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“A escola não se pode dar ao luxo de ser permissiva, negligente,
permitindo comportamentos desviantes e criminais” 15 Fev, 2017 in Rubricas Tem a Palavra by Alexandre Henriques
Embora seja de extrema importância, urgente e bem-vinda a reestruturação
curricular, de pouco irá valer se não se apostar em soluções efetivas para pôr cobro
à indisciplina e violência escolar, se não for restabelecida a autoridade e a
valorização da escola pública e dos seus profissionais. A escola evoluiu, a
escolaridade foi alargada, multiplicaram-se os apoios, os benefícios, os pais ganharam, e
muito bem, uma posição dentro do sistema educativo, mas ao mesmo tempo, a escola
perdeu a sua identidade, diluíram-se e multiplicaram-se as suas funções e
responsabilidades, ficou refém de interesses, de “politiquices”, proliferaram as
exigências, as opiniões e filosofias individuais, transformando-se num espaço onde
quase todos em geral, têm direitos, mas aparentemente desconhecem os seus deveres.
O respeito passou a ser algo do século passado, as regras básicas de educação e de
convivialidade ficaram fora de moda, os professores viraram tarefeiros e animadores
pagos para “aturar”, a sua autoridade está minada. Os números apresentados da
indisciplina nas escolas, pelos últimos estudos, são assustadores, a insegurança faz
parte do quotidiano, e o caos que se vive em algumas escolas ou em algumas salas
de aula, está a levar, um número significativo de professores ao limite. Algumas
soluções já foram apresentadas, outras aplicadas, mas não deixam de ser insuficientes.
A redução do currículo às aprendizagens essências, a sua flexibilização e a elaboração
de um novo perfil do aluno, é um excelente passo, desde que na prática se traduzam em
tempos e espaços de aprendizagem onde o aluno possa construir o seu conhecimento,
tenha tempo para brincar, para se envolver em projetos e atividades significativas e se
identificar com a própria escola. As tutorias, embora compreenda a intenção, dado o
perfil de alunos a quem se destinam, são um desperdício de dinheiro e a sua
eficácia reduzida. São necessárias medidas adicionais e um olhar diferente para a
escola, por parte de todos os intervenientes:
O Ministério da Educação precisa de valorizar os seus profissionais, apostando num
modelo de colocação justo e equitativo, dando estabilidade às escolas;
Tem de encontrar um meio ou de descongelar carreiras ou de encontrar um modelo
remuneratório proporcional às funções desempenhadas por todos os docentes;
É necessário repensar a burocracia, definir e clarificar as funções dos docentes,
incluir outros profissionais, como psicólogos e assistentes sociais nas escolas, dotá-
las de meios materiais e de mecanismos que assegurem uma educação de qualidade
e salvaguarde a integridade física e moral de todos;
Os pais que são os primeiros responsáveis pela educação e pelo futuro dos seus
filhos, devem parar e repensar o modo como o estão a fazer. Tendo consciência que
o mundo fora dos muros da escola e do conforto das paredes de casa, é duro e difícil,
até para os mais bem preparados e capazes, qual o preço e o lugar que os vossos
filhos vão ocupar no mesmo, quando educados no facilitismo, na desvalorização e
desrespeito pelo outro e pela autoridade, no protecionismo exacerbado e no princípio
que o trabalho só deve ser feito se proporcionar alegria e de acordo com os humores
e disposições diárias? A escola não precisa de braços de ferro, mas sim de pais
exigentes, presentes e conscientes do papel que devem desempenhar dentro dela, não
só exigindo professores de qualidade, como também, perante os problemas,
ajudarem a construir soluções.
À escola cabe-lhe o papel fundamental de definir regras claras de conduta e de
funcionamento. A sua aplicabilidade e o seu cumprimento não podem depender de
diferenças individuais, de circunstâncias especiais, de interesses particulares, nem de
pequenos poderes instalados. Embora a escola reflita o meio, com tudo o que traz de
bom e de mau, seja um espaço de diversidade, tenha que conhecer e compreender os
diversos contextos e não possa ser indiferente à negligência parental, ao sofrimento e à
dor que muitos dos seus alunos transportam em si diariamente, não se pode dar ao luxo
de ser permissiva, negligente, permitindo que comportamentos desviantes e
criminais vindos do exterior, tenham continuidade e encontrem terreno fértil
dentro do seu perímetro. A escola não se pode pautar pela arbitrariedade, onde um
conjunto de alunos, aterroriza e ameaça todos à sua volta, que usa a mesma, apenas
como o restaurante onde come, o jardim onde passeia, e o local de ocupação dos seus
tempos livres. São um departamento à parte, com todos os direitos assegurados mas sem
a obrigatoriedade de cumprir os deveres correspondentes. Transformam-se na
autoridade dentro da escola e dentro da sala de aula. A impunidade em que vivem, leva
a que andem na escola até aos 18 anos, sem nunca adquirirem, no mínimo, as
competências básicas de convivência, além de criar nos restantes alunos, o sentimento
de injustiça e a ideia que as regras nem sempre precisam de ser cumpridas. A escola
deve, dentro das suas possibilidades, assegurar um futuro a estes alunos, não tendo
como o fazer, a solução terá de passar pelo Ministério da Educação, uma vez que esta
não é um centro correcional.
A escola precisa ainda de espaço para que os seus profissionais possam debater os seus
problemas, partilhem experiências, preocupações, soluções e aprenderem uns com os
outros. Os professores devem tentar pautar-se por um conjunto de regras uniformes,
para evitar a relativização das mesmas, por parte dos seus alunos. Nós não trabalhamos
numa instituição militar, é importante sermos assertivos com os nossos alunos, não
esquecer que também já o fomos e saber relevar algumas especificidades da idade. Quer
queiramos ou não, nós passamos muito tempo com os nossos alunos e servimos-lhes
também de modelo e de referência, daí a importância dos consensos, de estarmos em
sintonia. Aqueles docentes que, por falta de experiência, vivência, por feitio ou
incapacidade, têm problemas em fazer valer a sua autoridade dentro da sala de aula, têm
de procurar ajuda e formação para a aquisição desta competência. Não podem depender
diariamente da atuação do diretor de turma, nem esperar, que um presidente/diretor que
não está dentro da sala de aula, resolva todos os seus problemas.
Por último, a reputação, a credibilidade, a confiança numa escola também se mede
pela atuação do órgão de gestão. Os pais querem deixar os filhos num local seguro e
entregues a profissionais competentes. Os professores querem sentir que a sua
integridade física e emocional está assegurada, que têm apoio, que as suas preocupações
são ouvidas, que não são desautorizados e que fazem parte de um projeto educativo de
qualidade. Para isso, as escolas não podem ter professores de primeira nem de segunda,
é importante uma distribuição equitativa do serviço, rotatividade em cargos e projetos,
valorizar o trabalho feito e acima de tudo demonstrar que existe uma liderança
democrática, que se pauta pela firmeza, por regras claras, justas e aplicáveis ao
encarregado de educação, ao professor, ao aluno e ao auxiliar de educação. Vivemos
numa era tecnológica, esconder e varrer os problemas para debaixo do tapete, apenas
aumenta as suspeitas sobre a escola, dá azo ao boato e à especulação, os problemas
pequenos adquirem proporções que em nada se coadunam com a realidade. A imagem
da escola ressente-se e danifica-se a reputação de excelentes profissionais. A qualidade
de uma escola passa pela capacidade que tem de enfrentar os seus problemas e pela
eficácia das suas soluções.
Cassilda Coimbra