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13 Capítulo A Sociedade Diante do Estado Grafite do artista de rua australiano Meek, feita em 2004 na parede de uma estação ferroviária em Melbourne, Austrália. No cartaz lê- se: FIQUE COM SUAS MOEDAS. EU QUERO MUDANÇA. Na tradução, perde-se o trocadilho, pois CHANGE, em inglês, significa tanto MUDANÇA como TROCO (moedas ou cédulas de menor valor).

Capítulo 13 - A Sociedade Diante do Estado

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A Sociedade Diante do Estado

Grafite do artista de rua australiano Meek, feita em 2004 na parede de uma estação ferroviária em Melbourne, Austrália. No cartaz lê-se: FIQUE COM SUAS MOEDAS. EU QUERO MUDANÇA. Na tradução, perde-se o trocadilho, pois CHANGE, em inglês, significa tanto MUDANÇA como TROCO (moedas ou cédulas de menor valor).

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No capítulo 11, vimos que os detentores do poder não devem contar com obediência em toda e qualquer situação. Para sobreviver, o Estado precisa fazer acordos e concessões com os diferentes grupos da sociedade que governa. Esses grupos, por sua vez, procuram conquistar cada vez mais direitos e garantias diante do Estado. Nas diferentes sociedades, as lutas políticas acontecem de formas diversas. Em sociedades modernas, uma parte importante da luta política é o empenho em definir o que é cidadania, isto é, quais são os direitos e os deveres dos cidadãos. Nessa luta por direitos, os movimentos sociais buscam o apoio dos cidadãos para suas reivindicações e o Estado tenta negociar acordos entre diferentes reivindicações. As tentativas do Estado nem sempre têm êxito, o que, em alguns casos, pode até mesmo levar à derrubada violenta do governo.

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1. A LUTA PELA CIDADANIA Cidadania é a condição de ser reconhecido como membro de um grupo político(por exemplo, um Estado) e de ter os direitos e deveres resultantes dessa condição. Na definição da filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), cidadania é “o direito de ter direitos”. Quando disse isso, Arendt pensava nas pessoas que foram expulsas de seus países durante a Segunda Guerra Mundial e, por isso, deixaram de ser reconhecidas como cidadãs de qualquer país: quem, nessa situação, poderia garantir os direitos dessas pessoas? Pense no que significa ser cidadão de um país (por exemplo, o Brasil). Significa ser, antes de tudo, reconhecido pelos brasileiros como cidadão, tanto quanto eles, e reconhecê-los como cidadãos, tanto quanto você. Se uma pessoa rica ou poderosa acha, por exemplo, que a lei não se aplica a ela, mas apenas aos mais pobres, essa pessoa está desrespeitando os princípios da cidadania. Mas cidadania não é só ser reconhecido como parte de um país: um cidadão também tem direitos e deveres. E esses direitos e deveres não são os mesmos em todos os países nem em todas as épocas. Os direitos que compõem a cidadania foram conquistados por meio de longas lutas políticas.

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A análise clássica sobre a evolução da cidadania e dos direitos que a compõem foi feita pelo sociólogo inglês T. H. Marshall (Perfil neste capítulo). Marshall identificou três tipos de direitos que formaram a cidadania moderna na Inglaterra. São eles: 1. Direitos Civis: aqueles que permitem ao cidadão exercer sua liberdade individual. Por exemplo, o direito de dizer o que você pensa (liberdade de expressão), o direito de acreditar na religião que você quiser (ou não acreditar em nenhuma), o direito de fazer acordos e contratos com outros cidadãos e o direito à propriedade. Os direitos civis foram os primeiros a surgir na Inglaterra, se consolidando a partir do século XVIII. 2. Direitos Políticos: são aqueles que permitem ao cidadão participar do exercício do poder político. São exemplos de direitos políticos o direito ao voto, o direito de se organizar com outros cidadãos para defender propostas (incluído aí o direito a formar partidos políticos) e o direito de ser eleito para cargos políticos. Os direitos políticos se consolidaram na Inglaterra no século XIX, com o reconhecimento do sufrágio universal: o direito de voto para todos os cidadãos (inicialmente, só os homens).

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Cartaz de campanha pelo voto feminino na Inglaterra com o texto “sem voto, sem impostos”, convocando as mulheres a não pagar impostos enquanto não tivessem direito ao voto. (1910)

Retrato de André Pinto Rebouças (1838-1888), óleo sobre tela do pintor Rodolfo Bernardelli (1852-1931). Nome importante da luta contra a escravidão, viveu para ver a abolição da escravatura em 1888, mas sempre lamentou que não tivessem sido tomadas medidas para dar aos negros brasileiros terras e outras condições para o exercício efetivo de sua cidadania.

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3. Direitos Sociais: são aqueles que garantem ao cidadão um mínimo de bem-estar econômico e uma vida digna, de acordo com o padrão do país e da época. São exemplos de direitos sociais o direito à educação, à saúde, a uma aposentadoria na velhice ou em caso de invalidez. Os direitos sociais ganharam força no século XX, com as conquistas dos movimentos operários europeus, que forçaram o Estado a prover a todos os cidadãos saúde e educação públicas, entre outros direitos, como vimos no capítulo 8. Em resumo, a cidadania é uma condição que nos permite participar como iguais da discussão política e uma reivindicação de que todos participem do que Marshall chamou de “herança comum” da sociedade, da riqueza que ela produz e da discussão sobre os valores que a sustentam.

Mulheres e crianças da etnia Rohingya, grupo muçulmano que vive entre Mianmar e Bangladesh, na Ásia, carregam seus pertences fugindo de violentos confl itos em junho de 2012. Os Rohingya são uma das minorias mais perseguidas do mundo, e, embora vivam no território de Mianmar há muitos séculos, não são reconhecidos como cidadãos do país. Por este motivo, frequentemente são vítimas de abuso e exploração.

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2. OS MOVIMENTOS SOCIAIS

É durante a luta pela cidadania que se formam os cidadãos. Os movimentos sociais foram — e são — fundamentais na tarefa de exigir do Estado o reconhecimento dos direitos que compõem a cidadania e para que os próprios cidadãos discutam entre si quais devem ser esses direitos. Chamamos de movimento social um grupo de pessoas que atua conjuntamente para transformar algum aspecto da sociedade. Os movimentos sociais são diferentes dos partidos políticos porque não procuram, necessariamente, conquistar o controle do Estado. Para o sociólogo norte-americano Charles Tilly, em cada época os movimentos sociais têm um “repertório”, um conjunto de práticas utilizadas para reivindicar. Atualmente, são usadas as campanhas na internet, protestos, passeatas e outras formas de atuação política independente da disputa pelo Estado. Embora seu principal foco não seja o Estado, os movimentos sociais exercem influência sobre ele porque muitas vezes as campanhas e protestos que organizam afetam as opiniões dos eleitores, fazendo com que os políticos passem a levá-los em conta. Há vários tipos de movimento social. Para a filósofa norte-americana Nancy Fraser (1947-), há uma distinção entre os dois tipos de luta empreendida por esses movimentos: a luta por redistribuição e a luta por reconhecimento.

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Fotografia tirada durante manifestação sindical do dia primeiro de maio de 1919, na praça da Sé, em São Paulo. A participação do movimento operário foi importante na conquista dos direitos sociais e também na luta pelo direito ao voto, que em muitos países era privilégio de indivíduos acima de determinados níveis de renda.

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A LUTA POR REDISTRIBUIÇÃO busca corrigir ou eliminar o que os membros do movimento consideram injustiças econômicas e sociais. O exemplo mais claro é a luta dos sindicatos, que buscam a redistribuição de renda por meio de salários mais altos e outros direitos sociais que diminuam a distância entre a qualidade de vida das diversas classes sociais. No Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que reivindica a redistribuição de terras, é um exemplo de luta por redistribuição.

Abril de 2010, cerca de 5 mil militantes do MST partiram de Feira de Santana, Bahia, em marcha pela Rodovia BR-324, rumo à capital baiana.

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A luta por reconhecimento, busca corrigir ou eliminar injustiças culturais, como a humilhação, o desrespeito e a negação de direitos a pessoas de determinados grupos. Por exemplo: o LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros), luta contra a homofobia e a favor da livre expressão sexual, do reconhecimento do casamento civil entre homossexuais, e para que a sociedade aceite os homossexuais como cidadãos que têm direito a ser diferentes em tudo o que não prejudique os outros cidadãos.

16ª Parada do Orgulho LGBT, em São Paulo – SP. Junho de 2012.

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Além dos casos mais evidentes de movimentos por redistribuição e movimentos por reconhecimento, há os que envolvem tanto a luta pela redistribuição quanto a luta pelo reconhecimento, que Nancy Fraser chamou de movimentos bivalentes. O MOVIMENTO FEMINISTA, por exemplo, luta pelo reconhecimento dos direitos das mulheres. Grande parte da luta feminista é por redistribuição: pelo fim da desigualdade salarial entre homens e mulheres, por exemplo, ou para que o governo faça investimentos em políticas públicas para a melhoria da vida das mulheres (como creches públicas de qualidade que permitam às mães trabalharem tranquilamente). Mas a luta feminista é também por reconhecimento: para que as mulheres não sejam julgadas pela beleza física, não sejam estereotipadas como fúteis, vaidosas ou fracas, para que se reconheça o valor do trabalho não remunerado, como o serviço doméstico.

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Parte da luta do Movimento Negro é por redistribuição: o fim da diferença salarial entre negros e brancos, cotas em universidades públicas, etc. Mas a parte central é contra ideias racistas e estereótipos (de que negros só são bons em esportes e música, de que mulheres negras são mais sensuais que mulheres brancas, ou que somente brancos podem ter “aparência de líder”). O movimento negro também luta para que a história da resistência negra seja contada nas escolas e para que a herança cultural afro-brasileira seja reconhecida.

A imagem acima mostra uma cena em um ônibus nos EUA. A norte-americana Rosa Parks, se rebelou contra a legislação racista dos anos 1950 do sul dos EUA, em que os passageiros negros deveriam ceder o lugar a um branco, quando a seção reservada deles estivesse lotada. Em 1º de dezembro de 1955, ela se recusou a fazer isso e foi presa. Sua prisão desencadeou uma onda de protestos por todo o país. A foto mostra Rosa Parks num ônibus, no dia 21 de dezembro de 1956, um dia depois da revogação da lei racista.

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O Movimento Indígena talvez seja aquele em que estão mais entrelaçadas as lutas por reconhecimento e por redistribuição. Parte importante da luta indígena é pelo direito de ser reconhecido como tal (como membro de uma das diversas culturas indígenas existentes no Brasil), pelo direito de ter sua cultura aceita e não ser forçado a se adaptar aos padrões da sociedade ocidental. Mas, para que tudo isso se torne realidade, é fundamental a luta dos indígenas pelas terras que ocupam há muitos séculos, e longe das quais seus costumes dificilmente sobreviveriam. Por isso, boa parte da luta indígena no Brasil se dá contra garimpos, fazendas e projetos governamentais (como usinas hidrelétricas) que invadem terras e reservas ou as prejudicam de alguma forma (por exemplo, poluindo seus rios).

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FIM

Bibliografia: Sociologia Hoje Henrique Amorim Celso Rocha de Barros Igor José de Renó Machado