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Entrementes otacilio

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© by Otacilio Souza – 2012

Ficha Técnica

Diagramação:Carlos DTarso

Capa:Thiago Sarandy

Revisão:João Carlos Taveira

Assessoria Editorial:Tagore Alegria

Todos os direitos em Língua Portuguesa reservados de acordo com a Lei. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou informação computadorizada, sem a permissão por escrito do Autor – Brasília-DF.

Contato com autor:[email protected]

ISBN: 978-85-409-0106-3

S719e Souza, OtacílioEntrementes numa estação de trem / Otacilio

Souza. – Brasília: Thesaurus, 2012.

150 p.

1.Literatura brasileira. 2. Contos. I. Título

CDU 82-34

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“O que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?”

Paul Válery

Para Ana Maria, socorro que existe

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SUMÁRIO

11 ENTREMENTES

15 PREFÁCIO

23 AMIGO DO REI

27 HISTÓRIAS MAL CONTADAS

31 EM BUSCA DE FOGO

37 REI NA BARRIGA

41 ENTRE QUATRO PAREDES

44 CALDOS E GOMOS, SANGUE E FALANGES

53 DECISÃO

55 FIO DA MEADA

60 PERDIDOS E NEM SEMPRE ACHADOS

63 AO SOM DOS PRATOS

66 O PACOTE

73 MACACO VELHO

78 TEXTO LITERÁRIO

80 COMER DO PÃO QUE O DIABO AMASSOU

83 ENQUANTO OS CÃES LADRAM

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87 O GALO

88 MOTIM DAS PALAVRAS

100 IDEIAS DAS IDEIAS

103 O PARTO DA MONTANHA

106 ENTREMENTES NUMA ESTAÇÃO DE TREM

116 CONFITEOR DEO OMNIPOTENTI

120 SEM PÉ NEM CABEÇA

122 VELHO CAPITÃO

130 X DA QUESTÃO

135 FAZER O QUÊ?

136 CANIVETE ABERTO

139 TJFURGCO E XMITVPRA

145 SANTO DE CASA

148 IN VINO, VERITAS

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O advérbio entrementes é responsável por fatos ocorrerem na velocidade e quantidade em que ocorrem. Entrementes – nesse ínterim, nesse meio

tempo, enquanto isto – é inclusivo, portanto, permite que muitas coisas possam acontecer simultaneamente, até mes-mo histórias que deixam dúvidas quanto à sua veracidade. Histórias mal contadas, mentiras deslavadas, à primeira vis-ta, em bares, mares e gares, dicionários, desafiando a lógica cartesiana e o bom senso do que pode ou não pode ser con-siderado razoável para mentes mais ortodoxas.

Mário Quintana veio com esta de que “a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer”, mostrando o quanto é relativo tudo que vemos e sentimos, bem como relativo é tudo aquilo que nos cerca e é percebido pelos nos-sos sentidos e só depois processado pelo nosso cérebro, pela mente. Aristóteles defendia que a verdade é a adequação entre o conteúdo de nossa mente e o que se passa na reali-dade exterior. Ora, o conteúdo de nossa mente pode muito bem se adequar a uma determinada realidade e esta mesma realidade não se adequar ao conteúdo da mente de outra pessoa. Nesse caso, com quem estaria a verdade? Cada um tem a sua?

ENTREMENTES

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Consta da biografia de Picasso que ele foi reconhe-cido por um passageiro numa viagem de trem. E começou a criticar os pintores que, como ele, não representavam a realidade como ela é. Picasso quis saber o que ele entendia como real. O cidadão tirou da carteira uma foto da esposa e lhe mostrou, dizendo: “isto aqui é real; minha mulher é exatamente assim”. Picasso não deixou por menos e, após examinar cuidadosamente o retrato, respondeu: “Mas ela é bem pequena, hein! E chata!”

Seja no teatro, no cinema, na televisão, na literatura, o gênero ficção sempre se defrontará com observações do tipo “só mesmo em novela ou em romance ou em histórias da carochinha!”. Ocorre que na vida real acontecem coisas do arco da velha, aparentemente mais inverossímeis do que nos livros e no cinema. E aí, como contestar? Por que então a ficção tem que ter a lógica daquilo que caracterizamos como sendo a realidade? Desde que minha mente se adéque ao que se passa ou ao que eu esteja lendo, mesmo que aparentemen-te uma mentira, não estaria eu diante de uma verdade? Uma verdade criada a partir da fantasia e que poderia muito bem ser uma mentira que resolveu acontecer, ali, ou aqui no li-vro? Na imaginação de quem lê, as “mentiras” passam a ser verdadeiras. Além do mais, que diferença faz buscarmos ló-gica ou não numa história contada em um livro de contos?

Aos criadores de histórias é comum fazerem a per-gunta: “de onde você tira tudo isto?” Ora, mas que pergun-ta! Da realidade, é claro. E não vamos cair no lugar-comum de querer saber sobre quem imita quem, se é a arte ou se é a vida. Importa?

José Eduardo Agualusa é um jovem escritor angolano da boa leva dos representantes da contemporânea literatura

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portuguesa. É dele a frase: “uma das razões por que escrevo é para descobrir como termina a história”.

Descobri, ao contar essas mentiras verdadeiras, que esta também foi minha principal motivação. Ao começar um conto, eu não sei como ele vai terminar. Se quiser saber, é preciso escrevê-lo, ir até o fim. E eis aí um grande prazer que desfruto antes do leitor. Que me desculpem por ser o primeiro, a saber. Não há como ser diferente.

O Autor

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PREFÁCIO

C hegara a hora da publicação e o autor chamou o PREFÁCIO para que organizasse a edição do livro.

– PREFÁCIO, você cuida de tudo. Os textos aí estão: são contos ou histórias – como queira – e crônicas. Faça uma seleção. Se necessário, corte alguns, organize uma sequência, enfim, faça o que achar conveniente.

– Não é bem o que entendo por prefácio. Caber-me--ia, pelo que diz o dicionário, fazer breve apresentação da obra ao leitor. Não quero me indispor com nossos textos; isso é tarefa sua, se não quiser mais este ou aquele. Não é disto que trata um prefácio convencional.

– E quem disse que você é um prefácio convencio-nal? E para não haver dúvidas, confiro-lhe todos os po-deres necessários para esta tarefa. Reúna a turma e vá em frente!

– Se assim quer, assim será feito. Manda quem pode, obedece quem pode.

– Não é esta a expressão; o certo é “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

– E quem foi que disse que tenho juízo? E não acabo de ser declarado um prefácio não convencional? E com po-

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deres? Se tenho poderes, eu posso. Quanto ao juízo, é o que veremos.

– Seja como for, “Alea jacta est!” – “a sorte está lança-da” ou “os dados estão lançados” – como disse Júlio César ao atravessar o Rio Rubicão, na Roma Antiga. E se quiser saber mais sobre o assunto, que vá atrás, porque não vou perder meu tempo, dando-lhe explicações. E chega de conversa fia-da. Vamos ao trabalho.

PREFÁCIO, que tinha certo grau de juízo e, agora, cer-to grau de poder, convocou todos os textos para uma reunião. Propôs conversarem à sombra de um ipê, lugar bem mais agradável do que um escritório, ou uma gaveta, armário, me-mória de computador, em que costumavam ficar. Todos ade-riram ao convite, alguns com menos entusiasmo, outros com mais, por exemplo, o conto MACACO VELHO, por razões óbvias de habitat. PREFÁCIO abriu o colóquio, esclarecendo que fora incumbido da missão de preparar todo o material que comporia a próxima obra do autor.

Da mesma forma que protestara, recebeu também os mesmos protestos.

– Mas prefácio não se presta a esse tipo de trabalho, comentaram. Pelo que entendemos, embora não entenda-mos muito, sendo apenas um conto ou uma crônica, prefá-cio não foi feito para isto. Cabe a ele...

– Sei muito bem do que vocês estão falando, o mes-mo fiz com o autor, quando fui convocado para esta missão. Ordens são ordens. Temos aqui presentes contos e crônicas escritas pelo autor. Pelo que sei, vocês ainda não se conhe-cem e seria interessante que se apresentassem brevemente e, dessa forma, estaríamos cumprindo parcialmente a função de um prefácio. Como critério para a sequência, sugiro a

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ordem alfabética, para não dizerem que estou privilegiando este ou aquele. A ordem verdadeira será definida mais tarde pelo SUMÁRIO. Mas antes, preciso fazer um comunicado importante às crônicas.

As crônicas se reposicionaram onde estavam acomo-dadas, num gesto de desconforto ou desconfiança, anteven-do qualquer coisa com a qual não contavam. PREFÁCIO continuou, secamente, sem embromação.

– Sinto informar às crônicas que vocês não farão parte desta obra, apenas os contos, e terão que esperar a próxima.

Foi um balde de água fria sobre elas, falando no sen-tido figurado, porque ao pé da letra, um balde de água fria seria o inimigo número um de um texto escrito em papel.

– Injustiça! – aclamaram. Há muitas de nós escritas an-tes dos contos, tendo mais direitos do que eles. Por que fica-remos de fora? Até quando ficaremos numa gaveta ou na me-mória de um computador? Também temos direito a alforria.

– É decisão do autor, sinto muito e isto não está mais em discussão. Vocês farão parte do próximo livro, fiquem tranquilas. Sua hora e vez chegarão.

– E quem é que garante isso?– Garantia, só temos da morte, minhas caras. Portan-

to, é melhor que aceitem, mesmo porque não há outra coisa a fazer, por exemplo, uma greve.

Em protesto, as crônicas abandonaram a reunião res-mungando; não tinham poder de fogo algum. Fazer greve de fome? Fazer passeatas de protesto? Dar birra? Voltaram, rabos entre as pernas, às gavetas e arquivos, reais ou virtu-ais, sentindo-se preteridas e mesmo humilhadas. Seria me-lhor que nem fossem convocadas para a reunião.

PREFÁCIO continuou os cortes.

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– Alguns contos também estão dispensados, como é o caso de ATÉ AGORA TUDO BEM, ARREMEDOS DE FANTASIA, MAREMOTO NO RIO SECO e MAIS DO QUE NUNCA. Não há nenhuma programação para vocês. Quanto a AMAR O ELO, talvez seja contemplado com uma edição exclusiva.

Da mesma forma que as crônicas, esses contos saíram protestando, em fila indiana, sem, no entanto, terem nada a fazer. O que poderia um conto contra o autor ou esse PRE-FÁCIO autoritário? “Isto é o que não se sabe, mas que se sa-berá um dia” – pensou MAIS DO QUE NUNCA. Já AMAR O ELO se resignou com mais tranquilidade, uma vez que lhe prometeram coisa até melhor, carreira solo.

E foi iniciada a apresentação, em ordem alfabética, como combinado.

– Sou o conto AMIGO DO REI. Falo de um cidadão que se acha no direito de ter regalias apregoadas por Manoel Bandeira em seu poema “Vou-me embora para Pasárgada” por ser ele amigo do rei. Se o leitor não conhece o poema, seria interessante que o conhecesse antes de me ler. O Goo-gle está aí para facilitar.

– Eu sou AO SOM DOS PRATOS. O conto fala de um percussionista de uma orquestra e seu desabafo numa última apresentação.

– Sou CALDOS E GOMOS, SANGUE E FALANGES. Minha metade já foi publicada em obra conjunta do autor com seus irmãos, filho e cunhados, no livro DEZNOVES-FORAUM. Tal metade foi o início da referida obra que foi escrita por dez pessoas, cada uma dando continuidade ao que o anterior escrevia. Nessa versão de CALDO E GO-MOS..., o autor fez sua própria conclusão.

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– Eu sou CANIVETE ABERTO. Descrevo uma situa-ção inusitada em que chove canivete aberto em uma peque-na cidade.

– COMER DO PÃO QUE O DIABO AMASSOU é meu título. O diabo faz uma tentativa de melhorar seu negócio, assando também o pão e agregando valor a seu produto.

– Sou CONFITEOR DEO OMNIPOTENTI e relato o drama de um menino ao fazer sua primeira confissão.

– Meu nome é DECISÃO. Muitos homens gostariam de estar diante da decisão que o personagem teve de tomar. Ah, se gostariam!

– Sou EM BUSCA DE FOGO. Muita coisa acontece nas profundezas e intimidades deste nosso sertão, incluindo o velho triângulo amoroso, como poderão ver.

– ENQUANTO OS CÃES LADRAM. Desmascaro um velho provérbio. Aliás, muitos provérbios precisam ser revistos, dada a mudança dos tempos.

– Eu sou ENTRE QUATRO PAREDES e mostro ra-pidamente a que estupidez pode chegar o relacionamento humano, como já mostrara bem antes Sartre em sua famosa obra escrita para o teatro.

– FAZER O QUÊ? Quem nunca passou por situação como esta de não saber o que fazer em certas horas, que atire a primeira pedra.

– Da mesma forma que o colega anterior, eu pergun-to: quem é que nunca perdeu o FIO DA MEADA? Verão que achá-lo nem sempre é fácil.

– HISTÓRIAS MAL CONTADAS reúne quatro per-sonagens não muito dignas de crédito e que continuam por aí aprontando e justificando o injustificável.

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– As ideias também podem ter ideias. Por que não? IDEIAS DE IDEIAS mostra que o resultado nem sempre é satisfatório.

– Sou IN VINO, VERITAS. Esse negócio da verdade se apresentar nua e crua pode ser desejável para alguns, não para a própria verdade.

– MACACO VELHO desceu de um galho do ipê à frente de todos e se apresentou todo vaidoso pelas lições que dera a um pupilo.

– MOTIM DAS PALAVRAS é o meu título. Diante de tanta barbaridade que vemos por aí com o mau uso, nós, as palavras, resolvemos fazer uma greve. E deu o que falar. E escrever. E concluir.

– Às vezes uma história perde o controle do autor; é o que eu conto em ENTREMENTES NUMA ESTAÇÃO DE TREM. Os personagens podem se rebelar e são capazes de coisas incríveis.

– Eu sou O GALO. Meu recado é curto, mas objetivo. Não sou de muita conversa, não. E pelo vacilo que tive, nem de canto.

– Chegou minha vez: O PACOTE. Se DECISÃO pro-voca inveja nos homens, em meu caso a indecisão leva o personagem a fazer conjecturas inesperadas diante de um simples pacote encontrado à porta de sua casa.

– Sou O PARTO DA MONTANHA, que fala de uma fábula inconclusa. Ninguém fica sabendo direito o que ocorre depois do considerado fim das fábulas, o que não é meu caso.

– Meu nome é PERDIDOS E NEM SEMPRE ACHA-DOS e minha personagem, uma moça, era mestra em per-der as coisas.

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– Sou o REI NA BARRIGA. Ter um rei na barriga é muito diferente de se achar com um rei na barriga. O meni-no que o diga.

– Por que será que SANTO DE CASA NÃO FAZ MI-LAGRES? Até que enfim sai uma tese sobre o assunto.

– Meu nome é SEM PÉ NEM CABEÇA. Sou mais do estilo do colega CANIVETE ABERTO. No meu caso, o pes-soal não estava nem aí para as coisas sem pé nem cabeça que aconteciam em um pacato lugar.

– Eu sou o TEXTO LITERÁRIO e entendo perfeita-mente a reação das crônicas e dos contos dispensados pelo prefácio. Senti na pele a mesma discriminação, mas conse-gui sobreviver.

– Reconheço que soa estranho um casal ter esses no-mes: TJFURGCO e XMITVPRA. Para tudo há explicações e contextos. Antigamente quase não havia nome para as pes-soas.

– VELHO CAPITÃO, eis como eu me chamo. Como no caso do PARTO DA MONTANHA, vou contar o que me aconteceu depois de um episódio já conhecido por muitos. É assim: as histórias são muitas vezes contadas pelas meta-des. Essa vai até o final. Será?

– Ninguém melhor do que eu para questionar, já que me chamo X DA QUESTÃO, não é mesmo? Portanto, dei-xem-me questionar, gente!

Ao término das apresentações, PREFÁCIO retomou a palavra.

– Muito bem! Já que todos se apresentaram, peço que tenham ainda um pouco de paciência, porque vocês serão revistos ainda algumas vezes pelo autor, que sempre muda uma coisinha ou outra. Não estranhem e não se considerem

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totalmente prontos. Depois serão submetidos ao crivo de um revisor, no caso, João Carlos Taveira, que cuidará de ve-rificar erro de digitação, algum desvio conceitual do autor, sugerir troca de alguma coisa, enfim, detalhes gramaticais, como compete ao bom revisor que é. A roupagem final será dada pelo Carlos DTarso, que fará o projeto gráfico do li-vro, tipo de letra, diagramação, etc. A capa ficará a cargo do Thiago Sarandy. E ainda teremos a supervisão do Tagore; sabem aquele da Thesaurus? Alguma dúvida?

Não havendo dúvidas, os contos voltaram a seus ar-quivos, gavetas e pastas e PREFÁCIO se apresentou ao autor.

– Missão cumprida. Como esperado, os “rejeitados” protestaram, mas tiveram que aceitar a situação. Criar ex-pectativas é perigoso e é causa de sofrimento. Mas aguar-darão resignados, obviamente. Também, como diz um dos contos, fazer o quê?

– Ótimo! Grato pelo trabalho. Daqui para frente será com o leitor, pois é nele que uma obra se completa. Atraves-semos o Rubicão! Alea jacta est!

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AMIGO DO REI (Para João Carlos Taveira)

C hegando às cercanias do castelo, dirigiu-se ao guar-da de plantão e...

– Quem és tu, forasteiro?– Sou amigo do rei e, como tal, venho reivindicar a

mulher que queira na cama que escolherei – indo direto ao assunto. Por favor, ponha-me à disposição as mulheres do reino.

– Sinto muito, mas aqui não tem essa de amigo do rei, mulheres e cama à escolha, não, meu caro. Vai buscar outra freguesia. Quem sabe em Pasárgada? Ouvi dizer que lá os amigos do rei têm essa regalia.

Como o forasteiro tinha incrível sorte, diplomacia nata e muita habilidade para angariar amizade de reis, in-cluindo o de Pasárgada, rumou para lá e arranjou jeito de se instalar. Depois de ser identificado, porém mais cauteloso, contentou-se, de início, em fazer ginástica, andar de bicicle-ta, montar em burro brabo. Não subiu em pau-de-sebo, por-que era acrófobo. Não tomou alcalóides, embora os tivesse à vontade, porque não era tuberculoso e, nem de longe, tinha pneumonia. Seu interesse por banhos de mar era pequeno e o telefone automático, sem limite de tempo, também não lhe atraia. Ele pensava mesmo era na mulher que quisesse