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122 Jim Collms bem, quero que todos fiquem de pé e façam um minuto de silêncio." Todos olharam em volta, se perguntando o que Darwin estaria preparando. Será que alguém tinha morrido? Então, após um momento de confusão, todos ficaram de pé e olharam para os próprios pés, em silêncio e reverência. Após uma pausa calculada, Smith olhou para o pessoal e disse, em tom sombrio: "Este foi o nosso minuto de silêncio pela Procter & Gamble." O salão explodiu. Blair White, diretor que testemunhou o incidente, contou: "Ele conseguiu envolver todo mundo nisso, o pessoal de cima e o de baixo, até o chão-de-fábrica. A gente ia derrotar Golias!" 50 Mais tarde, Wayne Sanders (o sucessor de Smith) nos des- creveu o imenso benefício que foi concorrer com a melhor: "Poderíamos ter um adversário melhor do que a Procter & Gamble? De jeito nenhum. Digo isto porque nós respeitamos demais essa empresa. Eles são maiores do que nós. São muito talentosos. São excelentes em marketing. E derrotam sem dó nem piedade todos os seus concorrentes, exceto um: a Kimberly-Clark. Esta é uma das coisas que nos deixam tão orgulhosos." 51 As reações diferentes da Scott Paper e da Kimberly-Clark diante da Procter & Gamble nos levam a um ponto crucial. Na hora de enfrentar a dura realidade dos fatos, as empresas "feitas para vencer" se tomaram mais fortes e flexíveis, não mais fracas e desanimadas. Existe uma sensação de plenitude que vem do ato de encarar de frente as verdades e dizer: "Nunca vamos desistir. Nunca vamos capitular. Pode levar um tempo enorme, mas nós vamos encontrar um jeito de vencer." Robert Aders, da Kroger, resumiu isso perfeitamente no final de sua entrevista, ao descrever a psicologia da equipe da Kroger enquanto enfrentava a assustadora tarefa, que durou vinte anos, de virar metodicamente pelo avesso todo o sistema da empresa. "Havia uma

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bem, quero que todos fiquem de pé e façam um minuto de silên-cio." Todos olharam em volta, se perguntando o que Darwin estaria preparando. Será que alguém tinha morrido? Então, após um momento de confusão, todos ficaram de pé e olharam para os pró-prios pés, em silêncio e reverência. Após uma pausa calculada, Smith olhou para o pessoal e disse, em tom sombrio: "Este foi o nosso minuto de silêncio pela Procter & Gamble."

O salão explodiu. Blair White, diretor que testemunhou o inci-dente, contou: "Ele conseguiu envolver todo mundo nisso, o pessoal de cima e o de baixo, até o chão-de-fábrica. A gente ia derrotar Golias!"50 Mais tarde, Wayne Sanders (o sucessor de Smith) nos des-creveu o imenso benefício que foi concorrer com a melhor: "Po-deríamos ter um adversário melhor do que a Procter & Gamble? De jeito nenhum. Digo isto porque nós respeitamos demais essa empresa. Eles são maiores do que nós. São muito talentosos. São excelentes em marketing. E derrotam sem dó nem piedade todos os seus concorrentes, exceto um: a Kimberly-Clark. Esta é uma das coisas que nos deixam tão orgulhosos."51

As reações diferentes da Scott Paper e da Kimberly-Clark diante da Procter & Gamble nos levam a um ponto crucial. Na hora de enfrentar a dura realidade dos fatos, as empresas "feitas para vencer" se tomaram mais fortes e flexíveis, não mais fracas e desanimadas. Existe uma sensação de plenitude que vem do ato de encarar de frente as verdades e dizer: "Nunca vamos desistir. Nunca vamos capitular. Pode levar um tempo enorme, mas nós vamos encontrar um jeito de vencer."

Robert Aders, da Kroger, resumiu isso perfeitamente no final de sua entrevista, ao descrever a psicologia da equipe da Kroger enquanto enfrentava a assustadora tarefa, que durou vinte anos, de virar metodicamente pelo avesso todo o sistema da empresa. "Havia uma certa dose de Churchill naquilo que estávamos fazendo. Tínhamos uma vontade muito forte de viver, a sensação de que

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nós éramos a Kroger, a Kroger estava aqui antes e vai estar aqui muito depois que nós nos formos e, por Deus, nós vamos vencer essa guerra. Nem que leve cem anos, mas nós persistiremos durante cem anos, se preciso for."52

-Ao longo de nossa pesquisa, éramos continuamente lembrados das pesquisas de "Resistência" conduzidas pelo International Committee for the Study of Victimization (Comité Internacional para o Estudo da Vitimização). Nessas pesquisas, fazia-se a análise de pessoas que haviam sofrido sérias adversidades - pacientes de câncer, prisioneiros de guerra, vítimas de acidentes etc. - e sobrevi-veram. As pesquisas detectaram que essas pessoas, em geral, se enquadravam em três categorias: aquelas que foram permanente-mente derrotadas pelo fato, aquelas que retomaram sua vida normal e aquelas que utilizaram a experiência como um divisor de águas, que as tornou mais fortes.53 As empresas que passaram de boas a excelentes eram exatamente iguais às pessoas do terceiro grupo, em relação ao "fator de resistência".

Quando a Fannie Mae iniciou sua transição, no início da década de 1980, quase ninguém apostou em sucesso, quanto mais em exce-lência. A Fannie Mae tinha US$56 bilhões investidos em empréstimos que davam prejuízo. Recebia em média 9 por cento de juros em sua carteira hipotecária, mas tinha de pagar até 15 por cento em cima do débito que ela gerava. Multiplique essa diferença por US$56 bilhões e obterá um número negativo muito grande! Além do mais, por força da concessão, a Fannie Mae não podia diversificar fora da atividade hipotecária. A maioria das pessoas considerava a Fannie Mae totalmente à mercê das flutuações na taxa de juros- se sobem, a Fannie Mae perde; se caem, a Fannie Mae ganha - e muitos acreditavam que a empresa só poderia ter sucesso se o governo interviesse para baixar as taxas de juros.54 "É a única espe-rança", comentou um analista.55

Mas não foi assim que David Maxwell e sua equipe viram a situa-ção. Eles nunca titubearam em sua fé e enfatizaram sempre, em suas entrevistas conosco, que sua rneta nunca foi simplesmente sobreviver, mas triunfar, no final, como uma excelente empresa. Sim, a taxa de juros era uma dura realidade, que não iria desaparecer num passe

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de mágica. A Fannie Mae não tinha escolha senão tornar-se o melhor player do mercado de capitais do mundo no gerenciamento das taxas de risco de hipotecas. Maxwell e sua equipe trabalharam para criar um novo modelo de negócios, que dependia menos das taxas de juros, e que envolvia a invenção de instrumentos muito sofisticados para financiamento de hipotecas. A maioria dos analistas respondeu com escárnio. "Quando você tem US$56 bilhões empatados em empréstimos inadimplentes, falar sobre um novo programa é piada", declarou um deles. "É como se a Chrysler (que na época pedia garantias do governo para empréstimos, para evitar a falência) decidisse começar a fabricar aviões."56

Após concluir minha entrevista com David Maxwell, perguntei como ele e sua equipe lidaram com os pessimistas durante aquele período negro. "Internamente, esse nunca foi um assunto a ser tra-tado", observou ele. "E claro que tivemos de parar de fazer uma série de besteiras, e tivemos de inventar um conjunto inteiramente novo de instrumentos financeiros. Mas jamais consideramos a pos-sibilidade de fracasso, íamos usar a calamidade como uma oportu-nidade de reconstruir a Fannie Mae e transformá-la numa empresa que primasse pela excelência."57

Durante uma reunião de pesquisa, uma das integrantes da equipe comentou que a Fannie Mae lhe fazia lembrar uma antiga série da TV, "O Homem de Seis Milhões de Dólares", com Lee Majors. O tema da série é um astronauta que sofre um violento choque enquanto testava um veículo para aterrissagem lunar num deserto no sudoeste dos Estados Unidos. Em vez de simplesmente tentar salvar o paciente, os médicos o redesenharam completamente e fizeram dele um cyborg super-humano, instalando instrumentos robóticos movidos a energia atómica, tais como um poderoso olho esquerdo e membros mecânicos.58 Da mesma forma, David Maxwell e sua equipe não usaram o fato da Fannie Mae estar sangrando e à beira da morte como pretexto para simplesmente rees-truturar a empresa. Usaram-no como uma oportunidade para criar algo mais forte e mais poderoso. Passo a passo, dia a dia, mês a mês, a equipe da Fannie Mae reconstruiu todo o modelo do negócio em torno da gestão de riscos e remodelou a cultura corporativa, trans-

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formando-a numa máquina de elevado desempenho, que rivalizava com qualquer empresa financeira de Wall Street - e que, ao final, veio a gerar um retorno acionário quase oito vezes maior que o mercado, ao longo de quinze anos.

O PARADOXO STOCKDALE

É claro que nem todas as empresas que fizeram a transição de boas a excelentes enfrentaram uma crise tão terrível quanto a da Fannie Mae. Mas todas elas passaram por consideráveis reveses, de um tipo ou de outro, em sua trajetória para a excelência: a Gillette e as batalhas das ofertas de compra, a Nucor e as importações, a Wells Fargo e a desregulamentação, a Pitney Bowes e a perda do monopólio, os Abbott Labs e um enorme recall de produtos, a Kroger e a necessidade de substituir quase 100 por cento de suas lojas, e assim por diante. Em todos os casos, a equipe gerencial reagiu com uma poderosa dualidade psicológica: de um lado, aceitaram estoicamente a realidade nua e crua. Do outro, mantiveram uma fé inabalável no jogo final - e o compromisso de triunfar como uma empresa excelente, a despeito da dura realidade dos fatos. Decidimos chamar essa dualidade de "Paradoxo Stockdale".

O nome se refere ao almirante Jim Stockdale, que foi o militar americano de mais alta patente a viver no campo de prisioneiros de guerra "Hanoi Hilton", no auge da Guerra do Vietnã. Torturado mais de vinte vezes em seus oito anos de cativeiro, de 1965 a 1973, Stockdale viveu a guerra sem qualquer direito de prisioneiro, sem data para ser libertado e sem qualquer certeza se sobreviveria para reencontrar sua família. Ele tomou sob seus ombros a responsabilidade de comando e fez tudo o que pôde para criar condições que aumentassem o número de prisioneiros que pudessem sobreviver sem maiores danos, enquanto travava uma batalha interna contra seus captores e suas tentativas de usar os prisioneiros como instrumento de propaganda enganosa. Num determinado ponto, chegou a bater em si mesmo com um tamborete e a se cortar com uma lâmina de barbear, se ferindo de propósito, para que não pudesse ser fil-

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mado como exemplo de "prisioneiro bem tratado". Trocou infor-mações de inteligência secreta com sua esposa por meio de cartas, sabendo que a descoberta significaria fatalmente mais tortura e talvez a morte. Instituiu regras que ajudavam as pessoas a lidar com a tortura (ninguém consegue resistir indefinidamente à tortura, então ele criou um sistema escalonado - depois de "x" minutos você pode dizer determinadas coisas - que deu aos prisioneiros mais chance de sobreviver). Instituiu um elaborado sistema interno de comunicação para reduzir a sensação de isolamento que seus captores tentavam criar. O sistema utilizava uma matriz cinco por cinco de códigos de batidas para os caracteres alfanuméricos (toc-toc equivale à letra "a", toc-pausa-toc-toc equivale à letra "b", toc-toc-pausa-toc equivale à letra "f", e assim por diante, para 25 letras, e dobrando no caso do "k"). Num determinado ponto, durante um silêncio imposto, os prisioneiros usaram esfregões e panos de chão para escrever o código no pátio central, desenhando um "Nós te amamos" para Stockdale, no terceiro aniversário de sua captura. Depois que foi solto, Stockdale se tornou o primeiro oficial de três estrelas da história da Marinha a usar, juntas, as asas de aviador e a Medalha de Honra do Congresso.59

Você pode entender, portanto, a minha ansiedade diante da perspectiva da passar parte de uma tarde com Stockdale. Um de meus alunos havia escrito sua monografia sobre Stockdale, que por acaso era um dos pesquisadores seniores que estudavam os filósofos estóicos no Instituto Hoover, exatamente em frente ao meu escritório, do outro lado da rua - e Stockdale nos convidou a ambos para almoçar. Para me preparar, li In Love and War (No Amor e na Guerra), o livro que Stockdale e sua esposa haviam escrito, em capítulos alternados, com a crónica de suas experiências ao longo daqueles oito anos.

A medida que avançava no livro, percebi que estava ficando deprimido. Tudo parecia tão triste - a incerteza de seu destino, a brutalidade de seus captores e tudo o mais. De repente, algo bateu em mim: "Aqui estou eu, sentado em meu escritório aquecido e con-fortável, olhando para o belo campus de Stanford, numa bela tarde de sábado. Estou ficando deprimido ao ler isso, e eu conheço o final

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