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E se eu não existisse? Mayara Vellardi Pinheiro

E se eu não existisse?

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Esse é o meu terceiro livro, escrevi no início de 2013. (Infantojuvenil) Gustavo é um menino de 12 anos que está passando por momentos difíceis em sua vida. Após um dia complicado, faz um pedido inusitado a Deus, ele quer deixar de existir. Sua percepção limitada não o deixa enxergar além das aparências, por isso, seu anjo da guarda aparece para ajudá-lo a encarar as situações de uma maneira diferente, fazê-lo entender que sua verdade não é única e que existem diversos pontos de vista para cada acontecimento. Será que Deus vai atender seu pedido? Será que Gustavo se arrependerá a tempo de voltar atrás?

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Page 1: E se eu não existisse?

E se eu não existisse?

Mayara Vellardi Pinheiro

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1 E se eu não existisse?

Índice:

Prefácio................................................................Página 02

Capítulo 1 – Um dia complicado........................Página 03

Capítulo 2 – Surpresa celestial...........................Página 22

Capítulo 3 – Conhecendo o passado.................Página 43

Capítulo 4 – E se eu não existisse?....................Página 58

Capítulo 5 – Um lugar inusitado..........................Página 72

Capítulo 6 – Escolha importante.........................Página 88

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2 Mayara Vellardi Pinheiro

Prefácio:

Gustavo é um menino de 12 anos que está passando

por momentos difíceis em sua vida. Após um dia complicado,

faz um pedido inusitado a Deus, ele quer deixar de existir.

Sua percepção limitada não o deixa enxergar além das

aparências, por isso, seu anjo da guarda aparece para ajudá-

lo a encarar as situações de uma maneira diferente, fazê-lo

entender que sua verdade não é única e que existem

diversos pontos de vista para cada acontecimento. Será que

Deus vai atender seu pedido? Será que Gustavo se

arrependerá a tempo de voltar atrás?

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3 E se eu não existisse?

Capítulo 1- Um dia complicado

Gustavo abre os olhos e o primeiro pensamento que

passa por sua mente é o desejo de não levantar da cama, o

dia está nublado e a preguiça predomina. Com muito esforço,

o garoto de 12 anos, vai ao banheiro lava o rosto e passa

alguns minutos observando sua própria imagem no espelho.

“Hoje vai ser mais um dia difícil, não queria nem ter

acordado.”

Uma voz ecoa no ar, cortando seus pensamentos:

– Gu, vem tomar café, senão vai chegar atrasado na

escola. Vamos logo, eu tenho que trabalhar!

É sua mãe, ela sempre está apressada e nervosa, ele

não entende o porquê e sente-se culpado por isso, então

para não deixá-la irritada, desce correndo as escadas do

sobrado em que residem.

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4 Mayara Vellardi Pinheiro

– Mãe, esse final de semana meu pai vem me

buscar?

– Olha querido, não sei se ele poderá, porque está

trabalhando muito.

– É assim mesmo, eu já estou acostumado...

Após um conturbado café da manhã, que nem pôde

ser saboreado em sua totalidade por causa da pressa de

ambos, que deixaram em suas canecas alguns cereais e um

pouco de leite, mãe e filho vão à garagem para pegar o carro

da família.

Gustavo observa sua mãe, uma mulher de altura

mediana, corpo esbelto, olhos verdes e cabelos bem escuros

na altura do queixo, uma pessoa de bela aparência, mas

agitada e tensa.

– Olha aí, o carro não está funcionando, agora você

vai se atrasar para a escola e eu para o meu trabalho. Que

droga! Se você não tivesse feito hora teríamos mais tempo...

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5 E se eu não existisse?

– Eu sou o seu problema, né?

– Você reclama de tudo, nunca está satisfeito com

nada, sempre de cara feia, se lamentando, ou é porque o pai

não veio, ou porque não ganhou um presente que queria, ou

porque tem que ir para a escola... você é um ingrato!

– E você que está sempre atrasada, correndo para lá

e para cá, gritando e dando ordens que nem uma louca,

estressada com tudo e todos. Acho que por isso meu pai não

aguentou e foi embora.

Cláudia perde o controle e dá um tapa no rosto de

Gustavo.

– Nunca mais repita isso, você não sabe do que está

falando e quer saber? Se eu estou assim é por sua causa.

– Então se eu sou o seu problema, pode deixar vou

morar com o meu pai.

– Vai lá, quero ver se ele vai fazer tudo o que eu faço

por você e se ele vai te aguentar mais do que uma semana.

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6 Mayara Vellardi Pinheiro

Mãe e filho, nervosos, deixam o carro na garagem e

pegam um táxi, rumo à escola e ao trabalho.

Gustavo chega atrasado, entra na terceira aula e

descobre que havia perdido uma importante prova de

Matemática para a qual precisava de nota e havia estudado.

– Professor, eu gostaria de saber se posso fazer a

prova nessa aula. É que eu tive um problema e me atrasei.

– Gustavo, eu até poderia deixar, mas as regras da

direção são claras e eu não posso abrir uma exceção,

porque senão, toda vez que alguém se atrasar, vai acontecer

isso e a coordenadora não vai gostar.

– Mas ninguém precisa saber... eu estudei tanto, eu

preciso de nota e na prova de recuperação, cai toda a

matéria acumulada.

– Na verdade, as provas e a lista de presença já estão

na sala dos professores e a coordenadora já sabe que você

se atrasou, por isso, você vai ficar de recuperação.

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7 E se eu não existisse?

– Mas isso não é justo! Eu estudei, eu sei a matéria,

só quero uma chance para provar! – se exalta o menino

deixando todos os seus colegas assustados.

– Você já está passando dos limites, Gustavo. É

melhor se sentar antes que eu chame a coordenadora.

O aluno fica inconformado e resolve agir por conta

própria.

Depois do intervalo, os corredores ficam vazios e a

sala dos professores também, então o menino, vai até o

armário de seu professor e encontra as provas, quando

aparece a coordenadora.

– O que você está fazendo? É terminantemente

proibido um aluno entrar na sala dos professores,

principalmente quando não tem ninguém e ainda mais para

mexer no armário de algum professor.

– É que o professor Roberto pediu para vir buscar um

livro.

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8 Mayara Vellardi Pinheiro

– Interessante, ele não tem esse costume. E a aula

dele na sua sala já foi, portanto não há motivo para você

fazer esse favor para ele.

– É que eu fui beber água, aí... é... eu e-encontrei com

ele no corredor e e-ele me pediu para pegar um livro.

– Tudo bem, vou averiguar isso diretamente com o

professor e você vai junto comigo.

– Olá, professor! Posso dar uma palavrinha com

você?

– Claro, Regina! Estamos com algum problema?

– Sim, encontrei seu aluno mexendo no seu armário

na sala dos professores e ele me afirmou que você pediu

para que ele pegasse um livro.

– Qual aluno?

Um tanto envergonhado e arrependido, Gustavo

aparece.

– Qual é a pena para essa situação?

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9 E se eu não existisse?

– Se você pediu para que ele pegasse, vamos ter uma

séria conversa com a diretora, mas se ele estava lá por conta

própria, vamos ligar para a mãe dele e será aplicada uma

advertência.

Roberto, penalizado, conhecendo o desespero de seu

aluno e sua situação em relação à mãe, resolve assumir a

culpa.

– Vamos dizer que a culpa não é dele, podemos

esquecer o ocorrido, tenho certeza de que isso não se

repetirá.

– O que você quer dizer com isso? Explique-se

melhor.

– Eu agi errado e solicitei que ele pegasse um livro no

meu armário, pois não podia deixar a sala sozinha.

– Para isso, nós temos inspetores, que podem auxiliá-

lo quando necessário. Você sabe que sua atitude vai contra

as normas da escola e que isso vai prejudicá-lo.

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10 Mayara Vellardi Pinheiro

– Desculpa, professor, mas eu não posso deixar você

pagar por um erro que é só meu. Senhora Regina, a culpa é

toda minha, quem foi lá por conta própria fui eu, porque só

queria ter uma chance de fazer a prova que perdi nas duas

primeiras aulas.

– Pior ainda, foi mexer no armário do professor para

ver a prova dos seus colegas.

– Isso não é verdade, eu só queria uma prova em

branco para provar o quanto eu estudei. Eu não posso ficar

de recuperação, minha mãe vai ficar louca e não vou poder

ver meu pai nas férias.

– Pensasse nisso antes de chegar atrasado.

– Mas o carro da minha mãe quebrou e eu tive que vir

de táxi, na última hora.

– Me procurasse para conversar, pensaríamos em

uma maneira de resolver isso. Agora é tarde demais, você já

passou dos limites, quebrou as normas da escola, viu a

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11 E se eu não existisse?

prova dos colegas e ainda deixou o professor levar a culpa

no seu lugar.

– O que você vai fazer comigo?

– Vou chamar sua mãe para uma longa conversa.

Gustavo começa a chorar, não queria dar mais essa

preocupação para a mãe, ainda mais porque tinham se

desentendido mais cedo.

Roberto intervém e pede à coordenadora que o deixe

resolver a situação, ela diz que iria pensar retirando-se do

local.

– Gustavo, eu vou tentar convencê-la a não falar com

sua mãe...

– E quanto à prova?

– Você realizará a prova de recuperação, mas o que

posso fazer é dar uma aula especial de revisão para te

ajudar.

Page 13: E se eu não existisse?

12 Mayara Vellardi Pinheiro

– Eu te coloquei nessa confusão e você ainda vai me

ajudar. Nem sei como te agradecer.

– Não precisa se preocupar em agradecer, o que

importa é ver meus alunos felizes. Quero que você sempre

se lembre disso, para que, no futuro, ajude outras pessoas,

assim como estou tentando te ajudar, combinado?

– Combinado!

Mas logo a tranquilidade do garoto se desfaz, Regina

não satisfeita com a situação, havia chamado sua mãe para

uma conversa. Então, na hora da saída, Cláudia espera pela

coordenadora no pátio da escola.

Gustavo sente um nó na garganta e passa

nervosamente as mãos trêmulas por seus cabelos castanhos

jogados de lado, em uma tentativa de ajeitá-los. Seus olhos

cor de mel estão marejados e seu semblante entristecido.

Em vão, tenta esconder seu corpo alto e esguio atrás de uma

coluna no pátio.

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13 E se eu não existisse?

Repentinamente aparece Ana Clara, a garota dos

sonhos de Gustavo e ele, pego de surpresa, perde o ar

observando sua beleza, seus olhos castanhos penetrantes,

seu longo cabelo ondulado escuro como a noite.

– Você está se escondendo de alguma coisa?

– Não! Na verdade, estou... é complicado de explicar,

eu estou com um grande problema.

– É por causa da prova e da sala dos professores?

– Você já está sabendo? Pensei que só o pessoal da

minha sala que sabia.

– Todo mundo já está sabendo! Sua mãe foi chamada

para falar com a Regina, né?

– É... ela está bem ali, não quero que ela me veja...

Um grupo de meninos aparece e começa a caçoar de

Gustavo.

– Nerds é assim mesmo, nem pra fazer coisa errada

presta...

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14 Mayara Vellardi Pinheiro

– Tão tonto que foi pego pela Regina!

– Não liga para eles, são uns bobos. – fala Ana Clara.

– E aí, Aninha, tá andando com esse tonto agora? –

questiona Theo.

– A Aninha só anda com meninos descolados como

eu! – sorri Maurício.

– Acho que a Aninha se amarra em um nerds... tá de

namorico com esse tonto. – fala Caio.

Atordoada com toda zombaria, Ana se irrita e

responde o que lhe vem à mente sem pensar que poderia

magoar Gustavo.

– É claro que eu não sou namorada dele, eu jamais

namoraria um nerds como o Gustavo, só estava conversando

com ele por dó.

Ana fita os olhos em Gustavo e vê a decepção em sua

face. No mesmo momento se arrepende do que fez e tenta

melhorar a situação.

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15 E se eu não existisse?

– Deixem ele em paz!

– Tá defendendo o amiguinho? – continuam os

meninos.

Gustavo intervém.

– Não preciso de ninguém para me defender, Ana

Clara, pode ir com seus amigos, não preciso de dó.

Antes do tumulto terminar, Cláudia aparece e piora

ainda mais a situação.

– Gustavo, você só se mete em confusão! O que

aconteceu agora?

Os meninos se retiram gritando:

– Agora ferrou pro seu lado! Chegou a mamãezinha!

Regina convida mãe e filho a adentrarem em sua sala

para a tão temida conversa, quando entram no ambiente, o

professor Roberto já os espera acomodado em uma das

poltronas.

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16 Mayara Vellardi Pinheiro

Cláudia observa a figura de Roberto, um homem com

feições delicadas, cabelos levemente grisalhos, estatura

mediana, um pouco acima do peso e olhos castanhos com

tons esverdeados.

Logo em seguida, a mãe preocupada, começa a

observar Regina, uma mulher loira, de olhos verdes, corpo

bem torneado, bem vestida, muito bela, mas intolerante,

agitada e escandalosa.

A conversa começa e Regina acusa Gustavo.

Como era de se esperar, logo Cláudia fica brava e

promete ao menino um acerto de contas assim que

chegarem em casa.

Roberto elogia o menino em uma tentativa de

amenizar a situação.

– Senhora Cláudia, seu filho é um bom menino. Ele

tem grande potencial.

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17 E se eu não existisse?

– Obrigada, professor, mas ele ultimamente não tem

se comportado bem...

– Ele é só um menino de 12 anos e eu vejo nele muito

esforço e comprometimento.

– Mãe, eu só queria provar o quanto eu sou capaz, o

quanto eu estudei para a prova.

– Mas você agiu mal, fez algo muito errado, que vai

contra as normas da escola. – afirma Regina.

– Como você queria provar que estudou se eu nunca

te vejo estudando?

– Claro, você sempre está ocupada com seus

compromissos e não tem tempo para ver nada.

– Não responda assim para sua mãe. – fala Regina.

– Eles estão com um sério problema de

relacionamento. – comenta Roberto, mas Regina parece não

se importar.

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18 Mayara Vellardi Pinheiro

Ao término da reunião, Roberto entrega um pedaço de

papel com seu e-mail e telefone para Cláudia.

– Se precisar de ajuda com seu filho, pode contar

comigo. Ele é muito querido.

– Obrigada professor...

– Me chame de Roberto.

– Desculpe, Roberto. Eu agradeço muito a atenção

desprendida a mim e ao meu filho.

Mãe e filho vão para casa sem sequer trocar uma

palavra.

– Pronto, chegamos. Agora suba para seu quarto e

pense no que fez.

– Mas... mãe, eu estou com fome...

Cláudia prepara um lanche rápido para Gustavo.

– Coma logo e depois suba para seu quarto. Você

está de castigo, por isso, nada de computador ou videogame.

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19 E se eu não existisse?

Antes de Gustavo subir para seu quarto, escuta a mãe

falar ao telefone.

– Não venha colocar a culpa em mim, eu me esforço,

trabalho, dou duro para criar e educar o nosso filho. E você?

Onde você estava hoje na hora da reunião? Quem responde

por ele, arca com os erros e coloca de castigo sou eu. O que

anda fazendo que quase não vem ver o menino? Ele sente

sua falta, fica triste, decepcionado. Quando você vai contar a

ele sobre a outra e o outro filho? Ah, não venha com

desculpas esfarrapadas...

Cláudia desliga o telefone e nota a presença do filho.

Gustavo olha para a mãe com uma expressão de espanto e

tristeza.

– Você ouviu toda conversa, filho?

– Não sei se ouvi tudo, mas foi o suficiente para saber

que meu pai não me ama.

– Não é assim, ele tem seus compromissos, seu

trabalho...

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20 Mayara Vellardi Pinheiro

– Acho que já entendi qual é o compromisso dele e

não é o trabalho.

– O que você está insinuando?

– Que ele tem outra família, outra mulher, outro filho,

por isso que não quer saber de mim. Ele já me esqueceu.

– Isso não é verdade, ele te ama. Eu sei disso.

– Não tente me enganar. Eu sou todo o problema na

vida de vocês.

– Na minha vida não. Eu garanto.

– Mãe, não tenta me convencer de que está tudo bem

e que todos me amam. Você vive nervosa e não tem tempo

para nada, meu pai já arrumou outra família, meus avós

moram longe e nem ligam para saber como estou, minha

outra avó se fala.

– Chega! Estou cansada! Não aguento mais discussão

nessa casa! Vá para seu quarto! Durma e reflita sobre tudo o

que falou.

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21 E se eu não existisse?

Gustavo deita em sua cama e começa e pensar em

sua vida.

“Não acredito no que está acontecendo. Sempre sou o

culpado por tudo, eu tento fazer certo, mas dá tudo errado.

Se é que Deus me ouve e que eu tenho anjo da guarda,

quero fazer um pedido. Deixar de existir. Com certeza, o

mundo seria bem melhor sem mim. Minha mãe não estaria

infeliz, trabalhando que nem uma louca para me sustentar,

meu pai estaria feliz ao lado de outra família e não teria eu

como peso na vida dele. Minha avó não recriminaria o erro

que minha mãe cometeu quando engravidou de mime

escolheu largar a faculdade. Meu professor não se

complicaria com a coordenadora da escola... ninguém gosta

de mim e quem gosta, eu só sei magoar... briguei até com a

Ana Clara. Quer saber? Deus, se estiver me ouvindo agora,

eu desejo com todas as minhas forças, nunca ter existido!”

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22 Mayara Vellardi Pinheiro

Capítulo 2 – Surpresa celestial

No dia seguinte, Gustavo acorda e não nota nada de

diferente. O despertador toca no mesmo horário de sempre,

sua mãe começa a chamá-lo nervosamente e seu quarto

continua bagunçado.

“Nem para isso eu sirvo, pedi e Deus não me ouviu,

será que Ele esqueceu de mim?”

O menino se apronta rapidamente e desce as escadas

correndo, quando se surpreende com um ser diferente de

tudo o que ele já havia visto.

– Quem é você?

– Meu nome é Uriel. Sou seu anjo da guarda.

– Então você existe mesmo? Uau!

– Claro que sim. Anjos da guarda não só existem,

como sempre estão presentes protegendo as pessoas.

– Por que as pessoas não podem vê-los?

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23 E se eu não existisse?

– Muitos não acreditam e isso os afasta um pouco de

nós diminuindo suas habilidades de percepção, outros

acreditam, mas têm muito medo, por isso, se

aparecêssemos, causaríamos um grande choque, também

existem pessoas que mantêm contato com seus anjos, mas

não contam aos outros, com medo de serem taxadas de

loucas. As pessoas e as situações são únicas.

– Mesmo sem acreditar muito, eu te chamei e você

veio. Eu não sei o que vai acontecer comigo, estou com

medo, se quiser me levar agora, tudo bem.

– Não é assim que as coisas funcionam. Existem

regras. Deus não cria um filho para destruí-lo.

– Então por que você veio?

– Eis a pergunta correta! Eu vim para te dar uma nova

chance e para te mostrar como seria se você não existisse.

– Mas... e depois disso? Eu vou acordar? Isso é um

sonho?

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24 Mayara Vellardi Pinheiro

– Depois de ver tudo o que eu tenho para te mostrar,

você poderá decidir entre voltar para sua vida ou deixar de

existir.

“Será que eu estou sonhando? Tudo parece tão real!”

– Gustavo, isso não é um sonho.

– Você leu meu pensamento!

– Nós, anjos, possuímos esse dom.

Primeiro vamos fazer uma pequena viagem, para que

você veja como era a vida de seus pais antes de sua

chegada.

Gustavo vivencia as cenas de uma maneira tão real

que é como se ele estivesse em um Túnel do Tempo Mágico.

Enquanto tudo acontece, Uriel explica cada detalhe.

– Eduardo e Cláudia estudam juntos, eles estão no

último ano do Ensino Médio.

– Quantos anos eles têm?

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25 E se eu não existisse?

– Eduardo têm 18 e Cláudia 16. Vou deixar com que

você vivencie esse momento e veja tudo da maneira como

aconteceu, inclusive, você conseguirá ler os pensamentos

deles.

Eduardo observa apaixonadamente Cláudia, uma

jovem muito bonita, feliz e saudável, com brilho intenso no

olhar. Seus cabelos longos e soltos ao vento demonstram

alegria e uma agradável sensação de liberdade.

Cláudia nota os olhares e começa a prestar atenção

em Eduardo, um jovem belo, forte e sorridente. Sua pele

morena clara e seus grandes e expressivos olhos castanhos

a deixam interessada.

Eduardo pensa rapidamente em um assunto e vai à

direção de Cláudia.

– Você vai ficar para a aula de reforço hoje à tarde?

– Não sei... é de Matemática, não é?

– Sim, isso mesmo!

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26 Mayara Vellardi Pinheiro

– Talvez e você?

– Eu ficarei, o ano já está acabando e ainda preciso de

nota.

– Ah, mas você vai conseguir! Falta mais alguma

matéria para você alcançar a média?

– Só Matemática mesmo, e para você, falta alguma?

– Português... eu gosto mais de números, mesmo

assim, vou ficar para o reforço, é bom para treinar...

– O que você vai cursar na faculdade?

– Eu quero fazer Administração e você?

– Eu vou fazer Direito, quero ser um advogado de

sucesso!

Os dois começam a conversar mais e mais, até que se

apaixonam e começam a namorar. Na noite do baile de

formatura, Eduardo e Cláudia ficam mais próximos do que

nunca.

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27 E se eu não existisse?

– Você está linda! Esse vestido vermelho caiu muito

bem em você!

– Obrigada! Você também está muito bonito e

elegante, esse terno cinza te fez ficar diferente dos outros

meninos.

– Cláudia, eu estou apaixonado por você e sei que

essa é a nossa última noite antes de irmos para a faculdade,

nossa vida vai mudar muito, então temos que aproveitar.

Os dois saem da festa abraçados e vão para um lugar

mais reservado, onde ficam a sós.

Logo as aulas da faculdade iniciam, Cláudia começa o

curso de Administração e Eduardo, o curso de Direito, além

de estudar, os dois conseguem emprego e não têm mais

tempo um para o outro.

Cláudia nota que há algo errado em seu corpo e fica

muito assustada.

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28 Mayara Vellardi Pinheiro

“Meu Deus, será que eu estou grávida? Não é

possível... eu mal vejo o Eduardo. Se isso for mesmo

verdade, minha mãe vai ficar muito brava, pode ser até que

ela me expulse de casa. Que horror!”

Cláudia faz um teste de farmácia, que confirma a

gravidez e procura Eduardo para uma séria conversa.

– Oi, resolvi aparecer aqui na porta da sua faculdade,

porque eu tenho uma coisa muito importante para falar.

– O que aconteceu? Você está doente?

– Na verdade, pode ser algo que vai mudar nossas

vidas para sempre.

– Já sei, você encontrou alguém e não quer mais

saber de mim... eu sabia que isso ia acontecer, mas não se

preocupe comigo, eu vou ficar bem. Quer saber? Eu ia te

procurar...

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29 E se eu não existisse?

– Hã? Você ia me procurar para quê? Para terminar o

namoro? Você já conheceu alguém? É isso? Agora entendi o

porquê você está tão distante...

– Então Adeus!

Cláudia vai embora em prantos e fica desesperada em

notar que Eduardo já a havia esquecido.

“O que vai ser da minha vida? Vou ter que dar a

notícia para minha mãe.”

– Mãe, preciso muito conversar com você.

– Fale, Cláudia, o que aconteceu? Você está nervosa,

parece que chorou.

– Sim, eu chorei. Não sei como te falar, mas as coisas

não aconteceram como deveriam. Eu sei que você ficou

viúva cedo e por muitos anos me criou sozinha, você foi um

grande pai e uma grande mãe para mim... eu não queria te

decepcionar, sei que faz muito sacrifício para me ajudar com

a faculdade...

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30 Mayara Vellardi Pinheiro

– Já sei, você quer mudar de curso... se for isso, não

tem problema, ainda está no início do ano e acho que

podemos vender os livros...

– Não é isso! Você quer saber? Eu estou grávida!

– Mas você é tão jovem, tem um futuro brilhante pela

frente. Não é fácil criar uma criança sozinha. Hoje em dia,

está difícil conseguir um bom emprego sem ter cursado uma

faculdade, como você vai fazer? O pai é o Eduardo? Ele já

sabe disso? Ele vai assumir a criança? Vocês vão se casar?

– Chega! Você está me bombardeando de perguntas.

Não sei o que eu vou fazer... ele ainda não sabe de nada e

nem quero que saiba.

– Vocês brigaram? Terminaram? Ele te traiu?

– Não, não e não! Eu vou sumir da vida dele e não

quero que você se meta nisso.

– Ah, mas eu vou me meter sim, sou sua mãe e você

mora comigo, enquanto eu ajudar no seu sustento, me

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31 E se eu não existisse?

intrometerei em sua vida quantas vezes for preciso e já que

ninguém sabe além de nós duas, vou procurar uma clínica

para você fazer um aborto.

– Você está louca? Não sou assassina! Não vou matar

um inocente.

– Mas o bebê ainda é muito pequeno, ele nem vai

sentir nada. Aliás, nem é bebê ainda...

– Claro que sente, a vida começa quando o óvulo e o

espermatozoide se unem.

– Se você quer ficar com a criança, tudo bem, mas eu

não vou mais ajudar você com a faculdade e nem vou olhar

seu filho, porque eu trabalho e não tenho tempo e quer

saber? Vou contar tudo para a família do Eduardo e vocês

vão ter que casar.

– Me dá um tempo para conversar com ele, por favor.

– Se até amanhã você não tiver uma resposta dele, eu

vou lá falar com os pais dele.

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32 Mayara Vellardi Pinheiro

O dia passa e Cláudia não consegue falar com

Eduardo por telefone. Apreensiva, após o trabalho, procura o

rapaz na faculdade, mas não o encontra.

“Onde será que ele está? Será que já está com outra?

Será que já me esqueceu?”

Quando chega em casa, sua mãe a espera.

– Conseguiu falar com o rapaz?

– Não, mãe. Tentei o dia todo, mas não o encontrei.

– Seu prazo terminou, amanhã é sábado. Na hora do

almoço, estarei na casa deles.

Cláudia se desespera e mesmo sendo tarde, vai até a

casa de Eduardo, quando o encontra descendo de um carro

com outros amigos.

– Nossa, que surpresa! Você por aqui! Pensei que não

quisesse mais me ver...

– Eu preciso falar muito sério com você e antes que

você me interrompa vou direto ao assunto. Estou grávida.

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33 E se eu não existisse?

Eduardo sente a cabeça girar e fica sem reação para

desespero de Cláudia. Quando finalmente retoma os

sentidos, balbucia:

– E vo...vo...cê vai fa..fazer o quê?

– Ter o filho, oras! Que pergunta.

– Eu não quis dizer isso. Jamais pediria para você

fazer um aborto é meu filho que está aí.

– Desculpe, Du, mas eu estava com medo da sua

reação.

– Eu confio em você, sei que esse filho é meu.

Brigamos por besteira, eu não queria me separar de você.

Vamos ficar juntos?

– Só que tem um problema, minha mãe quer que a

gente case e não vai me ajudar com nosso filho e nem com a

minha faculdade... vou parar de estudar.

– Eu não posso parar de estudar e se eu continuar

morando na casa dos meus pais, eles vão me ajudar, mas se

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34 Mayara Vellardi Pinheiro

eu sair para casar, tenho certeza de que vai ser mais difícil. A

gente pode continuar namorando, comunicamos meus pais

com o tempo e depois que eu me formar, a gente casa. Eu

não vou deixar faltar nada para você, nem para o bebê.

– Por mim tudo bem, mas o grande problema é que

minha mãe me deu um prazo. Se eu não falasse com você e

acertasse tudo em relação ao casamento, ela iria na sua

casa e falaria tudo para seus pais.

– Ela não pode fazer isso. Não, agora. Preciso

preparar meus pais para a notícia, com certeza eles me

acham muito jovem para casar...

– Vou para casa, falo com minha mãe e explico para

ela que conversamos e que você precisa de um tempo para

falar com seus pais. Tudo bem?

– Combinado. Amanhã cedo nos encontramos.

Cláudia chega em casa, mas não encontra a mãe. A

noite passa e ela percebe que sua mãe dormiu fora.

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35 E se eu não existisse?

“E agora? Será tarde demais?”

Eduardo entra em casa e seus pais o esperam

acordados.

– Estávamos te esperando para te dar uma notícia.

– O quê?

– Seu pai recebeu uma promoção no trabalho!

– Isso é maravilhoso, mãe! Parabéns, pai!

– Eduardo, meu filho, não é uma simples promoção.

Isso vai mudar o nosso estilo de vida. A empresa me chamou

para trabalhar na Alemanha e eu aceitei.

– Mas... e a minha faculdade? Minha namorada?

Meus amigos? Minha vida aqui?

– Filho, eu e seu pai pensamos muito a respeito e

vamos te dar um voto de confiança. Se não quiser ir

conosco, pode ficar cursando a faculdade e morando

sozinho, que ajudaremos com uma quantia por mês, mas

não faça nenhuma besteira.

Page 37: E se eu não existisse?

36 Mayara Vellardi Pinheiro

– Seria uma experiência muito boa, se você viesse

conosco, você ainda pode pensar a respeito, partiremos em

menos de um mês.

– Bem que eu gostaria, mas não posso...

– Por quê? Não é por causa de namorada, é? Você

ainda é muito jovem para se prender em alguém, veja o caso

meu e da sua mãe, estudamos, vivemos nossas vidas,

casamos mais tarde e somos muito felizes e bem sucedidos.

– Claro que não! É porque eu não sei falar alemão e

não queria deixar a faculdade.

– Se for por causa do alemão, todos nós vamos fazer

aulas e com o tempo aprenderemos, mas se for pela

faculdade tudo bem, entenderemos.

Imediatamente, Eduardo corre para seu quarto e liga

para Cláudia.

– Clau, preciso te contar uma coisa.

– Fala, Du.

Page 38: E se eu não existisse?

37 E se eu não existisse?

– Meus pais estão se mudando para a Alemanha por

causa do trabalho dele, mas eu vou ficar aqui, morando

sozinho, então você poderá vir morar comigo. É só questão

de tempo. Meus pais viajam daqui a menos de um mês.

– Que maravilha! Só estamos com um pequeno

problema, minha mãe não está em casa, não sei aonde ela

pode ter ido. Estou com medo de ela aparecer por aí hoje

ainda ou amanhã bem cedo.

– Isso não pode acontecer de jeito nenhum senão ela

estragará todos os nossos planos, meus pais não podem

saber de nada por enquanto.

– Espero que ela volte logo.

Na manhã seguinte, Margarida vai até a casa de

Eduardo e conversa com seus pais. O jovem acorda com

sons de discussão vindos da sala.

– Minha filha é a verdadeira vítima! – se altera

Margarida.

Page 39: E se eu não existisse?

38 Mayara Vellardi Pinheiro

– Sua filha é uma aproveitadora, sabe que temos boas

condições e deu o golpe da barriga. – grita Irene.

– Não é verdade, seu filho abusou da inocência dela e

a engravidou.

– Dobre sua língua para falar do meu filho. Quem

garante que essa criança é do meu filho mesmo?

As duas perdem a cabeça e começam a se estapear

quando Romulo intervém.

– Parem de brigar! Chega! Essa baixaria toda não vai

adiantar nada! Por favor, senhora Margarida, o que deseja

que façamos?

– Rômulo, você vai defender essa daí?

– Tenha bom senso Irene. Cláudia não fez esse filho

sozinha. Precisamos chamar o Eduardo e a moça aqui para

que eles mesmos se expliquem.

– Muito bem, senhor Rômulo, eu sou uma mulher

sozinha, viúva, trabalhei muito para dar estudo e educação

Page 40: E se eu não existisse?

39 E se eu não existisse?

para minha filha. Agora, vejo o futuro dela encerrado. Como

ela conseguiria continuar a faculdade e trabalhar tendo um

filho pequeno? Sem contar que não terei condições de ajuda-

la, porque trabalho muito.

– Compreendo, então a senhora quer que eles

casem?

– Sim, eu gostaria, porque não quero ver minha filha

falada como mãe solteira e nem deixa-la sem eira nem beira.

– Só há uma condição para eu aprovar esse

casamento.

– Qual?

– Se os dois realmente se gostam e quiserem casar.

– Eles não têm o que querer.

– Desculpe, mas não vou casar meu filho à força, não

estamos mais nos tempos antigos. No que cabe a mim, como

avô, para essa criança não faltará nada, mesmo que eles

não se casem.

Page 41: E se eu não existisse?

40 Mayara Vellardi Pinheiro

– Por mim, tudo bem. Vou chamar a Cláudia e já volto.

Assim que Margarida se retira, Eduardo aparece na

sala.

– Pai, mãe, me desculpem por eu estragar tudo. Eu

fiquei sabendo da gravidez ontem à noite, pouco antes de

saber da viagem, fiquei sem reação, vocês estavam tão

felizes, eu não queria estragar os planos de vocês.

– Quando você ia nos contar? No aeroporto? Ou

quando estivéssemos lá? – retruca Irene.

– Você deveria ter nos comunicado ontem mesmo.

Você sabe que eu gosto de saber as coisas por você, meu

filho e não pelos outros. Dona Margarida veio aqui e ela e

sua mãe brigaram, foi um desentendimento desnecessário.

– Vocês me perdoam?

– Perdoamos, mas queremos saber qual é a sua

decisão, porque daqui a pouco Cláudia e Dona Margarida

estarão aqui novamente.

Page 42: E se eu não existisse?

41 E se eu não existisse?

– Eu vou me casar.

– Não se precipite meu filho, você ainda é muito

jovem. Não deixaremos nada faltar a essa moça, nem à

criança. Venha conosco para a Alemanha.

– Não passe as mãos na cabeça dele, Irene. Se ele

quer casar, assumir a moça e o filho, deixe que o faça, senão

ele vai se arrepender e isso vai ser muito pior.

Margarida e Cláudia aparecem e todos conversam

pacificamente. A decisão do casamento deixa a moça

aliviada.

– Quando ela pode vir morar aqui? – questiona

Margarida.

– Assim que partirmos, daqui a três semanas. – fala

Irene.

– Precisamos arrumar os preparativos do casamento,

minha filha vai se casar às pressas, mas tem que ser uma

grande festa para que as pessoas não fiquem comentando.

Page 43: E se eu não existisse?

42 Mayara Vellardi Pinheiro

– Mãe, eu e o Du, preferíamos algo bem simples, de

preferência um almoço de domingo com poucos amigos e

parentes.

– Mas minha filha, casar é uma vez só na vida, você

tem que aproveitar.

Cláudia nota o olhar rancoroso de Irene e antes que

uma nova discussão se forme, levanta e convida a mãe a

retirar-se.

– Desculpem pelo incômodo. Eu e minha mãe já

vamos, temos muito a fazer. Para mim, o que vocês

decidirem está muito bom.

Margarida discute com a filha e a expulsa de casa.

Cláudia sem ter para onde ir, volta para a casa de Eduardo,

onde é bem recebida.

Page 44: E se eu não existisse?

43 E se eu não existisse?

Capítulo 3 – Conhecendo o passado

– Uriel, eu só causei transtorno na vida dos meus pais

e dos meus avós. Estavam todos planejando suas vidas e eu

cheguei para atrapalhar.

– Calma, Gustavo, tudo tem um propósito. Você vai

ver! Continue acompanhando a história dos seus pais e você

vai ver que nada foi em vão.

Logo Irene e Rômulo viajam para Alemanha, enquanto

Cláudia e Eduardo aguardam ansiosos a chegada do bebê.

– Du, hoje fui ao médico e descobri o sexo do nosso

filho. É um menino.

– Eu sempre ser pai de um menino. Vou levá-lo para

jogar bola comigo, ao estágio para assistir nosso time ser

campeão, vamos lavar o carro aos domingos. Ele vai ser o

meu companheiro e o meu campeão!

Gustavo se emociona e começa a chorar.

Page 45: E se eu não existisse?

44 Mayara Vellardi Pinheiro

– Anjo, meu pai era muito bom para mim, até que ele e

minha mãe se separaram. Aí, ele arrumou outra casa, outra

mulher com outro filho e ele parou de me dar atenção.

– Não se entristeça, filho. Você é muito amado.

A visão continua e Gustavo se vê no hospital junto à

sua mãe.

“Vai nascer, o parto está complicado... Deus, me

proteja! Se tiver que escolher entre eu e meu filho, por favor,

que ele sobreviva. Ele é a coisa mais preciosa em minha

vida, eu já o amo muito. Senhor, manda um anjo da guarda

especial para meu bebê...”

– Sua mãe fez um pedido muito especial, ela te ama

muito.

– Ela daria a própria vida por mim, mas hoje ela vive

nervosa e nem liga se sou feliz... Uriel, foi a partir desse

pedido que você ficou comigo?

Page 46: E se eu não existisse?

45 E se eu não existisse?

– Na verdade, antes de você nascer, eu já era o seu

anjo, o pedido da sua mãe reforçou ainda mais a sua

proteção.

Margarida se arrepende por ter expulsado a filha de

casa e tenta visitá-la para conhecer seu neto, mas Cláudia

ainda está magoada e não deixa que a avó chegue perto da

criança.

– Você me expulsou no momento que eu mais precisei

de apoio, agora não quero que você o veja.

– Filha, eu me arrependi, me perdoa.

– Você quis que eu abortasse, pensa que eu esqueci?

– Isso já passou, eu mudei de ideia depois.

Eduardo intervém.

– Querida, deixe sua mãe ver nosso pequeno

Gustavo. Ela é avó, tem seus direitos.

– Obrigada, meu filho, Deus te abençoe!

Page 47: E se eu não existisse?

46 Mayara Vellardi Pinheiro

Emocionada, Margarida envolve Gustavo em seus

braços pela primeira vez.

“Que bebê mais lindo é meu netinho. E eu que

cheguei a pensar em aborto. Quanto arrependimento! Espero

que Cláudia me perdoe, para que eu possa conviver com

ele.”

– Já viu seu neto? Muito bem, agora pode se retirar.

– Isso é jeito de falar com sua mãe?

– Deixa, meu filho, uma hora ela vai me perdoar.

– Uriel, então foi assim que minha mãe e minha avó

pararam de se falar?

– Sim, elas estão brigadas até hoje, por causa do

orgulho de sua mãe em não querer perdoar uma atitude

impulsiva de sua avó em um momento de desespero.

– Coitada da minha avó, ela deve ter sofrido muito,

mas a gente nem conviveu, ela nem deve gostar de mim.

– Por que você diz isso?

Page 48: E se eu não existisse?

47 E se eu não existisse?

– Porque se ela gostasse de mim o suficiente, teria

insistido mais para falar comigo, para me ver.

– Ela insistiu por muitos anos. Seu pai chegou a levá-

lo às escondidas para sua avó vê-lo, mas você era muito

pequeno e não se lembra.

– Mas agora eu sou grande, ela poderia me procurar...

– Tem coisas, que só adultos entendem... o dia que

você crescer, vai entender.

– Anjo, e meus avós que foram morar na Alemanha?

– Eles sempre enviaram dinheiro e presentes para

você. O maior desejo deles é conhecê-lo pessoalmente.

– Mas, por que eles não vieram para o Brasil me

visitar?

– Eles vieram algumas vezes quando você era bem

pequeno, mas com o passar do tempo a saúde de seus avós

se complicou, porque eles têm idade avançada e viajar

Page 49: E se eu não existisse?

48 Mayara Vellardi Pinheiro

tantas horas ficou difícil, eles sofrem por não poderem vir

visitar você e seu pai.

– Entendi... será que um dia vou poder visita-los? Ah,

não poderei, logo eu não terei existido... Será que eu posso

ver como era quando meu pai me levava para visitar a minha

avó escondido?

– Pode sim, meu filho.

Sempre que Cláudia sai para resolver algo, ou

Margarida visita o genro e o neto, ou Eduardo leva seu filho

para a avó. Desta vez, Margarida é quem foi na casa do

neto.

– Ai meu filho, já faz cinco anos que estamos vivendo

desse jeito. Quando a Cláudia vai mudar de ideia?

– Vou tentar convencê-la, não falamos mais sobre o

assunto. Pode ser que o coração dela já tenha amolecido.

Page 50: E se eu não existisse?

49 E se eu não existisse?

– Esses encontros já estão ficando muito arriscados.

Se ela descobrir, ficará muito chateada e perderá a confiança

em nós.

– Ela tem que mudar! Não pode continuar sendo

assim, tão teimosa, será que não percebe que faz as

pessoas sofrerem?

Cláudia volta antes do previsto e escuta a última parte

da conversa.

– Muito bonito o que vocês estão fazendo! Você

acoberta minha mãe e ainda fala mal de mim pelas costas.

Vou ser bem sincera, eu realmente estava pensando em

mudar de ideia e deixar minha mãe frequentar a casa, mas

depois disso o que vocês fizeram. Estou me sentindo traída,

não tenho mais confiança em vocês dois.

– Essa foi a última vez que você viu sua avó. –

comenta Uriel.

– Eu me lembro de alguma coisa, bem pouco... que

tristeza...

Page 51: E se eu não existisse?

50 Mayara Vellardi Pinheiro

– Viu como você é amado?

– Sim, mas isso me deixa triste, porque eu sou o

motivo das brigas.

– O motivo das brigas é o orgulho e não você.

– Não sei, estou confuso.

Vamos continuar acompanhando a sua trajetória.

O casal já não se entende tão bem quanto antes.

– Você sai para trabalhar e volta tarde. Não me dá

satisfação de nada. Estou cansada disso.

– Claro, saio para jantar com meus amigos. Já estou

farto de chegar em casa e só ouvir reclamações.

– Será que são amigos ou uma amiga em especial?

– Por enquanto são amigos, mas não sei até onde vou

aguentar, cabeça de mulher fútil que não trabalha fica cheia

de caraminholas.

Page 52: E se eu não existisse?

51 E se eu não existisse?

– Eu parei de estudar e de trabalhar para cuidar do

nosso filho, mas eu sabia que uma hora você ia jogar isso na

minha cara.

– Eu não estou jogando nada na cara de ninguém. Só

queria que você fosse como antigamente. Aliás, tem tantas

mulheres que cuidam da casa, dos filhos e ainda trabalham

fora. Por que você não faz isso?

– É o que eu vou fazer, mas eu quero voltar a estudar.

– Tudo bem, volte a estudar, eu pago! O que você

quer fazer?

– Algo rápido, mas que eu goste... pode ser um curso

técnico... como Contabilidade.

Cláudia volta a estudar, consegue um estágio e coloca

Gustavo em período integral na escola, no início a adaptação

é um pouco difícil e cada vez que vê seu filho chorar, Cláudia

conversa com seu filho em pensamento.

Page 53: E se eu não existisse?

52 Mayara Vellardi Pinheiro

“Desculpa meu filho, mas isso é para o seu bem, você

ainda é muito novo para entender... Toda vez que você

chora, corta meu coração, eu tenho que pensar em seu

futuro porque o casamento não vai bem e eu não nasci para

depender de homem. Daqui a pouco vamos ser eu e você

meu bem.”

– Não sabia que voltar a trabalhar e estudar tinha sido

um sacrifício para minha mãe, pensei que ela gostasse...

– Sua mãe sempre gostou de ser útil e sempre foi

muito ativa, porém ela tinha um motivo especial para ficar em

casa: você. Ela largou tudo porque te amava muito e não

porque não tinha vontade de trabalhar ou estudar.

– Como a vida é complicada!

– A vida é simples em sua essência, quem a complica

são as pessoas.

Com o tempo, Eduardo e Cláudia se distanciam cada

vez mais.

Page 54: E se eu não existisse?

53 E se eu não existisse?

– Você já vai se formar. Mais dois anos se passaram...

– Pelo menos agora eu tenho uma profissão, não vou

mais depender de você inteiramente. Meu estágio vai

terminar e logo estarei empregada, vai ser um peso a menos

nas suas costas...

– Você só é um peso, quando reclama da vida.

– Nosso casamento já não dá certo há tempos... acho

que vou embora, alugar uma casa, sei-lá...

– Você não precisa alugar uma casa, pode ficar. Meus

pais me deram a casa e como estamos juntos há muitos

anos e você me deu o que é mais precioso na minha vida, eu

quero que fique e tome conta de nosso filho.

– Eu vou cuidar muito bem dele, é uma pena que não

deu certo, não é mesmo?

– Foi uma paixão de adolescente que se estendeu por

alguns anos, mas fomos felizes, não é?

Page 55: E se eu não existisse?

54 Mayara Vellardi Pinheiro

– Sim, mas essa época já passou e nosso futuro não é

o mesmo.

Eduardo comunica seus pais sobre a separação.

– Filho, você tem dinheiro guardado na poupança. Eu

e sua mãe já estamos velhos e não sabemos até quando

viveremos, por isso, vou depositar na sua conta uma quantia

que guardamos por alguns anos. Quero que você pegue

esse dinheiro, junte com sua poupança e compre uma casa

para você. Assim poderá recomeçar sua vida e não

desamparará seu filho, mas lembre-se de colocar a casa em

que sua ex-mulher vive, no nome do seu filho.

– Sim, pai, sou advogado, farei tudo conforme a lei.

Obrigado. E um dia eu e seu neto ainda iremos visitá-los.

Com tudo acertado, logo Eduardo vai para sua nova

casa e Cláudia fica com Gustavo.

– Agora somos só nos dois, meu filho. Fique

sossegado, não vou te deixar faltar nada.

Page 56: E se eu não existisse?

55 E se eu não existisse?

Formada, Cláudia consegue um emprego fixo, mas as

coisas não vão muito bem.

“Deus, me dá forças para conseguir... não está sendo

fácil, me tratam muito mal no meu trabalho, o salário é baixo,

mas eu preciso do emprego, deixar meu filho em uma escola

o dia todo e ainda cuidar da casa sozinha, não é moleza...

mas eu faço tudo pelo meu Gustavo.”

– Nossa, Uriel, como os adultos sofrem, não é?

– Você viu como é importante na vida de sua mãe?

– Mas se eu não existisse ela não teria que dar conta

de tantas coisas sozinha. Meu pai a abandonou.

– Ela também quis a separação.

– Mas ele ajuda pouco com as despesas, por isso ela

tem que trabalhar e não pode cuidar de mim direito.

– Mas ele saiu e deixou a casa para vocês.

– É verdade...

Page 57: E se eu não existisse?

56 Mayara Vellardi Pinheiro

– Pense, pequeno Gustavo, se ela fosse sozinha,

também teria que trabalhar.

– Mas não precisaria se preocupar comigo.

– Ter um filho é assim mesmo, sua mãe teve a

oportunidade de estudar, trabalhar e ainda tem você para

fazer companhia a ela.

– O que você quer dizer com isso, anjo?

– Sem você ela seria muito só e a vida dela teria outro

sentido.

– Mas a vida dela poderia ser melhor...

– Talvez meu filho... mas agora que você já pôde ver a

sua chegada na vida de seus pais e avós, vamos para um

outro momento.

– Qual?

– Como seria a vida de todos se você não tivesse

existido...

Page 58: E se eu não existisse?

57 E se eu não existisse?

Gustavo se agarra ao manto do anjo com um pouco

de medo.

– Então é agora que vou deixar de existir?

– Ainda não, você vai apenas visualizar como seria a

vida deles sem a sua existência. Depois disso,

conversaremos a respeito de você continuar existindo ou

não.

Page 59: E se eu não existisse?

58 Mayara Vellardi Pinheiro

Capítulo 4 – E se eu não existisse?

Gustavo e Uriel prosseguem na mesma época em que

os pais do menino tiveram um breve romance.

– Voltamos à formatura? – questiona confuso o

menino.

– Sim, porque uma decisão é capaz de mudar muitas

vidas. Veja.

– Você está linda! Esse vestido vermelho caiu muito

bem em você!

– Obrigada! Você também está muito bonito e

elegante, esse terno cinza te fez ficar diferente dos outros

meninos.

– Cláudia, eu estou apaixonado por você e sei que

essa é a nossa última noite antes de irmos para a faculdade,

nossa vida vai mudar muito, então temos que aproveitar.

Page 60: E se eu não existisse?

59 E se eu não existisse?

– Hoje, não, Edu... minha mãe logo vai querer ir

embora e eu quero curtir os últimos momentos com as

minhas amigas... você entende, não é?

– Entendo sim, a gente se vê outro dia...

– Você notou a diferença, pequeno Gustavo? Antes,

os dois sairiam da festa abraçados e iriam para um lugar

mais reservado, onde ficariam a sós e algum tempo depois,

sua mãe notaria a gravidez.

– Sim, mas isso para por aí?

– Não, ainda há muitas coisas que você precisa saber.

Após a formatura, Eduardo e Cláudia tomaram rumos

diferentes, cada um com seu trabalho e curso na faculdade,

logo eles já não se falavam mais e automaticamente o

namoro se desfez.

Uma noite qualquer, quando Eduardo chega da

faculdade, seus pais o esperam ansiosos.

– Estávamos te esperando para te dar uma notícia.

Page 61: E se eu não existisse?

60 Mayara Vellardi Pinheiro

– O quê?

– Seu pai recebeu uma promoção no trabalho!

– Isso é maravilhoso, mãe! Parabéns, pai!

– Eduardo, meu filho, não é uma simples promoção.

Isso vai mudar o nosso estilo de vida. A empresa me chamou

para trabalhar na Alemanha e eu aceitei.

– O que me diz, filho? Você vem conosco?

– Vocês me pegaram de surpresa... fico apreensivo

em deixar a faculdade, sem contar que não sei falar uma

palavra em alemão.

– Se o problema for o alemão, eu e sua mãe vamos

estudar um pouco antes de partir e quanto à faculdade, você

pode estudar lá.

– Fechado, pai! Vou arrumar minhas malas! Quando

vamos?

– Se fôssemos somente eu e sua mãe, partiríamos em

vinte dias, mas como você também vai, deixarei a casa

Page 62: E se eu não existisse?

61 E se eu não existisse?

alugada para uma renda extra, já temos uma pessoa

interessada. Até conseguirmos resolver tudo vamos somente

no próximo mês, assim você pode se deligar do seu trabalho

e da sua faculdade com mais calma e aproveitamos todos e

fazemos mais aulas de alemão!

– Ué, anjo, isso foi melhor para o meu pai. Ir para

outro país deve ter sido muito bom para ele...

– Seria bom se ele tivesse sobrevivido.

– Hã? Como assim?

– Vamos continuar com a história e logo você

entenderá.

Chega o tão esperado dia e Eduardo entra no avião

junto com seus pais, porém no meio da viagem, a nave

começa a ter sérios problemas e faz um pouso forçado em

uma ilha no meio do oceano, mas com a violência do pouso,

parte da nave fica danificada e alguns passageiros sofrem

graves ferimentos e morrem.

Page 63: E se eu não existisse?

62 Mayara Vellardi Pinheiro

– Filho, filho, onde você está? – se desespera Irene.

– Aqui mãe... – geme Eduardo em meio a alguns

destroços.

– Não se mexa, logo virá o socorro e sairemos daqui.

– se preocupa Rômulo.

– Pai, mãe, estou muito fraco, perdi muito sangue...

não sei se ou aguentar...

– Poupe suas forças, não fale nada. – pede Rômulo.

– Mas eu preciso falar, antes que seja tarde. Eu amo

muito vocês e se eu morrer, vivam e aproveitem por mim.

– Pare com isso meu filho, você está desesperando

ainda mais a sua mãe.

Quando o socorro chega já é tarde demais, não há

mais chances para Eduardo. Irene e Rômulo vão para

Alemanha e seguem a vida.

Page 64: E se eu não existisse?

63 E se eu não existisse?

– Perdemos nosso único filho a quem dedicamos toda

nossa vida. Parte de mim morreu, meu coração parou... –

suspira Irene.

– Ele era meu único herdeiro, eu trabalhava pensando

em deixar bons recursos para quando ele encontrasse uma

moça, casasse e me desse netos. Aí eu poderia me

aposentar e aproveitar a vida com a sensação de dever

cumprido, mas ele se foi e deixou minha vida vazia, sem

sentido. – se lamenta Rômulo.

Gustavo começa a chorar.

– Isso é muito triste, Uriel... coitado do meu pai, nem

aproveitou a vida... e meus avós, coitados... isso é injusto.

– Nada é injusto, tudo tem um motivo. Tente encarar a

situação pelo lado positivo, você nasceu para salvar a vida

do seu pai e dar alegria aos seus avós!

– A vida deles seria um desastre se eu não tivesse

nascido, mas e minha mãe e minha vó Margarida? Como

Page 65: E se eu não existisse?

64 Mayara Vellardi Pinheiro

seria a vida delas sem mim? Pelo menos elas não brigariam

por minha causa, não é?

– É aí que você se engana, pequeno Gustavo.

– Não acredito! As duas vão brigar de qualquer jeito?

Pelo menos eu não vou ser o culpado desta vez.

Margarida teve uma rigorosa criação, por isso sempre

exigiu de Cláudia uma postura séria e equilibrada, mas os

tempos mudaram e a jovem meiga de antes, tornou-se

revoltada e desobediente.

– Cláudia, isso são horas de chegar?

– São sim! Eu trabalho, estudo e faço o que bem

entender.

– Aqui na minha casa não! As coisas não funcionam

desse jeito.

– Deixa de ser careta mãe, aceita que os tempos

mudaram e hoje em dia está tudo diferente.

Page 66: E se eu não existisse?

65 E se eu não existisse?

– Não aceito! Eu sempre dei duro para te criar da

melhor maneira possível, nunca te deixei faltar nada, como

você pode fazer isso comigo?

– Eu não faço nada com você, faço comigo e é muito

bom!

– Ah, sim, tem um namorado diferente a cada semana,

chega alcoolizada toda sexta-feira, acorda tarde, perde a

hora do trabalho...

– Minhas amigas são livres, fazem isso tudo e não têm

mãe chata para encher o saco.

– Então vá morar com essas suas amigas! Saia daqui!

Eu não vou aguentar isso!

– Vou mesmo! Elas já me chamaram para ir morar na

república delas. É muito divertido lá!

– Pense bem no que está fazendo, Cláudia! Você vai

se arrepender...

Page 67: E se eu não existisse?

66 Mayara Vellardi Pinheiro

– Pensar no quê? Você que me mandou ir morar com

as minhas amigas...

– Eu falei aquilo em um momento de nervosismo,

vamos esquecer tudo...

– Agora já é tarde!

– Se você se comportar, parar de sair com essas

meninas, chegar cedo, eu deixo você ficar.

– Mas agora quem não quer mais ficar sou eu.

Na manhã seguinte, Cláudia prepara sua mala com

roupas, sapatos e alguns acessórios e parte para a república

das amigas.

Com o tempo, as meninas vão deixando os estudos

para trabalhar e poderem sair à noite e Cláudia acompanha o

ritmo.

– O que vai acontecer com a minha mãe?

Page 68: E se eu não existisse?

67 E se eu não existisse?

– Ela tomou muitas atitudes erradas, seguiu conselhos

de amizades que não eram boas para ela, deixou de falar

com a própria mãe para viver uma vida de ilusão. Isso não foi

nada bom, com o tempo ela deixou a faculdade, começou a

trabalhar em bares e boates à noite e se tornou uma pessoa

vazia e solitária.

– Nem parece a minha mãe... ela está irreconhecível,

por quê ela não ouviu minha avó?

– Para ela, sua avó estava errada. Sua mãe estava

tão iludida que não percebeu onde estava se metendo.

– Agora entendo o porquê é tão importante ouvir os

conselhos de nossos pais.

– É verdade Gustavo, eles sempre sabem o que é

melhor para seus filhos.

– E o que aconteceu com a minha avó?

Page 69: E se eu não existisse?

68 Mayara Vellardi Pinheiro

– Ela ficou triste e sozinha, sem razão para viver. Até

que adoeceu e não procurou tratamento, se deixando levar

pela doença até a morte.

– Mas, ela também ficou triste e sozinha quando eu

existia...

– Só que ela tinha um motivo para lutar.

– Qual?

– Você! Ela sempre te amou e você era a esperança

dela se reaproximar da sua mãe.

– Puxa, nunca pensei que a vida de uma pessoa

tivesse o poder de mudar tanta coisa assim...

– É meu pequeno Gustavo, você ainda tem muito o

que aprender nesta vida.

– Então você não vai me destruir? Eu vou poder voltar

para casa?

– As coisas não são tão simples assim.

– Você fez um pedido muito sério.

Page 70: E se eu não existisse?

69 E se eu não existisse?

– Eu me arrependi, quero voltar, fazer tudo diferente,

falar para minha mãe fazer as pazes com a minha avó. Dizer

para meu pai que eu o amo e que quero viajar com ele para

a Alemanha. Enfrentar aqueles meninos bobos na escola e

pedir a Ana Clara em namoro. Pedir desculpas para o meu

professor por ter prejudicado ele com a coordenadora.

– Infelizmente você não vai poder voltar agora.

– Por quê? Minha chance se foi? A vida de todos está

arruinada por um pedido meu?

– Ainda não. Você vai presenciar outras situações e

descobrir mais coisas antes de tomar sua decisão.

– Mas minha decisão já está tomada. Quero voltar!

– Tudo ao seu tempo. Agora temos que deixar

algumas coisas se acertarem sozinhas.

– Como assim?

– Logo você entenderá.

– Posso fazer uma pergunta?

Page 71: E se eu não existisse?

70 Mayara Vellardi Pinheiro

– Claro, se eu puder responder.

– Onde eu estou agora? O que está acontecendo com

todos enquanto estou com você?

– Vamos dizer que seu corpo está em um sono

profundo e que você ainda exista para todos.

– Pensei que tivéssemos voltado no tempo...

– Não, meu filho. Infelizmente não podemos voltar no

tempo...

– Mas foi tudo tão real.

– O que pode ser feito, é ver o passado, mas não há

como modifica-lo.

– Se não tem como mudar o passado... então eu não

posso deixar de existir?

– É como eu já disse antes, Deus não cria um filho

para destruí-lo.

– Então por que você veio?

Page 72: E se eu não existisse?

71 E se eu não existisse?

– Para te dar uma nova chance. Logo você entenderá.

– Mas...

– Chega de questionamentos. Agora vamos para outro

lugar.

Page 73: E se eu não existisse?

72 Mayara Vellardi Pinheiro

Capítulo 5 – Um lugar inusitado

Uriel leva Gustavo para um local encantador, onde as

cores são claras e os sons suaves. Todos sorriem e emanam

de seus corpos astrais uma agradável luminosidade.

– Vou te dar uma oportunidade diferente. Vou levá-lo

para conhecer o meu mundo.

– Sério? Que maneiro! Eu pensei que só existia o Céu

e o Inferno além da Terra...

– Existe muito mais... pode apostar!

– Onde você vive? O que você faz?

– Calma! Uma pergunta de cada vez!

– Nós, anjos temos um lugar onde nos reunimos.

– Qual é o nome deste lugar?

– Vamos dizer que é como se fosse um santuário.

Page 74: E se eu não existisse?

73 E se eu não existisse?

– Mas eu pensava que anjos viviam em nuvens. Aqui

tem paredes, jardins, ruas...

– Vou te levar ao nossos anjos superiores, você quer

conhecê-los?

– Claro, será uma honra!

– Uau! Isso é igual a um palácio! Que cores lindas!

Quantos detalhes! Uau!

– Esses são os três arcanjos superiores que cuidam

de tudo por aqui, Gabriel, Rafael e Miguel.

Gustavo esfrega os olhos e percebe que realmente

está naquele lugar maravilhoso e abençoado. Ele observa

bem as três figuras, como são grandes e fortes.

“Que asas grandes, acho que devem caber umas dez

crianças embaixo de cada asa...”

Uriel sorri e imediatamente Gustavo lembra que o anjo

pode ler seus pensamentos.

Page 75: E se eu não existisse?

74 Mayara Vellardi Pinheiro

– Eu já ouvi falar deles. Então tudo era verdade? Isso

tudo existe! Às vezes parece que estou sonhando...

– Você não vai conseguir se comunicar com eles,

porque não entenderá uma palavra sequer, eles falam a

Língua dos Anjos.

– Que pena... queria falar com eles... espere, estou

ouvindo algo, é como uma música bem suave e agradável.

– Essa música a que você se refere é a Língua dos

Anjos, aqui todos se comunicam assim, desta mesma forma.

– E por que você está falando comigo normalmente?

Você não fala essa língua?

– Eu também me comunico com os demais anjos

utilizando essa mesma linguagem, mas se eu falasse de

outra forma, você não me entenderia.

– Desculpe...

– Sem problemas.

Page 76: E se eu não existisse?

75 E se eu não existisse?

– Ali tem um grupo de crianças... elas estão na mesma

situação que eu?

– Cada uma está aqui por um motivo diferente.

Algumas estão só de passagem, outras ficarão por mais

tempo.

– E eu? Vou ficar aqui por quanto tempo?

– Você ficará o tempo que for necessário para seu

aprendizado.

– Pensei que eu já tivesse aprendido a lição.

– Não é questão de aprender uma lição, é algo muito

maior do que isso. É entender um pouco mais sobre o

funcionamento do universo e sobre como as decisões podem

mudar a vida das pessoas.

– O que faremos agora?

– Vamos ficar um pouco mais por aqui. Você precisa

de um tempo para colocar as ideias em ordem. Vou te deixar

sozinho, depois volto para te buscar.

Page 77: E se eu não existisse?

76 Mayara Vellardi Pinheiro

Uriel desaparece antes mesmo que Gustavo consiga

pronunciar seu nome.

“Não acredito! Ele desapareceu! Como ele pôde fazer

isso comigo? Fui abandonado...”

– Olá!

Gustavo ouve uma voz suave e quando olha para trás,

vê uma garotinha ruiva, com cerca de cinco anos, ela sorri

para ele enquanto segura uma boneca.

– Olá! Meu nome é Laurinha e o seu? – insiste a

menina.

– Meu nome é Gustavo. Desculpe, é que eu me

assustei um pouco...

– O que você está fazendo aqui?

– É uma longa história... eu pedi para o Papai do Céu

para não existir mais e aí apareceu um anjo em minha vida...

ele me mostrou muitas coisas, contou histórias e me trouxe

para cá, mas me fala de você.

Page 78: E se eu não existisse?

77 E se eu não existisse?

– O que você quer que eu fale?

– Queria que me contasse como veio parar aqui!

– Eu fiquei muito dodói, aí minha mãe me levou no

médico e ele disse que eu ia ter que fazer uma ciru... ci...

ru...gia, alguma coisa assim...

– Ah, entendi, você foi para o hospital fazer uma

cirurgia, mas o que você tem?

– Não sei bem, antes disso, eu tomei remédios, aí eu

passei mal, então rasparam meu cabelo e agora meu

corpinho está lá, sendo operado. Pelo menos foi o que o meu

anjo me contou.

– Ué, mas eu estou vendo o seu cabelo! Você é ruiva!

– É verdade, eu estou aqui como eu era antes e não

como estou agora.

– Isso é um pouco confuso, não estou entendendo.

– Olha lá, meu anjo da guarda está vindo. Ele pode te

explicar melhor.

Page 79: E se eu não existisse?

78 Mayara Vellardi Pinheiro

Quando Gustavo olha para trás, vê Uriel

acompanhado por outro anjo vindo em sua direção.

– Olá, Gustavo, este é o anjo de Laura, seu nome é

Mikael.

– Olá, Mikael! É um prazer conhecê-lo.

– Uriel falou bastante sobre você... estávamos de

longe observando sua conversa com a Laurinha.

– Que doença ela tem?

– Câncer, mas ela já foi operada e está na hora dela

acordar no hospital. Vamos levá-la de volta agora. Você quer

ir junto?

– Claro! Será muito bom vê-la curada!

Rapidamente, como em um estalo de dedos, todos

estão no quarto de Laura, no hospital.

Laura acorda e se espreguiça gostosamente.

– Laurinha, você está bem?

Page 80: E se eu não existisse?

79 E se eu não existisse?

– Ela não pode te ver, nem nos ver. Ela não se

recordará de muita coisa, tudo terá sido como um sonho. –

explica Mikael.

– Ela estava falando a verdade... ela está... sem

cabelo nenhum...

– Sim, mas é por pouco tempo, logo ela estará

totalmente recuperada e seus lindos cabelos ruivos estarão

compridos novamente.

A porta se abre e juntamente com o médico, entra um

casal, Gustavo olha para todos e nota um rosto conhecido

que lhe causa um grande espanto.

Enquanto o médico explica ao casal detalhes da

cirurgia e da recuperação, Gustavo questiona seu anjo da

guarda.

– Uriel, o que meu pai está fazendo aqui? Estamos no

presente? O que está acontecendo? Ele pode me ver?

Page 81: E se eu não existisse?

80 Mayara Vellardi Pinheiro

– Fique tranquilo, ninguém pode te ver por enquanto.

Logo você entenderá o porquê seu pai está aqui.

– Que coincidência ele entrar no mesmo lugar onde

estou agora...

– Nada é por acaso, pequeno Gustavo. Preste

atenção na conversa e você começará a entender o que está

acontecendo.

– Virgínia, meu bem, nossa menina vai ficar boa logo,

você vai ver! – fala Eduardo.

– Oh, querido... é o que eu mais quero nessa vida...

você já foi no quarto do seu filho hoje?

– Sim, ainda ele não teve nenhum sinal de melhora,

pelo menos seu quadro continua estável. Cláudia está lá

junto com Roberto e Margarida.

– Agora é hora de irmos para outro ligar, pequeno

Gustavo. – recomenda Uriel.

Page 82: E se eu não existisse?

81 E se eu não existisse?

– O que está acontecendo? Eu também estou nesse

hospital? Eu fiquei doente? Eu vou morrer? A Virgínia é a

mulher do meu pai e a Laurinha é filha dele?

– Seu corpo está em coma, você sofreu uma queda,

bateu a cabeça e fizemos com que seu corpo adormecesse.

Virgínia é a nova esposa de seu pai e Laurinha é filha dela

do primeiro casamento.

– Eu sabia que meu pai tinha alguém, tinha certeza

disso, eu pensava que ele tinha outro filho e por isso não

queria mais saber de mim... mas ela não é filha dele...

– Ele a considera como filha, mas tem um grande

amor por você também. Ele está sofrendo muito com vocês

dois no hospital.

– Acho que ele está mais preocupado com ela do que

comigo...

– Você se engana, seu pai estava preparando uma

surpresa para você, por isso a ausência dele nesses últimos

tempos.

Page 83: E se eu não existisse?

82 Mayara Vellardi Pinheiro

– Que surpresa?

– Ele reformou a casa, construiu um quarto a mais e

reformou todo seu quarto de um jeito muito especial.

– Mas a casa já tem três quartos. Um para eles, outro

para a Laurinha e outro para mim... por quê mais um?

– Virgínia está esperando um bebê, logo, você e

Laurinha terão um irmão. Seu pai estava esperando tudo

ficar pronto para te contar as novidades e mostrar seu novo

quarto.

– Como fui egoísta... não podia imaginar... e minha

mãe, como está?

– Vamos ao seu quarto, você está preparado?

– Sim!

Gustavo entra no quarto e vê seu corpo inerte, ligado

a aparelhos.

– Uriel, parece que eu estou dormindo, mas esses

aparelhos dão uma sensação ruim... não gosto deles... olhe

Page 84: E se eu não existisse?

83 E se eu não existisse?

para a minha mãe, ela está tão triste, o professor Roberto e a

minha vó Margarida estão lá fora esperando...

– O amor une as pessoas. Sua mãe e sua avó te

amam tanto que a dor de viver sem você as uniu novamente

e elas esqueceram das desavenças.

– E meu professor?

– Ele foi muito solidário com sua mãe e os dois se

aproximaram durante esse tempo em que você esteve

internado...

– Não vá me dizer que eles estão namorando...

– Eles estão se dando muito bem, ainda como amigos,

mas o futuro reserva um grande amor entre os dois.

– Tudo bem, eu sou capaz de aceitar isso... se é pela

felicidade da minha mãe... anjo, me responde mais uma

coisa, há quanto tempo eu estou neste hospital?

– Há uma semana.

Page 85: E se eu não existisse?

84 Mayara Vellardi Pinheiro

– Como o tempo passou rápido! Quando eu poderei

voltar?

– Essa é a sua decisão?

Os dois são interrompidos quando a enfermeira entra

no quarto.

– Dona Cláudia, tem um grupo de jovenzinhos no

corredor querendo falar com a senhora. Eu não posso

permitir que eles entrem no quarto.

Ana Clara, Maurício, Caio, Theo aguardavam

ansiosos.

– Olá, tia Cláudia! Viemos saber notícias do Gustavo.

– Oi minha querida, o quadro dele continua estável.

Assim que tivermos alguma novidade, peço para o professor

Roberto avisar você e seus amigos.

– Tia, viemos junto com a Aninha para trazer alguns

cartões de melhoras que nossos amigos fizeram para o

Gustavo.

Page 86: E se eu não existisse?

85 E se eu não existisse?

– Muito obrigada, Theo, assim que se recuperar,

mostrarei a ele todos os cartões.

– Agora temos que ir, pequeno Gustavo. – diz Uriel.

– Não podemos ir. Quero ficar com a minha mãe, ela

está sofrendo... quero voltar...

– Pelo que vejo você já tomou sua decisão em

retornar, mas seu corpo precisa dar alguns sinais de melhora

e só assim, você poderá voltar.

– O que eu posso fazer para ajudar?

– No momento, nada. Aliás, você pode ajudar, fazendo

tudo o que eu pedir, venha comigo.

– Para onde vamos?

– Vou te levar de volta ao santuário.

– Mas...

– Sem questionamentos, Gustavo.

– Tudo bem, eu vou ficar em silêncio e não vou

contestar mais nada.

Page 87: E se eu não existisse?

86 Mayara Vellardi Pinheiro

– Assim está bem melhor.

Os dois dirigem-se para um local tranquilo,

semelhante a um hospital.

– Pronto, chegamos. Agora você vai se deitar e logo

adormecerá.

– Mas eu não estou com sono...

– Logo o sono virá!

– Anjo, posso te fazer mais uma pergunta?

– Claro, pequeno Gustavo.

– Quando eu acordar, lembrarei de você e de tudo o

que eu presenciei?

– Talvez você se lembre de algumas coisas... o mais

importante é que você não se sentirá mais sozinho e saberá

que tem alguém que olha por você, com quem poderá contar

o resto de sua vida.

– Você sempre estará comigo? Mesmo quando eu

crescer?

Page 88: E se eu não existisse?

87 E se eu não existisse?

– Pode apostar!

– Mas eu não vou te ver mais, né? E quando eu

precisar de você?

– Aparecerei em sonhos e você terá intuições sobre o

que fazer...

Page 89: E se eu não existisse?

88 Mayara Vellardi Pinheiro

Capítulo 6 – Escolha importante

Gustavo acorda assustado, olha a sua volta e vê sua

mãe desconfortável dormindo em uma poltrona ao lado de

sua cama.

“Estou em um hospital... o que será que aconteceu

comigo? Não consigo me lembrar de nada...”

– Mãe?

Cláudia olha para seu filho e começa a chorar.

– Obrigada meu Deus! Muito obrigada por trazer meu

filhinho de volta!

– Mãe, o que aconteceu comigo? O que eu estou

fazendo aqui?

– Você desceu as escadas correndo quando eu te

chamei para tomar café da manhã, aí levou um tomo feio,

batendo a cabeça com muita força, você desmaiou e não

Page 90: E se eu não existisse?

89 E se eu não existisse?

acordou mais, então liguei para seu professor e ele veio

comigo para o hospital.

– Para o meu professor? Por que você não ligou para

o meu pai?

– Porque o celular dele estava fora de área e o

Roberto era a única pessoa com quem eu podia contar

naquele momento...

– Entendo... não sabia que vocês eram amigos.

– Mas não éramos... na verdade, ele tinha anotado o

e-mail e o telefone em um pedaço de papel e quando você

sofreu o acidente, eu encontrei a anotação na estante da

sala ao lado do telefone...

– Tudo bem, mãe... não precisa ficar se explicando

não...

Cláudia toca a campainha e logo aparece uma das

enfermeiras:

Page 91: E se eu não existisse?

90 Mayara Vellardi Pinheiro

– Olha quem acordou! Você está se sentindo bem,

Gustavo?

– Sim... estou! É como se eu tivesse dormido um sono

profundo.

– Vamos dizer que foi isso que aconteceu! Você

dormiu bastante!

– Há quanto tempo eu estou aqui?

– Há uma semana.

– Uau! Não sei como consegui dormir por tanto tempo!

– Bem, o que importa é que você está acordado

agora... Vamos fazer alguns exames com você, ok?

– Tudo bem, estou preparado.

– Gu, meu filho, enquanto a enfermeira faz os exames

em você, eu vou avisar sua avó, seu pai e o Roberto que

você está bem. Eles devem estar lá embaixo, na lanchonete.

Vê se nos espera acordado, hein?

Page 92: E se eu não existisse?

91 E se eu não existisse?

– Tudo bem, mãe! Prometo que não vou dormir tão

cedo...

Enquanto Gustavo passa por alguns exames, Cláudia

vai até a lanchonete e encontra Margarida e Roberto

conversando. Eles não notam a presença da moça e falam a

seu respeito animadamente:

– Ah! Dona Margarida! Sua filha é um encanto!

– Ela é uma mulher de muita sorte em ter um homem

como você ao lado.

– Imagina, eu é que tenho sorte, por tê-la conhecido...

– Quando você vai se declarar?

– Assim que o Gustavo acordar... agora, creio que

ainda não seja o momento.

Cláudia se aproxima de Roberto e fala mansamente:

– O que você vai me dizer quando o Gu acordar?

– Clá...Clá..u..Cláudia?

– Por que o espanto?

Page 93: E se eu não existisse?

92 Mayara Vellardi Pinheiro

– Nada minha filha, eu e o professor estávamos

apenas falando que você é uma mulher maravilhosa e uma

mãe muito dedicada.

– Hum... sei... tudo bem, mas eu sou uma pessoa

muito curiosa e ainda não fiquei satisfeita, tem certeza de

que não quer me falar agora, Roberto?

– O que eu tenho para dizer, pode esperar mais um

pouco... assim que o Gustavo acordar eu falo.

– Então não precisa mais esperar!

– Como assim?

– Deus devolveu meu filho! Ele voltou! Está acordado!

Roberto, Cláudia e Margarida se abraçam com imensa

alegria. Logo chegam Eduardo e Virgínia com Laura no colo.

– Bom dia, Cláudia! Alguma notícia do nosso Gu?

– Sim! Nosso filho acordou!

– Hoje é um dia muito feliz para mim! A Laurinha está

tendo alta para voltar para casa e meu pequeno Gu saiu do

Page 94: E se eu não existisse?

93 E se eu não existisse?

coma! Virgínia, você pode esperar um pouco aqui? Eu vou

subir para dar um beijo no meu filho.

– Claro meu bem, nós esperaremos, não é Laurinha?

– Sim! Não vejo a hora de conhecer meu irmãozão!

Apenas Eduardo entra no quarto.

– Oi meu filho!

– Pai?

Eduardo não contém as lágrimas e corre para abraçar

Gustavo.

– Eu tive tanto medo de te perder... não vou mais

desgrudar de você...

– Eu pensava que você não se importava comigo...

– Eu me importo e muito! Você pode me perdoar?

– Claro, pai. Eu te amo!

– Eu também te amo! Olha filho, eu tenho muitas

novidades para você... assim que você sair do hospital,

vamos fazer muitas coisas juntos!

Page 95: E se eu não existisse?

94 Mayara Vellardi Pinheiro

– Combinado, pai!

A enfermeira pede para que Eduardo se retire para

que ela possa continuar realizando os exames. Logo após a

realização de todos os exames, Gustavo adormece.

Cláudia entra no quarto junto com Roberto e

Margarida e fica espantada.

– O que aconteceu com o meu Gu? De novo, não!

Gustavo acorda assustado com os gritos da mãe.

– Calma, mãe... eu só estava tirando um cochilo...

– Você me deu um tremendo susto... eu pensei que

fosse me esperar acordado, afinal você me prometeu que

não ia dormir tão cedo...

– Desculpa, fiquei cansado com tantos exames...

– Olá, Gustavo, meu neto!

– Olá vó Margarida! Pelo jeito você e minha mãe

fizeram as pazes...

Page 96: E se eu não existisse?

95 E se eu não existisse?

– Sim, meu filho! Nosso amor por você é maior do que

qualquer desavença. Tem mais uma pessoa que veio te

visitar.

– Professor?

– Sim, Gustavo! Eu fiquei muito preocupado com você

e resolvi ficar por aqui esses dias.

– Nossa, você ficou todos os dias aqui?

– Na verdade, eu saia para dar aulas, tomar um banho

e tirar um cochilo, mas a maior parte do tempo fiquei aqui

com sua mãe e com sua vó...

– Vocês três ficaram aqui todos os dias?

– Claro, meu filho, jamais te abandonaríamos.

– Sim, meu neto, nós nos revezávamos para comer,

tomar banho e dormir, mas sempre estávamos por aqui.

– E meu pai, vó?

– Ah, ele também ficou por aqui todos esses dias e

não foi nada fácil para ele...

Page 97: E se eu não existisse?

96 Mayara Vellardi Pinheiro

– Mas, onde ele está agora?

– Ele teve que ir para casa, mas logo voltará para te

visitar.

– Filho, ele já me ligou para saber notícias suas e

disse que voltará amanhã bem cedo, porque agora já está

tarde...

– Mãe, quando eu vou sair daqui? Quero ir para

casa...

– Amanhã ficarão prontos os exames que você fez,

vamos esperar a resposta do médico.

Na manhã seguinte, Gustavo acorda com uma

deliciosa surpresa. Seus colegas de classe e Ana Clara

aparecem para visitá-lo.

– Oi, Gu! Estou muito feliz que você está se

recuperando... – sorri Ana.

– Nós também! – comemoram Maurício, Theo, Caio e

outros amigos.

Page 98: E se eu não existisse?

97 E se eu não existisse?

– Durante o tempo que você ficou em coma, todos nós

fizemos cartões de melhoras, para quando você acordasse...

– diz Ana.

– Aninha, estou muito feliz pela sua atitude, bem, pela

atitude de todos vocês. Eu não imaginava que vocês

gostassem de mim...

– Nós gostamos sim e queremos dizer que na última

semana você fez muita falta lá na escola. – comentam os

meninos.

– Obrigado! Estou muito contente!

O médico aparece e pede que todos se retirem,

permanecendo, no quarto, somente mãe e filho.

– Dona Cláudia, devo dizer que seu filho terá alta

amanhã. Ele permanecerá ainda hoje para observação.

– Doutor Enzo, o que ele teve?

– Não conseguimos constatar nada em nenhum

exame, tudo está dentro da normalidade. A queda foi forte,

Page 99: E se eu não existisse?

98 Mayara Vellardi Pinheiro

mas não o suficiente para um coma... pode ser que ele tenha

sofrido um choque psicológico e se ele tinha motivos para

fugir da realidade, seu organismo pode tê-lo induzido a esse

sono profundo...

– Você tinha algum motivo para isso, meu filho?

– Dona Cláudia, agora é melhor não pressioná-lo.

Vamos deixar que ele se recupere e amanhã enviarei um

outro médico para dar a alta, tudo bem?

– Claro, doutor.

Margarida fica com seu neto, enquanto todos

preparam uma festa de boas vindas na casa de Eduardo.

No dia seguinte, somente Cláudia vai ao hospital para

buscar o menino e esperar a alta do médico.

– Bom dia, dona Cláudia!

– Bom dia, doutor... qual é seu nome?

– Meu nome é Uriel, fui indicado pelo doutor Enzo

para dar alta para seu filho.

Page 100: E se eu não existisse?

99 E se eu não existisse?

– Não vejo a hora de levar meu filho para casa!

– Eu imagino a sua ansiedade.

– Antes de dar a alta para o rapaz eu poderia

conversar com ele a sós?

– Sim, doutor, com certeza!

– Você lembra de mim, Gustavo?

– Seu rosto é conhecido... eu te conheço daqui do

hospital mesmo, não é?

– Se esforce e lembrará!

De repente tudo vem à tona e Gustavo fica chocado.

– Anjo? Uriel? Meu anjo! Então, foi real? Não era um

sonho?

– Sim, foi tudo real! Eu vim visita-lo para saber se

decidiu o que vai fazer.

– Como assim? Mas eu pensei que já tinha decidido!

Eu quero ficar aqui com os meus familiares e amigos.

Uriel sorri satisfeito.

Page 101: E se eu não existisse?

100 Mayara Vellardi Pinheiro

– Desde o início eu já sabia que você tomaria essa

decisão.

– Saquei! Deus jamais me destruiria, você fez isso só

para mostrar o quanto a minha vida tem valor, não é?

– Pelo o que eu estou vendo, você aprendeu a lição!

Está pronto para continuar e aceitar de braços abertos tudo o

que a vida tem para te oferecer.

– Estou pronto!

Uriel sorri, uma luz intensa o cerca e ele simplesmente

desaparece. Gustavo toca a campainha e logo Cláudia e

uma enfermeira aparecem no quarto.

– Onde está o médico, filho?

– Ele já se foi...

– Desculpem, mas o dr. Vicente chegou agora para

examiná-lo e dar a alta, conforme combinado com o dr. Enzo

ontem.

Page 102: E se eu não existisse?

101 E se eu não existisse?

– Dr. Vicente? Não, quem estava aqui era o dr. Uriel...

acho que deve haver algum engano. – comenta Cláudia.

– Desculpe, mas não temos nenhum médico aqui no

hospital com esse nome.

– Deixa para lá, mãe! Vai ver que a gente se confundiu

com o nome dele... vai ver que era um outro médico que se

enganou de paciente...

– Mas... filho...

No mesmo instante, dr. Vicente adentra o quarto,

examina Gustavo, orienta Cláudia e rapidamente dá a alta

tão esperada saindo junto com a enfermeira.

– Que médico estranho... ele mal deixou a gente

falar... – comenta Cláudia

– Ih, mãe, não liga não! O importante é que está tudo

bem comigo e vamos para casa agora.

Gustavo estranha o caminho do carro e questiona a

mãe.

Page 103: E se eu não existisse?

102 Mayara Vellardi Pinheiro

– Para onde estamos indo?

– Para a casa do seu pai!

– Algum motivo especial?

– Ele quer te ver.

Quando Gustavo toca a campainha, a porta se abre e

ele tem uma agradável surpresa quando vê todos os seus

amigos da escola, seu professor, sua avó Margarida, seus

avós Irene e Rômulo, seu pai, sua esposa Virgínia e

Laurinha. Todos gritam em uma só voz:

– Seja bem-vindo Gustavo! Nós te amamos!

– Isso tudo é para mim?

– Sim, isso e muito mais, meu filho! Tenho muitas

surpresas para você. – sorri Eduardo.

Enquanto todos aproveitam a festa, Eduardo leva seu

filho para ver os quartos novos e depois os dois sentam na

varanda para conversar.

– Filho, você notou que agora temos três quartos?

Page 104: E se eu não existisse?

103 E se eu não existisse?

– Sim, pai... e eu acho que já entendi...

– Menino esperto! Me fala o que você acha de tudo

isso...

– Eu acho fantástico! Pai, agora eu tenho um quarto

aqui e um na casa da minha mãe, eu ganhei uma irmãzinha,

a Laurinha, ela é muito linda e meiga e ainda pelo o que eu

entendi, a Virgínia está grávida e vem mais um irmãozinho

para mim...

– Sim, é isso mesmo!

– Qual vai ser o nome dele, pai?

– Vai ser Ariel.

– Que nome bonito! Parece até nome de anjo...

A festa continua e agora é a vez de Gustavo conversar

com seus avós paternos.

– Olá, querido Gustavo!

– Olá, vó, olá, vô! Estou muito feliz que vocês estão

aqui! Eu tinha muito medo de não poder conhece-los.

Page 105: E se eu não existisse?

104 Mayara Vellardi Pinheiro

– Nós te amamos muito, queremos que saiba disso.

– Eu também amo vocês, podem apostar!

Gustavo ouve uma voz suave e meiga e sente um leve

puxão em sua camiseta.

– Oi Gustavo! Lembra de mim?

– Oi Laurinha, claro que sim! Somos irmãos agora o

que me diz?

– Isso é fantástico, não é mesmo?

– Laurinha, me diz uma coisa, você se lembra de

quando estava lá naquele lugar com os anjos?

– Sim eu me lembro de tudo, mas fale baixo, isso é

segredo...

– Ok! Esse é o nosso segredo!

A festa continua, Gustavo vê Roberto e Cláudia a sós

e resolve escutar a conversa às escondidas.

– Roberto, acho que você me deve uma explicação.

Page 106: E se eu não existisse?

105 E se eu não existisse?

– É, eu sei...

– O que você ia me dizer assim que o Gu acordasse?

– Quero te contar um pouco mais sobre a minha vida...

eu me casei jovem e logo minha esposa engravidou, foi uma

imensa alegria, veio um lindo menino, o nome dele era

Charles, mas infelizmente ele não ficou muito tempo entre

nós... quando ele tinha uns 7 anos, foi atropelado na porta da

escola e virou um anjinho no céu... após alguns meses,

Teresa se transformou e disse que nosso casamento havia

sido um erro e que não havia mais nada que nos unisse

porque o que era mais importante em sua vida, tinha sido

arrancado...

– Que triste sua história, eu sinto muito...

– Foi muito difícil, foram anos de solidão, mas eu já

superei tudo.

– Teresa te abandonou? Para onde ela foi?

Page 107: E se eu não existisse?

106 Mayara Vellardi Pinheiro

– Ela mudou de estado, perdemos o contato... ela me

deixou em um momento muito difícil, porque além de ter

perdido o meu Charles, eu ainda descobri que não poderia

mais ser pai...

– Devem ter sido tempos muito difíceis...

– E foram... mas agora os tempos são outros e eu

quero dizer que estou muito feliz por poder participar de sua

vida... eu gosto do Gustavo como um filho e você é muito

especial para mim... eu sei que estreitamos laços de amizade

há pouco tempo, mas creio que tenha sido intenso o

suficiente para algo a mais.

– Roberto, eu não sei bem o que te falar, eu também

sinto o mesmo... mas, como eu iria contar isso pro Gu? E se

ele não aceitar?

Gustavo aparece repentinamente assustando o casal.

– Eu aceito! Professor Roberto, bem-vindo à família!

Page 108: E se eu não existisse?

107 E se eu não existisse?

– Filho, você estava ouvindo a conversa dos outros...

que coisa feia!

– Estou feliz que você tenha me aceitado como parte

de sua família... mas vai ser engraçado você continuar me

chamando de professor! A partir de agora, pode me chamar

só de Roberto, se quiser...

– Até eu acostumar, vai demorar um tempinho! Profe...

quero dizer, Roberto, eu sei que não é hora, mas e a minha

prova?

– Fique tranquilo! Entregamos o atestado médico para

a Regina e você terá como recuperar as aulas e as provas

perdidas, está tudo certo!

– Obrigado por ter me ajudado!

– O mérito é todo seu...

– Gu, não vai pensando que agora você vai ter mais

moleza na escola, hein?

– Não, mãe, eu sei separar as coisas, pode deixar!

Page 109: E se eu não existisse?

108 Mayara Vellardi Pinheiro

Gustavo está radiante, a noite está sendo maravilhosa

e seu último desejo é conversar com a garota de seus

sonhos, Ana Clara, mas quando o menino decide ir atrás de

sua paixão, ela está no quintal se despedindo de todos.

– Aninha, você já vai?

– Sim, está ficando tarde e meu pai já está chegando.

– Eu queria te dar uma coisa antes de você ir

embora...

Gustavo cria coragem e beija suavemente os lábios de

Aninha que contente retribui o carinho. No momento

seguinte, seu pai chega e ela, ruborizada, despede-se

rapidamente.

A festa termina e Gustavo fica pensativo olhando para

o céu estrelado pela janela de seu quarto.

“Uau! Que noite! Nunca me senti tão amado quanto

hoje... dei meu primeiro beijo na garota mais linda da escola,

meus avós vieram da Alemanha só para me ver, minha mãe

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109 E se eu não existisse?

fez as pazes com a minha vó Margarida por minha causa,

meu pai tem outra família, mas não se esqueceu de mim e

ainda ganhei mais dois irmãozinhos, minha mãe vai ter outra

chance de ser feliz com um homem legal e que gosta de

mim... minha vida é muito especial... Deus muito obrigado

por ter me dado uma oportunidade tão rara, agora eu

entendo que o Senhor fala com a gente através de pequenos

sinais... Uriel, espero que você esteja me escutando, quero

te agradecer também!”

Gustavo sente uma suave brisa em seu rosto e nota

que uma estrela, em especial, brilha intensamente.

Em seguida, vai para sua cama e antes de adormecer

um último pensamento passa por sua mente.

“Muitos dias virão e com eles novas desventuras, mas

não importa o que aconteça, tudo vai dar certo no final. Ah,

eu já estava me esquecendo... boa noite, Uriel!”