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CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 52, p. 99-112, Jan./Abr. 2008 99 Rebecca Neaera Abers, Margaret E. Keck DOSSIÊ INTRODUÇÃO A democratização brasileira desencadeou níveis sem precedentes de demanda por partici- pação dos cidadãos na vida pública. Desde então, novos movimentos sociais, ONGs e organizações da sociedade civil, assim como funcionários de governo comprometidos com a democratização do Estado, têm gerado práticas inovadoras, contestan- do e redefinindo simultaneamente as formas de interação entre Estado e sociedade. No Brasil, ci- entistas políticos têm se interessado tanto pela di- fusão de tais práticas no cotidiano, como por de- bates internacionais cada vez mais intensos sobre o tema, no campo da teoria democrática. O resulta- do é uma combinação tão dinâmica quanto incomum da teoria e da prática. 1 Alguns dos luga- REPRESENTANDO A DIVERSIDADE: Estado, sociedade e “relações fecundas” nos conselhos gestores Rebecca Neaera Abers * Margaret E. Keck ** res mais importantes onde a busca de novas práti- cas se manifesta são as dezenas de milhares de conselhos gestores criados em diferentes setores de políticas públicas. Os estudos sobre novos fóruns de partici- pação no Brasil os têm visto segundo diversos ângulos: como participação da sociedade civil, de- mocracia participativa, democracia deliberativa incipiente, democratização de processos de toma- da de decisão, e criação de novas dimensões da cidadania. A partir de nossa leitura desses estu- dos e de nossa própria pesquisa empírica, consi- deramos que nenhuma de tais abordagens é sufi- cientemente reveladora. Este artigo é uma tentativa inicial de construir um aparato conceitual mais adequado para entender a relação entre conselhos gestores, sua composição e dinâmica e o processo de democratização. Análise das experiências de orçamento participativo têm sido o principal foco de atenção da literatura sobre experiências participativas bra- sileiras (Abers, 1996; 2000; Avritzer; Navarro, 2003; Santos, 1998; Souza, 2001; Baiocchi, 2005), vistas como uma maneira de se criarem mecanismos de *Ph.D em Planejamento Urbano e Regional pela Universi- dade de Califórnia (UCLA). Pós-Doutora pela National Science Foundation (EUA). Professor Adjunto do PPG do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Campus Universitário Darcy Ribeiro. IPOL/UnB, Prédio FA. Cep: 70910-900. Asa Norte - Brasília - Brasil. [email protected] ** Ph.D em Ciência Política pela Universidade de Columbia. Professora do Departamento de Ciência Política da Universi- dade de Johns Hopkins (Estados Unidos). [email protected] 1 Uma reflexão estimulante sobre a importância da prática a partir de uma compreensão dinâmica da democracia pode ser encontrada em Saward (2003).

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ABERS, R.; KECK, M. Representando a diversidade: Estado, sociedade e “relações fecundas” nos conselhos gestores. Caderno CRH, v. 21, n. 52, jan./abr. 2008.

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INTRODUÇÃO

A democratização brasileira desencadeouníveis sem precedentes de demanda por partici-pação dos cidadãos na vida pública. Desde então,novos movimentos sociais, ONGs e organizaçõesda sociedade civil, assim como funcionários degoverno comprometidos com a democratização doEstado, têm gerado práticas inovadoras, contestan-do e redefinindo simultaneamente as formas deinteração entre Estado e sociedade. No Brasil, ci-entistas políticos têm se interessado tanto pela di-fusão de tais práticas no cotidiano, como por de-bates internacionais cada vez mais intensos sobreo tema, no campo da teoria democrática. O resulta-do é uma combinação tão dinâmica quantoincomum da teoria e da prática.1 Alguns dos luga-

REPRESENTANDO A DIVERSIDADE: Estado, sociedade e“relações fecundas” nos conselhos gestores

Rebecca Neaera Abers*

Margaret E. Keck**

res mais importantes onde a busca de novas práti-cas se manifesta são as dezenas de milhares deconselhos gestores criados em diferentes setoresde políticas públicas.

Os estudos sobre novos fóruns de partici-pação no Brasil os têm visto segundo diversosângulos: como participação da sociedade civil, de-mocracia participativa, democracia deliberativaincipiente, democratização de processos de toma-da de decisão, e criação de novas dimensões dacidadania. A partir de nossa leitura desses estu-dos e de nossa própria pesquisa empírica, consi-deramos que nenhuma de tais abordagens é sufi-cientemente reveladora. Este artigo é uma tentativainicial de construir um aparato conceitual maisadequado para entender a relação entre conselhosgestores, sua composição e dinâmica e o processode democratização.

Análise das experiências de orçamentoparticipativo têm sido o principal foco de atençãoda literatura sobre experiências participativas bra-sileiras (Abers, 1996; 2000; Avritzer; Navarro, 2003;Santos, 1998; Souza, 2001; Baiocchi, 2005), vistascomo uma maneira de se criarem mecanismos de

*Ph.D em Planejamento Urbano e Regional pela Universi-dade de Califórnia (UCLA). Pós-Doutora pela NationalScience Foundation (EUA). Professor Adjunto do PPG doInstituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.Campus Universitário Darcy Ribeiro. IPOL/UnB, Prédio FA. Cep:70910-900. Asa Norte - Brasília - Brasil. [email protected]

** Ph.D em Ciência Política pela Universidade de Columbia.Professora do Departamento de Ciência Política da Universi-dade de Johns Hopkins (Estados Unidos). [email protected]

1 Uma reflexão estimulante sobre a importância da práticaa partir de uma compreensão dinâmica da democraciapode ser encontrada em Saward (2003).

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democracia popular, que seria tanto radical comopragmática (Santos; Avrizter, 2002). De fato, o or-çamento participativo mostrou o Brasil como umcentro de inovação no desenho de instituiçõesdemocráticas.  No entanto, uma inovação muitomais difundida institucionalmente são os conse-lhos gestores, um arranjo de governança na for-mulação de políticas públicas. Estima-se que, até1999, mais de 39.000 conselhos relacionados à áreadas políticas sociais foram criados no país (IPEA,2005, p.128).

Ainda que os conselhos gestores se dife-renciem em termos de origem legal, composição,atribuições formais e influência nas decisões esta-tais, eles compartilham certas características. Sãocriados por lei e têm certa autoridade formal sobrenormas, planos e, ocasionalmente, sobre o orça-mento nas suas áreas de atuação. Os membrosdevem “representar” (no sentido de “agir em favorde”) grupos do setor privado, sindicatos de traba-lhadores, órgãos estatais e associações civis, comrespaldo social amplo e uma missão quecorresponda às finalidades do conselho. O Estadonormalmente detém até metade das cadeiras. Aseleção de membros ocorre de maneira variada.Enquanto os conselhos regidos por legislação na-cional são normalmente obrigados a realizar elei-ções abertas, e as organizações de cada categoriaescolhem seus próprios representantes, aquelesestabelecidos por legislação local freqüentementepermitem que o governo escolha membros que jul-gue adequados. 

Ao contrário do orçamento participativo,onde, em princípio, os participantes das assembléiassão os próprios cidadãos, a participação nos conse-lhos gestores é indireta. Embora boa parte da litera-tura brasileira sobre os conselhos gestores os vejacomo novas arenas deliberativas que encorajariama expansão da participação direta dos cidadãos noprocesso de decisão pública, a estruturaorganizacional dos conselhos contraria essa visão.De um lado, os participantes não-estatais são indiví-duos escolhidos por organizações que, por sua vez,foram escolhidas por outras organizações. Do outrolado, cerca de metade dos assentos são ocupados

por funcionários públicos, indicados para “represen-tar” a posição dos órgãos estatais envolvidos.

A pergunta “quem estes atores represen-tam?” surge, na prática, assim que membros indi-cados por associações civis adquirem responsabi-lidades formais na definição de políticas públicas.A maior parte das associações da sociedade civil éauto-organizada; seus líderes não são escolhidosou autorizados diretamente pelo público maisamplo que alegam representar. A questão que emer-ge, portanto, é saber: como as associações podemparticipar de forma legítima de processos de toma-da de decisão na esfera pública? O estudo clássicode Pitkin (1967) definiu representação políticacomo uma relação que conecta representantes erepresentados. O representante tem legitimidadeem função de mecanismos de autorização e presta-ção de contas que expressam tal relação. Tanto osdebates teóricos quanto os políticos tendem a pre-sumir que o papel das associações da sociedadecivil é representar setores sociais que, de outra for-ma, não teriam voz.

Só recentemente alguns teóricos começarama se perguntar se seria possível pensar nas associ-ações da sociedade civil como engajadas no tipode relação de representação definida por Pitkin.Como apontam Gurza Lavalle, Houtzager e Castello(2006a), é curiosa a demora em aprofundar teori-camente essa questão. Em diversos trabalhos, es-ses autores examinam as peculiaridades da repre-sentação associativa e avançam no tratamento daquestão de representação, tanto em suas formastradicionais quanto nos múltiplos novos arranjosque surgiram nos últimos anos, em que a socieda-de civil assume um papel formal de representa-ção.2 Mas o problema da representação em conse-

2 Em uma série de artigos, Adrián Gurza Lavalle, PeterHouzanger e outros colegas criticam a literatura sobresociedade civil e participação, por ignorarem a questãoda representação. Eles argumentam que as organizaçõesda sociedade civil não detêm o mesmo tipo de mandatodos membros do Legislativo; que seu papel precisa serrepensado em um contexto político mais amplo; que arelação entre representante e representado existe, a des-peito de seu grau de representatividade; que areconfiguração da representação além da esfera daslegislaturas e das eleições é crucial para a discussão dasmudanças democráticas; e que as idéias de representa-ção virtual ou representação como advocacia se encai-xam melhor na presente conjuntura. Ver especialmente

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lhos vai além de questionar se e como as organiza-ções da sociedade civil podem falar em nome desetores mais amplos da sociedade. Os conselhosgestores se distinguem por uma característica pe-culiar: ao lado de associações civis e grupos deinteresse, “representantes” do Estado também par-ticipam. A noção de que o Estado pode ser repre-sentado como um interesse parcial é difícil de seraceita em termos teóricos, e não deixa claro emnome de quem ou do quê os representantes doEstado nos conselhos se manifestam e votam.

Este artigo discute os dois tipos de represen-tantes nos conselhos: indivíduos apontados porassociações da sociedade civil e aqueles indicadospelo Estado. Quais seriam os papéis adequados acada um deles numa arena em que se reúnem paraa tomada de decisão? Em nome de quem eles fa-lam? Como o processo de tomada de decisão que segesta nos conselhos contribui para a democracia?

Essas perguntas surgiram tanto do contatocom pessoas diretamente envolvidas com os conse-lhos, como do debate teórico. Embora o tema darepresentação associativa em conselhos tenha ape-nas recentemente ganho destaque no campo teóri-co, já há muito é uma questão das mais discutidano debate político sobre os conselhos. Argumenta-mos que, mesmo que os conselhos não tenhamcorrespondido ao previsto pelos modelos teóricosdominantes e, freqüentemente, também às expecta-tivas dos que neles participam, eles são intrinseca-mente importantes como espaços de desenvolvimen-to do que Lane e Maxfield (1966) chamam de “rela-ções fecundas3” (generative relations) entre indiví-duos que, de outra forma, não se relacionariam.Eles são importantes como fontes de novas práti-cas e de novos procedimentos e constituem-se emarenas para o debate e a tomada de decisão.

A EMERGÊNCIA DO MODELO DE CONSE-LHOS NO BRASIL

A maioria dos que defendem um papel maisamplo para os conselhos gestores os enxergam nãocomo uma alternativa para a democracia represen-tativa, mas como uma forma de expandi-la e com-pensar suas carências. Até os anos 80, o Brasilpreservava um “princípio de distinção” dos re-presentantes eleitos, que Bernard Manin situa nosprimórdios dos governos representativos. Os re-presentantes deveriam ser mais ricos e possuiremmais talento e mais virtudes do que seus represen-tados – deveriam ser “cidadãos distintos, social-mente diferentes dos que os elegeram” (Manin,1997, p.94). A criação do Partido dos Trabalhado-res, em 1980, foi recebida com escárnio generaliza-do, uma vez que os trabalhadores eram vistos, sim-plesmente, como incapazes de representar seuspróprios interesses na política. É importante notarque, no Brasil, a demanda por maior participaçãoem instituições convencionais de tomada de deci-são (partidos, parlamento) coincidiu, no tempo,com demandas por novos espaços autônomos departicipação na sociedade civil. Elas cresceram apartir de uma raiz comum e buscavam a inclusãode classes sociais e grupos antes marginalizados.Além de emergirem no mesmo período, essas lu-tas envolviam, em muitos casos, os mesmos indi-víduos. No entanto, apesar de a democratizaçãoter ampliado o perfil social dos parlamentares, apolítica parlamentar permaneceu uma arena maispropensa à barganha clientelista do que aos deba-tes sobre políticas públicas, regras e convenções(Ames, 2002). Nos anos 90, a frustração com apolítica convencional alimentou a esperança de queos conselhos criassem a possibilidade de umarepresentação mais “autêntica”.

O formato peculiar dos conselhos brasileiros– que combina representação de associações e deórgãos estatais – é fruto de uma longa história, emque tanto movimentos populares como burocratasreformistas desempenharam papéis importantes. 

Os movimentos sociais no Brasil poderiamser caracterizados pela tensão entre a busca de au-

Gurza Lavalle et al 2005; Gurza Lavalle et al 2006a; GurzaLavalle et al 2006b. Em menor grau de elaboração teóri-ca, Souza Jr, Ribeiro e Azevedo (2004) reconhecem queconselhos são espaços de “participação indireta”. Vertambém a excelente discussão em Schonleitner (2006).

3 A expressão “relações fecundas“ significa a justaposiçãode diferentes interesses, experiências e pontos de vistanuma arena pública como essenciais para a geração deinovações. O elemento catalisador vai além da interaçãode idéias e motivos, e brota da construção de relaçõesconcretas entre atores que desenvolvem a capacidadepara usar os recursos de forma inédita.

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tonomia frente ao Estado e o desejo de contribuirpara sua democratização. Ao longo de suas lutas,quase todos procuram aliados nas instituições es-tatais, mas a maioria buscou evitar manter laçospermanentes com tais instituições. Ao amadure-cerem e tornarem-se associações maisinstitucionalizadas, muitos movimentos, de iníciofortemente contestatórios, aumentaram suainteração com o Estado.

Até o final da década de 70, associaçõesrealmente independentes eram raras no Brasil. Nosanos 30, o Estado criou um sistema corporativistade organização de classe que enfraqueceu não ape-nas as organizações dos trabalhadores, mas tam-bém as organizações do setor empresarial, aindaque esse tivesse outras formas de influenciar apolítica econômica (Schneider, 1991, 2004; Mar-ques, 2000). Outras manifestações de organizaçãocívica foram vinculadas ao sistema político pormeio de políticas clientelistas, centradas na “trocade favores” (Kowarick; Bonduki, 1988). O regimemilitar acabou por suprimir todas as formas deprotesto e iniciativas de organização independen-te. Tentativas de montar uma resistência armadativeram vida curta e logo foram reprimidas. Mui-tos ativistas deixaram o país. No entanto, com olento processo de liberalização política, que se ini-ciou em meados da década de 70, foi formada umaampla gama de organizações de base, muitas sob aproteção da ala progressista da Igreja Católica. Em1979, exilados começaram a retornar ao país e, desseconjunto de fatores, um novo tipo de militânciasindical emergiu. 

Essa fase de organização cívica e atividadesindical se distinguiu de períodos anteriores poruma difundida insistência na autonomia dessasorganizações frente ao Estado. Recusando-se aretornar aos antigos padrões de cooptação, essasorganizações optaram por constituir uma nova es-fera de atividade fora da política tradicional – naesfera da sociedade civil, na qual a espontaneida-de e a autonomia dos movimentos populares seri-am uma força de transformação. Como o Estadotinha caráter autoritário, conseqüentemente nãopoderia ser um espaço de democratização e a trans-

formação, as quais só poderiam se realizar a partirda sociedade civil. Já no início dos anos 80, noentanto, muitos ativistas se convenceram de que,para conter os esforços das elites em preservar umsistema de privilégios, eles teriam de se organizarpara influenciar na arquitetura das novas institui-ções. Muitos ajudaram a fundar ou migraram parao Partido dos Trabalhadores, cujo projeto valori-zava a autonomia e a diversidade dos movimentose apoiava a democracia participativa (Keck, 1991).Os movimentos sociais também se mobilizaram comsucesso para assegurar que a nova Constituição,aprovada em 1988, garantisse a criação de meca-nismos de participação direta em diversas áreasde políticas públicas. 

A idéia de conselhos gestores se originoucom o movimento de Saúde, um dos poucos mo-vimentos populares que continuou avançandodurante os anos 80. Ana Maria Doimo (1995) atri-bui esse avanço ao fato de que, além da sua oposi-ção ao regime militar, esse movimento tinha umprograma concreto para novas instituições demo-cráticas. O movimento propôs a descentralizaçãodo sistema de saúde, organizado em torno de pre-venção e saúde pública, ao invés do investimentoprivado. Dois grupos de natureza e origem distin-tas convergiram, no avanço do movimento de saú-de: as organizações populares, que reivindicavamserviços de saúde em bairros pobres urbanos, e osprofissionais de saúde pública, comprometidoscom um sistema mais justo e democrático (Arouca,2003). Um aspecto fundamental da proposta foi ainstitucionalização de conselhos nos níveis muni-cipal, estadual e nacional, o que possibilitava aparticipação da população na tomada de decisõessobre as políticas de saúde. Para assegurar que osrepresentantes de Estado não dominassem taisconselhos, a garantia de “paridade” foi inserida nalei: representantes do Estado e grupos cívicos di-vidiriam o poder nos conselhos. 

Aqueles que tentaram influenciar as novasformas de tomada de decisão nas instituições acre-ditaram que a própria existência de movimentossociais colocava a sociedade brasileira numa traje-tória democrática, na medida em que eles permiti-

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riam que os pobres e outros grupos, tradicional-mente excluídos da política, expressassem suasnecessidades e reivindicassem direitos. Os movi-mentos sociais eram “novos personagens em cena”(Sader, 1988) ou “o povo como sujeito de sua pró-pria história” (Doimo, 1995, p.75). A legitimida-de, tanto de tradicionais organizações de bairrocomo de novas ONGs profissionais, derivava dasua presumida ligação com movimentos de base.4

Quando a lei reservou para as associações cívicasuma parcela de cadeiras em novos fórunsdeliberativos, muitos ativistas enxergaram progres-so em seus esforços contra padrões decisóriostecnocráticos, que sistematicamente excluíam gru-pos populares. Eles viam os conselhos como mei-os de tornar a formulação de políticas mais inclu-

sivas e mais representativas de interesses sociaismais amplos, o que fez com que lutassem para quetal expectativa se tornasse realidade. Apesar deestarem cientes de que outros membros de conse-lhos se preocupavam mais com eficiência do quecom participação, eles ainda acreditavam que suaparticipação contribuía para que as políticas res-pondessem a uma gama mais ampla de interessessociais, logo para uma democracia mais justa eparticipativa. 

A democracia participativa... tem que alcançarsegmentos diferenciados, que sejam representa-tivos tanto das carências socioeconômicas e dasdemandas sociais como das áreas que precisamser conservadas para que não se deteriorem, as-sim como atingir grupos e agentes socioculturaisque possuem identidades a serem preservadasou aperfeiçoadas (Gohn, 2004, p.61).

A partir de meados da década de 90, foramcriados dezenas de milhares de conselhos, comassentos reservados para grupos cívicos e órgãosestatais em diferentes proporções. Quase todos osmunicípios brasileiros têm hoje Conselhos de Saú-de. Conselhos gestores municipais semelhantesforam também criados em áreas como assistênciasocial, educação, e políticas relacionadas à criançae ao adolescente. Um formato análogo está sendoexperimentado na gestão da água, por meio dos

comitês de bacia hidrográfica, um espaço bem maiscomplexo.5 No entanto, estudos empíricos dessesconselhos encontraram poucas evidências de queeles contribuem, de fato, para que as vozes dosexcluídos sociais e políticos sejam ouvidas peloEstado. Analistas têm oferecido quatro explicaçõesgerais para isso. 

Em primeiro lugar, quase todos os estudosmostraram que os indivíduos que compõem osconselhos não são representativos das classes po-pulares. O survey de Santos Jr., Azevedo e Ribeiro– de membros de conselhos em sete áreas metro-politanas do Brasil – mostra que 62% têm escolari-dade acima do nível médio e 65% têm renda mai-or que cinco vezes o valor do salário mínimo (2004,p.30). O estudo organizado por Fuks e outros so-bre conselhos, em Curitiba, descobriu que 91%ganhavam mais do que cinco vezes o valor do salá-rio mínimo e 75% tinham alguma educação supe-rior (Fuks, 2002, p.247). Conclusões semelhantespodem ser observadas no estudo de Labra &Figueiredo (2002) sobre conselhos de saúde naregião metropolitana do Rio de Janeiro. A princi-pal razão proposta é que os conselhos, à diferençade outros espaços, como o orçamento participativo,requerem níveis relativamente altos de escolarida-de, uma vez que as políticas reguladoras envolvi-das são complexas e, freqüentemente, só podemser entendidas por especialistas. Ainda assim,Santos Jr., Azevedo e Ribeiro (2004, p.28) argu-mentaram que o status socioeconômico dos mem-bros não é necessariamente revelador de quem elesrepresentam, pois seria razoável presumir que as-sociações populares, cientes de que os conselhosdeliberam sobre assuntos técnicos, procurassemindivíduos capacitados para representá-los. 

Uma segunda observação e crítica comumaos conselhos é que os representantes da socieda-

4 Ver, por exemplo, o tratamento dado às ONGs por Doimo(1995, cap. 6).

5 Os Comitês de Bacia Hidrográfica vêm sendo criados noâmbito de legislação estadual e nacional no Brasil, desdeo início dos anos 90. Essas arenas deliberativas incluemrepresentantes de órgãos estatais, municípios, organiza-ções da sociedade civil e empresas privadas e públicasque captam água dos rios  e outros corpos d’ Água. Ascompetências dos Comitês variam consideravelmenteentre os estados. Normalmente incluem aprovar e acom-panhar a execução de planos de recursos hídricos, arbi-trar conflitos, e estabelecer mecanismos de cobrançapelo uso da água bruta.

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de civil têm ligações muito frágeis com os grupospopulares que deveriam representar(Esmeraldo; Said, 2002;  Lima; Bitoun, 2004;Tatagiba, 2002). De acordo com Tatagiba, “De umaforma geral, os conselheiros não-governamentaistêm encontrado pouco respaldo e acompanhamentode suas ações por parte das entidades que repre-sentam” (2002, p.65). Sem conseguir despertar aatenção do seu público, membros de conselhostendem a agir de acordo com seus interesses pes-soais, em detrimento dos interesses das associa-ções que representam.

Com isso, os conselheiros acabam emitindo suaprópria opinião sobre determinando tema, re-sultado do seu acúmulo pessoal ou da sua adesãoàs propostas defendidas no calor do debate... [Oconselheiro dos usuários] acaba aderindo às po-sições defendidas por grupos com maior poderde argumentação e influência (2002, p.66).

Tatagiba constata que o mesmo problema semanifesta no que se refere à representação gover-namental: os participantes freqüentemente são fun-cionários pouco importantes e normalmente nãopodem tomar decisões que comprometem o órgãoem cujo nome supostamente falam (p.63-65). 

Um terceiro problema identificado em mui-tos estudos é que os órgãos governamentais con-trolam as agendas dos conselhos, reduzindo, por-tanto, a chance de que membros da sociedade ci-vil possam mudar o rumo das políticas (Tatagiba,2002, p.59). O controle da agenda poderia ser ex-plicado pelo fato de que os representantes dos ór-gãos governamentais ocupam cargos de presidên-cia e secretaria executiva nos conselhos (Tatagiba,2002, p.78; Fuks, 2002; Dombroski, 2006). Em seuestudo dos conselhos gestores em Curitiba,Perissinotto (2002) também constatou que os re-presentantes do governo tendem a dominar o de-bate. 

Finalmente, estudos revelaram que gover-nos municipais freqüentemente resistem a confe-rir poder efetivo aos conselhos, mesmo quandotêm a possibilidade de controlar o processodecisório. Por exemplo, os estudos de caso exami-nados por Tatagiba mostraram que governos mu-nicipais geralmente se recusam a dividir poder com

os representantes da sociedade civil (2002, p.80),evitando submeter propostas ou projetos para osconselhos, a menos que saibam previamente quesuas posições serão vitoriosas. Com base no survey

de membros do conselho de saúde no Rio de Ja-neiro, Labra e Figueiredo (2002) descobriram quea maior parte dos conselheiros atribuía sua fracainfluência nas ações estatais à falta de “vontadepolítica” das autoridades, ou à sua resistência emaceitar o papel do conselho no processo decisório.Da mesma forma, Paz (2003) concluiu que os go-vernos têm se recusado a aceitar o caráterdeliberativo dos conselhos de assistência social.6

Em suma, as razões pelas quais os conse-lhos não corresponderam às expectativas dos mo-vimentos sociais que os apoiaram podem ser divi-didas em duas categorias: ou os representantes dasociedade civil deixaram de refletir as aspirações ede representar efetivamente setores tradicionalmen-te excluídos da população, ou o Estado resistiu acompartilhar o poder de tomada de decisão comeles. Nossa pesquisa sobre comitês de baciahidrográfica confirma a caracterização dos conselhoscomo espaços onde os interesses organizados têmmais influência que os não-organizados e onde asinstituições do governo oferecem resistência a no-vas formas de tomada de decisão (Abers et al, 2006).Além disso, constatamos que, mesmo quando osburocratas estatais ou seus superiores apóiam deci-sões tomadas nos conselhos, eles não dispõem ne-cessariamente de recursos técnicos ou força políticapara implementar essas decisões (Abers; Keck,2006). Na seção seguinte, examinamos uma sériede questões que podem ajudar a repensar o proces-so democrático que ocorre (ou deveria ocorrer) nointerior dos conselhos: em primeiro lugar, analisa-mos as contribuições potenciais das associações paraa democracia; em segundo lugar, refletimos sobre opapel do Estado; e, finalmente, repensamos como oprocesso de tomada de decisão nos conselhos podecontribuir para a política democrática.

6 Nem todos os estudos chegam a essa conclusão: no seuestudo sobre Conselhos em Belo Horizonte, Abranchese Azevedo (2004, p.187) constataram que a maioria dosmembros acredita que suas decisões são aceitas eimplementadas pelo governo.

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ASSOCIAÇÕES E DIVERSIDADE

Antes dos debates contemporâneos sobre opapel da participação da sociedade civil, as prin-cipais teorias políticas que colocavam grupos soci-ais no centro da análise eram o pluralismo e ocorporativismo. O renomado estudo de Schmitter(1974) identificou a essência do corporativismo nosseus arranjos de negociação formais entre organi-zações altamente estruturadas e hierárquicas, aomesmo tempo em que reconhecia a distinção entremodalidades mais ou menos autoritárias. Esse eoutros trabalhos posteriores mostraram como taisestruturas associativas hierárquicas e não-compe-titivas, como ocorriam em alguns países europeus,poderiam ser soluções efetivas, estáveis e demo-cráticas para a canalização e superação de confli-tos sociais.

A tradição pluralista no pensamento políti-co norte-americano tinha concepções prévias fun-damentalmente diferentes sobre a natureza dosgrupos organizados. Todos os pluralistas percebi-am a competição entre grupos como uma caracte-rística fundamental e inevitável da política demo-crática e viam com grande ceticismo alegações so-bre o “interesse comum” ou a “vontade geral”(Gunnell, 1996; Lavaque-Manty, 2006; Eisenberg,1995). Embora pluralistas do início do século XX,como Arthur Bentley (1908), tivessem uma visãopessimista dos grupos políticos, gradativamente aidéia da concorrência entre “grupos de interesse”tornou-se elemento-chave do entendimentopluralista da democracia.  Os pluralistas do pós-guerra, como Dahl (1961), idealizavam a políticade grupos comparável a um livre mercado, manti-do em equilíbrio (e sem concentração de poder)pela mão invisível da concorrência. Críticos acu-saram os pluralistas de encobrirem clivagens edesigualdades sociais fundamentais que assumi-am importância inquestionável no turbilhão soci-al dos anos 60 e 70. Em trabalhos “neo-pluralistas”posteriores, Robert Dahl (1982) e Charles Lindblom(1977) reconheciam tais problemas, chamando aatenção para a dominância dos empresários nacompetição entre grupos de interesse. Insistiam,

no entanto, que a existência de uma diversidadede associações era uma característica normal e ine-vitável da política democrática.

Embora o pluralismo idealista dos anos 50e 60 tenha sido amplamente superado, idéiaspluralistas continuam a permear a teoria política,que cada vez mais procura reconhecer amultiplicidade de substâncias, atributos, discur-sos e estratégias discursivas, e práticas sociais.Exemplo recente da adoção de abordagenspluralistas ao estudo das associações é o trabalhode Mark Warren (2001) sobre a relação entre asso-ciações e democracia. Warren argumenta que nãohá um tipo único de grupo cívico “mais democrá-tico”. Alguns tipos de associação são os melhorespara a promoção do interesse comum; outros, paraexpressar visões diferentes; e outros, para promo-ver cooperação ou desenvolver capacidades denegociação. Embora sejam freqüentementeconflitivos entre si, identidades comuns, diferen-ças, cooperação e negociação de conflitos, todossão componentes fundamentais da democracia. Taistensionamentos, lembra Warren, são uma caracte-rística inerente da própria democracia, que nuncase atinge plenamente. A ação de muitos grupospode ser, ao mesmo tempo, democratizante eantidemocrática. A solução, para Warren, é esti-mular a multiplicidade de tipos de associações,para que diferentes grupos contribuam para dife-rentes aspectos da democracia. .

Pluralistas radicais, ou “agonísticos”, comoMouffe (2000, 2005), também enfatizam o valoressencial da diversidade e do conflito na vida po-lítica. A posição de Mouffe deriva de uma crítica àcrença de Rawls e de Habermas de que a discus-são livre entre indivíduos pode levar a acordoslegítimos e racionais sobre “interessesgeneralizáveis.” Embora de acordo com teóricosdeliberativos em sua crítica da lógica agregativa nateoria democrática, Mouffe teme que:

Rawls e Habermas querem fundamentar a ade-são à democracia liberal com um tipo de acordoracional que fecharia as portas para a possibili-dade de contestação. Eles precisam, por essemotivo, relegar o pluralismo para um domínionão-público, isolando a política das suas conse-qüências. (Mouffe, 2005, p.16)

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Mouffe argumenta que a construção da de-mocracia implica “multiplicação de instituições,discursos, formas de vida que fomentam a identi-ficação com valores democráticos” (2005, p.18). Éa prática, não a argumentação, que produz a cida-dania democrática. Por isso, modelos democráti-cos têm de se centrar no poder e nos conflitos.

Concepções semelhantes emergiram em es-tudos recentes da sociedade civil e da esfera pú-blica. O estudo teórico, hoje clássico, de Cohen eArato (1992) tem sido criticado por idealizar umaarena política separada das pressões coercitivas doEstado e do mercado. Autores como Chandokhe(2001) e Fraser (1992) insistem que conflito, podere diferenças são parte integrante da política. Por-tanto, tentativas de eliminá-los, provavelmente,resultariam mais na supressão das visões de gru-pos marginalizados do que na obtenção de con-sensos (Chambers 2003, p.320–321). Na medidaem que o feminismo, o multiculturalismo e outrosmovimentos lançaram a discussão sobre diversi-dade no centro do debate político, a sociedade ci-vil e a esfera pública têm sido apresentadas comoarenas para a expressão de diferenças, e não para adescoberta de substratos universais (Fraser, 1992;Melucci; Avritzer, 2000).

Todas essas abordagens sugerem, de dife-rentes formas, que a contribuição das associaçõesda sociedade civil para a democracia não tem aver, necessariamente, com o fato de representaremou falarem em nome de outros. A importância dasociedade civil na vida pública reside em seu pa-pel como arena para a expressão de diversidade.Tal noção tem importantes conseqüências para opapel da participação em fóruns deliberativos, comoos conselhos gestores. Qual deveria ser o propósi-to da criação de arenas deliberativas em que atoresde diferentes segmentos da sociedade se reúnem eganham poder de decisão? A abordagemcorporativista veria tais arenas como mecanismosde representação de todos os membros de um de-terminado setor da sociedade (em geral econômi-co) e de construção de consensos entre eles. Aabordagem pluralista provavelmente as veria comoespaços para a expressão de diferenças e de confli-

tos de interesse, sem sugerir que pudessem levar àdescoberta de “interesses comuns”, ou mesmo quetais associações que participam têm legitimidadepara “agir em nome” dos ausentes.

E O ESTADO?

A perspectiva positiva do pluralismo sobrediversidade e associação cívica nos diz que os gru-pos cívicos têm um papel fundamental a desem-penhar nos conselhos, da mesma maneira que napolítica em geral. Diversidade e mobilização têmsua própria legitimidade, que não pode ser igno-rada. Mas será que isso quer dizer que é legítimoque os interesses dos menos organizados, ou não-organizados, sejam ignorados na tomada de deci-são em conselhos? A teoria democrática tem sidomarcada pela tensão entre diversidade (ou livreassociação) e igualdade. Se não podemos exigir queassociações cívicas representem todos os cidadãosigualmente (ou mesmo todos os membros de umdeterminado grupo social), seremos forçados aabandonar completamente a noção de representa-ção igualitária?

Um pensador pluralista (Joseph Kaiser,1978; Goering, 2003),7 pode nos ajudar nesse pon-to. Escrevendo em meados dos anos 50, Kaiserencontrou um equilíbrio interessante entre a valo-rização da diversidade, típica do pensamentopluralista, e a busca do espírito público. Argumen-tou que tanto a representação de indivíduos comoa de associações são essenciais para a democracia.Para Kaiser (1978), a soberania do povo é expressana igualdade de direitos de cada cidadão indivi-dual de participar na escolha de representantespara parlamentos. Ele acreditava, contudo, que,em sociedades modernas heterogêneas, apenas essaforma de representação não seria adequada. Além

7 A nossa discussão de Kaiser se fundamenta na tese dedoutorado de Rebekka Göhring (2003), que discute seutrabalho principal, Die Repräsentation organisierterInteressen (Kaiser, [1956] 1978). Do que conseguimosconstatar até o momento, não existem traduções dassuas obras, e, embora fosse citado em muitos escritospluralistas da década de 1960, não encontramos nenhu-ma discussão aprofundada do seu pensamento.

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de representar a unidade de uma sociedade, argu-mentou Kaiser, também é essencial representar a

diversidade, reconhecendo que serão formados gru-pos em torno das questões consideradas mais im-portantes, e que a intensidade dos interesses di-versos fica perdida no produtor de unidade, que éa representação parlamentar.  

O domínio da igualdade de representaçãonão é constituído pelas associações, mas pelo pró-prio governo representativo. O Estado eleito demo-craticamente pode não constituir a expressão davontade de todos, mas tem obrigações para com to-dos os cidadãos e para com a igualdade de direitos.Associações cívicas não têm, todavia, tal obrigação,ainda que, na prática, muitas delas procurem pro-mover igualdade de direitos e justiça social.

Dessa perspectiva, se os conselhos falhamna defesa efetiva dos interesses dos não-organiza-dos e dos excluídos, são os membros indicados

pelo Estado, e não os da sociedade civil, os quedeveriam ser responsabilizados. Se o papel doEstado é trabalhar em favor de todos os indivídu-os de forma igualitária, então o seu papel maisimportante em um conselho seria o de garantir queos interesses de todos fossem considerados. A idéiade “paridade” faz sentido, dessa perspectiva: énecessário que haja um equilíbrio entre diversida-de e igualdade. 

Essa proposta certamente desperta maisperguntas que respostas. Que mecanismos (na leie na prática) nos ajudariam a neutralizar tendênci-as de captura dos representantes de órgãos esta-tais nos conselhos por interesses privados? Comolevar os atores estatais a considerarem de que for-ma as políticas afetarão públicos mais amplos, alémdos grupos específicos presentes? Como determi-nar se o Estado está efetivamente cumprindo seupapel de defender os excluídos? E, ainda: será queé possível saber quais são os interesses daquelesque não se manifestam? Se conselhos gestores sãocriados, em parte, para remediar a incapacidade(ou falta de vontade) do Estado para lidar com asquestões sociais por conta própria, como pode-mos esperar que o Estado proteja os seus cida-dãos mais vulneráveis? Se insistirmos que a soci-

edade civil é, na tradição pluralista, caracterizadapela pressão política e pelas relações de poder, nãopodemos exigir que o Estado seja, de alguma for-ma, imune a essas pressões. Nem poderíamos es-perar que ele “naturalmente” representasse os inte-resses dos politicamente excluídos ou da comuni-dade política como um todo. Fazê-lo seria despre-zar décadas de críticas frutíferas à democracia re-presentativa, à burocracia e ao Estado capitalista.Por outro lado, já é tempo de ir além da alternativaprevalecente, que nega até mesmo a possibilidadeteórica de que um Estado democrático – organizadona base do sufrágio universal – possa algum diadefender os interesses dos menos poderosos. 

A teoria do Estado perdeu centralidade nasúltimas décadas (Levi, 2002; Offe, 1996), enquan-to uns buscam no mercado e outros na sociedadecivil os mecanismos ou arenas de inovação ou açãocoletiva. A perspectiva diversificada de Kaisersugere que, em uma democracia, diferentes tiposde atores desempenham diferentes papéis, exer-cem diferentes formas de representação e nenhumdetém o monopólio da legitimidade. No entanto,mesmo que revele o papel constitutivo da cidada-nia individual e o papel plural – e pluralizante –dos grupos, a visão pluralista ainda parece conce-ber o Estado como um mediador passivo de inte-resses. Gostaríamos de ir além dessa perspectivae propor (junto com Dagnino; Olvera; Panfichi,2006) que o Estado tem, ao mesmo tempo, uma

dinâmica própria e um caráter plural, um conjun-to não apenas de grupos, mas de projetos. 

O Estado, em sistemas políticos democráti-cos, é simultaneamente mecanismo e agente da açãopública, ainda que não seja o único. Os pluralistasviram o Estado dividido por conflitos entre inte-resses concorrentes, que permeiam tanto sua es-trutura como a sociedade civil. Alguns de seuscríticos insistiram que, ainda que muitos Estadossejam influenciados por fortes interesses (econô-micos), eles possuem seus próprios recursos, àsvezes suficientes para tentar reorganizar tais inte-resses (Skocpol, 1985; Evans, 2001). O que oslevaria a fazer isso? A combinação e recombinaçãode diversos projetos dentro do Estado, alguns dos

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quais próximos dos projetos de grupos baseadosna sociedade civil. Em outras palavras, gruposdentro do Estado geram seus próprios projetos,procurando parceiros e aliados entre outros tiposde grupos com projetos parecidos, tanto no Esta-do como na sociedade.

REPRESENTAÇÃO OU INTERAÇÃO INOVADO-RA?

Se indivíduos escolhidos por associaçõestêm autoridade questionável para falar ou agir emnome dos ausentes e pouca disposição a lhes pres-tar contas, por que permitir que compartilhem ca-pacidade de decisão na esfera pública com buro-cratas, da forma como fazem os conselhos gestores?Contribuições recentes às teorias de democraciadeliberativa e de representação ajudam a refletirsobre a contribuição de conselhos para a democra-cia. Essa literatura revisita e amplia a visão de Pitkinsobre a relação entre representante e representa-dos, estudada em termos da medida em que o re-presentante responde aos anseios daqueles querepresenta (1967, p.235). Além disso, oferece umavisão mais dinâmica e interativa das relações derepresentação.

A abordagem deliberativa destaca a impor-tância de arenas de interação e debate: a represen-tação, numa democracia, envolve não apenas fide-lidade e resposta aos anseios dos representados,mas também a concepção e construção de espaçosem que os atores políticos deliberam. TantoHabermas como Rawls enfatizam a criação de es-paços para o debate racional fora do campo políti-co do poder, mesmo de forma diferente. Emboravários dos autores, discutidos na seção anterior,desaprovem essa visão de deliberação, por esca-motear o caráter conflitivo inerente à política, a idéiade que o debate interativo é um componente fun-damental da democracia persiste. Em interpreta-ções recentes, tais arenas não são mais privilegia-das como espaços de identificação dos interessescomuns, mas sim como espaços para expressão edisputa de diferenças e conflitos. Dryzek (2000),

por exemplo, argumenta que reunir os diferentespontos de vista (discursos) – mesmo aqueles quepoucos ou mesmo ninguém defende – é crucialnão apenas para encontrar soluções, mas tambémpara definir quais são os problemas (Dryzek;Niemeyer, 2006).

As abordagens de democracia deliberativatendem a ser marcadas por uma crença racionalistana livre troca de argumentos (Bohman, 2003;Cohen; Rogers, 2003). Sem negar a importânciado argumento deliberativo, gostaríamos de conectarmelhor as interações participativas com a visãopluralista radical de que a política democrática éconstituída por práticas e não só por argumentos.

Um complemento interessante à ênfase dospluralistas radicais no papel seminal dos conflitosvem de autores que, trabalhando em outras áreas,focalizam sistemas complexos e o empreendedorismo.Esses autores defendem que a justaposição de di-ferentes interesses, experiências e pontos de vistaé essencial para a geração de inovações. Para Lanee Maxfield (1996), a inovação é uma propriedadeemergente que surge desse tipo de encontro. Elaresulta não da agregação ou da negociação de idéiaspré-existentes, mas de uma espécie de combustãocriativa que produz idéias que jamais existiram deoutra forma. Eles chamam tais justaposições de “re-lações fecundas” (generative relationships). Nessecaso, a diferença é promovida não porque resultaem justiça ou mesmo em projetos diversos, mascomo pré-condição galvanizadora para projetos atéentão inexistentes. O elemento catalisador é maisdo que a interação de idéias e motivos: ele brota daconstrução de relações concretas entre atores quedesenvolvem a capacidade para usar os recursosde forma inédita. A interação afeta não apenas ascompreensões, mas também o que as pessoas fa-zem; ela transforma a capacidade dos atores eminfluenciar a vida social.

Essa possibilidade é consistente com a re-cente reflexão crítica sobre a noção de representa-ção. Como mencionado acima, muitos dos queparticipam dos conselhos gestores ou observamseu funcionamento compreendem o papel dosmembros no sentido em que Pitkin descreveu a

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representação política: que o papel é “agir para” osrepresentados, e sua legitimidade depende de umarelação que envolve mandato e resposta entre re-presentante e representados (Pitkin, 1967, p.232-35). Isso implica que um grupo identificável de“representados” seja formado antes do processode representação. Assim, avaliações do grau deefetividade da representação mensuram até queponto os representantes respondem ao grupo depessoas que alegam representar (1967, p.235). Nadinâmica dos conselhos, no Brasil, essa idéia semanifesta constantemente na dúvida sobre se mem-bros dos conselhos “realmente” mantêm laços re-cíprocos com grupos de representados.

Por sua vez, Nádia Urbinati oferece umaconcepção de representação que revê diversos as-pectos da relação entre representante e representa-do. Em primeiro lugar, ela mostra que os debatesdentro de um espaço de representação não são iso-lados dos debates fora de tais espaços. Ela recorrea Condorcet para expandir a arena de deliberaçãoe incluir cidadãos de forma mais geral, para defen-der a multiplicação de espaços de debate, incluin-do discussões formais e informais, e para destacara dimensão temporal. Ao reconhecer que decisõessão construídas ao longo do tempo, com interregnosentre os diversos momentos de decisão, ela argu-menta que a representação envolve um aspecto detentativa e erro que amplia as oportunidades dedebate e torna as questões mais claras (Urbinati,2006, p.176-205). A autora sustenta também queo sentido da representação democrática é formadotanto pela representatividade como pela advocacia(advocacy). Comprometido com a causa dos repre-sentados, o representante deve ser capaz de re-construir o raciocínio dos representados para po-der defendê-los de modo eficaz (2006, p.47). As-sim como representatividade não pode significarmera reflexão, “advocacia na assembléia represen-tativa requer e estimula a advocacia na sociedade”(p.48). A representação com uma dimensão tem-poral vai além da política do sim ou não e articulaos representantes com os cidadãos por meio deum debate contínuo, “ao projetá-los numa pers-pectiva orientada pelo futuro” (p.228).

Em outra contribuição recente ao debate,Michael Saward afirma que o foco de Pitkin norepresentante ao invés de nos representados fazcom que ela evite considerar de que forma aquelese engaja na construção destes. “Pitkin elimina pordefinição o que, penso, é o aspecto central da re-presentação política – a produção ativa (criando,oferecendo) de símbolos ou imagens do que deveser representado” (Saward, 2006, p.301). Sawarddefende um foco alternativo na geração de relaçõesde poder por meio do exercício de “reivindicaçõesde representação”, ou seja, a reivindicação do re-presentante em falar ou agir em nome de alguémmais (2006, p.298, 305). Essa abordagem destacao lado atuante da representação e “gera espaço paraum trabalho normativo criativo na radicalização denossas idéias sobre quem e o que pode valer comopoliticamente representativo.” (p.229).

Essas contribuições nos ajudam na busca deum conceito mais dinâmico e criativo de represen-tação, que reconhece que o próprio conceito sereinventa em novos contextos.8 No caso dos conse-lhos gestores, a concepção de representação segun-do a qual grupos nomeados agem no interesse depúblicos pré-definidos falharia ao não levar em contaas relações que se desenvolvem entre os indivídu-os que são escolhidos pelas associações e pelas ins-tituições governamentais para participar deles. Essaperspectiva deixa escapar a dimensão dacriatividade, congelando as relações em papéis pré-ordenados, e supõe uma possível homogeneidadede posições entre organizações da sociedade civilque, além de impraticável, é indesejável. Se o queocorre nos conselhos é um processo de interaçãoinovadora entre atores com diferentes pontos devista e diferentes recursos, e se o resultado podeser não só a redefinição de compreensões, mas tam-bém de capacidades reais, então quem ou o queestá sendo representado nesses espaços está sem-pre em movimento. As contribuições de Urbinattie Saward nos ajudam a pensar em processosdeliberativos como parte de uma dinâmica de cons-

8 Sobre a necessidade de verificar essas novas modalida-des de representação com estudos empíricos, ver GurzaLavalle et al (2006b).

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tante redefinição de demandas e representação deatores em arenas políticas. Como arena peculiarpara a interação entre um conjunto fragmentadode atores sociais com origens e interesses diver-sos, os conselhos gestores podem não ser espaçosadequados para representação, no sentido quePitkin define e que muitos participantes esperam.No entanto, eles podem ser espaços vivos para aprodução de novas definições e práticas para aresolução de problemas.

Embora a solução de questões possa ocor-rer também em contextos não-democráticos, acre-ditamos que, quando é parte de um esforço deli-berado para ampliar o espectro de cidadãos envol-vidos, pode servir a fins democráticos. A amplia-ção da participação em ações do domínio públicopossibilita uma transformação das convicções doscidadãos sobre seu papel político, assim como acapacidade de resposta das instituições às suasnecessidades concretas. Ela torna real o compro-misso retórico com a participação, e reforça umanoção mais ativa e dinâmica de representação. Aoconstituir seus representados como cidadãos de-sejosos de participar em questões públicas, osparticipantes em novas arenas deliberativas, comoos conselhos gestores, podem transformar suaspróprias práticas e contribuir para uma pólis maisdemocrática.

(Recebido para publicação em janeiro de 2008)(Aceito em março de 2008)

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RESUMOS, ABSTRACTS, RÉSUMÉS

REPRESENTANDO A DIVERSIDADE:Estado, sociedade e “relações fecundas”

nos conselhos gestores

Rebecca Neaera AbersMargaret E. Keck

Grande parte da literatura consideraos conselhos gestores, que se difundi-ram em aos milhares, no Brasil, comoarenas deliberativas cujo objetivo é ex-pandir a participação direta dos cidadãosnas decisões públicas. Entretanto omodelo organizacional dos conselhosnão corresponde ao conceito tradicio-nal de democracia participativa por doismotivos: primeiro, porque os participan-tes representam supostamente organi-zações e não indivíduos, e, segundo,porque além de associações não-gover-namentais, membros indicados por ór-gãos estatais também participam dessesconselhos. Este artigo explora as impli-cações dessas duas características dosconselhos para a democratização dasdecisões públicas. Argumenta que osconselhos devem ser entendidos comoespaços potenciais nos quais atores di-

REPRESENTING DIVERSITY: State,society and “fertile relationships” in

managing councils

Rebecca Neaera AbersMargaret E. Keck

A great part of the literatureconsiders the managing councils, thathave become thousands, in Brazil, asdeliberative arenas which objective is toexpand the citizens’ direct participationin public decisions. However, theorganizational model of the managingcouncils do not correspond to thetraditional concept of participativedemocracy for two reasons: first,because the participants supposedlyrepresent organizations, not individuals,and, second, because besides non-government associations, memberschosen by state organs also participatein those councils. This paper exploresthe implications of those twocharacteristics of the councils to thedemocratization of public decisions. Itargues that the councils should beunderstood as potential spaces in the

REPRÉSENTANT LA DIVERSITÉ: État,société et “relations fécondes” dans les

conseils de gestion

Rebecca Neaera AbersMargaret E. Keck

Une grande partie des œuvres deréférence considère les conseils degestion, qui se sont développés parmilliers au Brésil, comme des arènesdélibératives dont l’objectif estd’augmenter la participation directe descitoyens aux décisions publiques.Cependant le modèle organisationnel desconseils ne correspond pas au concepttraditionnel de démocratie participative,pour deux raisons: premièrement parceque les participants sont supposésreprésenter des organisations et non pasdes individus, et ensuite, parce que au-delà des associations non-gouver-nementales, il y a des membres indiquéspar les organes d’Etat qui prennent partà ces conseils. Cet article traite del’implication de ces deux caractéristiquesdes conseils pour la démocratisation desdécisions publiques. On y argumente

versos não somente deliberam, mastambém mudam as suas práticas. A suacontribuição para a democracia ocorrequando a interação dinâmica entre ato-res diversos produz novos relaciona-mentos e recursos para encaminharproblemas concretos, o que chamamos“relações fecundas”.

PALAVRAS-CHAVE: representação, sociedadecivil, conselhos cestores, participaçãocívica, pluralismo.

which several actors not only theydeliberate, but they also change theirpractices. Their contribution fordemocracy happens when the dynamicinteraction among several actorsproduces new relationships andresources to direct concrete problems,what called “fertile relationships.”

KEYWORDS: representation, civil society,managing councils, civic participation,pluralism.

que les conseils doivent être conçuscomme des espaces en potentiel danslesquels les divers acteurs nonseulement délibèrent mais aussichangent de pratiques. Il y acontribution à la démocratie quand uneintéraction dynamique entre les diversacteurs produit des liens nouveaux etdes ressources capables de soulever desproblèmes concrets, en d’autres termesdes “relations fécondes”.

MOTS-CLÉS: représentation, société civile,Conseils de Gestion, participationcivique, pluralisme.