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X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC Águas de Lindóia, SP – 24 a 27 de Novembro de 2015
Ensino e aprendizagem de conceitos científicos 1
A Teoria da Modelagem de David Hestenes: Considerações no Ensino de Física
Modeling Theory of David Hestenes: Considerations in Physics Teaching
Ednilson Sergio Ramalho de Souza Universidade Federal do Oeste do Pará
Resumo
A Teoria da Modelagem, originalmente idealizada em 1987 por David Hestenes, vem sendo
fortemente usada no ensino de física dos Estados Unidos, sendo considerada por diversos
pesquisadores norte-americanos como eficaz para a aprendizagem dessa disciplina. No Brasil,
a Teoria da Modelagem ainda não é muito conhecida entre os pesquisadores da área da
Educação em Ciências e Matemática, por isso consideramos importante divulga-la. Nosso
objetivo é apresentar um resumo da Teoria na perspectiva de vislumbra-la como quadro
teórico ao ensino de física no Brasil.
Palavras chave: teoria da modelagem, David Hestenes, método de modelagem,
ensino de física.
Abstract
Modeling Theory, originally conceived in 1987 by David Hestenes, has been heavily used in
the physics teaching of United States, being considered by several american researchers as
effective for learning this discipline. In Brazil, the Modeling Theory is not yet very well
known among researchers in the area of education in science and math, so we think it is
important to disclose it. Our goal is to present a summary of the Theory from the perspective
of envisions it as a theoretical framework of physics education in Brazil.
Key words: modeling theory, David Hestenes, modeling method, physics
teaching.
Introdução
A Teoria da Modelagem (TM) é uma teoria geral do conhecimento procedimental em
Ciências. O interesse é desenvolver uma teoria de ensino aplicável a qualquer parte do
conhecimento científico. Surgiu originalmente em 1987, idealizada pelo físico e professor
norte-americano David Hestenes e tem sido reformulada e utilizada, conforme a Associação
Americana de Professores Modeladores (American Modeling Teachers Association, AMTA),
com sucesso por diferentes pesquisadores dos Estados Unidos e também de outros países. Um
dos principais frutos da TM foi elaboração do Método de Modelagem (Modeling Method),
uma abordagem investigativa centrada em modelos que consiste em coordenar estágios gerais
de desenvolvimento de modelos com técnicas e métodos específicos de modelagem. O
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Método de Modelagem é organizado em Ciclos de Modelagem (Modeling Cicles). Os Ciclos
de Modelagem são planejados inicialmente para desenvolver modelos básicos da física, cujo
objetivo é capacitar os estudantes com técnicas e ferramentas próprias de modelagem.
Conforme os estudantes envolvem-se em Ciclos de Modelagem, eles adquirem expertise e
passam a modelar sistemas cada vez mais complexos, tais como encontramos no mundo real.
A TM tem como princípio básico que a cognição em ciências, matemática e vida cotidiana
consiste na construção e “manipulação” de modelos mentais. Os modelos mentais são
representações internas criadas na mente do sujeito. Os sistemas semióticos (símbolos,
diagramas, ícones) permitem a estruturação dos modelos mentais na forma de modelos
conceituais. Os modelos conceituais ativam e correspondem a modelos mentais de outros
indivíduos. Sendo assim, modelos mentais e modelos conceituais são conceitos fundamentais
no arcabouço teórico da TM.
Nosso objetivo é apresentar um resumo da TM e propô-la como quadro teórico para o ensino
de física brasileiro. Para isso, seremos orientados pelas seguintes questões: Quais os
pressupostos básicos da Teoria da Modelagem? Como ela pode ser implementada nas aulas de
física? Quais suas potencialidades e limitações? Em termos de procedimentos metodológicos
faremos uma pesquisa bibliográfica, cuja finalidade é identificar na literatura disponível as
contribuições científicas sobre um tema específico (MALHEIROS, 2011).
Na primeira seção apresentaremos algumas ideias básicas da TM visando destacar conceitos
fundamentais da mesma. Na seção seguinte comentaremos sobre o Método de Modelagem e
algumas possibilidades de aplicação nas aulas de física. Finalizaremos com algumas
implicações da TM para o ensino de física.
Teoria da modelagem
A Teoria da Modelagem (TM) de David Hestenes tem como tese central que a cognição em
ciência, matemática e vida cotidiana é basicamente a construção e manipulação de modelos
mentais. Ela estabelece uma íntima relação entre modelos mentais e modelos conceituais.
Modelos mentais são construções privadas na mente de um indivíduo, podem ser elevados a
modelos conceituais pela codificação estrutural em símbolos que, por sua vez, ativam e
correspondem a modelos mentais de outros indivíduos. Nesse sentido é que D. Hestenes
caracteriza a cognição em modelagem como “construção e manipulação de modelos mentais
privados” (2006, p. 45). Ressaltada a importância dos modelos mentais na TM poderíamos
perguntar: os modelos mentais realmente existem?
Hestenes argumenta que a ideia de modelo mental é inovadora e apresenta grande potencial
explicativo no campo da cognição, tal como os quarks apresentam potencial explicativo no
campo da física nuclear (HESTENES, 2010). Mesmo não podendo detectar por meio de
experimentos, os físicos acreditam na existência dos quarks devido a seu poder de
esclarecimento. Da mesma maneira, mesmo não podendo detectar modelos mentais por meio
de experimentos, podemos acreditar que eles de fato existam, dado o poder explicativo dos
mesmos no campo da cognição humana. Tendo em vista o caráter introdutório deste artigo,
não vamos nos aprofundar nesse assunto, mas queremos enfatizar a relação entre modelos
mentais e modelos conceituais como aspecto fundamental na TM. A figura a seguir explora
melhor essa relação.
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Figura 1. Modelos mentais versus modelos conceituais (HESTENES, 2006, p. 44).
Uma possível leitura da Figura 01 é a seguinte: no mundo mental predominam os modelos
mentais, caracterizados pelo conhecimento subjetivo e que possibilitam a criação de modelos
conceituais, estes caracterizados pelo conhecimento objetivo, possibilitando a compreensão
dos modelos mentais dos indivíduos. Enquanto os modelos mentais geram percepção/ação, os
modelos conceituais geram interpretação/representação de coisas e processos do mundo real.
Para explicar a movimentação expressa na figura 01, a TM foi formulada com sólida pesquisa
epistemológica, cognitiva e pedagógica, tendo como grande resultado prático no campo da
educação, o chamado Método de Modelagem (WELLS, HESTENES e SWACKHAMER,
1995; AMTA, 2014). Esse método foi concebido ao longo das diversas pesquisas que
Hestenes e seu grupo fizeram nas aulas de física dos Estados Unidos. Podemos dizer que um
dos motivos para o sucesso do Método de Modelagem é que ele leva em consideração a
relação proposta na Figura 01 entre modelo mental e modelo conceitual.
Assim como a ciência caracteriza-se pela construção e uso de modelos conceituais
compartilhados, D. Hestenes propõe caracterizar a cognição humana como construção e
manipulação de modelos mentais. Para o autor, a linguagem não se refere diretamente ao
mundo, mas a modelos mentais e componentes que temos dele. Palavras servem para ativar,
elaborar ou modificar modelos mentais, como na compreensão de uma narrativa. Deste modo,
Hestenes entra no campo da linguística cognitiva para fundamentar a TM ao afirmar que,
“esta tese rejeita toda a versão prévia da semântica, que coloca o referente da linguagem fora
da mente, em favor de uma semântica cognitiva, que coloca os referentes dentro da mente”
(2006, p. 45) (Grifos do autor).
Para entender como Hestenes define um modelo conceitual, precisamos compreender a ideia
de conceito na TM. Inspirado na noção de construção na linguística cognitiva, ele define um
conceito como um par {forma, significado} representado por um símbolo ou construção
simbólica. O significado do conceito é dado por um modelo mental ou esquema chamado de
protótipo. E a forma do conceito é a estrutura ou uma subestrutura do protótipo. Por exemplo,
o protótipo para o conceito de triângulo retângulo é uma imagem mental de um triângulo e
sua forma é um sistema de relações entre seus vértices e lados constituintes. Assim, um
modelo conceitual pode ser entendido como um conceito (ou um construto) com a condição
adicional que a estrutura do seu referente é codificada em sua representação por uma
construção simbólica, ou figura, ou alguma outra notação. Um modelo conceitual é
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caracterizado pela tríade mostrada na figura a seguir:
Figura 2. Modelo Conceitual (HESTENES, 2006, p. 46).
A figura 2 enfatiza que os símbolos para conceitos se referem a modelos mentais (ou
características deste), que podem ou não corresponder a objetos materiais. Embora qualquer
modelo conceitual seja referente a um modelo mental, o inverso não é verdadeiro. O cérebro
cria toda forma de construção mental, inclusive modelos mentais, para os quais não há
palavras para expressar. D. Hestenes chama essas construções mentais genericamente de
ideias ou intuições e podem ser convertidas a conceitos desde sejam representadas por
símbolos. “Ideias e intuições são elevadas a conceitos pela criação de símbolos para
representa-los!” (2006, p. 46) (grifos do autor).
Na ciência, os modelos conceituais são de diversas naturezas (computacionais, matemáticos,
tridimensionais, experimentais). Já vimos que na perspectiva da TM um modelo conceitual é
um objeto substituto, uma representação conceitual de uma coisa ou processo real. Os
modelos conceituais em física são principalmente do tipo modelos matemáticos, o que
significa que propriedades físicas são representadas por variáveis quantitativas dentro dos
modelos conceituais. Um modelo matemático possui quatro componentes principais: 1) Um
conjunto de nomes para o objeto e agentes que interagem com ele, bem como para qualquer
parte do objeto representado no modelo; 2) Um conjunto de variáveis descritivas (ou
descritores) representando propriedades do objeto; 3) As equações do modelo, descrevendo a
estrutura e evolução temporal e 4) Uma interpretação relativa às variáveis descritivas para
propriedades de alguns objetos que o modelo representa (HESTENES, 1987).
Há três tipos de descritores: variáveis de objeto, variáveis de estado e variáveis de interação.
As variáveis de objeto representam propriedades intrínsecas do objeto. Por exemplo, massa e
carga são variáveis de objeto para um elétron, enquanto momento de inércia e especificações
de tamanho e forma são variáveis de objeto para um corpo rígido. As variáveis de estado
representam propriedades intrínsecas de valores que podem variar com o tempo. Por exemplo,
posição e velocidade são variáveis de estado para uma partícula. Uma variável de interação
representa a interação de algum objeto externo (chamado agente) com o objeto que está sendo
modelado. A variável de interação básica em mecânica é o vetor força. Trabalho, potência,
energia e torque são variáveis de interação alternativas (Ibidem).
Argumenta D. Hestenes que interpretações são tratadas tão casualmente em livros didáticos de
física que não é surpresa encontrar estudantes confusos por causa disso. De fato, uma prática
comum entre físicos e matemáticos é identificar as equações do modelo com o próprio
modelo matemático. Isto, é claro, limita a interpretação do modelo. Mas os estudantes
precisam reconhecer a interpretação como um componente crítico do modelo. Sem uma
interpretação adequada a equação do modelo nada representa, são meramente relações
abstratas entre variáveis matemáticas. Por isso é que as equações frequentemente mostram-se
confusas aos estudantes de física, que não desenvolvem a habilidade do expert para fazer uma
interpretação automática.
Uma teoria científica pode ser considerada como um sistema de princípios para modelagem
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de objetos reais. Este ponto de vista deixa claro que o conceito de teoria pressupõe o conceito
de modelo. Uma teoria científica pode ser relacionada à experiência somente quando a
usamos para construir um modelo específico que pode ser comparado com o objeto real. As
leis de uma teoria podem ser testadas e validadas pela testagem e validação dos modelos
derivados da teoria. Uma teoria científica possui três componentes importantes: 1) Um quadro
de leis específicas e genéricas caracterizando as variáveis descritivas da teoria; 2) Uma base
semântica de regras de correspondência relacionando as variáveis descritivas às propriedades
de objetos reais e 3) Uma superestrutura de definições, convenções e teoremas para facilitar a
modelagem em uma variedade de situações (HESTENES, 1987).
O quadro de leis determina a estrutura da teoria, enquanto que a base semântica determina a
interpretação da teoria e qualquer modelo derivado dela. O quadro e a base semântica são
componentes essenciais da teoria e toda mudança significativa neles produz uma nova teoria.
Contudo, a superestrutura é subsidiária, crescendo e mudando com novas aplicações da teoria.
A ideia de uma lei científica é amplamente identificada com o conceito-chave dentro da teoria
científica, ainda que em livros-textos raramente se faça tal definição ou mesmo se distingue
claramente entre os diferentes tipos de leis. Uma lei científica é uma relação entre variáveis
descritivas que representam uma relação entre propriedades de objetos reais, por isso tem sido
validada dentro de algum domínio empírico pela testagem de modelos. A maioria das leis da
física são expressas como equações matemáticas. As leis de uma teoria são básicas ou
derivadas. As leis básicas, tais como as leis do movimento de Newton, são suposições
independentes no quadro da teoria. As leis derivadas, tais como o teorema trabalho-energia e
as leis de Galileu para a queda livre de corpos são teoremas na superestrutura da teoria
(Ibidem).
Leis genéricas definem as variáveis descritivas básicas da teoria. Leis genéricas são aplicadas
a qualquer modelo derivado da teoria, enquanto que leis específicas são aplicadas somente
sob condições especiais. As três leis de Newton são leis genéricas da mecânica clássica
definindo as variáveis básicas de massa e força. Infelizmente, livros-textos dão a falsa
impressão de que essas são as únicas leis genéricas da mecânica e deixam de salientar que a
formulação de Newton é insuficiente para definir o conceito de força completamente
(Ibidem).
Apresentamos até aqui alguns conceitos principais dentro do contorno teórico da TM.
Iniciamos o discurso enfatizando a relação entre modelos mentais e modelos conceituais na
apreensão de processos e coisas do mundo real. Destacamos que a noção de modelo mental
tem sido útil para explicar diversos aspectos da cognição humana, legitimando a existência
mesmo desse tipo de representação nas mentes das pessoas. Os modelos mentais podem ser
convertidos a modelos conceituais pela estruturação simbólica. Isso acontece cotidianamente
quando escrevemos um texto, desenhamos uma figura geométrica ou construímos uma
maquete. Na TM, a linguagem não se refere diretamente a coisas do mundo real, mas a
modelos mentais que elaboramos sobre essas coisas. Isso implica que os modelos conceituais
são úteis para ativar e “manipular” modelos mentais de outros indivíduos. Enfatizamos os
modelos matemáticos como modelos conceituais bastante comuns em física. Evidenciamos
quatro componentes importantes em um modelo matemático: conjunto de nomes para objetos
e agentes interativos; conjunto de descritores (variáveis do objeto, variáveis de estado e
variáveis de interação); um conjunto de equações do modelo e um conjunto de interpretações
dos descritores em relação ao sistema modelado. Chamamos a atenção para o fato de que
modelos conceituais fazem parte de teorias e que estas só podem ser validadas pela validação
daqueles. Esses e outros conceitos são imbricados por D. Hestenes para propor um esquema
que pode ser usado no desenvolvimento de modelos em qualquer parte da Ciência (Figura
03).
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Figura 3. Desenvolvimento Geral de Modelos (HESTENES, 1987, p. 14)
Para compreender a utilidade do esquema acima precisamos ver como coordena-lo com
táticas e técnicas específicas de modelagem. Com esse objetivo discutiremos brevemente seus
quatro estágios: (I) Descrição; (II) Formulação; (III) Ramificação e (IV) Validação. O estágio
de descrição é restringido pela escolha da teoria a ser aplicada para descrever que tipo de
objeto e propriedade pode ser modelada. O produto principal desse estágio é um conjunto
completo de nomes e variáveis descritivas para o modelo conceitual, junto com as
interpretações físicas para todas as variáveis. No estágio de formulação, as leis físicas são
aplicadas para determinar equações específicas do objeto modelado e qualquer equação
subsidiária de restrição. No estágio de ramificação, as propriedades e implicações especiais do
modelo são trabalhadas. As equações são resolvidas para determinar trajetórias com várias
condições iniciais; a dependência temporal da descrição derivada é determinada; resultados
são representados analiticamente e graficamente e então analisados. O estágio de validação é
concernente à implementação do modelo ramificado em uma situação do mundo real
(HESTENES, 1987). Falamos acima em táticas e técnicas especiais de modelagem a serem
coordenadas com o desenvolvimento geral do modelo expresso na Figura 03. O Método de
Modelagem foi elaborado para essa finalidade.
O método de modelagem
Na prática efetiva de sala de aula, o esquema para o desenvolvimento geral de modelos
(Figura 03) é coordenado aos chamados Ciclos de Modelagem resultando em um Método de
Modelagem (WELLS, HESTENES e SWACKHAMER, 1995; AMTA, 2014) que vem sendo
refinado e aplicado com sucesso no ensino de ciências estadunidense conforme informa a
Associação Americana de Professores Modeladores (AMTA). Os Ciclos de Modelagem
promovem uma compreensão integrada de processos e habilidades de modelagem. O
planejamento deles vai depender da natureza do conteúdo a ser desenvolvido. Contudo, temos
dois principais estágios: I) Desenvolvimento do Modelo e II) Implementação do Modelo.
O primeiro estágio, desenvolvimento do modelo, inicia com uma discussão inicial sobre
algum sistema a ser modelado. Na TM, um sistema consiste de um conjunto de objetos
relacionados. Os sistemas podem ser de qualquer tipo dependendo do tipo de objeto, pode ser
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um objeto em si ou um conjunto de outros sistemas. Em um sistema conceitual, os objetos são
conceitos e em um sistema material os objetos são coisas reais. Um sistema material pode ser
classificado como físico, químico ou biológico, dependendo das relações e propriedades
atribuídas aos objetos (HESTENES, 2006). Nas aulas de ciências modelam-se principalmente
sistemas materiais.
A discussão inicial sobre o sistema permite a compreensão de uma questão a ser investigada.
Em grupos, os estudantes colaboram no planejamento e condução de atividades investigativas
por meio de leituras, experimentos, cálculos visando responder à questão de pesquisa. Eles
apresentam e justificam suas conclusões de forma oral e escrita formulando modelos
conceituais para o sistema em questão. O momento de apresentação e justificativa das
conclusões dos estudantes é importante porque permite ao professor compreender os modelos
mentais que estão sendo mobilizados.
Uma maneira de potencializar o discurso dos grupos são as seções de whiteboards. Os
whiteboards podem ser considerados a “marca registrada” do Método de Modelagem e
consistem de pequenos quadros brancos portáteis de aproximadamente 80 cm x 60 cm. Eles
são dinâmicos, de fácil implementação e efetivamente favorecem a interação dos estudantes
em sala de aula. Cada grupo organiza seu modelo em um whiteboard e os apresenta para o
restante da turma. Eles servem como um foco para o relato das equipes e auxiliam nas
discussões. A comparação de whiteboards de diferentes equipes normalmente produz diversos
questionamentos. O principal ponto no uso dos whiteboards é que as discussões em classe são
centradas na visibilidade de representações simbólicas que servem como âncora para
compreensões compartilhadas (HESTENES, 2010).
Durante o segundo estágio, implementação do modelo, estudantes aplicam seus modelos
desenvolvidos em outros sistemas visando refinar e aprofundar suas compreensões. Os
estudantes trabalham sobre problemas desafiadores em pequenos grupos e então apresentam e
defendem seus resultados para a classe em novas sessões de whiteboards. Este estágio
também inclui experimentos e uso do computador (JACKSON, DUKERICH, HESTENES e
2008).
Nesse processo, termos técnicos e ferramentas computacionais de modelagem mais
sofisticadas são apresentados pelos professores conforme a necessidade para melhorar os
modelos, facilitar a atividade de modelagem e promover qualidade aos discursos dos
estudantes. A função do professor é orientar a progressão dos estudantes de modo a guia-los
nas observações, questionamentos e discussões. O professor é equipado com um inventário de
misconceptions (concepções falsas dos estudantes) para ajudar no processo de mudança
conceitual e consequente reformulação de modelos mentais.
Discussões finais
No ensino de física brasileiro tem predominado a aula meramente expositiva, chamada por
Paulo Freire (2005) de método bancário, pois o estudante é passivo e serve de depósito de
conteúdos pelo professor. Em nossa visão, a aula expositiva em algumas vezes faz-se
necessária, contudo deve ser acompanhada de discussões e debates em classe. Estamos
propondo o Método de Modelagem como alternativa ao método bancário. Não estamos com
isso colocando a TM como a pedagogia, apenas mais uma pedagogia ao alcance do professor
de física.
Vimos que a tese fundamental TM é considerar que a cognição em ciência, matemática e vida
cotidiana é basicamente a construção e manipulação de modelos mentais. Os modelos mentais
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para objetos e processos do mundo real podem ser convertidos a modelos conceituais quando
estruturados por meio de linguagem simbólica. Isso nos leva a admitir que a linguagem não se
refere diretamente a coisas do mundo, mas a modelos mentais que fazemos para pensar sobre
essas coisas. Ou seja, os modelos conceituais que elaboramos para compreender o mundo,
seja uma equação matemática ou uma simulação computacional ou até um experimento, não
têm seus referentes no mundo real, mas nos modelos mentais que criamos para compreende-
lo.
Assim, uma das consequências de um ensino de física na perspectiva da TM é colocar nossos
alunos para expressarem seus pensamentos por meio de modelos conceituais a fim de que
possamos compreender seus modelos mentais. Para isso, os estudantes podem usar diversos
tipos de linguagens: verbal; pictórica; escrita; computacional; experimental; gestual. Por outro
lado, o professor que ensina fundamentado na TM sabe que os modelos conceituais dos
alunos são representações de seus modelos mentais, podendo orientar aprendizagens pela
reformulação desses últimos. Nesse sentido, a aprendizagem na perspectiva TM pode ser
considerada basicamente como reformulação de modelos mentais.
As considerações feitas neste artigo com respeito à Teoria da Modelagem são ínfimas se
comparadas a seu grande potencial, não somente para o ensino de física, mas para o ensino de
ciências e matemática. Esperamos apenas ter iniciado um debate sobre o assunto, o qual fica
aberto aos pesquisadores interessados em aplicar a TM em suas aulas.
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