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A origem do penumbrismo
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A origem do penumbrismo
RODRIGO OTÁVIO FILHO
O penumbrismo encontra sua origem em um artigo que Ronald de Carvalho escreveu
sobre O jardim das confidências, de Ribeiro Couto (1921), intitulado "Poesia da
penumbra".
A súmula das idéias contidas naquele artigo foi condensada em um dos capítulos dos
Estudos brasileiros, nos quais, com certo exagero (que se justifica, uma vez que a
literatura brasileira vivia, então, uma hora de combate), Ronald afirma que no Brasil "a
poesia era pura eloqüência" e que o poeta que desejasse triunfo rápido "tinha que se
transformar num pirotécnico hábil, capaz de pôr bichas e bombas chilenas nos seus
endecassílabos, buscapés, salta-moleques nas suas redondilhas, foguetes de assobio nos
seus alexandrinos".
Felizmente, outra é a entonação de seu pensamento quando, referindo-se ao livro de
Ribeiro Couto, confessa a existência de alguns artistas bastante corajosos, que chegam a
trocar o verso reluzente e a rima fatal por uma entidade quase metafísica, desconhecida
da maioria dos nossos versejadores oficiais. São, continua Ronald, poetas tentados pela
sombra, fascinados pelo mistério. A sombra e o silêncio influenciam a verdadeira poesia
nova do Brasil, e "o brilho do mundo contingente não encontra um eco favorável. Mais
tarde, em Epigramas irônicos e sentimentais, procura dar corpo a uma nova "arte
poética", tornando-se, também, um legítimo poeta penumbrista. Abafa, então, a clara
voz, para assim cantar:
Nos jardins solitários desce a penumbra
Suavemente
Desce a penunbra nos jardins calados.
Em outro passo do mesmo livro e no mesmo tom, podemos ler:
A lua sobe na alameda.
Sons d'água, entre tons de penumbra, luxo
De folhagens, de pérolas e de seda.
E mais:
A sombra desce sobre o mundo.
A sombra é um lábio silencioso, silencioso...
Ronald de Carvalho não foi, bem sabemos, um caso isolado, pois não foram poucos os
poetas brasileiros que, durante uma certa época, andaram esquecidos de que viviam em
uma terra de sol e céu azul. E animados pelos sentimentos de uma mocidade livresca,
perguntavam à poesia: quando serás penumbra? E a ela entregaram-se de corpo e alma.
Esses dados, porém, não autorizam, como pretendem alguns, a acreditar-se na existência
de uma escola penumbrista. O que houve foi uma atitude, um movimento emocional,
uma coincidência temática, tendente a um acentuado intimismo poético, já nitidamente
manifestado em certa fase da obra de Mário Pederneiras e que pode ser definido numa
tentativa de enquadramento em nossa história literária como nítido exemplo de literatura
de transição ou intermediária. Foi uma espécie de flecha de vôo lento que, vindo de um
decadentismo um tanto mórbido, influenciada por certo nefelibatismo passageiro, e por
hermetismo que esteve em moda, atravessasse brilhantemente a zona simbolista para, ao
fim do vôo, criar e alimentar o modernismo.
Durante essa fase, com maior ou menor relevo, destacaram-se, na prosa, Gonzaga
Duque e Lima Campos, e na poesia, Mário Pederneiras, Álvaro Moreira, Filipe
d'Oliveira, Ronald de Carvalho, Guilherme de Almeida, Eduardo Guimarães, Homero
Prates, Ribeiro Couto, e mais alguns outros, entre os quais José Picorelli, que cedo se
afastou dos meios literários, escondendo, lamentavelmente, uma rara vocação de poeta.
Falta lembrar José de Freitas Vale, professor e político paulista, que, por trás do
pseudônimo de Jacques D'Avray, escreveu, em francês, poemas simbolistas e
penumbristas. Sua casa, em São Paulo, a Vila Kyrial, ficará na história literária
brasileira, e na lembrança de quantos a freqüentaram, como um dos mais célebres
redutos de reuniões dos poetas simbolistas, neo-simbolistas e penumbristas, que de
todos os quadrantes do Brasil vinham se agasalhar sob o teto da artística e movimentada
residência do poeta Jacques d'Avray, principalmente os que surgiram nos primeiros
quinze anos deste século.
Fragmento de Simbolismo e penumbrismo. Rio de Janeiro, Livraria São José, 1970,
pp.71-73.