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Darcy Ribeiro: Os Índios e a Civilização - Conclusão

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FICHA CATALOGRAFICA

CIP-Brasil_ Caf,alogat;iio-na-tonteSindieato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Ribeiro, Darei, 1922-R368i Os indios e a civiliza9iiO: a integra9ao das

popula90es indigenas no Brasil moderno / DarcyRibeiro. - 3_ ed. - Petr6polis: Vozes, 1982_

512 p.

Bibliografia.

I. Civiliza9iio de indios da America do SuiBrasil. 2. indios da America do Sui - Brasil.

1. Titulo. II. Titulo: A Integra9ao das popula90esindigenas no Brasil moderno.

CDD - 980.41301.451981

79-0056 CDU - 301.162.1(81=97)

Darcy Ribeiro

~

Os Indios e a Civiliza~ao

A Integra<;ao das Popula<;6esIndigenasno Brasil Moderno

4~ edi~ao

iii ',I ~~. A ,r)o_____y ';'t>"r r::.,y

Petr6polis JEditora Vozes Ltda.

1982

XII

Conclusoes

I - POPULA<;AO INDIGENA BRASILEIRA

A popula9ao indigena do Brasil, cujo montante se encontravaem 1957 entre om minimo de .sessenta e oito mil e cem e um ma­xim; de noven.!a ~.l!.Qve mil e set~eiitos, Ii"ao alcan9a, mesmo nahip6tese mais otimista, RJ,,2%, da popula9ao nacional. Distribuidospelas diversas regi6es do Pais, os valores medios destas avalia96esnos dao um montante provavel de cinqtienta e dois mil quinhentose cinqtienta indios (612i) para a .A.ma4onia; de dezoito mil centoe vinte e cinco (21, %) para 0 B sil Central; de sete mil e sete­centos (9%) para~'o Brasil. Oriental, e de cinco mil quinhentos evinte e cinco (6,)_%) par~ re?iao SuI.

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Distribuidas por categorias correspondentes aos graus de conta­to, estas medias nos dao os seguintes numeros: quarenta e sete milsetecentos e cinqiienta indios para os grupos isolados (57%); dezmil duzentos e setenta e cinco para os que estao em conta!~in­

termitente (12%); dezoito mil e setenta e cinco para os que vivemem contat ps~nente (21,4%); e trinta e urn mil qUinhentos evinte e cinco para os gfUpOS _integrados na sociedade nacional(36,7%). A discrimina«ao dos-gruposlingtiisticos com mais dec~mil pessoas indicam a existencia proviivel de treze mil oito­centos e vinte e cinco indios do tronco lingiiistico Aruak; doze milsetecentos e setenta e cinco de lingua Ie; doze mil e quatrocentosTupi e doze mil e duzentos Karib, em territorio brasileiro.

2 - GRADS DE INTEGRA<;AO

As popula«Oes indigenas do Brasil moderno sao classificiiveisem quatro categorias referentes aos graus de contato com a socie­dade nacional, a saber: isolados, contato [;ttermitente, contato per­manente e integrados. Estas categorias represent~m etapas sucessivase necessiirias da integra«ao das popula«oes indigenas na sociedadenacional. Alguns grupos desaparecem, porem, antes de percorrertodas elas e cada grupo permanece mais ou menos tempo numaetapa, conforme as vicissitudes de suas rela«oes com os civilizados,certas caracteristicas culturais proprias e as variantes economicas dasociedade nacional com que se defrontam.

1. lsolados. Sao os grupos que vivem em zonas nao alcan­~adas pela-SOCiedade brasileira, so tendo experimentado contatosacidentais e raros com "civilizados". Apresentam-se como simples­mente arredio.s ou como hastis. Nesta categoria se encontram astribos mais populosas e de maior vigor fisico e, tambem, as linicasque mantern completa autonomia cultural.

2. Contato inte~mitente. Corresponde aqueles grupos cujosterritorios come«am a ser alcan«ados e ocupados pela sociedadenacional. Ainda mantern certa auton.QYlia cultural, mas van surgin-

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do necessidades novas cuja satisfa«ao so e possivel atraves de re­la?~_s_~o~omicas com agentes da civiliza«ao. Freqiientemente ternatItudes de arnbivalencia motivadas, por urn lado, pelo temor aohomem branco; e, por outro lado, pelo fascinio que exerce sobreeles urn equipamento infinitamente superior de a«ao sobre a nature­za. Suas at~vidades produtivas come«am a sofrer uma diversifica«aopel~ necessldade de, alem das tarefas habituais, serem obrigados adedlcar urn tempo crescente a produ«ao de artigos para troca ou ase aluga~:m co~o !Qr~a de trabalho. Sua cultura e sua lingua co­me~am Ja a refletir essas novas experiencias ~atraves de certas mo­difica'tOes que a acercam das caracteristicas da sociedade nacional.

~; Contato permanepte. Incluimbs nesta categoria os gruposque Ja perderam spa autonomia socio-cultural, pois se encontrarnem co~pleta de end 'ncia da economia regional para 0 suprimentode artIgos -tornados indispensiiveis. No entanto, ainda conservamos costu~s tradicionais cOI.Dpativeis com sua nova· condi~ao, em­bora profundamente modificados pelos efeitos curnulativos das com­p~ls6es ecol~gi~as, economicas e culturais que experimentaram. 0nurnero de mdlOS capazes de exprimir-se em ortugues aumenta,alargando assim os meios de comunica~ao com a sociedade nacio­n~l. A ~o~ula~~o ~n~igena tende a diminuir, chegando algumast,:bos a. mdlces tao balXos que tornam inoperante a antiga organiza­«ao socIal.

4. lntegrad~s. Estao incluidos nesta classe aqueles gruposque, tendo. expenmentado todas as compulsoes referidas, consegui­ra~ sobrevlve~, ch,egando a, n~ssos dias ilhad01. em meio a popula«aonaclOnal, a cUJa vIda economIca se van incorporando como reservade mao-de-obra.. ou como produtores especializados em certos ar­tigos para .0 come:c~o: Em geral vivem confinados em parcelasde seus antlgos terntonos, ou, despojados de suas terras, perambu­lam de. ~m lugar a outro. Alguns desses grupos perderam sua lin­gua 0,Dgma.l e, ap~rentemente, nada_os distingue da popula«ao ru­ral com que ,:onvlVem. 19ualmen~~§.!!«ados, vestindo a mesmar0J.l,P,3, comendo os mesmos alimentos, poderiam ser~ ·confundidoscom. seus vizinhl?Lneobrasileiros, se eles proprios nao estivessemcertos de que constituem urn povo a_parte, nao guardassem uma ~

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especie de lealdade a essa identidade etnica e se nao fossem defini­dos, vistose-discriminados como indios" pela popula<;:ao cir-cundante. --

5. A et~a de integrat;iio na corresponde a fus!o dos gru­pos indigeri-aS' na sociedaCle nacional como parte in~guivel dela,pois essa seria-a- assimiTa<;ao grupal que nao ocorreu em nenhumdos casos examillados. Aquilo com que nos defrontamos e que foidesignado como estado de integra<;ao ou como condi<;ao de fndt£­generico representa uma forma de _l.!...CQ..mo_da~iio que concilia umaidentifica<;:ao etn1ca espedfica com uma crescente participa<;:ao navid'!.p.Bmomica e nas esferas de comportamento institucionalizadoda sociedade nacional.

3 - AVALIA<;AO DOS RESULTADOS DAINTEGRA<;AO

Vma aprecia<;ao numenca dos efeitos do impacto da civiliza­<;:ao sobre as popula<;6es tribais no curso do seculo XX, mostra que

1. no trftnsito da condi<;ao de isolamento a de integra<;ao, oiten-ta e sete 'grupos indigenas foram leVados a exterminio e qua­

se todos eles sofreram grandes redu<;6es demogrcificas e profundastransforma<;6es nos seus modos de vida. Enquanto na rela<;ao detribos indigenas existentes em 1900 sobressai a coluna correspon­dente aos grupos isol'i9,Qs, com .4:i,§% do total, na rela<;ao de1957 sobressai a ultima, dos grupo.s e.xtintos, com .32,8% do total.

2. 0 vulto do exterminio em numero de pessoas foi muito maisponderavel. Aos cento e cinco grupos isolados de 1900, cor­

respondia, segundo uma avaIia<;ao grosseira, uma popula<;:ao decinqiienta mil indios. Aos seus sobreviventes, cIassificaveis nas di­ferentes categorias de integra<;ao (exceto os ainda isolados) cor-

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respondia, em 1967, tao-somente uma popula<;ao de tre '1zet . t A - Zeml tre-n os e vm e. propor<;ao do exterminio no periodo ~ 'd dfoi, portanto, de 73,4%. '-- onsl era 0

3 . A propo~<;.a? d~ tribos desaparecidas nos primeir(Js embatescom a clwlhza<;ao, nesse· meio seculo, indica que h

de b ., '. as c.!Jjl.tlC.esso revlvens..a para os ISOlados foram pouco superioruma t . , es a 50C;::vez que rmta e tres deles desapareceram enquant -t"':- 0''. ' a nnta enove consegUlram sobrevlver, passando a outras condi<;- d '

tera<;:ao. Foram algo maiores, de cerca de 82.% as chan.Qes

de m­b ., . d ' ces e so-

reVlVenCla os grupos em contato intermitente pois do - ,- ..t ' . . _.., S clUquen-a e tres eXlstentes em 1900 desapareceram quatorze Os . . .

fatores de extin<;ao que operam- nessas primeiras e'tapa prdmc~PaIs- - . S e lUte-gra<;ao sao a morte em confhtos com os civilizados e sOb d

d - ".. ' retu 0 aepqpula<;ao provoc;.a~a por epl£ie.J!1las de gripe, sarampo, co ~e-

luche e outras enfermldades desconhecidas. q

4. Os grupos indigenas que alcanc;aram, no periodo e~ . da etap d ' . amma o.a e conVlVlO .e.ermavente, sobre os quais se

ram d . d . - acumula-, a emalS as compulsoes de ordem ecologica e biatiprocesso de aculturac;ao, tiveram suas chance~ de sOb~a,. a,s ~oreduzidas a 33%, conforme se comprova pelo fato' de te-eVlVedncla

'd . t" 'em esa-pareCI 0 VIn e e OltO das tnnta e nove tribos nestas cone!' _., l<;:oes Os

grupos que Ja se encontravam integrados em 1900 suport .Iho . . 't d d ~ aram me-r as VICISSI u es 0 contato, sobrevivendo na proporrao duma d' '" e 60 % ,vez que e VInte e nove grupos desapareceram doze. N--desapareceram quatro de cada dez tribos existentes em 190 0 !2.!.~1,de se pre I" _0, sendover que, a preva ecerem as mesmas condil'6es cit-. ..

t d . '" , "quenta ese e os atuals cento e quarenta e tres grupos hoje existsapa - t' f' d ' entes de-recerao a e 0 1m 0 seculo. l

} .'?/ 1 ·s:. '>~ .....',.... " r

4. - AS FACES DA CIVILIZA<;AO

A sociedade nacional apresenta caracteristicas tao ditao relevantes para 0 processo de integrac;ao das POPUlal'()~ers~sd:

'" es lU 1-

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genas, conforme assuma a forma de economia extrativa, agrIcolaou pastoril, que nao podemos trata-Ia como lima constante. Estasdifer~s se explicam pela forma especifica de a9ao de cada frentede expansao sobre os grupos indigenas, decorrente de seu carMerde empr~ ~apitalistas especializadas na utiliza9ao de certos ~e­

cursos-do territorio e, em conseqliencia, integradas por popula90esdiferenciadas em suas caracterlsticas socio-culturais.

1 . A econamia extrativa imp6e a dissolu9ao dos grupos tribaismais densos e sua dispersao pela mata atraves do engajamen­

to dos homens como remeiros e tarefeiros e das mulheres comoamasias e produtoras de mantimentos. 0 baixo grau de o"ganiza­9ao da vida social e de imposi9ao das institui90es nacionais queprevalecem nessas areas coloca os indios diante de grupos instaveisextremamente agressivos e de formas particularmente arcaicas edes_~_oticas de engajamento da .rp.ao-de-obra para a produ9ao.

2. A .e.£ollo_mia agricola ja nao se interessa pelo indio como mao-de-obra ecoffio produtor, mas simplesmente dispu!a asj.erras

que ele ocupa para estender as la,.vouras. Suas variantes principais- a grande lavoura comerciaI; a economia granjeira - operamde forma distinta sobre os indios. Ambas 0 fazem, porem, de modomenos agressivo que evitativo em face dos indios com que sedefrontam.

3 . A economia pastoril age diante do indio movida pela neces-sidade de limpar os campos de seus ocupantes humanos para

entrega-Ios ao gado e evitar que 0 indigena, desprovido de ca9a, asubstitua pelos rebanhos que tomaram seu lugar., Aqui, como nocaso da frente agricola, 0 que mais afeta os indios e a tendencia aomonopolio da terLa para sua convers~o em past~ens. A defesado gado contra os indios, torna as frentes pastgris particularmenteagressivas, levando-as a promover chacinas t~o devastadoras quan­to as das frentes extrativistas.

4. As diferen9as entre 0 impacto que cada uma dessas frentesde expansao desencadeia sobre os grupos tribais nao podem

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ser medidas pela propor9ao de 60% de extin9ao dos grupos que sedefrontam com frentes de economia agricola; 45,7% dos que saoatingidos por ecollomias extrativas e 30,2% dos que foram alcanc;a­dos pelas frentes pastoris. Estas diferen9as exprimem, essencial­mente, 0 carater de fronteiras novas de expansao civilizatoria dafrente extrativista e de algumas frentes agricolas, em contrastecom as pastoris que constituem, em geral, areas de antiga ocupa9ao.A proponrao de grupos indigenas nas areas de economia extrativa(48,9%), pastoril (20,9%) e agrIcola (2,8%) confirma essa asser­c;ao, refletindo 0 .grau de penetra9ao e dominio da sociedade nacio­nal em cada uma delas. Esta anaIise impoe a conclusao de que 0

determinante fund(!mental do destino dos gropos - indigenas e a.p.dinamica da sociedade nacignal. Esta, avanc;ando inexoravelmente

sobre as poucas faixas inexplcrradas do territorio brasileiro ondeainda sobrevivem grupos isolados, atua dizimadoram\<nte sabre elese, a medida que consolida a ocupa9ao e ascende a maiores concen­tra96es demograticas, envolve a todos os grupos, fazendo baixar 0

numero de tribos e seu montante populacional.

5 - REA<;;OES ETNICAS DIFERENCIAIS

o rumo e 0 ritmo do processo de transfigura9ao itnica podemser alterados de acordo com certas variant~s correspondentes a c~­

racterlsticas das popula96es tribais, dentre as quais ressaltam:

1 . a magnitude das po .ula90es em confronto, ou em outras pa-lavras, 0 vulto demografico da sociedade nacional em relac;ao

ao diminuto volume das' populac;6es tribais. Essa despropor9aodecorre das respectivas etapas evolutivas que, no caso das etniastribais apenas permite aglutinar nucleos de popula9ao limitada etendente a desdobrar-se em novos grupos a medida que crescem;mas no caso das sociedades nacionais possibilita urn crescimentoquase i1imitado. Este se processa tanto pelo incremento vegetativoquanta pelo poder de desenraizar, deculturar e aculturar individuos

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tomados d.as etnias tribais e engajados num sistema socio-economicoglobal, cUJos descendentes se fundem na etnia nacional.

o efeito crucial dessas disparidades foi impossibilitar os indi­genas de enfren a unifica.P'lll1,en.te aos brasileiros como duas enti­da~es de magnitude equivalente. Ao contrario, compeliu cada micro­etma a o. Q - e, sozinha, aos agentes locais de uin~ e~or;n~- 'socie­dade ~aclOnal em expansao. 0 resultado foi 0 des,q,arecimentoda mal?r part.e _dos gru~os indfgenas e a condena~ao dos sobrevi­ventes a cond.Hrao de ~~croetni~s incapazes de alcans:ar um mon­tante populaclOnal suflclente para poder aspirar a independenciacomo estados nacionais autonomos.

vamente flexiveis e maleaveis ou como rigidas e conservativas. En-~ .--- .,......,..

tretanto, uma postma aberta tanto pode acnitar as aiteras:oes ne-cessarias ao enfrentamento da nova situas:ao e a conquista de umnovo equilibrio, como pode acelerar 0 processo de transfiguras:ao,acumulando compulsoes que, em certos casos, Ievam os grupos indi­genas a um colapso. Por outro lado, uma atitude conservadora, tan­to pode conduzir a u~ condma evitativa que preserve 0 grupo,como a uma incapacidade, igualmente fatal, de mudans:a, em con­sonancia com as exigencias da nova situas:ao de existencia.

•..

2.

3.

A ~titude das populas:oes indfgenas para com os agentes dasocieda enacional.

a) uma atitude agul}.rrida de defesa energica contra a in­vasao de seus territorios e de agressividade contra as fren­tes pioneiras, explica a preserva~ao de alguns grupos indf­genas que, assim, puderam manter sua autonomia, emborasofrendo pesadas perdas e profundas transformas:oes emseus modos de vida. Entretanto, em virtude da disparidadedas massas em confronto, os indios so podem deter as fren­tes pioneiras por algum tempo, a custa de um tremendodesgast~ ~a ~ropria popula~ao e ate que provoquem, comSUa reslstencla, uma concentra~ao dessas frentes que as~orn~ ~apazes de avancar sobre eles como uma avalancheureSlstlvel.

b! uma .~titude d<!sil e de receptividade por parte dos ill­d:o~, faclhtando os contatos e criando condi~oes para umaraplda sucessao de etapas de integras:ao, provoca umaacumulas:ao dos efeitos dissociativos de cada uma delasque os condena a um pronto desaparecimento.

A ~redisp.?sis:ao d?s grup?S indfgenas a ac~tas;ao ovejeis:aode 100vas:oes permlte classlficar as culturas tribais como relati-

~---

,-- .

4. A distancia relativa entre a cultura tribal, sobretudo seu sis-tema adaptativo e a da sociedade nacional. Com efeito 0 sis­

tema adaptativo das populas:oes rurais "brasileiras e, em grandeparte, uma heran~a dos metodos de luta pela subsistencia das tri­bos agricolas da floresta tropical que foram encontradas na costapelos primeiros colonizadores, especialmente os grupos Tupi. Emconseqiiencia, esses grupos encontram maior facilidade de acultura­s:ao e integra<;:ao porque tem, de partida, uma serie de elementoscomuns que permitem maior grau de compreensao reciproca e fa­cilitam 0 escambo e, depois, 0 comercio. Ja as tribos de filias:aocultural diversa enfrentam obstaculos muito maiores ao se defron­tarem com a sociedade nacional, porque tudo para elas e diferente,desde os habitos alimentares e os metodos de produs:ao, ate a con­cepc;ao do mundo. Pode-se afirmar, portanto, que urn dos fatoresque 3.9vam_ ou entr~am 0 processo de integras:ao e a diU#.. ciacultuwl, tanto abso1nta - entre 0 nivel'de desenvolvimento tecno-

~logico dos indios (agricolas e pre-agricolas) e 0 da sociedade na-cional - quanta r~iillva, vale dizer, entre as diversas variedadesde culturas indigenas 'e a sociedade rural brasileira com sua pre- \ponderante heranc;a Tupi. Essa ativac;ao tern como conseqiienciaprincipal a rapida dissocias:ao e a pronta extinc;ao dos grupos maishabilitados para 0 convivio com a civilizac;ao. Vma confirmac;aodo peso deste fator nos e dada pelo fato de que os grup6s Tupiforam os mais vulneraveis as compulsoes a que todos' se viram sub­metidos, uma vez que perderam umaproporc;ao muito maior deseus representantes registrados em 1900,

)

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6 - A INTERVENCJ\O PROTECIONISTA

Urn dos condicionantes fundamentais do curso do processode transfigur aD e.tnica e a intera9ao intervencionista conduzidaseja com 0 objetivo de simples prote~ao, seja com propositos d~catequese. -.-

1 . A pr'?te~ao oficial aos indios so prestou servi90s efetivamenterelevantes na pacifica9ao das tribos hostis, em que dava so­

I I IU9ao aos problemas da ex ansao CIa sociedade nacional e nao aos( l pr.oblemas ind'igenas que the competia amparar. As formas mais

eflcazes de amparo da interven9ao protecionista, consistem:

a) na cria9~0 de condi90e~r..!i!!ciais de intera9ao que, atrasandoa sucessao de etapas 'ae integra9ao, assegura aos indios mais

tempo e maior liberdade de resistencia as diversas compulsoes aque sao submetidos.

b) na ~~r~~a2Ji grupos indigenas da posse indisputada de urnterntono onde possam manter uma economia comunitaria.

G.ra9as a estas formas de interven9ao, puderam sobreviver muitastnbos ,que teriam desaparecido se estabelecessem rela90es livres eespontaneas com agentes da sociedade nacional, perdendo suas ter­ras ~ ~endo engajadas na for9a de trabalho regional nas precariascondl90es que lhes sao oferecidas. Lamentavelmente, ela nao podeoperar - ou operou deficientemente - em todo 0 Pais fazendosentir sua aus~ncia em areas como 0 Jurwi-Purus, 0 Guap~re e ou­tras, por maIS altas propor90es de grupos desaparecidos no se­culo XX.

2. A a9ao missionaria, sendo conduzida com propositos de incor-, pora9ao a? indigena a cristandade e, por esta via, a sociedade

(f e a cultura nacI~.nal, ?~erou, fre. iientemente, de forma mais !1~gati­va que a prote9ao oflclal. Para IStO contribuiram tanto a intoleran­cia d~s mission~ri~s diante da cultura indfgena, como a despreo-c~~~9ao da~ mlssoes em garantir aos indios a posse do seu ter­ntono; e,. amda, ~s pratic~s de desmembramento da familia indige­na pela mterna9ao dos fllhos nas escolas missiomirias a fim dereceberem educa9ao orienJada no sentido de destribaliza-Ios. Em

440

1 .f

todos estes casos, a competi9ao entre mlSSlOnanos cat6licos e pro­testantes provocaram ruptura da solidariedade tribal.

7 - FAToRES CAUSAIS DA TRANSFIGURACJ\Of:TNICA

As diversas eta as de inte ra9ao correspondem a passos doprocesso de trans igurat;iio etnico-cultural que, operando atraves decompulsoes de natureza ec010gicri; bio!li:a, de coer90es de naturezatecnologico-cultural, socio-economica e ideologica, conduzem os in­digenas da (;ondi9ao de indios-tribais a de-indios-g~.nfu:.icos. J

Cada uma dessas compulsoes corresponde ·a urn fator causalespecifico que produz efeitos tambem especificos, embora e1es sesomem ns~outros, acarretando as popula90es indigenas condi­90es cada vez mais precarias de sobrevivencia biologica e de exis­tencia como etnias autonomas.

1 . As r:ompulsoes ecol6gicas afetam os grupos indigenas em duasformas basicas. PrimelW, como uma competi9ao entre popula­

90es que disputam recursO"s diferentes de urn mesmo territorio eculmina com a dizima9ao intencional dos indios ou a transforma9aodo seu habitat de forma tao drlistica que torna inoperante seu anti­go sistema adaptativo, amea9ando-os, tambem por isso, de extin9aO.

... Se@ndg, como urn mecanismo de miscigena9ao que, assegurando ...aos nao-indios 0 papel de' reprodutores, mediante a tomada demulheres iridigenas, resultam na identifica9ao da prole com a etniapaterna e contribuem para reduzir 0 substrato humano indispensa: '.vel para a preserva9ao da etnia tribal. '_

H~/I.: \"- '.: 0'

2. As compulsoes bi6ticas de maior relevancia consistem na in­corpora9ao dos indios indenes nos circuitos de S9~~io de

molestias de que sao portadores os agentes da civiliza9ao e tern [-.como efeito a depopula9ao e 0 debilitamento dos sobreviventes a

441

II

niveis tais que, muitas vezes, importam I'na sua comp eta extlll~aoflsica.

3 . ~s coerfoes tec~ol~gico-culturais resultam da ado<;:ao de novosI~strum,e!lt0s e .tecll1~ag de rodu<;:ao que, apesar de mais efica­

zes, :em efeHos nOCIVOS porque impoem a dependencia da tribo emrela<;:ao aos rovedor~s. desses b~ns q~e n~o podeln produzir,e por­que provocam uma sene de efeitos dissoclativos sobre a vida tribal.

4. As, coerfoes s6ci2:~c!.?n8micas consistem essencialmente no en-. gaJamento dos Indios em urn sistema rodutivo de caniter_eapi­

tahsta-mertantil ~ue, possibilitando a apropria ao JriYada d; ;u'ast~s e a conscn<;:~o dos individuos na for<;:~..je t abal~g_r~giQnal,anuI~m a autonomia cultural e provocam profundos desequiHbriosna vIda social dos indigenas.

5. As coerfoes ideol6gicas consistem, principalmente, na trauma-tiza~ao _cu.Itural e em frustra~oes ~lc.o&sicas resultantes-da

desmorahza<;:ao do ethos tribal e a compulsao de redefinir, passoa ~asso, todos os corpos de cren<;:as e valores, assim como as pr6­pnas. c,?nscienci. s !r:~iduais de acordo com a altera9ao das suascondl<;oes de eXlstenCla.

8 - SEQO:f:NCIA T1PICA DA TRANSFIGURA<;AOETNICA

As rela<;:oes da sociedade nacional com as tribos indigenas seprocessam c~mo urn enfrentamento entre entidades etnicas mutua­mente, exclusivas: Dada a despropor<;:ao demognlfica e a de nivelevolutIvo que eXlste. entre elas, a 4Ua'l~ao repr~senta 1ma amea<;aper~a~e de deslllt~greS:~o das Jl nias tribais. A rea<;:ao estasconsiste, ess~ncialmente, num esfor<;o p;;a-manter ou ..u>c!Jtl rarsua ~~t.?~o~a e para pre~r sua identidad~ica, seja atraves

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do retorno real ou compensat6rio a formas tradicionais de existen­cia, sempre quando isto ainda e possivel; seja mediante altera<;oessucessivas nas institui<;:oes tribais que tornem menos deleteria aintera<;:ao com a sociedade nacional. Esta rea<;ao nao e, obviamente,urn prop6sito lucidamente perseguido, mas antes uma conseqiien­cia necessaria de sua natureza de entidade etnica. As uniformidadesmais gerais do processo de transfial:!ra<;ao etnica PS.dem;;:- assimsumariadas:' . .. ~ --

1. ao primeiro contato padfico com a sociedade nacional, 0 indI-gena the empresta urn eriorme prestigio em virtude de sua imen­

sa superioridade tecnica e, geralmente, se faz receptivo aos ele­mentos culturais que Ihe sao apresentados defonruCindiscriminada,adotando tanto os que possam ser de utilidade imediata como ou-tros, superfluos e ate inconvenientes; -~._.

.... - -2. ap6s essa primeira fase, vern outra em que se definem prefe­

rencias e idiossincrasias, se estabilizam habitos novos e se fi­xam necessidades economicas cOhmicentes-i' uri'1'onv~io cada vezmais intense;' c~m os agentes locais da sociedade nacional.

3 . Quando a mortalidade e a desorganiza<;:ao interna do grupo,conseqiiente das compuls5el-~col£gicas ~.Qticas, come<;:a a

alerta-Ios para 0 pre<;o que estao pagando pelo convivio padficocom os civilizados, sobrevem, em geral, fases de violenta contra­acultura ao, Quase sempre ja e tarde para voltar atras:-;eJa poiquea fuga se torna impraticavel, seja porque a pr6pria cultura tribalja esta traumatizada pelas duvidas, contradi<;oes e interesses emconflito. Alguns grupos encontram expressao para 0 seu desenganoem movime!,ltos m~"siAl1~l;(.OS que se reiteram periodicamente; ou­tros, na exacerba<;j.o da condu1.~giosa, como uma rea<;ao com­pensat6ria. A--rnaioria, porenl,Cal numa atitude de resigna<;:ao ede amarga reserva para com a sociedade nacional. .- - . ,,-

-~ ....~.

4. Em todos os casos - se 0 grupo sobrevive - prossegue 0

procea~~ acultura~ao e de transfigl;!.QwigJtnica.Jegido, ago­ra, pelas compulsoes decorrentes da satisfa<;ao de necessidades

443

adquiridas que exigem u~a interac;ao cada vez mais intensa como c~texto !egional e a mcorI!Q['!c;ao_progressiva dos indios nafor~3~!~~!~0, como a camada mais~~ dela.--'-------

5 . q~sti!1o de cada grupo dependeni, fundamentalmente, do. ~m2.1:m que opera ~nsfigurac;ao etnica. Quando e muitoIntenso, acumulam-se tensoes queco-nd-e-~~' t 'b ' .~ nam a fl 0 ao extermmlOpela perda, d.e seu substrato populacional e pelo colapso de s~aestrutur~ ~o~lO-culturaI. Quando e ~l!!S!L.. enseja redefinic;oesdo patfl~omo cultural, recuperac;ao dos desgastes biol6gicos e 0

estabelecimento de formas de acomodarao entre a trl·bot. <'~ '"'-"'~". e seu con-:xto reglOn~1 Ade .conviVlo que possibiIl1am prolongar a sobreviven_

CIa e a pefSlstenCIa da identificac;ao etnica.---------6. Vma vez fixados os vinculos de dependencia economica para

c~m 0 CO~~glonal, a tribo s6pod~s elementosd~ a~tIga cultura que sejam compativeis com sua condic;ao de in­dlO~"~~t~rados, .emb,or~" ?ao_ass~ilados. 1sso importi n-;'ma-~Itu­~ac;~lO_ que culmmara por configura-los como indjos generic~ue

qu~s: nada cons~rv~m do. patrimonio original, Iiias Pt;rmanecemdeflmd~s ~omo m~lOs e Identifi~ndo.::S"e__como tais. 0 conviviodesses md~0s.-~eneflcos com a pOlmlac;ao'"bra"sile1ra e mediatizadopor urn corpo de repres,:~t~ac;oes recfproca~ que, figurando uns aosolhos dos. outros da forma mais preconceituosa, antes as isola queos comumca, perpetuando sua con<!l9"aocl-e-;lternos em oposic;ao.

9 - PERSPECTIVAS FUTURAS

o presente. estudo do pr?~.esw_de tr~nsfigural;ao etnica permi­t: f~z~r as segullltes pr~soes com respeito as popti~es indigenasb. asrlelras.

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1 . Preve-se uma re~1.!~1iQ. p~gr~ssiya da populac;ao indlgena, amedida em que os diversos grupos passem da condil;ao de iso­

lamento a de integrac;ao. Esta reduc;ao nao condenani a parcelaindigena da populac;ao ao desaparecimento como contingente huma­no, porque os grupos indigenas, ao alcanc;arem a integrac;ao, tendema experimentar certo grau de incremento demognifico. Este incre­mento que, presentemente, permite a alguns grupos refazer partedo seu montante original, podeni levar muitos outros grupos a au­mentar sua populac;ao, desde que Ihes sejam asseguradas condic;oesde vida adequadas.

2. As lingtias indl~nas, emb()ra modificadas em seu vocabulariopara exprimir as novas experiencias do grupo e em sua estru­

tura pela coexistencia com outra lingua, devida ao El.!\?gjJistD0,continuarao sendo faladas, exceto nos casos de dispersao dos gru­pos falantes ou de sua fusao com outras tribos.

3 . Contudo, as culturas indfgepas, somente podendo .,.so_breviverauton.QUl.i!S.. nas areasr;e;£i~radas ou~& penetr';c;ao r~cente e

fraca OU nas condi<;.oesartrficiais da interve~c;ao~Ptq!ecionista,constituem obsolescencias destinadas a se descaracterizarem na me­dida em que a sociedade nacional crescra e ganhe homogeneidadede desenvolvimento.

4 . Qualquer previsao sobre ° destino dos grupos indfgenas bra-sileiros deve levar em conta que, entre as varias formas de

compulsao merce das quais a sociedade nacional os afeta, sobres­sae as de ~~teF s0ci,g;e~~omico. Estas nao sao, porem, intrinse­cas a sociedade nacional, mas decorrentes de sua forma de ordena­crao institucionaI. Com efeito, e como uma formacrao capitalistade carater neocololli I que a sociedade brasileira mais-rfe a os gro­pos indigenas, pela apropriac;ao de suas terras para a explorac;aoextr~sta ou para formar novas faZe~B <jgricolas e asJoris epelo seu aliciamento como mao-de- b" ;ira1a para ser desgas­tada na producrao de mercadorias. 0 cadter hist6rico e circunstan­cial dessas instituil;oes abre aos gropos tribais que consigam sobre­viver a elas, certas perspectivas de assimilacrao ou de persistencia

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I

como etnias minoritarias dentro de urn novo contexto etnico na­cional multi-etnico, mais capacitado· a assegurar liberdade e bernestar a seus componentes.

10 - SUMARIO

o copioso material examinado neste estudo demonstra que osgrupos indfgenas que c1assificamos como integrados percorreramtodo 0 caminho da acultura<;:ao no curso do qua suas peculiaridadescultur-ais se-aiteraramel'iiiiformizaram tanto que ja nao sao subs­tancialmente maiores que as as outras variantes da sociedade na­cional, em sua fei<;:ao rustica. Apesar disso, permanecem Indios

~ porque sua acultura<;:ao nao desembocoul1i'ima assiml a<;:ao, mas noestabeleclmen:rnae urn modus vivendi (ill de uma forma_d~ acomo­da<;:i!2. Isto significa que 0 gradient da transfigura<;:ao Hnlc; vai d·oJ'i1(fio-tribal ao mdio-genericO"'e na do indf ~na ao brasileiro. Signi­fida, tambem, que as entidades e icas sao· muito mais resistentesdo que se sup6e geralmenfe, porque s6 exigem condi<;:6es mfnimaspara perpetuar-se; e porque sobrevive 'tot~L transforma<;:ao do tseu patrimonio cultur~ racial. Significa, ainda, que a Ifqgy,a, os

)

costumes, as creJl9as, sao atributos ext§:p.os a etgia,'suscetlveisde profundas alteras:6es, sem que esta sofra colapso ou muta9ao.Si~ifica, por fim, que as etnia~ sao categoria~~ciona~ entre Jagrupamentos humanos, compostas antes de representa96es recipro­cas e de lealdades morais do que de especificidades culturais eJaciais. - ---

As conclus6es a que chegamos no exame da intera9ao entreos mdios e a civiliza9ao no seculo XX sao provavelmente validaspa:a os per!~dos anteriores. Sua generaliza9ao exige, porem, pes­qUIsas especlflcas em que esta· hip6tese seja acuradamente analisada.

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Observa90es sabre aBibliagrafia

A copiosidade das fontes citadas na bibliografia que segueaconselha discriminar aqui os nossos debitos para com os autorescujas obras foram mais utilizadas na elabora~ao deste trabalho.

1. FONTES TEORICAS GERAIS

Na elabora9ao do presente trabalho apelamos amplamente paraos estudos antropol6gicos dos fenomenos de mudan9a eultur~1.

Dentre estes merecem destaque, 0 Memorandum sabre acultura9aode R. Redfield, M. Linton e M. J. Herskovitz (1936) e a "formula­~ao explorat6ria" de A. G. Barnett, B. Siegel e ou~ros (1954),. berncomo as analises do processo de aculturas:ao devldas a R. Lmton(Ed.) 1940, Fernando Ortiz (1940), J. Steward (1943 e 1951);

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