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UNIDADE 2 – A AÇÃO E OS VALORES Capítulo 1 – A ação humana – Análise e compreensão do agir

A acção humana a sua natureza e as suas condicionantes

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UNIDADE 2 – A AÇÃO E OS VALORES

Capítulo 1 – A ação humana – Análise e compreensão do agir

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A ação humana

O QUE É UMA AÇÃO? QUE CARATERÍSTICAS DEVE TER UMA COISA PARA SER

CONSIDERADA UMA AÇÃO.

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A ação humana

Uma ação tem de ser um acontecimento.Um acontecimento é algo que se verifica num certo momento e num certo lugar. Em linguagem mais técnica, é um evento espácio-temporalmente enquadrado. Imaginemos que o João decide ir à praia. Tem de ir a uma praia situada num certo lugar – Vilamoura no Algarve, Portinho da Arrábida em Setúbal ou Praia do Castelo na Costa da Caparica – e num determinado momento ‒ normalmente no verão, de manhã ou de tarde. Ficaríamos muito surpreendidos se João dissesse que foi a uma praia em momento algum e que não ficasse em lado nenhum.

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A ação humana1 – Uma ação é um acontecimento mas nem todos os

acontecimentos são ações. Todas as ações são acontecimentos, ou seja, são coisas

que acontecem num dado momento e num certo lugar. Assim, ir à praia é um acontecimento porque vamos a uma praia num determinado local e em dado momento – normalmente no verão, de manhã ou de tarde. Mas nem tudo o que acontece é uma ação, ou seja, se todas as ações são acontecimentos nem todos os acontecimentos são ações. Um furacão é um acontecimento, mas não é uma ação.

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2 ‒ Uma ação é algo que envolve um agente mas nem tudo o que envolve um agente é uma ação.

O que distingue a proposição João foi à praia da proposição João sofreu um ataque cardíaco? A primeira proposição fala-nos de algo que alguém fez. A segunda de algo que simplesmente aconteceu a alguém. Uma ação é um acontecimento que envolve um agente (o sujeito de uma ação).

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A ação humana 3 – Uma ação é algo que um agente faz acontecer, mas

nem tudo o que fazemos é uma ação.Uma ação é algo que acontece por iniciativa do sujeito

nela envolvido. Ir à praia é algo que João faz acontecer, mesmo que não o deseje (é de má vontade que obedece àordem do pai para se juntar à família). Sofrer um ataque cardíaco é algo que acontece no organismo do João, mas não resulta de vontade sua. No primeiro caso, não diremos que João foi à praia por vontade do pai. Foi algo que ele fez. Seja qual for o motivo, por gosto ou por obrigação, ir à praia foi algo que ele fez.

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A ação humana4 – Uma ação é algo que intencionalmente fazemos com

que aconteça Imaginemos que, inadvertidamente, escorrego numa

casca de banana e acabo por entornar uma garrafa de Coca-Cola em cima do livro de um colega que estudava comigo no bar da escola. Sujar o livro do colega foi algo que eu fiz. Mas será isto uma ação? Não, porque não tive intenção de sujar o livro do meu colega, não o fiz de propósito. Estamos perante algo que eu fiz sem querer e assim sendo o livro foi estragado pelo que me aconteceu e não propriamente por mim.

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A ação humana

Definição de ação Uma ação é um acontecimento desencadeado

pela vontade e intenção de um agente. Não é um simples acontecimento, não é simplesmente algo que um agente faz, é algo que um agente faz acontecer intencional ou propositadamente.

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A ação humana

Um exemplo de açãoVou à farmácia comprar uma embalagem de

aspirinas porque me dói bastante a cabeça.A dor de cabeça é algo que me acontece, mas ir

à farmácia comprar o medicamento é algo que eu faço acontecer porque quero tratar a dor de cabeça. Vou à farmácia com esse propósito e por esse motivo.

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A rede concetual da açãoA rede concetual da ação é o conjunto de conceitos que usados nas frases que descrevem e explicam ações nos permitem compreender e explicar as ações. Os conceitos mais importantes a este respeito são conceitos como motivo, intenção, deliberação, decisão, crença, desejo e consequência.

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A ação humanaAção

Ir à farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor de cabeça.

1 – DeliberaçãoAntecede habitualmente a decisão e consiste em

ponderar diferentes possibilidades de açãoEx.: Devo ir à farmácia ou não? Será que não há alguém que possa ir por mim? A aspirina não irá fazer-me mal ao estômago? Se calhar isto passa sem tomar medicamentos, dormindo um pouco.

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AçãoIr à farmácia comprar um medicamento para

tratar uma dor de cabeça.2 – Decisão

Momento em que se escolhe uma das alternativas ou possibilidades de ação, preferindo uma delas.

Ex.: Vou à farmácia. Esta dor de cabeça tem de ser tratada com medicamento e não vou poder dormir.

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AçãoIr à farmácia comprar um medicamento para

tratar uma dor de cabeça.3 – Intenção

Trata-se do que pretendo com a ação. Neste caso, a intenção é tratar uma dor de cabeça.

Quando perguntamos «O que quer fazer aquele que age?», referimo-nos à intenção, ao que o agente pretende ser ou fazer.

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A INTENÇÃO

A intenção é o propósito ou o objectivo da ação.

Alguém escorrega e deixa cair a comida do tabuleiro em cima dos livros de um colega, danificando-os. Quem fez isto pode alegar que não tinha a intenção – que não era seu propósito ou objetivo – causar esses estragos. Se não há intenção então não há ação, não há agente.

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INTENÇÕES, DESEJOS E CRENÇAS

As intenções são estados mentais frequentemente associados a outros estados psicológicos que são as crenças e os desejos do agente. O desejo de que o meu filho aprenda inglês é condição necessária para ter a intenção de fazer tal inscrição. Mas não chega, não é condição suficiente para explicar a ação. Com efeito, há outros institutos onde inscrever o meu filho para aprender Inglês. Aqui entra em jogo outro factor psicológico: a crença ou convicção.É por acreditar que a melhor forma de aprender Inglês é inscrever o meu filho no Instituto Britânico que opto por fazê-lo em vez de o matricular noutros institutos.

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A ação humanaAção

Ir à farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor de cabeça.

4 – O motivoO porquê ou a razão de ser da ação.

«Por que razão quero ir à farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor de cabeça?» A resposta apresentar-nos-á o motivo dessa decisão, tomando-a compreensível. O motivo pode ser acabar com o desconforto físico e poder trabalhar em melhores condições.

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As condicionantes da açãoEntende-se por condicionantes da ação:

1 – Os limites que fatores internos e externos impõe à nossa ação.

2 – As possibilidades que fatores externos e internos conferem às nossas ações.

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Condicionantes físicas, biológicas e psíquicasA nossa constituição genética impõe-nos limites:

não podemos voar como algumas aves, não podemos viver dentro de água como os peixes e se nascermos com mãos pequenas e baixa estatura é quase impossível ser jogador da NBA. Mas somos dotados de inteligência e criatividade, que nos permitem voar de avião e passar bastante tempo debaixo de água.

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AS CONDICIONANTES BIOLÓGICASSomos seres com um programa genético aberto e

flexível.Programa genético aberto – Programa constituído por um

conjunto de genes que não determinam de forma absolutamente rígida caraterísticas e comportamentos.

Programa genético fechado – Programa constituído por um conjunto de instruções genéticas que controlam de forma muito rígida quase todos os aspectos do comportamento de um ser, deixando pouco espaço para que as relações com o meio exerçam a sua influência.

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Somos seres com um programa genético aberto e flexível.

Imagine que a maioria dos nossos comportamentos são biologicamente herdados, como se fôssemos abelhas. Quanto mais comportamentos herdamos por via biológica menos comportamentos podemos aprender. Sabemos que as abelhas apresentam comportamentos muito complexos mas são os únicos que pode realizar porque quase toda a sua conduta está determinada geneticamente. O ser humano não está submetido ao determinismo biológico.

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Somos seres com um programa genético aberto e flexível.Dependemos mais do que fazemos com o que nos é dado

do que do que nos é dado. A relativa indeterminação biológica, o facto de os nossos comportamentos não serem rigidamente controlados pela nossa herança genética, abre ao ser humano a possibilidade de autodeterminação, e torna-o essencialmente uma criatura social e cultural. Inacabados e desprotegidos pela natureza, cabe aos seres humanos completar o seu projeto por si próprios, usando a razão e a reflexão, que só eles têm.

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No ser humano, a adaptação cultural prevaleceu ao longo da história sobre a adaptação biológica. Graças à cultura, o homem pode adaptar-se modificando o seu próprio meio e não simplesmente ajustando-se a ele. Quando, graças à cultura, o ser humano modifica o seu meio de modo a torná-lo mais favorável no que respeita à satisfação das suas necessidades ou à sua sobrevivência, diz-se que a cultura tem uma função adaptativa. Trata-se de uma adaptação criativa e inventiva. Enquanto, por exemplo, as outras espécies animais adaptam o seu corpo ao alimento que podem consumir, o ser humano adaptou o alimento ao seu corpo e assim se tornou omnívoro.

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Não nos adaptamos a um determinado meio como uma chave se adapta a uma fechadura. Transformamos o meio mediante a nossa imaginação e as nossas capacidades de raciocínio e de reflexão. Somos «programados para aprender». Temos, em comparação com os outros animais, a possibilidade de agir segundo normas e padrões de comportamento aprendidos, de modificar as aprendizagens efetuadas. Assim, há em nós um reduzido conjunto de comportamentos de base instintiva e estereotipada.

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As condicionantes psicológicas As nossas ações também dependem das nossas

caraterísticas psicológicas. Se decido deixar de fumar, a realização dessa

decisão – a ação de deixar de fumar – vai depender em parte da minha força de vontade, capacidade de persistência e grau de motivação.

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As condicionantes socioculturaisPara aprender e desenvolver a capacidade de

adaptação, não basta um programa genético aberto ouum cérebro complexo. Isso é necessário mas não suficiente. É necessário um meio que ensine e permita aprender. Esse meio são as outras pessoas. Estas atuam sobre cada indivíduo desde que nasce – e mesmo antes. Através delas e do que transmitem e ensinam, o indivíduo biologicamente muito indeterminado quanto à sua conduta, aprenderá a comportar-se de acordo com o que o grupo social exige.

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As condicionantes socioculturaisA ação humana depende do contexto cultural e social em

que se realiza. Posso querer casar com quatro mulheres, mas as leis e

costumes do meu país não o permitem. Posso desejar ficar com todo o rendimento do meu trabalho, mas as leis em vigor exigem que pague impostos sobre rendimentos. Uma mulher poderia querer participar na vida política do seu país há 70 anos, mas não tinha como agora o direito de votar ou de ser eleita.

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As condicionantes socioculturaisA SOCIALIZAÇÃO (1)

É um constante processo de aprendizagem que nos torna relativamente sociáveis, nos integra num meio sociocultural e nos faz pertencer a vários grupos. Vários agentes sociais (família, escola, grupos de pares, meios de comunicação social e outras instituições) participam nesse longo processo de aprendizagem e de adaptação. Aprendemos a ser humanos, a viver em sociedade, a interiorizar atitudes, comportamentos, valores e normas, em suma, os elementos culturais do ambiente social em que crescemos e somos educados.

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As condicionantes socioculturaisA SOCIALIZAÇÃO (2)

Mediante esse processo, aprendemos a ler, a escrever, a falar, a distinguir alimentos comestíveis de não comestíveis e a consumi-los de certas formas. Criamos laços afetivos. Adquirimos conhecimentos sobre o mundo e sobre o que é moralmente certo e errado. Aprendemos uma profissão. Tomamos consciência de que as regras e leis a que temos de obedecer impõem limites aos nossos impulsos, mas também nos protegem dos impulsos dos outros. Compreendemos que sem um certo grau de obediência e de conformismo é necessário para uma vida social minimamente estável, que não é desejável que tudo o que é possível seja por isso mesmo permitido.

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As condicionantes socioculturaisA SOCIALIZAÇÃO (3)

Os outros exercem uma poderosa influência sobre nós, tanto mais que chegamos ao mundo completamente dependentes e sem competências para vivermos por nós mesmos. Mas será que somos o que os outros fazem de nós? Será que pessoas educadas e criadas no mesmo meio são necessariamente iguais?

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As condicionantes socioculturaisA SOCIALIZAÇÃO (4)

Socializar não é «programar socialmente» um indivíduo, como se fôssemos totalmente determinados pelo que nos transmitem. Também somos agentes da nossa própria socialização, ou seja, indivíduos socialmente ativos. Não nos limitamos a guardar o que nos é transmitido. Reagimos, protestamos, propomos mudanças, inovamos.

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As condicionantes socioculturaisA SOCIALIZAÇÃO (5)

Cada um de nós é ao mesmo tempo natureza, sociedade e cultura. Somos o que nos deram (o que herdamos por via genética), somos o que fizeram de nós (mediante a transmissão social) e somos o que fizemos e fazemos de nós (mediante as nossas experiências e o modo como reagimos à influência dos outros).

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Investigadores estudaram uma família composta por duas raparigas, um rapaz e respetivos pais. A mãe sofria de esquizofrenia paranoide, estando convencida de que um dos membros da família procurava envenená-la. Só fazia as refeições em restaurantes. Uma das filhas desenvolveu temores semelhantes, recusando-se a comer a não ser em restaurantes. A outra rapariga somente comia em casa se o pai estivesse presente. Licenciou-se e levou uma vida normal. O rapaz não padeceu destes temores familiares. Desde a idade dos sete anos sempre fez as refeições em casa não mostrando quaisquer sinais de ansiedade. Licenciou-se e seguiu uma carreira profissional bem sucedida. Pessoas que crescem em meios semelhantes desenvolvem-se de modo diferente.

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A ação humana – As suas condicionantes

Não somos simplesmente o que herdámos. Não somos simplesmente o que nos ensinaram. Não somos unicamente o resultado das nossas experiências pessoais. Somos a resposta, positiva ou negativa, a todos esses fatores. Seja qual for o instrumento e seja quem for que o dê (a genética ou a transmissão cultural), a música depende normalmente do intérprete.

MAS SERÁ QUE É MESMO ASSIM?Não estarão estas crenças erradas?