As coisas lilases são as bonitasE surpreendentes, embora haja coisas queTambém o são, e talvez mais.Sonhos lilases (as flores), e vestidos lilases,e as olheiras lilases das heroínasdos romances românticos.Lilás é bom. E doce. Entristece-nos eReconforta-nos. O meu pensamento,Neste momento, é lilás.Hei-de enviar-te um ramo. de lilases,Com um cartão escrito em tinta lilás.Lê-lo-ás, ao cartão escrito em tinta lilás,E aqui e ali rirás, sabe-se lá. Um risoLilás. Hélas!

Antero de Abreu

Interpretação do poema:Repare como o tom usado neste poema é diferente dos que anteriormente estudámos, do mesmo autor. É mais alegre, menos complexo e dirige-se a um “tu” (“Hei-de enviar-te um ramo…”).O próprio tema é diferente, pois parece haver a intenção de relacionar a cor lilás da flor que tem o mesmo nome, com o que a mesma pode simbolizar – a tranquilidade e até uma certa espiritualidade.

O sujeito poético assume que a tonalidade lilás é bonita, doce, surpreendente. Na antítese “Entristece-nos e/reconforta-nos” está

presente o duplo efeito do lilás no “eu”, pois esta cor pode ser conotada com a energia do cosmos e da inspiração espiritual, da transformação. O lilás, a flor e a cor são excelentes para a purificação do físico, do emocional, do mental. Daí que o sujeito poético transmita bem-estar e suspire “Lilás é bom. E doce…” O sujeito afirma “O meu pensamento,/neste momento, é lilás.” o que mostra bem o desejo de elevação mental.Entre “flores”, “vestidos”,” ramos” e “sonhos” bonitos e portadores de boa energia, surge apenas um elemento menos positivo, “as olheiras lilases das heroínas/ dos romances românticos” que podem ser conotadas com tristeza, sofrimento, dor…Tranquilo e cheio de inspiração, o sujeito poético dirige-se a um “tu”, prometendo que lhe vai enviar “um ramo de lilases/ com um cartão escrito em tinta lilás”, talvez para contagiar o “tu” com o mesmo bem-estar. Mas termina o poema com a expectativa de que o “tu” vá ler o cartão e que, numa ou noutra passagem, possa rir, com um riso lilás. Para manter a musicalidade presente em todo o poema, o poeta rima “lilás”, a palavra mais repetida, com uma interjeição em francês - ”Hélas”- que tem um valor de lamento, como se dissesse que, infelizmente, o “tu” não levará a sério o que o “eu” lhe escreveu num cartão e rirá com um “riso lilás”.

Este poema é composto por uma estrofe única, com 14 versos, que poderiam ser distribuídos como num soneto (2 quadras+2 tercetos), versos com número variável de sílabas métricas. Contém vários recursos estilísticos, como as aliterações em “s” e “m” e “n” (ex.:“Reconforta-nos. O meu pensamento”) e assonâncias em “a”, “i”(ex.: “E aqui e ali rirás, sabe-se lá. Um riso”)O ritmo, essencial em poesia, é lento neste poema devido ao número de sílabas métricas de cada verso, associados aos acentos fortes e fracos.