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SECRETARIA DE EDUCAÇÃO/DIRETORIA DE ENSINO GERÊNCIA DE APOIO TÉCNICO-PEDAGÓGICO ASSESSORIA DE ALFABETIZAÇÃO E LÍNGUA PORTUGUESA CORRIGIR É PRECISO? Durante anos a fio a escola, de modo geral, tem implementado intensas atividades de correção de produções escritas dos alunos, tais como: provas objetivas, dissertativas, questionários, pesquisas, relatórios, produções espontâneas, enfim, de tudo que se registra na sala de aula e fora dela. É a cultura da correção. Professores reclamam da falta de tempo para a execução de tal tarefa, outros da sua ineficácia, especialmente no que se refere à correção de textos de alunos do Ensino Fundamental, onde há recorrência de erros já apontados e supostamente corrigidos. Muito se tem questionado sobre o quê , como , por quê e para quê corrigir. Portanto, dada a angústia de professores, supervisores educacionais e até mesmo de pais diante do posicionamento da escola com relação à revisão/correção das chamadas “redações” dos alunos, resolvemos expor aqui algumas idéias para serem pensadas e discutidas no âmbito da escola para que o professor tome uma posição adequada à sua concepção pedagógica. Julgamos que, neste momento, cabe aqui uma breve reflexão sobre o significado da palavra ( verbo de ação) corrigir. O que significa corrigir no contexto escolar? Corrigir [do latim corrigere ]v.t.d. 1.dar forma correta a, emendando; endireitar; retificar 2. arranjar, arrumar, ordenar, endireitar, compor, consertar. (FERREIRA,Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. São Paulo,Nova Fronteira, 1986, p.485) Transpondo para o âmbito escolar, e tomando o texto da criança como alvo, podemos afirmar que corrigir e ensinar não são exatamente sinônimos, mas podemos aproximar as duas palavras no sentido de que a correção como fim em si mesmo toma forma de reprimenda, não ensina, aponta erros, mas não corrige, não arruma, não conserta. No entanto, a correção reflexiva pode ensinar muito. A correção pode ser tratada como uma oportunidade para elevar a língua a objeto de conhecimento e não somente um instrumento de comunicação. Para tanto, a criança precisa refletir sobre suas diferentes unidades: textos, parágrafos, orações, palavras, morfemas, letras. O ensino eficaz da língua pressupõe o uso de estratégias desafiadoras, provocações que estimulem a reflexão sistemática sobre as dificuldades de escrita, auxiliando as crianças

Corrigir e preciso

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SECRETARIA DE EDUCAÇÃO/DIRETORIA DE ENSINOGERÊNCIA DE APOIO TÉCNICO-PEDAGÓGICO

ASSESSORIA DE ALFABETIZAÇÃO E LÍNGUA PORTUGUESA

CORRIGIR É PRECISO?

Durante anos a fio a escola, de modo geral, tem implementado intensas atividadesde correção de produções escritas dos alunos, tais como: provas objetivas, dissertativas,questionários, pesquisas, relatórios, produções espontâneas, enfim, de tudo que se registrana sala de aula e fora dela. É a cultura da correção.

Professores reclamam da falta de tempo para a execução de tal tarefa, outros da suaineficácia, especialmente no que se refere à correção de textos de alunos do EnsinoFundamental, onde há recorrência de erros já apontados e supostamente corrigidos.

Muito se tem questionado sobre o quê , como , por quê e para quê corrigir.Portanto, dada a angústia de professores, supervisores educacionais e até mesmo de

pais diante do posicionamento da escola com relação à revisão/correção das chamadas“redações” dos alunos, resolvemos expor aqui algumas idéias para serem pensadas ediscutidas no âmbito da escola para que o professor tome uma posição adequada à suaconcepção pedagógica.

Julgamos que, neste momento, cabe aqui uma breve reflexão sobre o significado dapalavra ( verbo de ação) corrigir. O que significa corrigir no contexto escolar?

Corrigir [do latim corrigere ]v.t.d. 1.dar forma correta a, emendando;endireitar; retificar 2. arranjar, arrumar, ordenar, endireitar, compor,consertar.(FERREIRA,Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da LínguaPortuguesa. São Paulo,Nova Fronteira, 1986, p.485)

Transpondo para o âmbito escolar, e tomando o texto da criança como alvo,podemos afirmar que corrigir e ensinar não são exatamente sinônimos, mas podemosaproximar as duas palavras no sentido de que a correção como fim em si mesmo tomaforma de reprimenda, não ensina, aponta erros, mas não corrige, não arruma, não conserta.No entanto, a correção reflexiva pode ensinar muito.

A correção pode ser tratada como uma oportunidade para elevar a língua a objetode conhecimento e não somente um instrumento de comunicação. Para tanto, a criançaprecisa refletir sobre suas diferentes unidades: textos, parágrafos, orações, palavras,morfemas, letras.

O ensino eficaz da língua pressupõe o uso de estratégias desafiadoras, provocaçõesque estimulem a reflexão sistemática sobre as dificuldades de escrita, auxiliando as crianças

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a “ construírem”, conscientemente, as regularidades e irregularidades do sistema de escritada Língua Portuguesa. Assim deve ser encarada a correção.

A correção em questão pode ser compreendida como uma situação de compreensãodo nível de aprendizagem do aluno em relação ao que se propõe para cada momento daaprendizagem.

A proposta de trabalho com textos na perspectiva pós-construtivista não descarta apossibilidade de correção das produções escritas das crianças. Orienta para a provocaçãoefetiva no decorrer das aulas para que as crianças construam suas hipóteses sobre a escrita,refaçam essas hipóteses, negando-as ou confirmando-as e, conseqüentemente, procedendocorreções, em um ambiente de interação e interlocução, especialmente no período dealfabetização, quando atividades desafiantes já responderão pela correção adequada.

Nesta fase orienta-se que o professor aceite as hipóteses de escrita dosalunos, não interferindo diretamente nas produções. Nesse momento nãodeve corrigir nada, nem escrever embaixo do erro. A correção nessestermos é proposta somente quando o texto a ser produzido terá uminterlocutor real, no caso um bilhete para um colega, cartazes paraexpor...(GUERRA, et.al. Além das Palavras. SP, Moderna, 2001).

Para as crianças já alfabetizadas e em processo de ortografização, faz-se necessáriouma intervenção mais sistemática das produções escritas:

• no nível da textualidade, quando se verifica a produção como um processode interlocução, de interação, em que nível foram atendidos os padrões detextualidade (organização, unidade, coerência, coesão, clareza );

• no nível da correção lingüística no sentido de atender às exigênciasnormativas do uso da língua escrita, Isto é, correção ortográfica, uso desinais de pontuação e uso adequado de regras morfossintáticas simples.

Dessa forma, encarando a correção como uma situação de compreensão do nível daaprendizagem do aluno em relação ao que se propõe para cada momento da escolaridade,de acordo com uma concepção mais progressista de educação, esta deve ser consideradacomo um exercício de reflexão, tanto para professor quanto para aluno, inserido numaperspectiva comunicativa no que compete às respostas às questões levantadas noterceiro parágrafo.

A escola precisa tratar os temas da revisão e da correção nesta perspectiva, levandoa aluno a pensar que suas produções terão leitores reais e não somente um leitor quetomará a correção dessas produções escritas como apontamento da “forma errada” e da“forma correta”.

A postura do professor diante do texto do aluno deve ser de parceiro maisexperiente, interagindo com o conhecimento do aluno, tomando posição daquele queverifica o que o aluno é capaz de realizar sozinho e também partilhando com eles aspectosque precisam ser aprofundados ou solidificados para o avanço de sua competêncialingüística.

Assim sendo, é justamente sobre a análise da produção textual do aluno que deverárecair a atenção do professor, pois é ali que estarão concretizados o que o aluno já sabe e oque ele precisa aprender, portanto, corrigir é preciso. Mas... como?

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A correção pode ser feita no momento em que as crianças estão compondo seustextos (na sala de aula) , quando o professor poderá observar a forma que a criança estáescrevendo e propor indagações que a conduzam ao pensamento reflexivo, ou seja , ainterferência do professor é questionadora e deve levar o aluno a “desconfiar do que escrevee procurar informações necessárias para saber se escreveu certo ou errado” (Luís CarlosCagliari, Ortografia na escola e na vida) e posterior correção/reelaboração do que escreveu.

Dessa forma, correção no nível da textualidade só pode ser feita em sala de aula , nasituação de interação e, por isso, está prevista nas atividades que envolvam a produçãoescrita.

A correção posterior à composição do texto, ou aquela que se refere ao nível dacorreção lingüística. Nesta, nem sempre é necessário que o professor corrija todas asproduções de todos os alunos. Segundo Magda Soares, em geral, os benefícios destacorreção são mínimos, em comparação ao que ela custa ao professor. Há outras alternativasque apresentam inegáveis vantagens porque associam a correção à aprendizagem, porexemplo, as correções coletiva e individual, nos termos da codificação, reestruturação,reescrita, reconstrução e refacção, autocorreção.

Nos momentos em que a criança está ausente, o professor poderá ler os textosproduzidos e proceder anotações que levem o aluno à observação, à comparação, àreflexão e conseqüente autocorreção quando da devolução dos textos para ele (videColeção ALP – manual do professor p.16 - 22).

Para esse tipo de correção, também é interessante introduzir o trabalho com aspautas de revisão que podem ser ajustadas no nível do aluno, usando símbolos cujosignificado é combinado previamente com a turma e que indicam como e onde devemprocurar corrigir-se ( vide Ortografia: ensinar e aprender, Artur Gomes de Morais.Ática,SP,1999 ,p.120 - 121); arquivos ou portfólio e outros recursos que oportunizem areflexão sobre a escrita.

O importante é que a correção seja antes de tudo um procedimento de intervençãopedagógica eficiente, que resulte em orientação aos alunos no uso da língua escrita.

Diante dessa indagação, corrigir é preciso?, desejamos que você, professor, encarea leitura e o trabalho de correção de produções escritas dos alunos como uma tarefaprazerosa e produtiva, desencadeadora de ricos momentos de aprendizagem em sala deaula.

Bom trabalho!

Assessoria de Alfabetização e Língua PortuguesaRosana Daliner Acosta Marchese e Olinda Rosa Ribas

Março/2003.