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Crónicas do amor impossivel (Edição Portugal)

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Mário de Andrade definiu para sempre: amar é verbo intransitivo. O amor atrai pela promessa do bem, mas pica uma ferida narcísica: expõe a nossa carência, a nossa incompletude. Quando amamos, sofremos porque vemos no outro tudo o que nos falta e queremos. Sofremos porque temos medo de que o outro nos abandone, a levar consigo uma parte nossa que nos desabita. Se não amamos, sofremos porque não temos com quem partilhar o que temos. Se não somos amados, não adianta ter o que partilhar. Crónicas do Amor Impossível mostra a corrosão que o amor provoca no outro lado. O que quebra na engrenagem do outro, os escombros pós-explosão e o que restou. Sem sonhos e sem conselhos o livro fala de amor. Assista os vídeo-poemas: http://sergioprof.wordpress.com/video-poema/ Baixe o audiobook: http://www.4shared.com/mp3/RLozibGC/Ja_te_amava_antes_de_existires.html

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Page 1: Crónicas do amor impossivel (Edição Portugal)
Page 2: Crónicas do amor impossivel (Edição Portugal)

antes que eu pudesse dar-me conta, desde o princípio, antes

mesmo de te conhecer, já te amava. cultivava este amor

repleto de promessas imprevistas, noutro hemisfério, em

terras distantes, noutro continente, por cruzar mares e

oceanos até me encontrar. já amava a tua cor e o teu toque, as

tuas palavras antes que as ouvisse, já previa o emaranhar de

nós e o nosso abraço, minha ânsia em percorrer os teus

relevos e os teus segredos, os teus pelos na minha boca, a

humidade entre as tuas pernas. já tinha as minhas mãos à

espera das tuas, sempre a aguardar a tua chegada, o momento

delas envolverem os teus peitos. esperei por ti, repleto de

histórias de outras tantas que se desvaneceram no momento

em que os teus lábios se encontraram com os meus.

* * *

guardei para ti rosas e versos, construí cada palavra, pus em

cada uma um gosto de sol e mel, procurei matizes e luzes.

aguardei que sobre elas derramasses o teu sorriso ao

encontrares ali o teu nome. a minha satisfação brotou entre as

pétalas do jardim. o que fiz foi para esquecer as lágrimas já que

agora somente os teus dedos correm pelo meu rosto.

* * *

Page 3: Crónicas do amor impossivel (Edição Portugal)

espero o momento de te tocar e sabes que há em ti algo que

me envolve e me conquista. esta expectativa é um ensaio que

atravessa o abismo entre a nossa pele, é um prenúncio de algo

em que me fizeste acreditar. algo que me tome quando este

momento chegar e quando de mim tu te apoderares.

contento-me com o teu frágil sorriso e as tuas promessas cuja

interpretação se perde diante do timbre da tua voz. profeta da

incerteza, aguardo do momento a sua acontecência. calo

diante da fêmea húmida que sugere cios e sonhos, diante do

encanto e do encontro aguardado por nossas línguas.

* * *

se amor houvesse, bastar-me-ia isto para desaprender o meu

caminho, para vagar da praça mauá à cinelândia sem direcção,

quieto e calado, pequeno, leve, para me perder nas curvas e

becos da cidade nua, para que me diluísse na multidão? seria

suficiente para tocar os teus cabelos, para guiar os meus dedos

por sob a tua saia até o teu húmido reduto, para desejar ouvir

de ti um gemido? se amor houvesse, bastar-me-ia isto para

admirar o céu do aterro, insano e vasto, amplo, alto, para criar

asas que me levariam até ao sol repetindo o voo de ícaro?

bastar-me-ia que nos encontrássemos num horizonte de

eventos, que a tua respiração se fundisse à minha, que eu

tornasse a crer em sonhos? se amor houvesse será que tu

entenderias que por tua causa desaprendi o caminho, por tua

causa vagueei sem direcção, por tua causa perdi-me, por tua

causa parei para olhar o céu, por tua causa tornei a sonhar?

* * *

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beijo as pétalas da rosa.

e na minha boca

o meu amor goza.

* * *

prometi amar-te, assim por inteiro, cada centímetro teu que

trazes debaixo da roupa, sem me importar se já foste santa ou

puta, comprometendo-me a escutar o que dizias, real ou

imaginário. prometi amar-te, lúcido ou demente, apesar das

coisas pequenas e insanas, grandiosas ou medíocres,

ordinárias, desprezíveis, desnecessárias ou imprescindíveis que

preenchem os teus calendários, ocupam a tua agenda e que

me roubam o sono. prometi amar-te, nas tuas insignificâncias e

coisas tolas que transformas em holocaustos, vendo a forma

como te movimentas, o teu piscar de olhos quando mentes, de

acordo com os teus ardis, os teus artifícios. prometi amar-te

em cada segundo que nos é subtraído e apesar da constatação

de tuas trapaças, apesar dos nossos fracassos. foi só quando

desisti de ti que pude cumprir a minha promessa.

* * *

Page 5: Crónicas do amor impossivel (Edição Portugal)

o quanto vagueei à tua procura, a levar comigo as tuas

palavras, a fazer delas um mantra, uma prece, ao ouvi-las, a

cultivar a ilusão de que não tinhas partido? quantos

amanheceres permaneci a revolver as lembranças que não se

desfaziam, a maneira como gesticulavas, os teus lábios quando

encontravam os meus, como me recebias entre as tuas pernas,

o branco dos teus dentes. o quanto vagueei a prometer-me

que te encontraria a qualquer momento, a qualquer custo?

essa promessa a resguardar-me da aniquilação, a sentir o teu

cheiro em cada uma que despia, a chamá-las também pelo teu

nome.

* * *

quando acordei não posso dizer que encontrei o inesperado.

aquela manhã, tantas vezes adiada, finalmente se revelava e

nascia, contra a minha vontade, no ontem emaranhada. era

como se ainda estivesses aqui, restos do teu riso continuavam

presentes na cena, as tuas mãos a tocar-me, as minhas coxas

entre as tuas, na mesma cama em que prometemos ficar

juntos para sempre. a luz imprecisa daquela manhã não me

permitia acreditar que o teu som havia cessado, restando

apenas a ruidosa agonia dos espelhos a despertar-me para o

indesejado, o inevitável e a vontade de não acordar. o

itinerário do teu corpo era agora um teorema, a concretude

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definitiva da tua partida, na mesma cama em que a outro te

entregaste.

* * *

foram tantos os que te comeram, a tantos juraste eterno amor.

com todos tiveste a certeza de ter encontrado o teu par. como

acreditar no que me dizes, mais uma vez, com a tua mesma

antiga convicção? sou apenas mais um entre os tantos que te

comeram. se apenas tarde te encontrei e não pude ser o

primeiro, não posso cobrar do teu tardio amor ser o último.

* * *

tenho sobre a pele o calor das tuas mãos, o toque dos teus

dedos, o rasto que a tua saliva deixou, marcas invisíveis que na

minha carne ficaram registadas. tenho a tarde branca liberta

dos teus pelos que à minha frente se desenrola, repleta de

sussurros e silêncios, revirando as minhas entranhas, vazia

como a página onde escrevo e o horizonte que se cala.

caminho sobre a terra desolada que a tua falta criou. levo

comigo o teu último beijo. 14 horas, 19 de março, comecei a

morrer.

Page 7: Crónicas do amor impossivel (Edição Portugal)

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