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Fotojornalismo e Experiência Estética

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UNIrevista - Vol. 1, n° 3: (julho 2006) ISSN 1809-4651

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Fotografia e Experiência Estética.

Estudo de caso sobre a superação do

efêmero no fotojornalismo contemporâneo

Ana Farache Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação

UFPE, PE

Resumo Esse artigo procura relacionar fotojornalismo contemporâneo e experiência estética, detendo-se no estudo de caso

de uma das fotografias produzidas em 2004 durante o massacre de Beslan, na Rússia, e distribuída mundialmente

pela Associated Press (AP). A partir da repercussão causada pela imagem, destacamos que em determinadas

circunstâncias a fotografia jornalística produz sentido além da descrição de fatos, da veiculação de conteúdo e da

construção de um conhecimento inteligível.

Palavras-chave: Fotojornalismo, experiência estética, produção de sentido.

Introdução

Em setembro de 2004, revistas e jornais de várias partes do mundo publicaram com destaque a fotografia

de uma mãe russa acariciando o rosto da filha morta no ataque terrorista numa escola em Beslan1, na

Rússia. No Brasil, a imagem distribuída pela AP (Associated Press) também foi estampada nas primeiras

páginas dos principais jornais do país, tendo sido, inclusive, capa da revista Veja, na edição 1870, de 08 de

setembro de 2004 (FIG. 1).

FIG. 1 – Capa da Revista Veja

1 Apesar da grande repercussão pela mídia na época, seria importante relembrar que o atentado ocorreu em uma escola da cidade de Beslan, na Ossétia do Norte, na Rússia, invadida no dia 01 de setembro de 2004, por terroristas islâmicos (chechenos e árabes), possivelmente ligados à Al-Qaeda. Durante três dias, 1200 reféns, entre crianças e adultos, ficaram sob o poder dos terroristas, sem água e comida. No dia 3 de setembro, após a explosão de uma bomba dentro da escola, as forças russas entraram no local. A tragédia resultou na morte de centenas de reféns, incluindo centenas de crianças.

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A intensa repercussão provocada pela publicação da fotografia deixou claro que a imagem destacou-se entre

centenas de outras produzidas durante os três dias que envolveram a tragédia e que resultou na morte,

segundo a revista, de 344 pessoas, sendo mais da metade crianças. Já na edição seguinte de Veja, por

exemplo, a revista publicou várias cartas sobre o noticiário relacionado ao massacre, quatro das quais

comentavam especificamente a foto de capa da semana anterior. Um desses depoimentos falava da

comoção causada pela imagem; em outro, uma leitora contava que não conseguia parar de olhar para a

fotografia; e houve até quem a definisse como “magnífica”, apesar de sua evidente dureza e da crueldade

sintetizada pela fotografia. Numa outra carta, a leitora Teresa Ciravegna, de Minas Gerais, procurou detalhar

a imagem e estabelecer um vínculo entre o que viu na capa da revista e o campo artístico: “Maravilhosa e

terrível a capa de VEJA de 8 de setembro: a mãe em seu último gesto de carinho, a mão que segura o

desespero dentro da garganta. Acredito que Michelangelo teria inspiração para uma versão moderna da

Pietà” (Veja, 15 de setembro de 2004, p. 5).

Além dessas cartas – que captaram o sentimento imediato provocado pela imagem entre os leitores -, a foto

suscitou igualmente, artigos em blogs pessoais, comentários em listas na internet e textos acadêmicos.

Numa pesquisa sobre a cobertura jornalística do atentado em Beslan (Souza e Lima, 2005, p. 26) a foto é

assim descrita:

Na Veja, uma mãe chorosa debruça-se incrédula e dolorosamente sobre o cadáver da filha pequena.

A imagem foi propositadamente escurecida, manipulada. A escuridão domina a capa, traduzindo o

luto universal. Só a criança morta surge coberta por um lençol branco, cor que evoca pureza.

No weblog Petrified Truth, por exemplo, um comentário postado ainda no dia 4 de setembro de 2004 (um

dia após a invasão da escola e da morte de centenas de pessoas) afirmava, ao lado da reprodução digital da

foto, que, apesar de todas as imagens do massacre serem impactantes, a da mãe de Beslan talvez fosse a

mais tocante, ao mostrar “a mother tenderly caressing the face of her murdered child. Such grief” 2. Na

edição do Jornal do Brasil de 12 de setembro de 2004, o jornalista Augusto Nunes intitulava, na sua coluna,

a imagem como sendo A Madona de Beslan e informava aos leitores que a mulher e a criança presentes na

foto não foram identificadas pela agência de notícias. A partir dessa constatação, o jornalista desenvolveu

uma espécie de crônica ficcional baseada no que observa estampado na fotografia:

A mulher que acaricia o rosto enfim devolvido à placidez - uma placidez definitiva - talvez nem seja

a mãe biológica da criança assassinada. A vítima do massacre na escola nos confins da Rússia pode

ser a parte amputada de uma família amiga, alguém que brincara perto de sua casa. Beslan é uma

cidade pequena, quase todos sabem quem é quem. Não importa. A imagem da Madona de Beslan é

a tragédia de uma mãe que afaga o filho morto. É a imagem da dor que não passa, o começo do luto

eterno, a primeira estação do calvário interminável (Nunes, 2004, s/p).

Reações como essas indicam que certas fotografias, mesmo aquelas presentes na mídia - e, portanto, na

maioria das vezes, negociadas como objetos visuais de vida efêmera -, em determinadas circunstâncias

2 Ou seja (nossa tradução): “...uma mãe acariciando docemente a face de sua criança assassinada. Quanto pesar”. Cf. www.petrifiedtruth.com/archives/2004_09.html.

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produzem sentidos que não se esgotam na descrição de fatos, na veiculação de conteúdos, na construção de

um conhecimento inteligível. Essa fotografia nos remete também ao ensaio de Susan Sontag, Diante da Dor

dos Outros, onde ela fala sobre a obrigação de se olhar para determinadas fotografias: “podemos nos sentir

obrigados a olhar fotos que recordam graves crimes e crueldades. Deveríamos nos sentir obrigados a refletir

sobre o que significa olhar tais fotos, sobre a capacidade de assimilar efetivamente aquilo que elas

mostram” (SONTAG, 2003, p.80).

Dor e experiência

A fotografia distribuída pela Associated Press (FIG. 2) foi publicada na capa da Veja com o escurecimento do

fundo superior esquerdo da imagem, onde foi colocado o título da matéria. Formalmente a foto apresenta

um plano médio vertical, relativamente aproximado, da figura que passou a ser vista como a mãe

acariciando a cabeça da criança, que também assumiu o personagem de filha na maioria dos comentários,

especializados ou não.

FIG. 2 – A fotografia distribuída pela Associated Press

Rigorosamente estruturada, a imagem radicaliza pelo menos dois princípios da pintura clássica: o uso do

claro-escuro (que vai muito além, inclusive, do contraste entre o vestido negro da mulher e o lençol alvo da

criança) e o estabelecimento da diagonal quase perfeita marcada pelo braço nu da mulher e que leva o olhar

do rosto dolorido da adulta ao rosto inerte da criança. A observação atenta da imagem revela um outro nível

de operação, no qual fica estabelecida em tensão entre o sentido explicitado (o sofrimento diante da morte

brutal de uma criança) e o sentido implícito – ou melhor, a conotação da fotografia queue aponta para o fato

de que não importa o lugar, não importa o tempo, a morte brutal de uma criança será permanentemente

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percebida como uma atrocidade inexplicável. Ora, assim como a transversal da forma que faz o olhar do

espectador oscilar entre os dois rostos representados, a imagem postula esse percurso entre o fato (suas

circunstâncias) e uma significação transcendente, que evoca a maternidade, a crueldade, a dor quase

insuportável.

A fotografia da mãe de Beslan nos leva a intuir que, mesmo sem sentir a dor que está estampada na face da

mulher, estamos vulneráveis a tal sentimento. Esse seria um dos fatores que transtornariam o espectador

diante dela e que o faria transcender a ela3. Nessa dimensão, se vislumbra a possibilidade de vivenciar tal

experiência da dor – e, no caso específico, a dor pela perda de uma criança querida. Essa situação particular

de fotojornalismo ressaltaria a pertinência contemporânea da hipótese aristotélica: aquilo que estiver fora de

toda possibilidade de experiência para o sujeito, não pode representar nada para o sujeito (Cf. Magee, 2001,

p. 32). Fica admitido, portanto, que situações como as mostradas nesta foto são passíveis de serem

experimentadas e, seguindo o pensamento aristotélico, de serem representativas para o espectador. A

validade dessa perspectiva coloca, imediatamente, uma questão: seria apenas a percepção de estar à mercê

de situações de sofrimento o fator responsável pelo modo como reagimos diante de determinadas

fotografias?

Pelo que se pode verificar nos comentários sobre a foto de Beslan, imagens como ela indicam provocar no

espectador mais do uma tomada de consciência de um fato acontecido, mais do que a identificação com a

dor do outro e até mais do que o sentimento de obrigação de se refletir sobre elas, como nos aponta Sontag

(2003). Como sabemos, a autora se refere a um tipo de voyerismo distanciado, a partir do qual o

espectador aplaca seus problemas de consciência mantendo-se protegido de um envolvimento real com a

tragédia representada. A hipótese que defendemos aqui é a de que é possível descrever um outro tipo de

produção de sentido em operação no fotojornalismo contemporâneo. Sugerimos que essas imagens nos

propiciam, ao contemplá-las, uma dimensão suplementar que seria a da experiência estética, entendida

como o resultado de uma percepção sensorial capaz de levar o espectador a um estado complexo de

contemplação, prazer, comoção, dor, harmonia ou inquietação. Em oposição experiência estética, haveria a

experiência comum e rotineira quando “a inteligência [...] corresponde a um mecanismo inconsciente que

guia os nossos atos, nos faz manobrar com habilidade e segurança entre as insídias do mundo” (Barilli, 1994,

p. 33).

A oposição entre experiência comum e experiência estética demonstra ser coerente com essa dimensão

suplementar do fotojornalismo e capaz de ser transposta para a sua interpretação. Como é fácil constatar,

muitas vezes, ao folhear um jornal, por exemplo, o leitor depara-se com dezenas de fotografias que revelam

atrocidades, paisagens ou festejos sem, provocarem, no entanto, envolvimento específico além de uma

simples constatação do fato apresentado. Nessas situações, as imagens com as quais o leitor se depara são

incapazes de nos tirar da condição de, como define Barilli (1994, p. 33.), “prisioneiros da rotina”. Por outro

lado, no entanto, a fotografia jornalística pode torna-se algo novo, capaz de provocar uma quebra de

equilíbrio, quando os sentidos já não são mais captados nos níveis habituais - “em suma, tem-se a emoção,

3 John Berger, no ensaio Photographs of Agony, afirma: “ These moments are in reality utterly discontinuous with normal time. It is the knowledge that such moments are probable and the anticipation of them that marks ‘time’ in the front line unlike all other experiences of time” (BERGER, 2003, p.289).

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a perturbação” (1994). Para Barilli, essa perturbação só poderá ser amenizada se o espectador investigar o

que nela o provoca com “outros olhos”. Para usar esse novo olhar, primeiramente se faz necessária a

superação da mecanicidade de processos mentais rotineiros e a permissão de deixar entrar em ação “as

fases mais seletivas e conscientes da estética e da ciência conhecimento”.

Transcendência no fotojornalismo

Nossa perspectiva de análise do fotojornalismo pressupõe que algumas fotografias despertam um sentido

que ultrapassa aquilo que está diretamente representado nela. Nesse caso, a observação de determinada

fotografia pode remeter o espectador, através de uma experiência estética, a uma transcendência – conceito

cuja etimologia remete ao latim transcendere: ascender (scendere) através (trans) –, mesmo que, numa

primeira instância, seu objetivo imediato seja o de informar e denunciar pela mídia, com a utilização do

fotojornalismo, o que acontece pelo mundo através do objeto fotografia. A maneira como a questão está

proposta aqui considera a transcendência na perspectiva moderna das Ciências Sociais, ou seja, segundo

Lévi-Strauss (1976, p. 313), aquela que não é de ordem sobrenatural, mas supercultural, e “isola uma

cultura particular, coloca-a acima das outras, trata-a como um universo separado que contém sua própria

legitimação”.

Por outro lado, consideramos como jornalística, em princípio, toda fotografia publicada em meios de

comunicação de massa - jornais e revistas impressos ou on line, notadamente -, obedecendo a

determinados procedimentos de produção e difusão dos veículos. Quanto à sua natureza, entendemos o

fotojornalismo, numa acepção mais ampla, como a que defende Jorge Pedro Souza, para quem

o fotojornalismo é uma atividade singular que usa a fotografia com um veículo de observação, de

informação, de análise e de opinião sobre a vida humana e as conseqüências que ela traz ao Planeta.

A fotografia jornalística mostra, revela, expõe, opina (Souza, 2004, p. 9).

Como se pode notar, ao mesmo tempo em que se esforça para circunscrever as funções do fotojornalismo, o

autor também nos lembra que se trata de uma atividade “sem fronteiras claramente delimitadas” (Souza,

2004, p. 11). Falando sobre as fotografias de Cartier-Bresson, Jonathan Friday (2002, p. 123) afirma que

freqüentemente nos defrontamos com imagens que “frequentemente eliminam a distância entre realismo e

idealismo, documentário e pictoralismo” e que o próprio conceito bressoniano de momento decisivo

“proporciona uma característica expressiva particular para revelar a verdade” 4 (2002, p. 123). Essa

flexibilidade permite postular que, a partir de sua diversidade de usos, a fotografia jornalística, além de

mostrar, revelar, expor e opinar, também “faz sentir”. A consideração desta potencialidade do

fotojornalismo evoca a recomendação explícita do fotógrafo Eugene W. Smith (2004, p. 211), que revelava

la certeza personal de que todos los acontecimientos Del mundo que causam grandes transtornos

emocionales, como las guerras, los disturbios, los desastres mineros, los incêndios, la muerte de

líderes (...) y otros semejantes que tieden a liberar las emociones humanas deberíam ser

4 Nossa tradução para: “often bridge the gap between realist and idealist, documentary and pictorial” e para : “provides a very personal and characteristic expressive appearance to reveal truth”.

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fotografiados de una forma totalmente interpretativa. Bajo ninguna circunstancia debe intentarse

recrear tal cual los sentimientos dominantes y los sucesos de estos momentos.

Tal potencialidade, portanto, de fazer sentir, de ir além da informação, é capaz de provocar uma experiência

passível de ser considerada como estética, posto que é

(...) essencialmente final, isto é, o seu fim reside em considerar a situação de pertença de modo

mais amplo, mas rico, intenso, fora dos mecanismos da rotina e sem recair numa nova

habitudinariedade mecânica. O seu objetivo seria introduzir na terra um estado paradisíaco onde se

possam viver os vários aspectos do mundo, exatamente, com a máxima intensidade, sem a

preocupação de economizar as energias (Barilli, 1994, p. 33-34).

Nessa perspectiva, o fotojornalismo incorporaria duas dimensões importantes da experiência estética (cf.

Barilli, 1994, p. 49-51): a primeira é a que se pode chamar de simbiose entre o espectador e a imagem, na

qual o leitor, ao investir seu olhar sobre a fotografia, se vê por sua vez investido por ela, numa proporção de

igual intensidade ao seu próprio engajamento. Essa dimensão se associa ao que Edgar Morin desenvolveu na

forma de binômio conceitual projeção-identificação - no qual “esse universo imaginário adquire vida para o

leitor se este é, por sua vez, possuído e médium, isto é, se ele se projeta e se identifica com os personagens

em situação, se ele vive neles e se eles vivem nele (Morin, 2005, p. 78). A segunda dimensão passível de

ser incorporada ao fotojornalismo refere-se a um sentimento irredutível de originalidade (ou de novidade, ou

de ineditismo) provocado pela visão de uma imagem, como se tal situação visual jamais tivesse sido

conferida pelo espectador.

Experiência estética e o cotidiano

Defendemos aqui a possibilidade da experiência estética através da contemplação daquilo que não é

considerado artístico, ou seja, do que não é definido social ou institucionalmente como obra de arte. Neste

ponto, é importante citar Mauss (1967, p. 89), segundo o qual “um objeto artístico, por definição, é um

objeto reconhecido como tal por um determinado grupo”. O descolamento da experiência estética do campo

artístico elimina a necessidade de determo-nos nas questões sobre o que é arte e sobre suas aplicações e

subjetivações. Partimos então do princípio que experiência estética é passível de eclodir nas circunstâncias

simples do dia-a-dia e recorremos a Morin (2005, p. 78) que afirma: “eu não defino a estética como a

qualidade própria das obras de arte, mas como um tipo de relação humana muito mais ampla e

fundamental”.

Portanto, se não há mais um lugar e um tempo exclusivos para a experiência estética, ela pode ocorrer

quando, em meio a signos banais, nos deparamos com algo que escapa do senso comum, ao religar o

homem a sua origem. Uma religação exemplificada assim por Dufrenne (2004, p. 23-24): Aqui é suficiente

compreender que a arte espontânea exprime o liame do homem com a Natureza. E é nisso que a estética

vai meditar: ao considerar uma experiência original, ela reconduz o pensamento e, talvez, a consciência à

origem. Reforçam essa idéia Carchia e D'Angelo (1999, p. 130), que lembram que uma das mais recentes

discussões sobre o significado de experiência estética diz respeito às teorias que reafirmam sua irredutível

autonomia, “perspectiva segundo a qual a experiência estética é um tipo peculiar de conhecimento”. Esses

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autores, baseados em Marcuse, Bloch e Adorno, apontam ainda a experiência estética como “uma

resistência ao domínio ideológico da indústria cultural e, portanto, um potencial subversivo ou, no mínimo,

uma aparência que antecipa o valor utópico”.

Assim, é possível enfatizar a conexão do campo da fotografia jornalística com o da estética, a partir da idéia

de que qualquer reflexão sobre atributos visuais, no mundo contemporâneo, necessita evocar a discussão da

experiência estética: “A experiência estética torna-se como que um microcosmo, qualitativo, simbólico, em

que se articulam, com ordem estudada, todas as possíveis experiências que, de forma confusa e caótica,

urgem no macrocosmo da experiência comum” (Barilli, 1994, p. 42). Dessa maneira, ao associar produção

de sentido fotográfico, suporte midiático e experiência estética, é possível restabelecer um nível adequado

de discussão conceitual e de análise aplicada ao campo do fotojornalismo em particular e da comunicação

em geral. Comunicação aqui entendida no seu sentido empregado pelo cristianismo antigo, quando a prática

do communicatio designava o momento no qual, após um longo dia de isolamento, os monges se reuniam

para fazer uma refeição coletiva, ou seja, não apenas um momento de encontro mas sobretudo a quebra de

um isolamento, de conexão daquilo que estava isolado (Martino, 2001, p. 13).

Assim, ao se deparar com determinadas fotografias, como a Madona de Beslan, um espectador pode

vivenciar uma experiência estética que seria, em última estância, uma das formas do sujeito para atingir a

comunicabilidade universal de suas sensações como pontua Schiller: “As sensações a serem admitidas como

universalmente comunicáveis encontram-se sob condições subjetivas internas que têm de ser

necessariamente comuns a todos os homens”.

Diante de tais fotografias, o leitor se aproxima da experiência estética - ou “extática”, tal como a definia o

cineasta Eisenstein (Cf. Machado, 1982, p. 95), ao dar conta da dimensão em que o indivíduo está fora do

seu estado, fora de lugar, numa situação de transporte ou arrebatamento no qual sai de si ou de seu estado

habitual.

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