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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa , Processo: 696-14.6YLPRT.L1-6, Data: 12-03-2015
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO, EXTINÇÃO, PAGAMENTO DE RENDAS
Sumário: - O pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas pode ser deduzido
cumulativamente com o pedido de despejo, quando haja lugar a procedimento especial de
despejo.
- A “extinção” do procedimento especial de despejo prevista no nº 1 do art.º 15º-G do NRAU,
por qualquer uma das causas aí indicadas, “desocupação do locado”, “desistência” e “morte
do requerente ou do requerido”, só opera quando o procedimento se encontra ainda na fase
que decorre no Balcão Nacional de Arrendamento.
- A “extinção” do procedimento especial de despejo prevista no art.º 15º-G citado não é
tecnicamente a “extinção da instância” prevista no art.º 277º do CPC ou uma das suas causas,
a “inutilidade superveniente da lide” (cfr. al. e) daquele art.º 277º).
- Quando a “desocupação do locado” ocorre já depois de deduzida oposição e estando o
processo na sua fase judicial, após distribuição, as consequências hão-de ser analisadas à luz
do CPC e não daquele art.º 15º-G
- Essas consequências são a extinção da instância por inuti lidade superveniente da lide quanto
ao pedido de despejo, dada a desocupação do locado, ao abrigo do art.º 277º al. e) do CPC,
mas prosseguimento dos autos para decisão do outro pedido, o de condenação no pagamento
das rendas.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO:
1. Os AA instauraram contra o R. requerimento de despejo[1], invocando como fundamento do
despejo a resolução do contrato, nos termos do art.º 1083º nº 3, do Código Civil[2] e pedindo
o pagamento de rendas em atraso, no montante de € 2 750,00, acrescidas de juros de mora à
taxa legal desde a data de vencimento de cada umas das rendas até integral pagamento.
Alegam, em resumo, o contrato de arrendamento celebrado com o R e que este não vem
procedendo ao pagamento da renda devida desde Outubro de 2013.
Deduziu oposição o R. arguindo a excepção de não cumprimento do contrato por banda dos
AA e pedindo a absolvição do pedido.
Estriba a sua defesa alegando, em resumo, que os AA não vêm cumprindo com a obrigação a
que se encontram vinculados, de realizar as obras necessárias a assegurar o gozo da coisa
locada para os fins a que a mesma se destina, pelo que incumpriram o contrato.
Na resposta à oposição os AA pugnam pela improcedência da excepção.
Designada data para a audiência de julgamento vieram os AA informar que o R. procedeu à
entrega das chaves do locado em 31/08/2014, requerendo a declaração de extinção da
instância quanto ao pedido de desocupação do locado por inutilidade superveniente da lide e
requerendo o prosseguimento da lide relativamente ao pedido de pagamento de rendas, na
sequência do que foi determinado que os autos aguardassem a realização do julgamento.
2. Prosseguindo o processo os seus termos, com realização da audiência de julgamento, foi
proferida sentença, que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide,
quanto ao pedido de despejo do locado e condenou o R a pagar aos autores as rendas
vencidas, sendo as liquidadas no montante de € 2.750,00, acrescido de juros de mora
vencidos, no montante de € 24,29 e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
3. É desta decisão que, inconformado, o R vem apelar.
Alegando, conclui:
Ao recorrente, enquanto réu, foi instaurado um procedimento especial de despejo ao qual foi
atribuído o n° de processo 696/14.6YLPRT, que visava a desocupação do locado e a título
cumulativo o pagamento de rendas vencidas, e que correu termos na Comarca de Lisboa,
Instância Local, Secção Cível - J24.
O recorrente procedeu à entrega do locado em 31 de Agosto de 2014.
O artigo 15°-G n.°1 da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, aditado pela Lei n.°31/2012, de 14 de
Agosto, estatui que “o procedimento especial de despejo extingue -se pela desocupação do
locado, por desistência e por morte do requerente ou requerido”.
O Tribunal a quo mencionou na sentença que “vieram os autores informar que o réu havido
procedido a entrega do locado, a 31-08-2014, e peticionando a extinção da instância por
inutilidade superveniente da lide, nesta parte. E peticionando o prosseguindo dos autos com
vista a condenação do réu no pagamento de rendas”.
E- O Tribunal a quo declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, quanto
ao pedido de despejo do locado, no âmbito do procedimento especial de despejo mas;
F- Prosseguiu, contrariando o artigo 15.°-G n.°1 da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, aditado pela
Lei n.°31/2012, de 14 de Agosto, estatui que “O procedimento especial de despejo extingue-se
pela desocupação do locado, por desistência e por morte do requerente ou requerido” e a
Doutrina, os autos com vista a condenação do réu no pagamento de rendas vencidas.
G- O Tribunal a quo como se pode verificar na sentença declarou extinta a instância quanto ao
pedido de desocupação do locado, mas manteve, em nosso entendimento mal, os autos
quanto ao pedido de pagamento de rendas vencidas, condenando o réu no pagamento dessas
rendas e custas processuais.
H- O artigo 15.°n.°5, confirmado pelo 15.°-B n.°2 alínea g) ambos da Lei6/2006, de27 de
Fevereiro, aditado pela Lei n.°31/2012, de 14 de Agosto, permite que o pedido de pagamento
de rendas, encargos ou despejas que corram por conta do arrendatário possa ser deduzido
cumulativamente com o pedido de despejo no âmbito do mesmo procedimento.
I- À contrario não há procedimento especial de despejo apenas para se pedir o pagamento de
rendas, encargos ou despesas.
J- Consequentemente, a sentença proferida pelo Tribunal a quo no âmbito de procedimento
especial de despejo não julgou a referida desocupação do locado, mas tão só as rendas
vencidas, contrariando o disposto nos artigos 15.º n° 5 e 15°-G n.°1, ambos da Lei nº 6/2006,
de 27 de Fevereiro, aditada pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, contrariando também a
Doutrina existente sobre o assunto.
K- Porquanto, o Tribunal a quo deveria ter considerado extinto o procedimento especial de
despejo por inutilidade superveniente da lide, não se devendo pronunciar sobre o mérito da
causa.
L- A douta sentença deve ser revogada, devendo a instância ser declarada extinta por
inutilidade superveniente, nos termos do artigo15°-G n.°1, da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro,
em virtude de se ter verificado a entrega do locado em 31 de Agosto de 2014.
4. Os AA não apresentaram contra-alegações.
5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II- FUNDAMENTAÇÃO:
1. De facto:
É a seguinte a factualidade que vem dada como provada na decisão recorrida:
Por contrato de arrendamento para habitação com prazo certo celebrado em 03/09/2009,
outorgado entre os senhorios e (...), na qualidade de inquilino, foi outorgado o arrendamento
com termo certo, do 4°andar Direito correspondente à fracção autónoma designada pela letra
J do prédio urbano sito na Rua (...), em Lisboa, freguesia da Graça, concel ho de Lisboa, inscrito
na matriz daquela freguesia sob o artigo (...) do 1° Bairro Fiscal de Lisboa, pelo prazo de cinco
anos, com início em 03/09/2009 e termo em 31/08/2014, renovável por períodos sucessivos
de 1 ano, enquanto não for validamente denunciado, destinado a habitação, pela renda
mensal de € 550,00, a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior aquele a que disser
respeito na morada dos senhorios, cfr. doc. a fls.11/13.
A renda nunca foi actualizada mantendo-se em € 550,00.
O inquilino (...) não pagou as rendas vencidas em Outubro, Novembro e Dezembro de 2013, e
as rendas vencidas em Janeiro de 2014 e em Fevereiro de 2014, estando assim em dívida as
rendas desde a vencida no primeiro dia útil de Outubro até à vencida no primeiro dia útil de
Fevereiro de 2014.
No ano de 2010, ocorreu infiltração de água no locado que veio a ser reparada pelo senhorio
(art.11º da oposição).
O Requerido expôs o seu assunto à Câmara Municipal de Lisboa que comunicaram aos
Requerentes, por ofício de 09-01-2012, a necessidade do imóvel ser objecto de obras de
conservação necessárias de forma a assegurar as condições de segurança, salubridade e
arranjo estético, cfr. docs. a fls. 79 (art. 19° da oposição).
O Requerido, mediante o ofício n° 12098, datado de 18-11-2013 da Câmara Municipal de
Lisboa, relativo ao assunto “Exposição sobre mau estado de conservação - Informação sobre o
procedimento”, foi informado que os Requerentes foram notificados sobre a obrigatoriedade
do cumprimento do dever de conservação estatuído no n°1 do artigo 89° do Decreto-Lei n°
555/99 de 16/12, cfr. doc. a fls. 81 (art. 20° da oposição).
Neste ofício verificam-se diversas anomalias no locado, designadamente: -No quarto frontal, a
fissuração generalizada no tecto com destaque para uma fissura mais acentuada que se
prolonga pela parede, e empolamento pontual de tinta no tecto; - No quarto frontal de
empena, verificam-se diversas anomalias tais como urna fissura acentuada no tecto que se
estende da parede de empena até ao centro do compartimento, bem como sinais de
deterioração provocada por águas no pavimento de madeira na vertical da referida fissura, e
empolamento pontual de tinta no tecto; - Na instalação sanitária, alguns azulejos fissurados na
parede de empena e empolamento pontual de tinta no tecto; - No quarto tardoz, verifica-se
tinta em destaque na parede tardoz junto ao vão, cfr. doc. a fls. 82/83 (art. 21° da oposição).
2. De direito:
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como
decorre do estatuído nos art.ºs 635º nº 4 e 639º nº 1, ambos do Código de Processo Civil[3].
Decorre daquelas conclusões que a única questão que importa dilucidar e resolver se pode
equacionar da seguinte forma:
O Tribunal a quo deveria ter considerado extinto o procedimento especial de despejo, por
inutilidade superveniente da lide, face à entrega do locado pelo R, e não se deveria ter
pronunciado sobre o pedido formulado de pagamento das rendas?
Vejamos pois.
Baseando-se na interpretação que faz do estatuído no art.º 15º-G nº 1 da Lei nº 6/2006 de
27.02[4], o apelante considera que o tribunal a quo deveria ter declarado a inutilidade
superveniente da lide, face à entrega do locado pelo R., e que não se deveria ter pronunciado
sobre o pedido formulado de pagamento das rendas.
Analisada a argumentação do apelante não cremos que lhe assista razão, como a seguir se
procurará evidenciar.
Não sofre dúvidas e aliás não vem questionado pelo apelante que o pedido de pagamento de
rendas, encargos ou despesas pode ser deduzido cumulativamente com o pedido de despejo,
quando haja lugar a procedimento especial de despejo – cfr. art.º 15º nº 5 do NRAU, quer na
sua versão originária quer na introduzida pela Lei nº 31/2012 de 14.08. Estamos perante a
chamada cumulação de pedidos, admissível nos termos do art.º 555º do CPC.
Por outro lado, estruturando a lei o procedimento especial de despejo como o “meio
processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento” – cfr. art.º 15º nº 1 do
NRAU – também não temos dúvidas da doutrina[5] invocada pelo apelante no sentido de que
“à contrário não há procedimento especial de despejo apenas para se pedir o pagamento de
rendas, encargos ou despesas. Trata-se de uma pretensão acessória que apenas se admite
quando deduzida cumulativamente…”. Sublinhámos o apenas para salientar que não é o caso
dos autos, pois o procedimento especial de despejo em causa não foi apenas proposto para
obter a condenação do R no pagamento das rendas.
Porém, já não se acompanha o apelante na interpretação que faz do nº 1 do art.º 15º-G,
preceito que foi introduzido no NRAU pela Lei nº 31/2012, sob a epígrafe “Extinção do
procedimento”.
Afigura-se-nos que a “extinção” (note-se que a terminologia é mesmo esta, “extinção”, o que é
relevante, como adiante se justificará) do procedimento especial de despejo prevista no nº 1
do art.º 15º-G, por qualquer uma das causas aí indicadas “desocupação do locado”,
“desistência” e “morte do requerente ou do requerido”, só opera quando o procedimento se
encontra ainda na fase que decorre no Balcão Nacional de Arrendamento (BNA).
Tal resulta a nosso ver, desde logo, da interpretação sistemática do próprio art.º 15º-G
porquanto no nº 2 se prevê que a “desistência”, como causa de “extinção” só possa ocorrer
até à dedução da oposição ou termo do prazo de oposição e que nos casos dos nºs 1 e 2 o BNA
“devolve … o expediente respeitante ao procedimento especial de despejo …” (cfr. nº 3).
Por outro lado não pode deixar de se dar relevância à utilização da expressão “extinção” do
procedimento especial de despejo quando nas causas previstas no nº 1 do art.º 15º-G citado
se considera uma circunstância, a morte das partes, que é no processo judicial, como se sabe,
apenas causa de suspensão da instância (cfr. art.º 269º do CPC). O legislador não de sconhecia
esta realidade.
Daqui decorre, inquestionavelmente, que a “extinção” do procedimento especial de despejo
prevista no art.º 15º-G citado não é tecnicamente a “extinção da instância” prevista no art.º
277º do CPC ou uma das suas causas, a “inutilidade superveniente da lide” (cfr. al. e) daquele
art.º 277º).
Assim, quando o facto da “desocupação do locado” ocorre já depois de deduzida oposição e
estando o processo na sua fase judicial, após distribuição, como foi o caso em que até já o
julgamento se encontrava marcado, as consequências hão-de ser analisadas à luz do CPC. E,
claramente, são as extraídas pelo tribunal a quo, ou seja, extinção da instância por inutilidade
superveniente da lide quanto ao pedido de despejo, dada a desocupação do locado, ao abrigo
do art.º 277º al. e) do CPC, mas prosseguimento dos autos para decisão do outro pedido, o de
condenação no pagamento das rendas.
Aliás, tal procedimento encontra ainda acolhimento no próprio NRAU, onde se prevê que
“sempre que os autos sejam distribuídos, o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões
suscitadas e, independentemente de ter sido requerida, sobre a autorização de entrada no
domicílio” – cfr. nº 7 do art.º 15º.
Uma dessas questões suscitadas era a da condenação no pagamento das rendas e não
conhecer dela, como pretexta o apelante, implicaria cometer uma nulidade, nos termos das
disposições conjugadas dos art.ºs 608º nº 2 e 615º nº 1 al. d), ambos do CPC, quiçá mesmo
violação da garantia de acesso aos tribunais, consagrada no art.º 2º do último diploma legal
citado.
Consequentemente não pode deixar de se concluir que bem andou o tribunal a quo ao
conhecer do pedido formulado pelo A quanto às rendas, não merecendo censura a decisão
recorrida que conclui pela procedência desse pedido, dados os factos provados, o não
pagamento das rendas pelo R. e a violação do seu dever contratual de pagamento das rendas,
o que aliás o apelante não questiona no recurso.
Em resumo, é negativa a resposta questão supra equacionada, improcede ndo assim as
conclusões das alegações do apelante, pelo que se impõe julgar improcedente o recurso e
confirmar a decisão recorrida.
III- DECISÃO:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que integram a 6ª Secção Cível deste Tribunal
em julgar improcedente a apelação, confirmando assim a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante.
Lisboa, 12.03.2015
(António Martins)
(Maria Teresa Soares)
(Maria de Deus Correia)
[1] Proc. nº 696/14.6YLPRT inicialmente do Balcão Nacional do Arrendamento e actualmente
da Comarca de Lisboa – Lisboa – Instância Local – Secção Cível – J24
[2] Diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra
indicação.
[3] Adiante designado abreviadamente de CPC.
[4] Aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, diploma adiante designado
abreviadamente de NRAU.
[5] Cfr. Coordenação: ANTONIO MENEZES CORDEIRO, Códigos Comentados da Clássica de
Lisboa, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina (2014), pág.424.