XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE E PRÉ-
ALAS BRASIL
04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI
Grupo de Trabalho: Gênero, política, feminismos e desenvolvimento
Título do Trabalho: Contextos de participação feminina na política – as prefeitas
Maria Luiza Fontenele e Luizianne Lins
Autor: Rebeca do Nascimento Coelho
Email: [email protected]
Introdução
A participação política feminina, tema da pesquisa em questão, vem
sendo bastante pesquisada nas ciências sociais, buscando compreender várias
questões entre as quais: as razões do baixo índice de mulheres filiadas aos
partidos políticos e ocupando cargos eletivos e as especificidades que haveria
ou não no comportamento político das mulheres em relação aos homens.
A pesquisa em questão foca os contextos (políticos e sociais) e as
trajetórias das duas únicas prefeitas de Fortaleza-CE, Maria Luiza Fontenele e
Luizianne Lins que apresentam características em comum em seus percursos
políticos: participaram da militância estudantil e política no Partido dos
Trabalhadores (PT); suas gestões tiveram uma avaliação negativa, tanto na
mídia quanto entre a população. Sem esquecer, contudo que a conjuntura
política, econômica e social de ambas as prefeitas têm suas especificidades e
complexidades. A escolha dessas duas mulheres foi estabelecida principalmente
a partir do cargo que ocuparam, com a preocupação de que para entender a
participação política feminina era necessário delimitar o tema, e o aspecto que
Maria Luiza e Luizianne Lins apresentarem pontos em comum em suas
trajetórias políticas e terem sido prefeitas de Fortaleza, uma capital de estado,
tornaram-se instigantes para uma apreciação mais cuidadosa.
Nas primeiras observações sobre os percursos militante-político de
Maria Luiza e Luizianne Lins pode-se perceber os riscos que Bourdieu (1996, p.
183) atenta ao trabalhar com história de vida ou biografia a partir de uma visão
de que “uma vida é inseparavelmente o conjunto dos acontecimentos de uma
experiência individual concebida como uma história e o relato dessa história”, de
que seria um todo coerente e orientado que caminharia em uma direção com
objetivos pensados (pelo sujeito-investigador e objeto-investigado)
subjetivamente e objetivamente. É nesse sentido que são compreendidas as
trajetórias de Maria Luiza e Luizianne Lins nessa pesquisa.
O texto inicia-se sobre a contextualização da participação política de
mulheres no Brasil, ressaltando a importância do movimento feminista em
âmbito nacional e estadual (no caso, o Ceará), para então realizar uma breve
apresentação da trajetória política de Maria Luiza Fontenele e Luizianne Lins e
de seus contextos eleitorais.
A participação política de mulheres no Brasil
Uma das formas de visibilidade da participação política feminina
ocorre através dos movimentos sociais, em especial, o(s) feminista(s). No Brasil,
identificados por Louro (2003) em dois momentos: o primeiro chamado de
“primeira onda” ocorrida na passagem do século XIX para o XX, que propugnou
pela defesa do direito de votar e ser eleita, por reivindicações de questões
ligadas à organização familiar, às oportunidades de estudo e profissionais. A luta
pelo direito ao voto e a eleger-se permitiu às mulheres a participação na política
institucional, partidária de fato. Várias feministas destacaram-se nessa
conquista, uma das mais reconhecidas é Bertha Lutz.
Sobre esse movimento sufragista no Brasil analisa Hahner (1978,
Pag. 99):
O voto feminino era um movimento de classe média por direitos políticos, por uma reforma jurídica que garantisse o voto às mulheres que alcançassem as mesmas qualificações que os homens. Nunca foi uma tentativa de revolucionar o papel da mulher na sociedade, ou mesmo a própria sociedade.
A “segunda onda” ocorreu a partir da segunda metade da década de
60, momento no qual avultaram preocupações sociais e políticas e
desenvolveram-se construções teóricas de que resultou o conceito de gênero
em diversas obras (trabalhos acadêmicos, livros, jornais e revistas...). Esse
segundo momento, no Brasil, esteve bastante relacionado aos movimentos de
resistência a ditadura civil-militar de 1964, que após o enrijecimento do regime e
a posterior opção por parte dos militantes pela luta armada e sua considerada
derrota. Era necessária no momento a reorganização da esquerda e começava-
se a pensar na elaboração em um projeto feminista.
Godinho (2004, Pag. 149) sobre o papel do movimento feminista dos
anos 1970 em questionar a subordinação feminina e a relação desse movimento
no Brasil com acontecimentos internacionais, afirma:
Ainda que a formalidade da cidadania política por meio do voto tenha sido conquistada pelas mulheres brasileiras em 1932, sua presença como sujeito político coletivo, que reivindica autonomia individual e direitos iguais em vários âmbitos, que questiona a subordinação familiar e individual aos homens, só emergiu com o surgimento de um movimento de mulheres com caráter feminista a partir dos anos 1970, no bojo de um processo internacional de ressurgimento do movimento, marcado por mudanças na área do trabalho, na educação, no acesso à anticoncepção e por enormes mudanças culturais pressionadas por fortes movimentos sociais e culturais.
Ressalta-se que o movimento feminista decorre de várias correntes,
apresentando ambiguidades e variedade de questões (bandeiras) e formas de
lutas diversificadas. Nos dias atuais continua levantando questões pertinentes às
mulheres, fazendo parte dos debates assuntos como aborto, reforma política
(visa a ampliar as cotas femininas, além de outras prerrogativas), violência
contra mulheres, cuidados com a saúde feminina, questões acerca da
sexualidade. Regina Pinto (2003) afirma que a partir da década de 1990 passou
a existir um feminismo ainda mais difuso, mais corretamente denominado de
feminismos, muito atrelado às ONG’s (Organizações Não Governamentais).
A publicação Cadernos Feministas de Economia & Política***
(Feminismo no Nordeste) traz análises e resgata a trajetória do movimento
feminista no Nordeste. Detendo-se no estado do Ceará, a economista doméstica
Gema Esmeraldo, recupera a história de mulheres que ousaram questionar as
relações entre feminino e masculino em suas épocas, ainda bastante distante do
período em que houve o movimento sufragista e o feminista da década de 1970.
São mulheres como Bárbara de Alencar (1765-1832) - que se destacou nas lutas
pela independência e contra a monarquia; Jovita Alves Feitosa (1848-1867) -
lutou para participar da Guerra do Paraguai, mas teve seu pedido negado pela
justificativa da incompatibilidade do sexo feminino com a atividade militar; Maria
Tomásia Figueira Lima (1826-1902 ou 1903) – participou do movimento
abolicionista; Francisca Clotilde Barbosa Lima (1862-1935) – escritora e
professora da Escola Normal percebe na educação uma maneira de transformar
a realidade feminina. Luizianne Lins homenageou-a denominando o órgão da
prefeitura responsável pela investigação da violência doméstica e sexual com o
seu nome, uma forma de resgatar a história de mulheres, como Francisca
Clotilde, que questionaram os padrões culturais de suas épocas; Alba Valdez
(1874-1962) – escritora, fundou em 1904, a A Liga Feminista Cearense, primeiro
grupo literário feminino do Ceará, primeira mulher a ingressar na Academia
Cearense de Letras, aliando escrita e política, refletiu sobre e defendeu
melhores condições sociais, culturais e políticas para as mulheres e Henriqueta
Galeno (1887-1964) – escritora, primeira bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito do Ceará, participou do 1º Encontro da Federação pelo Progresso
Feminino, federação dirigida por Bertha Lutz em que defendeu a liberdade
profissional e participação política da mulher.
Esse momento da história do Ceará resgatado por Esmeraldo (2006)
demonstra a importância da Escola Normal que formava professoras, o que
representava uma inserção no mercado de trabalho e o papel da escrita como
meio de ingressar em lugares considerados masculinos nessa época, como os
jornais e as academias de letras. A autora ressalta a ausência de documentos1
históricos sobre alguma participação pública de mulheres no Ceará no período
posterior à promulgação do voto feminino. No período de 1946 a 1986, os
documentos referem-se a uma única mulher, Maria Luiza Fontenele.
1 Esmeraldo (2006) não cita os locais em que ela pesquisou tais documentos.
Maria Luiza e Rosa da Fonseca2 são citadas no texto de Esmeraldo
(2006) com participação no movimento ligado à bairros populares aliados aos
movimentos estudantil, ligado à Igreja Católica, através da Teologia da
Libertação. Sobre a participação política feminina no Ceará ligado ao movimento
de resistência ao regime militar, a autora ressalta a relação com o marxismo e a
falta de um projeto feminista, como citado mais acima, após a considerada
derrota desse projeto de luta democrático-socialista no Brasil, há uma
reelaboração das reivindicações e firma-se um movimento feminista
propriamente dito no País.
As mulheres cearenses que emergem numa ação política a partir da década de 1960 iniciam-se no movimento universitário e estudantil, nos movimentos de bairro e na militância política em partidos e grupos de esquerda numa clara ação de luta pela democratização do País. Não há por parte dessas mulheres a compreensão e o reconhecimento da opressão à mulher e das lutas pela transformação das condições de desigualdade da mulher e das lutas pela transformação das condições de desigualdade da mulher na sociedade. A matriz teórico/prática que orienta essas lutas é a marxista, é a luta de classes. E qualquer ação que possa anunciar desigualdades no interior da própria classe é compreendida como fragmentadora e divisionista para a unidade de classes. Esmeraldo (2006, Pag. 39)
Helena Serra Azul, militante cearense na época da ditadura militar,
reforça a afirmação de Esmeraldo (2006):
Então não havia um movimento feminista como a gente entende isso vem depois. O primeiro movimento feminista que eu acompanhei foi quando eu cheguei de São Paulo por volta de 1980, mas eu já não estava no M.E, já estava formada. Eu participei do movimento de mulheres. Eu acho inclusive é mais uma visão pessoal minha eu acho que é importante o movimento feminista a história da discussão do papel da mulher, mas tem que cumprir o papel social também, eu vi isso em São Paulo.3
O movimento feminista no Ceará consolida-se na década de 1980
com a criação da União das Mulheres Cearenses (UMC) que pretendia discutir a
2 Rosa da Fonseca, militante estudantil com papel de liderança na resistência ao regime
militar. Até hoje militar com Maria Luiza no grupo Crítica Radical.
3 Entrevista cedida a mim em outubro de 2010.
discriminação feminina, o machismo e a sexualidade sob a liderança de Maria
Luiza e Rosa da Fonseca. Em 1982, um grupo dissidente cria o Centro Popular
da Mulher (COM), houve uma disputa no movimento polarizada pelo PT (Partido
dos Trabalhadores) e PCdoB (Partido Comunista do Brasil). Na década de 1990,
marcou pela sistematização da organização de atividades relacionadas ao Dia
Internacional da Mulher. Com a movimentação para a participação da IV
Conferência Mundial da Mulher (1995) criou-se o Fórum de Mulheres Cearenses
(FMC) e mais recentemente em 2005, Esmeraldo (2005) cita a criação da
Marcha das Mulheres.
Desafios continuam presentes no que tange a presença de mulheres
na política, principalmente no Brasil. Não esquecendo, porém de que mudanças
vêm ocorrendo, a presidência da República está ocupada por Dilma Roussef 4
que para Navarro (2011), ela consegue transpor imagens relacionadas ao
feminino, presentes em sociedades como a nossa e afirma um lugar de ação e
também de poder:
Dilma Rousseff contorna estas características. É um sujeito social de ação, um sujeito político, no amplo leque de significados desta palavra: sua imagem é de força, de autoridade, o governo lhe é habitual, sua voz é grave e intensa, espelha a diversidade do ser mulher. Modifica a imagem do feminino e ao se afirmar como mulher, várias vezes, apresenta um modelo em que as mulheres podem se identificar, cujo lugar de fala e de ação é de poder.
Além dos movimentos sociais em que as mulheres ao longo da
história vem desempenhando papéis importantes, há a política institucional, na
qual as mulheres foram de início absolutamente relegadas, mas que com as
reivindicações feministas, sobretudo, alcançaram a possibilidade de votar e
serem eleitas. No entanto, continuam em diversos países, apresentando-se
como fenômeno no qual poderíamos chamar de universal, uma minoria nas
esferas institucionais e de decisão política.
4 Apesar de que havia uma “sombra” masculina por trás da candidatura de Dilma, o marketing
em volta da figura política de Lula foi relevante para sua vitória como analisa Navarro (2011) em http://www.tanianavarroswain.com.br/brasil/dilma.htm, acesso em 12/08/2011.
Maria Luiza Fontenele
Maria Luiza Fontenele é uma militante aguerrida mesmo após deixar
a política institucional. Atualmente prega o voto nulo e falência do sistema
capitalista, permanece nos movimentos sociais, liderança do peculiar grupo
Crítica Radical, em que milita com companheiros de longa data, mas que
também agrega novos militantes, esses são alguns aspectos da trajetória
recente da primeira prefeita de capital de estado no Brasil5.
Maria Luiza Fontenele nasceu no Quixadá, sertão central do Ceará,
em 1942. Participou ativamente do Movimento Feminino pela Anistia, que se
destacou na luta pela anistia e volta dos exilados do Brasil durante a abertura e
fim do regime militar. Em 1978, foi eleita vereadora. Participou do movimento
feminista, no qual fundou a União das Mulheres Cearenses e integrou o Fórum
Estadual de Mulheres. Maria Luiza candidatou-se a prefeita em 1985, nas
primeiras eleições municipais pós regime militar. Enfrentou como adversários
Lúcio Alcântara, Paes de Andrade, Humberto Beviláqua, Tarciso Leite, Antônio
Morais e uma outra mulher Moema Santiago.
Uma primeira pesquisa está sendo realizada nos jornais O Povo e
Diário do Nordeste e perceber-se algumas características desta eleição. O que
era repassado nesses jornais era uma polarização da disputa entre os
candidatos Paes de Andrade e Lúcio Alcântara. Moema São Tiago colocava-se
como representante do partido, no caso, o PDT (Partido Democrático
Trabalhista), após entrar na disputa quando o outro candidato deputado Manoel
Arruda renunciou à candidatura para apoiar Paes de Andrade, retornando ao
PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Um perfil político da
candidata é traçado nos jornais: nasceu no Rio de Janeiro, foi fundadora
nacional e local (Ceará) do PDT, atuou na década de 1960 no movimento
estudantil, foi exilada, fundadora e coordenadora do Comitê Pró-Anistia em
5 Outra prefeita foi eleita, Gardência Gonçalves, no mesmo ano no Maranhão.
Lisboa. Ou seja, penso que ela poderia ter apresentado uma candidatura no
nível da Maria Luiza, se o partido tivesse se organizado nesse sentido.
O questionamento central dessa pesquisa é em relação aos aspectos
de gênero representados nas campanhas de Maria Luiza e Luizianne Lins. Após
essa primeira pesquisa nos jornais citados percebo algumas “pistas” de como o
fato dessas candidatas serem mulheres resultou em diferenciações nas suas
campanhas. Qual a imagem veiculada4 a elas que reforçam ou não os papéis de
gênero na sociedade ocidental?
Um recurso jornalístico imagético são as charges, no jornal O Povo o
responsável por elas nas campanhas de 1985 e no Diário do Nordeste em 2004
(primeira candidatura de Luizianne) era o Sinfrônio. Ao observar as imagens
caricaturais de Maria Luiza há uma evidente discordância com a imagem
repassada pela própria candidata. As charges de Sinfrônio apresentam uma
mulher com um vestido decotado e batom vermelhos, ou na maioria das vezes
com um vestido mesmo que não seja vermelho. No entanto, Maria Luiza em
nenhum momento nas fotografias veiculadas nos jornais aparece usando
qualquer vestido, usa na maioria das vezes calças largas, camisas de botão ou
camisetas de malha. Há uma clara contradição nesse aspecto aqui ressaltado
que veicula uma imagem do feminino que não está consoante com o que a
própria candidata portava. Moema São Thiago também é representada com
vestidos, ela sempre usava uma flor no ombro e essa flor também é ressaltada
em suas caricaturas apresentando-se como marca da candidata.
Com o desenvolvimento da campanha a disputa acirrou-se entre Paes
de Andrade e Maria Luiza que saiu vitoriosa. Imagens foram reforçadas nesse
momento: palavras como guerreira, força, decisão são usadas para caracterizá-
la. As imagens abaixo, retiradas do jornal O Povo ilustram o foi ressaltado acima.
Fig. 1 – O Povo, 07/11/1985
Fig. 2 – O Povo, 13/11/1985
Luizianne Lins
Luizianne Lins, atual prefeita de Fortaleza nasceu em 1968, graduou-
se em jornalismo pela Universidade Federal do Ceará, lecionou em colégios e
no curso da Comunicação da UFC, da qual está licenciada. Sua militância
política tem destaque ao ingressar na faculdade, militante do PT (Partido dos
Trabalhadores), filiada desde 1989. Exerceu a presidência do CA (Centro
Acadêmico) e do DCE (Diretório Central dos Estudantes), em 1990 e 1992,
respectivamente, também atuou como diretora da UNE (União Nacional dos
Estudantes).
Candidatou-se em 1996 a vereadora e reelegeu-se em 2000; em
2002 elegeu-se deputada. Em 2004, enfrenta várias dificuldades para
candidatar-se a prefeita, parte de dirigentes do PT queriam uma candidatura de
esquerda unificada, representada por Inácio Arruda, enquanto outros apoiavam
Luizianne Lins, ela venceu a disputa e saiu candidata. Inicialmente em quarto
lugar nas pesquisas de intenção de voto, em que competia nos primeiros
lugares, o citado Inácio Arruda, Moroni Torgan e Antônio Cambraia.
Após uma das eleições mais “embolada” dos últimos tempos como é
tratada nos jornais o pleito de 2004, foram para o segundo turno Luizianne Lins
e Moroni Torgan. Houve então o apoio do PT à Luizianne que inicialmente tinha
sido melindroso. A manchete do jornal O Povo de 6 de outubro de 2004:
“Segundo turno une PT e Luizianne”. O PCdoB de adversário também saiu em
apoio a candidatura do PT, mesmo que ressentido da derrota.
A imagem da mulher no espaço político é muitas vezes retratada
como citado anteriormente, referindo-se à Dilma Roussef, como que ‘objetivado’6
por parte dessas mulheres uma autoridade afirmada com base na
6 Muito mais do que simplesmente uma busca é uma tentativa de ser aceito em um meio muito
demarcado, com suas lógicas, regras e implicações próprias e desconhecidas de quem não participa desse espaço.
masculinidade, dessa forma, há muitos boatos, por exemplo, acerca da
sexualidade de Luizianne Lins. Uma das polêmicas que envolveu essa
candidatura foi a proposta do PT de incluir no currículo escolar a temática da
educação sexual que gerou por parte do Moroni várias declarações de teor
preconceituoso.
Luizianne apesar de também enfrentar problemas em seu primeiro
mandato, conseguiu reeleger-se. No entanto, segue sua gestão com bastante
impopularidade, a revista Veja publicou em 2011, matérias denunciando mau
uso do dinheiro público, irregularidades em algumas obras. A prefeitura têm
obras que se arrastam desde seu primeiro governo, como é o caso do Hospital
da Mulher. Todos os anos na temporada de chuva ocorrem além das inundações
nas áreas de riscos, a proliferação de ‘buracos’ nas ruas que se são grandes
problemas a todos.
Em relação a imagem repassada pelos meios de comunicação de
Luizianne foram ressaltados por exemplo, o cuidado com o filho mesmo com as
responsabilidades políticas. Tanto Maria Luiza quanto Luizianne foram retratadas
durante momentos de vaidade, penteando os cabelos, retocando maquiagem. A
imagem a seguir ilustra tal representação.
Fig. 3 – O Povo, 02/08/2004
Algumas considerações
A presente pesquisa baseia-se nos estudos de gênero que têm desde
seu início reivindicado legitimação no espaço acadêmico, a história das
mulheres não pode ser analisada apenas pelo viés feminista. Conhecer essa
história ou entender que as mulheres são também responsáveis pelas
transformações nas sociedades não é suficiente, analisar como as relações de
gênero são organizadas socialmente e que sentido é dado historicamente a essa
organização, são desafios aos pesquisadores, impulsionados a partir da
categoria analítica gênero.
Os estudos de mulheres desenvolveram-se, sobretudo a partir da
década de 1970 quando pesquisadores de várias áreas buscaram trazer para
suas pesquisas esse objeto até então posto de lado. Com o desenvolvimento
dos estudos percebera-se que a questão da mulher perpassava vários âmbitos
tais como de etnia, classe social, política entre outros, o que contribuiu para o
surgimento de uma categoria analítica, gênero. Joan Scott (1995), explica essa
categoria como “organização social da relação entre sexos”. Scott (1995) ao
tratar da questão de gênero e política afirma:
A política constitui apenas um dos domínios onde o gênero pode ser utilizado para a análise histórica. Eu escolhi por duas razões os seguintes exemplos ligados à política e ao poder no seu sentido mais tradicional, isto é, no que diz respeito ao governo e ao Estado-Nação. Primeiro, porque se trata de um território praticamente inexplorável, já que gênero foi percebido como uma categoria antitética aos negócios sérios da verdadeira política. Depois, porque a história política – que ainda é o modo dominante da interrogação histórica – foi o bastião da resistência à inclusão de materiais ou de questões sobre as mulheres e o gênero.
A participação feminina na política vem sendo bastante pesquisada
nas ciências sociais, buscando compreender as razões da “invisibilidade” de
mulheres nesse âmbito, principalmente quando se trata do acesso institucional,
participação em partidos e ocupação de cargos políticos. Estudos7 mostram que
mesmo quando a mulher atinge esses cargos, suas funções ficam ligadas às
políticas do desvelo (assistência) e aos homens estão destinadas às políticas de
interesses, no caso, as mais valorizadas; pesquisadores também têm se
debruçado sobre a eficiência das cotas para viabilizar maior número de
mulheres em cargos e nos partidos.8
7 MIGUEL, Luis Felipe. Política de interesses, política de desvelo: representação e “singularidade
feminina”. Revista Estudos Feministas. Vol. 1. 2001. P. 253-267.
8 ARAÚJO, Clara. Partidos políticos e gênero: mediação nas rotas de ingresso das mulheres na
representação política. Revista de Sociologia e Política, jun.; n. 24. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Brasil. P. 193-215.
Os chamados gender studies trouxe para a Academia esse sujeito
feminino, inicialmente considerado vitimado dessa conjuntura de dominação
masculina, mas compreendido mais recentemente como sujeito ativo no
desenvolvimento das sociedades9. Abordou como questionamento central o
porquê das diferenças sexuais entre homens e mulheres justificarem
desigualdades na maneira de organização dessa relação. Esses estudos
ligados, sobretudo, ao chamado movimento feminista acadêmico, trouxe
questões do âmbito privado para o público: a violência doméstica; discussões de
legalização do aborto; trabalho doméstico não remunerado e atualmente
consequente “dupla” jornada feminina entre outras várias questões antes
consideradas do espaço doméstico, pessoal e privadas.
As trajetórias, os contextos, a atuação política de Maria Luiza e
Luizianne são muito ricas para a abordagem de gênero e política. É, sobretudo
interessante como essas duas mulheres conseguiram ocupar um cargo de
prefeitura de capital, mesmo que houvesse conjunturas que poderiam ser
percebidas como não favoráveis a ambas.
Portanto, nesse viés dos estudos de gênero, que entendem as
mulheres como sujeitos ativos dos processos sócio históricos, essas duas
mulheres representam a possibilidade de ascensão nos espaços da política.
Ambas as prefeitas após a vitória nas urnas tiveram que lidar com certa rejeição
às suas atuações. Maria Luiza dependia na época de decisões estaduais e
federais para tomar atitudes e viu o problema com a coleta de lixo gerar grandes
transtornos à população e à sua gestão. Luizianne Lins no seu segundo
mandato tem enfrentado rejeição da população e recebido várias críticas. Várias
obras prometidas não foram concluídas. Neste ano de eleições municipais
Luizianne Lins enfrenta as prévias das candidaturas e conseguiu lançar seu
9 MATOS, Maria Izilda S. Por uma história da mulher. Bauru: EDUSC, 2000.
candidato, Elmano de Freitas, foi um dos secretários da educação de sua
gestão. Desafios apresentam-se a prefeita tanto nessas eleições quanto ao seu
futuro político.
Referências
ARAÚJO, Clara. Partidos políticos e gênero: mediação nas rotas de ingresso das mulheres na representação política. Revista de Sociologia e Política, jun.; n. 24. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Brasil. P. 193-215;
Cadernos Feministas de Economia & Política Recife: Casa da Mulher do Nordeste, n. 3, 2006;
BARREIRA, Irlys. Imagens Ritualizadas: apresentação de mulheres em cenários eleitorais. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; Campinas: Pontes Editores, 2008;
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, J; FERREIRA, M.M. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1996;
GODINHO, Tatau. Democracia e Política no Cotidiano das Mulheres Brasileiras. In: VENTURI, G.; RECAMÁN, M.; OLIVEIRA, S. de (org.). A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004;
HAHNER, June. Um apelo ao voto feminino. In: ___. A mulher no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976;
LOURO, Guacira L. A emergência do gênero. In: ___. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2003;
MATOS, Maria Izilda S. Por uma história da mulher. Bauru: EDUSC, 2000
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003;
SWAIN, Tania Navarro. Uma mulher na Presidência: imaginário e representação social. Brasilia: Universidade de Brasília, 2011 (nota) http://www.tanianavarroswain.com.br/brasil/dilma.htm, acesso em 12/08/2011;
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html. Acesso em 13/09/2009.