsicológi-cocontemplavínculosafetivosqueexercemimportantepapelnaconstruçãoderelaçõesentrehomensemulheresdentrodeumaestruturadesubmissãoedomínio.Umaviolênciaquesurgedatentativafrustradadedominação(Giddens,1993).

Sastre,AranteseGonzález(2007)evidenciaramqueagrandemaioria das adolescentes não está preparada paraidentificareopor-seaomaltratocausadoporseusparceiros.Talfatoparecesinalizaranecessidadedesecriareimplantarprogramasdeprevençãoe,paratanto,faz-sefundamentalconhecerasformasdeopressãoaqueasmulhereseasme-ninasdenossasociedade têmsidosubmetidas(Narvaz&Koller,2006b).Issorequer,entreoutrascoisas,estudossobreosmecanismospsíquicosqueinfluenciamtalfenômeno,emespecialcomapopulaçãojovem,jáqueoperíodoemqueseiniciamasprimeirasrelaçõeséummomentocríticoparaotrabalhopreventivo.NoBrasilháalgunsestudosrecenteserelevantessobreaviolênciacontraamulhercomjovens(Affonso,2008;Machado,2004;Martins,2008;Nascimento,

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2004;Taquete,Ruzany,Meirelles&Ricardo,2003;Traverso-Yépez&Pinheiro,2005).

Nocampodapsicologia, aqueles estudosquebuscampelocontinuum entre as vertentes social e individual da vio-lênciadegênerotêmganhadocadavezmaisforça,tantonaspesquisascomonaáreaclínica.Umasíntesedostrabalhosmaisrecentesquebuscamidentificareanalisarosdiferentescaminhospelosquaisosocialtransforma-seempsiquismopodeserencontradaemFerrereBosch(2003).

Velázquez(2003),apartirdepráticasterapêuticas,apontaqueoexercíciodepodernocontextodeumarelaçãolevaaabusoseconflitosque,alémdeprovocaremasubmissãodeumadaspartes,dãoorigemavárioscircuitosdeviolência.Segundoessaautora,mulheresehomens“podemserobjetoesujeitodeviolência,emboraasituaçãodesubordinaçãosocialdamulherfavoreçaqueestasetransforme,commaiorfrequência,emdestinatáriadeviolênciasestruturaisecon-junturais.”(p.24,traduçãolivre).

Nessamesmadireção,apsicanalistaBenjamín(1996,1997)assinalaqueasestruturassociaisgenéricasestãonocernedaquelasrelaçõespessoaisnasquaisseexerceabusodepoder.Assinala,ainda,queaviolênciacontraamulhersedánumaestruturainterativadedomínioabusivoquepre-tendedespojaramulherdesuaidentidade.Umarelaçãodedomínioquesenutredomesmodesejodereconhecimentoqueencontramosnosentimentodeamor(Benjamín,1996).Mas, por queo reconhecimentodooutro nos conduziriaauma relaçãode submissãoenãode igualdade?Estariaa violência contra amulher sustentada numa estruturaafetivaemqueumadaspartesassumeopapeldesujeitodominante, enquanto a outra se submete, por amor, aosseusdesejos?Taisquestõesforampontosdepartidaparaopresentetrabalho.

Pararespondê-las,buscamosumenfoqueteóricoquenospermitisseabordaraidentidadedasmulheres,considerandoosprincípioséticos transgredidosnaviolênciacontraela.Escolhemos,pois,osestudosdeBenhabib(1992),pelarela-çãoqueaautoraestabeleceentreidentidade,éticaedireitoshumanos.Segundoaautora,

alcançamos um sentido coerente com a própria identidade quando integramos com êxito autonomia e solidariedade, quan-do combinamos adequadamente justiça e cuidado. A justiça e a autonomia por si só não podem sustentar nem alimentar este tecido narrativo no qual se desenvolve o sentido de identidade dos seres humanos, mas também a solidaridade e o cuidado por si só podem levar o sujeito a não ser tão somente sujeito, mas também o autor de um relato coerente da própria vida. (p.59,traduçãolivre)

ApartirdoexpostonaspalavrasdeBenhabib(1992),podemosentenderqueaprevençãodaviolênciacontraasmulheressupõe,entreoutrascoisas,aconstruçãode uma identidade que integra autonomia e solidariedade, bem como integra justiça e cuidado.Setalsuposiçãoforcorreta,cabemduasindagações.Primeira:nossaculturarealmentefavoreceaconstrução,porpartedasmulheres,davirtudesolidariedade em detrimento da justiça?Segunda:atéquepontoessamesmaculturanãocontribuiparaqueoshomensconstruamsuaautonomiaàcustadasolidariedadefemini-

na?Ditodeoutraforma,faz-sefundamentalindagarse,talcomopostulouGilligan(1982),temosduasviasdiferentesde construção de valores e damoralidade humana: umapara os homens, centrada naautonomia/justiça; e outra paraasmulheres,centradanasolidariedade/cuidado. Por fim,cabeindagar,também,sobreaspossíveisimplicaçõesdeumaviasobreaoutranasrelaçõeseconflitosdegênero.Essas indagaçõeslevaram-nosaconsiderarqueodesen-volvimentoanômalodaprimeiravia–autonomia/justiça–podelevaroshomensàsolidãoeaonarcisismo;equeodesenvolvimentoanômalodasegundavia–solidariedade/cuidado–podelevarasmulheresàperdadocontroledaprópriaexistência.

SegundoBuscheFolger(1994),aresoluçãodeconflitospermitedarumaimportânciasimilaraoprocessoeprodutofinal,bemcomofavoreceacompreensãodecadaumadaspartesneleenvolvidas.Assituaçõesdeconflitosconstituem-se, assim,umaperspectivaprivilegiadaparapensarmosacomplexatramatecidapeladiversidadeesubjetividadedefatoresqueseentrelaçamnasrelaçõeshumanas.Suaresolu-çãoexigequedescentremosdoprópriopontodevistaparacontemplarmos, simultaneamente, outros pontos de vistadiferentese,muitasvezes,opostosaosnossos.Exige-nos,ainda,aelaboraçãodefusõescriativasentreosdiferentespontosdevista.Talprocessoimplica,necessariamente,ope-raçõesdereciprocidadeesínteseentreasdiferenças.Umaanálise,pois,emocionalecognitiva.

Trilhandoessecaminho,paraopresenteestudoconce-demos especial atenção aospressupostosqueDelBarrio,Almeida,Van derMeulen, Barrios eGutiérrez (2003)adotaramemsuaspesquisasparaidentificaçãodomaltrato,das estratégiasutilizadaspara a resoluçãodoconflito emquestão, bemcomodos padrões de atribuição emocionalparacadaumdosprotagonistasneleenvolvidos.Taispadrõesparecem-nosespecialmenteimportantes,namedidaemqueoestabelecimentodevínculosafetivoséumprocessointe-rativoedinâmicoquenãopodeserdescritocombaseempartesisoladas.Cadaindividuo,emfunçãodesuahistóriapessoal,desuasexperiênciasafetivasedosvaloresdeseuentorno cultural, vai desempenhando aqueles papéis quejulgapertinentesnocenáriodecadanovarelação(Noam&Fischer,1996).Somadoataispressupostos,assumimoscomoreferencialteórico-metodológicoateoriadosModelosOrga-nizadoresdoPensamento,estruturadaporMarimón,Sastre,BoveteLeal(1988/2000)equenospermitiurealizarumaanálisequalitativadaopiniãodecadaumdosparticipantesdopresenteestudo,respeitandosuaidiossincrasiae,aomesmotempo,detectandosuassemelhançasediferenças.

Partindodaideiadequeosujeitoconstróimodelosdarealidadequelhepermiteconhecerumapartedomundoqueocerca,ateoriadosModelosOrganizadoresdoPensamen-toprocuraestudaraformacomo eleosconstrói.Frenteaacontecimentos“observáveis”,pormeiodosquaisépossívelrealizar diversas interpretações, cada sujeito seleciona eorganizaumasériedeelementosesignificados,apartirdosquais constróiummodeloorganizador.Nesse sentido, talreferencialconfereumamaiorfidedignidadeaosdados,umavezquenão trabalhacomcategoriaspré-determinadasdemodelosorganizadores.Elessãoextraídosdasrespostasdossujeitosenãoporinferênciaspréviasdo(a)pesquisador(a).

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Violência contra a Mulher e Representações Mentais

Comissotemosumamaiorvisibilidadedadiversidadedosmodeloselaboradospelossujeitos.

Noentanto, adespeitodosdiferentespontosdevistasobreummesmofato,apossibilidadedeordenamentodoselementosquecompõemomodeloorganizador–cujafun-çãoestáemdarcoerênciainternaaeles–nãoéinfinita,postoquepossuemcertograudecompatibilidadecomo“real”(Marimón&cols.,1988/2000).AteoriadosModelosOrga-nizadoresdoPensamentoassume,assim,aimportânciadaexperiênciacomoelementoreguladordopsiquismohumano.

Porfim,valeressaltarque,apesardeseremcontingen-tescoma lógicasubjacenteàsestruturasdepensamento,osModelosOrganizadores não são construídos somentea partir delas.Eles ampliama análise ao incluir desejos,sentimentos, afetos, representações sociais e valores dequemos aplicam.Nesse sentido, tal referencial abre-nospossibilidadesparaumentendimentomaisamplosobreasestratégiasutilizadaspelamentehumananaresoluçãodeconflitos,demonstrandocomodiferentesaspectos–afetivos,cognitivosesociais–articulam-sedemaneiradialéticanofuncionamentopsíquico.

Opresenteestudo,decaráterqualitativoeexploratório,tevecomoprincipalobjetivoidentificareanalisarosproces-sospsicológicossubjacentesàsdiferentesformasdesituar-sediantedaviolênciacontraamulher.Maisespecificamente,talobjetivofoiconcretizadodaseguinteforma:(a)identifi-candoasdiferentesestratégiasderesoluçãodoconflitoqueretratatalviolência;(b)identificandoosvínculoscognitivos/afetivos projetados na relação entre os protagonistas; (c)relacionandoasestratégiasderesoluçãodoconflitocomosvínculosafetivosprojetadosnareferidarelação.

Método

Participantes

Participaramdesteestudo120adolescentesbrasileiros,estu-dantesdeescolaspúblicassituadasnaperiferiadaregiãosuldacidadedeSãoPaulo,denívelsocioeconômicobaixo2,mulheresehomens,de12,14e16anos,conformemostraaTabela1.

2 OIDH–IndicedeDesenvolvimentoHumano–dareferidaregiãoéde0.400.OIDHdacidadedeSãoPauloéde0.841edoBrasiléde0.807.

Instrumento

Oinstrumentoutilizadonopresenteestudovisou,entreoutrascoisas,exploraras representaçõesdevínculosqueunemohomemeamulher,contribuindoparaaidentificaçãoe análise das projeçõesque, numa situaçãodeviolência,realizam-se sobre ambos.Tal instrumento foi criado apartirdotextoescritoporumaadolescente,referenteaumconflitointerpessoalporelavivido3.Combasenessetexto,elaboramos uma situação na qual a adolescente relatavaaspectosdesuavida–seusestudos,suasrelaçõescomafamília,comonamoradoecomosamigos–,bemcomoumconflitovividoentreelaeseunamorado,quecompreendiaepisódiosdeviolênciafísicaeinsultos.Oreferidoinstru-mentonãoapresentanenhumavaloraçãodeordemmoraleosparticipantessãoindagadossobrequeconselhodariamàprotagonistadahistóriaeoquefariamseestivessemnumasituação semelhante àquela, alémde serem solicitados atentarsecolocarnolugardospersonagenseimaginarseuspensamentosesentimentos.Taisprocedimentossederamporacreditarmosqueessasdemandasabertas,semreferênciaexplícitaaoraciocíniomoral,evitamrespostas“politicamen-tecorretas”erevelamosprincípioscomosquaisjulgamosascondutashumanas.

Procedimento

Acoletadedadosfoirealizadacomosgruposorganizadosporidade.Inicialmenteforampassadosparaosparticipantesesclarecimentos sobre o anonimato e sigilo. Foi garantido o carátervoluntáriodaparticipação,bemcomoorespeitoàsdiretrizeséticasqueregemapesquisacomsereshumanos,conformeResoluçãono196/96doConselhoNacionaldeSaú-de.Apósdaroportunidadeparaaquelesquenãoquisessemresponderaoinstrumentodapesquisaseretiraremdasaladeaula,demosinícioàaplicaçãodomesmo.

Paragarantiracompreensãodetodososparticipantes,en-tregamosumacópiadotextoparacadaumdeles,fizemossua

3 Otextocompleto,jáutilizadoemestudoanterior(Sastre,AranteseGonzález,2007),encontra-senoApêndice.Enquantonotextooriginal(emespanhol)osprotagonistasreceberamosnomesdeJuaneLaura,noBrasilreceberamosnomesdeBrunoeLaura.

Tabela 1. Distribuiçãodosparticipantesporsexoeidade.

Idade Mulheres Homens Total

12 anos 20 20 40

14 anos 20 20 40

16 anos 20 20 40

Total 60 60 120

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leitura em voz alta e esclarecemos as dúvidas que surgiram. Comentamos,também,queexistemdiferentesmaneirasdeseresolverummesmoconflitoequetodaselastêmvantagenseinconvenientes.Enfatizamosnossointeressepelasideiasdetodoseles,entregamoscadaumadasperguntassepara-damente(afimdegarantirqueelesnãotivessemacessoàquestãosubsequenteantesderesponderemàantecedente),e solicitamos que respondessem individualmente e queexplicassemdetalhadamente suas respostas. Para garantiro anonimato pedimos aos participantes que criassemumpseudônimo.

Asperguntasapresentadasaosparticipantesforam:

(1)Expliquedetalhadamenteoquevocêfariasefosseamiga(o)deLauraeelalheperguntasseoquefazerdiantedasituaçãoenfrentada.

(2)OquevocêfariaseestivessenumasituaçãoparecidaàdeLaura?

(3)OquevocêachaqueBrunoestápensando?(4)OquevocêachaqueLauraestápensando?(5)OquevocêachaqueBrunoestásentindo?(6)OquevocêachaqueLauraestásentindo?

Resultados

Paraelaboraçãodosmodelosorganizadorescorrespon-dentes às respostas dos participantes seguimos os passosdescritos a seguir.

1º Passo: Categorias de análise

Analisamoscadaumadasperguntasseparadamente,bemcomoaqueleselementosqueosparticipantesconsideraramrelevanteseseusrespectivossignificados.Essaprimeiraaná-lisepermitiu-noselaborarquatroclassesdecategorias,queorganizamosemquatrodiferentestabelas(Tabelas2,3,4e5).

ATabela2sintetizaacaracterizaçãodasestratégiasderesoluçãopropostaspelosparticipantes ao responderemà

primeiraeàsegundaquestões(“Expliquedetalhadamenteoquevocêfariasefosseamiga(o)deLauraeelalheper-guntasseoque fazerdianteda situação enfrentada” e “Oque você faria se estivesse numa situação parecida à deLaura?”,respectivamente).Aprimeiracolunadatabelatrazosnomesdascincocategoriaselaboradasapartirdasestra-tégiaspropostaspelosparticipantes;asegundacolunatrazadefiniçãodecadaumadessascategorias;aterceiracolunatrazexemplosdecadaumadelas.

,Nasduastabelasqueseseguemestãoaquelascategoriasreferentesaospensamentosatribuídosaoagressor(Tabela3)eàvitima(Tabela4),obtidasapartirdasrespostasob-tidasnaterceiraequartaquestões(“OquevocêachaqueBrunoestápensando?”e“OquevocêachaqueLauraestápensando?”,respectivamente).Naprimeiracolunaconstamascategoriaselaboradasapartirdasanálisesapresentadaspelosparticipantes;nasegundacoluna,adefiniçãodecadaumadessascategorias;enaterceiracoluna,exemplosdessascategorias.

A Tabela 5 ilustra os sentimentos atribuídos a ambos os protagonistasdoconflito,quandoosparticipantesrespon-deramàquintaeàsextaquestões(“OquevocêachaqueBrunoestásentindo?”e“OquevocêachaqueLauraestásentindo?”, respectivamente).A primeira coluna traz osnomesdas categorias elaboradas a partir dos sentimentosatribuídospelosparticipantes;asegundacolunatrazadefi-niçãodecadaumadessascategorias;eaterceiracolunatrazexemplosdecadaumadelas.

2º Passo: Elaboração dos modelos organizadores do pensamento

Considerandoascategoriasapresentadasnasquatrotabe-lasanteriores,realizamosumaanáliseintrapessoal,ouseja,analisamostodosasrespostasdecadaumdosparticipantesseparadamente,oquenospermitiuidentificarqueparacadaformadeabordaroconflitotemosumadeterminadadinâmicaentreocasal.Aquelesparticipantesquesugeriramarupturacomoformaderesolveroconflitoimaginaramumarelação

Tabela 2.Categoriasderesoluçãodoconflito.

CATEGORIAS DEFINIÇÕES EXEMPLOS

Ruptura Arupturaimediatadarelação. Separar-se de Bruno porque ele a maltrata.

PossívelRupturaArupturaapóssedarumaoportunidadeaoagressorparaqueelemude;

Conversar com ele e se não adiantar, terminar tudo.

DiálogoOdiálogocomoformaderesolveroconfli-to;nãosinalizanenhumapossibilidadederuptura.

Conversar com Bruno sobre o que aconteceu, pois numa relação o diálogo e a sinceridade são muito importantes.

ResignaçãoAceitaçãodasituaçãosemapresentarnenhu-maação.

Esperaria para ver o que acontece.

Interesse Agressor Defendeosinteressesdoagressore/oupropõeajudá-lo.

Tentaria ajudá-lo com calma e dedicação.

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de oposição/confronto entre os protagonistas, enquantoaquelesquesugerirammanterarelaçãoprojetaramrelaçõesde complementaridade.Os níveis de submissão/domínioencontradosemcadaumadasdinâmicasvariaramemfunçãodaestratégiaderesoluçãoproposta.

Nototal, identificamoscincodiferentesmodelosorga-nizadores dopensamento, que refletemmaneiras e níveisdistintosdetrataraviolênciacontraamulher,deposicionar-sediantedela.Cadaumdessesmodelos(Modelos1,2,3,4 e 5) foramnomeados, respectivamente, de:maltrato eruptura;desavençasepossívelruptura;diálogoemanterarelação;aceitaçãosilenciosaemantera relação; interessedoagressoremanterarelação.Emfunçãodotipodeaná-liserealizada(comgrandequantidadedeinformaçõesparacadaumdessesmodelos),epelopoucoespaçodisponívelemumartigo,deter-nos-emosnadescriçãodoprimeiroeúltimodeles (Modelos 1 e 5), e limitar-nos-emos a umabreve caracterizaçãodosModelos 2, 3 e 4, considerandoqueo(a)leitor(a)nãoterádificuldadesparacompreendê-los.Talescolhadeveu-seaofatodequeosModelos1e5nãosóapresentamumantagonismonoqueserefereàsestratégias

deresolução–enquantooprimeiromodelosugerearuptura,oúltimopropõeamanutençãodarelação–,comotambémapresentamdiferençassubstantivasnoquetangeaatribuiçãodepensamentosesentimentosàvitimaeaoagressor.Ditodeoutraforma,osModelos1e5sãoaquelesque,quandocomparados,apresentammaiordiscrepânciaentreoselemen-tosabstraídoseretidoscomosignificativos,ossignificadosatribuídosa taiselementoseasrelaçõese/ouimplicaçõesestabelecidas entre eles.

Modelo 1: maltrato e ruptura

Estratégia de resolução.Oelementoorganizadordessemodeloéocomportamento violento de Bruno, que recebe o significado demaltrato.Nessemodelo, a violência é,portanto, reconhecida explicitamente.Osdemais elemen-tospresentesnoconflitoounãoforamconsideradospelosparticipantesoulhesforamoutorgadospapéissecundários,oquenãosignifica,porexemplo,queosafetostenhamsidodesprezados,masqueelesocuparamumpapelsecundário

Tabela 3.Categoriasdepensamentosatribuídosaoagressor.

CATEGORIAS DEFINIÇÕES EXEMPLOS

Minimiza/NegaoProblema Nãoidentificaoproblemaounaturaliza-o.Ele pensa que a situação é normal e que as discussões são coisas que acontecem e depois passam.

ProblemáticadoProfessorCentra-senaproblemáticainternadoagressoresugerequeelemudaráourepararáasituação.

Bruno pensa que é inseguro e que tem proble-mas.

ValoraçãoNegativadaVítima

Valoraçãonegativadavítima,quersejaporqueelenãoseimportacomela,quersejaporqueBrunoacreditaqueacausadoradoproblemafoiela.

Nada! Pensa que sua namorada é uma boba, pois depois de tudo o que ele fez...Laura não fez nada para evitar a situação.

AssumesuaViolênciaRefere-seaoseucomportamentocomoestraté-giaparacontrolare/oudominararelaçãoouseautoafirmar.

Bruno pensa que ele tem que ter o domínio da situação.

Tabela 4. Categoriasdepensamentosatribuídosàvítima.

CATEGORIAS DEFINIÇÕES EXEMPLOS

Ruptura Propõedeixararelação.Acho que por mais de uma vez ela pensou em dei-xar a relação com Bruno, já que está claro que ela não está satisfeita com ele.

ValoraçãoNegativado Agressor

Valora negativamente a conduta deseucompanheiro.

Pensa que Bruno é uma pessoa egoísta e que sem-pre discordará dela.

Processo InternoBusca,commuitasdúvidaseconfusões,compreenderosacontecimentos.

Ela está muito confusa e pode ter mais de dez mil pensamentos diferentes passando em sua cabeça. Algumas vezes ela deve pensar que Bruno está cansado dela e por isso faz essas coisas; que Bruno realmente tem um problema grave que afeta ela, a relação e ele próprio; talvez ela pense que ele é um rapaz inseguro e que aquela situação irá longe...

Tabela 2.Categoriasderesoluçãodoconflito.

CATEGORIAS DEFINIÇÕES EXEMPLOS

Ruptura Arupturaimediatadarelação. Separar-se de Bruno porque ele a maltrata.

PossívelRupturaArupturaapóssedarumaoportunidadeaoagressorparaqueelemude;

Conversar com ele e se não adiantar, terminar tudo.

DiálogoOdiálogocomoformaderesolveroconfli-to;nãosinalizanenhumapossibilidadederuptura.

Conversar com Bruno sobre o que aconteceu, pois numa relação o diálogo e a sinceridade são muito importantes.

ResignaçãoAceitaçãodasituaçãosemapresentarnenhu-maação.

Esperaria para ver o que acontece.

Interesse Agressor Defendeosinteressesdoagressore/oupropõeajudá-lo.

Tentaria ajudá-lo com calma e dedicação.

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Tabela 5.Categoriasdesentimentosatribuídosaoagressoreàvítima.

CATEGORIAS DEFINIÇÕES EXEMPLOS

TristezaPena,desgosto,moléstia,dor,baixaautoestima etc.

Eu acho que ela se sente doída pelo comportamento de Bruno.

Amor/QuererQuerer,querida/o,seamam,segostam etc.

Eles se querem muito.

Bem Sentir-sebem,alegre,contente,felizetc.

Bruno sente-se bem porque ele quer fazer o que gosta e está indo no caminho certo.

Confusão Desconcerto,bloqueio,perdaetc.Sente-se enrolada, não sabe o que fazer e sente que tem que deixar algo...aquilo que necessita menos.

Culpa Culpado,responsáveletc.Depois de agir como agiu, sente-se um pouco culpado. Já aconteceu isso comigo...depois de agir sem pensar, pensei comigo: Por que eu fiz isso?.

DecepçãoEngano,abandono,estafada,decep-ção,utilizadaetc.

Deve ter se sentido enganada, muito decepcionada.

DepressãoDecaída, desanimada, abatida, impotenteetc.

Um pouco abatida, sem saber o que fazer.

Domínio Dominante,poderoso,superioretc. Dominador, ele gosta de controlar a situação.

IncompreensãoIsolada,sozinha,incompreendida,ignorada etc.

Ignorada, uma simples boneca para ter como namorada...usar e depois depreciar.

IndiferençaNãodáimportânciaàsituação,indi-ferente,tranquiloetc.

Não importa com nada, ele ignora tudo. Bruno não deve pen-sar nada....mas tem maus pensamentos.

Indignação Irritação,nojo,fúria,chateaçãoetc.Sente-se pressionado por ela e tenta que ela lhe deixe em paz com o assunto da insegurança. Esse assunto deve ser tratado somente por ele.

Infra-ValoraçãoMenosprezo,humilhação,inútil,rechaçoetc.

Acho que se sente incomodado e humilhado pelo fato de Laura ter dito a ele que fosse ao psicólogo cuidar da fragilidade.

Insegurança Indecisão,dúvidas,insegurançaetc. Bruno sente-se muito inseguro.

MalQuandoossentimentosnãosãoespecíficos.

Suponho que se sentirá mal por Laura ter lhe dito que fosse ao psicólogo e também por pensar que nunca se acertarão.

Medo Covardia,medo,pânicoetc. Eu acho que tem medo que a relação se acabe.

NãoQuerer/Desamor Detestada,aborrecimento,nãoque-reraooutro,nãoamá-loetc.

Pouco querida, porque ele não se importa com o que ela quer.

PreocupaçãoPreocupação,agonia,incômodo,nervosismo,inquietaçãoetc.

Sente-se preocupada e inquieta porque nunca sabe o que Bru-no fará...Bruno tem uma personalidade muito fechada e não deixa ninguém descobrir como ele realmente é.

SubmissãoSubmissa,domínio,opressão,vio-lênciaetc.

Laura sente-se oprimida, parece que se opor a ela e conse-guir que prevaleça o que ele quer faz com que Bruno se sinta superior.

VáriosExplicitafaltadesentimentosoudesconhecimentodoproblema.

Não sei...acho que quem está mais enrolada sobre o assunto é a Laura.

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Violência contra a Mulher e Representações Mentais

natomadadedecisõesdaquelesparticipantesqueaplicaramessemodelo.Vejamosdoisexemplosderespostasqueilus-tram o Modelo 1:

Eu simplesmente chegaria nele e diria que não quero mais nada com ele, que ele está me tratando como um “tapete”, que pisa, pisa e pisa e não fala nada. Que eu não aguento mais. Para ele procurar outra trouxa, que a minha paciência chegou ao limite!... E detalhe: não olharia mais na cara dele. Faria isso porque acho que a mulher tem que se valorizar...(12a,M)4

Terminaria imediatamente com ele, pois não vale a pena ter uma pessoa dessas como namorado... afinal ela foi empurrada e maltratada por ele de propósito!(16a,M)

Como imaginam o agressor.A diversidade de pensa-mentosesentimentosidentificadosnessemodeloconfiguraduasimagensdiferentesdoagressor.Aprimeiradelastrazum“Bruno”que acredita nodomínio exercido sobre suanamoradae,maisainda,queseucomportamentosedápelasuanecessidadedeautoafirmação.Essetipodepensamentovincula-seadiferentesmodalidadesafetivas:emalgunscasosprovocaaoprotagonistabem-estareemoutroslhecausamalpelaimagem(negativa)quepodepassarparasuanamorada.Vejamosalgunsexemplos:

O Bruno pensa que ele deve tratar as garotas como trata os garotos (amigos) e que ele sempre vai estar bem e “acima” de Laura, achando que os gostos dela, opiniões e sentimentos são o de menos para ele e que ela vai estar sempre disposta a concordar com tudo o que ele fala e faz. (12a,M)

Muito mal, pior ainda que a Laura por ela estar mal. Ele tem carinho por ela, mas não consegue se controlar. (16a,M)

Na segunda imagem aparece um “Bruno” com fortecapacidadedenegarosfatosou,nomínimo,suaresponsabi-lidadesobreeles,oquelhepermiteexperimentarsentimentosagradáveisdiantedasituaçãovivida.Algunsdosparticipantesqueimaginaramoprotagonistacomtaiscaracterísticasforamcapazes,também,devê-locomoumapessoa“azarada”e/ou“infeliz”peloquesuanamorada-quenessecenárioéa“responsável”peloconflito-lhefaz.Comissopodemosinferirque,naorganizaçãodadaaessemodelo,aviolênciaidentificadanomomentodeelaboraraestratégiaderesolu-çãoécompatívelcomumagressorcujosestados internoslhecolocamàmargemdomaltrato.Vejamosumexemplo:

Bruno pensa que em toda relação acontece isso e que não tem nada de anormal...afinal todo mundo briga...todo mundo fica com raiva...não tem nada de mais...e no final tudo se resolve. (16a,M)

Como imaginam a vítima.AimagemdeLauraétrazida,portodososparticipantesqueaplicaramessemodelo,comoalguémqueexperimenta,apartirdocomportamentodeseunamorado, sentimentos negativos como tristeza, solidão,

4 Areferênciautilizadaobedeceaoseguintecritério:idade(12a,14aou16a)esexo(FouM).

impotência,inferioridadeetc.Taissentimentosnãoimpedemqueelareafirmeseuamorpelonamorado:

Laura sente-se impotente e triste com tudo o que está passando com Bruno, pois ela gosta muito dele. (12a,F)

Sente muita dor por Bruno não reconhecer o amor dela. (14a, M)

Aatribuiçãodepensamentosesentimentosconfiguraduasimagensdiferentesparaaprotagonista.Naprimeiradelas,Lauradefende-sedaagressãosofridadeduasmaneiras:va-lorandonegativamenteacondutadeBrunoousimplesmenteafastando-sedele.Eisrespostasqueasilustram:

Laura sente-se ofendida por Bruno porque ele nunca entende os seus motivos, nunca está de acordo com ela. (16a,F)

Sente-se muito mal e com isso ela acabará deixando Bruno.(14a, M)

NasegundaimagemapareceumaLauraqueseesforçaparamanterarelação,eofazdeduasmaneirasdistintas:questionando-sesobreosacontecimentos(queparaelasãoincompreensíveis)oumantendoascoisascomoestão.Ase-guirduasrespostasqueilustramessaimagemdaprotagonista:

Sente-se mal porque não consegue entender o que acontece...por que Bruno age daquela maneira e com isso se pergunta que atitude deveria tomar para consertar as coisas. (12a,F)

Sente-se intimidada pelos atos de Bruno...sente-se desprezada, mas não consegue controlar a situação e acaba fazendo o que não desejava fazer, que é aguentar o Bruno para tentar manter as coisas bem... (12a,F)

Taispensamentos,dentrodeummodeloque,comodes-crevemos, propõe a ruptura comoestratégia de resoluçãoparaoconflito,dávisibilidadeàsdefasagensintrapessoaiseàsdificuldadesinternasparafinalizarumarelação.

Estratégia de resolução e estrutura interativa. As ca-racterísticasprópriasdesseprimeiromodelo-identificaçãodaviolência,seusignificadocomomaltratoeadecisãoderomperovínculoafetivo-aparecemdentrodeumadinâmicaestruturadaporestadosinternosantagônicos.Ospensamentosesentimentosatribuídosacadaumdosprotagonistascon-figuramumarelaçãode“confronto”entreeles:enquantooagressorévistocomoumapessoaquedesejae/ounecessitadominarsuanamoradaparademonstrarsegurançaeautori-dade(autoafirmação),avítimaévistacomoumapessoaquenãoadmiteaviolênciaequeestádeterminadaaseparar-sedo namorado.

Umaspectocomumatodososparticipantesqueapli-caramessemodelo foio fatode teremidentificadoumarelaçãode“oposição”entreosprotagonistas.Talaspectoabreasportas,também,paraadiversidadederepresenta-çõesque,nessecaso,dá-senumamaioroumenorampli-tudedetal“oposição”:algunsparticipantesaprojetamnaatribuiçãodepensamentosesentimentos,outrosofazemsomentenaatribuiçãodospensamentoseoutrosaexpres-

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samsomentenoâmbitoafetivo,ouseja,naatribuiçãodesentimentos.

Modelo 2: desavenças e possível ruptura

Estemodelodiferencia-sedoanteriorespecialmentepelosignificadoatribuídoaocomportamento violento de Bruno que, nessecaso,évistocomosusceptível de mudanças.Consequen-temente,apesardenãoacreditaremmuitoemtaismudanças,decidemdaraoagressorumaoportunidadeparaqueelemudesuaconduta.ComissoanalisamasituaçãosugerindoqueLauraconversecomBrunoe,casoasituaçãonãoseresolva,rompaarelação.Nessemodelo,oconfrontoentreosprotagonistasnãopareceseralgoirreversível,oquefazcomqueosparti-cipantesqueoaplicamacreditemqueumaconversaouajudadeterceirospodemseralternativasparaerradicaraviolênciaeencontrarnovamenteoequilíbrionarelação.VejamosdoisexemplosderespostasqueilustramoModelo2:

Eu conversaria com o Bruno. Tentaria descobrir a razão de tudo isso; se ele realmente gosta de mim e por que está tão inseguro. Se ele não revelasse nada eu pediria um tempo, ficaria um pouco distante dele para ele pensar melhor em tudo o que aconteceu com a gente, depois eu voltaria a falar com ele e quem sabe até sair também, mas só se ele conversasse direito comigo e me explicasse o porquê de tudo isso. (14a,F)

Se eu estivesse no lugar da Laura conversaria com o Bruno sobre tudo o que está acontecendo e deixaria claro que a mi-nha vida não é viver só para ele. Se nada mudasse terminaria o relacionamento numa boa e continuaria só na amizade. Só assim eu poderia ter mais liberdade. (16a,F)

Modelo 3: diálogo e manter a relação

Nestemodelo, asagressões sofridasporLauraou sãomenosprezadasourecebemosignificadodeproblemas ou dificuldades de Bruno,comopodeserilustradonosexemplosque se seguem:

Eu conversaria com Bruno sobre nossos problemas, pois em um relacionamento é importante que haja sinceridade e clareza de ambas as partes. Eu faria isso pois deve existir compreensão e perdão de ambas as partes. (16a,F)

Eu tentaria conversar com ele, procurando entendê-lo...pro-curando entender o momento que ele está passando. (14a,F)

Essamudançadeinterpretaçãodoconflitovemacom-panhadadeumaimagemdiferentedeBruno,deLauraedarelaçãoqueosune.Osparticipantesqueinterpretaramotextocomessemodeloparecemnãoter“lido”asagressõesqueLaurasofreu.Paraeles,asituaçãoretratapequenosproble-masentreduaspessoascujosestadosinternospermitemsuasuperação.Daíarazãopelaqualsugeremcomoestratégiaderesoluçãoconversar e manter a relação.

Modelo 4: aceitação silenciosa e manter a relação

Oelementoorganizadordestemodeloéocomportamento de Brunoqueévisto,poreleeporLaura,comoinevitável.Comoconsequência,sugeremqueavítimatenhaumapos-turapassivadiantedasituação,quersejaporqueelagostadeBruno,quersejaporqueoconsideramaisemconflitodoque violento:

Eu não faria nada porque eu quero ele.(12a,F)

Esperaria ele superar aquele momento. (12a,F)

Modelo 5: interesses do agressor em manter a relação

Estratégia de resolução.A problemática interna doprotagonista,seusdesejos,interessesenecessidadessãooselementosaoredordosquaisgiramosdemais.AimportânciadadaaosconflitospessoaisdeBrunofazcomqueelesejavistocomoumapessoaemconflito(enãoviolenta)equeasagressõessofridasporLauratornem-sepraticamenteinvisí-veis.Comisso,osparticipantesqueaplicaramoModelo5sugeremqueLauraestádispostaaajudaraoseunamoradoe a sacrificar seus interesses pessoais embenefício dele.Vejamosumexemplodessaorganização:

Tentaria conversar com a pessoa, esclarecer o fato e ajudar a ele. Afinal, numa relação sempre tem alguém que deve ceder e aguentar...senão tudo fica mais difícil. (14a,F)

AmotivaçãodeLauraparasocorreraoagressorocupalugarcentralemmuitasrespostasdessemodelo.Seudesejoemajudá-loéassimexplicitado:

Eu ajudaria o garoto pois é difícil passar por problemas e não ser ajudado. Eu fico imaginando como ele está se sentindo inseguro e o que eu poderia fazer para cuidar dele, para fazer com ele se sinta bem. (16a,F)

AlémdesugeriremajudaaoBrunoesacrifícioporele,identificamos algumas respostasque, de algumamaneira,parecemculparLaurapelasituaçãodeBruno.Vejamosumexemplo:

Eu acho que quando um não quer dois não brigam. Também é preciso saber o que Laura fez para que as coisas chegassem a esse ponto. E se ela quiser consertar as coisas ela também vai ter que mudar. (16a,F)

Como imaginam o agressor.Ossentimentosdoagres-sorrevelamaimagemdeumrapazinseguroefrágil.Suaproblemática interna é utilizada como justificativa paraseusatos, livrando-odequalquer responsabilidadee/ouculpa:

O Bruno sente-se inseguro quanto ao amor que ela sente por ele pelo fato de ela viver rodeada de amigos.(14a,F)

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Violência contra a Mulher e Representações Mentais

Paraalémdesserevestimentoafetivo,algunsparticipan-testrouxeramaimagemdeumagressorcuja“impotência”cognitivacolocaLauranadifícilsituaçãodedecidiroquefazer:

Bruno gostaria de demonstrar que não era tão frágil e que poderia tomar as decisões pelos dois...mas ele não sabe o que fazer de verdade...nem como fazer. (14a, M)

Como imaginam a vítima.DiantedoBruno“criado”paraessemodelo,osparticipantesqueoaplicaramimaginamumaLauratriste,confusae,apesardenãosabercomoajudaraonamorado,estádispostaafazê-lo.Eisumexemploqueilustrabem o Modelo 5:

A Laura se sente responsável e confusa diante da situação. Ela sofre muito com tudo o que acontece. E nem pensa em terminar o relacionamento com ele, mas em ajudá-lo a resolver os seus problemas, mas ela não sabe o que fazer. (16a,F)

Estratégia de resolução e estrutura interativa. Uma ca-racterísticaprópriadoModelo5éofatodeaviolênciasósermencionadaquandoosparticipantesreferem-seaosestadosinternos dos protagonistas, sendo ignorada nomomentoemque sugeremas estratégias de resolução.Adinâmicarelacionaldessemodeloimplicauma“complementaridade”entreamoredomínioquesemanifestatantonasestratégiasde resolução comonos estados internos –pensamentos esentimentos–atribuídosaosprotagonistas.

3º Passo: Análise quantitativa

Apesar de nossopropósito para o presente estudo serbasicamenterealizarumaexploraçãoqualitativadasrepre-sentaçõesmentais sobre a violência, parece-nos tambémoportuno apresentar a distribuição dos participantes emfunçãodosmodelosorganizadoresaplicadosedasvariáveisidadeesexo.Valeressaltarquetodososprotocolosforamcodificadosportrêspesquisadorase,emcasodedesacordo(14%),chegou-seporconsensoaumadecisãounitária.

Osresultadosobtidosemfunçãodasidadesesexodosparticipantesedosmodelosporelesaplicadosencontram-sena Tabela 6, que se segue.

NaTabela 6 é possível verificar que 50 participantes(41,7%deles) identificamclaramente a violência sofridapela protagonista e a veem comomaltrato (Modelo 1), decaindode21participantes(52,5%)aos12anospara16participantes(40%)aos14anose13participantes(32,5%)aos16anos.Onúmerodehomensqueofazemémaiorqueodemulheres:32homens(53,5%deles)e18mulheres(18%delas).Ressalta-se,ainda,adiferençaencontradaentreosparticipantesde12anos:14homensesetemulheresdessaidadeaplicaramoreferidomodelo.

Aquelesqueacreditamqueocomportamentoviolentodo protagonista é susceptível demudanças (Modelo 2)somam22participantes(18,5%daamostra)e,aocontráriodoqueacontecenoprimeiromodelo,verifica-semaiorfre-quênciaentreosparticipantesde16anos(10deles-25%)doqueentreosde14anos(oitodeles-20%)ou12anos(quatrodeles-10%).Nessemodeloverifica-se,também,12 respostas femininas (20%)e10 respostasmasculinas(16,7%).

Osmodelosnosquaisasagressõessofridaspelaprota-gonistaparecemnãoserconsideradas (Modelos3,4e5)somam48participantes(40%dototaldaamostra).Aquelesqueencaramoconflitocomopequenos problemas de uma relaçãoesugeremqueLauraconversecomBrunoemante-nhaarelação(Modelo3)somam24participantes(20%daamostra),sendomaisfrequenteentreaquelesde16anos(11deles-27,5%)doqueentreosde14anos(seisdeles-15%)oude12anos(setedeles-17,5%).OnúmerodemulheresqueaplicamoModelo3éodobrododehomens:16mulheres(26,7%)eoitohomens(13,3%deles).

Aceitar silenciosamente a situação emanter a relação(Modelo 4) foi a estratégia sugerida por 10 participantes(8,3%da amostra), com as seguintes diferenças entre asidades: trêsparticipantesde12anos (7,5%deles),quatroparticipantes de 14 anos (10%deles) e três participantesde16anos(7,5%deles),nãohavendonenhumadiferençaentreasamostrasfemininaemasculina(emcadaumadelasidentificamoscincorespostas).

Tabela 6. Distribuiçãodosparticipantesemfunçãodasidades,sexoemodelosorganizadores.

Modelos Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5 Total

IdadeSexo

12 14 16 T 12 14 16 T 12 14 16 T 12 14 16 T 12 14 16 T

Feminino 07 06 05 18 - 05 07 12 07 02 07 16 03 02 - 05 03 04 02 09 60

Masculino 14 10 08 32 04 03 03 10 - 04 04 08 - 02 03 05 02 02 01 05 60

TOTAL 21 16 13 50 04 08 10 22 07 06 11 24 03 04 03 10 05 06 03 14 120

Nota-Modelo1:maltratoeruptura;Modelo2:desavençasepossívelruptura;Modelo3:diálogoemanterarelação;Modelo4:aceitaçãosilenciosaemanterarelação;Modelo5:interessedoagressoremanterarelação.

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OModelo5,cujaorganizaçãoestácentradanosinteres-sesdoagressor,foiaplicadopor14participantes(11,7%daamostra).Verifica-semaiorfrequênciaderespostasentreosparticipantesde12e14anos(cincoeseisdeles-12,5%e15%,respectivamente)doqueentreosde16anos(trêsdeles-7,5%).Onúmerodemulheresémaiorqueodehomens:novemulheres(15%delas)ecincohomens(8,3%deles).

Discussão

Os resultados encontrados permitiram-nos constatar ariquezaeadiversidadedasrepresentaçõessubjetivascomquecadaindivíduoposiciona-sediantedaviolênciacontraamulher.Ummesmoepisódiodeviolênciafoiinterpretadodiferentementeporcadaumdosparticipantes,dependendodaperspectivanaqualaanalisaram:se“pragmática”(estratégiasderesoluçãoparaoconflito)ou“intimista”(atribuiçõesdepensamentosesentimentosaosprotagonistas).

Apesardadiversidade(esingularidade)derespostasob-tidas,identificamoscincodiferentesmodelosorganizadorescomosquaisosparticipantesanalisaramoconflitoemques-tão.Taismodelosrefletemformasdiferentesdeposicionar-sediantedaviolênciacontraamulher.Quandoaviolênciaéidentificadanomomentodeproporplanosdeação(Modelos1e2),osparticipantesimaginamumarelaçãodeoposição entreosprotagonistasedefendemquearupturaéamelhorsoluçãoparaoconflito.Quandoaviolênciaéreconhecidaapenasnaatribuiçãodepensamentosesentimentos(Mode-los3,4e5),defendemqueosprotagonistasdevemmanterarelaçãoesugeremqueentreelesexisteumadinâmicadecomplementaridade.

OsModelos1e2trazemumadinâmicanaqualaidenti-ficaçãoeorechaçodaviolênciaparecempermitiraosparti-cipantesimaginaremoagressorcomoumapessoaquequerdominarsuaparceira.Esta,porsuavez,évistacomoumapessoaquenãoestádispostaasersubmissaaele.Paraalémdereconhecerasestruturasafetivasdedomínioesubmissão,nessesmodelososparticipantesparecemnãoaceitá-las,oquelheslevaaproporarupturacomoestratégiaderesoluçãoparaoconflito.

Nosoutrosmodelos–Modelos3,4e5–,osparticipantesparecemnegar–totalouparcialmente–,algunsdadosdoconflito.As agressões sofridas pela vítima, por exemplo,sãopraticamenteignoradasnomomentoemqueelaboramas estratégiasde resolução, equandoas consideram–naatribuiçãodepensamentosesentimentos–,parecemdarmaisimportânciaàfragilidadeeinsegurançadoagressor(eaoscuidadosqueelerequer)doqueaosefeitosdesuasviolentasaçõessobreavítima.

Apercepçãodoagressorcomoumapessoafrágil,tristeeinsegurapareceabrirasportasparaaimagemdeumavítimaque,afimdeajudá-lo,aceitaserdominadae/ousubmissa.Odesejodemanterumarelaçãoamorosacomoagressorestáapoiadonaideiadequeapessoaqueatuaviolentamenteofazporumaproblemáticainterna,oque,dealgumamaneira,parecejustificarseucomportamento.Issonosaproximadahipótese que levantamos inicialmente: que o desenvolvi-mentoanômalodaéticadajustiçapodelevaraonarcisismo

eàsolidão;equeodesenvolvimentoanômalodaéticadocuidadopodelevaràperdadocontroledaprópriaexistência.

Ora, se a solidariedade tem, em princípio, um valoradaptativo(afimdefavorecerooutro),eladeixadetê-loquandoéexercidaembenefíciodoagressoreemdetrimentodorespeitoedasnecessidadesdequemsofreaviolência.Nessecaso,passaaserumcontravalorquesesustentanosprocessos inadaptáveis complementares: a criaçãode umagressornarcisistaesolitárioedeumavítimasofredora.

Nessesentido,aideiaexplicitadaporpartedosparticipan-tesdenossoestudo–dequeaviolênciasofridapelamulherpodeserevitadaseelaajudarseunamorado–pareceserumcaminhotortuoso,noqualummodelodeamorunilateral(queamulheréquemdeveamarecuidar)eaéticadocuidado(emnossaopiniãomalcompreendida)parecemdesvelarumacumplicidadeentrequemexerceequemsesubmeteaopoder.UmcaminhoquenosdistanciadarelaçãoestabelecidaporBenhabib(1992)–mencionadanoiníciodestetexto–,entreidentidade,éticaedireitoshumanos,equepressupõeintegrarautonomia e solidariedade, bem como justiça e cuidado.

Mas não podemos incorrer no risco de reduzirmos aproblemáticadaviolênciacontraamulheraumjulgamentomoral.Aajudaaoagressorsugeridapelosjovensnesteestudoreflete,também,umaarticulaçãoconfusaedesconexaentrediferentes desejos: evitar a violência; defender a relaçãoporqualquerpreço(inclusivepeladignidadeebem-estardavítima);compensarafragilidadedoagressordando-lheumasegurançaquenãopossui.

Tais desejos parecem-nos consoantes com resultadosencontradosporNarvazeKoller(2006b),emestudodecasocomumamulher-mãe,vítimadeváriasformasdeviolênciaemsuahistóriadevida.Emsuasanálises,asautorasevi-denciaramcomofatordesubmissãodessamulherarelaçõesviolentas,seudesejodeviverummodelohegemônicodefamília.Apesardenãotervividoefetivamenteummodelopatriarcaldefamília,talmodeloinfluenciousobremaneiraasrepresentaçõesdefamíliadareferidamulher,apontodelevá-laasuportare,decertaforma,“naturalizar”aviolênciaquesofreu.

Nossos resultados apontam que omodelo no qual aviolênciafoiexplicitamenteidentificadaesignificadacomomaltrato (Modelo1) foi aplicadomaispeloshomensquepelasmulheres.Umpoucomaisdametadedaamostramas-culinarecorreuaessemodeloparaanalisaroconflitoquelhefoiapresentado,enquantoumpercentualbemmenordaamostrafemininaofez.Interessantenotarqueessemesmomodelofoiaplicadomaispelosjovensde12anosdoquepelosde14ou16.Ofatoéquenossosresultadosmostramqueoreconhecimentodaviolênciasedámaisentreoshomensdoqueentreasmulheres;emaisentreosmaisnovosdoqueentreosmaisvelhos.Taisdadosparecemsinalizar,comonosadvertiuTraverso-YépezePinheiro(2005),umprocessodenaturalizaçãoeperpetuaçãodaviolênciadegêneroquesedá,entreoutrascoisas,pelareprodução,porpartedasprópriasmulheres,depadrõessexistasdesocialização.Emsuma,apartirdenossoestudopodemosponderarque:(a)ainvisibili-dadedaviolênciaresisteàstentativasdedelimitarerelacionaradequadamente as distintas vertentes do conflito.Dito deoutraforma,émaisdifícilanalisarecombateraquiloque

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Violência contra a Mulher e Representações Mentais

permanece“velado”,“obscuro”ou“confuso”doqueaquiloqueéexplicitamentereconhecido.Foioqueidentificamosaoanalisarasrepresentaçõesdejovenssobreaviolênciacontraamulher;(b)osprocessosdesocializaçãoemnossaculturasedãosobumimagináriocoletivodedomíniodoshomenssobreasmulheres.Umaordemsocialquedivideecaracterizaossujeitosemfunçãodeseugraudepodere,maisainda,que atribui a cadagrupo aquelas característicaspsíquicasnecessáriasparaquecumpram“suas”tarefassociais.

Apesar dessas ponderações, não podemos perder devistaadiversidadeesingularidadedasrepresentaçõesqueobtivemosneste estudo.Elas sãoprovada complexidadequeenvolvea temáticadaviolênciacontraamulheredanecessidadede enveredarmospor estudosquepromovamumamaiorintegraçãoentreasdimensõesafetivas,cognitivasesociaispresentesnopsiquismohumano.

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Recebido em 09.10.08Primeira decisão editorial em 24.06.09

Versão final em 14.10.09Aceito em 19.11.09 n

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120 Psic.:Teor.ePesq.,Brasília,Jan-Mar2010,Vol.26n.1,pp.109-120

V. A. Arantes & Cols.

APÊNDICE

DIÁRIO DE LAURA

Este ano eu gostei muito de uma amiga minha ter me convidado para compor a música de uma peça teatral que ela mesma escreveu. A verdade é que eu gostei mesmo foi da minha amiga ter confiado em mim.

A música me ajuda... É uma terapia você se colocar à frente do piano e ver o que sai, tocar, criar e deixar a energia sair... Depois você descansa e fica feliz! Lembrar das coisas boas vale mais que recordar as ruins, mas... Acho que os amigos, a família, o trabalho, os estudos... Tudo em geral vai indo bem.

Encontrar o equilíbrio, mantê-lo e sentir-se bem por dentro... Embora pareça um anúncio de iogurte, é o mais difícil e também a mais alegre das recompensas.

Enfim, as coisas do dia-a-dia podem ser boas ou ruins, depende de como você olha para elas. Se você faz um esforço e as vê especiais, te dá alegria e você é feliz.

Algumas vezes me pergunto: é tão difícil ser feliz?; para todos a felicidade é a mesma coisa que para mim?; dentro da felicidade há sempre um pouco de infelicidade?

Agora eu estou preocupada. Há alguns meses eu saio com um menino, Bruno, que é um pouco mais velho que eu. Nós somos amigos e eu gosto muito dele e, embora ele tenha muitas inseguranças, é inteligente e simpático.

Quando eu comecei a sair com ele eu não tinha certeza se ele realmente gostava de mim. Eu disse para ele ir a um psi-cólogo por causa de sua insegurança, e ele não levou a mal, mas eu acho que ele pensa que eu o acho frágil e essas coisas, e é assim... Às vezes eu o vejo um pouco frágil mas ele me agrada e é realmente um amigo.

O problema é que muitas vezes, quando eu faço alguma sugestão, o Bruno diz o contrário. Por exemplo, se eu quero ir para o cinema, ele diz que quer tomar alguma coisa e conversar; mas se eu quero tomar alguma coisa e conversar, o Bruno pergunta por que não vamos ao cinema. No princípio eu não percebi isto. Agora eu sei que é assim, que quase sempre ele é do contra.

Um dia eu propus que fôssemos para a casa de umas amigas que haviam alugado um filme desses que nós gostamos, e passar a tarde lá. O Bruno disse que estava com mais vontade de dar um passeio e ir tomar alguma coisa. Eu me aborreci, já estava cansada... Sempre que eu propunha alguma coisa ele não estava de acordo.

Nós saímos de mãos dadas e então eu notei que o Bruno me empurrou para cima de uma árvore. Eu tropecei e caí.Enquanto Bruno me ajudava a levantar, ele só conseguia me dizer que eu sempre andava distraída, que eu era um desastre e

que eu sempre caía. A atitude dele me magoou muito e ainda mais porque eu sabia que ele tinha me empurrado contra a árvore.Eu fiquei tão triste que o Bruno não sabia o que fazer para me agradar. Na verdade, quando eu vi todos os seus esforços

e os cuidados que estava tendo comigo, até me esqueci da minha dor. Finalmente nós fomos para o cinema e ficamos muito bem juntos.

Desde então eu via o Bruno tranquilo e muito mais seguro do que antes. Ele me disse que eu sou muito importante para ele.Eu quase tinha esquecido do rolo da árvore e estava muito confiante. Por isto me doeu o que aconteceu hoje. Tudo come-

çou quando eu disse que este fim de semana eu não poderei sair com ele porque tenho que estudar para uma prova. Eu ainda ouço os seus berros, insultos, e sinto perfeitamente o forte empurrão que ele me deu.

Dessa vez eu não caí, mas foi pior. Eu não sei o que fazer; eu não entendo como ele se atreve a me dizer coisas tão desa-gradáveis, não sei por que me empurra. Eu me pergunto se isso é alguma coisa que sempre vai acontecer entre nós.

A verdade é que eu não sei o que fazer. Eu gosto do Bruno, eu gosto da música e eu gosto de estar com os meus amigos. Mas às vezes eu fico preocupada com o Bruno. Eu me pergunto se isso é alguma coisa que sempre vai acontecer entre nós.


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