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ABR./JUN. 2005 ©RAE 23 BEYOND BUDGETING: INOVAÇÃO OU RESGATE DE ANTIGOS CONCEITOS DO ORÇAMENTO EMPRESARIAL? RESUMO O estudo tem por objetivo analisar a abordagem conhecida pela expressão “beyond budgeting”, que faz o questionamento do que é denominado abordagem “tradicional” do orçamento empresarial, e avaliar se ela constitui uma inovação. A estratégia do desenvolvimento do trabalho é orientada por uma pesquisa bibliográfica, a partir da qual a análise se desenvolve. Esta trata as questões levantadas por críticos e confronta os clássicos do tema no sentido de tentar identificar possíveis inovações e novos problemas que possam derivar da nova abordagem. Em termos gerais, sugere-se que se trata de um novo ciclo que tenta recuperar os aspectos qualitativos clássicos do orçamento, que, uma vez cumpridos, não precisariam de um novo rótulo para serem administrativamente efetivos. Adicionalmente, afirma-se que a abordagem, além de não resolver alguns problemas que a ausência do orçamento pode acarretar, cria outros que não existiriam sem a referida proposta. Fábio Frezatti USP ABSTRACT This research analyzes the approach known as “beyond budgeting” and questions the “traditional” company budget approach, as well as evaluates whether it can be taken as an innovation. The development of this study was guided by a bibliographical research, which constituted the basis for a critical analysis. This analysis deals with the questions brought up by critics and confronts classical authors on the subject, in an attempt to identify possible innovations and new problems that may derive from the new approach. In general terms, it can be suggested that this new cycle tries to recover the classical qualitative aspects of budgeting, which, if fulfilled, would not require a new label to be managerially effective. Besides leaving unsolved a number of problems that may be entailed by the non-existence of a budget, the approach ends up creating other problems. PALAVRAS-CHAVE Planejamento, orçamento tradicional, orçamento empresarial, beyond budgeting, processo orçamentário. KEYWORDS Planning, traditional budget, company budget, beyond budgeting and budget process. ARTIGOS BEYOND BUDGETING: INOVAÇÃO OU RESGATE DE ANTIGOS CONCEITOS DO ORÇAMENTO EMPRESARIAL?

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FÁBIO FREZATTI

BEYOND BUDGETING: INOVAÇÃO OU RESGATEDE ANTIGOS CONCEITOS DO ORÇAMENTOEMPRESARIAL?

RESUMO

O estudo tem por objetivo analisar a abordagem conhecida pela expressão “beyond budgeting”, que faz oquestionamento do que é denominado abordagem “tradicional” do orçamento empresarial, e avaliar seela constitui uma inovação. A estratégia do desenvolvimento do trabalho é orientada por uma pesquisabibliográfica, a partir da qual a análise se desenvolve. Esta trata as questões levantadas por críticos econfronta os clássicos do tema no sentido de tentar identificar possíveis inovações e novos problemasque possam derivar da nova abordagem. Em termos gerais, sugere-se que se trata de um novo ciclo quetenta recuperar os aspectos qualitativos clássicos do orçamento, que, uma vez cumpridos, não precisariamde um novo rótulo para serem administrativamente efetivos. Adicionalmente, afirma-se que a abordagem,além de não resolver alguns problemas que a ausência do orçamento pode acarretar, cria outros que nãoexistiriam sem a referida proposta.

Fábio FrezattiUSP

ABSTRACT This research analyzes the approach known as “beyond budgeting” and questions the “traditional” company budget approach, as well as

evaluates whether it can be taken as an innovation. The development of this study was guided by a bibliographical research, which constituted the

basis for a critical analysis. This analysis deals with the questions brought up by critics and confronts classical authors on the subject, in an attempt

to identify possible innovations and new problems that may derive from the new approach. In general terms, it can be suggested that this new cycle

tries to recover the classical qualitative aspects of budgeting, which, if fulfilled, would not require a new label to be managerially effective. Besides

leaving unsolved a number of problems that may be entailed by the non-existence of a budget, the approach ends up creating other problems.

PALAVRAS-CHAVE Planejamento, orçamento tradicional, orçamento empresarial, beyond budgeting, processo orçamentário.

KEYWORDS Planning, traditional budget, company budget, beyond budgeting and budget process.

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INTRODUÇÃO

A reciclagem de um conceito é algo que pode aconte-cer ao longo dos tempos. Significa dizer que um con-ceito, depois de algum tempo, precisa ser repensado,revisado, algumas vezes ampliado e, em alguns casos,esquecido. Num ambiente em que ocorrem mudançascom freqüência, em que o esgotamento de modelos econceitos é comum, resistir à mudança simplesmentepor rejeitar algo novo é um tipo de atitude que deveser autopoliciada pelo pesquisador.

Aderir aos modismos também parece ser uma formapouco responsável de o pesquisador se posicionar. Nadimensão de suas especificidades, os instrumentos ge-renciais, compostos por vários conceitos, evoluem. Astecnologias se sucedem e a demanda por instrumentosmais adequados se apresenta como forte elemento depressão sobre os gestores no sentido de diminuir a in-certeza (Scapens, 1994; Otley, 1994). Em alguns casosisso acontece porque a proposta conceitual já não aten-de plenamente uma dada demanda. Podem ser citadas,por exemplo, a evolução da contabilidade no tratamen-to do capital intelectual e da ecologia.

Podem ser encontrados também exemplos de abor-dagens que foram apresentadas à comunidade e que,claramente, decorrem muito mais do refino de con-ceitos, métodos e modelos já existentes do que de umaruptura significativa ou uma real novidade. São exem-plos disso, o Economic Value Added (EVA), o ActivityBased Management (ABM) e o Balanced Scorecard(BSC). Quer dizer que mudanças significativas na ges-tão das atividades podem ser demandadas ou mesmooferecidas a partir de mudanças nos recursos – parti-cularmente de tecnologia de informação –, na formade comportamento das pessoas nas organizações, emesmo modelagens e ferramentas. Em muitos casos,trata-se de uma evolução significativa, com contribui-ções para o apoio aos gestores. Isso aconteceu com aárea de gestão como um todo.

Podem ser encontrados modismos e verdadeirosprojetos de marketing conceitual para proporcionaruma vertente financeiramente interessante aos negó-cios das consultorias, gerando nos pesquisadores umasensação estranha devido ao descompasso entre a pes-quisa, a aplicação e a mensuração de resultados demaneira metodologicamente aceitável. Dessa forma, aconvivência entre o ceticismo e, em alguns casos, amá vontade de alguns pesquisadores em termos demudanças e novas visões colide com aquela encontra-da pelo consumidor ávido que, com freqüência, aceita

instantaneamente as novidades sem questionar oumesmo se perguntar se a relação custo–benefício éadequada. Ambas as posturas são igualmente perigo-sas para o progresso do conhecimento.

No campo da Administração, as particularidades en-contradas no planejamento empresarial, com seus des-dobramentos, são evidentes, passando-se pela evolu-ção do planejamento estratégico e da própria estraté-gia, por exemplo. Esses artefatos interagem e se com-plementam a partir de uma relação hierárquica. Nessesentido, o processo orçamentário, claramente subor-dinado à elaboração da visão estratégica, durante muitotempo foi apresentado como algo extremamente obje-tivo e recomendado como fundamental ao controle daorganização.

Welsch, Hilton e Gordon (1988, p. 50-52) discu-tem e defendem a possibilidade de dispor do orçamentode maneira formal – versus a informal –, e identificamrazões para que ele seja formalizado e exista na em-presa. Primeiro, o fato de que o processo de gestãonão pode ser completamente desenvolvido de manei-ra aleatória, o que implica que o planejamento e o con-trole deveriam ser desenvolvidos de maneira lógica,consistente e sistemática; segundo, considerando que,ao existir um grande número de pessoas envolvidasno processo de gestão, o ambiente deve ser caracteri-zado com razoável nível de estabilidade e consistên-cia para que as pessoas possam ter credibilidade; ter-ceiro, objetivos, planos e metas não escritos em ter-mos de prováveis resultados futuros impactam a em-presa, freqüentemente tornando vaga e de difícil co-municação os “meios pensamentos” ou rumores de umou mais indivíduos; quarto, a efetiva comunicação e oentendimento mútuo exigem certo nível de formali-zação; quinto, a formalização exige o estabelecimentoe a observância de cronograma para decisões, imple-mentações e controles; e, sexto, a formalização provêa base lógica para o racional, o significativo e a con-sistente flexibilidade na implementação do planeja-mento e do controle.

Com o passar do tempo, algumas críticas foramapresentadas, e pôde-se perceber que representam dis-tintos níveis e graus de complexidade. Dentre as críti-cas identificadas, foram privilegiadas, ao longo destetrabalho, a menção de que o processo orçamentário émuito desgastante, muito custoso, adicionando pou-co valor aos usuários; sua desconexão com o ambien-te competitivo; e o fato de a informação econômicaencorajar o comportamento disfuncional e não ético(Hope e Fraser, 2003, p. 197).

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Hope e Fraser (2003) reconhecem que os proble-mas por eles mencionados constituem problemas deexecução e não de estratégia. Também aceitam que oorçamento pode ser desenvolvido em diferentes níveisde participação e entendem que o instrumento permi-te aos executivos manter o controle sobre as divisõese unidades de negócios. Contudo, mencionam que, emmãos erradas, os contratos proporcionam resultadosindesejáveis e disfuncionais em todos os níveis da or-ganização. Afirmam que nem toda a culpa pode seratribuída ao processo orçamentário, mas sim ao seuuso. Entretanto, consideram que o processo orçamen-tário possui semelhanças com um vírus, que traráconseqüências nocivas para a organização.

Visando atender às críticas em termos de utilidadedo instrumento, a abordagem conhecida como beyondbudgeting é apresentada como alternativa adequada paraos problemas mencionados. Ela é bastante agressiva ecrítica, chegando a pregar a eliminação do orçamentoanual das entidades. Levando em conta a efetiva dis-cussão do tema, a questão que orienta este estudo é aseguinte: a visão do beyond budgeting traria novas con-tribuições ao planejamento empresarial tradicional ouapenas estaria rediscutindo antigas abordagens que es-tariam sendo aplicadas de maneira inadequada?

Dessa forma, este trabalho tem por objetivo anali-sar os conceitos clássicos disponíveis, as críticas e aspropostas, buscando avaliar se a abordagem do beyondbudgeting proporciona inovação. A análise crítica foiorientada por pesquisa bibliográfica, considerada comoadequada à necessidade do trabalho. Em termos deapresentação, o trabalho segue o seguinte roteiro: iden-tifica os conceitos relevantes referentes ao orçamentoempresarial “tradicional”; distingue as causas dos pro-blemas encontrados pelos autores que contestam oorçamento; apresenta o histórico e, em termos gerais,a proposta pertinente ao beyond budgeting; identificaos benefícios do beyond budgeting; confronta as abor-dagens; e apresenta as conclusões e considerações fi-nais.

O PROCESSO DE PLANEJAMENTO“TRADICIONAL”

Revisitar os clássicos para a revisão da literatura é umexercício precioso que pode restaurar crenças e gerarpercepções inéditas numa segunda ou terceira leitura,dados os diferentes graus de maturidade do leitor. Asabordagens possíveis são diversas, mas os elementos a

considerar serão descritos de maneira a incluir dife-rentes perspectivas de forma complementar.

Welsch, Hilton e Gordon (1988) definem “planeja-mento e controle abrangente de resultados”, tambémdenominado por Steiner (1979) “plano de negócios”– denominação atualmente utilizada mais freqüente-mente para outra aplicação mais específica –, comosendo a abordagem sistemática e formalizada para de-sempenhar fases significativas das funções de planeja-mento e controle. Tal instrumento envolve o desen-volvimento e a aplicação de objetivos de longo prazopara a empresa, a especificação dos objetivos da em-presa, um plano de longo prazo desenvolvido em ter-mos gerais e um plano de curto prazo descrito com oobjetivo de acompanhar as responsabilidades.

Esses autores consideram que a proposta básica docontrole consiste em assegurar que os objetivos, me-tas e padrões da empresa sejam atingidos. Os planosde longo prazo proporcionam a visão financeira e nu-mérica em relação à qual as estratégias possam afetaros resultados da organização. Nesse momento surge oorçamento anual, que deve implementar as decisõestomadas no plano estratégico da organização. Em ou-tras palavras, o orçamento cumpre um papel no pro-cesso de planejamento da organização ligado aos esti-los de execução. O que está sendo proposto pelos au-tores é romper com o processo, eliminando a etapa doorçamento anual e, conseqüentemente, do controleorçamentário.

O relacionamento – que deve ser seqüencial (Steiner,1979) e harmônico (Welsch, Hilton e Gordon, 1988)entre o planejamento estratégico e o orçamento – éum fenômeno estrutural do processo, tratado na lite-ratura. Entretanto, o grau de intensidade dos esforçosdespendidos pela organização na etapa estratégica ena etapa tática depende da formatação do modelo de-cisório, moldado às necessidades de cada organização.

Com o intuito de definir alguns termos utilizadosneste trabalho, deve-se considerar acerca do orçamentoe do forecast:• Hope e Fraser (2003) entendem que o orçamento cons-

titui muito mais um processo de desempenho gerencialdo que de planejamento financeiro. Definem orçamen-to como sendo um plano expresso em termos financei-ros que serve de base para o controle de desempenho, aalocação de recursos, o encaminhamento dos gastos e ocompromisso com os resultados financeiros;

• “forecast” é definido por Hope e Fraser (2003) comosendo o resultado financeiro mais provável e os gastosrelacionados ao negócio ou projeto por um período

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específico de tempo. A diferença em relação ao orça-mento é a ausência do compromisso de atingir as me-tas, parte fundamental do conceito de orçamento;

• Hansen e Mowen (1996) mencionam que o orçamen-to constitui um plano financeiro abrangente para aorganização e traz vários benefícios: força os gestoresa planejar, proporciona recursos de informação quepodem ser usados para aperfeiçoar o processo decisó-rio, apóia o uso de recursos definindo um padrão queserá, na seqüência, usado na avaliação de desempenho,e aperfeiçoa a comunicação e coordenação;

• Steiner (1979) observa a questão do planejamento di-zendo que nenhuma empresa lucrou algo fazendo pla-nos, pois o lucro vem da implementação dos planos.Nesse sentido, referindo-se ao orçamento, diz que sãométodos integrados para traduzir o plano estratégicoem ações correntes, guiá-lo para a ação, definir padrõespara a coordenação das ações e gerar a base para o con-trole de desempenho, que deve estar em conformida-de com os planos, incluindo no processo: o planeja-mento, a coordenação e o controle. Para tanto, o siste-ma orçamentário tem que ser adaptado às peculiarida-des de uma organização e deve ser desenvolvido paraaperfeiçoar o processo de planejamento, já que forçaos gestores a focar suas atenções na formulação deobjetivos e na forma como são implementados. Poroutro lado, os orçamentos requerem especificaçõessobre o que significa atingi-los.

LIMITAÇÕES E DEFICIÊNCIAS DOORÇAMENTO EMPRESARIAL TRADICIONAL

Com o objetivo de propiciar uma visão ampla e tam-bém pluralista do tema, relacionaram-se vários auto-res com diversas abordagens. Hansen, Otley e Van derStede (2003) analisaram o orçamento da perspectivada pesquisa e perceberam que as tendências podemser agrupadas em abordagens mutuamente excluden-tes, ambas originárias de uma mesma organização, oConsortium for Advanced Manufacturing –International (CAM-I). A primeira abordagem está re-lacionada ao grupo que defende a melhoria do proces-so orçamentário. Esse grupo considera que o activity-based budgeting deve ser a ferramenta que pode pro-porcionar esse benefício necessário para revitalizar oprocesso, a partir de foco no plano operacional. A se-gunda abordagem está relacionada ao grupo que de-fende o abandono do orçamento e, como seqüência,que seja desenvolvida uma radical descentralização da

entidade. A abordagem desse grupo ficou conhecidacomo beyond budgeting.

No sentido de aperfeiçoar o processo, os autoresrecomendam que se desenvolvam algumas ações, comorevisões mais freqüentes do orçamento – inclusive uti-lizando o rolling-budgeting, incentivos à utilização doactivity-based budgeting e foco na análise de desempe-nho mais voltado para os indicadores relativos e nãoos fixos. Welsch, Hilton e Gordon (1988) argumen-tam pelas limitações do orçamento e recomendam queseja formalizado e adotado pela empresa. Nesse casoas estimativas que serviram de base devem ser conti-nuamente adaptadas às circunstâncias; a execução doorçamento não ocorre virtualmente e o plano não serefere aos gestores.

Hansen e Mowen (1996) reconhecem que o orça-mento tem grande impacto sobre o desenvolvimentoda carreira, premiações e promoções dos executivos.Dessa maneira, o orçamento pode ter impacto sobre ocomportamento dos participantes, sendo consideradocomportamento positivo quando os objetivos do indi-víduo estão alinhados com os objetivos da organiza-ção, o que é denominado congruência de objetivos.Contudo, quando inadequadamente administrado, asreações podem ser negativas sob inúmeros aspectos,culminando num comportamento disfuncional, o quesignifica comportamento individual que conflita coma organização, levantando questões de ética. Os pro-blemas mais críticos são as definições de metas muitoaltas ou muito baixas. Metas desafiadoras masexeqüíveis são um desafio permanente e saudável paraos gestores. Outra dificuldade é superestimar custosou subestimar receitas, criando reservas no orçamen-to, o que torna a exigência por desempenho menosobjetiva. Ainda temos o problema de umapseudoparticipação, caracterizada pela superficialida-de, e que objetiva apenas ter a adesão formal dos su-bordinados às metas. Ademais, podemos encontrarações que reduzem ou minimizam tais disfunções,como realimentação sobre o desempenho, incentivosmonetários e não monetários, participação, padrõesrealísticos, controlabilidade de custos e múltiplas me-didas de desempenho.

De acordo com Hope (2000), o orçamento tradicio-nal possui algumas imperfeições, dentre as quais: acentralização por meio do sistema de orçamento, quepassa pela ênfase na coerção e não pela coordenaçãorelevantemente devida; o foco na redução de custos enão na criação de valor; restrição de iniciativas; ma-nutenção do planejamento e sua execução separadas,

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em vez de próximas; problemas na alocação de custos,ditos como não negociáveis; e centralização por parteda média gerência.

Hope e Fraser (2003) complementam as críticas aoque denominam processo tradicional de orçamento aoenfatizarem que ele proporciona baixo valor, conduzas pessoas a apresentarem comportamentosdisfuncionais, com pouca atenção às variáveis funda-mentais da competitividade, pressupondo falta de con-fiança. Para Fisher (2002), os pontos frágeis do pro-cesso tradicional podem ser descritos como perda detempo, já que as pessoas gastam tempo no acompa-nhamento orçamentário falando sobre o passado – oque aconteceu versus o planejado –, enquanto o maisimportante é discutir o futuro. Evidentemente o autordesconsidera que o processo de acompanhamento or-çamentário pretende exatamente o compromisso quan-to ao futuro. Adicionalmente, o processo orçamentá-rio não encoraja as pessoas ao desempenho, mas aodesempenho do orçamento, e, finalmente, a revisão doorçamento é demorada e as empresas não conseguemfazê-lo rapidamente.

Horngren, Foster e Datar (2000) destacam os as-pectos citados anteriormente de inadequada utiliza-ção do instrumento, considerando que a sub e supe-restimação permitem dispor de metas relativamentemais fáceis de serem alcançadas. Alternativamente,oferecem a visão do Kaizen budgeting, que incorporaas melhorias contínuas verificadas durante o períodode planejamento.

Portanto, temos críticas de várias ordens, tanto sereferindo às limitações do instrumento quanto às dis-torções a ele atribuídas. Dessa forma, o aparecimentoda abordagem beyond budgeting poderia ser conside-rado previsível, dado o largo intervalo de tempo emque os questionamentos não encontraram eco no am-biente acadêmico.

PRINCIPAIS PROBLEMASVERIFICADOS COM O ORÇAMENTO

Hope e Fraser (2003) identificam três causas princi-pais para os problemas apontados anteriormente. Aprimeira diz respeito à dificuldade da elaboração eaplicação do orçamento, tornando-o demasiadamentecaro. No entender dos autores, o processo é longo eenvolve o tempo de muitos executivos de várias áreasda empresa. Algumas empresas tentaram apurar o custode elaboração do instrumento, e os números são exor-

bitantes. Por exemplo, a Ford Motor Company infor-mou que gasta cerca de US$ 1,2 bilhão por ano com aelaboração e a utilização do orçamento.

A segunda causa está relacionada à defasagem entreo orçamento e o ambiente altamente competitivo, nãopermitindo que se atendam às necessidades dos execu-tivos ou gestores operacionais. No passado, os partici-pantes focavam os processos gerenciais quase que ex-clusivamente a partir de metas de retorno sobre o capi-tal, e implementavam planos para atingi-las. Dessa ma-neira, controles rígidos geravam desempenho de acor-do com o planejado, proporcionando planejamento,coordenação e controle a partir do corporate center, oque tornava o orçamento adequado a esse propósito.

Os traços mais importantes da época foram a deman-da dos acionistas por melhorias incrementais, ênfase nocapital financeiro, inovação estável, os preços refletin-do os custos, a lealdade dos clientes, e os investidores ereguladores ignorando padrões éticos. Por sua vez, ostraços mais importantes vivenciados atualmente são:os acionistas demandando o melhor desempenho dasua classe; capital intelectual dominante; inovação rá-pida; a globalização derrubando preços; clientes volá-teis; e os investidores e reguladores demandando pa-drões éticos. Algumas entidades responderam à deman-da com planejamento mais enfatizado e freqüente, ins-trumentalizado por rolling budgets, e orçamentos ela-borados a cada trimestre ou semestre, provocando tra-balho adicional e aumento dos custos desse processo.

A utilização do Balanced Scorecard é a alternativaencontrada para manter a abordagem focada na estra-tégia, em lugar de mantê-la focada no orçamento. Hopee Fraser (2003) argumentam que, ainda assim, os in-dicadores se concentram no orçamento, voltados parao curto prazo. Os autores utilizam uma pesquisa de2002 para afirmar que a maior parte dos indicadoressão financeiros. Finalmente, indicam que o modusoperandi do Balanced Scorecard é semelhante ao doorçamento tradicional, apurando variações.

A terceira causa diz respeito à extensão da manipu-lação de números, que atingiu níveis inaceitáveis. Oinício da utilização do orçamento em organizaçõeslucrativas se deu na década de 1920, quando algumasempresas industriais – Du Pont, General Motors, ICIe Siemens – inauguraram a sua prática. Na década de1960 foi introduzida a visão referente ao que Hope eFraser (2003) denominaram “contratos fixos”, ou seja,metas que seriam válidas para o exercício orçado. Nadécada de 1970 percebeu-se uma crescente domina-ção da contabilidade no sentido do controle dos resul-

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tados, com a conseqüente desatenção para atividadesde produção, tecnologia e determinantes da competi-tividade do mercado. Adicionalmente, a própria edu-cação executiva enfatizava a gestão por meio de nú-meros contábeis. Tudo isso levou a um aumento douso de contratos fixos, a partir do compromisso dochefe com o subordinado. O contrato leva em conta ameta fixada, o incentivo ou premiação, um processode aceitação do plano que percorre toda a organizaçãoa partir da negociação entre chefe e subordinado, com-prometimento das ações interáreas e cronograma derelatórios.

Há comentários financeiros que afetam a análise dosautores sob diferentes aspectos. Pode-se dizer que oorçamento foi “seqüestrado” pelos profissionais daengenharia financeira, que o utilizam como controleremoto para o gerenciamento por números (Hope eFraser, 2003, p. xviii). Tentou-se justificar casos comoos da Enron e da WorldCom como decorrência da uti-lização do orçamento. Veja-se a declaração do antigopresidente da Enron: “Você tem um orçamento, e podeobter resultados cerca de 2% abaixo do orçamento.Nada além disso é aceitável” (Hope e Fraser, 2003, p.12). Dessa maneira, argumentam esses autores, o or-çamento leva os executivos a praticarem fraudes ou ase entregarem à prática de “jogos orçamentários”.

Após essa análise, os autores sugerem que um sadioprocesso de gestão deve permitir que se atendam aosobjetivos mais importantes relacionados aos acionis-tas, se mantenham os melhores colaboradores, se ino-ve, e se opere com baixo custo para satisfazer a lucra-tividade, mantendo uma governança efetiva e ética.

BEYOND BUDGETING: BREVEHISTÓRICO E DEFINIÇÃO

Hope e Fraser (2003) citam o caso de Jan Wallander,CEO da Svenska Handelsbanken, conhecida instituiçãoeuropéia que havia abandonado há algum tempo o mo-delo dito “tradicional” de planejamento central. De acor-do com os autores, a empresa abandonou o orçamentoem 1972 devido aos descontentamentos com os efeitosindesejáveis por ele provocados. Outro exemplo é aempresa Rodhia, multinacional francesa que abando-nou o orçamento em 1999, depois que a Borealis, umaempresa dinamarquesa, fez o mesmo em 1995.

Recentemente, Wallander apresentou uma aborda-gem – reconhecida na literatura pela expressão beyondbudgeting – que serve para caracterizar o processo de

gestão flexível, sem a existência de um orçamento anualde resultados. Essa abordagem foi aplicada pelo bancoescandinavo Svenska Handelsbanken, que obteve êxi-to gerenciando seus negócios por mais de 25 anos comresultados positivos, embora não superiores à concor-rência (Hope, 2000).

O esforço estruturado para trazer respostas à insa-tisfação em relação ao orçamento, considerado uminstrumento rígido, teve seu início num grupo de exe-cutivos de organizações com atuações em empresasmultinacionais, apoiados por consultores. As reuniões,realizadas a partir de 1997, geraram uma pesquisa rea-lizada num grupo diversificado de empresas, em ter-mos de setores e nacionalidade (Hope e Fraser, 2003).O foco do estudo estava baseado nas seguintes ques-tões: a) existe alguma alternativa para o orçamento?;b) existe algum modelo gerencial?; c) que lições po-dem ser tiradas da implementação?

O encaminhamento dessa reunião culminou naabordagem conhecida hoje como beyond budgeting, quese propõe especificar a formatação de gestão sem aexistência do orçamento anual nas organizações. Elase baseia na idéia de que deva existir flexibilidade paraos gestores, o que é obtido a partir de negociações,grande participação dos profissionais da “linha de fren-te”, fazendo com que o planejamento e a execução se-jam desenvolvidos pelos mesmos atores. A liderançade Hope e Fraser é percebida por meio de livros, arti-gos, de um site, e mesmo por meio de organizaçõesempresariais que divulgam a beyond budgeting.

De acordo com esses autores, a abordagem beyondbudgeting é um “grupo de processos alternativos queapóiam metas e reconhecimentos, um planejamentocontínuo, a demanda de recursos, a coordenação di-nâmica da empresa e um significativo grupo de con-troles nos vários níveis” (Hope e Fraser, 2003, p. xix).Não exige um processo anual de negociação que cul-mine com uma meta fixa, e exige maior confiança en-tre os participantes, focando a relação entre os execu-tivos seniores e a gerência da entidade.

Os ingredientes tratados nessa abordagem são osseguintes (Hope e Fraser, 2003, p. 70):• definição de metas levando em conta benchmarking

externo à organização, numa perspectiva de médioprazo. Não existem metas fixas, mas variáveis, decor-rentes do momento vivenciado pelos gestores. Preten-de eliminar as metas anuais fixas para conviver comuma abordagem situacional;

• motivação e premiações baseadas nas metas externasavaliadas posteriormente, levando em conta o que de-

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veria ser feito. O objetivo dessa visão é reduzir o queos autores chamam de “jogo orçamentário”, no senti-do de atingir metas fixas a todo custo, inclusive abrin-do mão de princípios éticos;

• processo estratégico contínuo, descentralizado e atémesmo local, que deve ser incentivado considerandoo nível de ambição e respostas rápidas;

• oferecimento de recursos quando demandados, o quereduz perdas, desperdícios e gastos desnecessários, eli-minando-se questões do tipo: “tenho que gastar paranão perder a verba no ano que vem”;

• coordenação entendida como “um time” ou “todos nomesmo barco”, encorajando a cooperação e a excelên-cia dos serviços;

• circulação rápida de informações, que devem serdisponibilizadas para facilitar o aprendizado e encora-jar o comportamento ético.

Alguns princípios são oferecidos no desenvolvimentoda proposta (Hope e Fraser, 2003, p. 70-92), cujosdestaques são: a definição de metas práticas realizá-veis relacionadas com melhorias, desconectadas daavaliação de desempenho e premiações; a avaliação dodesempenho e as premiações baseadas em contratosde melhorias relativas, levando em conta o que deve-ria ser feito, diferentemente da visão tradicional, queestabelece a priori a meta e posteriormente a comparacom o resultado real; transformação do seu plano deação numa sucessão de melhorias contínuas, inclusi-ve os processos; disponibilização dos recursos quan-do necessários; coordenação de ações conjuntas naentidade de acordo com as demandas do cliente; con-troles baseados na governança efetiva e nos indicado-res de desempenho relativos.

Ao se excluir o orçamento anual, que efeitos se ve-rificam na gestão das organizações? No Quadro 1, Hopee Fraser (2003, p. 27) indicam, de maneira compara-tiva, alguns elementos da gestão que permitem enten-der o que muda de acordo com a proposta.

OS BENEFÍCIOS DA ABORDAGEMBEYOND BUDGETING

Hope e Fraser (2003) almejam que sua proposta possaatender às três críticas apresentadas. Nesse sentido,apresentam três argumentos que defendem a aborda-gem beyond budgeting.

O primeiro é referente a sua simplicidade, baixocusto e relevância para os usuários. Os argumentos dos

autores levam em conta: a) a gestão adaptativa e des-centralizada, que proporciona autoridade e capacida-de de decisões rápidas em seus mercados, gerandocondições de resposta apropriada às demandas; b) ofato de não se desenvolver o orçamento anual implicauma redução de trabalho e custo. Por outro lado, osprofissionais envolvidos passam a dedicar seu tempoa atividades mais nobres, com mudança do foco domodelo, de centralizado em termos de controle paradescentralizado para cada local. Dessa maneira, asequipes passam a se engajar no planejamento e con-trole; c) as lideranças são beneficiadas, pois passam ater mais tempo para atividades de orientação do seupessoal.

O segundo argumento é referente ao tratamento dosfatores de êxito da economia da informação. Os auto-res consideram que o crescimento sustentável é dire-cionado pela “estratégia inovadora” com foco na a cria-ção de valores de longo prazo. Para isso, dentre várioselementos importantes, é preciso dispor e manter osmelhores profissionais, o que exige ações para avaliarsuas capacidades criadoras. Isso terá maior probabili-dade de sucesso num ambiente de liberdade e autono-mia. A inovação contínua tem dificuldade de convivercom os orçamentos fixos, o que seria facilitado porum ambiente mais livre e criativo.

A demanda por redução de custos é permanente, edeveria vir não apenas de cima para baixo na estrutu-ra das organizações, o que limita o seu potencial deabrangência. A expectativa é de que, uma vez envolvi-das as demais camadas da hierarquia, os profissionaisse sintam mais integrados à organização e tenhammaiores compromissos com os resultados, buscando aredução de custos.

As necessidades dos clientes serão atendidas demaneira adequada, sem pressões para atingir metas, oque deve provocar melhoria no próprio relacionamentode longo prazo. Os relatórios devem ser estruturadosde maneira ética. Esse aspecto é tratado dentro doencorajamento de boa governança e comportamentoético. A completa abertura para disponibilização deinformações é parte crítica do processo.

O terceiro argumento diz respeito ao encorajamentoda boa governança e do comportamento ético. Partedo princípio de que as pessoas querem trabalhar nas ecom as organizações mais virtuosas e esperam ter me-lhor equilíbrio entre atividades profissionais e vidapessoal. Elas querem conhecer a situação atual e asperspectivas da empresa, e também querem confiar naspessoas e ser parte de uma equipe. Entretanto, uma

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questão importante é que ainda nem todas as empre-sas atuam dessa forma. A ausência da pressão das me-tas fixas, na opinião dos autores, torna possível umamelhoria no comportamento ético. A abertura e trans-parência são peças-chave para a prática do encoraja-mento da boa governança.

ANÁLISE COMPARATIVA

A análise foi desenvolvida levando-se em conta as crí-ticas que motivaram a proposta, a sua efetividade di-ante do processo de planejamento e os novos proble-mas provavelmente gerados pela abordagem beyondbudgeting. As críticas podem ser segmentadas em trêsgrupos: o papel do instrumento, a sua utilização ina-dequada e as limitações do instrumento.

O papel do instrumentoO papel do orçamento dentro do tripé planejamentoestratégico, controle gerencial e controle operacionaltem mudado, e o orçamento – no âmbito do controlegerencial – passou a ocupar espaço que antes não eradevido nem cobrado. O crescimento do interesse em

termos de manufatura e indicadores não monetáriosfez com que o instrumento fosse questionado ereposicionado nas empresas. Questionou-se a centra-lização, e sugeriram-se estilos mais participativos.

Por fim, o próprio questionamento da utilidade doplanejamento estratégico trouxe conseqüências ao or-çamento. Este último tópico pode ser tratado a partirda abordagem que considera que um plano estratégi-co adequadamente elaborado proporciona melhorescondições de estruturação de um bom orçamento, sen-do o inverso também verdadeiro. Os aspectos maisrelevantes são três.

O primeiro é o aspecto da separação entre o plane-jamento e a execução. Essa crítica está relacionada comsituações em que o orçamento é definido por outrem,que não o gestor, que vai fazer com que as metas se-jam atingidas. Em alguma dimensão isso não deveriaacontecer pelo processo clássico, a partir da participa-ção dos agentes.

O segundo aspecto é a falha ao tratar as variáveisfundamentais da competitividade. Essa crítica pode serolhada de várias maneiras, dentre as quais a que con-sidera que os executivos devam perseguir metas comreferências externas, ligadas à concorrência e ao mer-

Metas

Premiações ebonificações

Planos

Recursos

Coordenação

Controles

Quadro 1 – Comparativo de elementos na gestão das empresas

ORÇAMENTO TRADICIONALDESCRIÇÃO

As metas são fixadas anualmente.

Os executivos recebem desde que se enqua-drem nos objetivos das metas.

A figura das metas fixas (contratos fixos) estárelacionada aos planos.

Os recursos cuja aceitação de disponibilida-de para apoiar os orçamentos operacionais ede capital são colocados à disposição

As atividades serão coordenadas com outrosgestores de planos de acordo com plano aceitoou redirecionado por nível superior.

O desempenho deve ser monitorado mensalmen-te e qualquer variação significativa deve ser revi-sada. Forecast demandado trimestralmente.

As metas não são fixas, mas continuamente monitoradas contraum dado benchmarking, preferencialmente externo, negociadocom o grupo de gestores.

Existe a confiança do recebimento da premiação a partir da ava-liação do grupo de gestores que analisa o desempenho na abor-dagem “daquilo que deveria ser feito”.

Existe a confiança de que qualquer ação possa ser exigida para atin-gir metas de médio prazo aceitas pelo grupo de gestão, dentro dosprincípios de governança e parâmetros estratégicos da entidade.

Existe a confiança de prover os recursos quando forem ne-cessários.

Existe a delegação de confiança para que o gestor coordeneas atividades a partir de acordos periódicos e exigências declientes.

Existe confiança de que o forecast seja baseado na alternativamais provável, de maneira que só existirá interferência se a ten-dência dos indicadores ficar fora de certos parâmetros.

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cado. Nesse sentido, o argumento não deveria ser vá-lido, pois tanto a forma de estruturar as variáveis comoa intensidade de desafio serão decisões dos gestores, enão uma limitação ou um impedimento da ferramenta.

Finalmente, o terceiro aspecto é o pouco valor agre-gado à entidade, ou o fato de o orçamento ser ou nãouma perda de tempo. Este ponto não foi tratado demaneira sistemática e metodológica pelos autores. Oque pode significar não agregar valor? A inexistênciade um instrumento pode provocar perda de negócios,dificuldades financeiras e não otimização de resulta-dos. Um instrumento gerencial é, em si, uma ferra-menta, um meio para que as ações sejam desenvolvi-das. Se fosse possível viver sem eles, a gestão se torna-ria mais fácil e menos custosa.

Utilização inadequada do instrumentoSobre a utilização inadequada, os autores levam emconta que os aspectos mencionados estão relaciona-dos à forma como os gestores querem utilizar o ins-trumento. Os aspectos mais relevantes são menciona-dos a seguir.

Primeiramente, tanto o fato de superestimar quantosubestimar o instrumento está sempre presente na suaelaboração. Isso pode ocorrer tanto por interesse doagente em proteger-se como nas questões ligadas à in-certeza ou mesmo à etapa do aprendizado. Os clássicosrecomendam o feedback como uma das formas de, aolongo do tempo, se implementarem melhorias nesse tipode distorção. A prática de revisões do orçamento anualtambém é uma das formas possíveis de tratar essa ques-tão, muito embora tais revisões possam ser percebidascomo “aberturas parciais” para mudanças.

Em segundo lugar, há o fenômeno da pseudopartici-pação dos agentes. O interesse variável dos gestores emparticipar é algo que faz parte da mescla cultural daorganização, constituindo um ingrediente compulsóriopara o desenvolvimento de qualquer tipo de instrumentogerencial. Existem organizações com dezenas de milha-res de funcionários. Nesses casos, como assegurar aparticipação? Uma das respostas é discutir o sentido dapalavra participação dentro de um contexto de maiorflexibilidade. Nessa linha de raciocínio, ser chamadopara discutir, para oferecer alternativas e receber infor-mações são possibilidades de distintos graus de partici-pação. Dessa maneira, o que se espera é um efetivo en-volvimento, que pode ser obtido de várias maneiras,mesmo com uma meta anual estável. Qualquer que sejao modelo utilizado, o tom do agente decisório será fun-damental para viabilizar a participação dos gestores.

Em terceiro lugar, há a questão do foco na reduçãode custos e não na criação de valores. Na verdade, tra-ta-se de uma limitação da visão dos gestores com rela-ção ao modelo. Este pode ser utilizado tanto para umadas visões como para as duas, à medida que direcionae proporciona uma visão de resultado. Uma meta nãodefinida por ocasião do orçamento anual e posterior-mente percebida como adequada deveria ser incorpo-rada ao instrumento, e o inverso também deveria serconsiderado. Ao menos essa é a perspectiva de Welsch,Hilton e Gordon (1988).

Em quarto lugar, podem se sufocar as iniciativas.Um instrumento gerencial sem uma perspectiva podeter essa conseqüência, seja o orçamento tradicional oubeyond budgeting. Em outras palavras, o grau de aber-tura e envolvimento em momentos de revisão de me-tas é o que define o potencial de flexibilidade e criati-vidade permitido pela gestão do instrumento.

Em quinto lugar, há a questão da coordenação cen-tralizada do processo de planejamento, em que se pro-põe uma descentralização, inclusive na implementa-ção. Mas a descentralização implica diretrizes básicasdesse processo de coordenação para que a otimizaçãodos esforços ocorra no horizonte temporal contempla-do. Em algumas empresas, o processo de planejamen-to não pode ser tão flexibilizado por conta de sua com-plexidade e de seu porte. Uma crítica feita ao orça-mento denominado centralizado considera que os par-ticipantes não têm o poder para definir suas metas.Essa visão é distorcida, pois a participação é um in-grediente previsto e importante para a organização.

Em relação ao sexto aspecto, há o problema do even-tual comportamento disfuncional dos gestores. Osautores chegam a citar a Enron e a WorldCom comoexemplos de situações provocadas pelo orçamento fixo,uma vez que as pessoas, tendo que atuar para obterresultados, podem adotar conduta antiética. Essa ar-gumentação carece de maior estruturação e constata-ção empírica, pois, para ser válida, precisariam seranalisadas situações de empresas com problemas deordem ética e que foram gerenciadas de maneira ex-tremamente flexível e participativa. A ética transcen-de o instrumento, e sua utilização inadequada deveser buscada no universo ético da gestão.

E, finalmente, pressupõe-se a ausência de confian-ça, o que ocorre quando se definem metas de longoprazo. Existisse confiança, não seria necessário defi-nir metas a priori. Essa afirmação é delicada e carecede maior profundidade de pesquisa. Ao contrário,pode-se afirmar que as pessoas nem pensariam em

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negociar e definir metas se não houvesse prévia confi-ança entre os agentes. Por outro lado, a coordenaçãodas atividades exige que os gestores coordenem as de-cisões, o que requer a definição a priori.

Limitação do instrumentoDentre as limitações do instrumento, pode-se desta-car que, primeiramente, trata-se de um instrumentocustoso. O custo de um instrumento gerencial é algorelativamente fácil de apurar, podendo incorporar ní-veis variados de precisão e abrangência e critérios deabstração. Apesar disso, o benefício é menos tangívele pode ser analisado do ponto de vista tanto de quan-to se ganha como pela perspectiva de quanto custariaa inexistência do orçamento. Ambas foram ignoradaspelos autores que questionam o orçamento anual.

O segundo ponto é a questão da alocação de custos(considerados não negociáveis). A existência de crité-rios de alocação de gastos por áreas de negócios, cen-tros de resultados e de custos faz parte da visão decontrole, e, como decorrência, os preços de transfe-rência são apurados. Alguns estudiosos não se confor-mam com os resultados e o controle necessários emum dado tipo de procedimento. Esse problema vai exis-tir qualquer que seja a forma de encarar o orçamento.Trata-se de uma questão filosófica de atribuir custos ede aplicar o controle.

O terceiro ponto é a questão de a média gerênciainsistir em controlar e comandar. Essa perspectiva énecessária, pois a abordagem de planejamento e con-trole faz parte de um todo em que o acompanhamentodo desempenho das variáveis críticas é parte da abor-dagem que pretende assegurar o resultado pretendi-do. Alguém que não o próprio gestor tem que fazerisso. É muito difícil evitar tal comportamento numambiente em que o autocontrole é exigido das áreas epessoas, mas avança ainda muito lentamente.

O quarto ponto é em relação ao processo orçamen-tário, que não encoraja as pessoas ao desempenho, masa executar o orçamento. Desde que seja flexível e revi-sado, encoraja a existência de um padrão que contem-ple os desafios e seja realista. Pode incentivar um sen-so de justiça nas pessoas envolvidas. Na verdade, oponto não é o orçamento em si, mas como é utilizado.Sendo bem elaborado, encoraja o gestor ao desempe-nho, e é algo útil, pois elimina a ambiguidade, tornan-do claro o que se pretende.

Finalmente, a revisão do orçamento toma tempo, eas empresas não conseguem fazê-la rapidamente. Essaé uma questão que não deixa de ser curiosa, pois o

tempo e os recursos necessários para desenvolver oinstrumento, dependendo da complexidade da orga-nização, do modelo cultural do gestor e do tipo demudanças verificadas, podem ser otimizados (o tem-po e os recursos) se o planejamento e os compromis-sos forem definidos a priori. Ao mesmo tempo em queos autores se preocupam em mensurar quanto gastam,em termos de tempo, com o processo, deixam de apu-rar quanto economizam ao desenvolvê-lo, o que pro-porciona uma visão apenas parcial da questão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não deixa de ser interessante perceber o quanto astendências de interpretação de um tema podem serdíspares. De um lado, uma abordagem que, emborapercebendo limitações e imperfeições, pretendeinstrumentalizar, medir, buscar compromissos e con-trolar, enfim aperfeiçoar um modelo existente; e, deoutro, a perspectiva oposta, de Hope e Fraser, pregan-do a eliminação do instrumento que se propõe imple-mentar as estratégias da organização. Aparentementetais visões decorrem de diferentes percepções que osautores possam ter das entidades e de seus executi-vos. Dessa maneira, respondendo a questão de pesqui-sa, fica evidente que os problemas citados pela abor-dagem beyond budgeting não são novos ou ignoradospelos autores clássicos que trataram o tema anterior-mente. Ao contrário, são previstos e mencionados naliteratura. Percebe-se que o foco da gestão na aborda-gem beyond budgeting está no gestor, na sua flexibili-zação. Conseqüentemente, para que o modelo esco-lhido para a organização tenha êxito, será necessáriotreinar um conjunto de pessoas com habilidades paraadministrar sem o orçamento. A operacionalização daabordagem flexível, com o uso do instrumento orça-mentário, pode compatibilizar mais facilmente as ne-cessidades da organização sem criar novos riscos, ine-rentes ao excesso de flexibilidade criado pela aborda-gem ora proposta.

É importante registrar que muitas vezes os proble-mas decorrem da má utilização do instrumento, e assoluções propostas por Hope e Fraser passam por re-comendações já tratadas pelos autores clássicos. O quepoderia ser um aspecto significativo mas, no momen-to, não reforça a abordagem é o fato de se verificar ainsipiência do tratamento empírico oferecido pelosautores quando se trata de constatações de resultadosque não sejam localizados em algumas empresas, na

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forma de casos, o que até pode ser considerado nor-mal, dado o estado da arte.

Alguns problemas relacionados pelos autores clás-sicos não foram tratados por Hope e Fraser. Dentreeles, podem se destacar: o controle, no seu sentidooriginal, pode ser entendido como algo não desejávelna entidade? Como coordenar o longo e o curto prazonuma organização sem um orçamento anual? Comosaber se o desempenho está dentro do esperado naperspectiva dos investidores? Como corrigir o cursode uma ação se não forem definidos padrões? O com-promisso dos gestores em atingir a meta passa a serapenas uma demonstração de boa vontade?

Hope e Fraser (2003, p. xviii) consideram que ocontrato fixo de desempenho, com variáveis fora doseu controle, leva o gestor a um comportamento inde-sejável e, muitas vezes, antiético. O que se pode con-cluir da análise da proposta dos autores é que a utili-zação inadequada do instrumento não deveria levarao seu abandono. Principalmente porque uma parcelarazoável das imperfeições citadas foi prevista pelosautores clássicos sobre orçamento empresarial, e fo-ram prescritas ações que podem proporcionar sua eli-minação ou minimização, muitas delas utilizadas naproposta do beyond budgeting. Os autores reconhecemisso, mas percebem o orçamento como um vírus quedeve provocar todas as crises mencionadas. Assim, essaabordagem apenas aparenta ser radical, mas ignora osnovos problemas gerados por sua proposta.

Como sugestões de temas para futuras pesquisas,seriam relevantes estudos empíricos sobre a utiliza-ção do beyond budgeting no Brasil, a análise de empre-sas que utilizam abordagens semelhantes, bem comoa identificação de seu grau de satisfação alcançado aolongo do tempo.

NOTA

O autor agradece o apoio do CNPq e da Fipecafi ao projeto que originoueste trabalho.

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Artigo recebido em 07.08.2004. Aprovado em 28.02.2005.

Fábio FrezattiProfessor da FEA-USP. Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA-USP.Interesses de pesquisa nas áreas de contabilidade gerencial e controladoria, com dedicaçãoespecial à existência dos artefatos, seus sucessos e fracassos em termos de implementaçãoe uso. Outros interesses: teoria institucional, teoria da contingência e comportamental.E-mail: [email protected]ço: Rua Joaquim Távora, 1020, Vila Mariana, São Paulo – SP, 04015-012.

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