3
Ana Rita Caldeira Agosto de 2011 Contextualização do tema abordado O trabalho baseia-se numa reflexão pessoal acerca da resistência à mudança evidenciada por todos nós, que tende a desenvolver-se à medida que amadurecemos cognitivamente. Tem inspiração em algumas ideias provenientes da Psicologia do Desenvolvimento e da Psicologia Cognitiva, pretendendo realçar o potencial de crescimento do qual dispomos e do que temos ao nosso alcance para conseguir CRES(SER). É resultado do interesse e estudo dirigidos à área da mudança comportamental, da maximização das competências individuais e da qualidade de vida, visando a promoção do desenvolvimento humano e social, visto vivermos num sistema em constante interacção. Mais ainda, consiste numa ideologia antagónica à estagnação, salientando que o risco, ponderado e discernido, pode ser a porta para a mudança. Ao longo da reflexão é feita uma escalada pelo percurso desenvolvimentista humano e pela forma como a maturação se mostra muitas vezes uma antítese do seu propósito: a solidificação da capacidade de investir em hipóteses virtuais, de uma forma deliberada, antecipada e estratégica. Neste sentido, ao deparar-nos com este paradoxo cognitivo, que se liga ao não aproveitamento de todas as competências que temos ao nosso dispor na idade madura, e assim colocando em causa o que é per si o sentido do desenvolvimento, podemos colocar a questão: de que forma poderemos transformar esta tendência humana para permanecer no espaço seguro, fazendo então jus ao que nos torna únicos no nosso Ecossistema? Para terminar, pretendo abordar o título do trabalho: MU(DAR). Consiste no destaque atribuído a duas palavras, estando uma incluída no sentido real da outra. Desta forma, não é pretendido falar apenas em mudança, mas sim menciona-la como uma forma de interagir com os outros, de alcançarmos metas tendo em vista um bem individual mas também social. Nenhum homem é uma ilha e desta forma cabe-nos a nós objectivar, delinear e executar as pontes que nos interligam.

Exemplo 4 escrita criativa - Mu(dar)

  • Upload
    educate

  • View
    513

  • Download
    1

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Exemplo 4 escrita criativa - Mu(dar)

Ana Rita Caldeira Agosto de 2011

Contextualização do tema abordado

O trabalho baseia-se numa reflexão pessoal acerca da resistência à mudança

evidenciada por todos nós, que tende a desenvolver-se à medida que amadurecemos

cognitivamente. Tem inspiração em algumas ideias provenientes da Psicologia do

Desenvolvimento e da Psicologia Cognitiva, pretendendo realçar o potencial de

crescimento do qual dispomos e do que temos ao nosso alcance para conseguir

CRES(SER).

É resultado do interesse e estudo dirigidos à área da mudança

comportamental, da maximização das competências individuais e da qualidade de

vida, visando a promoção do desenvolvimento humano e social, visto vivermos num

sistema em constante interacção. Mais ainda, consiste numa ideologia antagónica à

estagnação, salientando que o risco, ponderado e discernido, pode ser a porta para a

mudança.

Ao longo da reflexão é feita uma escalada pelo percurso desenvolvimentista

humano e pela forma como a maturação se mostra muitas vezes uma antítese do seu

propósito: a solidificação da capacidade de investir em hipóteses virtuais, de uma

forma deliberada, antecipada e estratégica.

Neste sentido, ao deparar-nos com este paradoxo cognitivo, que se liga ao não

aproveitamento de todas as competências que temos ao nosso dispor na idade

madura, e assim colocando em causa o que é per si o sentido do desenvolvimento,

podemos colocar a questão: de que forma poderemos transformar esta tendência

humana para permanecer no espaço seguro, fazendo então jus ao que nos torna

únicos no nosso Ecossistema?

Para terminar, pretendo abordar o título do trabalho: MU(DAR). Consiste no

destaque atribuído a duas palavras, estando uma incluída no sentido real da outra.

Desta forma, não é pretendido falar apenas em mudança, mas sim menciona-la como

uma forma de interagir com os outros, de alcançarmos metas tendo em vista um bem

individual mas também social. Nenhum homem é uma ilha e desta forma cabe-nos a

nós objectivar, delinear e executar as pontes que nos interligam.

Page 2: Exemplo 4 escrita criativa - Mu(dar)

Ana Rita Caldeira Agosto de 2011

MU(DAR)

Não parece nada fácil.

Hábitos, trejeitos,

expressões, tiques, posturas,

perífrases, metáforas, eufemismos,

silêncios, opiniões. Trabalho árduo

de construção, trabalho fácil de

habituação.

É assim que funcionamos ao

longo da vida: primeiro, não

sabemos nada, tabula rasa sedenta

de vontade de integrar. Nesta altura

desenvolvem-se as mais refinadas

estratégias de acomodação e

assimilação, entenda-se isto como

um passo crucial na integração da

novidade (que por esta altura é

tudo). Posteriormente, a confiança

aumenta e também a selecção do

que queremos apreender fica mais

evidente.

O contexto induz-nos a

gostar mais de umas coisas em

detrimento de outras e isso é

legítimo. O indivíduo X nasce num

meio abastado e intelectualmente

desenvolvido, que fomenta o gosto

pela arte e pela música. Não nos

iludamos: o indivíduo X começará

por querer saber tudo mas

posteriormente, na arrogância do

desenvolvimento, tenderá a

escolher o que vai de encontro ao

seu interesse, genético mas

também aprendido. Irá a concertos,

ouvirá sonatas e terá amigos

leitores assíduos. Tal como ele,

também nós passamos a usar o que

melhor nos cabe e que ficará

automatizado. Talvez para nos

pouparmos a novos investimentos

intelectuais, para nos tornarmos

rápidos a escolher e a depreciar,

para ingenuamente considerarmos

a certeza de que sabemos bem de

que somos feitos.

E assim, nós, que tínhamos

uma casa com dezenas de andares,

que começamos bem, criativos,

empreendedores, sanguessugas de

informação, sabotamos a

oportunidade que temos para

evoluir e abrir novos caminhos. Na

verdade, passamos grande parte da

vida a utilizar apenas um ou dois

andares da casa. Porque cansa,

arrisca, perturba, desestabiliza. É

este o retrato que temos da

mudança: "periguifica" tudo o que

alcançámos, que mesmo que não

seja bom, é nosso. E não, não

queremos perder. Porque veremos

Page 3: Exemplo 4 escrita criativa - Mu(dar)

Ana Rita Caldeira Agosto de 2011

como uma derrota e nunca como

uma oportunidade.

A mudança não tem mau

carácter (passo a personificação).

Apenas nos quer mostrar que não

nos permitimos experimentar ao

máximo, quando é essa a nossa

obrigação. E assim, ao longo do

desenvolvimento, sedimentamos a

tendência cerebral para pensar em

termos de opostos redutores:

através da etiquetagem dicotómica

bom/mau, feio/bonito, moral/imoral,

possível/impossível.

Consequentemente, quanto

mais se pensa em termos de

conceitos divergentes, mais se

desenvolvem essas redes neuronais

rápidas e rígidas que corroboram o

sentido polarizado dos

comportamentos dos outros e dos

acontecimentos e que nos impedem

de CRES(SER).

Para MU(DAR) pede-se

flexibilidade, arte de discernimento e

ainda criatividade interpretativa com

abertura a alternativas. Pede-se

análise escrutinada, capacidade

para experimentar o lugar do outro,

para abandonar o juízo crítico-

destrutivo e abarcar um sentido

cooperativo de acção e reflexão.

Pede-se pouco. Pede-se

congruência com a evolução

humana, biológica e social. Pede-se

que consigamos isto por nós e pelos

outros.

Na ausência de novas

estratégias, usam-se as antigas:

disfuncionais ou não. Peca-se assim

quase sempre pela não mudança. É

esta a miséria que mais nos afecta,

primeiro que qualquer outra.