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Gramsci, a. escritos políticos, vol. ii

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Page 2: Gramsci, a. escritos políticos, vol. ii

SEARA NOVA19'77

Antonio Gramsci

escritospoliticos

Volume II

Traductio de

Manuel SimOes

Maquete de

AcScio Santos

Capa de

Henrique Ruivo

Instituto Gramsci eEmpresa de Publicidade Sears Nova, SARLRua Bernardo Lima, 42-r/c — LISBOA -1

Page 3: Gramsci, a. escritos políticos, vol. ii

Volumes publicados coleccilo universidade livre

1— Estilistica da Lingua Portuguesapor Rodrigues LapaEsgotado

2 — Marx/Engelspor Jean Bruhat

3 —0 Modo de Produces.° AsidticoC. E. R. M.Camponeses, Sans-culottes e Jacobinospor Albert SoboulCondigOes Actuais do Humanismopor Hector Agosti

6 — Escritos Politicos — Vol. Ipor Antonio Gramsci

7 —Sobre as Sociedades Pre-Capitalistas — Vol. Ipor Maurice Godelier

8 —Sobre as Sociedades Pre-Capitalistas—Vol. IIAntologia de Marx-Engels-Unine

9 — Estrutura e Dialactica da Personalidadepor Alberto L. Merani

10 —0 Capitalismo Monopolista de Estado—Vol. Ipor Paul Boccara

11 —0 Capitalismo Monopolista de Estado—Vol. IIpor Paul Boccara

12 —0 Capitalismo Monopolista de Estado — Vol. IIIpor Paul Boccara

13- 0 Capitalismo Monopolista de Estado—Vol. IVpor Paul Boccara

n.n

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NOTA PREVIA

Na traduccto que agora se apresenta, tivemos o cui-dad° de respeitar, tanto quanto possivel, a prosa nadafcicil de Gramsei (e conhecida a sue te,se de obrigaro leitor a um esforgo de leitura), os setts periodosdilacerados pela necessidade de exposigdo* do rigor ideo-lOgico, o seu eestilo., o que equivale a dizer que pro-curcimos respeitar o homem e o pensador.

Se se considerar, alem disso, que estes textos cor-respondem d, juventude do autor (o primeiro dos quais,cons efeito, escrito aos 19 anos) e se se tiver presenteque corresponclem a um moment° de pesquisa new soideolOgica como linguistica, teremos urn quadro de con-dicionalismos que a prosa de Gramsci nä.° deixard dereflectir, tornando-se mais «fluidab a medida que o senautor avanca para a maturidacle. (N. do T.)

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1NDICE

1919

20-21 de Julho 11Operdrios e camponeses 13Cultura e propaganda socialista 19

. Aos delegados de seccdo das oficinas Fiat-centre e Brevetti 23Socialistas e anarquistas 29A unidade nacional 35George Sorel 39

,cSindicatos e Conselhos , 41A RUssia e a Europa 47Os populares 53

K 0 primeiro passo 57Sindicalismo e Conselhos 59

,,,t Os revolucionfirios e as eleicees 65Os resultados que esperamos 69AS eleigdes '730 problema do poder 77Os acontecimentos de 2-3 de Dezembro de 1919 830 revoluciondrio qualificado 91A escola de cultura 97O Partido e a revolucäo 99Estudos «dificeis» 105

1920

Primeiro: renovar o Partido 109..,..0 operdrio de ffibrica 115

Partido de governo e classe de governo 121A revolugdo alemd 129

at Para uma renovagdo do Partido Socialista 133Superstigdo e realidade 143Urn programa de governo 1510 Conselho de fdbrica 155

A Sindicatos e Conselhos 161Para onde vai o Partido Socialists? 167

,,,A. Russia, potencia mundial 173pi 0 programa de «Ordine Nuovo» 177

A opinido de Lenine 189

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0 Partido Comunista Vileza e Leviandade «Ordine Nuovo» em Moscovo A Reacedo A Disciplina Internacional Coordenar Vontades e Aceiies Cisco ou Ruina 0 Povo dos Simios Bergsoniano! Marinetti RevolucionArio A Russia e a Internacional 0 Congresso de Livorno Uma Admoestagäo O Congresso dos Jovens Controlo ()perish) A Palavra de Ordem Funcionalismo Disciplina Os Comunistas e as EleicOes Reaceäo Forgas Elementares

193207213217223227231235241245249255259263267271273277281285289

Homens de Cane e Osso 293Socialista ou Comunista? 297Socialistas ou fascistas 301Pobre Partido Comunista 305Subversäo reaccionAria 311Os dirigentes e as massas 315Bonomi 319Os «Soldados do Boyce, 321Entre as dobras da Bandeira branca 3250 carrasco e a Intim& 331Insurreicäo Popular 335Golpe de Estado 339A hora do proletariado 343Problemas Morais e luta de Classes 347Prosseguir na Luta 351Os dois fascismos 355;Legalidade 359Ao Trabalhol 363A derrota da Fiat 365Abril e Setembro de 1920 369Os maiores responsiveis 373

20-21 DE JULHO (*)

A greve geral de 20-21 ( 1 ) sera eminentemente revo-lucienaria. Näo porque consiga derrubar o Estadocapitalista demonstramos que a conquista do Estadopor parte dos proletirios s6 tern lugar quando os opera-Hos e os camponeses tiverem criado um cisterns de -ins-tituico-es estatais capazes de substituir as instituicOesdo Estado democratico-parlamentar) mas porque inicia-ra um periodo de profundn.s revolucties na estruturaeconomica actual. A crise do apOs-guerra iniciar-se-iem 20-21. Ate agora os capitalistas, pressionados pelogoverno, fizeram facilmente concessifes: consentiram emmanter a producAo num piano antieconOmico para evi-tar o desemprego e a revolts dos desesperados. Nao que-reit° antinuar, näo poderao continuar. A greve tornar--se-a a justificacfio de toda uma eerie de medidas dereaccao industrial tendentes a dar a producAo a capaci-dada de exprimir urn rendimento seguro e abundante.E, naturalmente, os jornais atribuirâo aoe socialistasrevolucionarios a responsabilidade dos despedimentos edo lock-out de fabricas e procurarão romper a formida-vel unidade do proletariado.

(*) Nat:, assinado, L'Ordine Nuovo, 19-7-1919, seccao «Lasettimana politica».

( 1) Greve geral international de solidariedade com as Re-pAblicas socialistas da Russia e da Hungria. Os trabalhadorespediam o reconhecimento das Repfiblicas dos Sovietes, a desmobi-lizacfto e a amnistia geral.

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necess4rio, portant°, realizar durante a greve om6.ximo de disciplina e de unidade. A grew deve ter-minar a meia-noite de 21. Os operarios comunistas devemser o elemento de coego delta discipline e delta unidade;ninguem pode duvidar que eles nao sejam revolucionerries, que eles sejam «barnbeiros*. Os operarios comunis-tas sabem que urn movimento inssurreccional, hoje, thg-nificaria apenas urn reforco do instituto parlamentar euma repressfio feroz nas cidades revoluciongrias, some-lhante as repressees de Noske em Berlim, de Manner-heim na Finlandia, de Hoffman em Munique. 0 quepodem opor ao Parlamento os operarios e camponesescomunistas? Nenhuma instituicie comunista se criouainda capaz de eubstituir, permaniente e fortemente, opoder do Parlamento. De facto, nestes dias, os operarioscomunistas devem intensificar a propaganda pan queo surgir de instituicees comunistas seja possivel e nomais breve espaco de tempo se realize urn congressonational de delegados de fabrics e de aldeia, comunistasem maloria. Poder-se-a falar entao de revolucao comu-nista, corn seriedade e responsabilidade. Os comunistasquerem de facto criar o Estado dos competentes e dosresponsAvels: devem manter-se, em todos os mementos,'lcides e fries, nao podem deixar-se transportar pelaexaltacão e pela facilidade. Infelizmente, cam o herois-m° generoso e a paixdo nao se criam os Estados: ocorredisciplina, perseveranca, coego e desprezo pelos irres-ponsaveis.

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OPERARIOS E CAMPONESES (*)

Durante a guerra e por neoessidades da guerra, oEstado italiano assumiu, ns suas flinches, a regulamen-taedo da producio e da distribuicao dos bens materiais.Realizou-se uma forma de trust da indastria e do corner-ed°, uma forma de concentrack dos meios de producaoe venda, e uma igualdade das conditees de exploracaodas masses prolet'arias e semiproletirias que determi-naram os seus efeitos revolucionarios. Nao e poasivelcompreender o caracter essential do periodo actual senao se tern presentes estes fenOmenes e as consequenciaspsicolOgicas por eles produzidas.

Nos paises ainda atrasados, do ponto de vista capi-talista, como a thissia, a Italia, a Franca e a Espanha,existe urns nitida separacao entre a cidade e o campo,entre os operArios e os camponeses. Sobreviveram naagricultura formes econ6micas pummente feudais e urnscorrespondents psicologia. A ideia do Estado modernoliberal-capitalists a ainda ignorada; as instittheo- es eco-nOmicas e politicas nä° go concebidas como categoriashistericas que tiveraan o principle, sofreram urn proces-so de desenvolvimento e podem dissolver-se depois deterem criado as ecndicees pars superiores formal de con-viv'encia social: go concebidas, polo contririo, come cate-

(*) Nies assinado, L'Ordine Nuovo, 2-8-1919.

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gorias naturals, perpetua.s, irredutiveis. Na realidade, agrande propriedade ficou fora da livre concorrencia: e oEstado modern respeitou-lhe a essencia feudal, inven-tando formulas juridicas, come a transmissao heredith-ria, que continuam de facto os direitos e os privilegios doregime feudal. A mentalidade do campones continua aset, por isso, a do servo da gleba, que se revolta violen-tamente contra os «Bathe/les) can determinadas oc,asiOes,mas 6 incapaz de pensar-se a si pr6prio come membrode uma colectividade (a nacao para os proprietaries e aclasse para os proletarios) e de desenvolver uma accaosistematica e permanente corn vista a mudar as relagOeseconOmicns e politicas da convivencia social.

A psicologia dos camponeses era, em this condicOes,incontrolavel; os sentimentos reais permaneciam ocultos,implicados e confundidos num sistema de defesa contraas exploracees, meramente egoista, sem continuidade16gic,a, formado ern grande parte pela passividade e fin-gido servilismo. A luta de classes confundia-se cam bri-gas, corn ameacas, corn o incendio dos bosques, corn aperda de gado, corn o rapto de criancas e mulheres, corno a csalto ao municipio: era tuna forma de terrorismoelementar, sem consequencias estaveis e eficazes. Objec-tivamente, a psicologia do campones reduzia-se, pot-tan-to, a uma pequenissima soma de sentimentos primor-dias dependentes das condicOes socials criadas pelo Esta-do democratioo-parlamentar: o campones era deixadocompletamente ao arbitrio dos propriethrios, dos seusdelatores e dos funcionarios pUblioos corruptos, e a preo-cupacio maior da sua vida era a de defender-se fisica-mente das insidias da natureza elementar, dos abusose da barbaric cruel dos proprietaries e dos funcianariosmiblicos. 0 campones viveu sempre fora do dominio dalei, sem personalidade juridica, sem individualidademoral: permaneoeu um element* anarquioo, o Memoindependenbe de urn tumulto ca6tico, travado apenas pelomedo do carabineiro e dal diabo. Nao compreendia aorganizacao, nao compreendia o Estado, nao compreen-dia a disciplina; paciente e tenaz na fadiga individualde extrair da natureza eReassos e magros frutos, capazde sacrificios inauditos na vida familiar, era impacienth,violento e selvagem na luta, de classe, incapaz de im-

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por-se uma finalidade geral de aced° e de persegui-lacorn a perseveranca e a luta sisternaticas

Quatro anos de trincheira a de explorac5,o do sanguemudaram radioalmente a psicologia do campones. Estamudanca verificou-se especialmente na Russia e 6 urnsdas condicOes essenciais da revolucao. 0 que naodeterminado a industrializacao corn o seu normal pro-cess° de desenvolvimento, foi produzido pela guerra.A guerra obrigou as nacees mais atrasadas do pantode vista capitalista e, portanto, memos dotadas de methsmecanicos, a mobilizarem todos os homens disponiveispara opor massas profundas de carve viva was instru-menths helices dos Imperios centrais. Para a Rilssia, aguerra significou a tomada de contacto de individuosanteriormente perdidos num vastissimo territ6rio, sig-nificou uma concentracao humana ininterrupta por anose anos de sacrificios, com o perigo sempre imediato damatte, debaixo duma disciplina igual e igualmente feroz:os efeitos.psicolOgicos da manutencao de condiOes seme-lhantes de vida colectiva, por tante tempo, foram imen-sos e ricos de consequencias imprevistas.

Atenuaram-se os instintos individuals egoistas, mode-lou-se um espirito comum unitario, assemelharam-se ossentimentos, formou-se urn habit° de disciplina social:os camponeses conceberam o Estado na sua complexagrandiosidade, na sua desmesurada potencia, na suapomplicads, construcao. Conceberam o mundo, nao jacomo urns coisa infinitamente grande c,omo o universe eestritamente pequena como a terra da aldeia, mas nasua realidade de Estados e povos, de forcas e de fraque-zas socials, de exercitos e de maguinas, de riqueza a depobreza. Entrelacaram-se relacOes de solidariedade qua,de outro modo, so dezenas e dezenas de anos de experien-cia histOrica e de lutas intermitentes teriam suscitado;can quatro anos, na lama e no sangue das trincheiras,surgiu urn mundo espiritual avid° de afirmar-se em for-mas e instituicees socials perma„nentes e dinamicas.

Assim nasceram na frente russa os Conseihos de dole-gados militares, assim os soldados camponeses puderamparticipar activamente na vida dos Sovietes de Petro-grado, de Moscovo e dos outros oentros industrials rus-sos, e conquistaram consciencia da unidade da classe

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trabalhadora; o.ssim aconteceu que, a medulla que o axe-r-eit° russo se desmobolizava e os soldados tornavam aosseus locals de trabalho, todo o territerio do Irnperio, doVistula ao Pacifico, se foi cobrindo de urns continua rede

• de Conselhos locals, erg los eleanentares da reconstrucaoestatal do povo russo. Nests nova psicologia se funda-ments a propaganda commis* irradiada das cidadesindustriais e se fundam as hierarquias socials livremen-te propostas e aceites atravas das experiencias de vidacolectiva revel/icier/Aria.

As condicOes histOricas da Italia nao exam e ado slomuito diferentes das russas. 0 problema da unificacao declasse dos opera/les e dos camponeses apresenta-se nosmesmas termos: acontecera na pratica do Estado soda-lista e fundamentar-se-a na nova psicologia criada pelavida comum da trincheira.

A agricultura italiana deve transformar radicalmen-te os seus processes pares sair da °rise determinada pelaguerra. A destruicao do gado impOe a introclucao dasmacluirlas , iQnpoe uma raPida Pa ssagem a cultura indus-trial conjugada corn a disponibilidade de instituicOestecnicas ricas de meios. Mas uma tal transformaCao naopode suceder em regime de propriedade privada semdeterminar um desastre: é necessésio que ela se produ-za num Estado socialista, no interesse dos camponesese dos operarios, associados em unidades comunistas detrabalho. A introducao das maquinas no process° de pro-duclo suscitou sempre profundas crises de desemprego,s6 superadas lentamente pela elasticidade do mercadode trabalho. As condicOes de trabalho perturbaram-se

'hoje radicalmente: o desemprego agririo tornou-se japroblems irresohivel pela efectiva impossibilidade deeanigrar; a trsnsformacao industrial da agricultura sepode acontecer corn o consenso dos camponeses pobres,stray& duma ditadura do proletariado que se incarnenos Conselhos de operarios industrias e de camponesespobres.

Os operarios das fabricas e os camponeses pobressilo as duns energias da revolucao proletaria. Para eles,especialmente, o comunismo represents uma necessidadeexisthncial: o seu advento significs a vida e a liberdade,a permanencia da propriedade privada signifies o peri-

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go iminente de serem desfeitos, de tudo perderem, atea vida fisica. Eles sao o element° irredutivel, a continui-dade do eleanento revolucionexio, a ferrea vontade de naoaceitar compromissos, de prosseguir implacavelmenteate as realizaceies integrals, sem se desmoralizarem cornos insucessos parciais e transiteries, sem alimentaremmantas cishasOes own as sucessos faceis.

Sao a espinha dorsal da renrolucao, as ferreos bata-lhOes do exercito proletirio que avanca, derrubando coinimpeto as obsticulos ou assediando-os corn as suas mareshumanas que minam, corroem corn trabalho paciente, cornincansavel sacrificio. 0 comunismo é a sus oivilizacao,e o sistema de coaadicOes histOricas pelas quais conquis-tan° ulna personalidade, uma dignidade, urns cultura,tornando-se espirito criador de progress° e de beleza.

Qualquer trabalho revolucionario s6 tern probabilida-de de sucesso quando se baseia nas necessidades da suavida e nas exigencias da sua cultura. E indispensavelque os leaders do movirnento prolotario e socialists ocompreendam. E e necessario que oompreendarn coma éurgente o problema de dar a esta forca incoercivel darevolucao a forma adequada a sua psicologia.

Nas condicOes atrasadas da economia capitalists,antes da guerra, nao tinha lido possivel a aparicao e odesenvolvimento de vastas e profit/Was organizacãescamponesas, nas quais se educassem os trabalhadoresdos campos pares uma concepcao organica da luta declasse e disciplina permarnente necessaries pares a recons-trucao do Estado, depois da catastrofe capitalists.

As conquistas espirituais realizadas durante a guer-ra, as experiencias comunistas acumuladas em quatroanos de exploracao do sangue, sofrida colectivamente,brag° a braco use trincheiras de lama e sangue, podemperder-se se nao se conseguem inserir todos os indivi-duos em Orgaos de vida nova colectiva, no fundament° ena pratica dos quais as conquistas podem solidificar-se,as experiencias podem desenvolver-se, integrar-se, serdirgidas conscienternente pan se aka/war uma finali-dads histeries concreta. Assim organizados, os campo-nenses tornar-se-ao urn elemento de ordem e de progres-so: abandonados a si preprios, na impossibilidade dedesenvolver urns accao sistematica e disciplinada, aca-

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bard° por se transformar num tumulto confuse, numadesordem caOtica de paix&es exasperadas ate a barbaricmais cruel dos sofrimentos inauditos que se esta° per-filando sempre mais espantosamente.

A revolucao comumista e essencialmente urn problemade organizacao e de disciplina. Dadas as candig5es reaisobjectivas da sociedade italiana, sera° protagonistas darevolucao as cidades industriais, corn as suns mas-sas compactas e homogeneas de operirios das fa-bricas. 1 precise, portanto, dedicar a maxima aten-cao a vida nova que a nova forma da luta declasse suscita no interior da fahrica e no processo deproducao industrial. Mas s6 corn as forcas dos operariosdas fabricas a revolugao nao podera afirmar-se, estivele difusamente: d necessirio soldar a cidade ao campo,suscitar no campo instituicOes de ca.mponeses pobressobre as quais o Estado socialista possa apoiar-se e de-senvolver-se, atraves das quais seja possivel ao Estadosocialista promover a introducao das miquinas e deter-minar o grandiose processo de transformagao da econo-mia agraria. Em Italia, ester obra 6 menos dificil do quese pensa: durante a guerra entraram nas fabricas cita-dinas grandes quantidades de populacao rural; sobre elaactuou rapidamente a propaganda comunista; ela doveservir de cimento entre a cidade e o campo, deve sexutilizada para desenvolver, no campo, um trabalho con-tinuo de propaganda que destrua as desconfiancas e osrancores, deve ser utilizada para que, valendo-se do seuprof undo conhecimento da psieologia rural e da confian-ca que goza, inicie a actividade nece-ssaria para determi-nar a apari 'c/a° e o de,senvolvimento das instituicOes novasque incorporem no movimento comunista as vastas for-gas dos trabalhadores dos campos.

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CULTURA E PROPAGANDA SOCIALISTA (*)

Publicainos, noutra parte ela revista, a comunicacao«Cultura e propaganda socialists* apresentada polo ca-marada Mario Montagnana ao Congresso dos jovens so-cialistas piemonteses. As teses sustentadas por Montag-nana ('), e aprovadas polo Congresso, ado as teses pornOs propostas e sustentadas- a discussao quo os congres-sistas fizeram toca-nos muito de perto.

A comunicacao Montagnana foi aprovada por unani-midade (132 delegados investidos de 4400 poderes).Foram apresentadas très ordeals do dia de solidariedadecorn a nossa revista; foi aprovado unanimemente isto:«Os jovens socialistas piemonteses, reunidos em congres-so, aplaudindo a iniciativa dos camaradas que promove-

(*) Nä° assinado, L'Ordine Nuovo, 16-8-1919, seccao «Cro-nache dell'Ordine Nuovo». 0 titulo e nosso.

( 1 ) Mario Montagnana sublinhava na sua comunicacao comoa obra de cultura socialista devia corresponder, em primeiro lu-gar, a exigência de urn «trabalho de constructio», Miro s6 da cons-ciencia socialists mas da prOpria consciencia das tarot as imensasque a revolucao apresentava aos operfirios. Montagnana acrescen-tava: «L'Ordine Nuovo deve ser, pars os jovens socialistas, oque era, poucos anos antes, pars a parte mais inteligente daburguesia, a revista La Voce que se publicava em Florenca. Doveser o fulcro volta do qual se desenvolvem e se explicam todasas inteligencias e todas as vontades de compreender e de saber.»Cf. o texto reproduzido na antologia de ON, da aerie La culturaitaliana..., cit., pp. 237-243.

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ram a publicacao de Ordine Nuovo, empenham-se paraquo seja difundida na regiao, entre as massas operariase camponesas, para aquela propaganda de reconstrucaoque consideram nece.ssaria.,

As observacOes feitas a revista dizem respeito a «thopopularidade elemental. , dos artigos all inseridos. 0 ca-marada Montagnana respondeu quo a propaganda fun-damental quo hoje se deve desenvolvor dove ser diversada traditional. Devemos hoje difundir a persuasao deque os problemas econOmicos e morals desencadeadospela guerra s6 podem resolver-se na Internacional comu-nista entendida come urn sistema mundial de ditadurasproleta.r. ias. Devemos difundir nocbas exactas sobre oconceito de ditadura proletaria, entendida como sisto-ma national de Conseihos operarios e camponeses orga-nizado em pdder estatal e tendente a suprimir as classese a propriedade privada, geradora dos conflitos e dadesordem actual. Devemos educar os proletarios para a 'gestAo da fabrica comunista e para o autogoverno Masesta tarefa quo os socialistas se propOem masa pole serdesenvolvida simultaneamente em tales os estratos daclasse trabalhadora: é necessArio promover a for-mac/4)de hierarquias de cultura, a formagao de uma aristocra-cia dos comunistas de vanguarda, dos jovens mais volun-tariosos e mais capazes de trabalho e de sacrificio. A as-ses pertencerA a tarefa de tornar populares os concel-tos revolucionarios, de desenvolve-los entre as massaslocals, adaptando-os as diferentes psicologias, enrique-condo corn o seu espirito os problemas particulares dasregiees, dos diferentes sectores prolet6.rios e semiprole-taxies. L'Ordine Nuovo tinha-se proposto esta tarefa:promover a criacao de g-rupos livremente constituidosno interior do movimento socialista e proletario para oestudo e a propaganda dos problemas da revolucaocomunista. Em tree mesas de vida, obteve enormes resul-tados: a proposta de Montagnana para a constituicao dec,omisseies de cultura nos centros juvenis é urn destes re-sultados; •o movicmento que se iniciou nas fabricas deTurim para a transformacao (Ins velhas comissoes inter-nas em comissOes de delegados de seccAo, que nestes dias

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se concretizou nas fabricas da Fiat-Centro (a primeirafabrica italiana que tera o novo instituto proletArio), éoutro destes resultados. Sistematizar esta propagandainiciada poles amigos de Ordine Nuovo é a tarefa actual;realizou-se ja uma reuniao a este propOsito, outras sevied() a realizar. Informaremos os leitores acerca dasdeLiberackes que all serao tomadas.

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rt

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AOS DELEGADOS DE SECCJ10 DAS OFICINASFIAT-CENTRO E BREVETTI (*)

Camaradas!

A nova forma que a comiss5,o interna assumiu navossa fabriea, cam a nomeacao dos comissarios de sec-cao ( 1 ), e as ddiscussOes que precederam e acompanharamesta transformacäo nao passaram inadvertidas no campooperario e patronal de Turim. De um lade, dispOem-se aimitar-vos os operarios de outros estabelecimentos da ci-dade e da provincia, por outro os proprietaries e os seusagentes directos, os administradores das grandes empre-sas industriais, olham para este anovimento corn interes-se crescente e perguntam-se e preguntam-vos qual afinalidade pars que tende, qua] o programa que a classeoperaria de Turim se propee realizar.

Sabemos que pars determinar este movimento, o nos-so jornal the contribuiu pouco. A questäo foi all exami-nada nao apenas de um ponto de vista tedrico e geral,mas recolheram-se e expuserarn-se os resultados das ex-periencias dos outros paises pars fornecer os elemento,scorn vista ao estudo das aplicaches praticas. Sabemos,

(*) Assinado L'Ordine Nuovo, L'Ordine Nuovo, 13-9-1919.( 1 ) A campanha de Ordine Nuovo pars as novas instituicaes

operarias, iniciada pelo editorial Democratic operatic, (cf. pp. 337do primeiro volume) desenvolveu-se num debate nas colunas darevista e entre os trabalhadores metabirgicos de Turim duranteo Verde inteiro de 1919, coin vista a renovagfto das comissOesinternas. 0 velho modo de eleiflo da CI era escassamente demo-

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porem, que o nosso trabalho teve urn valor relative, sa-tisfez uma necessidade, favoreceu a concretizacão deuma aspirachlo que era laterite na consciencia das massestrabalhadoras. Per isso nos entendemos tao rapidamen-te, por isso se pede passer tao seguramente da discos-saea realizacao.

A necessidade e a aspirecao, de que extrai a sue ori-gem o movimento renovador da organizacao operariapor ves iniciado, estao, cremos, nas preprias coisas, sac,uma consequência directs do ponto aloancado, no seu de-senvolvimento, pelo organdsmo social e econemice bocce-do na apropriacao privada dos metes de colocacão e pro-ducao. 0 operario der fabrica e o campones dos eampos,o mineiro ingles e o mugik russo, todos os trabalhadoresdo mundo inteiro, intuem hoje, de modo mais ou menosseguro, sentean de modo mais ou menos direct°, a verde-de que homens de estudo tinham previsto e de que estaoadquirindo a certeza sempre maior quanto observam osacontecimento deste period° da histeria da humanidade.Somos chegados ao ponto em que a classe trabalhadora,se na.° quer renunciar a tarefa de reconstrugdo que esternos seus factos e na sua vontade, dove comecar a orde-nar-se de modo positivo e adequado pare o fim a alcan-car.

E se 6 verdade que a sociedade nova sera baseada notrabalho e na coordenagao das energias dos produtores,os lugares onde se trabalha, onde os produtores vivem eoperam em comum, sera° amenha os centros do organis-mos social e deverao ocupar o Luger das entidades direc-tives da sociedade moderna. Assim come, nos primeirostempos de luta operiria, a organizacalo. por profissao era

crate° e representativo: a deka° dos membros era praticamentedecidida pela Flom, convalidada por uma assembleia dos sack'safederados» na organizacao sindicaL Em seguimento as indica-vies de Gramsci, todos os operarios da Fiat Brevetti (cerca de2000) elegem, secervo por seccao, os seus delegados. Estes formamo Conselho de fabrics que exprime urn camita executivo ou novacomissao interna. 0 exemplo 6 seguido pelos operarios da FiatCentro, em seguida pelos de outras secgOes do grande complex°,de Savigliano, da Lancia, etc. Nos fins de Outubro de 1919, onovo sistema de deka°, o sistema dos Conselhos, é actuado por30 000 metalargicos que, na Primavera de 1920, sera° 150 000,em Tarim.

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a que melhor se prestava aos objectives de defesa, asnecessidades das batalhas pars o melhoramento econe-mioo e discipliner imediato, tambem hoje, que comecama delinear-se (e sempre maior consistelncia estao toman-do na mente dos operbxios) os objectives reconstruti-vos, 6 necesserio que surja, simultameamente e em apoioda primeira, uma organizacao de fabrics, verdadeiraescola das capacidades reconstrutivas dos trabalhadores.

A massa operiria dove preparar-se efectivamentepars a conquista da complete autoridade de si prepria,e o primeiro passo nesta via ester representada na sue

i l mais solids discipline na fabrics, de mode autenomo,espontaneo e livre. Nem se pode negar que a disciplineique se instaurard corn o novo sistema conduzina a urnmelhoramento da prodlicao, mas into nao representamais do que a verificacao dame das teses do socialismo:quanto mais as forces produtivas humanas, emancipan-do-se da escravidao a que o capitalism° as desejaria paresempre condenar, tomam consciencia de si, se libertame livremente se organizam, tante melhor Mende a trans-formar-se o mode da sue utiliza4o (o hoanem trabalhatisempre melhor do que o escravo). Aos que, porean, objec-tam que deste modo se acaba por colaborar corn os nos-sos adversaries, corn os proprietaries das eanpresas, res-pondemos que, polo oontrario, este é o Unice meio delhes fazer sentir concretamente que o preximo é o fimdo seu domfnio, porque a classe operaria concebe je, apossibilidade de dirigir por si e de faz6-lo bean; ou me-lhor, eta adquire, dia apes die., a certeza clarissima deser a Unica capaz de salver o mundo inteiro da ruins eda desolacao. Por isso cads acCao que voces. empreendem,cads batalha conduzida sob a vossa direccao, sera ilu-minada pela luz da finalidade Ultima que este no animo enas intencees de todos yes.

Conquistarao urn grande valor, portant°, tambem osaetos aparentemente de pouca importancia nos qusis seexplicari o mandato que vos a conferido. Eleitos porum operariado no qual Gado ainda numerosos os elementosdesorganizados, o vosso primeiro cuidado sera certamen-te o de faze-los entrar nas fileiras da orgailizaga°, traba

-lho que de resto vos sera facilitado pelo facto de eles

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encontrarean em yes o elemento sempre pronto a defen-de-los, a guii-los, a inicia-aos na vide da fabrica. Mos-trar-lhes-ao corn o exemplo que a force do operario estetoda na uniao e na solidariedade corn os seus camaradas.

Assim ta.mbem vos competira vigiar pare que sejamrespeitadas, etas &ogees, as regras de trabalho fixadaspelas federacees de oficio e aceites nos contratos, vistoque, neste camp°, mesmo uma leve revogacao dos prin-cipios estabelecidos pode constituir uma ofensa graveaos direitos e a personalidade do operirio, de querndevem ser rigidos e tenazes defensores. E uma vez que,yes preprios, vivereis continual-ciente entre as operarios,podereis conhocer sempre as modificagees que sera ne-cessario, pouco a pouco, introduzir nos regulamentos,modificacees impostas quer pelo progresso tecnieo daproducao quer pela progressive consciencia e capacida-de dos preprios trabalhadores. Deste modo se constituiraum habit° de fabrica, element° primeiro der verdadeira eefectiva legislaCio do trabalho, isto e, des leis que osprodutores elaborarao e darato a si preprios. Estamoscertos que a importancia deste facto nao vos escape, queisso a evidente perante todo o operariado que prontamen-te e corn entusiasmo compreendeu o valor e o significadodo trabalho que se prop& desenvolver: inicia-se a inter-vencao active, no campo tecnico e no discipliner, dasproprias forces do trabalho.

No camp° tecnico poderao, por um lado, cumprir urnutilissimo trabalho informativo, reeolhendo dodos e ma-terials preciosos quer pars as federacees de ofido querpara as entidades centrals e directives das novas orga-nizacees de fabrics. Mem disso devem tenter que os ope-rarios de seccao adquiram tuna cads vez maior capaci-dade, fazendo idesapareoer os mesquinhos sentimemtosde chime profissional que ainda os dividem e mantemdiscordantes; treina-' los-eis assim pars o dia em que,trabalhando nao ja pare o patrao mas pare si, lhes sera°necessaries a =A° e solidariedade pare aumentar aforge do grande ext./tit° proletario de que sao as pri-meiras cêlulas Porque nao pensam em fazer surgir, naprepria fabrics, anexas secesees de bast:cacao, verdadeirasescolas profissionais, onde cads operario, elevandose da

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fadiga que embrutece, posse abrir o espirito a conscien-cia dos prooessos de produced°, melhorando-se a si pro-prio?

Deoerto que pare fazer tudo isto sera necessaria dis-cipline, mas a discipline que requererao a massa opera.-ria 'sere bem diverse da que impunha e pretendia o pa-tree, fortalecido com o direito de propriedade que theconfere urns posicao de privilegio. yes estareis fortale-cidos corn um outro direito, o do trabalho que, depoisde ter sido por &Silos instrumento nasnthios dos seusexploradores, pretende hoje redimir-se, ,dirigir-se por sipreprio. 0 vosso poder, oposto ao dos patroes e dosseus oficiais, represented., em confront° corn as forcesdo pas-gado, as forces livres do futuro, que esperam a suahora e a preparam, sabendo que sera a hora da redencaode todas as formes de escravidao.

E assim os Orgaos centrals quo surgitho pars cadsgrupo de oficinas, pare cads grupo de fabric,as, parecads cidade, pars cads regiao, ate urn supremo Conselhooperatic) national, prosseguirao, alargarao, e intensifi-care° o trabalho do controlo, de preparacao e de orde-nagao do toda a classe, corn finalidades de conquista e degoverno.

0 caminho nao sera nem breve nem Mei!, isto e sa-bido: muitas dificuldades surgirao e vos serao opostr;e pare superd-las ocorrera o use de grande habilidade,ocorrerd fazer apelo a force da classe organizada, ocor-rerd sempre que estejam animados (e orientados parea accao) por urns grande fê, mas o que mais importa,camaradas, a que os operesios, sob a vossa direccao edos quo vos imitarao, adquiram a viva certeza de cami-nhar, seguros de alcancer a meta, sobre a grande estra-da do futuro.

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SOCIALISTAS E ANARQUISTAS (*),

Frequentemente 6 reprovado sos anarquistas o factode dedicarem a sua actividade de propaganda mais a lutacontra os organismos politicos e corporative& do prole-tatiado do que a luta contra-clasie dominante. Objec-tivamente, o facto 6 irrefutivel. 0 froblema a estudare, porem, este: podem os anarquistas proceder de mododiverse? Poderiam desenvolver uma actividade perma-nent° e organica se nao existisse a organizacao socialis-ts e proletaria?

Existe uma doutrina anarquista? Existe apenas urnconjunto de aforismos, de sentencas gerais, de afirma-cOes peremptOrias, a que os •anarquistas chamam a sus«doutrina»: e o metodo seguido pales anarquist's no de-senvolvimanto da sua accäo consiste em aceitar, eclecticae empiricamente, todas as criticas a ordenacao actual quereputam capazes de promover urn estado de crise e demal-estar psicolOgico, fundando nisto as suas afirma-gbes, os seus aforismos, as sues senterigas. Os anarquis-tas nao tern tuna conceperao organica do mundo e da his-teria : Osin os efeitos, os fenOmenos vistosos, nao ascauses, nao a continuidade do processo histOrico que serevels, s6 come mero indicio, nestes efeitos e nestes fen6-menos. Per isso tem neoessida.de de inserir-se numaforga real — a organizacão politica e corporativa dos tra-balhadores — que Mere plasticamente ao processo his-

(*) Nä° assinado, L'Ordine Nuevo, 20/27-9-1919.

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tOrico: daqui extraem a ilusäo de serem — de seremuma forca difusa e organica, e esta ilusao 6 a sua razaode ser.

A Cdoutrinas anarquista vale parer todos os tempose para todos os lugares, baseia-se na catureza> huma-na, a qual deveria ser governada por leis fixas eveis, que sao precisamente as chamadas deis da natu-rezax. A natureza humana e o espirito; a lei oonstanteque governa o espirito na sua mais alter manifestacao— o pensamento — determina uma procura continua deliberdade, uma continua luta contra os preconceitos,contra as anglistias, contra as limites impostos pelatradigao, pela religiao, pela falba de espirito critico:k A<Kdoutrina4 anarquista 6 urn reflexo cristalizado e eanpo-brecido, em formulas dogmaticas e incoerentes, de umatendencia filosefica quo ainda nao alcancou uma matu-ridade e uma sistematizacao organica.1

No momenta da sua maturidade, esta doutrina filo-sefica demonstrou que a filosofia e a histOria coincidem:no fenOmeno de simbiose anarco-socialista podemos cons-tatar a verdade objectiva desta demonstracao. No regi-me de concorrencia determinada pela propriedade priva-da, as correntes sociais tendem a pessoalizar uma mani-festacao histOrica geral: as socialistas apoiam-se nasmanifestacees profundas da vida social, na estruturaeconomics que condiciona todas as formas da vida social ;os anarquistas apoiam-se nas leis constantes do espirito,na liberdade, no pensamento (Kanarquista e o pensamen-to, etc., etc.3,) ; em cenjunto, deveriam tender para arealizacao objectiva da unidade do pensamento e da ac-cap' da histOria e da filosofia.

Ern vez disso, sao adversarios, e sac-no porquanto ostanarquistas sae adversdrios permanentes dos socialistas(os socialistas sao adversarios do capitalismo e comba-tem os anarquistas apenas quando eles se revelam incons-cientes instrumentos da forca capitalista), ainda que senutram e vivam apenas porque inseridos no tecido hist6-rico que os socialistas organizamm paciente e tenazmente.

Os socialistas, os comunist qs exit:ices, tern, pelo con-trario, uma doutrina sader e ortanica e tern urn metodo,o metodo dialectic°. E porque tean uma doutrina, tem

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urns personalidade bem distinta e urn dominio prOpriobem def ini d o.

A lei essential do homern 6 o ritmo da liberdade, ahist6ria do genera human 6 urn process° ininterruptoe indefinido de libertacao Mas a liberdade nao 6 qualquercoisa de fixo, de imutavel no tempo e no espaco.

Individualmente, a liberdade 6 uma relagao de pensa-mento, condicionada pela cultura do individuo: 6 tantomais livre quanta mais «rico) de canhecimentos e de sa-ber, quanta maior 6 o seu cpatrimOnio) de experienciashist:micas e espirituais, quanto major ordem existe nosseus pensamemtos, quanta mais perfeita 6 a sua organi-zacao interior. Individualmente, portanto, o processo dedesenvolvimento ida liberdade coincide corn o prooesso dedesenvolvimento da cultura individual e, neste sentido, osanarquistas sac, os menos livres de todos os proletarios,precisamente porque nao tem urns concepgao organica domundo e da histOria, precisamente porque nab tern umadoutrina coeremte mas apenas uma massa incomposta econtraditOria de maximas, de senthncas e de axiomas.Sao escravos da sua desordem espiritual, sao servos dasformulas fixas: se a histOria e desenvolvimento, e devir,

dialectics continua, quern tern uma tdoutrinap baseadana imutabilidade nao compreende a histOria, 6 urn escra-vo dos azontecimentos, nao 6 urn criador, nao 6 umhomean livre coma, pelo contrario, o e o opera.rio socia-lists que vive uma doutrina, que tern uma concepcAodo mundo fundada na critics e na dialectica.

Na convivencia humana, come relacao entre indivi-duos, a liberdade 6 um equilibrio de forcas e concretiza--se numa organizdagao, numa ordem. Ern regime de pro-priedade privada, a liberdade politica (e em regime depropriedade privada a liberdade so pode ser politics en-quanto relacao entre individuos, entre cidadaos e naoentre oomunidade de produtores, entre associacees, comosera em regime comunista) 6 condicionada pela possedos bens materials ou pelo estar ao service de quern pas-sui os bens materials. Nero se pode dizer, portanto, queo regime burgues nao e urn regime de liberdade; toda ahistOria e uma sucesslo de regimes de liberdade, mas deliberdade individual ou politica, isto 6, liberdade formalpars todos e liberdade efectiva pars os possuidores dos

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meios de producao e de venda. Quando o Estado era(posse} individual, se era &lyre o tirano e os seas locales;quando o Estado se tornou posse dos proprieta.rios capi-talistas e latifundiarios, tornaram-se livres os proprie-tarios capitalistas e latifundiarios. Quando o Estado for(possuido} pelos trabalhadores, as trabalhadores tor-nar-se-ão livres.

A palavra (Estado} faz anbandeirar as anarquistas,porque eles veem no Estado apenas o (imutivel} prin-cipio de autoridade. Os socialistas distinguem no Estadodois aspectos. 0 Estado é para os socialistas o aparelhodo poder politico mss a taanbem urn aparelho de produ-cao e venida.

Como pricipio industrial de organizacao da ec,onomiade urn pais, o Estado deve ser conservado e desenvolvido:todos os instrumentos producao e colocacao que o ca-pitalismo deixara ao proletariado devem ser conservadose desenvolvidos pars conservar e dar incremento aobem-estar coalman. Se a concentracao 6 requerida pelanecessidade da producao industrial, ela deve ser mautidae desenvolvida ate se tornar mundial; seria loucura ecrime destruir urn instrumento de producao, sobre aexistencia do qual se baseia o bem-estar e muftis vezesa elementar possibilidade de vida da populaCao actualdo mundo, s6 porque ha cinquenta amps urn homean,ainda que grande coma Bakunine, afirmou que conceal-tracäo signifies (morte da autonomia e da liberdade}.Os socialistas sac), portanto, (estatais} so porque o pro-cess° de desenvolvimento da producao industrial criouaparelhos economicos que coincidem corn o aparelho dopoder politico, forrnando-lhe a estrutura intima.

Como principio de poder politico, o Estado dissolver--se-a tanto mais rapidamente quanta mais os trabalha-dores estiverem compactos e disciplinados na sua ordemsocial, isto 6, na fusao em nticleos agrupados pelo traba-iho, corodenados e sistematizados entre si segundo os mo-mentos da producao: do Miele° elementar do officio numaseccao, a seccao de fabrics, a fabrics numa cidade, numaregiao, nas unidades cada vez mats vastas ate ao mundointeiro. A Internacional o (Estado} dos trabalhadores,

isto 6, a base verdadeira e pr6pria do progresso na his-tOria especificadamente comunista e proletaria.

0 Estado permanecera aparelho de poder politico atequando existirem as classes, isto 6, ate quando os traba-lhadores armados nä° conseguirem dominar e possuirrealmente — atraves do Estado politico (ou Ditadura)aparelhado pelos capitalistas coma as antios do orga-baismo econ6mica— o aparelho national de producao,transformando-o na oondicao permanente da sua liber-dade.

As palavras 4<estado*, (legalidade}, atautoritarismo),etc., corn as quais os anarquistas enchem a boca, ternurn determinado valor ate que persistirem as relagOes depropriedade individual: tern um valor politico. Adquiremurn outro se concebidas coma relac5es puramente indus-trials. Os operaxios da industria eonhecem estas relacbespor experiencia directs e par isso sac, socialistas, tamuma psicologia dialectica; nazi sao anarquistas, isto 6,cristalizados numa fOrmula.

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A UNIDADE NACIONAL (P)

A burguesia italiana nasceu e desenvolveu-se afir-mando e realizando o principio da unidade nacional.Urns vez que a unidade nacional representou na histepriaitaliana, como na histOria dos outros paises, a forma deuma organizacäo tecnicamente mais pea-feita do apare-lho mercantil de producáo e de vends, a burguesia ita-liana foi o instrumento histOrico de urn progresso geralda sociedade human.

Hoje, pelos intimos e insaniveis conflitos criados pelaguerra no seu todo, a burguesia tende a desagregar anacdo, a sabotar e a destruir o aparelho econOmico taopacientemente construido.

Grabriele D'Annunzio, servo desusado da maconariaanglo-francesa, rebels-se contra os seus velhos fantoches,agrupa uma companhia de aventura, ocupa Fiume, decla-ra-se «patrão absolute, da cidade e constitui urn govern()provisOrio. 0 gesto de D'Annunzio tinha inicialmenteurn mero valor literdrio: D'Annunzio preparava e viviaos argumentos de um futuro poerna epic°, de urn futuroromance de psicologia sexual e de uma futura coleccaode «Boletins de guerra» do comandante Gabriela D'An-nunzio.

Nada de extraordinario e de monstruoso na aventuraliteraria de Gabriele D'Annunzio: a possivel que numaclasse, politica e espiritualmente 85. porque 6 coesa e

(*) Ndo assinado, L'Ordine Nuovo, 4-10-1919.

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organizada economicamente, existam individuos politi-camente lames porque desequilibrados, porque nao ins-'critos numa realidade econOmica concreta.

Mas o coronel D'Annunzio encontra sequazes, conse-gue que uma parte da classe burguesa assuma uma for-ma, articulando a sua actividade no gesto de Fiume.0 governo de Fiume contrapOs-se ao governo central, adisciplina armada do governo de Fiume contrapOs-se

disciplina legal do governo de Roma.0 gesto literario transforms-se num fen6meno social.

Como na Russia os governos de Omsk, de Ekaterinodar,etc., o governo de Fiume, em Italia, foi assumido comoa base de uma organizacio do Estado, coma a energia 55.que representa o .verdadeiro, povo, a cverdadeira, von-tade, os cverdadeiros* interesses, a qual deve expulsarda capital os usurpadores. D'Annunzio este. para Nitticomo Kornilov para Kenemski. 0 gesto literthlo desenca-deou em Italia a guerra civil.

A guerra civil foi desencadeada precisamente pelaclasse burguesa que Canto a recusa, corn palavras, por-que guerra civil significa de facto choque dos dois pode-res que disputam, a mao armada, o governo do Estado,cheque que se verifica, nao em campo aberto entre doisexercitos bem distintos, alinhados regularmente, maspr6prio cerne da sociedade, como choque die grupos dis-persos, como multiplicidade caOtica de conflitos armadas,em que, para a grande massa dos cidadlos, nao 6 possivelhorizontarem-se, em que desaparece a seguranca indi-vidual e dos bens, sucedendo-lhe o terror, a desordem, acanarquia). Em Ithlia, come em todos os outros paises,como na Russia, coma na Baviera, coma na Hungria, é aclasse burguesa que desencadeia a guerra civil, que imer-ge a nacao' na desordem, no terror, na canarquia›. Arevalued° comunista e a ditadura do proletariado foram,na Rfissia, na Baviera, na Hungria e sera° em Italiaa tentativa suprema das energias sas do pais para tra-var a dissolucdo, para restabelecer a disciplina e a or-dem, para impedir que a sociedade se abisme na barba-rise animal inerente a fome determinada pela cessacdodo trabalho util durante o periodo do terrorismo bur-gu6s.

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Uma vez que isto sucedeu, uma vez que o gestorario deu inicio a guerra civil, uma vez que a aventuradannunziana revelou e deu forma politica a um estadode consciencia difuso e profundo, conclui-se daqui quea burguesia morreu come classe, que o cimento econ6-mica que a tornava caeca se corrompeu e destruiu pelostrinfantes antagonismos de c,asta, de grupo, de classe, deregido; conclui-se daqui que o Estado parlamentar janao consegue dar forma concreta a realidade objectiveda vida econ6mica e social da Italia.

E a unidade national, que se resumia nesta forma,fende-se sinistramente. Quern se admiraria de ler ama-nlia a noticia de que em Cagliari, em Sassari, em Messi-na, em Cosenza, em Taranto, em Aosta, em Veneza, emAncona... urn general, um coronel ou ate urn simplestenente dos audaciosos tenha conseguido fazes amotinarurn sector da tropa, tenha declarado aderir ao governode Fiume e tenha decretado que os cidadlos da sua juris-dine ja nao devem pagar os impostos ao governo deRoma?

0 Estado central, o governo de Roma, representshoje os debit/as de guerra, representa a servidao para corna finanga internacional, representa urn passive de cemmil milhOe,s. Eis o reagente que corr6i a unidade nacio-nal e o conjunto da classe burguesa; eis a causa subter-ränea que ilumina o facto de come cada acto de indis-ciplina «burg-uesa», de indisciplina no Ambito da pro-priedade privada, de inssurreigao •reaccionaria) contra ogoverno central, encontra aderencias, simpatias, jornais,dinheiro. Se um tenente audacioso funda um governo emCagliari, Messina, Cosenza, Taranto, Aosta, Ancona,Udine, contra o governo central, torna-se o eixo de todasas desconfiancas, de todos os egolsmos das classes pro-prietarias do lugar, encontra simpatias, adesaes, dinhei-ro, porque estes proprietaries odeiam o Estado central,desejam exonera.r-se do pagamento dos impostos que oEstado central deve impor para pagar as despesas deguerra.

Os governos locais, dissidentes sobre a questdo deFiume, tornar-se-ao a organizacao destes antagonismosirredutiveis; tenderao a manter-se, a criar Estados per-manentes, como aconteceu no ex-Imperio russo e na mo-

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GEORGE SOREL (•)

George Sorel, em Resto del Carlin de 5 de Outubro,afirma: «A legislacho bolchevista of ecrece-nos uma tra-ducho pragmitica do comunismo; instituiu Conselhos decontrolo das fibricas, nomeados pelos operirios. Se estesem vez de perguntarem a Kaustsky e aos sous 6muloso tracado da cidade futura, cumprirem a sua educachoindustrial, conquistando mais largos poderes nas fibri-cas, desemvolverho trabalho de comunistas! A exPerien-cia que se cumpre nas oficinas Fiat tem maior impor-thncia do que todos os escritos publicados sob os aus-picios da Veue Zeit (a revista do marxismo doutrinarioalemio).3, 0 juizo de Sorel concords corn o que Lenineatribui a importancia dos Conselhos dos delegados deoficina, acrescentando quo os teericos da III Interna-cional nao fizeram mats do que registar o quo ji, tinhasido oonquistado pela consciencia das massas No fundo,portanto, encontramos nestas opinibes urn reconheci-mento da maturidade do proletariado de Turim que seencaminhou per esta estrada.

bom que nos entendamos, por6m, wares do valorquo atribuimos as palavras de Sorel. Nero vos parece sen-tir ja murmurar, ou afirmar decididamente que, peramor do sucesso, nos nos fazemos tambem sindicalistas?Nero tivemos ate agora ocasiho de falar longamente do

(•) Mc) assinado, L'Ordine Nuovo, 11-10-1919, sece,ito oCro-nacho dell'Ordine Nuovo». 0 titulo a nosso.

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narquia austro-hUngara. Os proprietaiHos de Sardenha,de Sicilia, die Valdaosta, de Friuli, etc., demonstrardoque os povos sardo, siciliano, valdostano, friulano, etc.,nao BA° italianos, que hi muito tempo aspiravam a hide-pendencia, que faliu o trabalho de italianizacdo forgadaconduzido polo govern de Roma coin o ensimo obriga-thrio da lingua italiana, e rnandarho memorials a Wilson,a Clemenceau, a Lloyd George... e mho pagarb.o os im-postor.

Em tais condicOes, reduziu-se a nacho italiana pelaclasse burguesa quo em todas as suas actividades tendeapenas a acumular es lucros. A Italia ester psicologica-mente nas mesmas condigOes em que se encontrava antesde 1859: mar ja nao 6 a classe burguesa que hoje terninteresse unitario em &Deno/ilia e em politica. Historica-mente, a classe burguesa italiana ja morreu, pisada perurn passivo de corn mil milh5es, dissolvida pelos .icidoscorrosivos dos sous dissidios interns, dos seus incuriveisantagonismos. A classe cnacional* a hoje o proletariado,6 a multiddo dos operazios e camponeses, dos trabalha-dores italianos que nao podem permitir a desagregada nacho, porque a unidade do Estado 6 a forma deorganismo de producho e de venda construido polo tra-balho italiano, e o patrimOnio de riqueza social quo osproletirios querem transportar para a InternationalComunista. S6 o Estado proletirio, a ditadura proletd-ria, pode hoje travar o processo de dissolucho da unidadenational porque 6 o tinico poder real que pode obrigaros burgueses facciosos a nao perturbarem a ordem

impondo-Ihes o trabalho, se quiserem comer.

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Sorel e da sua obra. 0 case 6 qua estamos muito longede a aceitar totalmente. Nao aceitamos a teoria sindica-lista, tai como a quiseram apresentar alunos e aplicado-res e que talvez nao estivesse, em principio, na mente doseu criador que depois pareceu anuir a ela. N5,o temosnenhuma simpatia por aqueles hibitos desenfreados e dereluzente vaidade mental que se introduziram no nossopais corn o name de sindicalismo teOrico. Mas, enquantoos discipulos ou os que se apresentavam como tab, seesterilizavam num jogo de pirotecnia intelectual, ou,entrados na pretties da politica e da organized°, se afo-gavam enfim, corn o pretext° de intervendo, na lamademocratice e de blocagem, Sorel era temperament°muito finamente critic° pare adaptar-se a esquematiza-gees arbitrarias e apressadas a era =limed° por ummuito sincero amor pals cause do proletariado pare per-der quelques contact° corn a vide, quelques inteligenciada sua hist6ria. 0 rigor e a precise° do raciocinio a aimpetuosidade pol6mica eram e sao acompaahados nelepor urns imediata e limpida intuido des necessidadesda vide operaria e da sus fresca originalidade. Nets suesmelhores coisas, ele parece despertar em si urn pouco desvirtudes dos seus dots mestres: a Ospera lOgica de Marxe a oomovida e plebeia eloquencia de Proudhon. E napse fechou em nenhuma fOrmula, e hoje, °wise/wand°quanto havia de vital e de novo ne sua doutrina, isto 6,a afirmada exigencia de que o motor operario se expri-ma corn formes prOprias e d6 vide a instituigOes pr6-pries, pode seguir nao s6 corn olhar plane de inteligenciamas corn o espirito piano de cornpreensaa, o movimentorealizador iniciado pelos operarios a pelos camponesesrussos a pode chamar ainda acamaradasx, aos socialis-tas de Italia que querem seguir aquele exempla.

Sentimos que George Sorel continuou verdadeiramen-te a ser o que tinha sido Proudhon, into 6, urn amigodesinteressado do proletariado. Por isso a sua palavranao pode deixar indiferentes as operarios de Tnrim,aqueles operbzios que tao bean compreendem que as ins-tituicees proletarias devem ser criadas ,por longs mho,as nao quisermoe que a praxima revolugäo nao seja maildo que urn colossal engano,.

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SINDICATOS. E CONSELHOS (*)

A organized° proletaria que se resume, come expres-sac, total da massa operaria e caanponesa, nee reparti-gOes centrals da Confederaglo do Trabaiho, atravessaurns crise con,stitucional semelhante, por natureza,crise em qua em veto se debate o Estado democratic°parlamentar. A crise 6 crise de poder e de soberania.A solucdo duma sorb: a solucao da outra, visto que, resol-vendo o problems da vontade de poder no ambito dasua organizegao de classe, os trabalhadores acabaraopor crier a base organica do seu Estado a contrapO-lo-aovitoriosamente ao Estado parlamentar.

Os operarios sentem que o complexo ida csua» orga-nizagao se transformou num aparelho tae enorme quaacabou por obedecer a leis prOprias, intimas a sua estru-tura a ao seu complicado funcionamento, mas estranhasa mass-a que adquiriu consciencia da sue missao histOri-ca de elasse revolucionesia. Sentem que a sua vontade deRoder nao consegue exprimir-se, em sentido nitido e pre-ciso, atraves das actuais hierarquias institucionais.Sentem que tambem em sua case, na case que construi-ram tenazmente corn esforgos pacientes, cimentando-acorn o sangue e corn as lagrimas, a maquina trai o ho-mem, o funcionalismo esteriliza o espirito criador e odiletantismo banal e verbalista tenth esconder em veto aausancia de conceitos precisos acerca das necessidades da

Não assinado, L'Ordine Nuovo, 11-10-1919.

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producao industrial e a nenhuma cornpreensào da .psico-logia das massas proletarias. Os operarios irntam-se porestas condigOes de facto, mas sao individualmente im-potentes pars as modificar; as palavras e as vontadesde cada tun dos homens sae ceisa muito pequena emconfronto com as leis ferre,as inerentes a estrutura fun-clonal do aparelho sindical.

Os leaders da organiza* nao se dao cents deltacrise profunda e difusa Quante mais claramente resultaque a classe operaria na.e. composta de formal aderentesa sua real estrutura histOrica, quanto mais 6 evidenteque a classe eperiria nao a enquadrada numa configura-cäo que inoessantemente se adapte As leis que gover-nam o intimo prooesso do desenvolvimento histOrico e

' real da prOpria classe, tante mais estes leaders se obsti-nam na cegueira, esforgando-se per oompor «juridica-

. mente y, os dissidios e os conflitos. Espiritos eminente-mente burocrâticos, creem quo uma condigao objectiva,radicada na psicologia, come se desenvolve nas experien-cias vivas da of icina, pode ser superada per urn discursoque convenes os interessados e corn urns ordem do dia,votada por unanimidade numa assembleia embrutecidapolo barulho e pela verborreia oratOria. Esforgam-sehoje por colocar-sea caltura do tempo, e pars demons-trar que tambem sae capazes de «meditar seriamente*,revogam as antigas e cansadas ideologias sindicalistas,insistindo penosamente ern estabelecer relacbes de identi-dade entre o Soviete e o sindicato, insistindo penosamen-te em afirmar que o sistema actual de organiza* sin-dical constitui ja a estrutura da sociedade comunista,constitui o sistema de forcas em que dove encarnar-se aditadura proletaxia.

O sindicato, na forma que assume actualmente nospaises da Europa Ocidental, 6 urn tipo de organizacaonao so diverse e,ssencialmente do Soviete mas diversetamb6m, e de modo notivel, do sindicato quo se vemdesenvolvendo na Reptlblica comunista russa.

Os sindicatos profissionais, as camaras de trabalho,as fecleragOes industrials e a Confecleracao Geral_do_Tra-Bath° 05.0 o tipo de organizacao proletaria especifico dopenodo de hist6ria dominado polo capital. Num certosentido podeThustentar-se que 4- Parte integranS da so-

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ciedade capitalists e tern uma fun* que 6 inerente ao_regime de propriedade privada. Neste periodo, no qual osindividuos valem enquanto proprietaries de mercadoriase comerciam a sua propriedade, tambem os eperarios—'tiveram quo obedecer as leis ferreas da necessidade geral,tornando-se rnercadores da sua Unica propriedade, aforca-trabalho e a intelig&cia profissional. Mais expos-tots aos riscos da concorrencia, os operazios acumulamma sua propriedade em «empresasx cads vez mais vastas ecompreensivas, criaram este enorme aparelho de conoen-tracao de came fatigada, impuseram precos e horariose disciplinaram o mercado. Assumiram de fora ou disua organizacae urn pessoal administrative de confian-ca, especialista neste genero de especulacio, de mode adominar as condie6es do mercado, capaz de estipularcontratos, de avaliar os riscos comerciais, de inicia.r ope-

rcOes economicamente "Theis. A natureza essential do

indicate 6 de concorrOncia, Mao 6 comunista. lisclicatoinao_pode ser instrumento de renovacao radical da some-( (fade: pode ofereoer ao proletariado burocratas experi-mentados, tkcnicos especialistas em questaes industrialsde indole geral, nao pode ser a base do poder proleta.-rio. Nao oferece nenhuma possibilidade de escolha dasindividualidades proletarias capazes e dignas de dirigira sociedade, por ele nao podem exprimir-se as hierar-quias em que se encarna o impeto vital, o ritmo de pro-grasso da sociedade comunista.

A .ditadura proletazia pode encamar-se num tipo deorganiza* que seja especifico da prOpria actividadedos produtores e ride assalariados, escravos do capital.0 Conselho de fabrica 6 a primeira celula delta organi-zacao. Urns vez que no Comselho esti° representadosbodes as ramos do trabalho, proporcionalmente ao con-tribute que cads profissão e cada ramo de trabalho daoa elalyoracao do objector quo a fabrica produz pant acolectividade, a instituicäo 6 de classe, 6 social. A suaraid° de ser esti no trabalho, na producao industrial,isto 6, num facto permanente e Mao ja no &traria nadivisao das classes, isto e, num facto transit/brio e quoprecisamente se quer superar.

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Por isso o Conselho realiza a unidade da classe tra-balhadora, da as masses urns coesao e urns forma queSao da pr6pria natureza da coesao e da forma que amassa assume na organizacao geral da sociedade.

0 Conselho de fabrics e o model° do Estado prole-tarRIT-Todos os problemas inerentes a organizacao doEitado proletirio sao inerentes a organizacao do Conse-lho. Decal •um e noutro o conceit° de cidadao e entrao conceit° de camarada: a colaboracao pars produzirbens desenvolve utilmente a solidariedade, multiplica asligacOes de afecto e de fraternidade. Cada urn 6 indispen-savel, cads urn esti no seu lugar e cada um tern umafuncao e urn lugar. Mesmo o mais ignorante e o maisatrasado dos operarios, mesmo o mais vaidoso e o maisccivilizado. dos engenheiros acabam por convencer-sedelta verdade nas experiencias da organizacao de fa.bri-ca: todos acabam por adquirir urns consciencia comu-nista porque compreendem o grande passe a frente querepresents a economia c,omunista em relacao a economiacapitalists. 0 Conselho é o mais ideneo Orgao de educa-cap reciproca e desenvolvimento do novo espirito socialque o proletariado conseguiu exprirnir pela experienciaviva e fecunda da comunidade de trabalho. A solidarie-dade operaria, que se desenvolve no sindicato, na lutacontra o capitalism°, corn o sofrimento e o sacrificio,positiva no Conselho, é permanente, e encarnada mesmono mais transcuravel dos momentos da producao indus-trial, esta contida na consciencia feliz de ser urn todoorganic°, urn sistema homogeneo e compact°, pelo qual,trabalhando utilmente, produzindo desinteressadamente,a riqueza social afirma a sua soberania, aetna o seupoder e a sua liberdade criadora de histOria.

A existencia de uma organizacao, na qual a classetrabalhadora se enquadra na sua homogene•dade de clas-se produtora e que tome possivel urn expontaneo e livreflorescimento de hierarquias e de individualidades dig-nas

capazes, ter& reflexos importantes e fundamentais naconstituicao e no espirito que anima a actividade dossindicatos.

0 Conselho de fabrics fundamenta-se, tambem ele,na profissito. Em cads seccao, os operarios distinguem--se em esquadras e cads esquadra é urns unidade de tra-

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balho (de profissao): o Conselho e constituido, de facto,por delegados que os operarios elegem por profissao (es-quadra) de oficina. Se o sindicato se baseia na diferen-ciacao profissional, o Conselho baseia-se 119 unidade or-ganica e concreta da profissão que at actua na disciplinedo process° industrial. A esquadra (a profissao) senteque e distinta no corpo homogeneo da classe mas, aomesmo tempo, sente-se engrenada no sistema de disci-pline e de ordem que torna possivel, corn o seu exact° epreciso funcionamento, o desenvolvimento da producao.Como interesse econOmico e politico, a profissao e parteindistinta e perfeitamente solidaria corn o corpo daclasse; distingue-se dela como interesse tecnico e comedesenvolvimento do instrumento particular que adoptsno trabalho. Do mesmo modo, todas as inthistriashomogOneas e solidarias corn o fim de realizar urns per-feita produclio, distribuicao e acumulacao social da ri-queza; mas cads indastria teen interesses distintos peloque respeita a organizacao tecnica da sua actividadeespecifica.

A existencia dos Conselhos aos operarios a directsresponsabilidade da producao, leva-os a melhorarem oseu trabalho, instaura urns •disciplina consciente e volun-taria, cria a psicologia do produtor, do criador de his-torian Os operkrios transportam pars o sindicato eatsnova consciencia e, pela simples actividade de luta declasse, o sindicato dedica-se ao trabalho fundamental deimprimir a vida econOmica e a tecnica do trabalho umanova configurac5,o, dedica-se a elaborar a forma de vidaeconomics e de tecnica profissional que é prOpria dacivilizacao comunista. Os sindicatos, que sac constitui-dos pelos melhores operdrios e mais conscientes, actuamneate sentido o moment° supremo da luta de classes e daditadura do proletariado: criam as condic5es objectivasnas quais as classes la nao podem existir nem renascer.

Isto fazem na Russia os sindicatos de indUstria.Transformaram-se nos organismos em que cads uma dasempresas de tuna certa indUstria se amalgamam, se con-jugam, se articulam, formando uma grande unidade in-dustrial. A concortencia dissipadora 6 elianinada, osgrandes servicos administrativos de fornecimento, dedistribuicao e de acumulacão, sao unificados em grandee

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centrals. Os sistemas de trabalho, os segredos de fabri-cacao e as novas aplicacOes tornam-se imediatamentecomma a toda a inchlstria. A multiplicidade de funcOesburocrâticas e disciplinares inerentes as relacees de pro-priedade privada e a empresa individual 6 reduzida aspuras necessidades industrials. A aplicacao dos princl-pios sindicais a inthistria textil perrnitiu, na Russia, umareducao da burocracia, de 100 000 empregados pan3500.

A org-anizacao, por fabrics, compOe a classe (toda aclasse) numa unidade homogenea e coesa que adere plas-ticamente ao processo industrial de producao e o dombaapara se apoderar dole defintivamente. Na organizacao,por fabrica, encarna-se portanto a ditadura prolethria, oEstado comunista que destrOi o dominio de classe nassuper-estruturas politicos e nas suas engrenagens gerais.

Os sindicatos profissionais e de inchistria ado as sell-das vertebras do grande corpo proletario. Elaborain asexperiencias individuals e locals e acumulam-nas, actuan-do a igualdade national das condigOes de trabaiho e deproducao sabre a qual se baseia concretamente a igual-dade comunista.

was pa rs que seja possivel imprimir aos sindicatosesta direccao positivamente classista e comunista e ne-cessário que os operaxios dirijam toda a sua vontade ea sua le para a consolidacao e difusao dos Conseihos,para a unificacão organica da classe trabalhadora. So-

, bre este fundamento homogeneo e sdlido florescerao edesenvolver-se-ao todas as superiores estruturas daditadura e da economia comunistas.

A ROSSIA E A EUROPA (*)

A histOria ester para fechar, corn a cadeia do factocumprido, as portal da Conferencia ( 1 ) e o trio politicoWilson-Lloyd George-Clemence_au ester pan dissolver-se.Porem, e ainda muito provavel que nak aside lunge o diado desengano mais amargo para os homens que se propu-seram meter a camisa de forcaa a Europa, talvez na es-peranca de curer-la do acesso de loucura hoanicida em quea lancou a paixao nacionalista que vigora ha mais dumseculo (apoiada, sustida e instiga.da por prepotentes ecalculistas interesses de predominio econennico) nas clas-ses dirigentes da sociedade europeia; se nao corn a espe-ranca de curer-la, pelo menos corn a de coloca-la na im-possibilidade de renovar, num esparto de tempo breve, osseus desesperadoS actos de exterminio e de destruicak,perpetrados corn tanto e triste sucasso sob os nossosolhos. E quase certo, pelo contrazio, que des comecem,a partir de agora, a olhar corn uma certa desconfiancaa sua obra apenas terminada e tenham que confessar asi preprios, no segredo da conscrancia, que trabalharamem vao.

Este parece ser, de facto, o estado de espirito dosmaiores estadistas que, em Versalhes, exararam os fun-damentos da nova Europa e no momento de se separa-rem, olhando para o edificio construido com dificulda-

(*) Nfio assinado, L'Ordine Nuovo, 1-11-1919.( I) A conferacia de Versalhes.

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de, pressentem a precariedade da obra e desesperam doseu futuro. Na verdade, nao se pods dizer que nao te-nham razao, -porque, como demonstracao decisiva dainanidade dos seus esforgos reconstrutivos, apresenta-sesobretudo a situacao oriental. All reside a causa damaior perturbacao, o punctum. pruriens (**) de todo oorganismo, dali se ergue, na hors presente, o mais enig-matic° espectro sobre o ensanguentado horizonte da nos-sa civili7agao. Pretender dar paz e ordem a Europa parsque nao seja pacificado e ordenado o imenso espago deterra oriental quo do Baltic° ao Mar Negro, dos 'Uralsao Vistula e aos Carpatos abraca mais de metade detodo o continente, é mais do que uma ilusao, 6 ulna ver-gonhosa mentira. Se 6 verdade, coma se diz, quo Cle-menceau, numa reuniao de intimos, pronunciou estaspalavras: ca questa° russa envenena todas as minhasalegrias e da-me as maiores preocupacdes sabre o futureda Franca», e preciso reconhecer que o velho jacobinotern sempre uma intuicao finissima da realidade politicae nao aliments muitas ilusOes sabre a real capacidadedos seus sucessos diplomaticos.

E tern razao; e as stuns mortals anglistias de patriotsfrances, enquanto nos comovem pouquissimo, acabampor confirmar uma tese que nests quarto de horn histh-rica deve ser partkularmente cara a todos nos socialis-tas, tese que na sua prOpria expressau paradoxal contemulna grande quantidade de verdade histOrica e que poleenunciar-se assim: ha mais de dois seculos que o destinoda Europa ester ligado a situacao politica da Rissia, demodo que os maiores acontecimentos que interessam anossa histeria de povos ocidentais sae quase o contra-golpe dos factos e das posicees do grande colosso oriental.

Muito mais do que a Inglaterra, a qual, oomo costumadizer-se frequentemente, tendo o sea-power, teria nassues mhos a sorts do continente, esta depende, pelo con-traria, da enorme massa de tenas e de humanidade queo comprime de Leste e cujos movimentos, embora lentos,embora vagarosos, sao os que, em definitivo, determinamos resultados mais imponentes e decisivos na restanteparte das regiOes europeias.

(") 0 panto culminante. — (N. do T.).

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Quem tem presente a sucessào de factos ocorridosentre os seculos XVII e XX, na disposicao geral do con-tinente, desc,obre all, sempre mais ou menos clara mastodavia decisiva, a accao russa. Desde quando Pedro, oGrande, desl000u o eixo politico do Norte, fazendo passarda SuCcia dos Vasa pars a RUssia 'dos Romanoff o pri-mado daquele Mediterraneo setentrional que 6 o Baltic°,desde quando na bacia oriental do Mediterraneo classic°

nas regiOes adjacentes dos maiores rios europeus, aopoder indiscutivel do Islam se coutrapeis vitorloso o dosmoscovitas —e os dois factos coincidem mais ou menosno tempo — esta nova linha de fares que vai do Balticoao Mar Negro, esta que eu chamarei a linha dos maresinfernos, que sao afinal os pulmbes vitals do continente,e dominada pela actividade politics e econOmica do novocorpo social da Thissia modern e, portanto, toda a cons-tituicao politica e econemica europeia nao cessou, desdeentão, de sentir o influxo da nova e formidavel potenciaquo agia e comprimia do orients.

A prova disco a que as maiores e Timis iimporlantesguerras de sucessao e de equilibrio, combatidas na Euro-pa nos Ultimas seculos, foram travadas e decididas sobesta press.5,o, e o sistema nefasto das aliancas, que atiroumuito frequentemente os varios grupos de nagOes euro-peias pars tho tragicos e homicidas conflitos, e inteira-mente dominado pelo prevalente peso da potencia russa.Isto verificou-se de maneira absolute por duas vezes narecente histdria da Europa, na guerra dos sete anos, quedeve a sua solucho a posicao defintiva da Russia de PedroIII e de Catarina II, e na grande luta franco-inglesa daidade revoluoionaria e imperial, que se fecha em doistempos, sempre por efeito da carts russa que jogagolpe final da partida, em 1807 em Tilsit, a favor daFranca, e em 1814-15 em Viena, a favor dos ingleses.

E, pensando bem, ate a conflagracao europeia de1914-18 foi determinada nos seus momentos fundamen-tais pela situacao russa, embora se tenha desencadeadopela rivalidade econ6mica da Gra-Bretanha e da Alema-nha, sobre a qual se tinla transplantado a inimizade he-reditaria franco-alema.

Sem a alianga russa, a Inglaterra nunca teria afron-tado a luta, enquanto depois se o desabar russo deter-

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minou a eficaz e positiva intervemno americana. Eterminado o conflito armada, a revoluna russa tomoupor assim dizer o lugar da guerra, coma facto caracte-ristico e dominante da actual situacao europeia.

A parte decisiva que a revoluno russa teve no de-curse dos ultimos acontecimentos militares e politicos,corn os quais se fechou a guerra, ja foi pasta em relevopor varias vozes. A viteria defintiva da Alianca sobreos Imperios cemtrais deveu-se It Russia. 0 rebentar darevalued° na Alemanha e na Austria-Hungria naomais do que o contragolpe do mais vasto movimentoeslavo, posto em convulsdo pela guerra. A estratágia di-plomAtica de Trotsky em Brest-Litowsk demonstrou-sesuperior A estratógia militar de Foch ( 2). Ludendorffe Hoffmann reconheceram a desmoralizano do exercitoalemao, fruto da propaganda bolchevista, coma causaprimeira da derrota e da quads do Imperio germanico.

Mas ha mais! Antes de Wilson, a revolucao russada fase Kerenski proclamou a revisao dos objectivos deguerra, compendiada na formula: nem contribuinesnem anexanes, enquanto depois Trotsk-i, lancando aovento da publicidade os tratados secretos do czarismo,condenava irremediavelmente a diplomacia tradicional,causa da tragedia actual.

Assim, par urn lade, a RUssia revolucionaria contri-buia infinitamente mais do que a tao celebrada talas-socracia britanica para fazer precipitar a sorte das po-tôncias militares do Centro, mas, por outro, a mesmaRüssia revolucionaria, muito mais do que a conclamadavitOria da Alianca, e destinada a influir na ordenanogeral da Europa e nas novas directivas da sua vida inter-nacional. 0 proletariado dos dois mundos olha hoje parsa Russia coma para urn farol. Poderia ate ser urns mira-gem, coma afirrnam nao apenas as interessadas vozes docore burgues, (que comenta, na medida dos seus desejose dos seus receios, o grande drama humane que se desen-valve nests hora soleme da histOria no teatro de urn con-

( 2 ) G. refere-se as negociacOes para o armisticio e a pazentre a Russia revolucionaria e os Imperios centrals (16 de De-zembro de 1917 — 23 de Fevereiro de 1918). Cf. a propOsito doterra: I Bolscevichi e la rivoluzione d'Ottotere, Roma, 1963.

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tinente tao vasto como metade da Europa) mas infeliz-manta tambem ndo poucas Cassandras da nossa parte,que abundam de sabedoria, talvez porque lhes falte af6. Mas a solicitude corn que as burguesias do ocidentese p5em a difamar o movimento bolchevista e a sufocar-lhe o ardor, bastaria para demonstrar que alas intuemolaramente a enormidade do perigo que as ameaca.

0 incendio aceso na Rüssia 6 de tao grande enver-gadura, tao intense e tan duravel que nao pole ser corn-paravel absolutamente com outros actos analogos quese possam assinalar na histOria. 0 tumulto dos Ciom-pi (***), a «jacqueriex, medieval francesa, os movimentosanabaptistas da Alemanha, a Gomuna parisiense de 1871,sto inocentes fogos fatuos A sua vista. 0 proletariadodos dais mundos tomou instintivamente consciencia daabsoluta novidade e da importancia decisiva da experien-cia russa. 0 seu destine, come classe, depende dela: de

re sua agitur. Into explica a profunda comocao que inva-de o espirito da multidao trabalhadora perante a majortrag6dia social ida histOria.

Aconteceu alguma coisa de semelhante nos espiritosdas medias e cultas classes europeias perante as aconteci-mentos da Franca revolucionaria que assinalavam a des-forra do terceiro estado contra as order's privilegiadase o absolutismo monarquico.

Ate nos paises anglo-saxOnicos e na democracia nor-te-americana, destacando-se do corporativismo tradicio-nal, as massas operarias tentam hangar-se na luta social,levantando outras bandeiras de luta e de reivindicano.0 que no sistoma politico de antes da guerra represen-tou para a Europa burguesa a RUssia dos czares, seraamanhd para a Europa proletaria a Russia dos Sovietes.

(*•*) Tentativa falida dos trabalhadores da arte da 15 (Flo-renca, 1378), tendente a constituirem-se em associagOo. —(N. do T.).

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OS POPULARES (•)

Os populares constituem urn partido politico? (existeo Partido Popular Italian?) 0 que pretendem os popu-lares? Que programa de accão concreta e unitaria pro-poem a vontade social das massas italianas?

A constituicdo do Partido Popular tern uma grandeimportancia e urn grande significado na hist6ria danacdo italiana. Corn ela o processo de renovaeao espi-ritual do povo italiano, que renega e supera o catolicismo,que se evade do dominio do mito religioso, cria uma cul-tura e fundamenta a sua acesao hist:Sri= em motivoshumanos, em forgas reais imanentes e operantes no pro-prio interior da sociedade, assume uma forma organica,encarna-se difusamente nas grander massas. A consti-tuicao do Partido Popular equivale, em grau de impor-tancia, a Reforma germanica, 4 a explosao inconscientee irresistivel da Reforma italiana.

0 Partido Popular /lac) nasceu do nada, por um actotaumatdrgico do deus dos exêrcitos. Junto as institui-g&es religiosas do catolicismo foram nascendo, ha algu-mas dezenas de anos, numerosissimas instituicOes decaracter meramente terreno, propondo fins meramentemateriais. Existe em Italia uma continua rede de escolasflorescentes, de matuas, de cooperativas, de pequenosbancos de en:Mit° agrario, de corporagews de oficios, ges-

(*) Nfio assinado, L'Ordine Nuovo, 1-XI-1919, seccAo «Lasettimana politica».

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tidas por cathlicos, controladas, directa e indirectamente,pela hierarquia eclesinstica. 0 catolicismo, expulso vio-lentamente das coisas pablicas, privado de qualquerfluxo direct° na gestão do Estado, refugiou-se In pro-vincia, encarnou-se nos interesses locals e na pequenaattividade social daquela parte da massa popular italia-na que continuava a viver, material e espiritualmente,em plena regime feudal. Verificou-se corn o catolicismourn fenOmeno em muitos aspectos semelhante ao que severificou corn os judeus: excluidos de qualquer direitode propriedade imobilia.ria, os hebreus tornaram-se osmaiores detentores de valores mOveis da cristandade econseguiram dominar, corn a sua imensa potencia

os Estados confessionals dos quais cram oprimi-dos politics e espiritualmente; privados do seu poderpdblico pelos liberals, os cathlicos organizam-se hoje,depois de serem encarnados numa multiplicidade de in-teresses econOmicos locals, num sistema de forgas so-cials, e dominam o Estado nao confessional que os tinhaoprimido espiritualmente e os tinha expulso da histdriada civilizacao.

0 catolicismo reapareceu a luz da hist6ria rims muitomodificado, muito «reformado». 0 espirit,o fez-se carvee tarn corruptivel como a fume humans, submetida asmesmas leis histOricas de desenvolvimento e de supera-CS° que Sao imanentes as institaigOes humanas. 0 cato-licismo, que se encarnava numa fechada e rigidamenteestrita hierarquia irradiante do alto, dominadora abso-luta e incontrolada das multidepes, fidis, transforms-sena pr6pria multidao, na emanacäo das multidees, en-carna-se numa hierarquia que solicits o consenso dasmultidOes, que pode ser revogada e destruicla pelo capri-cho das multidOes, encarna a sua sortie no born e no mausucesso da accao politica e econOmica de homens queprometem bens terrenos, que querem guiar pars a fell-cidade terrena e nao apenas (e ja, nao) pars a cidade deDeus.

0 catolicismo entra assim em concorrencia, ja naocomo liberalismo, ja nao corn ,o Estado laico; entra emconcorrencia corn o socialismo, coloca-se no mesmo ter-reno do socialismo, dinge-se as massas como o socialis-

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mo, mas sera derrotado, sera definitivamente expulsopela histhria do socialismo.

Os populares representam ulna fase nocessaria doprocesso de desenvolvimento do proletariado italianoPara o comunismo. Criam o associativismo, criam a soli-dariedade onde o socialismo nao poderia faze-10 porquefaltam as condicees objectivas da economia capitalista:criam, pelo menos, a aspiracao do associativismo e dasolidariedade. Dao uma primeira forma a vaga indeciaiode uma parte das massas trabalhadoras que sentem estarengrenadas numa grande miquina histhrica quo nao corn-preendem, que nao conseguem conceber porque lhes faitso exemplo, o modelo na grande oficina moderns que ig-noram. Esta indecisao, este panic° social que 6 caracte-ristica do actual periodo, impulsiona ate os individuosmais atrasados historicamente a sairem do seu isola-mento, a procurar conforto, esperanca, confianca na co-munidade, no facto de se sentirem prdximos, na aderen-cia, fisica e espiritual, aos outros corpus e aos outrosespiritos atemorizados. Como poderia, de que maneirapoderia a concepcao socialists do mundo dar uma formaa este tanulto, a este movimecnto de forgas elementares?0 catolicismo democratic° faz o que o socialismo naopoderia: amalgama, ordena, vivifica e suicida-se. Assu-mida uma forma, tornadas potencia real, estas multi-dOes juntam-se as massas socialistac conscientes, tor-nam-se a sua continuicao normal. 0 que teria sido im-possivel para as individuos, torna-se possivel para asvastas formacOes. Tornados sociedade, adquirida a cons-c:ância da sua forca real, rites individuos compreende-Pao a superioridade do movimento socialists: «a ernan-cloaca° do proletariado sera obra do pr6prio proleta-riadoz, quererao experimentar por si, desenvolverao porsi pr6prios as suas forgas e nao desejarao mais interme-diarios, nao quererao mais os pastores como autoridade,mas compreendergo que se movem por impulso prOprio;tornar-se-ao homens no sentido moderno da palavra,homens que atingem na prOpria consciencia os princi-ples da prOpria accao, homes que despedacam os idolos,quo decapitam Deus.

Por isso nao atemoriza os socialistas o avanco im-tuoso dos populares, nao atemoriza o novo particle que

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aos sessenta mil inscritos do Partddo Socialista contra-pLe os seus seiseentos mil. Os populares estdo para ossocialistas como Kerenski para Lenine; a XXV legisla-tura do Parlamento italiano very a derrota das rapidasformacees politicas baseadas na impulsiva fome de Poderdos camponeses, como a viu a Constituicao da Rept%licademocratic:a russa.

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0 PRIMEIRO PASSO (*)

— Verdes' aalorizaram, os fura-greves, deram omesmo poder aos organizados e aos desorganizados... (1)

— Os delegados de seccao iniciaram nas oficinas urntrabalho de «limpeza ", que nao ficara sem resultados de-cisive's na criacdo de um novo costume operario, na cria-ea° (le uma mais estreita solidariedade entre os traba-lhadores; os delegados de seccao controlam toda aoficina; fa. não a possivel qualquer enredo para os mise-ra.veis que Eagan a parte de solidariedade nas greves,para as traidores da classe que semeiam o desconfortonas massag, que fazem propaganda antiproletaria, que,nos momentos de maior tensao, procuram dividir a uni-dade operaria. Hoje ha olhos pan ver, vontade paraagir; e os delegados ateiam o rabo de palha das rapos2smais astutas e mais fraudulentas. Para os desorganiza-dos... é provavel que dentro em breve ja Mae existamdesorganizados nas oficinas de Turin, afluem os pedidosde admisslo na federacao. Os delegados tern, alem domais, um interesse... pessoal em organizar todos os ope-

(*) Não assinado, L'Ordine Nuovo, 8-XI-1919, seccao «Lecronache dell'Ordine Nuovo». 0 tltulo é nosso.

(I ) Corn este «dialogo», Gramsci responde as vérias objec-cOes que comecam a ser dirigidas, muitas vezes por ()pastas ten-dencias do movimento (reformistas, maximalistas, abstencionistas),contra o novo sistema de eleicâo das cornissOes internas, dosConseLhos de fibrica, instaurado nas oficinas metalUrgicas deTurim. Os «desorganizados» säo os operfirios nito inscritos nossindicatos.

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rarios da sua inthistria; querem demonstrar que o ins-tituto operario que hoje se encarna em si e na sua von-tade nao 6 tal que possa enfraquecer o espirito desacrificio das massas, mats, pelo contrario, 6 mais id6neopars suscitar fe e entusiasmo entre os trabalhadores.Nunca as organizaceies tiveram major nUmero de propak,gandistas incansaveis e eficazes. As organizacees tinhamchegado a urn ponto morto do seu processo de desenvol-vimento; eram pletericas, no sentido ern que a massados organizados era reduzida a impossibilidade absolutade participar, de qualquer maneira, na vida do seu sin-dicato, na slut vida. Urn dia... descobrir-se-a que a ins-tituicao do Conselho de fabrica era fatal no processo dedesenvolvimento do sindicato, visto que o processo de in-crement° quantitativo se transforma, numa certa fase,em processo qualitativo, determina mud-and de forma.Entio se dird que em Ordine Nuovo se tinha encarnadoo dedo divino, a vontade cega do destino...

— Mas votes fazem a politica do Piemonte, do regio-nalismo, Sao nacionalistas, nao internacionalistas...

—A Internacional wive tambem em Turim, tambemno Piemonte; para fazer qualquer coisa a necessario co-megar. 0 Conselho de fabrica, na Russia, comecou a suaexisténcia em Sestroretz, antes de se tornar instituicaoda classe trabalhadora russa e base das experiencias pro-letarias que culminaram no Estado dos Sovietes. A exis-tencia do Conselho, em Italia, comecou em Turim nainchistria metahIrgica; 6 urn pormenor que, no futuro,sera recordado pelos eruditos. Os operarios de Turimnao ambicionam qualquer primado, qualquer privilegio,qualquer medalha comemorativa. Como bons intemacio-nalistas, ambicionam ao concreto trabalho revoluciona-rio; ninguem podera convene-los de que, ainda que sejanor:eosin° trabalhar muito, sacrificar-se muito, esclare-cer e melhorar muito, nem por isso se deixou de dar urnpasse em frente; a primeira ruptura e o primeiro passetern, porem, a sua importancia e os operarios de Turimja os executaram.

SINDICALISMO E CONSELHOS (*)

Somos sindicalistas 9 0 movimento, iniciado emTurim, dos delegados de oficina, nao a mais do que aUltima encarnacao localista da teoria sindicalista? E de-veras essa a pequena perturbacao que prenuncia as de-vastacOes do ciclone sindicalista de marca indigena, da-quele aglomerado de demagogia, de verbalism° enfaticoe pseudo-revolucionario, de espirito indisciplinado e ir-responsavel, de ma-Maya agitacao de alguns individuosde inteligencia limitada (pouca cabega e muita gargan-ta) que conseguiram ate agora, algumas vezes, extor-quir a vontade das massas, o quail ficara nos anais domovimento operario italiano corn a etiqueta de sindica-lismo italiano?

A teoria sindicalista faliu completamente na expe-riencia concretes das revolugees proletarias Os sindica-tos demonstraram a sua organica incapacidade para en-carnar a ditadura proletaria. 0 desenvolvimento normaldo sindicato e assinalado por urns linha de decadencia doespirito revolucion6zio das massas: aumenta a forgo.material, enfraquece ou esgota completamente o espiritode conquista, fragmenta-se o impulso vital, a intransi-gencia herOica sucede a prâtica do oportunismo, a pra-tica <xdo peso e da manteiga)0. 0 incremento quantitativodetermina urn empobrecimento qualitativo e tuna facil

(") Mc. assinado, L'Ordine Nuovo, 8 -XI-1919.

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acomodacao as forums sociais capitalistas, determine osurgimento de urns psicologia operdrio piolhosa, restrita,da pequena e media burguesia. E todavia a tarefa ele-mentar do sindicato 6 a de recrutar «toda. a massa, éa de absorver nos seus quadros todos os trabalhadoresda indtistria e da agricultura. 0 meio nao e portantoiti6neo ao fim e, visto quo o meio nao é mais do que urnmemento do fim que se realiza, que se pratica, deve-seconcluir que o sindicalismo nao 6 meio para a revolugao,nao é urn momento da revolugão proletaria, nao 6 a revo-lucao que se realiza, que se pratica: o sindicalismo naorevolucionario sena° pela possibilidade gramatical deacasalar as duas expressOes.

0 sindicalismo revelou-se nada mais do que umaforma da sociedade capitalista, nao uma potencial supe-racao da sociedade capitalista. Organiza os operarios nä°come produtores mas come assalariados, isto e, comecriaturas do regime capitalists de propriedade privada,como vendedores da mercadoria-trabalho. 0 sindicalismoune os operdrios segundo o instrumento de trabalho ousegundo a materia a transformar, isto 6, o sindicalismoune os ope,rarios segundo a forma que lhes imprime oregime capitalista., o regime do individualismo econ6mi-co. Servir-se de urn instrumento de trabalho em vez deoutro, modificar uma determinada materia em vez deoutra, revels capacidade e habitos diferentes da fadigae do lucre; o operatio fixa-se neste seu habito e conce-be-o nao come urn memento da producao mas como urnpuro meio de lucre.

0 sindicato profissional ou de ind6stria, unido cornos seus camaradas daquela profissao ou daquela indus-tria, corn aqueles que no trabalho usam o mesmo instru-mento ou transformam a mesma materia, contribui parssolidificar esta psicologia, contribui para o afastar cadsvez mais da sua possivel concepCgo como produtor e leva--o a considerar-se «merca,doria5) de um mercado nationale internacional que estabelece, com o jogo da concorren-cia, o pr6prio preco, o prOprio valor.

0 operirio s6 pode conceber-se come produtor se seconcebe come parte integrante de todo o sistema de tra-balho que se resume no objecto fabricado, se wive a uni-

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dade do processo industrial que exige a colaboracdo dotrabalhador manual, do qualificado, do empregado deadministragao, do engenheiro, do director tecnico. 0operario pode conceber-se come produtor se, depois dese ter inserido psicologicamente no particular processoprodutivo de uma determinada fabrica (por ex., emTurim, de uma fabrica de automOveis) e depois de seter pensado como urn memento necessario e insuprimivelda actividade de um complexo social que produz o auto-mOvel, supera esta faze e ye toda a actividade da indtis-tria produtora de automOveis de Turim e concebe Turimcomo uma unidade de producao que é caracterizada peloautomOvel e concebe uma grande parte da actividadegeral do trabalho, em Turim, come existente e possivelde desenvolvimento so porque existe e se desenvolve ainclUstria automevel e, portanto, concebe os trabalha-dores destas mtiltiplas actividades gerais como produto-res, tambOm eles, da inchistria automOvel, porque cria-dores das conclicOes necessaries e suficientes pars a exis-tencia death. indUstria. Movendo delta celula a fabrica,vista come unidade, como acto criador de um determina-do produto, o operario assoma a compreensao de cadavez mais vasths unidades, ate a nacao, que e, no seuconjunto, urn gigantesco aparelho de producao caracteri-zado pelas suas exportagOes, pela quantidade de riquezaque troca por uma equivalents quantidade de riquezaconfluente de cada uma das partes do mundo, por outrosmultiples e gigantescos aparelhos de producao em que sedistingue o mundo. Entao o operario e produtor porqueadquiriu consciencia da sua fungi.° no processo produ-tivo, em todos os seas graus, da fabrica a nacao, aomundo; entdo ele sente a classe e torna-se comunistaporque a propriedade privada nao e funcao da produtivi-dade, e torna-se revolucionario porque concebe o capita-lists, o proprietario privado, como urn ponto morto, urnobstaculo que e precise eliminar. Entao concebe o «Esta-do '' , concebe uma organizacdo complexa da sociedade,uma forma concreta da sociedade, porque ela nao e maisdo que a forma do gigantesco aparelho de producao quereflecte a vida da fabrica, corn todas as ligagOes, relacOese funcLes novas e superiores exigidas pela sua imensagrandeza, que represents o complexo, harmonies° e hie-

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rarquiza.do clafa condicOes necessarias pan que a suaincitistria, a sua oficina e a sua personalidade de pro-dutor vivam e se desenvolvam.

A pratica Italian do sindicalismo pseudo-revolucio-nario e negada pelo movimenth de Turim dos delegadosde oficina, tal coma a pratica do sindicalismo reformista:6 negada em duplo gnu, uma vez qua o sindicalismo,reformista representa a superacAo do sindienlismo pseu-'do-revolucionario. Be facto, se o sindicato so pode dar -aos operarios «pão e manteiga», se o sindicato, em regi-me burgues, sO pode assegurar urn estavel mercado dossalarios e eliminar alguns dos riscos mais perigosos paraa integridade fisica e moral do operazio, e evidente quea pratica reformista, melhor do que a pseudo-revoludo-naria, já obteve estes resultados. Se se exige de um ins-trumento mais do quanto pale dar, se se acredita que urninstrumento pode dar mais do que consente a sua natu-reza, cometem-se so despropOsitos, explica-se uma accaopuramente dernagOgica. Os sindicalistas pseudo-revolu-cionarios de Italia sao rxAo raro 'evades a discutir se naoconvira fazer do sindicato (por exempla, do sindicatoferroviario) urn circulo fechado, compreendo 66 as «revo-lutionexios», a minoria audaz que arrasta as rnassasfrias e indiferentes; isto e, sad° 'credos a rene gar o prin-cipio elementar do sindicalismo, a organizacao de tadaa massa. Porque intuem, intima e inc,onscientemente, ainanidade da «sua» propaganda, a incapacidade de osindicato poder dar urns forma concretamente revolucio-naria a consciencia do operario; porque nu.nca se puse-ram corn clareza e precisao o problems da revolucaoproletaria, porque, sequazes da teoria dos «produtores»,nunca tiveram consciencia de produtores — apresentam--se coma demagogos, nao como revolutionaries, agitado-res de... sangue posto em tumulto pelo fogo fano dosdiscursos, nao como educadores ou formadores de cons-ciencias.

0 movimenth dos delegados teria nascido e desen-volver-se-ia sO pars substituir Borghi ( i ) por Buozzi ou

0 Armando Borghi, secretfirio da Uniao Sindical Italians,de tend8ncia anarco-sindicalista. Cf. nota 2, p. 48 do presentevolume.

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por D'Aragona? 0 movimento dos delegados 6 a negacaode toclas as formas de individualisrao e de personalismo.

o inicio de urn grande processo histhrico no qual amassa trabalhadora adquire consciencia da sua indivi-sivel unidade baseada na producao, ba,seada no acto con-creto do trabalho, e da uma forma organica a esta suaconsciencia, construindo uma hierarquia, exprimindoesta hierarquia da sua intimidade math profunda parsque ela se assuma a si pr6pria como vontade canscientede urns finalidade precisa a alcancar, de urn grande pro-cess° histOrico que culminara irresistivelmente, nAo obs-tante os erros quo os individuos possam c,ometer, naoobstante as crises que as condicOes nacionais e interns-cionais pos.sam determinar, que culminara irresistivel-rnente, diziamos, na ditadura proletiria, na Internacio-nal comunista.

A teoria sindicalista nunca exprimiu urns sernelhanteconcepcao do produtor e do proc asso de desenvolvimentohistOrico da sociedade dos produtores; nunca indicou quoa organizacao dos trabalhadores devia seguir eats direc-cao e este sentido. Teorizou urns particular forma deorganizaclo, o sindicato profissional e de incitistria, econstruiu-a a partir de uma realidade, ins de uma reali-dada que tinha urns forma impressa do regime capitalistade livre concorrencia da propriedade privada da forca--trabalho; construiu, portant°, s6 urns utopia, urn grandecastelo de abstraccOes.

A tante.° do sistema dos Conselhos, fundamentadano poder da massa trabalhadora organizada por unidadede trabalho, por unidade de producao, extrai as suasorigens das experiencias histOricas concretas do prole-tariado russo, e o resultado do esforco Writ° dos cama-radas comunistas russos, nao sindicalistas mas socialis-tas revolucionarios.

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OS REVOLUCIONARIOS E AS ELEICOES (*)

0 que esperam das eleigoes os revoluciontrios cons-cientes, os operarios e camponeses que julgam o Parlormanta dos deputados eleitos por sufragio universal (parexploradores e explorados) e segundo circunscriCaesterritoriais, como a mascara da ditadura burguesa?Não esperam decerto a conquista de metade, mais urndos lugares e uma legislature que se caracterize peruma dazia de decretos e de leis que tendam a arre-dondar os Angulos e a tornar mais fad' e mais cOmodaa convivéncia das dual classes, a dos exploradores e ados explorados. Esperam, pelo contrario, que o esforcoeleitoral do proletariado consiga fazer entrar no Parla-mento um born nervo de militantes do Partido Socialistae que esse seja bastante numeroso e aguerrido paratornar impossivel, a cada leader da burguesia, a cons-tituicdo de urn governo estavel e forte, para obrigar,portanto, a burguesia a sair do equivoco democratic°,a sair da legalidade, e determinar uma sublevacao dosestratos mais profundos e vastos da classe trabalhadoracontra a oligarquia dos exploradores.

Os revoluciondrios conscientes, os operarios e cam-poneses que estao felizmente persuadidos que a revo-lug -do comunista so -bard lugar atraves da ditadura doproletariado encarnada num sistema de Conselhos opera-

(*) Ndo assinado, L'Ordine Nuovo, 15-XI-1919, seccao «Lasettimana politica».

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rios e camponeses, lutaram pan colocarem muitos depu-tados socialistas no Parlament°, porque raciocinaramdeath modo:

A revolucao comunista nao pode ser realizada cornurn golpe de mao. Mesmo que uma minoria revolucio-naria conseguisse, corn a violencia, apoderar-se dopoder, esta minoria seria derrotada, no dia seguinte,pelo contragolpe das forca.s mercenarias do capitalismc4porque a maioria nao absorvida deixaria massacrar aflor do poder revolucionario, deixaria transbordar todasas brutais paixiies e as barbaries suscitadas pela car-rupcao e pelo ouro capitalista. E necessario, portanto,que a vanguarda proletaria organize material e espiri-tualmente esta maioria de negligentes e preguicosos, 6necessario que a vanguarda revoluciondria suscite, cornos seus meios e os seus sistemas, as condicees materials

espirituais de modo que a classe proprietaria naoconsiga governor pacificamente as grandes massas dehomens, mas seja obrigada, pela intransigéncia dosdeputados socialistas controlados e disciplinados pelopartido, a atemorizar as grandes masses, a golpearcegarnente e a faze-la revolter. Uma finalidade de talgenero so pode hoje ser perseguida atravels da accaoparlamentar entendida como accao que tende a imobi-Azar o Parlament°, a tirar a mascara democratica dacara equivoca da ditadura burguesa, fazendo-a ver comtodo o seu horror e a sua fealdade repugnante.

A revolugäo comunista e uma necessidade emmais por motivos internacionais do que per motivos ine-tenths ao processo de desenvolvimento do aparelho deproducio national. Os reformistas e todo o bando dosoportunistas tern razao quando dizem que emnao existem as condicees objectivas da revolucto: ternrazao porque falam e pensam como nacionalistas, por-que concebem a Italia como urn organismo independentedo resto do mundo e concebem o capitalismo italianocomo urn fenOmeno puramente italiano. Nä° concebem

internacionalismo como realidade vivente e operantena historia, tanto do capitalismo como do proletariado.

Mas se, pelo contrario, se concebe a realidade ita-liana como inserida num sistema international, comodependente deste sistema internacional, entao muda o

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juizo histerico; e a conclusdo prates a que deve chegarcada socialists consciente, cada operirio e camponesque sinta a responsabilidade da miss5,o revolucionariada sua classe, 6 esta: e precise estarmos preparados,precise estarmos armadas pan a conquista do podersocial. 0 facto de a revolucao ser imposts pelas condi-gees do sistema internacional capitalista torna maiscomplicada e dificil a tarefa da vanguards revolucio-naria italiana mas estas complicaciees e estas dificul-dades devem impulsiond-los no sentido de serem maisaguerridos e preparados, nao devem impulsions-los paraa ilusao e o cepticismo.

Corn efeito, a revolucao encontra as grandes massaspopulates italianas ainda informes, ainda pulverizadasnum movimento animalesco de individuos sem disciplina

sem cultura, obedecendo se ace estimulos do veniredas paixtees barbaras. Por isso os revolucionarios cons-

cientes aceitaram a luta eleitoral: para criar, nestsmultidao, uma unidade e urns forma primordial, parsa ligar corn um vinculo a accao do Partido Socialists,para dar um sentido e uma ideia de consciencia politicaaos seus instintos e as suns paixees. Mas tambem perisso a vanguarda revolucionaria nao quer que estasmultidees se iludam, que se lhes faca acreditar quepossivel superar a crise actual corn a accao parlamentar,corn a accao reformista. E necessario agudizar a sepa-racao das classes, 6 necessario que a burguesia demons-tre a sua absoluta incapacidade de satisfazer as necessi-dades das multidees, e necessario que estas se persuadamexperimentalmente que subsiste um dilema nitido e cru:ou a morte pela fome, a escravidao de um calcanharestrangeiro sobre a nuca que obrigue o operaxio e ocampones a morrer sobre a miquina e sobre um pedacode terra, ou urn esforco heroico, um esforco sobre--humano dos operarios e camponeses italianos pancriar uma ordem proletaria, para supremir a classeproprieta'ria e eliminar todas as razOes de dissipagao,de improdutividade, de indisciplina, de desordem.

Somente por ester motivos revolucionarios a van-guarda consciente do proletariado italiano desceu aocampo eleitoral, se implantou solidamente na feira par-

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lamentar. Nao por uma ilusao democratica, nao porternura reformista: pars criar as condiglies do triunfodo proletariado, para assegurar o exit° do esforcorevolucionirio dirigido no sentido de instaurar a dita-dura proletaria encarnada no sistema dos Conselhos,fora do Parlamento e contra ele.

r

OS RESULTADOS QUE ESPERAMOS (*)

A Italia entrou na guerra por vontade obstinadade urn punhado de facinoras e aventureiros, mas esternao foram mais do que a expressdo vivente de urnssituacdo histOrica geral. A Italia era oprimida pelanecessidade capitalista europeia: a sua vida era umavida de reflexo, ern economia e em politica. Os partidospoliticos nao nasciam por condicOes inerentes a estru-tura do aparelho de produclo industrial e agricola da/cacao. Os partidos politicos nasciam antes pela neces-sidade de arrumar a posicao da Italia na internationalcapitalists e a sua accao visava obrigar o aparelhonational de producao a assumir a forma imposta pelosimperialismos econemicos estrangeiros. Deaths condi-cOes mOrbidas de vida econOmico-politica, se determinoua fortuna do punhado de facinoras e aventureiros queprecipitou a Italia na guerra.

Verificou-se durante a guerra, no corpo social dapopulacao italiana, uma serie de fenOmenos de umagravidade c importancia historica excepcionais. As for-gas politicas organizadas, que dominavam e imprimiaminns forma a sociedade italiana, sofreram urn processode desintegracão total, perderam todos os contactoshierarquicos corn as massas. E as mu:ma entraram emmovimento. Pressionadas, tiranizadas, exploradas, esfo-meadas pela implacavel maquina do Estado burgues,

(1 Nao assinado, Avanti! , ed. piemontesa, 17-XI-1919.

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as massas conquistaram urn sentido e Luna direccao.Morreu o individualismo animalesco, pr6prio das popu-lacOes atrasadas e sem cultura. Os homens agruparam-se,a humanidade italiana tornou-se finalmente sociedade.Mas qual e o sentido e a direccao das ma_ssa9 9 E urnOnico sentido e uma Unica direccao, consciente em todoo corpo social, ou a so ainda uma multiplicidade demovimentos incompostos de quem se procura a si pro-prio, de quem sente a prOpria inorganicidade e procuratransformar-se num organismo unita.rio, numa mas.sa-'compacts, numa disciplina?

Eis um dos resultados que os socialistas esperamdas eleigOes, e nao dos menos importantes. E eis porque os socialistas conscientes do processo de desenvol-vimento da revolucao, quiseram que o Partido partici-passe activamente nas eleicOes. Uma das condigOes detriunfo da revolucao e a organicidade unitésia e centra-lizada da psicologia popular, 6 portanto a existhnciada sociedade humana corn uma sua configuracao reale precisa. Era necessario urn acontecimento pre-revolu-cionario que fizesse convergir simultaneamente a aten-cao das ma.ssas pan. os seus problemas e para as solu-vies que, ern relacrw a estes problemas, propeem asvárias correntes politicos Era necessario que a classedirigente, por urn lado, e as multidoes, por outro, fossemobrigadas a assumir uma fisionomia, a sair do indis-tinto, generic° e tumultuoso produto da guerra, a dis-tinguir-se, a diferenciar-se em tendencias e ern correntesunité,rias.

As eleicees darao uma primeira resposta a estersexpectativas. Deste ponto de vista, tem uma impor-Lancia histerica de primeira ordem, assinalam umamudanca decisiva na vida do povo italiano porque reve-Iarao ao homem politico o sentido e a direccao dasmassas e porque agirao sobre as prOprias massas, dan-do-lhes consciencia unitaria do seu ser e do movimentode conjunto.

A revolucao saird sem chivida ref orgada das elei-cees. Este resultado a interdependente do primeiro.0 Partido Socialists revelar-se-a o fink° partido hist6-rico pan-italiano. A guerra nivelou a Italia; submeteutoda a populactio italiana a mesma exploraclo iniqua

impiedosa. 0 socialismo e invocado por todas as massasitalianas como o salvador, come o libertador. Pode afir-mar-se que a maioria dos deputados foram eleitos por-que afirmaram serem socialistas, ou antes, os izerda-deiros) socialistas, os socialistas cmelhores». Catelicos,reformistas, ex-combatentes democraticos, toda a es-cumalha dos aspirantes a directores politicos e espiri-tuais da nacao, procuraram conformar-se corn estaincoercivel aspiracao das massas, prometeram, envai-deceram-se, exageraram; todos estes aventureiros, todasestas moscas da carroca capitalists, abusaram das con-dicees do atraso cultural das massas italianas, daausencia de espirith critico, do Men entusiasmo quesuscitam ainda a enfase e a fraseolgia demagOgica.

A obra do Partido Socialists Italiano sera nitida-mente tracada pelo resultado das eleicOes. E precisoligar com vinculos mais estreitos e mais fortes as massasao partido. E preciso difundir cada vez mais a convic-can revolucionaria de que os prOprios proletarios podem

devem ser os artifices da sua ernancipacdo. E precisedestruir implacavelmente os residues de cretinismoparlamentar, as ilusoes reformistas e oportunistas.precise dizer incessantemente a verdade, pOr as massasperante o cru e atroz ricto da morte que as espera senao se organizam, se nao se unem material e espiri-tualmente para exprimir, da sua mais intima e originalraze.° de ser na histOria, o trabalho, a estrutura orga-nica do Estado dos operarios e camponeses, ao qualdevem agarrar-se e disciplinar-se ferreamente paraeliminar a exploracao capitalista, para restaurar aordem na sociedade dissoluta e embrutecida pela guerraimperialists.

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AS ELEICOES

Os resultados da luta eleitoral ( 1 ) nao modificamradicalmente apenas as relacOes de forgo, politica (de-magOgica) entre o Partido Socialista, o partido dosoperdrios e campone.ses, e os varios partidos das casas--fortes; modificatho tambem, sem ddvida, as relacOesde forga entre as instituicOes em que se encarna a luta,de classe, em que se encarna hoje o processo de desen-volvimento da revolucao proletaria. Este aspecto doproblema politico, no momento actual, deve especial-mente atrair a atenno dos operarios de vanguarda,dos revolucionarios math conscientes e responsaveis.0 problems essential da revolugao é problems de rela-cOe_s de forca entre instituipes, mss antes de o serentre instituig6e,s proletarias e instituicees burguesas,é problems de forga entre as varias e pr6prias institui-cOes do proletariado.

A constituicao de um grupo de cento e cinquentadeputados socialistas comeca por mudar, dos sindicatos

(*) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 22-XI-1919, seccao (Lasettimana politica».

(1 ) As eleic6es assinalaram urn grande sucesso para as lis-tas do PSI (1 840 593 votos, corn 156 eleitos) e uma nao menossignificativa afirmacao do Partido Popular (1 155 552 votos, corn100 eleitos). Num total de 509 deputados, a presenca de macigose numerosos grupos parlamentares do Partido Socialista e dopartido catatico perturbs o tradicional vulto da Camara, antesdominada pelos velhos grupos liberais e democraticos que ja nä°detem agora a maioria absoluta (252 lugares em 509).

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ao Parlamento, a aced° de as-sistencia das mpasas ope_rarias e camponesas. Os sindicatos desvalorizam-se, porisso, coma instrumento da luta de classes e perderao,portanto, uma grande parte do seu prestigio e da suaforca de atraccao. Se os operdrios de vanguarda naoresistirem a este reagente dissolutor, sera, despedacadourn dos instrumentos tecnicamente mais importantesda revolucão comunista Podera, em vez disso, aconteceruma sobrevalorizacao dos homens que hoje dirigem ossindicatos, as federagOes, a ConfederacaTh do Trabalho,ais cooperativas, atraves da constituicao de Conselhosnacionais, ou parlamentos do trabalho, ou comissOestecnicas, etc., etc.

A massa eleitoral votou nos socialistas porque esperaque o grupo parlamentar resolva as problemas maisurgentes e mais torturantes do apOs-guerra. Os leadersda Confederacao nao verificarao os poderes parlamen-tares, Mao se informarao se nas eleicOes participaraxnapenas os operarios e camponeses organizados, comafazem para os Conselhos de fabrica, os leaders sindica-listas sao pela democracia burguesa, nao pela demo-cracia operaria ; procurarao, de qualquer maneira, dirigira forca, parlamentar a favor da accao sindical, oumelhor, substituir uma pela outra e passar assim deviteria em vitoria.

A prOpria passagem do poder poderia acontecer dadireccao do partido ao grupo parlamentar. A direccaorepresenta apenas os inscritos do partido; o gruporepresentara alguns milhOes de eleitores e automatica-mente sera levado a sobrevalorizar, nao so na sua partereformista e centrista (que depois se revelara a maioriado prOprio grupo) mas tambem em muitissimos ele-mentos da parte revolucionaria, os problemas contin-gentes de resolucao imediata. A vontade de conservara uniao entre as tendencias e as instituicoes do movi-mento politico e econOmico do proletariado pode con-duzir a compromissos deleterios pares a concatenacdorevolucioniria do proletariado.

Pela vontade popular, o Partido Socialists tornou-separtido do governo. As massas esperam do Partido urnsaccao positiva de realizacao. 0 process° revolucionarioatingiu uma face critics, decisiva. 0 Partido deve superar

os conflitos que at estao perfilando no movimento socia-lista e proletirio. Deve supera-los organicamente, nä°corn pactos e promessas: os conflitos exist,em na reali-dade, resultam incoercivelmente das condic5es objectivase psicolOgicas das mamas populares italianas, nao po-dem ser compostos, portant°, juridicamente, no papelou nas palavras dos homens de boa vontade.

As massas populares votaram nos socialistas por-que querem um govern() de socialistas, porque queremque um govern° socialista altere, a seu favor, o aparelhoadministrativo, judicial, militar e econOmico do Estado.E precis° convencer estas massas de que a resolucaodos problemas tremendos do period° actual nao e pos-sivel ate que o Estado for fundado sobre a propriedadeprivada e sabre a propriedade national-burocratica, ateque a producao industrial e agricola se fundar na ini-ciativa individual, concorrentista, dos capitalists e dosgrandes proprietarios de ten-as. E precis° convence-lasque a solucao radical deve ser procurada pelas prOpriasmassas, organizadas de mod° id6neo pares constituirum aparelho de poder social, para constituir o aparelhodo Estado operario e tampons, do Estado dos produ-tores. Mas nao deve ser uma conviccao abstracta, umaconviccao inerte. 0 partido deve indicar um trabalhopositivo, um trabalho de reconstrucao: o partido devedar o impulso para que as Conselhos operarios e cam-poneses se tornem came e osso e nao permanecam pala-vras mortas de uma resolucao de congresso.

S6 activando energicamente a constituicao dos Con-selhos, conseguird o partido superar os conflitos quehoje se apresentam ameagadores. As massas hao-de serenquadradas organicamente e conseguir-se-a: 1) rompero encanto parlamentarista; 2) libertar os camaradasdeputados daquele complexo de pressOes directas e indi-rectas que as aprisionam e os obrigam, com a morteno espirito, a tomar muito a seri° o encargo de queos investiu a soberania popular. 0 control° das massaspertencera, pelo contra...no, ao partido, que obtera nosConselhos, sem ddvida, a maioria dos lugares para osseus inscritos e simpatizantes. Os sindicatos poderaotornar-se finalmente Orgaos tecnicos para a reorgani-zacao do aparelho industrial e agricola e acabarao par

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ser urn partido dentro do partido, por fazer uma politicasua dentro da politica do partido.

0 grupo parlamentar, corn a imponéncia da suaforga, deve lutar para obter: 1) que sejam desarmadosos mandatarios das en,qs-fortes; 2) que sejam criadasas condicOes suficientts e neeessarias pelas quais aclasse dos produtores possa construir o aparelho do seupoder social, possa construir os organismos de adminis-trace:o do capital nacional, corn os seus metodos e panas suas finalidades.

0 PROBLEMA DO PODER (*)

A posicao histerica actualmente alcancad g pelaclasse italiana dos explorados resume-se nestes termosgerais:

Ordem pithlica. Uma forca de cerca de trese meio de operarios, camponeses e empregados,

correspondentes a cerca de quinze milhfies da populacloitaliana, representada no Parlament° por cento e cin-quenta e cinco ( 1 ) deputados socialistas. Na ordempolitica, a classe italiana dos produtores que rtho pos-suern os instrumentos de trabalho, e os meios de pro-ducdo e de venda do aparelho econOmico nacional con-seguiu actuar uma concentragao de forcas que pOe urnlimite a funcionalidade do Parlament° como base dopoder estatal, como forma constitutional do govern()politico; a classe italiana dos explorados conseguiu, por-tanto, infligir urn tremendo golpe no aparelho politicoda suprema.cia capitalists que se fundamenta na cir-culacao ds partidos conservadores e democnticos, naalternancia (no govern) das varies empresas politicasque envemizam corn cores variadas a ladroagem capi-talista, o dominio das eisqs-fortes.

Ordem econOmica. 0 movimento corporativo nassuas varies tendencias:

0 movimento dos operarios industriais de vanguarda,assalariados da indüstria moderns mats progressiva, e

(*) 5I5o assinado, L'Ordine Nuovo, 29-XI-1919.( 1 ) 0 niimero exacto 6 de 156.

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dos operarios agricolas das zonal de cultura intensiva,que se concentra na Confederacdo Geral do Trabalho;

(-) movimento dos operarios industrialmente atrasa-dos, portanto eternamente inquietos e indisciplinados,pie substituem a aced° concreta, permanente e revo-lucionaria pela fraseologia revolucionaria, que acampanas tenders nOmadas da Uniao Sindical Italiana (2);

0 sindicato dos ferroviarios ( 3 ), massa amorfa deoperarios industrials de vanguarda, de empregadospequeno-burgueses, de tecnicos indiferentes e de umaquantidade incerta e indistinta de contratados e a csala-riados, atacada a retribuigdo do Estado coma s6 podeser o pequeno-burgues e o pequeno campones italiano;

Os sindicatos catolicos ( 4 ) de camponeses; estdo paraos trabalhadores confederados da terra como os opera-rios da Unido sindical em relacdo aos operarios confe-derados; massa de elementos proletarios atrasados queintroduzem no sindicalismo principios estranhos ou con-traditOrios (a religido; a vaga e caOtica aspiragdo liber-tesia);

Ligas de camponeses e cArnaras de trabalho, espalha-das aqui e all, em toda a Italia, mas especialmente naItalia meridional e nas iihas; sdo uma caracteristica dafalter de coesäo do aparelho econ6mico e politico nacio-nal ; nasceram por impulse individual e vivem o dia-a--dia, esgotando a sua actividade em movimentos ca6ti-cos sem orientacão permanente e concreta;

Ligas proletarias dos mutilados e diminuidos pelaguerra, associacees livres de dirninuidos e ex-combaten-

A Unido Sindical Italiana surgiu em 1907 por obra dosdissidentes «sindicalistas-revolucionarios» da CGL. Dissolvida aorganizaedo em 1914, perante o problema da posicio a assumirem relacao s guerra, a USI recolheu, todavia, no Congresso deParma (Dezembro de 1919) cerca de 300 000 organizados.

0 Sindicato dos ferroviArios era autOnorno da CGL comodas outras ConfederagOes de trabalhadores.

( 4 ) O autor refere-sea Confederacäo italiana dos trabalha-dozes que agrupava prevalentemente camponeses. No inicio de1920, a CIL contava nas suas filas corn 741 000 pequenos arren-datArios, 108 000 pequenos proprietArios e 94 000 «agricultoreso.No sector industrial, a CIL recrutava os seus sack's sobretudoentre o operariado textil, de prevarencia feminino (131 000 ins-critos).

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tes; representam a primeira e grandiosa tentativa deorganizacdo das masgas camponesas;

o movimento corporativo, nestas suas varias tenden-cias e formas, concentrou uma massa de, pelo menos,seis milhOes de trabalhadores italianos (corresponden-tee a cerca de vinte e cinco milhOes da populacAo nacio-nal) e determinou o desaparecimento do campo econd-mico do trabalhador «livre*, isto e, determinou aparalisia do mercado capitalista do trabalho. A con-quista das oito horas e do saldrio minimo estdo depen-dentes destas condicOes gerais do mercado do trabalho.A ordem capitalists de producdo nao se perturbou pro-fundamente; mas a eliberdadez de exploragdo, a liber-dade de extrair a mais-valia da forcia-trabalho (lucre ourenda para o capitalista e o proprietario latifundiario,impostor pelo Estado, tribute pars os jornais e manda-tarios das casas-fortes) foi limitada, foi submetida demodo indirect° ao controlo proletario; as bases econ6-micas da organizacAo capitalists, que culmina na asso-ciagdo mais alta do capitalismo, o Estado parlamentar--burocratico, foram desagregadas pela sabotagem daprimeira fonte do poder capitalists: a liberdade dearrecadar a mais-valia.

0 triunfo eleitoral do Partido Socialista, a entradano Parlamento de cento e cinquenta e cinco deputadossocialistas que imobilizam a funcionalidade do Parla-mento como forma constitutional do governo politico, '6um simples reflex° deste fundamental e primordial fe-nOmeno econOmico pelo qual foi imobilizada a funciona-lidade do mercado da forca-trabalho coma forma cons-titucional do governo economico-capitalista, do poderdos capitalistas no processo de produced° e venda.

Os operarios e camponeses de vanguarda tiveram aintuiedo de que uma situacão deste genero tinha vindoa formar-se em Italia durante a guerra e se consoli-dou neste primeiro period° pOs-belico. Tiveram a intui-cat de que as conquistas alcancadas so podem ser man-tidas se se caminha em frente; se as oito horas setornam lei dos operarios e camponeses, tornam-se «cos-tume* difuso da sociedade comunista; se o salario mi-nimo se transforma em lei que reeonhece aos operarios

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e camponeses o direito de poder satisfazer, corn o frutodo trabalho, todas as exigencias de uma determinadaforma de vida civil e intelectual, lei que ernana do poderdos operarios e camponeses, o qual poder, por sua vez,e o reflexo politico de uma renovada ordem do processode producio industrial e agricola; se o controlo das mas-cps coesas, operarias e camponesas, sobre a origem dopoder burgues (a formacao da mais-valia) sai da formaactual, insensata e indistinta, da pressao de massa, daresistencia de massa pan se tornar tecnica, econOmicae politica, para se encarnar numa hierarquia de insti-tutor econ6micos e politicos que culminem no Estado dosoperirios e camponeses, no governo dos operarios e cam-poneses, num poder central dos operarios e camponeses;se a conquista da terra por parte dos camponeses setorna, pela simples posse do instrumento elementar detrabalho, conquista dos frutos que o instrumento podeproduzir, into e, controlo dos organismos econOmicos querepresentam as etapas desta circulacao: os bancos, asunThes bancarias, as centrais comerciais, a rode dos trans-portes ferroviarios, fluviais e maritimos; se um Estadooperario nao assegura aos camponeses a imunidade dosassaltos ferozes do capitalismo e da alta financa, aguerra sera paga atraves duma «grandiosa * revolucaoagraria conduzida pelo Estado burgues e pelas organi-zac6es capitalistas menores: a introdugdo das maquinasna agricultura corn a expropriagao dos camponeses e asua reducao ao sistema de operarios agricolas assalaria-dos, sem experiencia sindical e portanto mais dura-mente explorados e expropriados da sua riqueza de for-ca-trabalho do que os operarios da inch:Istria urbana.Progredir na via da revolugao ate a expropriacao dosexpropriadores e a fundacâo de um Estado comunista, éinteresse imediato das duas ordens mais numerosas daclasse dos produtores italianos: signifies para os ope-rarios da cidade conservar as conquistas actuadas ateagora e nao ve-las envolvidas numa bancarrota do apa-relho de producao industrial e numa decomposicao dasociedade ate a desordem e ao terrorism° em permanen-cia, sem saida previsivel; para alern de significar a to-mada de posse do aparelho de producao national, pano dirigir no sentido do bem-estar e do melhoramento

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espiritual da classe trabalhadora, signifies para os cam-poneses conservar a terra conquistada, ampliar os seusfundos, libertar a terra dos impostos hipoteedzios e fis-cais capitalistas e iniciar a revolucao industrial com me-todos e sistemas comunistls, em estreita colaboragaocorn os operarios urbanos.

Os operarios e camponeses de vanguarda tiveram aintuicao destas necessidades imanentes na situacao eco-nOmica actual, no equilibrio catastrofieo das formas e doeorganismos de producao. E fizeram tudo o que podiamfazer numa sociedade democratica, numa sociedade con-figurada politicamente; indicaram o Partido Socialista,que representa as ideias e o programs a activar, comosua natural hierarquia politica e indicaram ao partido avia do poder, a via do govern que se baseia constitucio-nalmente nao no Parlamento eleito por sufragio univer-sal pelos explorados e pelos exploradores, mas no sistemados Conselhos de operóxios e camponeses que encarnamtanto o governo do poder industrial como o governo dopoder politico, isto e, que sae. ° instrumentos da expulsaodos capitalistas do processo de producão e instrumentosda supressao da burguesia, como classe dominante, detodas as instituicOes de controlo e de centralizacäo eco-nOmica da nacao.

0 problems concreto imediato do Partido Socialistse, portanto, o problems do poder, e o problems dos mo-dos e das formas pelos quais seja possivel organizartoda a massa dos trabalhadores italianos numa hierar-quia que organicamente culmine no partido, e o pro-blema da construcao de urn aparelho estatal, que no seuambito interno funcione democraticamente, isto 0, quegaranta a todas as tendencias anticapitalistas a liber-dade e a possibilidade de se tornarem partidos de go-vern° proletario e, em relacao ao exterior, que seja comouma mdquina impla,cavel que mine os organismos dopoder industrial e politico do capitalismo.

Existe a grande massa do povo trabalhador italiano.Distingue-se hoje politicamente em duas tendencias pre-valentes: a massa dos socialistas marxistas e a massados socialistas catOlicos —e numa multiplicidade de ten-dencias secundarias: a anarco-sindicalista, a dos ex-com-

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batentes democrato-sociais e os varios agruparnentoslocals de tendencias revolucionarias. Esta massa repre-senta mais de vinte e cinco milhOes da populace.° ita-liana, isto '6, uma base estavel e segura do aparelho pro-letirio.

Existe uma serie de organismos sindicais e de asso-ciacees semiproletarias que representam uma distincaode capacidade tecnica e politica na grande massa do povotrabalhador.

Existe o Partido Socialists e, no partido, a tendenciacomunista revolucionaria, que represents a fase de ma-turidade da wnsciencia hist6rica actual da massa pro-letaria.

0 problems concrete e maxim° do memento actual,para os revolucionarios, e. este:

fixar a grande massa do povo trabalhador numaconfiguracao social que adira ao processo de produce.°industrial e agricola (constituicao dos Censelhos de fa-brim e de aldeia, corn direito de vote extensive a todosos trabalhadores);

obter que, nos Conselhos, a rnaioria seja repre-sentada pelos camaradas do partido, pelas organizactiesoperarias e pelos camaradas simpatizantes, mas semexcluir que ela, transitoriamente, nos primeiros momen-tos de incerteza e de imaturidade, possa cair na mfio dospopulares, dos sindicalistas anarquicos, dos reformistas,desde que sejam trabalhadores assalariados e sejam &ci-tes na sus cede de trabalho e desde que adiram ao Es-tado operario.

Nas hierarquias superiores urbanas e distritais (parsa provincia), a representageo no Conselho urbane ou dedistrito devera, ser dada Mao se aos centros de produce°,isto 6, a massa trabalhadora como tal mas tambem asseccees do partido, aos circulos, aos sindicatos, as asso-ciacees proletarias, as cooperativas. A maioria socialistsdevia ser motive] nestes poderes locais e determinantertas grander cidades industrials, onde o Estado operariosera verdadeiramente ditadura proletiria (dos operariosde fabrics) e deveri superar as dificuldades mais arduasporque devera apoderar-se das centrals capitalistas, dosorganismos capitalistas que estendem os seus thnticulosa toda a nacao.

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OS ACONTECIMENTOS DE 2-3 DE DEZEMBRODE 1919 (*)

Pequenct burguesia

Os acontecimentos de 2-3 de Dezembro sae urnepisedio culminante da luta de classes. A luta nee setravou entre proletarios e capitalistas (esta luta desen-volve-se organicamente c,omo huts pelos salaries a peloshorarios e como trabalho continuo, tenaz e paciente,para a criageo de urn aparelho de governo da produceee das massas de homens que substitua o actual aparelhode Estado burgues) ; travou-se entre proletirios e peque-nos a medics burgueses. A luta verificou-se, em ultimaanalise, para a defesa do Estado liberal democratico,pars a libertageo do Estado liberal democratic° dascadeias em que o tem prisioneiro uma parte da classeburguesa, a pior, a mais vil, a mais inutil, a mais pan-sitaria: a pequena a media burguesia, a burguesia sinte-lectual) (chamada tintelectual, porque 6 possuidora,atraves da facil a fugaz carreira da escola media, depequenos e medics diplomas de estudos gerais), a bur-guesia dos funcionarios pdblicos cujos lugares se trans-

(*) /Tao assinado, de colaboreo corn P. Togliatti, L'OrdineNuovo, 6/13-12-1919. Este escrito comenta o movimento espontg

-neo de greves e sublevacOes corn as quais os operfirios respon-deram a um ataque de grupos nacionalistas monirquicos contraos deputados socialistas que, na sessito inaugural da XXV legis-latura, se tinham manifestado contra a monarquia.

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mitem de pals filho, dos comerciantes, dos pequenosproprietarios industrials e agrieolas, comerciantes nacidade, usurarios na provincia. Esta luta desenvolveu-seda Unica forma em que podia de.senvolver-se: desorde-nadamente, tumultuosamente, como uma razia, nasestradas e nas pracas, corn o fim de libertar as estradas

as praxises de uma invasao de gafanhotos mitridos evorazes. Mas esta luta, ainda que indirectamente, estavaem conexao corn uma outra, corn a superior luta declasses entre proletarios e capitalistas: a pequena emedia burguesia 6 de facto a bar •eira de humanidadecorrupta, dissoluta e apodrecida com que o capitalismodefende o seu poder econOmico e politico, humanidadeservil, abjecta, humanidade de mandataries e de lacaios,tornada hoje a «serva padrona» ("-) que quer extrairda producao creditos superiores nao so a massa desalario percebida pela classe trabalhadora mas aos pre-pries creditos extraidos pelos capitalistas; expulsa-lado campo social, como se expulsa uma nuvem de gafa-nhotos de urn campo semidestruido, corn o ferro e corn

fogo, significa desembaracar o aparelho national deproducao e venda de urns plUmbea sela que o sufoca

o impede de funcionar, significa purificar o ambientesocial e encontrar-se contra o adversario especifico: aclasse dos capitalistas proprietaries dos meios de pro-ducao e venda.

A guerra pes em relevo a pequena e media burguesia.Na guerra e pela guen-a militarizou-se o aparelho capi-talista de governo econemico e de governo politico: afabrica tornou-se um quartel, a cidade tornou-se umquartel, a nacao tornou-se urn quartel. Todas as activi-dades de interesse geral foram nacionalizadas, buro-cratizadas, militarizadas. Para activar esta monstruosaconstrucao, o Estado e as associagOes menores capita-listas fizeram a mobilizacao em massa da pequena emedia burguesia. Sem que tivessem uma prepars.caocultural e espiritual, fizeram-se afluir dezenas e dezenasde milhar de individuos do fundo das aldeias e dasccasas, populares meridionais, dos quintals (Ins lojas

(") Que se ere entidade patronal mas que, na realidade,assume urns posicito de servilismo.— (N. do TU.

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paternas, dos bancos inutilmente aquecidos das escolasmedias e superiores, das redaccOes dos jornais de than-tagem, dos adelos dos subUrbios citadinos, de todos osguetns onde apodrece e se decomp •Oe a ociosidade, abazdfia dos fragmentos e dos detritos sociais deposi-tados por seculas de servilismo e de dominio dos estran-geiros e dos padres sobre a nacao italiana; e foi-lhesdado urn ordenado de indispensiveis e insubstituiveis

foi-lhes confiado o governo das massas de homensnas fabricas, nas cidades, nos quarteis, nas trincheirasdo front [catorze linhas censuradas].

As eleicOes parlamentares demonstraram que asmassas de homens querem ser guiadas e governadaspelos socialistas, que as massas de homens querem tunaconstituicao social por forca da qual quem nao produz,quem nao trabalha, nao come. Estes senhores que con-tinuam a extorquir do rendimento da producao national

do credit° externo do Estado uma fatia de urn milhaopor Imes, que gritam sobre os tectos da sue paixaonacionalista e se fazem manter pela pätria; [dues linhascensuraclas] estes senhores, atemorizados pelo perigoiminente, organizaram imediatamente o pogrom contraos deputados socialistqs. E das fabricas, dos estaleiros,dos laboratories, dos arsenais de todas as cidades ita-lianas, imediatamente, como resposta a urns palavra deordem, como sucedia na Russia e na Polonia quandoos Centros Negros ( 1 ) tentavam desencadear pogromscontra os hebreus, para afogar num pantano de bar-bane e de dissolucao cada pequeno anseio de liber-dade — imediatamente as opera-ries irromperam nasestradas centrals da cidade e expulsaram os gafanhotospequeno-burgueses, os organizadores de pogroms, osprofissionais da ociosidade.

No fundo, tratou-se de urn episedio de qliberalismo).Tinha-se formado urn modo de vida sem trabaiho, semresponsabilidade, sem riscos; este modo de vida, hoje,tem tambem os seus riscos, as suas preocupacOes, osseus perigos.

(') Bandos reaccionários, activos na Russia desde os primal-ros anos do seculo.

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Hipdteses

E se tivesse conseguido? ... A hipOtese nao 6 abs-tracts. Nas grandes cidades setentrionais, nos dias dagreve, nao faltaram os momentos nos quais ate homenscalmos e temperados tinham a sensagao de que, de urnmomento para o outro, poderiam acontecer factos deci-sivos, que um qualquer incidente teria sido suficientepara der ass acontecimentos um curso diverso, paravirar os termos de relagao de forca entre autoridade epovo, para fazer desembocar a sublevano" na revolucao.Este e o melhor indite do facto que vivemos num period°revolucioniu-io: sente-se que alguma coisa de diferentee de novo poderia tambem acontPcer, espera-se, inter-roga-se o desconhecido, conta-se tambem urn pouco sobreo acaso [fres linhas censuradas].

verdade que a revolts 6 feita por grande parte deelementos imponderiveis e que a revolts deve tambemcontar corn o acaso, com o grupo de impulsivos queultrapassa a intencao de todos, corn o facfnora quedois dias depois sera preciso fuzilar porque se terdposto a saquear e a devastar.

0 elemento ordenador 6 fornecido pela existenciade grupos de revoluciondrios no verdadeiro sentido dapalavra, isto e, de Micleos de pessoas que nao tenhammedo dos acontecimentos, do imprevisto e do inespe-rado, que tenham uma vontade e urns finalidade pre-ciaq s, que estejam prontos, que sejam capazes de fazervaler esta sua vontade. A sublevacao representa a disso-Inca° de uma forma de organismo social, a revolucaocomeca quando, pelo impulso corajoso dos conscientese dos capazes, o organismo social se prepare para con-quistar uma forma nova. 0 memento da sublevacao,que 6 puramente negativo, tera uma duracao tantomais longa quanto major for a dificuldade que os gru-pos de vanguarda tiverem que superar para caminharem frente, porem-se a cabega e dar uma forma organicsAs massas que o movimento de revolts tornou fluidase informes.

Este periodo de transicao durou, na Russia, podedizer-se, oito longos meses, os meses que decorrem entrea revolucao de Margo e a de Outubro, entre a revo-

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lucao dos pequeno-burgueses e a dos operdrios e cam-poneses, oito meses que sal) preenchidos pelos esforcosdos pequents burgueses intelectuais para se manteremfrente do movimento das masses cada vez mais descon-tenths e desconfiadas do trabalho destes chef es desleais,oito meses nos quais os capitalistas e os propriethrios deterras, procuram, por todos os meios, desde a sabota-gem da fabrics a contra-revolucao militar, obrigara entrar de novo na velha forma de opre gsao e de escra-vidao a massa humana que o movimento de revoltsconduziu para a luz e tornou actriz da histOria suble-vando os mais profundos estratos da sociedade. E, nestesmeses, a grande maioria do povo educa-se para fazera revoluc,Ao, sente imediatamente, antes ate de possuira conviccao teOrica, a necessidade de formar os Orgaosdo seu poder, afasta-se dos chef es democratas e aper-ta-se a volta dos comunistas, constitui urn organismode controlo e de autogoverno que vem elimbaando auto-maticamente, e despindo de Coda a autoridade, as Orgaosdo velho poder, do poder dos patr -des, dos generais, dospolitiqueiros e dos traidores.

Em Outubro de 1917, o comith executivo do Con-gresso dos Sovietes, enquanto estava ainda em p6 ogoverno de Kerenski, dava ordens que eram executadaspela massa de operarios e camponeses ordenados e orga-nizados de modo fOrreo, chamava a rua e diri gia osmovimentos de regimentos completos, do complete opera-riado de fabrica, enquadrado e armado, estava a cabeca,em sums, de urn aparelho que agia corn a precisio e aregularidade implacavel de urns mdquina.

Seria absurdo pretender hoje, em Italia, que naonos movamos antes de alcancar este ponto, messpreciso procurar atingi-lo atraves da experiencia demovimentos como o de 2 e 3 de Dezembro e outrossemelhantes que sem duvida sucederao a este. Estesmovimentos devem servir para despedacar o lace apa-rentemente legalitdrio que ainda une a maioria da popu-lap° A forma das instituicOes burguesas, devem tornarfluida a massa humana que ainda se coloca, por habit°e por temor, no velho esquema social; devem servirpath impor a todos o problems de se prepararem parsfazer a revoluno.

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Nao tivemos e nao teremos provavelmente umarevolucao de Margo que nos abra o caminho, iniciandoo period° day perturbagees, da incerteza, do contrastsaberto fora da orbits legal entre as forgas que queremdominor o mundo da economia e da politics. A accaoparlamentar negativa pode e deve substituir, nos efeitos,eats ruptura inicial. Por isso os movimentos de rua saotuna sun. integraclo necessaria

Entretanto, e precise per tambem o problems aque ja me referi, o problems do Idepois), o problemsque se teria posto ontem se os factos de Mantovativessem acontecido em Milan ou Turim oxide existsurns massa de operarios revolucionarios que esti. dis-posta a levar as coisws ate ao fim. E uma hipotese mas,se somos revolucionarios, devemos avancar tambem estahipOtese de a revolucao poder resultar urn dia

Luta de classes, guerra de camponeses

0 acaso quis que as jornadas de greve geral e degraves tumultos em toda a Italia superior ou mediacoincidissem corn o rebentar espontaneo de uma insur-reicao do povo num zona tipica da Italia meridional,no territOrio de -Andria ( 2 ). A atencao que se prestoua insurreiCao do proletariado das cidades contra aquelaparte da casts, pequeno-burguesa que conquistou durantea guerra uma fisionomia militarista e a gora nao a querperder, e contra a policia, desviou o olhar de Andria,impediu que se desse o exacto relevo aos acontecimentos

verificados, que eles fossem apreciados no seu justovalor. Esperamos poder fornecer aos nossos leitoresimportantes dados de observacao directa das causag edo desenvolvimento dos factos e limitamo-nos, per agora,a notar come o acaso, fazendo coincidir as duas insur-reic6es, forneceu quase um modelo do que deveri sera revolucao italiana.

(') Durante a greve dos dias 2 e 3 de Dezembro, os jorna-ielrer•Andria, atacados pela policia, tinhorn bloqueado a ci-d:ik e tinham-se defendido disparando ate corn arrnas de fogaDeprlia dum violento conflito, tinhorn sido dispersos, deixando notsi reno cerca de duzentos feridos.

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Por urn lado, o proletariado, no sentido estrito dapalavra, into 6, os operarios da imbistria e da agri-cultura industrializada, por outro, os camponeses po-bres: eis as duas asps do exercito revolucionario. Osoperarios da cidade sae revolucionarios por educacto' ,tornou-os assim o desenvolvimento da consciencia e aformagao da pessoa na fabrics, thlula da exploracaodo trabalho; os oper'arios da cidade veem hoje a fabricscome o lugar em que se deve iniciar a libertacao, ocentro de irracliacao do movimento de desforra: porisso o seu movimento e sao, 6 forte e sera, vitorioso.Os operarios estao destinados a ser, na insurreicaocitadina, o elemento extreme e ordenador, o que napdeixara„ war a maquina posts em movimento man-tendo-a na estrada junta; representam, a partir deagora, a intervencao na revoluga, das grandes massase personificam, de modo vivo, o interesse e a vontadedas prOprias massas.

Na provincia, devemos contar sobretudo corn a accAoe corn o apoio dos camponeses pobres, dos asem terra).Eles serao levados a moverem-se nao so pela necessi-dade de resolverem o problem da vida, como ontemos camponeses de Andria, pela necessidade de lutar pelopan, mas pela prOpria e continua necessidade, peloperigo sempre iminente da morte pela fome ou pelochumbo, serao obrigados a fazer pressao sobre as outraspartes da populacao agricola pars a obrigar a criartambem nos campos urn organismo de controlo colec-tivo da produclo. Este organismo de controlo, o Con-selho dos camponeses, embora deixando subsistir asformas intermedias de apropriacao privada da terra(pequena propriedade), Ears urn trabalho de coesao ede transformacão psicolOgica e thcnica, sera a base davida comum nos campos, o centro atraves do qual oselementos revolucionarios poderâo fazer valer, de modocontinuo e concreto, a sua vontade.

precise que tambem os camponeses saibam hoje oque tern a fazer, que a sua accao lance raizes profundase tenazes, aderindo, come a dos operarios, ao processoprodutivo da riqueza. Tal come uns veem a fabrica,os outros devem comecar a ver os campos come a futuracomunidade de trabalho.

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A sublevacao de Andria diz-nos que o problema estamaduro: e o problema, no f undo, de todo o Sul italiano,o problema da efectiva conquista da terra por parte dequern a trabalha. 0 nosso particle tem a obrigacao.de polo e de resolve-la A conquista da terra prepara-sehoje corn as mesmas armas corn as quads os operariospreparam a conquista da fabrica, isto e, formando osorganismos que permitam a mass y que trabalha gover-nar-se por si, no lugar do seu trabalho. 0 movimentodos operarios e o dos camponeses confluem natural-mente numa s6 direccao, na criacko dos Orgaos do poderproletario.

A revolucao russa encontrou precisamente a suaforgo e a sua salvacao no facto de que, na Russia, ope-rarios e camponeses, partindo de pontos opostos, movi-dos por sentimentos diversos, se encontraram reunidospor uma finalidade comum, numa luta (mica, pare queambos se convencessem da prova de que s6 se podiamlibertar da °pressed° dos patrOes dando a prápria orga-nizacao de conquista uma forma que permitisse eliminardirectamente o explorador do campo da producao. Estaforma foi o Conselho, foi o Soviete. A hits de classee a guerra dos camponeses uniram a sua sorte de taimodo indivisivel que tiveram urn exito comum na cons-tituicao de urn organismo directivo de toda a vida do pais.

0 problema pOe-se, entre nOs, nos mesmas termos.0 operario e o campones devem colaborar de modoconcreto, enquadrando as suas forces num mesmo orga-nismo. A insurreicao encontrou-os unidos, talvez poracaso, a revolucao deve encontra-los conscientementeunidos e concordes. 0 control° da fabrics e a conquistades terras devem constituir um problems dnico. Seten-triao e Sul devem executor em conjunto o mesmotrabalho, preparar ern conjunto a transformacao danacao em comunidade produtiva. Deve transparecercads vez mais claro que sO os trabalhadores sac) hojecapazes de resolver, de modo .tunitario», o problemado Sul; o problema da unidade, que tires geragOes bur-guesas deixaram insollivel, sera resolvido pelos opera-rios e pelos camponeses c,olaborando numa forma poli-tica comum, na forma politica pela qual conseguirãoorganizar, tornando-a vitoriosa, a sua ditadura.

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0 REVOLUCIONARIO QUALIFICADO (*)

A carte de Lenine ( 1 ) ao camarada Serrati e aoscomunistas italianos despertou urn eoro de aprovaceesentusiasticas. Urn melancOlico escritor de Stamps des-cobriu imediatamente que Lenine 6... um giolittiano;no Congresso da Camara de Trabalho de Turim e pro-vincia desfraldou-se triunfalmente a carts, de Leninepars convencer os delegados que nao se deve daro voto aos desorganizados na eleicao dos delegados deseccao. Para nOs, a carte de Lenine fez recordar urns

(*) Nä° assinado, L'Ordine Nuovo, 20-12-1919.Trata-se da carta escrita corn data de 29 de Outubro de

1919 e publicada pela primeira yes, em Italia, no Avanti! de 6Dezembro do mesmo ano. Transcrevemo-la integralmente, Segun-do a tradugdo do volume LENINE, Sul movimento operaio ita-liano, Roma, 1926, pp. 164-165:

«Caro amigo, as noticias que recebemos de Italia Sao muitoescassas e chegam ate nos atraves dos jornais estrangeiros naocomunistas. Soubemos do vosso Congresso de Bolonha e da bri-Ihante vithria do comunismo. Alegro-me de todo o coracnio con-vosco e corn os outros comunistas italianos e desejo-vos urn sucessoainda major e melhor.

0 exemplo do Partido Socialista Italiano terà uma grande in-fluencia em todo o mundo. Particularmente a vossa denial.° sobrea participagão nas eleicOes para o Parlamento burgues, parece-memuito justa. Espero que ela contribua para compor as dissens6essurgidas hoje, a este proplisito, entre os comunistas alemaes.

NE° duvido que os oportunistas abertos ou mascarados — eado muitos no grupo parlamentar socialista italiano! — tentarioanular as decisSes do Congresso de Bolonha.

A luta contra estas tendencias nao terminou ainda, mas aviteria de Bolonha tornar-vos-6 mais facers outras vit6rias.

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antiga tese de Lenine sobre o revolucionario cqualifi-cado).

Os revoluciongrios devem conhecer a g maquina) darevolugdo, os revolucion6rios devem conhecer o processode desenvolvimento da revolucao, os revolucionexiosdevem ser homens politicos responsdveis e Mao apenasagitadores. Os comunistas italianos tactearam ate agorano escuro. As massas prolethrias italianas, como todasas massas proletarias do mundo, compreenderam quea amaquina) da revolucgo e o Sterna dos Conselhos,compreenderam que o processo de desenvolvimento darevolucao é assinalado pelo facto de as massas popu-lares reconhecerem no sistema dos Conselhos o Orgtode governo das massas de homens e da producao indus-trial e agricola e determinarem corn a sua incliferenca,corn esta sua passagem de psicologia politica, a atrofiadas formas politica actuais, a morte hist6rica da demo-cra,cia burguesa. 0 Partido Socialista aderiu a HI Inter-nacional, aderiu a concepcão da III Internacional se-gundo a qual a luta de classes, no periodo actual, deveencarnar-se nos Conselhos e deve ser dirigida para aconquista do poder; mss o Partido Socialista nem se-quer tentou sair do dominio das afirmagóes verbais,Mao indicou aos operarios e aos camponeses a via con-creta das realizacefres constitucionais. Para a III Inter-nacional, «fazery a revoluclo significa (don o poderaos Sovietes, significa lutar para conquistar a maioriados Sovietes; pan a III Internacional, ser revolucio-

Em relacfio corn a situaciio internacional da ItAlia, tarefasmuito importantes se apresentam ao proletariado italiano.

Pode acontecer que a Inglaterra e a Franca, corn o apoioda burguesia italiana, tentem empurrar o proletariado para urnsinsurreicAo prematura, pan o derrotar mais facilmente. Mas nioconseguirão os seus fins. 0 excelente trabaiho dos comunistasitalianos é segura garantia que des conseguirdo conquistar parso comunismo todo o proletariado industrial e agricola e aindaos pequenos proprietarios; antic, se o momento de accAo forescolhido bem, relativamente a situacão internacional, a viteriada ditadura do proletariado sera definitive.. Os sucessos do C01111.1-nunno em Franca, na Inglaterra e em todo o mundo garantem-nosigualmente esta viteria.

Corn saudagOes comunistasMcmccivo, 29 de Outubro de 1919.» Lenine

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nario significa sair do dominio do corporativism° sin-dies' e do sectarismo de partido e ver o movimentonas massy; humanas que procuram uma forma e tra-balhar para que esta forma seja o sistema dos Con-selhos (2).

Ate agora, bem pouco foi feito pelos comunistasneste sentido. Os comunistas italianos estao emenosx.na III Internacional do que os independentes alemdesque finalmente reconheceram hoje que a luta de classesrevolucionaria sd pode ser travada no interior dos Con-selhos operarios e deve tender para a instauragao da

( 2 ) Recentes pesquisas de arquivo permitiram conhecer otexto da carts que Giacinto Menotti Serrati endereqou a Lenine,como resposta a aqui publicada e acerca da qual discorre G. nesteartigo. Na resposta de Serrati sao transparentes as referenciasa posigäo de Online Nuovo acerca do usistema dos Conselhos»que G. confirma de facto, corn forca, neste escrito. A carts deSerrati foi por nos publicada em Rinascita, a. XXIV, n. 5, 3 deFevereiro de 1967.

Eis o texto:28-XII-1919

Carissimo

Aproveito urns feliz oportunidade pars vos dar brevementenoticias da nossa situaczio em Italia e para vos enviar as nossassaudacees carissimas. Depois do Congresso de Bolonha, do qualtivestes noticia e acerca do qual recebi a carta de 28 de Outubromuito precisa, a nossa situacdo foi-se amadurecendo no sentidopor nos previsto. A crise econemica que avassala o pais e quese pode conduzir a uma situagAo revolucionaria, ni p pode eviden-temente ser resolvida corn os paliativos propostos pelas classesdirigentes. Isto sentem os proletarios e tambem a classe media.As eleicees de 16 de Novembro, para alern de serem a confirmacAoda justa tActica votada em Bolonha, foram tambem o sinal deque as classes madias se estfio orientando para nos. Isto significa,parece-me, que a nossa viteria se aproxima mas isto determinatambian uma nossa maior responsabilidade para que nao aconteca— como ate aqui sempre aconteceu na histária —que sejam osaventureiros a gozar dos sacrificios das massas proletArias e amudar, no que e possivel, o significado da luta e da viteria. Eispor que sou de opinitio que nos ocorre proceder de modo a quea revoluedo expulsa no seu devido tempo. Neva golpes de mao,nem excessive lentidlio, tal me parece que deve ser a nossa tac-tics. Devemos esperar serenamente, operando, os acontecimentosque amadurecem para nos. Nests espera, que deve ser esperaactiva, em defesa de todos aqueles que lutam connosco e sobre-

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ditadura proletaria, que discutiram a funcao dos sindi-catos e reconheceram se se poder dar see sindicatosuma missão revolucionaria ... depots da revolupo.

Os comunistas italianos trabalharam pouco pan setornarem Irevolucionarios qualificados); movem-se en-tre gigantese n s engrenagens da histOria como um cam-panic que visita uma grande fabrics e se aventura,temerario e aagitadot5 no barulho e no movimento dasgrandes maquinas A oarta de Lenine e a confirmano

tudo em vossa defesa, no que a possivel—devemos preparar asinstituicees de que vos mu/lista% quase de improvise, entre asmaiores dificuldades. Discute-se aqui, entre nos, a instituicitodos Conselhos de fabrics que alguns elementos sindicalistas etambem alguns socialistas querem apresentar em substitute:a. ° dotrabalho das organizacties °Deities e do partido. Pretende-seque doles, e so doles, deva nascer a ordem nova. Nos pensamosque, preparando-nos para a instituicao de todos os organismosda ditadura do proletariado, nao devemos menosprezar, a partirde agora, as instituicaes que nos serviram ate aqui e podemainda ser de -*Ha ajuda no futuro proximo: as cooperatives,os sindicatos profissionais e os municipios que estao nes nossasmacs.

Entretanto, a situacao parlamentar a tal que nao cremespossivel a presence duradoura e operosa de qualquer ministeriono poder. 0 nosso Grupo parlamentar dove actuar de modo afazer amadurecer crise sabre crise, as goals sejam no campoparlamentar o indite da crise que avassala o pais, econamica emoralmente. E deste niodo que nos poderemos chegar, e talvezmais cedo do que se cre, a necessaria maturidade pare a colheitado fruto. Temos de veneer dificuldades nao loves, dependentes,para aidm de rathes que estao fora de nos e que estao na mesmacondicao no nosso pais, tambem de raziies infernos da nossaconstituicao coma partido. Iquitos de nos estao ainda embebidosde ideologies dos anon aquarenta e oito» e sao romanticos, Uteisnos momentos de accao mas muito perigosos pare a precis:an dasideias. De qualquer modo, mesmo através destas dificuldades, quesao muito mais loves do que as que tivestes e tender que suportar,asseguramo-vos que se caminha em frente e que esperamos poderem breve unir a nossa obra a vossa.

Fala-se de uma prexima missile italiana a Russia, seriadeveras um grande sucesso se o Govern° Italian° a permitisse,mas na p creio que o facto pudesse ter ressonancia internacionalnos gabinetes da Alianga.

Recebei, taro camarada, por nos e por tots os camaradas,as nossas mais cordials saudacties e felieitacaes.

G. Serrati.»

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de uma situagfio de facto pouco feliz e pouco segura:vacilamos entre a catastrofe e... a Constituinte (s),isto 6, entre urns catastrofe e uma outra catastrofepior, pois nao se pode imaginar, em Italia, a resistencianecesgria para entrar num periodo indefinido, escarp,de crise e de desespero.

(3) A palavra de ordem da Constituinte foi diferenternentevista quer por grupos nittianos quer por exponentes da CGL(Baldesi, em particular) que pensavam nurna Constituinte dotrabalho, largamente impregnada de espirito corporative, e aconcebiam como contra-altar do project,o asovietista» da direccaomaximalista do PSI.

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A ESCOLA DE CULTURA (*)

0 primeiro curso ( 1 ) da Escola de Cultura e Pro-paganda Socialista teve inicio na, semana transacta,corn a primeira licio de teoria e a primeira exercitacalopratica, num modo que nao deixou de nos encher desatisfano. Em principio, consideramo-nos autorizadosa nutrir as meihores esperaneas pelo exito. Porquenegar que alguns de nos duvidavam? Duvidavam que,encontrando-se apenas uma ou duas vezes por semana,cansados do pr6prio trabalho, nos fosse impossivel en-contrar em todos aquela frescura sem a qual a mentenaio pole cornunicar, as vontades ndo podem aderir e aescola nao pode cumprir-se como aerie de actos educa-tivos, vividos e sentidos em comum. Provavelmente tor-nava-nos cepticos a experiencia das escolas burgues9s,a fastidiosa experiencia de alunos, a experiencia durade professores: o ambiente frio, opaco a qualquer luz,resiste a qualquer esforco de unificaCio ideal, os jove,nsunidos naquelas salas nab corn o desejo. de meihorare de compreender mss corn a finalidade, talvez nä°explicita e todavia clara e Unica pars todos, de fazercarreira, de conquistar um cdiplomai, de colocar a pre-pria vaidade e a pr6pria preguica, de se enganaremhoje a si prOprios e os outros amanha.

(*) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 20-12-1919, secctio «Gra-nache dell'Ordine Nuovo». 0 titulo 6 nosso.

(') Cf., a propOsito do terns, Cuttura e propaganda soda-lista, pp. 7-8 do presente volume.

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E vimos a nossa volta, apinhados, apertados uns con-tra as outros nos bancos incemodos e no espaco exiguo,estes alunos ins6litos, na maior parte nao jovens, foraportanto da idade em que aprender a coisa simples e na-tural, todos cansados por urn din de fabrica ou de escri-tOrio, seguir corn a atencao mais intensa o decorrerda lipao, esforcando-se por assinala-lo no papel, fazendosentir de modo concreto que entre quem fala e quemescuta se estabeleceu uma corrente viva de inteligéncia

de simpatia. Isto nao seria possivel se o desejo deaprender, para estes operarios, nab surgisse de umaconcepcao do mundo que a prepria vida lhes ensinou

que eles sentem necessidade de esclarecer para a pos-suir concretamente, para poder actufi-la plenamente.E uma unidade que preexiste e que o ensino quer soli-dificar, 6 uma unidade viva que em vac, se procurecriar nas escolas burguesas.

A nossa escola 6 viva porque vOs, operarios, thetrazeis a melhor parte de v6s, a que a fadiga da fabricanao pode enfraquecer: a vontade de vos tornardes maisesclarecidos. Toda a superioridade da vossa classe, nesteconfuso e tempestuoso momenta, vemo-la expressa nestedesejo que anima uma parte cada vez maior de v6s,desejo de adquirir conhecimento, de vos tornardes capa-zes, donor do vosso pensamento e da vossa acclo, arti-fices directos da histdria da vossa classe.

A nossa escola continuara e trara os frutos que thefor possivel: esta, aberta a todos os acontecimentos,qualquer case poderd afastar e dispersar amanha todosnes que hoje nos agrupamos a volta dela, comunicando

recebendo dela urn pouco de calor, da fe que nos 6necessaria para viver e pare lutar; o Wang° fa-lo-emosdepois, mas por ago.ra assinalamos into no activo, assi-nalamos esta impressito de confianca que nos vem dasprimeiras licOes, do primeiro contacto. E corn o espiritodeltas primeiras ligOes queremos continuer.

0 PARTIDO E A REVOLUCAO (*)

0 Partido Socialista, corn a sua rede de seccOes (quenos grandes centros industrials sae, por sua vez, o eixode urn compacto e potente sistema de circulos de bairro),corn as suas federagees provinciais, solidamente unifi-cadas pelas correntes de ideias e de actividades irra-diantes das secc6es urbanas, corn os seus congressesanuais que actuam a soberania mais alta do Partido,exercitada pela massa dos inscritos atraves das dele-gacOes bem definidas e limitadas de poder, congressesconvocados sempre pars discutir e resolver problemasirnediatos e concretos, corn a sua direccao, que imanadirectamente do congresso e que constitui o seu comitepermanente, executivo e de controlo, o Partido Socialistaconstitui urn aparelho de democracia proletaria que, nafantasia politica, pode facilmente ser visto como itexem-plan.

0 Partido Socialista 6 urn modelo de sociedade cliber-tarias disciplinada voluntariamente por urn acto expli-cito de consciéncia; imaginar toda a sociedade humanacoma urn colossal Partido Socialista, corn os seus pedidosde admissao e as suas demissOes, nao pode deixar defazer cOcegas ao preconceito contratualista de muitosespiritos subversivos, educados mais corn J. J. Rousseaue corn os optisculos andrquicos do que com as doutrinashistOriews e econ6micas do marxismo. A Constituicao

(*) Tido assinado, L'Ordine Nuovo, 27-12-1919.

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da Republica Russo. dos Sovietes fundamenta-se emprincipios identicos aos do Partido Socialista; o governda sobemnia popular russa funciona em formas suges-tivamente identicas As formas de governo do PartidoSocialista. Nao e de facto estranho que destes motivosde analogia c de aspiracOes instintivas tenha nascidoo mite revolucionario pelo qual se concebe a instauragaodo poder proletario come urns ditadura do sistema desecejOes do Partido Socialista, (1).

Esta concepflo e, pelo menos, tan utepica como aque reconhece nos sindicatos e nas Carnaras de Tra-baLho as formas do processo de desenvolvimento revo-lucionario. A sociedade comunista so pode ser conce-bida como urns formaCado «naturah aderente ao instru-mento de producao e de venda; e a revolucao pode serconcebida como ado de reconhecimento histerico da(espontaneidade) desta formacao. 0 processo revolucio-nario identifica-se, portanto, apenas corn urn espon-time° movimento da-s massss trabalhadoras, determinadopelo choque das c,ontradigOes inerentes A convivenciahumana em regime de propriedade capitalista. Presasna tenaz dos conflitos capitalistas, ameacadas por umacondenacao, sem apelo, a perda dos direitos civis e espi-rituais, as masses destacam-se das formas de demo-cracia burguesa, saem da legalidade da constituicaoburguesa. A sociedade caminharia pars a dissolucao,cairia toda a producao de riqueza util, e os homensprecipitar-se-iam num profundo abismo de miseria, debarbaric, de morte, sem uma reaccan da conscienciahist6rica das massas populares que encontram um novoenquadramento, que actuam urna, nova ordem no pro-cess° de producao e de distribuicao da riqueza. Osorganismos de luta do proletariado sao os «agentes,deste colossal movimento de massas; o Partido Soda-

(I) Esta concepciio da ditadura proletfiria era sustentadaparticularmente por G. M. Serrati, o qual, em polemics directscam as teses do grupo de Ordine Nuevo, afirmava que «a dita-dura do proletariado 6 a ditadura consciente do Partido Socia-lists». Cf. I comitati di fabbrica, editorial assinado «11 comunistao,In Commits:no, 15-30 de Dezembro de 1919. A este replica pro-vavelmente o escrito de G.

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lista 6, sem davit, o maxim° oagente«. deste processode ruina e de neo-formano, mas nao e e nao pode serconeebido como a forma deste processo, forma maleavele plasmavel ao arbitrio dos dirigentes. A social-demo-cracia alema (entendida no seu conjunto de movimentosindical e politico) actuou o paradoxo de obrigar vio-lentamente o processo da revolucao proletaria Edemanas formas da sua organizacao e acreditou dominara histOria. Criou os seus Conselhos, autoritariamente,corn a maioria segura dos seus homens; enredou arevolucao, domesticou-a. Perdeu hoje qualquer contact°com a re,alidade hisWrica que nao seja o contacto dopunho de Noske corn a nuca do operario, e o processorevolucionario segue o seu curso incontrolado, aindamisterioso, que aflorard per desconhecidas fontes deviolencia e de dor.

0 Partido Socialists, corn a sua accao intransigenteno dominio politico, provoca os prOprios resultados queos sindicatos actuam no campo econOmico: Vac fimlivre conc,orrencia. 0 Partido Socialists, corn o seuprograma revolucionario, subtrai ao aparelho de Estadoburgues a sua base democratica do consenso dos gover-nantes: Influencia cada vez mais profundamente as mas-sas populares e assegura-lhes que o estado de privagaoem que se debatem nao é uma frivolidade, nao é urnmal-estar sem saida, mas corresponde a uma necessi-dade objectiva, é o momento ineluta'vel de urn processodialectico que deve acabar numa laceracao violenta,numa regeneracao da sociedade. Eis que o partido sevem assim identificando corn a consciéncia histericadas masses populares e Ihes governs o movimentoespontfineo, irresistivel: este governo e incorpOreo, fun-ciona atraves de milhOes e milhOes de lacoe espirituais,e uma irradiacao de prestigio que so em momentosculminantes se pode transformar num governo efectivopars urn apelo de rua, pars um alinhamento corpOreode forces militantes, dispostas a luta pars afastar urnperigo, pars resolver ulna nuvem de violencia reaceio-

Obtido o resultado de paralisar o funcionamentodo govern() legal das massas populares, inicia-se pars

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o partido a fay de actividade main difleil e delicada: aface de actividade positiva. As concepc6es difundidaspelo partido operam autonomamente nas conscienciasindividuals e determinam configuracees socials novas,aderentes a estas concepcOes, determinam organismosque funcionam por lei intima, determinam embrionariosaparelhos de poder, pelos quais a manna actua o seugovern°, pelos quais a manna adquire con.sciencia dasua responsabilidade hist5ries e da sua precisa missaode criar as condiches do comunismo regenerador. 0 par-tido, como formacao compacts e militant* de umaideia, influencia este intimo trabalho de novas estru-turas, esta operosidade de milhOes e milhOes de infu-sores sociais que preparam os vermelhos bancos decoral que urn dia nao longinquo, vindo a superficie,despedacarao os impetos da tempestada oceanica, resta-belecerao a paz nas ondas, fixar5.o novamente umequilibrio nas correntes e nos climas; man este influxoe organic°, esti na circulagao dar ideias, na manutencaointacta do aparelho de govern° espiritual, no facto demilh6es e milh6es de trabalhadores, fundando as novashierarquias, instituindo as novas ordens, saberem quea consciencia histories que os move tem uma encarracaoviva no Partido Socialists, e justificada por uma don-trina, a doutrina do Partido Socialists, tern um baluartepotente, a forca politics do Partido Socialists.

0 partido continua a ser a superior hierarquia desterirresistivel movimento de massas, o partido exercitaa mais eficaz dar ditaduras, a que nasce do prestigio,que 6 a aceitacao consciente e espontânea die urns auto-ridade que se reconhece indispensävel pars o emit° daobra empreendida. Mal VA° as coisas se por nma CO:-

loepp)A- 3 sectaria do partido na revolucao se pre -re:4ematerializar esta hierarquia, se pretende fixarInas mecanicas de poder imediato o aparelho de gove.modar massas em movimento, se pretende obrigar o pr-2-oesso revolucionirio as formal do partido; consegcir--se-a desviar urns parte dos homens, consegair-se-1•dominar) a histeria; man o process° real revolneir...-nkrio escapari ao control° e ao influxo do pardsio,tornado inconscientemente organism° conservador.

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A propaganda do Partido Socialists insiste hojenestas teses irrefutaveis:

As relacees tradicionais de apropriacao capitalistsdo produto do trabalho humane mudaram-se radical-mente. Antes da guerra, o trabalho italiano consentia,sem graves cheques repentinos, a ,zpropriacao, porparte da exigua minoria capitalists e por parte doEstado, de 60 % da riqueza produzida pelo trabalho,enquanto as dezenas de milhOes da populacao traba-lhadora tinham que contentar-se, para satisfazer asexigencias da vida elementar e da superior vida cultural,de uns escassos 40 %. Hoje, depois da guerra, verifies-seeste fenOmeno: a sociedade italiana produz so metadeda riqueza que consome; o Estado debita ao tra-balho futuro importancias colossais, into 4, torna sempremais escravo da plutocracia internacional o trabalhoitaliano. Aos dois sacadores de importancias da pro-ducao (os capitalistas e o Estado) juntou-se urn ter-ceiro, puramente para.sita: a pequena burguesia daea sta militar-burocratica formada durante a guerra.The facto, esta apodera-se daquela metade de riquezanão produzida que e debitada ao trabalho futuro: fa-lodirectamente, atravês dos ordenados e pensOes, e indi-rectamente, porque a sua funcao parasitiria pressup6ea existencia de todo urn aparelho parasitaxio. Se a socie-dade italiana produz apenas 15 mil milhOes de riqueza econsome 30, e ester 15 mil milh6es s5,o produzidos poroito horas de trabalho quotidiano dar dezenas de milhOesda populaCão trabalhadora que recebe 6-7 mil milhOe.s desalario, o balanco capitalists node ser normalmenteacertado so de uma maneira: °brigand° as dezenas demilhoes da populacao trabalhadora, pela mesma quan-tidade de salario, a dar uma, duas, tres, quatro, cincohoras de trabalho a main, de trabalho nao remunerado,de trabalho que vai encher o capital pars que readquiraa sua funcao de acumulacao, que vai para o Estadopara que pague os seus debitos, que consolida a situacaoeconOmica da pequena burguesia reformada e a premeiapelos servicos prestados corn as armas ao Estado e aocapital, para obrigar a populacao trabalhadora a reben-tar sobre a maquina e sobre urn pedaco de terra.

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Nests situaclo geral das relac,Oes capitalistas, a lutade claesps 66 pode ser orientada para a conquista dopoder de Estado por paste da classe operaria, paradirigir este imane poder contra os parasitas, obri-gando-os a voltar a ordem do trabalho e abolindo ime-diatamente a quantia monstruosa hoje recebida. Corneats finalidade, 'bads a massa trabalhadora deve coo-perar, toda a massa trabalhadora deve assumir formaconsciente segundo a ordem que ela assume no processode producao e vends,: assim, cads operario (e cads cam-pones) é chamado ao Conselho para colaborar no esforcode regeneracao, 6 chamado a constituir o aparelho dogovern industrial e da ditadura : no Conselho se encarnaa forma actual da luta de classes tendente ao poder.E assim se traca o perfil da rede de instituicOes emque se desenvolve o prooesso revolueionario: o Conselho,o sindicato, o Partido Socialists. 0 Conselho, formacaohistOrica da sociedade, determinado pela necessidade dedominar o aparelho de pm:Inca°, formacao nascida pelaconquistada consciencia de si, por parte dos produtores.0 sindicato e o partido, associagOes voluntarias, instru-mentos de propulsao do processo revolucionario, «agen-tes2, e g-erentes» da revolucao; o sindicato que coordenaas forcas produtivas e imprime ao aparelho industriala forma comunista; o Partido Socialista, modelo vivoe dinamico de urns convivencia social que faz aderira disciplina a liberdade, dando ao espirito humano todaa energia e entusiasmo de que 6 capaz.

ESTUDOS «DIFICEIS, (*)

0 jornal Humanitl, Orgao oficial do Partido Socia-lista Francês, no seu amen° de 27 de Dezembrotranscreve, nos seas pontos essenciais, a novae' para aconstituicao dos Conselhos de fabrics, votada no Con-gresso Camarario de Turim por 38 mil operarios orga-nizados (') e comenta-se de mode muito favorivel. Nela,e no facto que em toda a Italia se pee a questao dosConselhos, esperando uma soluCgo das massas, o Hume.nitg ye urn sinal da maturidade politics do proletariadoitaliano, que, enquanto a institMcao parlamentar vemprogressivamente decompondo-se, inicia as primeiras ex-periencias pars a criacao dos Orgaos atraves dos quaisos trabalhadores poderao assumir a direccão da socie-dade que a gestao burguesa conduziu a ruins, discutea extensão (ism suns atribuicdes, procura determinar cornexactidao a sus tarefa e as suas relacties corn os orga-nismos existentes.

Informando o pablico trances sobre o movimento ita-liano, o Humanita dedica-lhe tambESM palavras, pars nOs

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(*) Neo assinado, L'Ordine Nuovo, 27-12-1919, seccio eCro-nache dell'Ordine Nuovo». 0 titulo é nosso.

(') 0 Congresso extraordinario da Camara de Trabalho deTurim realizou-se em 15-17 de Dezembro de 1919. A ordem dodia favorivel aos Conselhos de fabrics foi aprovada por 34 489votes contra 26 219 de uma mocao que queria deixar intacta aquest/10 do vote aos desorganizados. 0 congresso recusou a adver-Vência, enviada corn urn telegrams de Serrati, de confiar o pro-blems, por competkncia, As direccOes do PSI e da CGL.

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4.211nOp

lisonjeiras, de elogio. A nossa revista e o torn elevadodos discussees que ali se travam sato a presentailos comoexemplo do alto grau de desenvolvimento intelectual, daboa educarsào politica e social dos trabalhadores que aTeem e a apoiam. E certo que nao nos recnsamos, comodiz o escritor do Humanitê, a entrar em particulares deearacter te6rico, a requerer ao nosso leitor urn esfor9aserio e prolongado de ateneao e fazemo-lo coin plenaconvicelo de agir honestamente e como bons socialistas,se nao como jornalistas sagazes e estudiosos da popula-ridade e difusao.

Sim, 6 verdade, temos publicado artigos clongos),estudos «dificeis), e continuaremos a faze-lo, quando orequererem a importancia e a gravidade dos argiunen-tos, na linha do nosso programa: nao queremos escon-der nenhuma dificuldade, acreditamos que a classetrabalhadora adquire, a partir de hoje, consciénzia-'daextensao e da seriedade das tarefas que the incubiraoamanha, cremos honesto tratar os trabalhadores comohornets a quern se fala abertamente, cruamente, daseoisqs que lhes dizem respeito. Infelizmente osrios e os camponeses foram considerados durante muitotempo come crianeas que tam necessidade de serem sem-pre guiadas, na fabric& e no campo, pelo punho deferro do patrao, aplicado sobre a nuca, na vida poli-tica pela palavra retumbante e meliflua dos demagogosencantadores. No campo da cultura, portant°, opeririose camponeses foram e sao ainda considerados, pelamaior parte, como tuna massy de negros que se podefacilmente contentar corn material de pacotilha, corn p6-rolas falsas e restos, reservando para os eleitos os dia-mantes e as outran mereadorias de valor. Napa ha mulede mais inumano e anti-soeialista do que ester concepS.Se ha no mundo qualquer coisa que tern urn valor, to-dos s5.o dignos e capazes de a aprecdar. Nero existemduas verdades nem doffs diversos modos de diseutir.hA nenhum motivo pelo qual urn trabalhador deva serincapaz de conseguir gostar de urn canto de Leopardimais do que duma guitarrada, suponhamos, de FelixCavalloti ou de outro poets cpopular», de uma sinfoniade Beethoven mais do que duma eancito de Piedigrotta.

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E nao ha nenhum motive pelo qual, dirigindo-se a ope-th'sios e camponeses, tratando os problemas que lhesdizem respeito tam intimamente, como os da organizacaoda sua comunidade, se deva usar um torn manor, di-verso do que convOm usar para this problemas. Quereisque quern tern sido sempre escravo se transforme numhomem? Comegai a trata-lo, sempre, como urn homem,e o maior passo ern frente estari dado.

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1920

PRIMELRO • RENOVAR 0 PARTIDO(*)

0 Partido Socialists 6 o partido dos opera-ries e doscamponeses pobres. Surgido no campo da democracialiberal (no campo da concoreen.cia politica, que e tunaprojeccao do process° de desenvolvimento do capita-lismo) como uma das forcas socials que tendem a criaruma base de governo e a conquistar o poder de Estadopan dirigi-lo em beneficio dos seus, a sua missao con-siste em organizar os operarios e os camponeses pobresem classe dominante, em estudar e promover as condi-ciies favoriveis para o advento de uma democracia pro-letaria.

0 Partido Socialista italiano conseguiu actuar a maisfacil e elementar parte da sus tarefa histOrica: conse-guiu agitar as massas ate nos estratos mais profundos,conseguiu centralizar a atenclo do povo trabalhadorpara o seu programs de revolucao e de Estado operdrio,conseguiu construir urn aparelho de governo de tresmilhOes de cidadaos que, se fosse consolidado e materia-lizado em instituicOes permanentes e revolucionarias,seria suficiente para se apoderar do poder de Estado.0 Partido Socialists mao satisfez na parte essential dasus tarefa histerica: nao conseguiu dar uma forma per-

(*) Nick assinado, L'Ordine Nuovo, 24-31 de Janeiro de 1920,semi() aLa settimana politica*.

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manente e solida ao aparelho que tinha conseguido sus-eitaT agitando as massas. Nero conseguiu progredir e,por isso, caiu numa crise de marasmo e de letargia.Construido para conquistar o poder, construido comoalinhamento de forcas militarites decididas a travar ba-talha, o aparelho de govern° do Partido Socialists apre-senta-se aos bocados, desag-,rega-se; o partido esti aperder cada dia o contacto corn as grandes massas emmovimento; os acontecimentos sucedem-se e o partidoester ausente; o pais e percorrido por tremores de febre,as forcas dissolventes da democracia burguesa e do re-gime capitalists continuam a operar, implaciveis eimpiedosas, e o partido nao intervem, nao ilumina asgrandes massas dos operarios e camponeses, nao justi-fies o seu fazer e o seu nao fazer, Mao lanca palavrasde ordem que acalma as impaciencias, que impecam asdesmoralizacbes, que mantenham cerradas as fileiras efortifique o conjunto dos exercitos operarios e campone-ses. 0 partido, que se tinha tornado a major energia his-tOrica da nacho italiana, caiu numa crise de infantilismopolitico, 6 hoje a major das debilidades sociais da nachoitaliana. Yin espantam, na verdade, em this e propiciascondicOes, os germes de dissolucicH do grupo revolueio-nario: o cepticismo oportunista e reformista e a fra-seologia pseudo-revolucionaria anfirquica (dois aspectosda tendencia pequeno-burguesa) pululam e desenvolvem--se corn rapidez impressionante.

As condicOes internacionais e nacionais de revolucaoproletAria desenham-se cada vez mais nitidas e precisase consolidam-se. E justamente no moment() em que po-deria ser decisivo, eis que o instrumento maxim° darevolucio proletaria italiana, o. Partido Socialists, sedecomp5e, agredido e aviltado insidiosamente por poli-tiqueiros parlamentares e por funcionarios confederais,por individuos que reivindicam um poder representa-tivo que nao tern base seria e concreta, que se funda-ments no equivoco, na ausencia de qualquer continui-dade de accao e na ociosidade mental que e tho prdpriados operarios como de todos os outros italianos. E daparte comunista, da parte revolucionlria, da parte dasentrdades directivas nomeadas pela maioria revolucio-nina, nenhuma accAo de conjunto pars calafetar esta

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decomposicio, pars desinfectar o partido, pan orga-niza-lo em conjunto homogeneo, para organize-lo comoseccio da III Internacional, fortemente inserida nosistema mundial de forces revolucionirias que tencio-nam actuar seriamente as teses cornunistas.

A resistencia do bloco imperialista, que tinha con-seguido subjugar o mundo corn poucas casas-fortes,despedacou-se, desagregou-se pelas viterias militares doEstado operario russo. 0 sistema da revolucao prole-tAria internacional, que se alicerca na existencia e nodesenvolvimento, como potencia mundial, do Estadooperario russo, possui hoje urn exercito de dois milhOesde baionetas, exercito pleno de entusiasmo guerreiroporque e vitorioso e consciente de ser o protagonists dahisteria contemporanea. As vitOrias e os avancos doexercito da HI Internacional abanam as bases do sis-tema capitalists, aceleram o processo de decomposiclodos Estados burgueses, agudizam os conflitos no interndas democracias ocidentais. Os ingleses preocupam-secorn a India, a Turquia, a Persia, o Afganistio, a China(onde se multiplicam os focos de revolts) e corn umaleve pressao fazem desaparecer Clemenceau da oenapolitica. A queda do fantoche antibolchevista revelaimediatamente as fendas do bloco reaccionario frame'se inicia a desagregaclo do Estado politico: a tendênciacomunista e intransigente ref orca-se no movimento ope-rario. A questa° russa pOe frente a frente o oportunismode Lloyd George e a intransigèneia contra-revoluciond-ria de Winston Churchill, mas o terreno da democraciabritanica, outrora magnifico campo de manobra paraa demag,ogia radical lloydgeorgiana, mudou completa-mente: a estrutura da classe operaria inglesa continuaa desenvolver-se, lenta mas seguramente, pars formalsuperiores; os operarios querem intervir mais frequen-temente e mais directamente na deliberacio dos progra-mers de accio; multiplicam-se os congresses das «TradeUnions, e os revolucionazios, cada vez mais e maiseficazmente, fazem sentir ali a sua voz; a reparticAopermanente dos congresses sindicais transfere-se dasmacs do grupo parlamentar trabalhista para as macsde urn Comae central opera/ie. Na Alemanha, decom-pi-re-se o govern de Scheidemann, sate a faits de apoio

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de qualquer consenso popular, o terror branco enfurece--te brutalmente: os operdrios comunistas e indepen-dentes readquiriram uma certa liberdade de movimentose difunde-se a persuasdo que so a ditadura proletariapode salver a nacdo alemi da mina economics e dareact:do militarista. 0 Sterna internacional contra-revo-lucionasio dissolve-se pela a gudizacdo das contradicOesIntimas da democracia burguesa e da economia capita-lista e pelos gigantescos inpulsos do proletariado russo.0 Estado burgues italiano fragments-se pelts grevescolossais nos services pdblices, pela falencia fraudulentae ridicula da politics extern e interne. Actuarn-se ascondicOes suficientes e necessirias pare a revolugdoproletiria, no campo internacional e no campo national.E eis que o Partido Socialists se encontra memos a siprOprio e a sua missão; partido de agitadores, de nega-dores, de intransigentes nas questbes de tactica geral,de apOstolos das teorias elementares, Tido consegue orga-nizar e enquadrar as grandes masses em movimento,nao consegue preencher os minutos e os dias, ndo con-segue encontrar urn campo de aced° que o ponha emcontacto, em todos os momentos, corn as grandee mas-sas. Nä° consegue organizar o seu conjunto intimo, nä°tern urns discipline teOrica e pratica que the permitspermanecer sempre aderente a realidade proletaria na-tional e internacional para dominarla, pars controlaros acontecimentos e Mao ser arrastado e destruido. Par-tido dos operarios e dos camponeses revoluciondrios,deixa que o exercito permanente da revolucdo, os sindi-catos operdrios, permaneca sob o controlo de oportu-nistas que encantam, a seu bel-prazer, o aparelho demanobra, que sabotam sistematic,amente qualquer accitorevolueiondria, que sdo um partido dentro do partido,e o partido mais forte, porque sac dons dos gangliosmotores do corpo operario. Ocorremm duas greves quepdiarn ser mortais para o Estado ( 1 ) e deixardo lengescortejos de recriminacOes e de agressifies pole:micas porparte dos anarquistas, sem que o partido tivesse uma

(') Trata-se da greve dos Correios (14-20 de Janeiro de1920) e da greve dos ferroviirios (20-29 de Janeiro) que foramfadigosamente resolvidos pelo govern enquanto a Imprensa con-

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palavra a dizer, urn mOtodo a afirmar que tido fosseo estafado e consumido da mais estafada e consumidaII Internacional: a distinede entre greve economics egreve politica. E, assim, enquanto o Estado sofria umacrise agudissima, enquanto a burguesia armada e plenade Odic) teria podido iniciar uma ofensiva contra aclasse operaria, enquanto se perfilava o golpe de malemilitarista, os centros revoluciondrios operarios foramdeixados a merce de si pr6prios, sem palavra de ordemgeral, a classe °per-aria encontrou-se fechada e presanum sistema de compartimentos estanques, perdida,desiludida, exposta a todas as tentagaes anarquizanths.

Estamos desencorajados e desmoralizados? NAo, mss0 nece.ssario dizer a verdade nua e crua, a necessarioreveler uma situagdo que pode, que deve ser mudada.0 Partido Socialists deve renovar-se se nde quer serarrastado e destruldo pelos acontecimentos ameacado-res; deve renovar-se porque a sua derrota significariaa derrota da revalued°. 0 Partido Socialists deve serseriamente urns secede da III International e deve come-car a actuar as teses no seu intern, no interne dogrupo dos operarios organizados. As masses organiza-das devem tornar-se donas dos seus organismos de luta,devem «organizar-se como classe dirigente., antes demais nas suas prOprias instituicee-s, devem fundir-secorn o Partido Socialists. Os operarios comunistas, osrevolucionaries conscientes das tremendas responsabi-lidades do periodo actual, devem renovar o partido,dar-lhe uma figura precise e uma direcedo precise; de-vem impedir que os oportunistas pequeno-burgueses oreduzam ao nivel de tantos particles do pals de Poli-chinelo.

servadora exigia «enêrgicas medidas» e o Partido Socialists selimitava a uma gen6rica solidariedade corn os grevistas. Os anar-quistas acusaram o PSI de se submeter a distinciio bizantinaentre greve econamica e greve politica numa sauna° revolucio-Mtria.

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0 OPERARIO DE FABRICA (*)

Cada sociedade vive e desenvolve-se porque aderea uma producAo historicamente determinada: onde naoexiste producão, onde não existe trabalho organizado(mesmo que seja de modo elementar), ma° existe socie-dade, nit) existe vida histOrica. A sociedade modernaviveu e desenvolveu-se ate a fase actual porque aderiaa urn sistema de producAo: Aguele Sterna de producAohistoricamente determinado pela existOncia de duas clas-ses, a classe capitalista, proprietaria dos meios de pro-ducao, e a classe trabalhadora, ao service da primeira,subjugada a primeira pelo vinculo do so-lark), pelo yin-culo da ameaca pesada de morte por fome.

No estadio actual, a classe capitalista 6 represen-tada por urn sector... de vanguarda, a plutocracia; alinha de desenvolvimento histdrico da classe capitalistae urn processo de corrupcao, urn processo de decompo-sicAo. As funcees tradicionais da classe capitalists, nocamp° da producLo, passaram pan as mios de urnsector medio irresponsavel, sem vinculos de interesse,nem psicolegicos, corn a prepria produclo: burocratasdo tipo «empregados do Estado', venais, Asides, cor-ruptos, agentes da bolsa, politiqueiros sem arte nemparte, gentaiha que vive o dia-a-dia, saciando baixosdesejos e propondo finalidades idenis adequadas a sua

(•) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 21-2-1920, rubrics aLasettimana politica».

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psicologia de devassos: possuir muitas mulheres, terdinheiro em bards para gastar Tins alcovas das prosti-tutes de alta classe, nos bat tabarin e no luxo vistoso egrosseiro, ter uma particula do poder de atormentar efazer sofrer outros homens submetidos.

A elasse trabalhadora foi-se, pelo contrazio, desen-volvendo para um tipo de humanidade historicamenteoriginal e novo: o operario de fabrica, o proletario queperdeu todos os residuas psicolOgicos das suas origenscampesinas ou artasanais, o proletario que vive a vidada fabrics, a vida da producao intensa e metedica, de-sordenada e eadtica, nas relacbas sociais externas a fa-brica, ass relagOes politicos de distribuicaz da riqueza,mas ordenada, precisa e disciplinada no interior dafibrica, segundo o ritmo das grander maquinas, se-gundo o ritmo de uma refinada e exacta divisao do tra-balho, a major naaciHuina da producao industrial.

A classe propriethria do capital afastou-se do tra-balho e da producao, desagregou-se, perdeu a conscien-cia da sua primitiva unidade que era unidade dialectics,unidade na luta individualista pela concorrencia dolucre: a unidade da classe capitalista identificou-se comuma instituicao do Estado, o Governo; o individuo aban-donou as suns fungbes de luta e de conquista nas macsde urn bando de aventureiros e politiqueiros mercena-ries para recair na animalidade primordial e barbaraque nutre os instintos mais abjectos do crapula.

A classe operaria identificou-se com a thbrica, iden-tificou-se corn a producao: o proletario nao pode viversear trabalhar e sem trabalhar methdica e ordenada-manta. A clivitho do trabalho criou a unidade psicolegicada classe prolethia, criou no mundo prolethrio o corpode sentimentos, de instintos, de pensarnentos, de costu-mes, de habitos e de afectos que se resumem na expres-

solidariedade de classe. Na fabrics, cada prolethrioconduzido a conceber-se a si preprio come in.separavel

doe seus companheiros de trabalho: poderia a materiainforme, acumulada nos armazens, circular no mundocomo objecto (ail a vida dos homens em sociedade seum s6 anel faltasse SO sistema de trabalho na producitomdustrial? Quanto mats o proletario se especializa numgesto profissional, tante main sente a indispensabilidade

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dos camaradas, tanto mais sente ser a celula de urncorpo organizado, de urn corpo intimamente unificadoe coeso; tanto mais sente a necessidade da ordem, dometed°, da precisao, tante main sente a necessidade quetodo o mundo seja come uma 'Mica e imensa fabrics,organizada corn a mesma precisto, o mesmo metodo,a mesma ordem que ele verifica ser vital na fibricamade trabalha; tanto mais sente a necessidade que aordem, a precisao, o metodo que vivificam a fabricssejam projectados no sistema de relacees que liga tunafabrica a outra, uma cidade a outra, uma mac a outranacto.

Por esta sua original psicologia, per esta sua parti-cular concepc5,o do mundo, o operbsio de fabrics, o pro-letasio da grande inthistria urbana, e o modelo do comu-nismo, é a forca revolucionaria que encarna a missaode regenerar a sociedade dos homens, a urn fundadorde novos Estados. Neste sentido (e oak naquele estupi-damente falsificado pelos jornalistas de Stampa) afir-mamos que Turim é a oficina da revoluc.5.o comunis-ta: porque a classe trabalhadora de Turim e, namaioria, de prolethrios, de operirios de fabrics, derevolucionarHos do tipo previsto por Karl Marx, nao derevolucionarios pequeno-burgueses, seguidores dos anosquarenta e oito, do tipo care aos democratas e aos rufiasdo anarquismo. Tambem neste sentido, sustentimos quea Gonfederacto Geral do Trabalho e constituida por mas-sas operarias mais «revolucionarias y, do que as massasorganizadas na Uniao Sindical ( 2 ): a Confederacaoagrupa os operarios das inclUstrias melhor especificadase organizadas, das inchistria-s «mais revolucionariasx ede vanguarda, enquanto a Uniao sindical a uma desor-

No escrito La funzione storica della cittd (L'Ordine Mo-ro, 17-1-1920) afirmava G.: «Turim nao é hoje a cidade capita-lista por excelencia, mss é a cidade industrial por excelencia ea cidade proletaria por excelencia. A classe °pet-aria de Turimé compacta, disciplinada, é distinta como em pouquissimas cidadesdo mundo. Turim é como uma Unica fabrics: a sua populaciotrabalhadora é de urn 56 tipo e é fortemente unificada pela pro-ducal° industrial»

Cf. 0 rade= do poder, PP. 48-52 do presente volume.

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ganizack) que nao consegue sair do este...di° gelatines°e indistinto, do estadio da conceperão do mundo, pr6priados pequenos burgueses que nao se tornaram capitalis- prOpria doe artifices ou dos camponeses que nao setornaram proletarios.

Cada sociedade vive e desenvolve-se porque existeuma producao, porque se produz mais do que se con-some, mesmo que a distribuicao pelo consumo e pelapoupanca aconteca de modo iniquo: a sociedade vive edesenvolve-se na iniquidade—ela morre (mesmo se seactuou o reino da justica) se nao se produz. A sociedadeburguesa morre porque nao se produz, porque o traba-lho dos produtores, corn as novas relageres de distribui-clao criadas pela guerra e pela conseguida lase pluto-burocritica do capitalismo, nao a suficiente nem sequerpara o consumo, alem de que nao permite qualqueracumulagao. A riqueza de material 6 reduzida a nada,progressivamente; aumenta, pelo contrario, a acumula-cao de titulos para apropriack) da riqueza material, opapel-moeda: o sistema capitalista de distribuicâo tor-nou-se urn assalto a mao armada perpetrado pelos de-tentores do poder governativo. 0 capitalista afastou-sedo campo da producto; o governo da indUstria caiu nasmacs de ineptos e de irresponsaveis; a classe opethria6 a Unica quo continua a amar o trabalho, a amar amaquina. A classe operdria domina hoje a producao,e o dono da sociedade porque pode amputar, cruzandoos bragos, os tiltimos nervos que a fazem vibrar ainda,porque so urn esforco herOico de produtividade poderiainfundir-Ihe nova vida e nova virtude de desenvolvi-mento. Os apestolos assalariados, os servos do capital,os avidos Lazzari da dispensa burguesa creem poder,corn os seus babes patriOticos ou humanitarios de fo-lhetim, incitar este heroismo produtivo do proletariadocomo conseguiram ao heroismo guerreiro. 0jogo resulta uma sO vez: e nao a possivel, neste caso,fazer-se ajudar pelos carabineiros para ser bem suce-dido 0 proletariado aumentara a producão para o co-munismo, para actuar a sua concepcao do mundo, paratomes histOria a sua cfilosofia», nao para procurarnovas 6cios ou novas dissipagOes aos detentores do

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papel-moeda: aumentara a produgao quando a arma doseu poder de Estado aliviar a arvore da vida dos muitosramos secos; esta poda, por si so, determinara um au-mento de producio, into 6, tuna rnelhor distribuicao ea possibilidade de poupanga.

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PARTIDO DE GOVERNOE CLASSE DE GOVERNO (*)

0 Partido Socialista é urn partido de govern, éurn partido que deveth, exercitar o poder politico. 0 Par-tido Socialista é a expressao dos interesses da classeprolethria, da classe c,onstituida pelos operarios de fa-brica que mat' ) tem propriedades e que nao se tornaraonunca proprietarios. Nestes interesses b a spia o PartidoSocialista a sua accao real, nos interesses de quern nä*tern propriedades e de quern é matematicamente seguroque nunca podera tornar-se proprietario. A classe tra-balhadora nap é formada apenas por operarios indus-trials; mas toda a classe trabalhadora e destinada atornar-se como o proletariado de fabrica, a tornar-seuma classe que nao tem propriedades e que ester mate-maticamente certa de nunca chegar a possui-las; porisso o Partido Socialista se dirige a toda a classe tra-balhadora, aos empregados, aos camponeses pobres, aospequenos proprietirios, e vulgariza a sus doutrina, adoutrina marxista, demonstrando como todo o povo dostrabalhadores, manuals c intelectuais, se reduzith a con-dicao da classe operaria, e como Codas as ilusfiesdemocraticas sobre a possibilidade que cads urn se tomepropriethrio sao de facto ilusees, puerilidade e sonhospequeno-burgueses.

(•) Trata-se de duas notas («Partido de governo» e «Classede governo») publicadas na mesma seccao e em estreita conexaoentre si. Nero assinadas, L'Ordine Nuovo, 28 de Fevereiro —6 deMargo de 1920, secqn- o «La settimana politica».

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0 partido liberal, o partido dos industriais, o par-tido da concorrencia econemica, e o partido tipico dasociedade capitalista, e o partido de governo da classecapitalista: atraves da conc,orrencia, tende a industria-lizar todo o trabalho organizado da sociedade, tende areduzir toda a classe proprietaria ao tipo do seu clienteecondmico, o industrial capitalista.

0 Particle Comunista, o partido dos proletarios, opartido da economia socializada e internacionalizada, 6o partido tipico da sociedade proletaria, 4 o partido degoverno da classe operdria: atraves dum Conselho cen-tral de economia nacional, que coordena e unifica asiniciativas be produclo, tende a socializar todo o tra-balho que os capitalistas industrializaram e tende aindustrializar socialisticamente todas as outras zonasde trabalho ainda nä° absorvidas pelo industrialismocapitalista; tende a reduzir todos os homens em socie-dade ao tipo do proletario, mas do proletario emancipado

regenerado, do proletario que não possui privadamentea riqueza mas administra a riqueza comum e dela extrai

bem-estar e a seguranca de vida que the respeitampelo trabalho prestado a produck.

Esta posick histOrica imp& deveres precisos aoPartido Socialista, partido de governo porque repre-senta eqsencialmente o proletariado, a classe dos ope-rarios industriais.1A propriedade privada ameaca es-trangular o proletario, ameaca faze-10 morrer de fome

frio; a concorrencia econemica, que a caracteristicada propriedade capitalista, depois be ter conduzidosuperproduck, conduziu ao monopOlio nacional, ao im-perialismo, ao choque feroz entre os Estados imperia-listas, a uma ciestruick desmedida da riqueza, a cares-tia, ao desemprego, a morte pela fome e pelo frio.A classe dos sem-propriedade, dos que nâo poderitonunca tornar-se proprietarios, tem um inthiesse vitale permanentemente vital para a socializack, para oadvento do comunismo. Dos outros sectores da popula-clio trabalhadora podem, pelo contrario, vaster desen-volvimenths pan urn novo capitalismo: daquelas formesbe producao que o capitalismo nao industrializou ainda,podem irromper ameacadoramente ampliactes be pro-priedacle e exploragOes do homem pelo homem. Despe-

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dacado o Estado burgues, despedagado o aparelho beque o capitalismo financeiro se serve papa monopolizarem seu interesse todo o trabalho e toda a produck, oartesao pode tentar servir-se do governo socialists paradesenvolver a sua oficina, assumir operarios assalaria-dos, transforrnando-se num industrial; se o governoproletario ado lho permitir, o artesio pode transformar--se num rebelde, declarar-se anarquista, individualistsou outras octets; e formar a base politica pan um par-tido be oposick ao governo proletario. 0 pequeno pro-prietario (ou o campones pobre do regime agrario lati-fundiasio, de cultura extensiva) pode abusar do factode, transitoriamente (ate que durem as condicOes beprovisk criadas pela guerra), um quilo de batatas po-der custar mais do que uma rods be automOvel, urnpAo poder custar mais be que urn metro cnbico de pa-rede, para pedir em troca do seu trabalho nao indus-trializado (e por isso economicamente pobre) urn tra-balho dez vezes superior ao do proletario; e se o governoproletArio não permite que o carnpones substitua ocapitalists na ex-plorack do operario, o camponis poderebelar-se e encontrar entre os agentes da burguesia ogrupo que se constitui partido politico dos camponesescontra os proletazios. De todas estas zonas be trabalho,que ne,o podem deixar be ter direitos politicos no Estadooperario, destns zonas de trabalho nas quais o industria-lism° capitalists nä° conseguiu ainda criar as condiceesdo trabalhador proletario, do trabalhador que nâoproprietario e e matematicament,e certo de nunca setornar proprietario, podem nascer, depois da revoluck,forcas politicos antiproletarias forcas politicas quetendem a fazer renascer a propriedade capitalists e aexplorack da classe operaria.

0 Partido Socialista, porque represents os interesseseconOmicos da classe operaria ameacada de morte pelapropriedade privada do capital, sera', pela classe opera-ria posto no govern() revolucionario da flack. Mas oPartido Socialists sera partido de governo s6 quandoconseguir fazer suprar a classe todas estas dificuldades,s6 quando conseguir reduzir todos os homens em Bode-dade ao tipo fundamental do proletario emancipado eregenerado da escravklk do salario, so quando conse-

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guir fundar a sociedade comunista, isto 6, a Interna-cional fir nacZes sem Estado. 0 Partido Socialistatornar-se-e. partido de govern revolucionario se quan-do apresentar finalidades concretas a revolugao, quandodisser: a revolucao proletaria resolvere, deste ou daquelemodo estes ou aqueles problemas da vida moderna queatormentam e fazem deseperar as massas humans.A revolucao, come tal, é hoje o programa maxim° do'Partido Socialista mas deve transformar-se no pro-grama minimo: programa maxim° deve ser aquele queindica as formas e os modos c,omo a classe operdriaconsegue suprimir, corn o seu disciplinado e metodicotrabalho proletario, todos os antagonismos e todos osconflitos que podem emergir das condigees em que ocapitalismo deixa a sociedade, e consegue fundar a so-ciedade comunista. Preparar a classe operaria, que terninteresse vital em fundar o comunismo, ern alcancar oseu fim histerico, significa de facto organizar proleta-riado em classe dominate: o proletariado deve adquiriruma psicologia semelhante a da classe burguesa actual,semelhante pela arte de governar, pela arte de saberconduzir ate ao fim uma iniciativa, uma accao geraldo Estado operatic!, na.o certamente pela arte de explo--rar. De recto, mesmo que quisesse, o proletario naopoderia adquirir uma psicologia de explorador; o prole-thrio Mao pode tornar-se proprietario , a menos que 112. 4- )

destrua as oficinas e as maquinas e se tone proprie-Uri° das pews de ferro tornado Midi', para morrerem cima delas no dia seguinte: precisamente porquema° pode tornar-se proprietario e explorar, delas ascondicties thenicas da producao industrial, o proletarioe chamado pela historia a fundar o comunismo, a liber-tar todos os oprimidos e explorados.

0 Partido Socialista nao se tornara efectivamenteparticle de governo revolucionario se o proletariadochegar a conceber os setts problemas imediatamente vi-this come resolfweis se por urn seu governo de classeque alcancou o poder revolucionariamente.

A classe operaria sabe que so produzindo essa classedomina a sociedade e a conduz ao comunismo: problemsfundamental e permanente, tambelm pan a classe ope-reria, d o da producao e do aumento da producao. Mae

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para a classe operiria o problema da producão e doaumento da producao pOe-se nestes termos: come obterque a classe operaria possa continuar a produzir e con-siga fisicamente aumentar a produCao; come obter quea classe operaria nao seja atormentada pelo problemados viveres, que a classe operaria se regenere fisicae culturalmente e possa dedicar-se, corn todo o seu en-tusiasmo revolucionario, ao trabalho industrial, a pro-ducão, it pesquisa e a actuaclo dos novos modes detrabalho, de novos modos de producao que sejam outrostantos aneis selidos da cadeia histerica que deve con-duzir ao comunismo. Os problemas imediatos da classeoperaria reduzem-se essencialmente a urn: ao problemados viveres, ao problems de instaurar urn sistema deforcas politicas em que a apropriaCao doe viveres deixede ser livre, a merce da propriedade privada, mas de-penda das necessidades de trabalho e da producao.0 principio prolethrio «Quern nao trabalha nao come!»adquire cads dia maior significado histerico concrete;parece que o principio Tao tern em si nada de jacobino,nada de nista°, nao pode ser comparado, nem sequerlonginquamente, a formula da revolucao burguesa«Igualdade, fraternidade, liberdade 0 principio pro-letario 0 o reconhecimento explicito de urns necessidadeimediata, de uma necessidade orginica da sociedade hu-mans quo ameaca desfazer-se e decompor-se em conjuntocorn o Estado burgues. E precise produzir e, pars produ-zir, é precise que exista uma classe operaria capaz, fisicae intelectualmente, de exercer urn e_sforge hereic,o detrabalho: per isso e necessario que as disponibilidades deprovisoes sejam especialmente dedicadas pars sustentara classe operaria, a classe dos produtores e 6 necessarioque exista um poder capaz de impor esta necessidade,capaz de assegurar a classe operaria as condicees denutricao e de bem-estar que permitam urn esforco detrabalho, urn increment° da producao. Se existe umadisponibilidade media de 200 gramas de p5.° quotidianoper cidadao, 6 necessario que exists um governo queassegure 300 gramas aos operezios e obrigue os naoprodutores a contentarem-se corn 100 gramas ou atemenos, ou ate nada se nä° trabalham, se nao produzem:um governo de tal genero so pode ser um governo ope-

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governo da classe operaria tornada classe de go-vern°, tornada classe dominante.

Nao pode existir governo open-Ho se a classe opera-ria n5,o for capaz de se tornar, no, sua totalidade, opoder executivo do Estado operario. As leis do Estadooperario devem ser postas em execucao pelos prOpriosoperarios: s6 assim o Estado operario nao corre o riscode cair nos maos de aventureiros e politiqueiros, naocorre o risco de se tornar uma contrafaccao do Estadoburgu6s. Por isso a classe operaria deve adestrar-se,deve educar-se para a gestao social, deve adquirir aculture e a psicologia de uma classe dominante, deveadquiri-las corn os seus meios e corn os seus sistemas,corn comicios, corn congressos, corn as discussOes, corna educa,cao reciproca. Os Conselhos de fibrica foramuma primeira forma destas experiencias histericas daclasse operaria italiana que tende para a autogovernono Estado operArio. Urn segundo peso, e dos mais im-portantes, sera; o primeiro congresso doe Conselhos defabrica ( 1 ): para ele sera° convidadas todas as fibricasitalianas: o congresso sera de toda a classe proletariaitaliana, representada pelos seus delegados eleitos ex-pressamente e nä° por funcionarios sindicais. 0 con-gresso deveria assentar os problemas essentials doproletariado italiano, tentando para eles a solugao: pro-blemas internos da classe como o da unidade proletaria,das relac5es entre Conselhos e sindicatos, da adesao AIII Internacional, da aceitacao des teses Unitas daIII Internacional (ditadura proletkria, sindicatos de in-&Istria, etc.), das relaCoe' s entre sindicalistas-anarquis-tas e comunistas-socialistas; problemas da luta de clas-ses: controlo da indastria pelo operario, as oito horns,os salarios, o sistem Taylor, a discipline do trabalho,etc. A partir de agora, os carnaradas deveriam discutirestee problemas em assembleias de fabrics; toda a massaoperaria deveria estar interessada nestas discussOes, de-veria dar um contribute de experiancia, e de inteligènciaA Beluga° deltas problemas. Em ferias as assembleiasde fibrica deveriam ser discutidas, e postal a votagio,mocOes apoiadas ern argumentacsao que aborde ester pro-blemas e, no congresso, as coanunicaeOes deveriam sera coordenagao das discussOes feitas mks assembleias de

fabrics, a c,00rdenacao do trabalho intelectual de pro-cura da verdade e da concretizansTh, feito por toda amasa operaria. Entäo sim, o Congresso dos Conselhosde Turim seria um grandiose acontecimento de sumsimportancia histOrica: os operdrios, vindos de toda aItalia, teriam um documento luminoso do que pode fazer

Conselho de fabrics para conduzir a classe operariasua emancipaeão, a sua viteria; a classe operkria de

Turim, ainda mais do que 6 ja hoje, seria apresentadacomo exemplo de entusiasmo revolucionario, de mete-dice e ordenado trabalbo proletario pars se elevar, panas educar, para estabelecer as condicOes de triunfo ede estabilidade da sociedade comunista.

(') A proposta de um congresso national dos Conselhos defabrics sera Iancada por Ordine Nuovo de 27-3-1920 num mani-festo (redigido por Palmiro Togliatti) subscrito pela Comissàoexecutiva da seceão socialists de Turim, pelo comiti de estudodos Conselhos de fdbrica de Turim e pelo grupo libertfirio damesma cidade. A ideia nao poderi ser realizada pela ocorrenciada greve geral em Turim, estendida depois em Abril a todo o Pie-monte, e pelas divisOes que ela acentuarlt no movimento politico

sindical.

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A REVOLUCAO ALEMA (*)

A cditadura militan estabeleceu o Basalt() it cdemo-cracia) aleml ( 1 ) e embateu ado contra as organizactiesdo Estado parlamentar, que nä° existiam fora da pre-pria ditadura militar, não contra as militias fieis dosufrigio universal e da Constituinte, que não existiamfora dos quadros da ditadura militar, mas contra aclasse operaria que subitamente parou a vida econ6-mica da Alemanha, contra a classe operiria sublevadade anus na ma.° para defender a sua liberdde e o seudevir histOrico.

A tidemocracia» nem resistiu um iinico momenta, su-miu-se ao primeiro estrOpito ameacador dos regimentosde Ludendorff em marcha; a democracia alemA era im-piedosamente forte so com a classe operaria, fazia-serespeitar so pela classe operdria, encontrava armas se-guras e militias fieis s6 quando a classe operaria rei-vindicava uma liberdade e um direito proletkrio; ademocracia nAo era mais do que urn instrumento nasmacs da ditadura militar, urn instrumento de guerracivil que 0 abandonada quando deixa de servir, quando

(•) Nio assinado, L'Ordine Nuovo, 20-3-1920, seccão «Lasettimana politican.

(1 ) 0 golpe de Estado reaccionfirio de von Kapp e do generalLuttwitz (ao qual se dizia ter participado tambêm Ludendorff)falia no period° de poucos dias, em seguimento a resistênciaoposta pelos operfirios de Berlim que tinham proclamado a gravegeral.

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se torna urn obsticulo e ameaca cair nas macs do adver-sario.

A derrota de Ludendorff nao 6, portant°, a simplesderrota da caste militar germanica: 6 uma das fasesmais importantes no process° de desenvolvimento darevolucao alma porque indica o prevalecer da potenciaproletaria sobre a potencia do Estdo burgués, porqueindica que na Alemanha o equilibrio das forcas se mu-dou corn vantagem para a classe operdria. A revolucaoalema retoma o seu ritmo de violencia, depois do pa-r6nteses democratico: concluiu-se uma fase essencial darevolucao proletaria, europeia e mundial, vista que oproletariado g-ermanico permanece protagonista da his-tOria mundial, como tinha sido protagonists a burguesiagermanica.

Este ano de &lase democratic°, na Alemanha, tinhafeito nascer muitas ilusOes e muitas esperancas. Espe-rava-se que na Alemanha amadurecesse a prova de quea revoluclo russa a apenas e puramente a revoluclorussa e nao urn moment° da revolucao prolethria mun-dial, esperava-se a demonstragao de que a ditadura daclasse operaria tinha sido na Russia o produto de con-

rnateriais prOprias da RUssia e de uma ideologiapolitica que podia nascer so na Russia, como reaccaoao despotism° czarista. A Alemanha tinha sido confiadaa missão de europeizar a revolucao russa, de europeizaro sistema dos Conselhos. A pequena burguesia ocidentalocupou facilmente a nova posicao de classe media entreo proletariado comunista e o capitalismo tornado con-servador, reaccionario, militarista; a nova posicao que,no campo da ideologia, a caracterizada pelo social-refor-mismo. A pequena burguesia, colocada perfeitamentenesta nova posicaTh histOrica, criou subitamente urnsnova teoria constitutional, construiu subitamente umnovo tipo de Estado. Tratava-se de conciliar o poderburgués corn o poder proletario, o Parlamento eleito parsufrdgio universal corn o sistema dos Conselhos; pen-sou-se reproduzir nas relaceies entre burguesia e prole-tariado o mesmo equilibria que as revolucees burguesastinham determinado nas relaciies de classe entre a no-breza das terms e a democracia dos fabricantes capita-liatas. Tal como a Inglaterra tinha conseguido construir

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o Estado moderno burgues corn as duas Camaras, a dosLordes e a dos Comuns, ofereeendo o modelo para aconstrugäo dos Estados europeus continentais, tambema Alemanha deveria construir o Estado modernissimo,corn duas Ca.maras: o parlament° politico e o parla-mento econOmico, o parlament° dos proprietaxios e osistema dos Conselhos operasios ( 2). A pequena bur-guesia estava persuadida que Java a felicidade a todasas classes sociais: a classe opera/la teria o seu dominio,teria campo para discutir, para palrar, pan prepararprojectos de lei e de reforma «radicals»; a classe pro-prietaria reconquistaria a tranquilidade e veria reflo-rescer o lucro par uma maior produtividade determinada'na classe operaria pela disciplina espontanea e pela«alegria do trabalho, criadas pelo Conselho de empress,pela «comparticipacao, do poder industrial; e a inteli-gente pequena burguesia vindimaria tambOm ela nacomum alegria, vista que a criacao e a sistematizacaode novas organismos multiplicariam os lugares de con-fianca, os encargos, as delegas'Oes, as secretarias, ascomissOes especiais.

Urn grande esforgo foi realizado pelos teOricos daInternacional comunista para destruir esta ideologia,para expulsar do campo do proletariado alerfao osassertores desta ideologia, para martelar nos cerebrosdo proletariado alemao a persuasao de que nao podeexistir coexist6ncia pacifies entre o Parlament° e o sis-tema dos Sovietes, entre a ditadura burguesa e a dita-dura proletaria. A primeira revolucao tinha deixado naAlemanha, como conquista sOlida da classe operaria, oConselho de fabrics: a luta entre os revolucionarios eos oportunistas pequeno-burgueses fundamentou-se naquestao dos Conselhos de fabrics e endureceu ate aoconflito a mao armada. A classe operaria nao quis per-mitir que fosse decepado do Parlamento o impulso vitalrevolucionario do Conselho de fabrics, que fosse sufo-cado o germe do poder de controlo da producao indus-trial par parte da classe operaria. A autocracia do

(2 ) Urn artigo da Constituicio da Repfiblica de Weimar pre-via a instituicâo de um parlamento econemico (Reiclunuirts-chaitsrat).

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capitalists na fabrica é o pressuposto econOmico do mi-litarismo e do imperialismo; se o privilOgio da classeoperfiria sobre a producdo é limitado, a controlado, todoo Estado burguès sofre corn isso, o poder da burguesiadecai, o militarismo senbe faltar-]he o terreno debaixodos pile. 0 militarismo alerndo reagiu violentamente con-tra a ameaga, esvaziou de qualquer poder o Estadoparlamentar que permitia discussoes e accees perigosas'pare a ordean constituida, procurou impor explicita-mente a sua ditadura.

Assim se fechou o periodo de extase democratic° naAlemanha: brilha de novo a guerra civil e o proletariadoalemao encontra-se em posicOes enormemente mais fa-voraveis do que em Janeiro de 1919 ( 3). As experienciashistOricas que a pequena burguesia ocidental esperavado pow • alemdo, espera-as hoje o proletariado ociden-tal do proletariado alemao. a elaboracdo e a construcaodo sistema dos Sovietes como forma da ditadura prole-taria, como instrumento da aspera luta que a classeoperaria devera travar para actuar a sociedade comu-nista.

(9 G. refere-se a insurreicäo spartaquista extinta no sanguedo exercito, sob a guia dos sociais-democratas de direita.

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PARA UMA RENOVACADDO PARTIDO SOCIALISTA (•)

A seguinte comunicacäo foi apresentada ao Con-selho Nacional de Milao pelos representantes daSeccao socialists e da Federacio Provincial de Tu-rim e serviu como base a critica do trabalho e davia da direccao do partido.

1) A fisionomia du Ma daa classes a em Italia carat-terizada, no moment° actual, polo facto de os opeririosindustrias e agricolas serem incoercivehnente determi-nados, em todo o territOrio national, a porean de modoexplicit° e violento a questio da propriedade dos meiosde producao. 0 agudizar das crises nacionais e interna-cionais, que reduzean progressivamente o valor da moeda,demonstra que o capital ester extenuado; a orclem actualde producão e de distribuicao ja nem sequer conseguesatisfazer as elemantares exigéncias da vide humana es6 subsiste porque a ferozmente defendida pela forcerarmada do Estado burgues; todos es movimentos do povo

(*) 0 documento apareceu em L'Ordine Nuervo, em 8-5-1920,mas Gramsci escreveu-o na primeira metade de Abril. Que eletivesse sido preparado, redigido e aprovado no infcio da lutados metalingicos de Turim, antes da greve geral, prova-o urnpreciso testemunho de Gramsci. Cf. aCronache dell'Ordine Nuovo»,21-8-1920. 0 Conselho Nacional do PSI reuniu-se em Milo em19-20 de Abril. Para uma informs-0o detalhada sobre a greve,ver, mais adiante, Supersticcio e realidade, pp. 91-96 do presentevolume.

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trabalhador italiano tendem irresistivelmente a actuaruma gigantesca revolucao econOmica que introduza novasmodos de producao, uma nova ordem no processo pro-dutivo e distributive, que de A classe dos aperarios indus-trials e agricolfis o poder de iniciativa na producao,subtraindo-o as mks dos capitalistas e dos proprieta-rios das tents.

2) Os industrials e os proprietirios das terras rea-lizaram a maxima concentracao der disciplina e da poten-cia de classe: uma palavra de ordem lancada pela Con-federacao da disciplina e da potencia de classe: umapalavra de ordem lancada pela Confederack geral dabath:Istria italiana encontra imediata actuack em cadsurns das fabricas. 0 Estado burgues criou urn corpoartnado mercenario ( 1 ) predisposto a funcionar comoinstrumento executivo da vontade desta, nova forte orga-nizacao da classe proprietaria que, atraves do lock-outaplicado ern large escaLl e do terrorismo, tende a res-taurar o seu poder sobre os moles de product°, obrigandoOs operarios e os camponeses a deixarem-se expropriarpor uma multiple quantidade de trabalho nao remunera-do. 0 ultimo lock-out nos estabelecimentos metahirgicosde Turim foi urn episedio desta vontade dos industrialsde porem o calcanhar sobre a nuca da classe operdria: osindustrials aproveitaram a falter de coordenacao e con-centrack revolucionaria nas forces operarias italianaspan tentar despedacar a unidade do proletariado deTurim e apagar, na consciencia dos operdrios, o presti-gio e a autoridade das instituicks de fabrics (Conselhos

delegados de seccao) quo tinham iniciado a luta pantcontrolo operazio. 0 prolongamento das graves agri-

colas em Novarese e em Lomellina demonstra como osproprietaries das terms estao dispostos a fazer naufra-gar a produck pars reduzir ao desespero e a fame oproletariado agricola, subjugando-o implacavelmente Asmass duns e humilhantes condicks de trabalho e deexistencia.

3) A fase actual da luta do classes, can Italia, 6 aaeguinte: ou a conquista do poder politico, por partedo proletariado revolucionario, pana passagem a neves

(1) Trata-se da Guarda real.

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modos de produck e de distribuicao que permitam umarecuperacao da produtividade; ou tuna tremenda reaccaopor parte da classe proprietiria e da casta governativaNero sera transcurada nenhuma violencia pars subjugar

proletariado industrial e agricola a urn trabalho servil:procurark despedacar inexoravelxnente OS organismosde luta politica da classe operaria (Partido Socialista)

incorporar os organismos de resistencia econ6mica (ossindicatos e as cooperatives) nas engrenagens do Estadoburgues.

4) As forcers operarias e camponesas falls a coorde-naclio e a coricentragao revolucionarias, porque os orga-nismos directives do Partido Socialists revelaram napcompreender absolutamente nada da faze de desenvol-vimento que a histOria national e international atraves-sa no actual periodo e nao compreender nada da missaoque incumbe aos organismos de luta do proletariadorevolucionârio. 0 Partido Socialists assiste come espec-tador ao desenrolar dos acontecimentos, nao tam nuncatuna opiniao sua Para exprimir que esteja em correspon-dencia com as teses revolutionaries do marxismo e daInternacional Comunista, nao lanca palavras de ordemque possam ser recolhidas poles masses, dar urns indi-cacao geral, unificar e cancentrar a accao revoluciona-ria. 0 Partido Socialists, como organizacao politica davanguarda da classe operaria, deveria desenvolver tunaaccao de conjunto apta a pOr toda a classe operaria emposicao de veneer a revoluCao e de vence-la de modeduradouro. 0 Partido Socialista, sendo constituido poraquela parte da classe proletaria pie nao se deixou avil-tar e prostar pela opressäo fisica e espiritual do sistemacapitalists mas conseguiu salvar a sua fisionomia e oespirito de iniciativa consciente e disciplinada, deveriaencarnar a vigilante consciencia revolucionaria de todaa classe explorada A sua taref a 6 a de centralizar emsi a atencto de toda a massa, de obter que as suss direc-tivas se tornem as directivas de toda a massa, de con-quistar a confianca permanente de toda a massa, demodo a tornar-se-lhe o guia e a cabeca pensante. Por isso

necessirio que o partido viva sempre imerso na reali-dade efectiva da luta de classes, combatida polo proleta-riado industrial e agricola, que saiba compreender as

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diversas fa.ses, os diversos episedios e as mtiltiplasmanifestacties pan conseguir a unidade das divensidadesmtlItiplas, para ser capaz de dar uma direccho real aoconjunto dos movimentos a infudir nas massas a persua-she de que a imanearbe uma ordem na espantosa e actualdesordem, uma ordem que, sisteanatizando-se, regeneraa sociedade dos hornets e tornara o instrumento de tra-balho iderueo para satisfazer as exigeincias da vidamantas e do progresso civil. 0 Partido Socialists passoua ser, mesmo depois do Congresso de Bolonha ( 2 ), urnmero partido parlamentar que se mantem im6vel entreos limites estreatos da democracia burguesa, que sepreocupa apenas can superficiais afirmacOes politicasda casts governativa; Mho conquistou uma sua figuraautOnema de partido caracteristloo do proletariado revo-lucionlrie e s6 o proletariado revolucionario.

5) Depois do Congresso de Bolonha, os organismoscentrals do partido deveriam imediatamente iniciar (edesenvolver completamente) urns energica aega..-o parstornar homogenea e coesa a unidade revolucionaria dopartido, para the dar a fisionomia especifica e distintade partido comunista aderente a III Internacional. A po-16mica corn os reformistas e corn os oportunistas nemsequer foi iniciada; tern a direccao do partido rem oAvantil contrapuseram uma concepcao pr6pria e revo-lueionesia a propaganda incessante que os reformistas

os oportunistas andavam desenvolvendo no Parlament°nos organismos sindicais. Nada se fez, por paste dos

drghos centrals do partido, pars dar as massas urns edu-eactio politica em sentido comunista, pars induzir as mas-sas a eliminar os reformistas e os oportunistas da direc-Vie das insiltuicOes sindicais e cooperativas, path dar acads urns des seccsA5es e aos grupos de camaradas maisactives urn indicacho e urns tactics unificadas. Assimaconteceu que, enquanto a maioria revoluciondria do par-tide Mho teve uma expressho do seu pensamento e um

(9 0 Congresso de Bolonha, realizado de 5 a 8 de Outubrode 1919, tinha-se concluldo corn a derrota dos reformistas a corna aprovacio, por grande maioria, de uma proposta que propug-nava a ditadura do proletariado e o tomada violenta do poder,corn base no modelo russo.

executor da sus vontade na direccho e no jornal, os ele-mentos oportunistas, pelo contririo, organizaram-sefortemente e exploraram o prestigio e a autoridade dopartido para consolidar as SUM posigOes parlamentares

sindicais. A direccao permitiu-lhe que se concentras-sem e votassem resolugOes contraditOrias corn os prim-cipios e a tactics da III Internacional e hostis a perspec-tiva do partido; a direcno dal absoluta autonornia, aorganismos subordinados, de desenvolverem accia- es e di-fundirem concepc5es contrearHas aos principios e a tacticsda III Internacional: a direccho do partido esteve sis-tematicamente ausente da vida e da actividade das sec-95es, dos organismos e de calla um dos camaradas. Aconfuslo que existia no partido antes do Congresso deBolonha e que podia explicar-se corn o regime de guerra,nh.-0 desapareceu e, em vez dime, creamy de modo espan-toso; 6 natural que, em this condictles, o partido tenhadecaido na oonfianca das massas e que em muitos siiiosas tendencies anarquicas tenham tentacle ganhar van-tagem. 0 partido politico da classe operhria a justificadoporque, centralizando e coordenando fortemente a acchoprolethria, contrapee um poder de facto revolucionarioao poder legal do Estado burgues, limitando-lhe a liber-dade de iniciativa e de manobra; se o partido nä° realizaa unidade e a simultameidade dos esforcos, se o partido serevels urn mero organism° burocrâtico, sem alma e semvontade, instintivamente a classe operaria timals. a cons-tituir um outro partido e desloca-se path as tend&nciasanárquieas que Ispera e incessanternente criticarn a cen-tralizacho e o funcianalismo dos partidos politicos.

6) 0 partido esteve ausente do movimento interna-cional. A luta de classes esti aasumindo ern todos os Poi-ses do Mundo formas gigantesens; os prolethrios sheimpulsionados, por toda a parte, a renovar os metodosde luta e, frequentemente, come na Alemanha depois dogolpe de forca militarista, a sublevarem-se corn as armasna mho. 0 partido Mho procura explicar ao povo traba-lhador italiano gates acontecimentos, justifich-los a luzda concepcio da internacional Comunista, nho procuradesenvolver toda ulna accho educativa destinada a tornarconsciente o povo trabalhador italiano delta verdade:que a revolugho prolethria 6 um f apemen° mondial e que

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cada um dos acontecimentos deve ser considered° e jul-gado num quadro mundial. A III Internacional reuniu-seja duas vezes na Europa Ocidental, em Dezembro de1919 numa cidade alemd, em Fevereiro de 1920 em Ams-terddo; o Partido italiano ado -estava representado emnenhuma das duas reunides; os militantes do partidonem sequer foram inforrnados, pelos organismos cen-trals, dais discussOee havidas e das deliberacOes tornadosnas duas conferencias. No campo da III Internationalfervem as polómicas sobre a doutrina e sabre a tacticada Internacional Comunista: etas conduziram (coma naAlemanha) ate a cisOes interns 0 partido italianoesti completamente fora deste vigoroso debate ideal emque se temperam as consciencias revolucionarias e Secontrdi a unidade espiritual e de aced. ° doe proletarios detodos os poises. 0 Orgdo central do partido ndo tern car-respondentes pr6prios nem em Franca, nem na Inglater-ra, nem na Alemanha e nem sequer na Suica: estranhacandied° pars o jornal do Partido Socialista, que emItalia representa os interesses do proletariado interna-cional, e estranha candied° pars a classe operaria ita-liana que deve informar-se atraves das noticias dasagencias e dos jornais burgueses, truncadas e tendencio-sas 0 Avanti!, coma Orgdo do partido, devia ser Orgdoda III Internacional: no Avanti! deviam eneontrar lugartodas as noticias, as polêmicas, a exposigdo de problemasproletarios que interessam a III Internacional; no Avan-ti! devia ser conduzida, com espirito unitario, uma pole-mica incessante contra todos as desvios e os compromis-sos oportunistas; pelo contrario, o Avanti! pOe em relevomanifestagOes do pensamento oportunista, coma o reoentediscurso parlamentar de Treves ( 4 ), que era tecido sobreuma concepetto de relacides internacionais pequeno-bur-

(') Do Partido Comunista Alemiio separa-se urns fraczio daextrema-esquerda, de tipo abstensionista, que di vida ao KAPD,Partido Comunista Operfirio Alemão.

(') t o discurso pronunciado na Camara por Trevas, em 80de Margo de 1920, que passarà a histeria como o adiscurso daexpiacito». Treves sustentava que o momenta politico era carat-terizado por eats, contradiciw: a burguesia ji nito era capaz deexercer o poder e a classe operfiria ainda nio era capaz de con-quistii-lo; daqui a tragtlia e a expiacão das classes dominantes.

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guesa e desenvolvia uma tem-ia contra-revoiucionaria ederrotista das energias praletarias. Esta ausencia, nosOrgies centrals, de qualquer preocupacdo de informar oproletariado sobre as acontecimentos e sabre as discus-sees te6ricas que se desenvolvem no intern da III In-ternacional pode observar-se tambern na actividade daLivraria Ectitora. A livraria continua a publicar opdscu-los sem import/Smola ou escritos pars difundir concep-cOes e opiniOes pr6prias da II International, enquantotranscura as publicagOes da III Internacional. Escritosde camaradas russos, inclispansiveis pars compreendera revalued° bolchevista, foram traduzidos na Silica, naInglaterra e na Alemanha mas ado ignorados em Italia:sirva comb exempla o volume de Levine, Estado e Revo-luccio; os optisculos traduzidos sdo traduzidoe pessima-mente, minas vezes incompreensiveis pales arras grama-ticais e de sentido comum.

7) Da analise preoedente, resulta ja qual 6 o trabalhode renovacdo e de organizaclo que n6s consideramos in-dispensivel actuar no conjunto do partido. 0 partidodove adquirir uma sua figura precisa e distinta: de par-tido parlamentar pequeno-burgues deve passar a par-tido do proletariado revoluciondrio que luta pelo futureda sociedade comunista atraves do Estado operario, urnpartido homogóneo, coeso, corn a sua prOpria doutrina,uma sua tactics, uma disciplina rigida e implacavel. Osndo comunistas revolucionarios devem ser eliminados dopartido e, a direcedo liberta da preocupacto de conser-var a unidade e o equilibria entre as diversas tenden-cias e entre os diversas leaders, deve dirigir toda a suaenergia para organizar as forcas opernrias em p6 deguerra. Cada acontecimento da vida proletaxia nationale internacional dove ser imediatamente comentado emomisculos e circulares da direccdo pars dales extrairargumentos de propaganda comnnista e de educaedo dasconsciencias revoluciondrias. A direcedo, mantendo-sesempre em contacto com as sece5es, deve tornar-se ocentre motor da aced° proletaria em todas as suas expli-caedes. As seccOes devem proinover ern todas as fabricas,nos sindicatos, nas cooperativas e nos quarthis, a cons-tituiedo de grupos comunistas que difundam incessante-menth, no interne das mamas, as cancepcOes e a tactica

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do partido, que organizem a criaclo dos Conselhos defibrica pan o exereicio do controlo da producão indus-trial e agricola, que desenvolvam a propaganda news-saris pan conquistar de mode orgLnico os sindicatos, ascAmaras do trabalho e a Confederaflo Geral do Tra-balho, para passarem a ser os elementos de confiancaem quern a massa delegard para a formaceo" dos Sovietespoliticos e pant o excrete-bp da ditadura prolethria. Aexisthncia de urn Partido Comunista coeso e fortemecntedisciplinado, que atraves dos seas micleos de fabrica, diesindicato, e de cooperativa coordena e centralize no soucomitó executive central toda a mesa° revolueionaria doproletariado, 6 condiclo fundamental e indispensavelpan tentar qualquer experiencia de Soviete; na ausen-cia de uma tal condiclo, cada proposta de experrenciadeve ser rejeitada como absurda e util apenas pare osdifamadores da ideia «sovietistax.. Do mesmo modo deveser rejeitada a proposta do pequeno parlamento socia-lista, que passaria rapidaanente a ser um instrumentona Mao da maioria reformista e oportunista do grupoparlaxnentar pan difundir utopias democrAticas e pro-jectos contra-revoluciona.'rios (5).

8) A direceao deve imediatamente estudar, compliare difundir urn programa de govern revolucionArio doPartido Socialista, no qual sejam prospectadas as solu-cOes reais que o proletariado, tornado classe dominante,dare. a todos os problemas essenciais —econ6micos, poli-ticos, religiosos, escolares, etc. — que preocupam os di-versos estratos da populaflo trabalhadora italiana.Baseando-se na coneepelo de que o partido fundaments asuit pothncia e a sua accAo apenas na classe dos operAriosindustriais e agneolas que nao possuem qualquer pro-priedade privada e considers os outros estratos do povotrabalhador come auxiliares da classe frenc,amente pro-leth.ria, o partido deve distribuir urn document° pelo

(5) Trata-se da proposta de reunir, numa assembleia (quenilo era nem a direcno nem o Conselho nacional do partido), ossocialistas eleitos corn os exponentes dos miudraos organismoepoliticos, sindicatos e cooperativos, para elaborar propostas delei e exercer pressdes sobre o governo. Numa tal assembleia, osreformistas estariam em malaria.

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qual a conquista revolucionAria do pc:der politico sejaposts de modo explicito, pelo qual o proletariado indus-trial e agricola seja convidado a preparar-se e a armar--se e no qual se fags mencalo dos elementos das solugeesoomunistas para os problemas actuais: controlo prole-tArio da producao e da distribuicao, desarme dos corposarmados mereenArios, controlo dos municipios, exercidopelas organizaWes operarias.

9) A seccAo socialista de Turim prapOe-se promover,corn base nesters oonsi,deracCies, urns alines, corn os gra-pes de camaradas que at queiram constituir em todas asseceies pars as discutir e aprovar; alianca organizadaque prepare, dentro ern breve, um congresso destined°a discutir as problemas de tActica e de organizacito pro-letAria e, ao mesmo tempo, cantrole a actividade dosorganismos executivos do partido.

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SUPERSTICIO E REALIDADE (*)

«Masson o tempo, ja distantn, ern que a superstigitoatribula as revolucties a perversidade de um punhado deagitadores. Todos sabem hoje que, no fundo, a cada con-vulsho revolucionarkt deve existir urns neeessidade socialque as instituicöes envelhecidas impedean que seja satis-feito. E possivel que esta neoessidade se face sin&sentir muito profundamente e muito difusamente paraassegurar um suoesso imediato, mas cads tentativa parssufoci-lo violentamente conseguira apenas faz6-1° irrom-per corn major f arca ate despedaear as sans sigmas. Se, ortaaaSpalo r___rmos derrotados e nosso clever recomegar do

principro: o Interval° de espera, breve provavelmeate,que nos 6 consentado entre o Ern do primeiro e o inicio dosegundo acto, deixa-nos afortunadamente tempo para. urntrabalho muito o estudo das causas qua determina-tarn, corn o seu confluir, a recente revolus..4o e a sua der-rota ; causas que nao devem ser procuradas nos esforcos,na_genialidade, nas culpas nos erros ou nas_ctraicOes»de alguns dirigentes, mas no estado gerarda sociedade ena c,ondisao de existencia de cads urns das nasOes ecmefervesceatcia.) (1)

(•) Nilo assinado, L'Ordine Nuovo, 8-5-1920.(/) 0 fragmento a transerito, segundo a nota de G., de Karl

Marx, Revolution et eontrerdvolution en dinemagne, Paris, 1906,Fir2-3. 0 ensaio foi porein escnto —em grande parte por F.Engels.

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ii-suPersticap atribui a .greve Serale.__TUrinke doPivarnont, atribui um movimento que durou dez dial devilla internsissima, que ocupou meta milhao ide ape/tiese camponeses, que determinou rupturas mortais no apa-relho do poder de Estado burgues, quo demonstrou a suaforge de expansao' nas simpatias e nos consensos activos

• suscitados em toda a classe prolethria italiana, atribuiurn tal movimento a vaidade regional de urn grupo decirresponsaveris», a falaz ilusao de um grumisculo deextremistas texaltados», as tenebrosas elucubragee_scrussas), de alguns elementos intlectuais que conspiramno anonimato do famigerado comite de estudo dos Con-selhos de Turim.

Setenta anos depois que Karl Marx podia presumirce ji distante o tempo», a superstiCao encontra devotesnao so entre os escritores me.nores do Corriere della Serae do Giornale d'Italia, nao só em Edoardo Giretti ( 2 ) msstambem na secretaria de direcclo e de &ere/Iola _do &noda Confetheracao Geral dos TrabaLho, que oomporta Boismilheies de proletarios itilianos epresume actuar-a7pra-xis do mandsrno em Italia.

A classe operaria de Turim foi derrotada. Entre ascondicees que determinaram a derrota esta tambem atsupersticao»,3a estreiteza da menth dos responsaveispelo movimento operario ialiano. Entre as condicees me-mediatas, de rimeiro grau, que determinaram a derrotaester, portan o, m a faits de coesao re—v-CubliMariade todo o proletariado italiano que nab consegue expri-mir do seu interior, organica e disciplinadamente, umahierarquia sindical que seja urn reflexo dos seus interes-ses e do seu espirito revolucionesio. Entre as condicOesmediatas, de primeiro grau, que determinaram a derrotadevem, portanto, reter-se 0 estailoseral da sociedade ita-liana e as condicees de existAlicia de cada regiäo e docads provincia que constituem uma celula sindical daConfecleracao Geral do Trabalho._E certo, em sums, quea classe operiria de Turim foi derrotada porque naoexistem, em Italia, nao estao ainda maduras as condicdesneeessarias e suficientes pan um organico e disciplinado

(3) Deputado liberal e exponente do liberalismo econ6mica

movimento de conjunto da dins% operaria e camponesa.Desta imaturticlade, desta insuficiencia do povo trabalha-

__clor italiano, é indubitavel documento a «su-oersticao»e a estreiteza de ideias dos chefes responsa.veis pelo mo-vimento organliado ;do povo tra-/?r,'EaEoflatia.no.

Ern 7 de Margo rea MilaeTth convivio na-cional dos andustriais. 0 comandador Silvestri, presiden-ts da Confederacao Coral da Indastria, promuncia noconvenio urn discurao violentissimo contra as oito horas,lcontra os aumentos de salario, contra o govern pusila-nime que nen defendeu o capital em Pont Canavese, emTorre Pellice, em Asti (invasao da fabrics de algodäoMazzonis e da serracao de Asti), contra o governo pusi-lamine que nao sabe defender o regime individualist&burgues contra os assaltos dos comunistas. Gino Olivetti,secretario confederal, refere so convenio a questao dosConselhos de fabric& e conclui proclamando que os Con-selhos operarios de Turim dovem ser destruidos impla-cavelmente; a concerpcao capitalists, expresso por Oli-vetti, 6 aplicada poles industrials de Turim na ofensivacontra os Conselhos operarios e acha-se resumida nas,,duas máximas que a propaganda dos capitalistas gritaU •vitoriosamente por torlas as ruas da cidade, depois dderrota proletairia: cNas horns detrabalho trabalha-se

se discute. Nas nap -poaTexistiiinais dooque uma autoridade.».

Depots do convenio de Mild°, as industrials cense:\guem ter no governo garantias precisas; em Turim est-apan suceder alguma coisa de novo e de inaudito: o di-rector do Gionuile d'Italia farejou, nos ministerios ro-manos, odor de sangue e manda um oorrespondente espe-cial a Turim que se precipita nas redaccees dos jornais

nas direcOes das fabricas a perguntar: — Mas o quee que sucede em Turim? Porque se tern tante medo emRoma dos operarios de Turian? Porque é que o meu direc-tor me mandou a Turim Para fazer urn inquerito sobre

movimento operario e sobre os Conselhos de fabrics?E, subitamente, eis as noticias que chegam ao comitede estudo: ontem chegaram mil guardas regios naves;hoje, outros forgas militares ingentes acampaan aqui

ali nas localidades .da periferia, estabreleoem bateriasem certos pontos da colina; nos igrejas, sobre os tectos

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dos edificios, instalaraan metralhadoras; deixam-se for-mar depesitos de armas para as associacOes subsidiadaspelos industrials; estas associacOes puseram-se directs-manta em contacto coon os oficiais aderentes que coman-darn quartets na provincia. Entretanto, o corresponden-te do Giornale d'Italia anunoia, nas suas cartas de Tu-rim, que os industrials estäo decididos a enfraquecera classe operAria, que os industrials juraram sustentar--se solidamente na luta ate ao lock-out geral, que osindustrials de Turim serâo activamente apoiados portoda a classe capitalista itaiiana, que o choque entre ape-x-Arias e industrials acontecera breveanente.

Todo est,e movimento da classe capitalista e do poderr-de Estado para barrioar Turim, para apanhar a classeopereria de Turim num cavil de lobos, nao foi sequerpercebido pelos chafes responsaveis da classe operariaitaliana organizada. A vasta ofensiva capitalists foi mi-nuciosamente preparada sem que o lestado-mater * daclasse operaria organizada se desse oonta disso, se preo-cupasse corn isso: e eats ausencia das centrals da or gani-zacão tornou-se uma condicao da luta, uma arma tromen-da nas moos doe industrials e do poder de Estado, tunafonte de fraqueza para as dirigentes locals da secedemetaltirgica.

Os industrials conduziram a accak cam extrema habi-'loirdoa d e. t tiOos dinividusditisaisonestretlooldivididaosooennotorerrejesiapelo nlou--

mica e politica, mas para enfrentar a classe operarias'ao urn bloco de ago/ nao existe o derratismo no seuinterim, nao existe queen sabote a accAo geral, quernseznela o desconforto e o panic°. Os industrials, envolvidaa cidade num parfait° sistema militar, enccintraram umenartz de Cleopatra * para mudar a face da histeria: nasoficinas tIndustrie metallurgiche * per uma violacao,Bern consequencias, do relOgio, os ' If/Austria's pedirant

"J inelegibilidade, por urn ano, dos camaradas des Comissiiointerns, ista 6, pediram que seis camaradas fossem pri-vadoa des direitos civic proletarios, por urn ano. 0 mo-vimento iniciou-se aqui e agravou-sea medida quo osindustrials explicavam corn perspicacia e corn rnetodotoda a sua manobra; os delegados opererios parrs as ne-goetacOes cram brinquedos nas mace dos industrials e

sabiam-no Pbern,/e os !industrials sabiam que os operirioso sabiam. Os operkrios estavam persuadidos de que asnegociacOes cram Vas, mas deviam continuar a negociar,porque uma paragem, urn desencorajamento, urn movi-mento impulsivo teria provocado o choque sangrentodesejado pales industrials, pela policia, pela caste mili-tar, pelos circulos reaocionirios: as delegados opeririosconheciam perfeitasnente as candle/5es er -snento em que ors acontechnen s erelavam__e,-dias e dial, tiveraan_que aierar_o cerebra e o coracaoPara- esperar,pars superar o dia, pars ver donde sur--giria a ofensiva tudversaria, porque os adversLtios de-"Viaan sigh. ate ao pont° ern que fosse iMpossivel deixar:de tocer-rprincipios quo obrigassem osaninmos cen-trals a prounnetaese_e a eairapara a-rua. Assim sehegou a grave geral,,,o grandiose alinhamento das for-

pro &arias plemcartesas, swim se chegou ao pantoem que, pelas deanonstraceee , de sondariedade activadada pales ferroviarios, pelos marinheiros, peke estiva-dores, deanonstnacOes que puseram ern releve a Intimafraqueza do aparelho estatal burgues, se pOde ate acre-ditar na possibilidade de urns inesurreleak geral do pro-letariado italiano contra o poder de Estado, insurreiCaoquo se pensava ja destinaa a falir no seu fim Ultimo, acomposieão de urn govern revolucionario, porque todo

desenrolar do movimento tinha demonstrado que emItalia nao existem as energias revOlueionarias organiza-das capazes de centralizar urn movimento vasto e pro-

eapazes de dar substSnria politica a. 'tuna irresis-tIvel e patent:é -revolta da classe oprimida, capazes decriar urn Estado e de imprimir-lhe tun clinainismo revo-lucionario.

A classe opeatia de Turim foi derrotada e nao podiadeixar de se-lo. A classe oper6ria de Turim foi arrastadapara a luta; nao tinha liberdade de escolha, nao podiaadiar o dia do conflito porque a iniciativa da guerra doclasses pertence ainda aos capitalistas e ao poder doEstado burgues. Quem Iola de ‘ilusiies falazes* suben-tende que a classe oper5.ria deve sempre dobrar o pes-coco perante es capitalistas, subentende necessariamenteque a classe opal-aria deve persuadir-se de ear apenasuma manada de gado, urn grupo de animals sear cons-

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ki

C.)

ciencia e sem vontade, que a classe operaria deve persua-dir-se de ser incapez de ter uma concepcdo prepria acontrapor a concepcao burguesa, de ter nocAes, senti-mentos, aspiracees, interesses contraditOrios as marshes,aos sentimentos, as aspiracOes, aos interesses da classeburguesa.

A classe operaria de Turian foi derrotada. Continuaana existir em Turim as grandes oficinas mecanicas, nasquais a refinada divisdo do trabalho e o continuo apez-feigoamento do automatism° leva os capitalistas as for-mas mais sOrdidas e mais irritantes de opressdo do ho-morn pelo hornem. Thetas ecmcliedes de trabalho partly=os operarios para procurarem incessantemente formasde organizacdo e metodos de luta onde encontrar a sua

I otnpa eo neonicaonet a vsam fnigousriandidecaclaspserorfeissvoilouncaira. ria quemjá

condigOes determinaram os mesmos im pulses revolucioni-rios, mesmo depois da derrota politica. Os industrialscontinuam corn as tentativas de suscitar artificialmentea concorrencia entre os operarios, dividindo-os em cate-gorias arbitrarias, e cada categoria noutras categorias,quando o aperfeicoamento dos automatismos matou esta

1 concorrencia ; continuam corn as tentativas de exacer-i i bar os tecnicos contra os operarios e os operarios contra.. os tecnicos, quando os sisteanas de trabalho tandem a: unir estes dots factores da produgdo e os estimulam a! unir-se politicamente; os operarios continuarao a sentir

,,,

j

j I ndo poderem sea. ofendidos pelos sindicatos profissionais-

na luta contra a multiplicidade e a imprevisibilidade dasinsidias que os capitalistas, favorecidos pelos novos mo-dos de product/a, lhes armam incessantemente, e nuncaestardo tranquilos, nunca trabalharao corn tranquilida-de, sentirao mais asperamente o seu estado de opposed°,sera* mais susceptiveis aos impulses e aos acessos dec6lera.

Destas novas condicees de trabalho, amadurecidas`---durante a guerra, tinha side determinada em Turim a

formacdo dos Conselhos de fabrics: as condicees per-manecem, permanece a necessidade na consciencia dosoperirios, necessidade aguda e tornada inteligente pela /1educagao politica, e so o Conselho de tabrica e o sister= dos Conseihos poderdo satisfath-la.

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A classe operdria, pelo desenvolvimento da civiliza-gdo industrial, pelo desemvolvimento dos meths de opres-&do e de exploracao, a levada a actuar accees, a estabele-rcer e a tenter finalidades, a aplicar metodos que ndo sdocompreendidos pelos humans frios e sear entusiasmo queo mecanismo burocratioo pOs nos cargos directivos dassuas organizacbes de luta. Quinhentos mil operarios ecamponeses Om arrastados pare a luta: contra eles aoam-pa,m toda a classe capitalista e as forges do poder deEstado. A intervened° energiea das centrais do in,ovi-manta operario organizado poderia equilibrar as forcese, se ndo determinar uma vitOria, manter e consolidar as

conquistas feitas pelos operarios oom um trabalho pa-ciente e tenaz de organizacao, cam centenas a rnilharesde pequenas accOes nas o' inas e nas seccees. De quemf.2)depende esta intervenca ? e urn organism° eleito pelosopera:rice, continuamente controlados, cujos membrospodem ser revogados em qualquer momenta? Ndo, deempregados chegados aquele lugar por vial burocritti-°as, per amizades; de empregados de curta inteligenciaque nem sequer veern o que os industrials e o Estado pre-param, que nao conheoem a vide da fabrics e as necessi-dades dos operarios, e Sao «supersticiosos) come urn pas-tor protestante e vaidosos come o continuo de urn ma-nisterio.

A classe operaria de Turku IA demonstrou lido tersaido da luta corn a vontade despedacada, corn a cons-ciencia desfeita. Continuara na luta: em dues frentes.Luta pela conquista do poder industrial; luta pela con-quista das organiz.ageas sindicais e pela unidade prolet.a,-.ria.

A grove geral demonstrou quanta é expansivevirnento «literariox surgido no canape industrial derim. Em Ordine Nuovo de 11 de Outubro d'mal-estar que ondulava surdamente no meio dasorganizadas era assim descrito:

«Os operarios seutern que o conjunto da sua organi-zacdo se transformou num aparelho tdo marine que ace

-bou por obedecer a leis pr6prias, intimas a sua estruturae ao seu complicado funcionamento, mss estranhas amassy que adquiriu conseiencia da sua missdo histOricade classe revolucionaria. Santana que a sua vontade de

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potencia nao consegue exprimir-se, em sentido nitido eprecise, atraves das actuais hierarquias tinstitucionais.Sentem que tambem ern sua can, na case que coarstrui-ram tenazmente, corn esforc,os pacientes, cimentantlo-acorn o sangue e corn as lagrimas, a. macprina trai o ho-mem, o funcionalismo esteriliza o espirito criador e odiletantdsmo banal e verbalists tenta esconder em vaoa susencia de conceitos precisos acerea das inecessidadesda producao industrial e a nenhurna compreensão dapsicologia das ms spas proletarian. Os operarios irritam-seper estas conclicees de facto mas são individualmente im-potentes para as modifiear

0 movimento pars os Conselhos deu tuna forma euma finalidade concretas ao malr, que se compOemna accao disciplinre consciente a precise coordenarTurim corn as forcas sindicais revolucionarias de toda a

•• Italia, pars assentar urn plane organic° de renovacao doaparelho sindical que permita a expressao a vontade dasI massas e impulsion° os sindicatos para o campo da lutati da III International Comunista.

(I) Cf. Sindicatos e Conselhos, pp. 22-26 do presente volume.

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UM PROGRAMA DE GOVERNO (*)

0 programa de governo, exposto per Giolitti na suaentrevista a Tribuna ('), deve ser examinado e julgadocorn um duple panto de vista. Quad 6 o valor intrinseco,o alcance politico do programa de govern de Giolitti?E actuivel ern si e per si? Constitui, ou pode constituir,urn real passe ern frente na histbria do povo italiano,no desenvolvimento das instituicee" s ptiblicas da nacaoitaliana? No campo da democracia parlamentar existemforgas politics& eficientes em tal medida que possam vira ser a base de um tal programa? No campo da produ-cao, gestida pelos proprietaries privados dos instrumen-tos de trabalho, existem as forcas econOmicas capazesde sustentar urn tal programa, isto 6, capazes de encon-trar na explicaclo de urn tal programa as condicees poli-ticas externas, necessarias e indispensaveis, para o soumelhor desenvolvimento?

Giolitti propee-se restaurar o poder da assesubleiaelectiva e estende-lo, limitando o poder executivo, limi-tando as prerrogativas da Corea. 0 programa de Gio-litti, neste sentido, implica que o Parlament° seja inves-tido dos poderes duma Constituinte ou implies a

(*) Nao assinado, Avantil, ed. piemontesa, 30-5-1920.( 1 ) Giolitti foi entrevistado, pelo jornal amigo, ern 27 de

Maio, a prop6sito da crise ministerial provocada pals demissãodo governo Nitti (21 de Maio), resolvida corn a continuacho domesmo Nitti. 0 sentido politico da entrevista 6 comentado noartigo de G. Para o texto preciso, cf. Giovanni Giolitti, Discorstextrapariamentari, Turim, 1952, pp. 328-330.

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dissolucao do Parlamento e a convocacao de uma Assam-bleia constituinte eleita pela nacao, tendo em vista urnsnova e radical reorganizacao do aparelho de Estado.Nests parte do seu programa, Giolitti suscita pressupos-tos superficialissimos pela constatacao de que o Parla-mento esta desacreditado e que a accaci legislativaexercida pelo governo sob a forma de decretos-leis. Maseste descredito do Parlamento, como deve ser considers-do? 0 descredito do Parlamento 6 causa ou efeito dacrise geral em que se debate o pais? 0 Parlamenbo 6 aforma do Estado burgues; a substancia do Estado bur-gues 6 constituido por relaciaes de forca des classes eestas relac6es sac' determinadas pela eficiencia e pelaimportancia das forgas reale da producao. 0 Parlamentoesta desacreditado pelo facto de a economia capitalistspasser da 6poca do liberalismo a epoca do rnonopaioe nenhum homem politico contribuiu Canto come Giolittipara. facilitar esta passagem em Italia. Giolitti foi sem-pre, em Italia, o expoente da alts banca, o exponente daplutocracia siderdrgica, o agente do proteccionismo al-fandegario. Giolitti passara a historia do Estado bur-gues italiano como tministro da delinquencia» precisa-mente porque a sua accao foi sempre preponderante nosentido de sufocar, corn a violencia da policia, corn a cor-rupcao, corn a pressao administrativa, todo o poder legis-lativo da assembleia eleita, no sentido de aniquilarqualquer participacao do povo italiano no governo dafunCao publics. 0 regime de monop6lio nao foi criadopela guerra: a guerra foi o period° de consolidagao desteregime, a guerra, no campo international como no cam-po national, foi uma fase orgänica, e necessaria desteregime que nao pode ser abolido pelos pr6prios homenspoliticos que foram e permanecem seu agentes parla-mentares, que nao pode ser abolido por nemhuma formpolitica burguesa, e que so pode ser superado por urnregime proletario, por um Estado operario.

Na exposicao de Giolitti ha uma referencia aos «bra-balhadores da terra, ( 2). Poderia supor-se que pela ac-

(2) Giolitti afirmou serem nmuitas as reformas socials in-dispensiveis, especialmente em relacdo aos trabalhadores daterra».

tuacao do sou programa Giolitti quisesse apoiar-se naGlasse dos camponeses, que quisesse passar a ser o leaderdo Partido Popular. Mas esta suposicao nao tem aonsis-tencia politica. Os grandes propriet.a.sios this terrasfazem parte integral do aparelho de governo economicoque toma forma na alts banca; o rendimento funclidrioeste. estreitamente ligado ao lucro capitslista, ou melhor,é determinado pelo lucro capitalists: o pais caminhapars a ruin precisamente por este fenemeno A agcultura, em Italia, ainda em maioria extensiva, concen-trando-se num organismo unitario corn a grande produ-cao industrial monopolizada, nä° pode deixar dedeterminer urn continuo aumento do custo de vide. Aagricultura, sem maquinss, sem divisio do trabalho, semmeios tecnicos pars irrigacao, equipara o seu rendimentoao lucro capitalists filtrado do trabalho do operario quetrabalha na of Telma mecanica, que trabalha nas condi-cOes de mais alba produtividade e de maior rendimento.Nests eoexistencia —no mesmo aparelho de governocentralizado e monopolizado— de duas formas tao dis-tantes de producao se deve procurar a origem da criseitaliana, a origem da decadencia das instituiceescas, a origem da degradacão e da dissolugao do costume.A forma assumida pelo aparelho national de produclo ede distribuicao nao assegura a vida elementar das gran-des masses da populacao porque e dirigida unidamentepara assegurar altos lucros e grandes rendimentos aoscapitalistas, aos proprietarios das terms, aos banquei-ros. Tende a concentrar-se cads, vez mais, tende a enri-quec,er cads vez mais a minoria de aventureiros e dobandidos que constituem a direccao, em trots ds fome edo desespero das grandes massas populares.

E preeiso decapitar este aparelho, a preciso eliminaresta minoria do campo da villa politica e econemica. 0programa de Giolitti parece que tende precisamente paraisso. Mas o me'todo de Giolitti corresponde a cienciamedics de um curioso que receita urn tamarindo ao quesofre de tifo. No campo da democracia parlameutar naoexistem as forcas politicos, tal ccano no campo da pro-ducao capitalists 115.0 existem as for-gas econOmicas ca-pazes de finalizar uma &cc -a° de tal genera. A producaoassume a forma de monopOlio concentrado na banca, nao

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per acaso mas per motivos contingentes, nao 6 consequen-cia da guerra: esta 6 a sua tendéncia organica, a suanormalidade. E impossivel decapitar o aparelho de explo-raga° da nagao em regime de propriedade privada, emregime de sufragio universal, em regime de democraciaburguesa: o programa de govern de Giolitti, na melhordas hipOteses, 6 uma utopia pequeno-burguesa; conside-rado o homem e o seu pass:ado, 4 a tentativa de substi-tuir uma oligarquia per outra oligarquia, um grupo peroutro grupo.

A crise em que se debate a Italia s6 pode ser resol-vida pelo Estado operario. 0 proletariado industrial,base do Estado operario, supera a concentragao plutocra-tica, ma° a destr6i: a maquina administrativa, criadapelos capitalistas e pelos banqueiros para subjugar e ex-plorar as forgas produtivas do pads, 6 expropriada esocializada pelo Estado operatic), e dirigida pelo Estadooperario pan a libertagao das forgas produtivas hojeoprimidas. A classe operaria 6 a Unica que tern interesseem igualar realmente as condigOes de trabalho e de pro-dugao da agricultura as condigae" s de trabalho e de pro-ducao industrial porque a classe operaria se esgota edecal fisicamente per falter de viveres; a classe operariachamard a classe camponesa a colaborar na reorganiza-gao do Estado italiano, a partir de bases novas, origi-nals, da fabrics socializada, da grande propriedade agri-cola socializada, do campo ja não submetido a banca eusura capitalists. A Constituinte proletiria tera de deci-dir estes problemas vitais que sao assumidos nas maosdas forgas politicag e econOmicsq reads; Giolitti queruma caricatura de Constituinte que estude o melhor modode galvanizar os cadaveres, que estude e invente o melhormodo de perpetrar a Ultima fraude do ministro da Tdelin-quencia em ,prejuizo da, nagao italiana.

0 CONSELHO DE FABRICA (*)

A revolugao proletaria não 6 o acto arbitrario deuma organizagao que se afirma revolucionaria ou deurn sistema de organizagOes que se afirmam revolu-cionarias. A revolugäo proletaria 6 um longo processohistOrico que se verifica quando surgem e se desen-volvem determinadas forgas produtivas (que se resu-mem na expressa° aproletariadov) num determinadoambiente histOrico (que resumimos nas express6es:«modo de propriedade individual, mode de produg-aocapitalists, sistema de fabrica, modo de organizagaoda Sociedade no Estado democratico-parlamentan).Numa determinada fase deste processo, as novas fory 9

produtivas deixam de poder desenvolver-se e sistema-tizar-se, de modo aut6nomo, nos esquemas oficiais ernque se desenvolve a convivencia humana; nests deter-minada fase acontece o acto revolucionario que consistenum esforgo destinado a destruir violentamente estesesquemas, destinado a destruir todo o aparelho de poderecon6mico e politico (cujas forgas produtivas revolu-cionasias eram contidas opressivamente), que consistenum esforgo destinado a fracturar a rnaquina do Estadoburgues e a construir urn tipo de Estado em cujosesquemas as forgas produtivas libertas encontrem aforma adequada pars o seu ulterior desenvolvimento,para a sua ulterior expansao, em cuja organizag5,o,

(*) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 5-6-1920.

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encontrem os soldados e as armas necessarias e sufi-cientes pars suprimir os seus adverstrios.

0 processo real da revolucto proletaria nao pole seridentificado corn o desenvolvimento e a accao das orga-nizacOes revolucionarias de tipo voluntario e contratualcome sao o partido politico e os sindicatos profissio-nais: organizacries nascidas no campo da democraciaburguesa, nascidas no campo da liberdade politica, comoafirmagOes e c,omo desenvolvimento da liberdade poli-tica. Estas organizacees, porque encarnam uma doutrinaque interprets o processo revolucionario e the preveo desenvolvimento (dentro de certos limites de pro-babilidade histOrica), porque sac, reconhecidas pelasgrandes massas como urn seu reflexo e urn seu em-brionirio aparelho de governo, sac, actualmente, e aca-barao per ser cada vez mais, os agentes directos eresponsaveis pelos sucessivos actos de libertacao quetoda a classe trabalhadora tentara no decurso do pro-cess° revolucionario. Mas elan, todavia, nao encarnameste processo, nao superam o Estado burgues, nao abran-gem e nao podem abranger todo o multiple pulular deforcas revolucionarias que o capitalismo desencadeiano seu processo implaaivel de rthiquina de exploracdoe de opressao.

No periodo de predominio econdmico e politico daclasse burguesa, o desenvolvimento real do processorevolucionario acontece subterraneamente, na obscuri-dade da fabrics e na obscuridade da consciencia dasmultidOes exterminadas que o capitalism° submete assuas leis: nao 6 controlavel e documentivel, se-lo-a nofuturo quando os elementos que o constituem (os senti-mentos, as vontades, os habitos, os germes de iniciativae de costume) se desenvolverem e purificarem corn odesenvolvimento da sociedade, corn o desenvolvimentoda situacao que a dame operaria vizi a ocupar no campoda producão. As organizacOes revolucionarias (o partidopolitico e o sindicato profissional) nasoeram no campoda liberdade politica, no campo da democracia bur-guess, como afirmacao e desenvolvimento da liberdadee da democracia em geral, num campo em que subsis-tem as Magda; de cidadao a cidadao: o processo revo-

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lacionario actua-se no campo da producao, na fabrics,onde as relacees sta de opressor a oprimido, de explora-dor a explorado, onde nao exists liberdade para o ope-rario, onde nao exists democracia: o processo revolu-cionario aztua-se onde o operario nao 6 nada e quervir a ser tudo, onde o poder do proprietario 6 ilimitado,6 poder de vida e de morte em relacao ao operatic?, amulher do operario, aos filhos do operario.

Quando 6 que dizemos que o processo hist6rico darevolucao opertria, que 6 imanente na c,onvivencia hu-mana em regime capitalists, que tern as leis em siprOprio e se desenvolve necessariamente para o confluirde uma multiplicidade de accOes inc,ontrolaveis porquecriadas per uma situacao que nao 6 desejada pelo ope-rario e nao 6 previsivel pelo operirio, quando 6 quedizemos que o processo histOrico da revolucao operariaaflorou a superficie, se tornou controlavel e documen-tavel?

Dizemos isto quando toda a classe operaria se tor-nou revolucionaria, ja nao corn o significado de queela se recusa genericamente a colaborar corn as insti-tuicOes de govern() da classe burguesa, ja nao no sentidode que ela representa uma oposicao no campo da demo-cracia, mas no sentido de que toda a classe operariaque se encontra numa fabrica inicia uma accdo quedeve necessariamente desembocar na fundacao de urnEstado operdrio, que deve necessariamente conduzir aconfigurar a sociedade humans numa forma que 6 abso-lutatriente original, numa forma universal que abrangetoda a Internacional operaria e, portanto, toda a Hums-nidade. E dizemos que o periodo actual 6 revolucionarioprecisamente porque constatamos que a classe operaria,em todas as nacOes, tends a criar, tende a exprimirdo seu interior, corn todas as sues energias —emboracorn erros, hesitacOes e os embaa-acos pr6prios de urnsclasse oprimida que nao tern experiencia histories,que deve fazer tudo originalmente —, instituicoes detipo novo no campo operario, instituicOes de base repre-sentativa, construidas dentro dum esquema industrial;dizemos que o periodo actual 6 revolucionfirio porquea classe operaria tende a fundar o seu Estado, corn

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todas as suas forcas, corn toda a sua vontade. Eis porque dizemos que o nascimento dos Conselhos operariosde fabrica representa urn grandioso acontecimento his-thrice, represents o inicio de uma nova era na histöriado genero human: para ela o processo revolucionazioaflorou a suparficie, antra na Case em que pode sea.controlado e doeumentaclo.

Na faze liberal do processo histhrico da classe bur-guesa e da sociedade dominacia pela classe burguesa,a calula elementar do Estado era o proprietario quena fabrica subjuga ao seu lucre a classe operaria. Nafase liberal, o proprietario era tamb6m ernpresario,era tambem industrial: o poder industrial, a fonte depoder industrial residia na fabrics, e o operario naoconseguia libertar a sua consciencia da persuasao danecessidade do proprietario, cuja pessoa se identificayscorn a pessoa do industrial, corn a pessoa do gestor res-ponsavel pela producao e, portanto, tambem responsivelpelo seu salario, pelo seu pao, pelo seu fate, pelo seuteeth.

Na faze imperialista do processo histOrico da classeburguesa, o poder industrial de cada fabrica destaca-seda fabrica e concentra-se num trust, num monopelio,num banco, na burocracia estatal. 0 poder industrialtorna-se irresponsavel e, portanto, mais autocratic°,mais arbitrario: mas o operdrio, liberto da sujeicaodo tchefen, liberto do espirito servil da hierarquia,impulsionado tambem pelas novas condicees genais emclue a sociedade se encontra, dependendo da nova fasehisthrica, o operario actua inapreciaveis conquistas deautonomia e de iniciativa.

A classe operaria passa a ser, na fabrica, um deter-minado instrumento de producaon numa determinadaconstituicao organica; cada operario passa (casual-mantes a fazer parte deste corpo constituido: casual-manta pelo que respeita a sua vontade, mas nao ca-sualrnente pelo que respeits ao seu destine de trabalho,visto que ele representa uma necessidade determinadapelo process* de trabalho e de produao e se per isso6 assumido, s6 per isso pode ganhar o pao: ele 6 umaengrenagem da miquina-divisao do trabalho, da classe

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operaria determinada num instrumento de produao.Se o operario adquire consciencia clara desta sua «neces-sidade determinadas e a pee come base de urn aparelhorepresentative de tipo estatal (isto 6, nao voluntarie,contratual, mas absolute, organic°, aderente a uma rea-lidade que 6 necessirio reconhecer se se quer ter asse-gurado o pao, o vestir, o teeth, a producao industrial):se o operario, se a classe operdria fizer isto, faz umacoisa grandiosa, inicia uma histhria nova, inicia a erados Estados operarios que deverao confluir na formacaoda sociedade comunista, do mundo organizado corn base

no tipo da grande oficina meanies, da InternacionalComunista na qual cada povo, cada parte da Humani-dade conquista figura porque exerce urns determinadaproducao proeminente e nao ja porque 6 organizada ernforma de Estado e tern determinadas fronteiras.

Enquanto constrei este aparelho representative, aclasse operaria completa, na verdade, a expropriacaoda primeira maquina, do mais importante instrumentode producao: a prepria classe operaria que se reencon-trou, que adquiriu consciencia da sua unidade organica

que unitariamente se contrapee ao capitalismo. Aclasse operaria afirma assim que o poder industrial,que a fonte do poder industrial deve voltar a fabrica,pee novamente a fabrica, do ponto de vista operdrio,como forma em que a classe operaria se constitui emcorpo organic° determinado, come celula de um novoEstado, o Estado operario, como base de urn novo sis-tema dos Conselhos. 0 Estado operario, visto que nascesegundo uma configuragao produtiva, aria ja as con-dicees do seu desenvolvimento, da sua dissolucao comoEstado, da sua incorporacao organica num sistema mon-dial, a Internacional Comunista.

Tal como hoje no Conselho de uma grande oficinamecanica, cada esquadra de laboracao (de profissao)se amalgama, do ponto de vista proletario, corn asoutras esquadras de uma seccao, cada momento da pro-ducao industrial se funde, do ponto de vista proletario,corn os outros momentos e pee em relevo o processoprodutivo, assim no mundo, o earvcia inglOs se fundecorn o petrOleo russo, o trigo siberiano corn o enxofreda Sicilia, o arroz de Vercellese corn a madeira da

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Stiria num organismo Unica, submetido a tuna admi-nistracdo international que governa a riqueza do Globoem nome de toda a Humanidade. Neste sentido, o Con-selho opethrio de fdbrica 6 a primeira thlula de urnprocesso histerico que deve culminar na InternationalComunista, jfi ndo como organizaclo politica do prole-tariado revoluciondrio mas como reorganizacdo da eco-nomia mundial e como reorganizacdo de toda a convi-vencia hurnana, national e mundial. Cada aced° actualrevoluciondria tern valor, 6 historicamente real, porqueadere a este processo, porque 6 concebida e 6 urn actode libertaciuTh deste processo das superstruturas bur-guesas que o forcarn e o embaracam.

As relnees que devem interpor-se entre o partidopolitico e o Conselho de fabrics, entre o sindicato e oGonselho de fabric*, resultam ja explicitamente deltaexposigdo: o partido e o sindicato ndo devem colocar-secomo tutores ou como superstruturas já constituidasdesta nova instituicito na qual toms. forma historiescontrolavel o procee.so histOrico da revolucdo, devemper-se como agentes conscientes da sua libertagdo dasforcas de compressäo que se resumem no Estado bur-goes, devem propor-se organizar as condicees externasgerais (political) em que o processo [da] revolucdotenha a sua maxima celeridade, nas quais as forcasprodutivas libertada-s encontrem a maxima expansto.

SINDICATOS E CONSELHOS (*)

0 sindicato ndo a esta ou aquela definicdo do sindi-cato: o sindicato torna-se tuna determinada definicdo,isto e, assume tuna determinada figura histerica porqueas forcas e a vontade operdrias que o constituem theimprimem urns direcc5k e impeem a sua accdo tunafinalidade, que sdo afirmadas na definicdo.

Objectivamente, o sindicato 6 a forma que a merca-doria-trabalho assume e s6 pode assumir em regime capi-talists quando se organiza parer dominar o mercado:esta forma 6 urns secretaria constituida por funciond-rios, tkcnicos da organizacdo (quando säo tecnices),especialistas (quando o sdo) na arte de concentrar eguiar as forcas opethrias, de modo a estabelecer corna potencia do capital um equilibrio vantajoso para aclasse operdria.

0 desenvolvimento da organizacdo sindical e carat-terizado por ester dois factos: 1) o sindicato abrangeuma cads vez major quantidade de efectivos operdrios,isto 6, incorpora na disciplina da sua forma uma callavez major quantidade de efectivos operdrios; 2) o sindi-cato concentra e generaliza a sus forma ate repor numasecretaria central o poder da disciplina e do movimento,isto e, desta en-se des massas que arregimentou, p6e-sefora do jogo dos caprichos, das veleidades, da volubi-lidade que sao pr6prios das grandes massas tumul-

(1 Nio assinado, L'Ordine Nuovo, 12-6-1920.

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tuosas. Assim o sindicato se torna capaz de contrairpactos, de assumir compromissos: s osim obriga o em-presario a aeeitar uma legalidade nas suas relag6escorn o operario, legalidade que 6 condicionada pelaconfianca que o empresario tern na solvibilidade dosindicato, pela confianga que o empresario tern nacapacidade de o sindicato obter, por parte das massasoperarias, o respeito das obrigagOes contrafdas.

0 advento de uma legalidade industrial foi umagrande conquista da classe operaria mas nao 6 a Ultima

definitiva conquista: a legalidade industrial melhorouas condigOes da vida material da classe operaria, masela nao 6 mais do que um compromisso que foi neer q-&trio aceitar, que sera necessario supertax ate queas relagOes de forga forem desfavoraveis a classe ope-raria. Se os funcionarios da organizagio sindical consi-deram a legalidade industrial como urn compromissonecessario mas nao perpetuo, se dirigem todos os meiosde que o sindicato pode dispor para melhorar as rela-gOes de forga em sentido favoravel a classe operaria,se desenvolvem todo o trabalho de preparagao espiritual

material necessario pars que a classe operaria possa,num memento determinado, iniciar urns ofensiva vito-riosa contra o capital e submete-lo a sua lei, entao 0sindicato 6 um instrumento revolucionario, entao adisciplina sindical, mesmo quando 6 dirigida pars fazerrespeitar aos operarios a legalidade industrial, 6 disci-plina revolucionaria.

As relagOes que devem interpor-se entre sindicatoConselho de fabrics devem ser consideradas deste

ponto de vista: da opiniao que se tem da natureza evalor da legalidade industrial.

0 Conselho 6 a negacao da legalidade industrial,tende a aniquilã-la a cads instante, tende incessante-mente a conduzir a classe operária para a conquistado poder industrial, a fazer corn que a classe operariapasse a ser a fonte do poder industrial. 0 sindicato 6um elemento da legalidade e deve propor-se faze-la res-peitar pelos seus organizados. 0 sindicato 6 responsavelem relagao ace industriais, mas 6 responsavel em relagaoaos industrials porque 6 responsavel em relagao aceseus organizados: garante a contanuidade do trabalho

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do salario, isto 6, do pa° e do teeth, ao operario ea familia do operario. 0 Censelho, pela sua esponta-neidade revolucionaria, tende a desencadear a cadsmomenta a guerra dam classes; o sindicato, pela susforma burocratica, tende a nao deixar que a guerrade elasse chegue a desencadear-se. As relagOes entre asdims instituigóes devem tender a criar uma situagaoem que nao" acontega que um impulso caprichoso doeCenselhos determine urn passe astir& da classe operaria,determine uma derrota da classe operiria (isto 6, umasituagao em que o Conselho aceite e fags prepria adisciplina do sindicato) e a criar uma situagao em que

caracter revolucionario do Conselho tenha urn influxosobre o sindicato, seja um reagente que dissolva aburocracia e o funcionalismo sindical.

0 Conselho desejaria sair, em todos os mementos,da legalidade industrial: o Conselho 6 a massa explo-rada, tiranizada, obrigada ao trabalho servil, e porisso tende a universalizar cads rebeliao, a dar valor

aloance resolutivo a cads, seu acto de poder. 0 sindi-cato, come entidade integralmente responsavel pelalegalidade, tende a universalizar e perpetuar a legali-dade. As relagOes entre sindicato e Conselho devemcriar as condigbes pars que a safda da legalidade, aofensiva da classe operaria, acontega no memento maisoportuno pan a classe operaria, acontega quando aclasse operaria tenha aquele minim° de preparagao quese considers indispensavel pan veneer duradourarnente.

As relagOes entre sindicato e Censelho nao podemser estabelecidas por outro lago que nao seja este: arnaioria ou uma parte conspicua dos eleitores do Con-selho sao organizadas no sindicato. Cada tentativa panligar corn relagOes de dependéncia hierarquica as duasinstituigo-+3 s6 pode conduzir ao aniquilamento de ambas.

Se a concepgao que faz do Censelho um mero ins-trumento de luta sindical se materializa numa discilpinaburocratica e numa faculdade de controlo directo dosindicato em relagão ao Conselho, o Conselho esteri-liza-se como expansao revolucionaria, come forma dodesenvolvimento real da revolugao proletaria que tendeespontaneamente a criar neves modos de produ4o e

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de trabalho, novos modos de disciplina, que tende acriar a sociedade comunista. Visto que o Conselho nascedependentemente da posigdo que a classe operaria foiconquistando no campo da produgao industrial, vistaque o Conselho 6 uma necessidade hist6rica da classeoperaria, a tentativa para subordina-lo hierarquicamenteao sindicath determinaria, tarde ou cedo, urn choqueentre as duos instituigOes. A forgo do Conselho consistsno facto de ele aderir a consciencia da massa operaria,6 a prOpria consciencia da massa operaria que queremancipar-se autonomamente, que quer afirmar a sualiberdade de iniciativa na criacao da hist6ria: todaa massa participa da vida do Conselho e sentequalquer coisa por esta sua actividade. Na vida dosindicato participa urn minter° restrito de organizados;a forga real do sindicato reside neste facto, mas nestefacto reside tamb6m tuna fraqueza que na p pode serposta a prova sem gravissimos perigos.

Se, alem disso, o sindicato se apoiasse directamentenos Conselhos, nao para os dominar mas para se tornara sua forma superior, reflectir-se-ia no sindicato a ten-dencia prOpria dos Conselhos para sair, a cada instante,da legalidade industrial, para desencadear, em qual-quer moment°, a weft° resolutiva da guerra de classe.0 sindicato perderia a sua capacidade para contraircompromissos, perderia o seu ca,racter de forga discipli-nadora e reguladora das forgas impulsivas da classeoperaria.

Se os organizados estabelecem no sindicato umadisciplina revolucionaria, se estabelecem uma disciplinaque aparece a massa como uma neoessidade pang otriunfo da revolugao operaria e nao como escrava docapital, esta disciplina sera sem chivida aceite e tornadapr6pria do Conselho, tornar-se-a forma natural da acgaodirigida pelo Conselho. Se a secretaria do sindicatopassa a ser urn organism° de preparagao revolucionariae tal aparece as massas pela ace& que consegue desen-volver, pelos homens que a comptiem, pela propagandaque desenvolve, Nita° o seu catheter coneentrado e abso-luto sera visto pelas massas como uma maior forgarevolucionaria, wino mais tuna formica° (e das mais

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importantee) para o sucesso da luta empreendida as6rio.

Na realidade italiana, o funcionario sindical con-cebe a legalidade industrial como coisa perpOtua. Defen-de-a muitas vexes com urn ponto de vista que 6 o prOprioponto de vista do proprietario. S6 ye caos e arbitrioem tudo o que sucede entre a massa operaria: naouniversaliza coma rebeliao do operario contra a disci-Wins capitalists, mas coma materialidade do ado quepode ser trivial, em si e por si. Assim atenteceu quea hist6ria do impermeavel do moco de fretes (1)tenha tido a mesma difusao e tenha sido interpretadapela estupidez jornalistica do mesmo mode que a his-tOria da tsocializa.gao das mulheres na Russiaa. NestascondigOes, a disciplina sindical nao pode deixar de sexurn service prestado ao capital; nestas condicOes, cadatentativa pars subordinar o Conselho ao sindicato s6pale ser julgada reaccionaria.

Os comunistas, porque querem que o seta revolu-cionazio seja, tanto quanta possivel, consciente e res-ponsavel, querem que a escolha (tanto quanta podeser escolha) do momenta a desencadear a of ensiraoperaria pertenga a parte mais consciente e responsavelda classe operdria, aquela parte que 6 organizada noPartido Socialists e que mais activamente participana vida da organizagao. Por isso os comunistas Maopodem querer que o sindicato perca a sua energia disci-plinadora e a sua concentragio sisternatica.

Os comunistas, constituindo-se em grupos organiza-dos permanentemente nos sindicatos e nos fabricas,devem transportar para os sindicatos e para as fabricasas concepgOes, as teses, a tactica da III Internacional,devem influenciar a disciplina sindical e determinar osfins, devem influenciar as delibera,gOes dos Conselhosde fabrics e transformar em consciencia e criagao revo-lucionarias os impulsos de rebeliao que explodem dasituagao criada pelo capitalism° a classe operaria. Os

( I ) Provfivel alusâo a uma no :Vela insignificante exploradade forma sensacionalista. — (N. do T.)

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comunistas do Particle tem o maior intereese, porquesobre des pesa a maior responsabilidade hisWrica, emsuscitar, corn a sua anao ineessante, entre as diversasinstithiebes da classe operitria, mina-es de compene-traciw e de natural interdependencia que vivifiquem adisciplina e a organizaflo corn o espirito revolueionario.

PARA ONDE VAI 0 PARTIDO SOCIALISTA? (*)

A accao- directa das massas mho pode deixar de sereminentemente destrutiva. Se as massas azolhem umapalavra de ordem que as dirige pars o exercicio docontrolo da actividade pliblica e privada da classe capi-talista, a sua accao nab pode deixar de atingir a des-truicao completa de toda a máquina estatal. 0 prole-tariado acolheu a palavra de ordem: 6 preciso controlar

trafico para que nao partam ammo e municaes desti-nadas aos inimigos da revolugao russa, para que naopartam mercadorias destinadas a Hungria dos magnatesproprietarios, para que nao se verifiquem movimentosde tropas destinadas a reseender a guerra nos Ealca-s

em toda a Europa; era inelutavel que se chegasse aosfaetos de Ancona, a insurreicao armada.

A acciao directa das massas opertrias 6 revolueio-naria, precisamente, porque a eminentemente destrutiva.Visto que a classe operaria nao tem qualquer podersobre o governo industrial, 6 natural que revele a adqui-rida poWncia econOmics tentando destruir a disciplinaindustrial e toda a disciplina industrial; visto que aclasse operaria ocupa no exercito a mesma posiCao queocupa na fabrics, visto que Mato na fabrics come noex6rcito a classe operaria deve sofrer urns disciplina

uma lei para cujo estabelecimento nao contribuiu, 6

(*) Ndo assinado, L'Ordine Nuevo, 10-7-1920, seccrio «Lasettimana politica».

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natural que tenda a destruir a disciplina do exercito e adestrui-la completamente; visto que todo o aparelho doEstado burgues é completamente estranho e hostil Asmassas proletarias, a natural que cada accdo orientadapara controlar directamente a actividade governativachegue a destruicAo completa do aparelho de Estadoburgues, A insurreino armada.

Os comunistas est:10 persuadidos de que assim deveaconteser, que mac pode acontecer diversamente; porisso os comunistas nä° tem medo da accAo directa dasmassas e das destruicOes que inelutavelmente ela trazconsigo. Tem-se medo do imprevisivel e do imprevisto,niio do clue se espera como tuna necessidade e que seprocura promover: que se procura promover pars seroapaz de dominar a realidade que se preve prestos aexplodir, para obter que a destruicao contenha ja cons-cientemente os elementos e a vontade de reconstruno,para obter que a violencia näo seja o esteril de,sen-cadear de furores cegos, rnas seja pothncia econemicae politica que se liberta a si propria e pte as condiceesdo seu desenvolvimento.

A palavra de ordem pan o controlo da actividadegovernativa levou as groves ferroviarias, As greves ge-rais surgidas das groves ferroviarias, levou A insur-reicAo de Ancona ( 1 ). Visto que a Confederacdo Geraldo Trabalho (isto 4, o que exerce as funceee de secre-Vino) tern sobre o controlo operésio uma concepcdode jardineiro ingles, visto que a Confederacao' Geral doTrabalho quer urn controlo operatic) bem educado, querespeita a liberdade, a ordem e a democracia, a Con-federacAo divulgou subitamente esta circular: izPelaHungria e pela devemos fazer o que se pode (?!)e não o que se desejaria. Parece-nos que a verificaCaode todos os carros, para alem de dificil na pratica,pode 'braze/. conseque,ncias (!) e complicagees ( ?!). Avossa accao, por isso, deve ser limitada ao possivel,a .todo o possivel pan evitar complicacees., A econo-ma precede a politica; visto que os reformistas e os

( I) Trata-se da rebeliao de tun regimento de cagadores des-tinado l Albania, ocorrida em Ancona no fim de Junho.

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oportunistas tern na Mao todo o mecanismo do movi-mento sindical italiano, os reformistas e os oportunistastern na mao a potencia do Partido Socialista, impOemao partido a via e a tactics a seguir: afrouxou a aces&do partido, os movimentos de massa serviram ao grupoparlamentar pars colher triunfo ap6s triunfo, serviramaos deputados reformistas para consolidsx a sua posicAo

para tornar mais facil (e, portanto, mais cheia delouros) uma subida ao poder governativo. Assim aeon-tece que, por incapacidade politica dos componentesda direccao, o Partido Socialista Italian perde cada diaa sua forga e o seu poder organizativo dal; massas,assim aconteceu que o Congresso anarquico de Bolonhateve tanta importar' Ida para as masses proletarias,assim acontecera, se os grupos comunistas nao reagiremenergicamente, que o partido acabara por perder todo

controlo das massas, e estas, sem guia, serao atiradas,pelo desenrolar dos acontecimentos, para uma situa.cAopior do que as ma-seas proletarias de Austria e daAlemanha.

Nos, de Ordine Nuovo, e os socialistas de Turimem geral, fomos apresentados ao proletariado italiano,depois do movimento de Abril, Como uma rale de frene-ticce, de agitations e de indisciplinados. Visto que osdirigentes das secretarias centrals nAo se ocupam corn

que sucede entre os industrials e corn o que sucedeentre os operarios, visto que veem a histhria como sese desenvolvesse por obra de abstracc6es ideolOgicas (asclasses ern geral, o partido ern geral, a Humanidade emgeral) e nä() por obra dos homens reads que se chamamPedro, Paulo, Joao e sao aquilo que sac realmente, enä° por obra das comunidades urbanas e rurais deter-minadas no espaco e no tempo, que mudam (e rapida-mente no periodo actual) corn a mudanga de lugares

corn o passar dos meses e ate das semanas, assim estesdirigentes nä° prevetem nada e são levados a avistar odiabo ern cada acontecimento, e se° levados a descarregara sua responsabilidade hist6rica sobre os ombros dosmultiplicados grupos de indisciplinados e anarquizantes.Entretanto a seen° socialists de Turim teve o merit°de iniciar uma accao para tirar aos reformistas ocontrolo do movimento sindical, prevendo (facil pre-

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visa()) que, nos momentos supremos, os chefes sindica-listas teriam sabotado a vontade do partido e dasmassas: ester accAo nao teve os resultados que poderiater com a interven* prepria... da direccao do par-tido. A seccao de Turim, acusada de indisciplina depoisdo movimento de Abril, tinha preparado, antes do movi-mento, a sua cornunicagao ao C,onselho Nacional naqual censurava asperamente a direccao per Mao terdedicado nenhuma atencao a organizacao revolucio-naria e ao estabelecimento de tuna discipline forteanenteconcentrada e responsavel. Infelizmente a comunicacaoda secca.,- o' de Turim 6 hoje ainda actual; os Ultimosazontecimentos Sao a repetiflo agravada dos aconteci-mentos de Abril. Permanece actual, mais de quantopudessemos acreditar, ate este paragrafo: «0 partidopolitico da classe opertria see justificado quando, cen-tralizando e coordenando fortemente a accao proletAria,contrap6e urn poder revolucionario de facto ao poderlegal do Estado burgues e the limita a liberdade deiniciativa e de manobra; se o partido nao realiza aunidade e a simultaneidade dos esforgos, e o partidose revela um mero organismo burocratico sem alma esem vontade, a classe operaria tende instintivamente aconstituir-se noutro partido e desloca-se em direccaoAs tendencias anarquicas, que precisamente criticam,aspera e incessantemente, a centralizacao e o funciona-lismo dos partidos politicos.»

Faiter ao partido a organizacao e a propaganda parsa organizacao revolucionaria que adira a configuracaodas massas proletArias nas fabricas, nos quarteis, nassecretarias e seja capaz de enquadrar as massas emcads sobressalto revolucionario. 0 partido, porque naoprocura fundir-se vitalmente com as massas proletarias,continua a conserver, nas suas assembleias que se real-nem quando calha e nao podem controlar com eficaciaa accao dos dirigentes sindicalistas, a figura de urnpartido meramente parlamentar, que tem medo da accaodirects porque 6 cheia de imprevistos, que a obrigadocads dia a fazes urn passo atras e a permitir o renasci-mento do mais frouxo e banal reformismo e da maissimplista propaganda colaboracionista.

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Urn esforco enorme deve ser cumprido pelos gruposcomunistas do Partido Socialists, que a aquilo queporque, em Ultima analise, a Italia 6, no seu conjamto,um pais economicaznente atrasado. A palavra de ordemcpessimismo da inteligancia, optimismo da vontade»deve ser a palavra de ordem de cads comunista cons-ciente dos esforcos e dos &Ica-nice que sap pedidosa quem voluntariamente escolheu um lugar de militantenas fileiras da class«. °per/aria.

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A RUSSIA, POTENCIA MUNDIAL (*)

0 Estado operitrio, segundo a energica—defininode Lenine, é urn Estado burgues sem a burguesia.0 Estado operirio deve resolver, no interior como noexterior, os mesmos problemas de um Estado burguése nao pode resolve-los corn sistpmas e melos thenicossubstancialmente muito diversos dos adoptados por urnEstado burgues. 0 Estado operirio russo resolveu nointerior os problemas fundamentals da sua existenciae do seu desenvolvimento: que os resolveu de modovistas°, e evidente pela eficiencia e pela combatividadedo seu exercito. 0 exercito e a expressão afisiologica-mentex, mais tipica da forea real de urn organismosocial: nao pode conceber-se Estado sem exercito, nä°pode conceber-se exercito disciplinado, valoroso, ricode inieiativa belica, sena.° como funa,o de urn Estadosolidamente fundado, sustentado pela vontade perma-nents e pelo permanente espirito de disciplina e desacrificio da populacAo. A classe operAria é, na RUssia,uma pequena minoria da populacao, mas ela era e éa Unica classe social historicamente preparada paraassumir e manter o poder, a Unica classe capaz, atravesdo seu partido politico (o Partido Comunista), de cons-truir 11111 Estado. A classe operaria russa era e é histori-camente forte e madura, na° porque os seus compo-nenths eorrespondarn numericamente a maioria da popu-

(") Näo assinado, L'Ordine Nuevo, 14-8-1920.

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lagio mar porque, atraves do seu partido politico,se demonstra capaz de construir urn Estado, porque aclasse operaria consegue convener a maioria da popu-laglo (constituida pelos estratos informer das classesmedian, das classes intelectuais e das classes campo-nesas) de que as sans interesses irnediatos e futurescoincidem corn os interesses da pr6pria maioria; nestaconviccito, tornada consciencia difusa da sociedade, sefundamenta precisamente o Estado, o consenso nacionalpara as iniciativas e accees do poder operario, se funda-menta a disciplina e o espirito de hierarquia. Hierar-quia? Sim, hierarquia; o poder operdrio e a fundacdode uma nova hierarquia das classes socials; os intelec-tuais, os camponeses, todas as classes medial, reconhe-cem na classe operaria a fonte do poder de Estado,reconhecem a classe operaria como classe dirigente;interrogadas nos sufragios para as instituicaes repre-sentativas, escolhem os deputados no partido da classeoperdria, no Partido Comunista: estas classes fornecemas massas de infantaria e de cavalaria ao exercitovermelho que defende o Estado das agressäes externas,fornecem a mlo-de-obra ao exercito do trabalho quecombats contra o frio e contra a fome, fornecem ostecnicos a inch-Istria e a agricultura, fornecem os tecni-cos da arts militar, todas estas classes contribuem para

1 dar vida as diversas funcOes do aparelho estatal dajnacto russa que esta nas macs da classe operaria e nAnas mitts dos capitalistas. Eis o fundamental problemahisterico resolvido pela classe operaria russa, eis per

' que a classe operaria russa demonstrou estar historica-mente madura, ser a depositaria dos destines do povorusso: a classe operaria organizou a sociedade russa

)

em todas os seus diferentes estratos e organizou-a demodo que os esforgos comuns, as sacrificios comuns eas vontades comuns fossem orientadas para uma fina-

1

lidade Unica, pan a actuacão do programa operirio,transformado em ideia e missao do_BsW394

Sendo o linico Estado operario do mundo, circun-) dada por uma matilha feroz de inimigos implaeaveis,

a Russia dos Sovietes devia resolver urn segundo pro-) blema existential: fixar a sua posicao no sistema_mun-

dial das poténcias. 0- Estado operario russo resolveu

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hoje eats problems e resolveu-o cam as meios e assistemas corn que o teria resolvido um Estado burgues:corn a forca militar, veneer-no uma guerra. Nao podiafazer de outro modo, nenhurn outro Estado operarioferia podido ou podera fazer de outro modo. 0 exercitorusso bateu a PolOnia ( 1 ); as potencias capitalistas nä°puderam ajudar a PolOnia, tiverem que permitir queacontecesse a derrota polaca, tiveram que suportar ahumilhaeão e concordar sobre a incapacidade de fazermarchar as seus exercitos, tiveram que reconhecer nä°possuirem um exercito, nap terem o consenso das massashumanas governadas, de serem apenas vazias e inani-madas organizacOes burocraticas, sem autoridade, semprestigio. A RUssia dos Sovietes tornou-se assim umapotencia mundial, terrion-ra -riaihrdas'potencias mun-diais,_capaz de equilibrar corn o seu peso e a sua esta-tura histories todo o sistema capitalists. A Russia, corna sua vitoria militar, pela. virtude do seu exercito, pas-sea oabeca, em escala mundial, do sistema de potenciesreais que lutam contra a hegemonia do capitalismo: claencarna a rebelido das classes ape/tins contra os seusexploradores e e sustentada explidtamente,pelas classesoperarias; encarna o sofrimento e a fame das nacbessencidas na Guerra Mundial, encarna a vinganga dasnagOes vencedoras militarmente, mar derrotadas econo-micamente, encarna a insurreicdo das colOnias sangradaspelas metrOpoles, encarna todo o informs conglomeradode rebelioes contra a exploraCão hegemenica do capita-lismo; reproduz, a escala mundial, a prOpria hierarquiade valores sociais que actuou no interior do seu Estado,realiza, a escala mundial, urn momenta da ditaduraproletaria sobre todas as classes medial da sociedadehuman para o esmagamento da classe capitalists, anta-gonista do proletariadol-

A Guerra Mundial, vencida pela Alianca, teria po-dido instaurar, com a paz de Versalhes e corn a Ligadas Nacties, urn regime de monopOlio no Globo; aosistema de equilibria e de concorrencia entre os Esta-

( 1 ) A sorte da guerra mudou de repente nas semanas suces-sivas e o exêrcito russo parark depois de ter chegado proximo deVarsOvia.

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doe devia suceder uma inoontrastavel hegemonia. ARussia dos Sovietes, conquistando a posica'o de grandepotencia, fracturou o sistema hegemônico, restabeleceuo principio da luta entre os Estados, implantou a escalamundial, de • forma, absolutamente imprevista pars opensamento socialists, a luta da Internacional operariacontra o capitalismo.

0 PROGRAMA DE (ORDINE NU0V0x. (*)

I

Quando em Abril de 1919, em reunides de tres,quatro ou cinco (e daquelas noasps discussees e deli-beracOes devem ainda existir, porque foram compiladase transcritas, as actas, sim senhor, precisamente asactas pares a histOria!), decidimos iniciar a publi-cacAo desta revista Online Nuovo, nenhum de n6s(provavelmente nenhum ) pensava =War a face domundo, pensava renovar os cerebros e os coracaes dammultidOes humanac, pensava abrir urn novo ciclo nahistOria. Nenhum de nes (provavelmente nenhum: haviaquern fantasiasse 6000 assinantes em pouco tempo)acariciava ilusOes roseas sobre o born resultado daempresa. Quem Oramos? Que repmsentivamos? De quenova palavra eramos os portadores? Ai de mim!, oUnix/ sentimento que nos unia, naquelas nossas reu-niOes, era o suscitado por uma vaga paixao de umavaga cultura proletaria; queriamos fazer, fazer, fazer;sentiamo-nos angustia.dos, sem uma orientacdo, mergu-lhados na ardente vida daqueles mews depois do armis-ticio, quando parecia imediato o cataclismo da socie-dade italiana. Ai de mim!, a Unica palavra nova quetinha sido pronunciada naquelas reunióes foi sufocada.

(*) Assinado Antonio Gramsci, L'Ordine Nuovo, 14-8 e28-8-1920.

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Foi dito por um, que era tecnico: at precis° estudara organizacão da fabrica como instrurnento de pro-

, ducao; devemos consagrar toga a nossa atencao aossistemas capitalistas de producao e de organizacao edevemos trabalhar para fazer convergir a atencao daclasse operaria e do partido para este objective., Foidito por outro, que se preocupava corn a organizacaodos homens, corn a histeria dos homers, corn a psicolo-gia da classe operaria: at precise estudar o que aeon-thee no meio das massas operdrias. Existe emcomo instituicao da classe operaria, qualquer coisa quepossa ser comparada ao Soviete, que participe da suanatureza? Qualquer coisa que nos autorize a afirmar:o Soviete a uma forma universal, nao a uma instituicaorussa, apenas russo; o Soviete 6 a forma em que, ondequer que existam proletarios em luta pan conquistara autonomia industrial, a classe operaria manifestaesta vontade de emancipar-se; o Soviete 6 a forma deautogoverno das massas operarias; existe urn germe,urns veleidade, uma pdlida ideia de governo dos Sovietesem Italia, em Turim:5 Urn outro, impressionado pelapergunta que the tinha dirigido, a queima-roupa, umcamarada polaco ( I ): aPorque nunca se realizou emItalia um congresso fins comissOes interns?,, respon-dia, naquelas reunifies, as suas pr6prias perguntas:«Sim, existe em Italia, em Turim, urn germe de govern°operario, urn germe de Soviete; 6 a Comissao Interns;estudemos esta instituicao operaria, facamos um inque-rite, estudemos tambeM a fabrics capitalists, mas naocomo organizacd,o da producao material, porque deve-names ter uma cultura especializada que nao temos;estudemos a fabrics capitalists como forma necessariada classe operaria, como organismo politico, como aterri-tOrio national* do autogoverno opera'rio., Esta pala-vra era nova; foi repudiada precisamente pelo camaradaTama.

(') Trata-se de Aron Wizner, militante do clandestino Par-tido Socialists Revolucionario Polaco, refugiado emlia em 1914,Inacrito no PSI e residente, primeiro em Genova e depois emTurin

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0 que queria o camarada Tasca? Queria que naose iniedasae nenhuma propaganda directamente entreas masses operdrias, queria urn acordo corn os secre-taries das federagOes e dos sindicatos, queria que sepromovesse um convenio corn ester secretaries e seconstruisse urn piano para uma accio oficial; o grupode Ordine Nuovo teria lido as4sim reduzido ao nivel deurns camarilha irresponsavel de preswatuosos e de mos-cas varejeiras. Qual foi, pois, o programa real dosprimeiros raimeros de Ordine Nuovo? 0 programa foia ausôncia de urn programa concrete, tuna ve. e vagaaspira-cao de problemas concretes. Qual foi a ideia dosprimeiros nUmeros de Ordine Nuovo 9 Nenhuma ideiacentral, nenhum organizacao intim* do material litera.-rio publicado. 0 que entendia o camarada Tasca poritcultura) e, digo, o que entendia concretamente, naoabstractamente? Eis o que entendia o camarada Tascapor acultura): entendia arecordar), nao entendia cpen-san, e entendia crecordar* coisas frustradas, coisasconsumidas, a pacotilha do pensamento oper eario; enten-dia fazer conhecer a classe operaria italiana, trecordar)a boa classe operaria italiana, que a Lie atrasada, quee tao grosseira e inculta, recordar que Louis Blancelaborou pensamentos sobre a organizacao do trabalho,

que tais pensamentos deram lugar a experienciasreais; arecordax» que Eugenio Fourniere compilou umacuidadosa composicao escolar para servir, muito quente(ou muito frio), um esquerna de Estado socialists;arecordan, corn o espirito de Michelet (ou do bornLuigi Molinari), a Comuna de Paris ( 2 ), sem sequerpressentir que os comunistas russos, seguindo as pisadasde Marx, unem o Soviete, o cisterns dos Sovietes,Comuna de Paris, sem sequer pressentir que as obser-vacOes de Marx sobre o caracter aindustrial) da Comunatinham servido aos comunistas russos pars compreender

Soviete, para elaborar a ideia do Soviete, para tracara linha de accao do seu partido, tornado partido degovern°. 0 que foi Ordine Nuovo nos primeiros mime-

( 2 ) Cf. na antologia cit. de Ordine Nuovo, o artigo de AngeloTasca, Dopo la Cornune, pp. 129-133.

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ros? Foi uma antologia, nada mais do que uma anto-logia; foi uma resenha que teria podido sair em Na-poles, em Caltanissetta, em Brindisi; foi urns resenhade cultura abstracts, de informacao abstracts, comtendencia para publicar novelazinhas horripilantes exilografias bem intencionadas; eis o que foi OrdineNuovo nos seus primeiros nUmeros, tuna desorgani-zacao, o produto de um mediocre intelectualismo quedesordenadamente procurava urn ancoradouro ideal euma via para a accao. Isto foi Online Nuovo, tal comofoi aprovado depois das reunides que tivemos em Abrilde 1919, reuniOes devidamente exaradas em acts, reu-nioes nas quaffs o camarada Tasca rejeitou, como naoconformists as boas tradicees da moderada e pacificafamilia socialists italiana, a proposta de consagrarmosas nossas energias a descobrin uma tradino sovie-tics na classe operaria italiana, a escavar o filar) doreal espirito revolucionario italiano, real porque coin-cidente corn o espirito universal da Internacional opera-ria, porque produto de tuna sauna° hist6rica real,porque resultado de tuna elaboracão da pr6pria classeoperaria.

Urdimos, eu e Togliatti, um golpe de Estado redac-torial; o problema das ComissOes Internas foi abordadoexplicitamente no n.° 7 da revista; alguns dias antesde escrever o artigo, tinha adiantado ao camaradaTerracini a linha do artigo e Terracini tinha expressoo seu pleno acordo como teoria e como pratica; o artigo,pelo consenso de Terracini, corn a oolaborano deTogliatti, foi publicado ( 3 ) e sucedeu quanta tinhamosprevisto: fomos convidados, eu, Togliatti e Terracini, adirigir conversacOes nos circulos educativos, nas assem-bleias de fabrics, fomos convidados pelas GomissOesInterns a discutir em restritas reunioes de represen-tantes dos operarios. Continuamos; o problema dodesenvolvimenth da Comissio Interns tornou-se pro-blems central, tornou-se a ideia de Online Nuovo; eraposto como problems fundamental da revoluglo opera-

( a) o artigo Democracies open/rig. Cf. a presente edigito,voL I, pp. 337.

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ria, era o problema da cliberdadex. proletaria. OrdineNuovo passou a ser, para nes e para quantos nos se-guiam, jornal dos Conselhos de Fabrica); as opera-rios gostaram de Ordine Nuovo (isto podemos afirma-locorn intima satisfacao), e porque e que os operariosgostaram de Online Nuovo? Porque encontravam nosartigos do jornal uma parte de si pr6prios, a partemelhor de si prOprios; porque sentiam os artigos deOrdine Nuovo invadidos do rnesmo espirito de procurainterior: «Como podemos tornar-nos ' l yres? Como pode-mos tornar-nos nes preprios?, Porque os artigos deOrdine Nuovo nao eram frias arquitecturas inteiectuaismas brotavam da nossa discussao com os operdriosmelhores, elaboravam sentimentos, vontades, paixOesreais da classe operiria de Turim, que tinham sidopor nos ensaiadas e provocadas, porque os artigos deOrdine Nuovo eram quase urn tactual.) de aconteci-mentos reais, vistas coma momentos de urn processode intima libertacao e expressak de si prOpria porparte da classe operaria. Eis par que os operarios gos-taram de Ordine Nuovo e eis coma se 4formou7) aideia de Ordine Nuovo. 0 earnarada Tasca nao cola-boron nada nests formacao, nests elaboracao; OrdineNuovo desenvolveu a prapria ideia fora da sua vontadee do seu qcontributo» pars a revolucao. Aqui residea explicagao do seu comportamento actual e do 4gtormda sua polemics; ele nao trabalhou fadigosamente parsatingir a qsua concepcao» e flak me espanta que elatenha nascido inconscientemente, porque nao amada,e nä° me espanta que tenha tratado o argumento comtanta grosseria e que, com tanta desconsideracao eausencia de disciplina interior, tenha entrado na accaopars the conferir aquele caracter of icial que tinha sus-tentado e verbalizado urn ano antes.

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II

No epis6dio precedente procurei determinar a ori-gem da posicao mental do camarada Tasca em relacaoao programa de Online Nuovo, programa que veioorganizando-se, consequentemente, pela ex-periencia real,por nos feita, das neePseidades espirituais e praticasda classe operiria a volta do problema central dos Con-tselhos de fabrica. Visto que o camarada Tasca naoparticipou desta experrencia, visto que ele era, pelocontrario, hostil a que ela se praticasse, o problemados Conselhos de fabrica escapou-lhe nos seus termoshistoricos reais e no desenvolvimneto organic° que,embora atraves de certa hesitagao e certos e compreen-siveis erros, ele vinha assumindo nas negociacees diri-gidas por mim, por Togliatti e por outros camaradasque quiseram ajudar-nos: para Tasca o problema dos'Conselhos de fabrica foi simplesmente urn problemano sentido aritmetico da palavra, foi o problema decomo organizar imediatamente toda a classe dos opera-rice e camponeses italianos. Num dos seus artigos pole-micos ( 4 ), Tasca diz considerar num mesmo piano oPartido Comunista, o Sindicato e o Conselho de Fabrics;noutro ponto demonstra nao ter percebido o significado

( 4 ) A discussio corn Angelo Tasca acerca da concepcao e dopapal dos Conselhos de fabrics acendeu-se depois da sua comu-nicacao ao Congresso da Camara de Trabalho de Turim, criticadapor Gramsci. Tasca respondeu nas colunas da revista corn dotsartigos (Polemics sui programa dell'Ordine Nuovo I e II), era

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It

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do atributo avoluntariosi que Ordine Nuovo dd as orga-nizacties de partido e de Sindicato, diferentemente do,Conselho de fibrica que 0 assumido come uma formade associacae chistericaz do tipo que hoje so pode sercomparado corn o do Estado burgues. Segundo a con-cepc.lo desenvolvida em Ordine Nuovo, concepcdo que,por ser tal, era organizada a volta dtuna ideia, a ideiade liberdade (e concretamente, no piano da ex-lag:dohistOrica actual, a volta da hipOtese de uma acca-oautenoma revolucionazia da classe operdria), o Con-selho de fdbrica 6 uma instituiflo de catheter «mlblice»,enquanto o partido e o sindicato são associacOes decatheter gprivado). No Conselho de Mirka, o operarioentra como produtor, em consequOncia do seu catheteruniversal, em consequOncia da sua posi -gae e da suafungi() na sociedade, do mesmo modo que o eidadäoentra no Estado democrdtico parlamentar. No partidoe no sindicato, o operdrio entra aoluntariamente»,assinando um compromisso escrito, assinando urn Icon-trate* que pode rasgar em qualquer memento: o partidoe o sindicato, por este seu catheter de cvoluntariedade",por este seu catheter Icontratuabi, nao podem ser demodo nenhum confundidos corn o Conselho, instituicãorepresentativa, que se desenvolve não aritmeticamentemss morfologicamente e tende, nas seas formas supe-riores, a dar o relevo proletiirio do aparelho de pro-dug/J..° e de colocaclo criado pelo capitalismo corn fina-lidades die lucre. 0 desenvolvimento das formas supe-riores da organizaclo dos Conselhos nä° era por issoindicado por Ordine Nuovo corn a terminologia politicapr6pria das sociedade divididas em classes, mas cornsinais da organizacao industrial. 0 sistema dos Conse-lhos nao pode ser expresso, segundo a coneepcAo desen-volvida em Ordine Nuovo, pela palavra dederagdo» oude significado semelhante, mas 86 pode ser represen-

7 e 14 de Junho. A afirmagfio de Tasca a que aqui se refere G.dizia assize: «Gramsci considera os Conselhos essencialmentecomo o Intel° do Estado opera/1o, cujo desenvolvimento devemesforear-se por garantir o partido e os sindicatos, enquanto euos vejo num mearno piano...» (Cf. L'antologia dell'O.N., cit.,p. 527).

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tado transportando a todo um centro industrial o com-plex° de relagbes industrials que numa fdbrica liga umaequipa de laboracio a outra equipa, uma seecdo a outra.scow' . 0 exemplo de Turim era para nes transparentee por isso Turim foi assumida, num artigo, como forjahistarica da revolugão comunista italiana ( 5 ). Numafdbrica, os opera.rios sao produtores porque colaboram,ordenados de modo determinado exactamente pela tee-nica industrial que 6 independente (em certo sentido)do modo de apropriacao dos valores produzidos, napreparagAo do objecto fabricado. Todos os operdriosde uma fabrics de autom6veis, quer sejam metalOrgicos,pedreiros, electricistas, carpinteiros, etc., assumem ocatheter e a funcao de produtores porque ado igual-mente neeppsarios e indispensdveis a fabricacao doautom6vel, porque, ordenados industrialmente, consti-tuem um organismo historicamente necessdrio e absolu-tamente indivisivel. Turim desenvolveu-se historica-mente, como cidade, deste modo: pela mudanca dacapital para Florenca e Roma, pelo facto de o Estadoitaliano se constituir inicialmente come dilatagAo doEstado piemontés, Tarim foi privada da elasse pequeno--burguesa cujos elementos forneceram o pessoal aonovo apareiho italiano. Mas a mudanca de capital eeste rapid° depauperamento de um elemento casacteris-tie° das cidades modernas näo determinaram uma deca-dOncia da cidade; pelo contrario, ela recomecou a desen-volver-se e o novo desenvolvimento verificou-se organi-camente a medida que se desenvolvia a indtistria mec6,-mica, o sistema de thbricas da Fiat. Turim tinha dadoao novo Estado a sua classe de intelectuais pequeno--burgueses; o desenvolvimento da economia capitalista,arruinando a pequena indOstria e o artesanato da meta°italiana, fez afluir a Turim tuna compacta massa prole-tdria que deu a cidade a sus, figura actual, talvez umadas mais originais de toda a Europa. A cidade as.sumiunaturalmente a volts de uma indOstria que lgoverna,e mantkm uma configuracão concentrada e organizadatodo o movimento urbane e the regula as movimentos:

(5) Cf. nota 1, p. 75 do presente volume.

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Turim 6 a cidade do automOvel do mesmo mode queVercellese 6 o organismo econ6mico tenderized° peloarroz, o Ciucaso pelo petrOleo, o Pais de Gales peloearvdo, etc. Assim come, numa fdbrica, os operariosassumem uma figura, ordenando-se para a produce.°de urn determined° objecto que une e organize traba-thadores do metal e da madeira, pedreiros, electricis-tas, etc., assim na eidetic, a classe operaria assumeuma figura prevalente da inddstria, que ordena e go-verns pela sua existencia todo o complexo urbano.Assim, a escala national, urn povo assume a figurada sua exportacao, do contribute real que da a videeconomics do mundo.

0 camarada Tasca, leiter muito desatento de OrdineNuovo, nao reteve nada deste desenvolvimento hist&rico, que, de resto, nao era math do que uma traducao,pare a realidade hist:ince italiana, das concepcOes de-senvolvidas pelo camarada Lenine em alguns escritospublicados igualmente por Ordine Nuovo e das concep-cOes do teOrico americano da associacão sindicalista revo-lucionaria dos IWW, o marxista Daniel de Leon (6).De facto o camarada Tasca, num determined° memento,interpreta em sentido meramente tcomerciah e conta-bilista a representacao dos complexes econ6micos deproduce°, expressa corn as palavras tarroz), amadeira»,tenxefre», etc.; noutro ponto, pergunta-se que relacaodeve interligar os Conselhos; num terceiro ponto, en-contra na c,oncepcao proudhoniana da abrica que destrOi

govern, a origem da ideia desenvolvida em OrdineNuovo, ainda que no pr6prio ntImere de 5 de Junho,em que se publicavam o artigo 0 Conselho de Fdbrica

os comentaries ao Congresso da Cfunara, fosse repro-duzido taint urn estrato do escrito sobre a Comunaparisiense, onde Marx explicitamente se ref ere ao caret-

( 1) Daniel De Leon, te6rico e combatente do sindicalismorevolucionirio americano entre 1890 e 1914, data da sua morte,sustentava essencialmente a necessidade da representacdo ope-Aria por iniciativa e o autogoverno dos produtores atravis dosindicato. De Leon foi o animador dos Industrial Workers of theWorld que criaram 11112 forte movimento de fabrics na America,tornando-se os organizadores da massy no local de trabaiho.

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ter industrial da sociedade comunista dos produtores.Neste obra de Marx, encontraram De Leon e Lenineos motives fundamentals das sues concepcOes; sobreestes elementos tinham side preparados e elaboradosos artigos de Ordine Nuovo que, mais uma vez e pre-cisamente pelo wittier° a partir do quad teve origema polOmica, o camarada Tasca mostrou ler muito super-ficialmente e sem nenhuma inteligencia da substanciaideal e historica.

Nab quero repetir, pare os leitores desta polemics,todos os argumentos ja apresentados pare desenvolvera ideia da liberdade operaria que se actua inicialmenteno Gonselho de fabrics. Quis apenas aludir a algunsmotivos fundamentals pant mostrar come escapou aocamarada Tests o Ultimo processo de desenvolvimentodo programa de Ordine Nuovo. Em apendice que seseguire. a estes doffs breves artigos ( 7 ), a.nalisarei algunspontos da expositao felts per Taste porque me pareceoportuno esclasece-los e demonstrar a sua inconsisten-cia. Um ponto 6 precise pore/it esclarecer subitamente,quando Testa, falando do capital financeiro, escreveque o capital tlevanta vow), destaca-se da producao

equilibra-se Todo este problems de levantar voode equilibrar o papel-moeda nao tern nada que ver

com a teoria dos Gonselhos de fabrics; relevemosque a pessoa do capitalists se destacou do mundo daproducao, nao o capital, ainda que seja financeiro;relevamos que a fabrics, ja nao 6 governada pela pessoado proprietario mas pela banca atraves duma buro-cracia industrial que tende a desinteressar-se da pro-duce° do mesmo mode que o funcionario estatal sedesinteressa da administrano publics. Esta alusao ser-viu-nos para uma analise histOrioa das novas relacbeshierarquicas que se foram estabelecendo na fabrics

pan, fixar o advento de uma das mais importa.atescondigOes histOricas da autonomia industrial da classeoperaria, cuja organizacao de fabrics tende a incor-porar o poder de initiative sobre a producao. A ques-

( 7) Nao results que este apendice tenha sido publicado ouescrito.

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tab do twos. e tequilibraru é tuna fantasia infelizdo camarada Tasca que ao referir-se a tuna sua /wen-ds° do lino de Arturo Labriola sobre o Capitalism°,publicada pelo Corriere Universitario, para demonstrarter-se aocupadon da questa.° do capital financeiro (denotar pie Labriola sustenta urna tese oposta a deHilferding, pie foi depois a tese dos bolchevistas),demonstra nos fades nao ter percebido absolutamentenada e ter construido urn castelo sobre vagas reminis-cincias e vazias palavras.

A polêmica serviu para demonstrar que as observa-nes feitas por mim a comunicano de Tasca erammais que fundadas: Tasca tinha uma superficial infer-man° acerca do problema dos Censelhos e tinha urns&mkt invencivel de apresentar uma concepgaode iniciar uma acne esuao, de abrir tuna nova era nomovimento sindical.

Os comenthries ao Congresso da Camara e a inter-venno do camarada Tasca pan determinar o vote deuma mono corn caricter executive, tinham sido dita-dos pela vontade de manter integralmente o programada revista. Os Conselhos de Fabrics tem a sus lei emsi prOprios, nao podem e nao devem aceitar a legis-lano dos organismos sindicais que ales pretendem rano-var fundamentalmente, como finalidade imediata. Domesmo modo, o movimento dos Conselhos de Fabricsquer que as representsnes operarias sejam emananodirects das massas e estejam ligadas a massa por urnmandato imperative: a intervenno, num congressooperario, do camarada Tasca, come relator (sem man-dato de ninguem) de urn problems que interessa todaa massa operiria e cuja soluno imperativa deverialigar a massa, estava de tal mode em contraste corna direcno ideal de Ordine Nuovo, que os comentarios,na sua forma aspen, eram perfeitamente justificadose absolutamente devidos.

A OPINLIO DE LENINE (*)

Na sus carts, publicada noutra parte do jornal, ocamarada D. R. refere-se a tese em que o camaradaLenine exprime a sus solidariedade corn o movimento deTurim e corn Ordine Nuovo. Eis as palavras do camaradahenna:

«Pelo que respeita ao Partido Socialists Italian, oII Congresso da III Internacional acha fundamental-mente justa a critics deste partido e as propostas pra-ticas, que foram publicadas, come orientano- da seen°de Turim no Comelho do Partido Socialista Italian°, nojornal Ordine Nuovo de 8 de Maio de 1920 e que corres-pondem integralmente a todos os principles fundamen-tals da III Internacional. Por estes motives, o II Con-gresso da III Internacional solicita ao Partido SocialistaItaliano que convoque imediatamente um congresso ex-traordinario pan examinar estas propostas e todas asdeciaaes dos dois congressos da Internacional Comunista,particularmente a respeito do grupo parlamentar e doselementos nao comunistas do partido (9.,

A comunicacao que a seen° socialists de Turim tinhapreparado pars o Conselho Nacional de Abril, convocadopara Tarim e no Ultimo memento transferido pan Milan,

(*) Nblo assinado, L'Ordine Nuovo, 21-8-1920, seccio «Cro-nache dell'Ordine Nuovo». 0 taut° é nosso.

(I ) Das Teses sobre as taref as fundamentals do II Congressoda IC, ponto 17. Cf. Lenine, Sul movimento operario italiano,Roma, 1962, pp. 194 e 195.

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s6 6 canhecida dos leitores de Ordine Nuovo e dos pou-cos leitores do optisculo Para uma renovacdo do PartidoSocialista Italiano ( 2 ): Tao foi tomada em nenhuma con-sideracäo pales organismos centrals e responsaveis doPartido. Lida em Moscovo pelos camaradas do comiteexecutive da III Internacional, fel, pelo contrario, as-sumida come base da opiniao sobre o Partido SocialistaItaliano e apontada como objecto de tit] discussao numcongress° extraordimario. A comunicaccão tinha sido es-crita nos primeiros dias da greve dos metahlrgices deTurim, quando ainda a greve geral nä,o se vislumbrava,nem sequer como possibilidade: era urn reflex() do estadode (mime de preocupacao e de ansiedade que naquelesdias atormentava a cornissae executiva da seen°, quetinha tentado tudo, embora inutilmente, para fazer con-vergir as atencees do partido para os acontecimentos emfase de desenvolvimento e esperava do Conselho Nacionaluma Tnaior compreemsào e uma intuicao anais viva danecessidade do movimento proletario italiano;mente ela ainda hoje e actual. Os acontecimentos desen-volveram-se entao segundo a vontade dos capitalistas ea classe operiria de Turim foi derrotada; de nada vale-ram es esforcos da sec-cap de Turim para ebter que oPartido se pusesse a cabeca do movimento, a seccaofoi acusada de indisciplina, de ligeireza, de anarquis-mo. Qualquer discussào foi sistematicamente evitada;discutir a comunicacão no Causelho, escrita (e corn co-nhecimento do partido) antes que a greve dos metaltir-glees se transformasse em greve geral piemontesa, isto6, quando tuna intervencao energica dos organismos cen-tanis era ainda possivel e podia ser dealsiva, teria sig-nificado raver as opiniaes e as acusacOes, teria signifi-cado fazer um «ma figura» perante as maggas

Coisas paseadas... Acontecimentos que parecem hojelongInquos. Diz-se que alguns dos made flu-loses contra oscde Turim» mudaram cornpletamente de parecer. E toda-via, come recordacao das jornadas de paixao vividas emAbril ultimo, agrada-nos, come sem dtivida agradar ia atodoe os camaradas da seccAo e a rnassa eperaria, a in-

- (2) Cf. pp. 85-90 do presente volume.

formacao de que a opiniao do comitd executivo da IIIInternacional e muito diferente da dos maiores exponen-tes italianos do Partido, que parecia inapelavel; a infer-macao de que precisaanente a opiniao dos «quatro agita-dos» de Turim teve o sufragio da autoridade mais altado movimento operario internacional.

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MNINIMOELI6

0 PARTIDO COMUNISTA (•) •

I

Depois de Sorel, tornou-ee um lugar-comum a refe-i'.6.ncia as primitivas comucnidades cristas para julgar omoviment,o proletirio moderno. Ocorre desde ja dizerque Sorel nao 6 do modo nenhum Dasponsivel pela mes-quinhez e pela grosseria °spiritual dos seus admiradoresitalianos, come Karl Marx nä() 6 responsavel pelas ab-surdas pretensbes ideol6gicas dos cmarxistas). Sorel 6,no campo da analise hista-ica, urn «inventor., nao podeser imitado, nao pOe ao servico dos sews aspirantes a dis-cipulos um metodo que possa aiplicar-se mecanicamente,sempre e por todos, corn resultados de descobertas inte-ligentes. Para Sorel, coma para a douta-ina marxista, ocristianismo representa uma revoluclo na plenitude doseu desenvolvimento, isto 6, uma revolugao que chegouas snag extremes conseque. ncias, a criacsao de urn novoe original sist.ema de relacks morais, juridicas, filos6-ficas, artisticas. Assumir estes resultados como esquemasideol6gicos de qualquer revolucao, eis a grosseira e de-sinteligente traicao da intuiclo histbrica soreliana, aqual sO pode dar origem a uma s6rie de analises histeri-

(•) Nâo assinado, L'Ordine Nuovo, 4-9 e 9-10-1920. 0 largointervalo entre a publicaggio da primeira e da segunda partes doartigo a determined° pela ocupacio das ffibricas, que teve lugarno m63 de Setembro, durante a qual Ordine Nuovo suspendeu apublicacio.

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as sobre os •germes» que devem existir de uma civilize-cap proletaria, se 6 verdade (come o 6 pare Sorel) que arevolugão proleteria 6 Smanente no Gerrie da sociedadeindustrial moderns, se 6 verdade que tambem dela resul-ta,ra a uma regra de vide original e urn sistema de rela-gLes absolutamente novos, caracteristicos da classe revo-lucionaria. Que significado pode ter, pois, a afirmacäode que, diferenternente dos primeiros cristaos, os opera-ries nao s5.o eat, nao sdo temperantes, nao sae origi-nals no seu meted° de vide? A. parte a generalizacaodiletante, pela qual os «operarios metahirgicos de 'Pu-rim» se tornam urns mixOrdia de brutos que todos osdias comem frango assado, que todas as noires se em-bebedam nos prostibulos, quo Tao amam a familia, queprocuram no cinema e na imitagao simiesca dos habitosburgueses a satisfacao dos seus ideals de beleza e devide moral — a parte esta generalizacao diletante e pue-ril, a afirmano nao pode de facto tornarse pressupostode urn juizo histdrico; equivalei-ia, na ordem da inteli-gancia histOrica, a estoutra: visto que os cristaos moder-nos comem frango, frequentam as prostitutes, se embe-bedam, dizem fakes testemunhos, sao addateros, etc.,etc., 6 nma lends que tenharn existido os eseetas, os mar-tires, os santos. Cada fenemeno histOrico, em suma, deveser estudado poles seus caracteres peculiares, no quadroda actualidade real, come desenvolvimento da liberdadeque se manifests em finalidade, em instituigoes, ern for-mes que nao podem ser absolutamente confundidas eeomparadas (alem de metaforicamente) corn as finali-dades, as instituicees, as formas dos fenOmenos hist6-rieos paasados. Cada rervolucao, a qual, come a cristae come a oomunista, se actua e se pode actuar-se cornurn movimento (ins mais profundas e vastas masses po-pulares, nao pode deixar de despedaear e destruir todoo sister/la existente de organizacao social; quern podeimaginar e prover as consequancias imediatas quo pro-vocara a aparicao, no campo da destruicao e da criarsaohisthrica, cln.s imenses multidaes que hoje nao tern von-tade e poder? Estes, porque nunca cquiseram e pude-ram», pretenderao ver materializados em cads actobile° e privado a vontade e o poder conquistados, estasachario misteriosamente hostil todo o existente e quere-

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rao destrui-lo desde os alicerces; mas ju.stamente peresta imensidade da revoluelo, per este seu caracthr deimprevisibilidade e de immasa liberdade, quem pode ar-riscar uma Unica hipôtese definitive sobre os sentimen-tos, as paixOes, as iniciativas, as virbudes que se forja-rap numa tal forja incandescente? 0 que hoje existe, oque hoje vemos, fora da nossa fora de vontade e danossa fora de carecter, que mudangas podera sofrer?Cada die de uma tal intensa vide nao sera urns revolu-cao? Cada =dance nas cansciencias individuals, porque°bride simultaneemente per toda amplitude da massapopular, nao tern resultados criativos inirnsigineveis?

Nada pode ser previsto, na ordem da vide moral edos sentimentos, partimlo das constatagOes actuais. Ums6 sentimento, tornado ja constante, capaz de caracteri-zare classe °per-aria, nos 6 dado hoje verificar: o da so-lidariedade. its a intensidacle e a fora deste searinantos6 Podem ser avaliadas come base da vontade de resistire de sacrificar-se per urn period° de tempo que mesmo aescassa capacidade popular de previsao histhrica ccmse-gue medir corn tuna certa aproximacao* ; nao podem seravaliadas e, portanto, assumidas corm base da vontadehisthrica pare o •periodo da criagao revolueicmaria e dafundacao da sociedade nova, quando for impossivel fixercads limite temporal na resistencia e no sacrificio, vistoque o inimigo a combater e a veneer deixa de ester forado proletariado, ja nao sera uma poth'arcia fisica exter-na, limitada e controlavel, mas estarii no pr6prio prole-tariado, na sua ignorancia, na sua preguica, na sua ma-cia hripenetrabilidade as rapidas intuicees, quando adialectics de luta de classes se river interiozado e emcads consciencia o homem novo river que combater, erncads acto, o «burguas» que espera o sea memento. Porisso o sindicato aperario, organism° que realize e dis-cipline a solidariedade proletarie, nap pode ser motivee base de previsOes para o future da eivilizane; ele /a°coartem elementos de desenvolvimento para a liberdade;ele este destined° a safrer mudaneas radicals em cense-quancia do desenvolvimento geral: 6 determined°, naodeterminante.

0 movimento proletario, na sue fase actual, tendea =Wax urns revalue-5e na organimaeao Ides coisas mate-

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vials e das forgas fisicas; os seus tracos caracteristicosnao podem ser os sentimentos e as paixoes difusas nasinessaa e que sustentam a vontade das massas; os tracescaracteristicas da revolucao proletaria s6 podemd secr

°m

pro-e

....nttinast dallt jeep_

(144:1 vote porquee6 a organzadiaaintraada vontade de fundar urn Estado, da vontadede dar tuna sistematizacao proletaria a ordem das foi.:-gas fisicas e?dst2entes e de lances as bases da liberdadeer.

Partido Comunista 6, no actual period°, a Unicainstituicao clue pode seriamente confrentar-se corn ascomunidades religiosas do cristianismo primitivo; noslimites em que ja existe o Particle, a escala internacio-nal, pode tentar-se uma comparacao e estabelecer-se tunaordem de juizos entre as militantes pela Cidade de Deuse os militantes pela Cidade do Homem; o comunista nao6 decerto inferior ao oristao das catacumbas. Palo con-traria! 0 fim inefivel quo o cristianismo punha aos sousmodelos 6, pelo seu anisterio sugestivo, urns justificacaoplena de heroism°, da sede de martirio, da santidade;nil* 6 necessario quo entrem can jogo as grandes forr,ashumans do caracter e da vontade para suscitar o es-pirito de sacrificio de quem ore no premio celeste e naeterna felicidade. 0 operbsio comunista que durante se-manes, meses, axes, desinteressadamente, depois de oitohoras de trabalho na fabrica, trabalha outran oito horaspars o Partido, para o sindicato, pant a cooperativa 6,do ponto de vista da hist6ria do homem, maior do que oescravo e a artesan' quo desafiavam todos os perigos parscomparecerem no convenio clandestino da °raga°. Domesmo modo, Rosa Luxemburgo e Karl Lieblmecht saomaiores do que os maiores santos de Cristo. Precisamenteporque a finalidade da 61L9, milicia 6 concretes, humans,limitada, os lutadores da. classe operóxia nao maiores do .que as lutadores de Deus: as forgers moms que susteaa-tam a sua vontade sao tanto mais destnedidas quantomais 6 definido o firm proposto pela vontade. Que forcasde expamsão pada/to conquistar os sentimentos do ope-rftrio, o qual, dobrado sobre a mfiquina, repete por oitohens ao (Ha o gesto profissional, mcatono como o rezardo circulo fechado da °raga°, quando for «dominador.,

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quando for a medida dos valores sociais? 0 prOprio factode o operario conseguir aincla pensar, ernbora sendo re-duzido a operar sem saber o como e o porque da sua acti-vidade pritica, 115.0 é um milagre? Este milagre dooperario que quotidianamente conquista a prOpria au-tonomia espiritual e a pr6pria liberdade de construir naordain das ideias, lutando contra a fadiga, contra o enfa-do, contra a monotonia do gesto que tende a mecanizare, portanto, a maths a vida interior, este milagre orga-niza-se no-Partido Comunista, na vontade de luta e decriacao revolucionarias que se exprime no Partido Comu-nista.

0 operario, na fabrica, tern encargos meramente exe-cutivos. Nao segue o processo geral do trabalho e daproduclo; nä° 6 urn ponto que se move para criar umalinha ; 6 urn alfinete cravado num local deberminado e alinha resulta da sequencia de alfinetes quo uma vontadeestranha &This para os seus fins. 0 operario tende atransportar este sou modo de ser a todos os ambientesda sua vida; acomoda-se facilmente, por toda a parte, aooficto de executor material, de (mosso» guiada por umavontade estranha a sua ; preguicoso intolectualmente,/14 sabe e nao quer prover para alem do imediato, porisso the falta qualquer criterio na esoolha dos seus diri-gentes e deixa-se iludir facilmente pelas promessas; queracredita.r que pode obter Bean urn grande esforco da suaparte e sem ter que pensar inuito.i0Partido Comunistaé o instrumento e a forma histOrica do processo de intimalibertacao pela qual o operario passa de executor a iniciardor, passa de massy a dirigente e guia, passa de brag° athrebro e vontade; na formacao do Partido Comunistapode-se colher o germe de liberdade que tera o seu desen-volvimento e a sua plena expansao quando o Estado ope-Maio tiver organizado as conclicOes materials necessarias.0 escravo ou o artesao do mundo classic° «conheciam-sea si prapries., actuavarn a sua libertacao entrando pars acomanidade crista onde concretamente sentiam ser iguais,saran irmaos porque filhos do mesmo psi; assim aeon-tece corn o operario, entrando pars o Partido Comunista,onde colabora pan «descobrirs e para. (inventor. modosde vida originals, onde colabora «voluntariamente naactividade do mundo, mule pensa, preve, ten uma respon-

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sabilidade, onde a organizador pars alem de ser organi-zado, onde sente constituir uma vanguards que marchaem frente arrastando consigo toda a massy popular.

0 Partidp Comunista,, mesmo °onto men organiza-ciao, revelou-se forma particular da revolucao proleta-ria. Nemhuma revolu 'no do passado conhecen os parti-dos; este-5 nasceram depois da revolucao burguesa edecompuseram-se no terreno da democracia parlamentar.Tambem •neste campo se verificou a idela rnaxxista deque o capitalism° cria forcas que •depois nä° conseguedominar. Os partidos democraticos serviam pan indicarhomens •politicos de valor e •pan faze-lo triunfar na con-corréncia politica; hoje, os homens de govern sdo im-postor pelos bancos, pelos grandes jornais, pelas associa-cbes industrials; os partidos decompuserarn-se numamultiplicidade de camarilhas pessoais. 0 Partido Comu-nista, stu-gindo das cinzas dos partidos socialistas, repu-dia as suas origens democraticas e parlamentares erevels os seus ea/actor-es essenciais que sio originals nahistOria: a revolugão russa a revolucao executada peloshomers orgadzados no Partido Comunista, qua plasma-ram no partido uma personalidade nova, conquistarammoves sentimentos, realizaram urns vida moral qua tendea tornar-se consciencia universal e finalidade pan todosos homens.

II

Os partidos politicos sao o reflex° e a nomenclaturadas classes sociais. Surgem, desenvolvem-se, dec,ompOem--se, renovam-se conforme os diversos estratos das classessocials em luta, sof rem mudancas de real interesse his-tOrico, veem radicalmente mudadas as suas condicOes deexistencia e de desenvolvimento, conquistam urns maiore mais elara consciencia de si e dos seus vitals interessesNo actual period° histbrico, e comm consequencia daguerra imperialists que mudou profundamente a estru-tura do aparelho nacional e internacional de producao ede colocacao, tornou-se caracteristica a rapidez corn quese desenvolve o process° de dissociacao dos partidos poli-ticos tradicionais, nascidos no terreno da democraciaparlamentar, e o surgir de novas organizacOes polities:este process° geral obedece a urns intim legica impla-eavel, substanciada pela idecomposicao das velhas classese dos velhos sectores e pelas vertiginos m s passagens deurns condicao a outra de completes estratos da popula-cao' can todo o territerio do Estado e, frequentemente, emtad° o territOrio do dominio capitalists.

Tambem as classes socials historicamente mais pre-guicosas e tardias a diferenciarem-se, come a classe doscamponeses, nao fogem a accao energies dos reagentesque dissolvem o corpo social; parece ate que estas classes,quanto mais preguicosas e tardias foram no passado,tanto mais querem hoje alcancar acelenadamente asconsequencias dialecticamente extremas da luta de clas-ses, a guerra civil e a violacao das rela0es econemicas.

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Vimos, em Italia, no espac,o de dole anos, surgir comoque do nada urn potente partido da classe camponesa, oPartido Popular, que com o seu iaascimento presumia re-presentar as interesses ecomemicos e av aspiracties poll-ticas de todos os estratos sociais do campo, desde o baräolatifturdiasio ao medic proprietlrio de terms, do peque-no proprietario ao arrendatario, do meeiro so camponespobre. Vimos o Partido Popular conquistar quase ternlugares no Parlament° corn listas unitarias nas quaffstinham absoluta prevalencia os representantes do baraolatifundiario, do grande propriet6rio dos bosques, dograde e media proprietario e exigua minoria da popula-

ca,mponesa. Vimos iniciar-se imedita e rapidamente,tornando-se espasanbdicas, as lutes internas de tendOn-cis no Partido Popular, reflex° da diferenciagäo que seactuava na primitiva massa eleitoral; as grandes massasdos pequenos propriethrios e doe camponeses pobres naoquiseram continuar a ser a passiva massa de manobrapara a actuacão doe interesses dos medicos e grandes pro-prietaries; sob a sua energica pressAe, o Partido Populardividiu-se numa faccio de direita, num centre e numaesquerda, e vimos, portanto, sob a pressao dos caanpone-neses pobres, a extrema esquerda exprimir-se como re-volucionaria, entrar em concorrencia corn o PartidoSocialista, tornado tanibem ole representante de vastis-simas mamas camponesas; observamos ja a dec.omposi-cäo do Partido Popular, cuja fra,cCao parlamentar e cujoComitg Central ja näcH. representam os interesses e a con-quistada consciencia das massas eleitorais e das farosorganizadas nos sindicatos brancos, representadas, pelocontrario, pelos extrernistas, os quais nä° querem per-der o controlo delas, nao podem iludi-las corn uma accbtolegal no Parlament° e ado portanto levados a recorrera luta violenta e a desejar novas instituicdes politicas degoverno. 0 mesmo processo de ripida organizaclo e ra-pidissirna dissociacâo se verificou na outra correntepolitica que quis representar os interesses dos campo-neses, a associacAo dos ex-combatentes; isso 6 o reflexoda formidAvel arise interna que atormenta o territOriorural italiamo e manifesta-se nas gigantescas graves daRaba setentrional e central, na invaiato e reparticdo doslatiftladios (la Puglia, nos assaltos a castelos feuclais e na

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aparicao, nas cidades da Sicilia, de centenas e mil/lamsde camponeses armados.

Este prof undo movimento Fdas classes camponesasabana os alicerces da estrutura do Estado parlamentardemocratic°. 0 capitalismo, come forca politica, é redu-zido as associagees sindicais doe proprietArios de fabri-cas; ja nao tem urn partido politico cuja ideologic abran-ja tambem os estratos pequeno-burgueses da cidade edo campo e permit; portanto, a permané.'ncia de urnEstado legal corn largas bases. 0 capitalismo ve-se redu-zido a uma representacâo politica 36 nos grandes jornais(400 mil exemplares de tiragem, mil eleitores) e noSenado, imune, como fornmesio, as acribes e reaccOes dasgrandes massas populares, mas sem autoridade e pres-tigio no pais; por isso a form politica do capitalismotende a identificar-se cada vez mais corn a alts hierarquiamilitar, corn a guarda real, corn os multiplos aventurei-ros, pululando depois do armisticio e aspirantes a /tor-narem-se, cada urn contra os outros, o Kornilov ( 1 ) e oNapoleAo italianos e, por isso, a forca politica do capi-talismo nao pode hoje actuar-se senäo num golpe deestado militar e na tentativa de impor uma f &Tea dita-dura nacionalista que leve as embrutecidas massas ita-lianas a restaurarem a economia corn o saque a mâoarmada dos paises vizinhos.

Esgotada e consumida a burguesia como classe diri-,gente, corn o esgotamento do capitalismo como modo dproduc2ao e de venda, nao existindo na classe camponesuma forga politica homogenea capaz de criar um Estado,a classe operaria. 6 inelutavelmente chamada pela histd-ria a assumir a responsabilidade de classe dirigente. SOo proletariado 6 capaz de criar urn Estado forte e temido,'porque tem um programa de reconstrucão econ6mic,a, ocomunismo, que enc,ontra as suas necessirias premissase condicOes na fase de desenvolvimento alcangada pelocapitalismo corn a guerra imperialists de 1914-18; sd o

( I ) 0 general russo Kornilov moveu-se, em Setembro de 1917,contra Petrogrado, para expulsar o Governo ProvisOrio e recon-duzir o czar ao poder. 0 golpe de mao faliu dada a resistenciaoposta pelos soldados e operArios de Petrogrado, organizados pe-los bolchevistas.

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proletariado, criando urn novo Ore.° de direito pUblice,o sistema dos Sovietes, pode dar uma forma dinamicafluids e incandescente mass y social e restaurar uma or-dem na geral perturbacao das forg,as produtivas. E natu-ral e historioamente justificado que, precisamente numperiod° come este, se ponha a problema da formagdo do

-Particle Comunista, expressão de vanguarda proletariaque tam exacta conseiência_da sua migatohistarioa, quefundara as novas ordens, que seri, o iniciador e o pro-flOnlita - do novo e original periodo histerico.

At6 o tradicianal partido politico da classe operariaitaliana, o Partido Socialista, nao fugiu ao processo dedecomposigdo de todas as formas associativas, processoque 6 caracteristico do periodo que atravessamos. 0 teracreditado que podia salvar a velha unidade do partidoda sua intima dissolucao foi o colossal erro histerice doshornet's que, desde o rebentar da guerra mundial atehoje, controlam os Orgaos de govern da nossa associa-gdo. Na verdade, o Particle Socialista Italian, galas sanstradicOes, pelas origens histOriens das varias correlatesquo o constituirazn, polo pacto de alianca, tacito ou ex-plicito, corn a Gonfederacao Geral do Trabalho (pactoque nos congresses, nos conselhos e em todas as reuniOesdeliberativas serve pars dar urn poder e urn influxo in-justificado aos funcionarios sindicais), pela autonomiailimiffida concedida ao grupo parlamentar (que da, mes-a= aos deputados nos congresses, nos conselhos e nasdeliberagOes da mais alta importancia, urn poder e urninfluxo sernelhante ao dos funcionerios sindicais e domesmo mode injustificado), o Partido Socialists Italian°Edo difere, can nada, do Labour Party Mgt& e s6 6 re-

' volucionirio pelas afirmacbe" s gerais do seu programs.E urn conglomerado de partidos; move-se e nao podedeixar de mover-se preguigosa e tardiamente; 6 expostocontinuamente a tornar-se o feel pats de exmquista deaventureiros, de carreiristas, de ambielosos sem serieda-de e capacidade politica; pela sua heterogeneidade, pales

,'atritee inumeraveis das sues engrenagens, gastas e sa-botadas poles servos-patrOes (*), ja aide 6 capaz de

(•) Que se creem patrOes mas que, na realidade, nits passamde servos.— (N. do T.)

assumir o peso e a responsabilidade das iniciativas e dasacgdes revoluciondrias que os acontecimentos prementesincessantemente ]he impOem. Isth explica_ o paradoxo ;histerice pelo qual em Italia sae as massas quein-TPtilstut--,=-nam e o partido da classe operaria a nao-6 oPartido que guia e educa as massas.

- 0 Partido Socialists diz-se defensor das doutrinasmarxistas; o partido deveria portant° ter nestas doutri-nas uma biissola para se oricmtar no emredo dos aconte-cimentos, deveria possuir aquela capacidade de PrevisaohistOrica que caracteriza os sequazes inteligentes dadialectics marxista, deveria ter um plane geral de a.,ecaobaseado nesta previsäo histOrica, ser capaz de Langar

classe operiria on luta palavras de ordem clams e pre-cisas; ern vez disco, o Partido Socialists, o partido defen-sor do marxismo ern Italia, come o Partido Popular, comao partido das classes math atrasadas da populacao ita-liana, esta exposto a todas as pressOes das ma's, move--se e diferencia-se quaaado as massas je, se deslocaram ediferenciaram. Na verdade, este Partido Socialists, quese proclama guia e mestre das massas, 11i0 6 mais doque um pobre notarie que regista as operagdes cumpri-das expontaneamente pelas massas; este pobre PartidoSocialista, que se proclama dirigente da classe operaria,nao 6 mais do que impedimenta do exercito proletario.

Se este estranho proceder do Partido Socialista., seesta bizarn candied° do parade politico da classe ope-raria nao provocaram ate agora uma catastrofe, o factodeve-se a que no interior da classe operaria, nas seecOesurbannm do partido, nos sindicatos, nas fabricas, nas al-deias, existem grupos energicos de comunistas conscien-tes do seu trabalho histhrice, energicos e prevenidos parsa aorta°, capazes de guiarem e de educarem as massaslocais do proletariado; o facto deve-se it existencia poten-tial, no interior do Partido Socialists, de urn PartidoComunista, ao qual s6 falter a organizagdo explicita, acezatralizagao e uma sua disciplina pars se desenvolverrapidamente, para conquistar e renovar o conjunto dopartido da classe operaria, pan dar urns nova orients-ea° a Confederacao Garai do Trabalho e ao movimentocooperative.

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Q problems imediatodeste-periodo, que sucede a lutados operirios metaitirgicos e precede o congress° em que

partido deve assurnir uma posicAo saria e precisa pe-rante a Internacional Camunista,1 precise-meg/be o deorganizar e centralliaz estanTaits,acoanunisras ja axis-tentes e operantes,, 0 Partida Socialista, dia apes dia,corn uma rapidez fulminante, decomp5e-se e camimhapara a ruina; as tendencias, num brevissimo espaco detempo, conquistaram ja uma nova configuracão" ; posterspermute as responsabilidades de accAo histerica e osoomprornissos assumidos ao aderirean A InternacionalComunista, os harnens e os grupos conftmdiram-se, des- •loearam-se; o equivoce centrists e oporbunista ganhouuma parte da direcesão. do partido, lancou a perturbacito

a confus5.° nas secesEes. 0 (Lever dos coanuraistas, nestegeral abaixamento des oonscitmcias, da fé, da vontade,neste enfureeer de baixems, de covardias, de derrotismo,é o de apertar-se fortemente em grupos, de ajustar-se, deestarem prontos pan as palavras de ordem que sera°lancadas. Os comunistas sinceros e desinteressados, cornbase rags teses aprovadas no II Congresso da III Interna-cional, corn base /1a leal disciplina e na supreana autori-dade do movimento operario mundial, devem desenvolver

trabalho neeesssAno para que, no mais breve espagode tempo possivel, seja constibulds a fraccie comunistado Partido Socialists Italian, a quo', pars o born nomedo proletariado italiano, deve tornar-se, no Oongresso deFlorenca ( 2 ), de nome e de facto, no Partido ComunistaItaliano, seccao da III Internacional Comunista; paraque a fraecao coma/nista se constitua emu um aparelhodirective organic& e fortemente centralizado, corn arti-culacOes prOprias e disciplinadas em todos os ambientesonde actua, reuse-se e luta a classe operaria corn umamjunto de services e de instrumentos pars o oontrolo,pan a soca°, para que ponham a propaganda em oorsli- .gOes de funcionar e de desenvolver-se, a partir de agora,come um verdadeiro e preprio partido.

(8) A Bede do congress* foi depois mudada pat-a Livorno,por motivos de seg-uranca: em Florenca ji se assanhavam os fas-t/gas, enquanto em Livorno os trabalhadores tinham ainda a si-tuacio nas maos.

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Os comunistas, que na luta metaltirgica, corn a suaeaergia e o seu espirito de iniciativa, salvararn a classeoperaria de urn dasastre, devem chegar ate as tiltimaseanclusiies da sua posigno e da sua accao: salvar a uni-

, dada primordial (reconstruindo-a) do Partido da classeoperaria, dar ao proletariado italiano o Partido Cornu-

/ nista que seja capaz de organizar o Estado operario e ascondicOes para o advento da sociedade comunista.

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VILEZA E LEVIANDADE (*)

A delegacAo confederal, ida a Russia ( I ) pan infer-mar as massas operarias sobre os problemas que o de-senvolvimento histerico da sociedade capitalists pewinelutavehnente ao proletario e sobre as condicees eco-nOmims e politicas que urn Estado operario, em circuits-tancias bean determinadas, pode dar, tracrismitiu o seucomunicado ao... Resto del Carlino. Maim este comuni-cado, escrito corn frigidez ostentada de quern quer escort-der atrAs do tenue vela da objeotividade a intimasatisfacAo, que nao pode exprimir-se, de urn triunfante

o tinha previstob, foi servido a react:do national einternacional antes que uma discussäo entre as v6ziascorrentes representadas na missäo pudesse fixar, paraas massas proletarias italianas, urn ponto de referenciacritico, urn criterio metodolOgico pars subir do factobrutal a compreensão histerica, do minter° ao pensa-mento.

0 comunicado de D'Aragona, Bianchi e Colombinonão revels nenhurna novidade sabre a situaccao real da

CO Nit° assinado, Avantil, ed. piemontesa, 8-10-1920.(') A convite das organizaeOes sindicais e cooperativas so-

vikticas, partiram para a Russia em Maio, corn uma estada denumerosas semanas (e, pars alguns, de mesas), Ludovico D'Ara-gona, Giuseppe Bianchi e Emilio Colombino pela CGL, Dugoni,Pozzani e Nofri pela Liga Nacional das Cooperativas. No seuregresso, alguns fizeram declaracOes I Imprensa sobre o estadoda Russia, que serviram de base para uma forte campanha anti--soviitica.

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RUssia: visto que eram canhecidas, ja antecipadamente,a angfistia mental e a incapacidade dos tits pars com-preender a hist:Sri*, o comentario Lao revela nada denovo nem mesmo neste campo. A insisténcia corn que ofenOmeno da prostituicao 6 acsumido como indice da si-tuacdo russa 6 a Unica originalidade do comentario;quem conhece os costumes difundidos no sector dos or-ganizadores, pode extrair deste motivo psical6gico umguia pars se orientar no quadro que the e descrito. Pare-ce evidente que os Dosses funcionarios sindicais foram ARussia corn as mesmas disposicOes espirituais corn quocostumavam it aos convenios, aos congressos, as visitas,as inauguracaes de bandeiras e de circulos: queriam es-pecialmente divertir-se e a sua primeira preocupacaofoi a de se inforrnarem sobre os prostibulos e sobre osrestaurants melhores. Na Balssia, não indagaram sobre aenergia criadora da classe operaria no campo econOmi-co e no campo politico, nLo procurer= aprofundar ahistOria do povo russo e compreender o «milagre, darevolugAo russa; ficaram-se pela tenergia sexual», preo-cuparam-se e espantaram-se pela constata 'ca.o. de que naRUssia se frequentam pouoo as prostitutes. E de corerao ser obrigado a escrever coisas deste genera: estersenhores, que se gabam de independencia nacional equerem rebelar-se contra a cautoridade ditatorial deMoscovox., dão urn tal document° de baixeza intelectuale de misária espiritual, que um revolucionazio italiano6 levado, na verdade, a desejar urn math directo egico exereicio desta autoridade. Quando ado 6 possivelesperar nada de vital e de inteligente dos dirigentes in-digenes oficiais, lido ha nada a fazer sena° refugiar-sena esperanga que os dirigentes venham de fora, que se-jam reconhecidos ilimitadamente e nos entregamos cega-mente a autoridade mais alta da classe operaria mondial.

Sobre a situagão econ6mica da Russia, D'Aragona,Bianchi e Colombino dizem-nos mais do que se conteM

- no relaterio Rykov (publicado em Italia e conhecido permuitos operarios) e de quanto escreve quotidianamenteo Ekonomiceslcaia Gisn, OrgAo do Conselho Supremo deEconomia Popular. 0 que des dizem a mais e o que cir-cula em todo o seu comentario 6 a persuaslo de que arevolugito operftria russa foi um erro, foi uma experien-

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cia in corpore viii feita por urn punhado de aventureirosincapazes e impreparados.

Toda a vileza e toda a baixa leviandade do caracteritaliano se coagularam nesta oomunicacAo. Sente-se urnasco ao emitir urn juizo sobre ester homens que, bornnutridos, bean vestidos, frequentadores de prostibulos ede gargottes, jogadores de earths, se apresentam comosuperiores e comp desdenhosos observaclores imparciaisda classe operaria russa que ha tree anos se esgota pelarevoluclo, que sofre e,stoicamente o frio e a fome pelasua independência; depois do Ebreo di Verona, do jesui-ta padre Antonio Bresciani, nab houve em Italia urn epi-s6dio mais claroroso de covardia a de incompreensaomais absolutes da histOria contemporanea.

D'Aragona, Bianchi e Colombino fizeram pager inu-tilmente milhares e milhares de liras ao proletariadoitaliano: eis a conclusão desta aventura russa Os porme-nores... objectives contidos na comunicagAo, ja a classeoperaria italiana os conhecia atrav6s do Matin e doCorriere della Sera. Como expedicao de especialistas e deinteligentes que deveriam proper-se compreander a re-volugão russa como desenvolvimento histOrico geral edeveriam identificar os sentimentos e as vontades reaisquo sustentam o sistema dos Sovietes, a missile confede-ral faliu, faltava a oondicao elementar, a inteligencia e acapacidade tOcnica; é urn erro totalmente italiano a con-fusão da «praticav burocratica corn a capacidade tecnicaem economia e em politica.

0 proletariado italiano quereria saber: como 6 que,se a situacdo russa 6 the desoladora como constataram oshicidos e fries olhos de D'Aragona, Bianchi e Colombino,a classe operiria que derrubou o czar e Kerenski, naoderruba tambem Leanne? Que element° sub j ectivo , queespirito, quo conviccao, que necessidade histeirica sus-tenta o Govern dos Sovietes? Porque a que os campone-ses se deixaan governar pelos operarios? Porque a queeles permitem que um operirio conte politicamente percinco camponeses? Qual foi a influencia do bloqueio quedeterminou a queda de Petrogrado como cidade indus-trial? verdade que Petrogrado dependia do estrangeiropars as suns provisOes e quo tal queda era inevitavel?

verdade que a incbistria russa produzia antes da guer-

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ra s6 15% da mercadoria absorvida pelo mercado russoque o bloqueio privou, portanto, em semtido absolute,

a Russia de 85% do necessario? A necessidade de crierum exercito vermelho e de mobilizer os operarios intlus-triais pare repelir as agress5es dos contra-revoluciona-rios ago podia deixar de desarticular o operariado defabrica; este facto contribuiu pan fazer deism- aindamail os 15% da produeao efectiva da indtistria russa9Que fendmeno de interferencia econOmica determinou nomercado russo a ausencia de importacado que satisfazia85% des neceesidades industrials? Que esforgos foramrealizados pela classe operaria russa e pelo Govern dosSovietes pan obviar a ester fenOmenos que eram inde-pendentes do desenvolvimento revoluciona."rio e depen-diam da sifters:au criada pelo imperialismo da Aherne epela traicao ou inemapacidade dos dirigentes the organi-navies proletirias e socialistas da Europa central e oci-dental, incluindo a Italia? E verdade que o sistema in-dustrial russo, que conseguiu produzir so 15% desnecessidades nacionais, se fundamentava, em grande par-te, no protecciemismo estatal e era, portanto, artificial edestined° a cair? 0 fenOmeno do nascimento da pequenainthistria no lugar de producio dais materias-primas naorepresenta, em tal case, o inicio de urn desenvolvimentonovo e vital da indUstria russa, que, verificando-se sob

control° do Estado operario, pods rapidamente con-centrar-se e substituir o normal desenvolvimento do ca-pitalismo a do instrumento de trabalho, do mesmo modoque, tendo-se verificado o desenvolvimento histOrioo, naAmerica do Norte, sob o controlo e a direcelo' dos ingle-see, possuidores de urn alto nivel de civilimo° politica

industrial, poupou as fa.ses intermedias de desenvolvi-mento do pele-vermelha ate so medic) industrial?

Em bodes estas perguntas que o proletariado italia-no, avid° de noticias exactas a inteligentes sobre a revo-lugllo russa, tern o direito de dirigir aos seus funcionariosem missito, cont&n-se implicitamente uma critica a comu-nicaglio de D'Aragona, Bianchi e Colombino. Mae ales fo-ram a RUssia pare reoolher material pars os discursossobre as mulheres e sobre a capacidade sexual que se de-.senvolve nos cafes e nos hotels, entre dues partidas decartes. Este comunicacilo, no fundo, pare alem de ser um

documento de vileza e leviandade, pare alem de ser umdocumento para o estudo da capacidade dos italianos emcompreenderam a histOria (desde o padre Bresciani a Lu-dovico D'Aragona), a tambem um documento da insufi-ciencia da democracia sindical em exprimir as compe-tencies; come na democracia burguesa, tambem nademocracia sindical se pedem engenheiros e se obter' nbailarinos...

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«ORDINE NUOV03, EM MOSCOVO (*)

No Soviete de 3 de Outubro, o camarada Bordigarefere o modo como se desenvolveu a discussäo entre osdelegados italianos e a respectiva comissito do Congressode Moscovo, a propOsito da famosa tese 17 do relatOriode Lenine sobre as Tarefas do II Congresso da Interna-cional Comunista. Depois de ter lido o texto da tese, pornos publicado na seccslo «Cronache, do n.° 13 [21 deAgosto] ( 1 ), o camarada Bordiga refere:

«Nenhum dos delegados italianos aceitou esta formu-lano. Serrati e Graziadei observaram no Conselho Na-cional que a seccaTh de Turim se tinha alinhado contraa direccAo do partido sobre a questato da grave piemon-tesa e valoriza-la equivalia a sancionar, alem das suasacusacOes, a sua posigao `conttiria a disciplina'.)› Born-bacci observou que era tambem perigoso valorizar astendOncias sindicalistas de Ordine Nuovo e a sua inter-pretacäo do rnovimento dos Conselhos de fabrics. Pola-no sustentou que sendo a Comissão executiva da seccaode Turim formada em grande parte por abstencionistas,acabava por aprovar-se o trabalho da nossa fraccao,consurado a propesito da questa) parlamentar. Bordigarelevou, tambêm ele, a possibilidade de equivoco acercada sanCao a toda a orientacao de Ordine Nuovo que, para

Nio assinado, L'Ordine Nuovo, 9-10-1920, seeeto aCro-nache dell'Ordine Nuovo». 0 tftulo 6 nosso.

(1 ) Cf. A opinido de Lenine, pp. 121-122 do presents volume.

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alem de ser contriria as directivas do congresso sobrea questa° sindical e a constituicao dos Sovietes, tinhasido elemento da unidade do partido ate pouco antes doConvenio de Milao (2).

Lenine e Boukharine declararam formalmente quemao tinhaan entendido exprimir uma opiniao sabre aorientagao de Ordine Nuovo, sobre a qual nao estavamsuficientemente documentados, mas so indicar a citacaoprecisa de urn documento ao qual apenas se referia a susaprovaci.o.

Em tal sentido, foi depois modificada se a formagramatical: .Propostas enderecadas pela seccao etc. epublicadas no raimero... etc.. Mem disso, per propostade Bordiga, foi acresoentado no fim do segundo periodo:tE do trabalho a desenvolver nos sindicatos..

interessante que os eaanaradas e os leitores conhe-cam estls °pinnies sobre a seers-5.o de Turim e sobre Or-dine Nuovo. Que a seccao de Turim tenha quebrado adisciplina, na greve de Abril, tinha sido sussurrado, masnunca provado e seria muito dificil prova-lo. As tendert-cias sindicalistas de Online Nuovo Sao, tambiem essas,urn mite: tem ps simplesmente a sem rasa° de crer quea revolugao comunista s6 pode ser actuada pelas massas,nä.° a pode actuar nem urn secretario de partido nemurn presidente da remiblica por decreto; parece que estaera tambem a opiniao de Karl Marx e de Rosa Luxem-burgo e e a opiniAo de Lenine, os quais, para Trevese Turati, sao todos sindicalistas anarquicos. E verdadeque Ordine Nuovo, quando era ainda «ginasio. (*) pu-blicou um editorial (do camarada Tasca) favordvel aunidade ( 3 ). As teses que publicamos neste nOmero so-bre sindicatos, sobre Conselhos de Fabrica e sobre a for-macão. dos Sovietes ( 4 ) podem dar aos leitores urn modo

(I) E o convênio de 19-20 de Abril.(•) No sentido de lugar onde se fazem exercicios. —

(N. do T.)(') Angelo Pasta, L'unitd del Partido, in Ordine Nuovo,

18-10-1919. Reproduzido na antologia cit., pp. 310-313.(') Sao as teses sobre Sindicatos, Conselhos de Fdbrica e

Soviet, redigidas por Karl Radek e aprovadas no II Congressoda IC e as sobre A Constituiccio dos Sovietes, redigidas por Gri-gori Zlnoviev.

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de julgar se a orientacao de Ordine Nuovo foi contra-ria as directivas do congresso: as teses de Radek sa.'o defacto novas para os nossos leitores? Sao de facto eon-trarias a quanto sustenta, a prop6sito, Ordine Nuovo?Mesmo, recentemente, na polemics corn Tasca, nAo setratou de impedir que os Conselhos fossem subordinadosaos sindicalistas oportunistas? A verdade 6 que as so-cialistas italiamos nä° quiseram tomar a seri° o movi-mento dos Conselhos de fibrica e por isso receberamuma licao do comite executivo da Internacional Comu-nista.

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ILAIMEReMSNAnerffialtiftsinv.

A REACCIO (*)

0 Giornale d'Italia, o Messaggero, a Idea Nazio-nalee o Corriere della Set-a identificam-se fnancamente corna reacedo, invocam urn homem que reconduza a ordain ea disciplina ao povo italiano envenenado pela propagan-da dos comunistas e dos anarquistas. 0 Corriere dellaSera conseguiu ate identificar o centro desta propagan-da: o coraando das forcas subversivas e instigadoras esterp as macs — adivinhem de quern — (dos de Online Nuo-vo e do Avanti! de Turim e da Umanita Nueva de Milão,ist,o é, de Malatesta». A Stampa ester de acordo cam oCorriere na identificacAo dos propagadores; MRS aStampa rao invoca a reaccio, limits-se a anuncia-lacomo uma desgraca que cairi sabre o povo italiano porculpa dos ditos instigadores. Este levantar de escudos,por parte dos jornais da cdemocracia burguesa), contraos comunistas de Purim verificou-se depois dos conflitosdos Ultimos dias ( 1 ): e de notar que precisamente emTarim não se verificaram conflates, precisamente emTurim, onde existe a central da delinqu'encia revolu-

(1 Nilo assinado, Aventi , ed. piemontesa, 17-10-1920.(9 Em 14-10-1920, a dire:retro do PSI estabelecia uma jor-

nada de manifestagOes, de acordo corn a CGL, pars obter dogovern a liberdade das vitimas politicas e o reconhecimento daRepdblica dos Sovietes. Verificaram-se graves incidentes em mui-tas cidades: dois mortos e 14 feridos em Bolonha, urn morto emBrescia, um em em Trieste, os fascistas assaltavam ojornal socialista 11 Lavoratore.

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cionaria, e portanto deveriam verificar-se os ma-ximos epis6dios de tvandalismo, de anarquia, de caniba-lismo revolucionario),. E de notar que os mesmos jornaisque hoje indicam o movimento comunista de Turim comecausa ide todos os males que afligem a Italia e come adeterminante da futura roues:1o, registaram, a seu tem-po, corn um suspiro de alivio, o momento em que o re-presentante da elasse operaria de Turim no ConselhoNacional da Confederacito Geral do Trabalho abafou pre-cisaanente os ardores revolucionarios da assembleia e dosdirigentes sindicais reformistas, determiriando a maio-ria dos votes a proposta de D'Aragona.

Neste levantar de escudos, nesta ftiria demagOgicaao acusar o movimento de Turim deve iderntificar-se, por-tant°, tuna tentativa da reacgao que quer ferir Turimnao come ninho de delinquencia mas como sede de urnprecise vensarnento politico que ameaca conquistarmaioria do Partido Socialista Italiano, que a-mega trams-formax o partido, de OrgAo de conservacao da agoniacapitalista em organism° de luta e de reconstru revo-lucioneria. Aproveitando as poleanicas internal de par-tido, procura-se evidentemente reproduzir, neste restodo arm, a mesma situagao de Agosto de 1917 ou de Abrilde 1920 : derrubada a Tarim praletaria, destruido o ninhode vespas piemontesas, espera-se que o partido se enfra-queca e que o advento dos reformistas no poder sejapossivel corn o consenso das massas operarias esfomea-das e embrutecidas pelo terror branco.

certo que a reaccao italiana se ref orca e procuraraimpor-se violentamente dentro de pouco tempo • a reac-cite que sempre existiu, que obedece a leis pr6prias dedesenvolvimento, que culminard no mail atroz terroris-me da histhria. NA° a per acaso que os ethos de todosse dirigem hoje para Fiume e Dalmazia, pan D'Annun-zio, Mille e Caviglia. A reaccao 6 o desenvolvimento dafarencia da guerra imperialists, e o desenvolvimento dasdesastrosas condigOes eeonOrnicas a que o capitalismoreduziu o povo italiano, e o desenvolvimento das ilusOesnacionalistas e das clesilusees oportunistas de urn Estadoque mite consegue as%gura.r o pan, o tecto e o vestir apopulacito. A newt-do 6 a tentativa de Bair da situacaoactual corn uma nova guerra, 6 atentativa de colmar, corn

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o assalto as nachos vizinhas, o deficit do balance inter-ne, 6 a natural e fisiolOgica expressdo do regime de pro-priedade privada e national que quer, a todo o custo,salvar-ae do abismo.

A reaccao" sempre existiu em Italia; na'o* ameac:a sur-gir agora por culpa dos oomunista.s A reaccao e o resul-tado da decadencia do Estado legal: nao 6 de hoje que oEstado legal esti em decadencia, e nao esta precisamenteem decadOncia per culpa dos comunistas. Era um comu-nista D'Annunzio, que amotinava soldados e generaiscontra o govern clegitimo.? Era urn oomunista Millo,que recusa obedie,ncia aos seus superiores clegitimos.?Eram comunistas es incendiaries do Avanti! de MBA°e de Roma? Era comunista Cardona quando, em 1917,praparava a ditadura militar? Sao comunistas os forne-cedores militares e os especuladores que saquearam a ri-quers nacional exportando-a para o estrangeiro? Estequadro 6 o quadro da reaccao- italiana, que nenhum go-vern° procurou sequer sufocar, que cads governo, polocontrArio, solicitou, promoveu e ajudou mats ou menosabertarnente; cada empresa cis maces:11'o ficou impune,cada excesso da deliquencia reaecionaria foi legalizadoporque nao foi sancionado pela justica punitiva. E umdelito incendiar urn jornal socialista? Ndo, visto que osculpados de tal delito, conhecidos, confessos, nao foram(presos, pale contrario, puderam ate organizar outrasempresas do genera. E um delito matar urn representan-te da classe operaria ? NAo, porque os assassinos, oonhe-cidos, confesses, auto-elogiadores, nao foram punidos,nao foram sequer moletados. HA dois anos, desde o diado armisticio, que o povo italiano viva em plena terroris-me, em plena reaccao; deixou de existir se guranCa Pes

-soal pars a classe operaria, deixou de existir qualquer ga-rantia civil de tranquilidade e de paz. No periodo actual,o terrorismo quer passar do campo privado pan o cam-p° pallet); jA nao se contents corn a irnpunidade que thee concedida Palo Estado, quer tornar-se o preprio Estado.Eis o que signifies hoje a palavra cadventoz. da reac-cao: significa que a reaccao se tornou tie forte que janao considera Gtil, para as seus fins, a mascara de umEstado legal; signifies que quer servir-se, para es seusfins, de bodes os metes do Estado; signifies que a Italia

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se aproxima de uma nova guerra imperialists destinadaso saque, a Man armada, de qualquer povo rico confi-nante.

A react/an' imanente as condicOes eoonemicas dopais. E a reaccao ado tem por fim restabelecer a ordeminterna, tern por fim preparar a guerra no exterior. Aordem interna nan significa nada nas tondigees actuais:e ulna utopia. Mesmo que o proletariado trabalhassedezasseis horas par dia, o govern burguas nao poderiasarwr o deficit do balango estate-1, não poderia reorgani-zar a producao national. 0 govern não foi capaz de im-pedir o Axed° dos capitais para o estrangefriro; o governnada pods fazer ressuscitar os quinhentos mil mortos daguerra e nä° pods faze-los trabalhar; o govern nil°pods restituir a robustez fisica e a *finial/6a produtivaacs quinhentos mil invalidos de guerra; não pode resti-tuir o aped° econemico as centenas de milhar de familiasque o perderam e devem viver da caridade e ado obriga-das a consumir sem produzir e esti° reduzidas so pam-sitismo obrigaterio. 0 govern° alio pods reconduzir emItalia a corrente dos turistas que, antes da guerra, deixa-vain mein Milan em ouro no nosso pais. 0 governnan pode reorganizar as correntes emigraterias que, an-tes da guerra, aligeiravarn o territario de 250 mil deses-perados ao ano e representavam para o balanco italianouma subida de 700 milbees em ouro. 0 govern não podeBomar a crise da indtistria siderthgica que toilsome emcads ano centenas e oantenas de a/nib:5es em ouro, quecorrompe a organizacan do credit°, que impede que oscamponeses benham instrumentos agricolas a baixo pre-co, que impede, portant°, uma subida na producan dosalimentos. A Italia foi reduzida a uma chaga da guerrae o sangue cone comp nachos pelo corpo retalhado. Eisa origem da reacno: o medo lout° da morte por esgota-mento misturado ao desejo desenfreado de entregar-se aum organism° national ainda corn qualquer eficienciapara o devorar, pant procurer salvar-se corn ulna trans-fusao de sangue. E eis a origem do comunierno, que 6oomsequencia da reacc5n, que e o comport/at/lento dadame operania ern mlacão a reaccito. Se a classe operb.-ria nito 6 respond/Nei no interior das condigOes em quese precipitou a naciio; se a classe operaria pods esperar

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ter no estrangeiro, pela organizacao internacional, oapoio que impeca ao pais uma precipitacäo ainda mais -profunda na extrema barbarie; se a classe operiria, quenä° tern privilegios de nascimento, pods dar a minoriada populacan italiana a seg-uranca que o Estado proleti-rio nan c,onsolidara privilegios e farce tudo para laziersair o pais do caos. A reaccao esti furiosa tarnbem porisso: porque deve reconhecer que a classe operaria ea Unica forca viva do pais, porque deve reconhecer em siprepria nada mais do que os Mtimos espasmos raivososde urn organism° esgotado.

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A DISCIPLINA INTERNACIONAL (*)

A III Internacional Comunista, diferentemente daII, quer que sejam actuadas entre os partidos que entra.mna sua organizacao o maximo de discipline, e o maximode centralizers -4.o: este 6 tuna necessidade histerica ab-solute, especialmente pare os revalucionarios italianos.Nenhurn Estado operario, mats do que o Estado operarioitaliano, teri, necessidade da solidariedade do proletariomundial: e pan nos c,ondicao existential a instauracaode uma ferrea discipline e de uma centralizacao do movi-mento revolucionario international; devemos querer quea Internacional Comunista seja urn potente aparelho deluta, capaz de pedir e obter de calla particle aderente todaa discipline e todo o espirito de sacrificio que pole sersolicitado e obtido. Naturalmente que ternos o direito depedir so o que demonstramos desejar que nos concedam,voluntariamente, e o direito de desejar conceder porqueretemos que a absolutamente necessario de urn ponto devista geral, porque vemos e explicamos a nossa posicaohisterica ;MUM quadro international, porque a nossa at-c5.0 e a nossa vontade aderem ao processo histerico queconduz todas as classes operarias do mundo a reorgani-zacsao da economia mundial, corn bases oomunistas e a&male mundial.

A Italia e ja bloqueada antes da revolugao. 0 bloqueioda Italia e dependente nao tanto da vontade reactions-

(') Nao assinado, L'Ordine Nuevo, 16-23 de Outubro de1920, seecio «La settimana politica».

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ria come do facto de a Italia nao ter uma grande pro-priedade national A Italia 6 bloqueada porque nao ternmeios, do pont° de vista national, pan pagar as impar-tag/5es necessarias a vida das sues irnthistrias e a vida dosseus habitantes; a Italia nao tern reservas aureas nosbancos, nao tern minas, nao tern grandee bosques, naptern qualquer materia-prima no seu solo e subsolo; aItalia a come um limao espremido, foi reduzida peloregime de exploracao intensiva do capitalismo as mes-mas oondicees (ou quase) da Palestina corn o aflorar dosbetumes e dos irdasmas. Quando urn burgues ou urn re-formista afirmam ‹Se em Italia rebenta a revolucao ope-róxia, a Italia sera bloqueada e morrera de fame>, oburgues ou o reformista raciocinam como uma mula ven-dada; de facto a Italia esta bloqueada; o bloqueio come-cou, como pars a Rrissia, a partir do dia em que reben-tou a guerra; o bloqueio foi-se intensificando a medidaque se esgotava o cr6dito, a medida que se iam esgotan-do as riquezas comerciais e consumiveis existentes noterrit6rio national. Esta candle:1%o do bloqueio efectivo,de bloqueio impineavel, tante mais tremendo quantomais depende de causns econOmicas gerais, da pobrezaabsoluta do pais, foi agravada pela tactics reformista dedesencadear movimentos revolucionarios sern uma con-clusao revolucionaria; calcula-se que o movimento meta-hirgico tenha determinado um éxodo de trinta mil mi-lh6es de capital comerciavel; corn medo do bloqueio, omovimento foi travado; este medo «neomaltusiano,agravou o bloqueio efectivo, a razao de trinta mil mi-lhOes, da nova pobreza italiana.

Os reformistas e os burgueses, que acusam os revo-lucionarios de ver a Russia como modelo histerico, caenassim num esttipido paralelismo entre a Italia e a Ma-si& a propOsito do bloqueio. A verdade a que a Italia seencontra em condipies diversas e em condicOes enorme-memte pions do quo a Russia, se estas ccedigOes saeapreciadas do panto de vista da propriedade privada enational. A RUssia possui ouro e platina (os bancos rus-sos, come é sabido, possuiam as mais ingentes massesaureas do mundo) ; a Rtissia possui algumas provisOesde trigo e de pales, possui nmitas madeiras e muito mi-neral. A Russia poderia comerciar esta riqueza; é real-

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mente o bloqueio que a impede de oomerciar a sua rique-za o capitalismo mundial sustenta que a riquezaexistente na Russia é propriedade dos burguesesnao dos operaries e nao quer permitir que os operariosrussos cumpram actos de comerioo internacional. Se aRussia dos Sovietes nao fosse obrigada a defender-se dasagressOes da reaccao international, o povo russo poderiadirigir toda a sua energia criativa para reproduzir a ri-queza destruida pela guerra, para produzir novas ins-trumentos e nova organizacao economics; ele pode fazerisso porque a Rilssia a rica come solo e como subsolo,porque a RUssia tern uma populacao escassissima parsurn territorio interminavel.

A Italia é pobre «nci,cionalmentex.; o operfirio italia-no so pode salvar-se, o povo italiano so pode salvar-sequando se realizar a Internacional Comunista, into 6, s6quando for abolida, alem da propriedade privada, tam-barn a propriedade national, s6 quando se actuar umaorganizac5,o international das economias nacionais queponha o produtor italiano em p6 de igualdade corn o pro-dutor inglas, americano, russo, Radian°, etc... A burgue-sia imperialista actuou qualquer coisa de semelhantedurante a guerra, corn vista as seas finalidades; obtidaa vithria, caiu a organiza.cao econOmica que dava oo arroz, o ferro e o carvao ao povo italiano para queresistisse ate a vitOria; o povo reentrou nos quadros dapropriedade e da possibilidade nacionais: a ajuda dada,uma vez alcangada a finalidade, tornou-se em debit°, tor-nou-se uma pedra sobre o pesc,oco. Trata-se de recons-truir esta organizacao para urn fim nä° transitOrio, naoepis6dico, mas que represente uma necessidade perma-nente que se identifique corn o processo de desenvolvi-mento histOrico da civilizacao mundial. Este fim pode seractuado pela Internacional Comunista se ela conseguirobter do proletariado o rendimento histOrico que ale 6capaz de der: o proletariado italiano, pela sua riquezademografica, pela sua riqueza de energia revolucicrna-ria, pode ser a determinante da revolucao mundial, podeser a forge vulcanioa capaz de fazer saltar os altimosbaluartes da reseed° mundial. Mas pan cumprir estamissao, cheia de dificuldades, plena de sacrificios e dedores sem fim, o proletariado italiano deve submeter-se

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a uma discipline de ferro, nacional e international. S6em this condicOes se salvaal o pave Hallam do abismopare onde o atiraram os seus dirigentes burgukses, cegos,ignorantes, vaidosos, que ainda continuam a naciocinarcome se a Guerra Mundial se tivesse deixado vestigiosna ordem do sentimeoato e da politica.

COORDENAR VONTADES E ACCOES (*)

Mean° depths da constituicao da fracno comunista,que tern a missao histerica, quando se chamar partido,de organizar as energias revolucionarias capazes deconduzir a vitoria a classe operaria italiana e de fundaro Estado operário, nao terminou a tarefa especificada nossa revista a dos grupos de camaradas que theseguem a actividade com atenno e simpatia. Cremos,pelo contrail°, que precisamente hoje comeca a partemais dificil e mais importante do trabalho que de-vemos desenvolver.

Nao devemos ter ilusOes. As condines de confusao,de grosseria espiritual, de incapacidade politica, deausencia de qualquer preparano administrativa ern quese encontra o movimento operario italiano, nao podemser mudadas pelos simples facto de se constituir urnpartido politico. Se nos pomos o problema do Estadooperario nos seus termos imediatos, cruamente mate-riais, concluimos que a necessario, em todas as funnesvitais e dinamicas da vida nacional organizada doEstado, substituir o pessoal burgues por urn pessoalcomunista; se nos pomos a questa*: tem a classe ape-raria italiana, entre os seus homens de confianga, entreos homens que the dao absoluta garantia de lealdadee de desinteresse, a possibilidade de encontrar modode constituir uma organizano militar que guie ate a

(•) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 4-12-1920, seeflo «Cro-naehe dell-Ordine Nuovoo. 0 Muhl 6 nosso.

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viteria a militia vermelha, uma organizacao econOmicaque consiga, nas atrozes condigOes em que a guerraimperialista precipitou o nosso pais, fazer viver a popu-lactio, urns organizacao industrial que faca funcionaras fabricas, uma organizacao judicial que faca justica

nao vexames, uma organizaflo burocratica que admi-nistre e nao provoque o marasmo e /lac, se tone odiosacorn os favoritismos e corn a indiferenca pelos interessespopulares? Se nos pornos estes problemas, verificamosquanto a nossa tarefa a dificil e ispera. Certamenteque nao nos desencorajamos: a classe operaria a jovem,a classe operaria nao pole ter toda urns rede de qua-dros ja predispostos para dar vida ao Estado; o dile-tantismo e os erros seräo inevitaveis na via dasactuaceies revolucionarias; inicialmente, temos especialnecessidade de homens energicos, leais, desinteressados,que estejam ligados ate a morte a causa da revalugaocomunista, que nunca percam a confianca na eficaciado fim que querem alcangar, que tenham espirito deiniciativa e saibain improvisar todos os trabalhos ne-cessarios para tornar invencivel a potencia operaria.

Mas as nao nos desencorajaanos, as temos fé e von-tade, se a nossa consciencia e inabalavel na persuasloirrevogavel de que a classe operaria deve possuir ogoverno de Estado e deve reorganizar a sociedade pareevitar o abismo e a barbarier devemos tambem preo-cuparmo-nos corn problemas concretos, nos seus tormosreais e imediatos. Devemos intensificar o nosso trabalhode educano econOmica e politica dos melhores ele-mentos da classe operdria, de preparacão teerica, deelevagdo espiritual, de consolidacao do sentido das res-ponsabilidades, de forz-nano dos quadros pars a gestdodos bens materiais e espirituais do nosso povo. A cons-tituicao do Partido Comunista cria as condicOes paraintensificar e aprofundar o nosso trabalho: libertos dopeso morto dos cepticos, dos palradores, dos irrespon-gavels, libertos da preocupacão de ter de lutar contirnuamente, no interior do partido, contra os reformistas

os oportunistas, de ter que frustar as suas insidias,de ter que analisar e criticar as suas posicOes equivocas

a sua fraseologia pseudo-revolucioniiria, poderemosdedicar-nos inteiramente ao trabalho positivo, a ex-

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pansao do nosso programa de renovagao, de organi-zacao, de despertar das consciencias e das vontades.

Eis por que a accäo de cultura da nossa revistadeve continuar e intensificar-se. Os nossos amigos devemtrabalhar, ate ao Congresso de Florenca ( 1 ), pelotriunfo da fraccao comunista, colaborando com osoutros grupos comunistos que nas seccOes tendem parao mesmo fim, mas nao devem esquecer que o programado nosso movimento nao se preocupa wan as maioriassena° enquanto elas criam as condicees pars organizar,pare educar, para difundir convict/3es, pars coordenarvontades e accOes.

(') Trata-se do iminente XVII Congresso do PSI que sedeveria realizar em Florenga, depois alterado para Livorno (15-21de Janeiro de 1921).

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CISAO OU RUfNA? (*)

Os sociais-comunistas unitarios nao querem acisão do partido porque nao querem arruinar a revo-lugdo proletaria italiana. Reconhecemos imediatamenteque os sociais-comunistas unitarios representam e en-carnam todas as mais tgloriosasx. tradigóes do grandee glorioso Partido Socialista Italian (que se transfor-mara em partido social-comunista unitario italiano):gloriosa ignorancia, gloriosa. e petulante ausencia dequalquer escrapulo na polemica e de qualquer sentidode responsabilidade na politica national, gloriosa e baixademagogia, gloriosa vaidade, gloriosissima charlata-naria, eis o corpo de tradicaes gloriosas e italianissimasque se encarnam e SA° representadas pelos sociais-co-munistas unitarios.

0 II Congresso da Internacional Comunista pos aoPartido Socialista Italiano o problema de se organizarcorn base na aceitacao das deliberageies aprovadas pelaaim assembleia. Tratava-se de cindir-se dos reformistas,isto 6, cindir-se de uma parte minima do pr6prio corpo,de uma parte que nao tem qualquer funno vital noorganismo, que ester longe das massas proletarias, que

(") NI° assinado, L'Ordine Nuovo, 11-18 de Dezembro de1920.

( I ) Trata-se da corrente, encabecada por Serrati, dos «comu-nistas unitirios», frequentemente indicada como «centrista», querecolher6. no Congresso de Livorno grande parte da tendenciamaximalista do PSI, conseguindo a maioria dos votos.

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Rode dizer que represents as massas s6 quando estasforam desmoralizadas poles error, pelas incertezas, peloabsentismo dos dirigentes revolucionarios. Os sociais--ccanunistas unitarios näo quiseratn aceitar as delibe-racOes do II Congresso para não cindir o partido dosreformistas e para nao cindir as massas; precipitaramas massas, do Partido e das fabricas, no caos maisprofundo; puseram em drivida a correcclo do CongressoInternacional, •epudiaram a adesão do Partido ao Con-gresso (Serrati voltou de Moscovo comp Orlando urndia voltou de Versalhes, para protestar, para dividiras responsabilidades, para salvar a honra e a gleriados italianos), desacreditaram (ou procuraram desacre-ditar) a mais alta autoridade da Internacional Opera-ria, fizeram inundar, num ambiente propicio come onosso, uma mare pOtrida de intrigas, de insinuagOes,de covardias, de cepticismos. 0 que obtiveram? Cindi-ram o partido ern trés, quatro, cinco tendencias; cin-diram as massas operarias, nas grandes cidades, queeram compactas contra o reformismo e os reformistas,semearam as Mios cheias os germes da ruina e da de-composiclo nas fileiras do partido. 0 que e, pois, o uni-tarismo? Que maleficio oculto represents esta palavraque determina discerdia e cis,79.0 maiores e mais vastasquando afirma querer evitar uma limitada e bem pre-cisa cisao? o que e, devia acontecer. Se o unitarismoprovocou a actual ruina, a verdade deve-se procurar nofacto de a ruina existir o unitarismo se tem a culpade ter violentamente rasgado um fechar de cloacatransbordante. A verdade a que o Partido Socialistanä° era uma •urbel. , era uma 4( horda»: lido era umorganismo, era um aglomerado de indivIduos que tinhamum tanto de consciencia classista necessaria para seorganizarem num sindicato profissional, mss rao ti-nham, em grande parte, a capacidade e a preparaCãopolitica necessarias pan se organizarem num partidorevolucionfirio que 0 solicitado pelo actual period° his-terico. A vaidade italiana fazia sempre afirmar queexistia, entre nos, um Partido Socialists muito parti-cular, que n'ao devia sofrer as mesmas crises dos outrospartidos socialistas: aconteceu assim que, em Italia, acrise foi artificialmente retardada e rebenta precisa-

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mente no memento em que teria side melhor evit6,-la erebenta ainda mais violenta e devastadora precisamenteper vontade e teimosia daqueles que sempre a negarame que ainda hoje a negam verbalmente (nes somos uni-tarios, que diabo!).

Seria ridicule choramingar sobre o ac,ontecido esobre o irremediavel. Os comunistas sito e devem serfrios e calmos pensadores: se tudo ester em ruina, 0preciso refazer tudo, é preciso refazer o Partido, 0precise, a partir de hoje, considerar e asnar a fraccaocomunista como urn partido verdadeiro e prdprio, comoa selida estrutura do Partido Gomunista Italian quechama adeptos, organiza-os solidamente, educa-os, fazdeles celulas activas do organism° novo que se desen-volve e se desenvolveth ate se transformar em toda aclasse operdria, ate se tornar a alma e a vontade detodo o povo trabalhador.

A crise que hoje atravessamos 0 talvez a major criserevolucionAria do povo italiano. Para compreender estaverdade os camaradas devem pensar nesta hipOtese: oque aconteceria se o Partido Socialista sofresse estacrise em plena revolucao, tendo sobre si toda a respon-sabilidade dum Estado? Que aconteceria se o govern°de um Estado revolucionario se encontrasse nas me,osde homens que lutam pelas tendencias e que na paixãodesta luta poem ern dtivida o mais sagrado patrimOniode urn operario: a confianca na Internacional e na ca-pacidade e lealdade dos homens que exea-cem os cargosmais altos? Aconteceria o que aconteceu na Hungria:debandada das massas, afrouxamento da energia revo-lucionaria, viteria fulminea da contra-revolucao.

Os unitarios, pela mania charlatanesca da unidade,desfizeram hoje urn partido: amanhä, teriarn determi-nado a queda da revolucao.

Per muito que tenham danificado a classe opeririae reforgado a rearno, o maleficio nes 0 decisivo: oshomens de boa vontade tem ainda urn campo intermi-navel para recultivar e tornar frutuoso.

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0 POVO DOS SIMIOS (*)

O fascismo foi a Ultima «representagiox, oferecidapela pequena burguesia urbana no teatro da vidapolitica national. 0 miseatel fim da aventura deFiume ( I ) 6 a Ultima cena da representano, podendoassurnir-se como o episddio mais ianportante do pro-cess° de intima dissolugao delta classe da papillae&italiana.

0 processo de ruina da pequena burguesiano ultimo decênio do seculo passado. A pequena bur-guesia perde toda a importancia e sai das funeees vitaisno campo da producal,o, corn o desenvolvimento da grandeindfistria e do capital financeiro: torna-se pura clac.sepolitica e especializarse na «cretinice parlamentan.Este fenOmeno, que ocupa urns grande parte da hist6riacontemparanea italiana, tom() diversos nomes nas sussvairias fases: chama-se inicialmente advent() da es-querda no poder), passa ao giolittismo, 6 luta contraas tentativas «kaiserianas) de Umberto I, ailarga-seao reformismo socialista. A pequena burguesia agar-ra-se ao institute parlamentar: de organismo de con-

(•) Nao assinado, L'Ordine Nuovo (quotidiano), 2-1-1921.0 tftulo do artigo a tirado de uma novels do primeiro Livro doSelva, de Kipling.

(') Depois do tratado de Rapallo, de Novembro de 1920,que tinha feito de Fiume um Estado independente, o bloquelonaval obrigou D'Annunzio a capitular. Nos princfpios de Janeiro,comegou o exodo dos legionitrios da cidade.

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trolo da burguesia capitalista em relacao a Coroa e aadministragao ptiblica, o Parlamento passa a ser umaloja de palavreado e de escandalos, passa a ser urnmein de parasitism°. Corrompido ate a medula, en-feudado completamente ao poder governativo, o Par-lamento perde todo o prestigio junto das massas pc..pulares. As massas populares persuadem-se que oUnice instrumento de controlo e de oposicao aos arbi-trios do poder administrative 6 a acclo directa, e apressao externs_ A semana vermelha de Junho de1914 ( 2), contra os excidios, é a primeira e grandiosaintervencao das massas populares na cena politica parase oporem direetamente aos arbitrios do poder, parsexercerem realmente a soberania popular que ja nä°encontra qualquer expressao na Camara representativa.Pode dizer-se que em Junho de 1914 o parlamentarismoentrou, em Italia, na via da sua organics dissolucao e,cam o parlamentarismo, a funcao politica da pequenaburguesia.

A pequena burguesia, que perdeu definitivamentetodas as esperangas de reconquistar uma funcao pro-dutiva (uma esperanca deste genero reaparece hoje,com as tentativas do Partido Popular para restabelecerimportancia a pequena propriedade agricola e com astentativas dos funcionarios da Confedeacao Geral doTrabalho para galvanizar o morto controlo sindical),procura a todo o custo conserver uma posicao de inicia-

(2) Em Junho de 1914, verifica-se a Ultima greve geral deprotesto, antes da guerra, contra os excfclios dos trabalhadores,conhecida pelo nome de «semana vermelha» pela violencia eduragào da luta. Em 7 de Junho, teve lugar em Ancona urncomfcio contra as companhias de disciplina no ex4rcito. A saidado comicio, as forgas da policia carregaram sobre os manifes-tantes: verificaram-se 3 mortos. A cimara de trabalho proclamaa grave geral que, sob a direccAo dos anarquistas, se transformanum verdadeiro levantamento nas Marche e na Romagna e seestende a Mao e a outras cidades. Desaprovado pela Confede-mato Geral do Trabalho, dirigida pelos reformists!, o levanta-mento termina pouco a pouco, deixando no terreno uma centenade mortos. Granted escrevera em seguida que «aqueles aconte-cimentos tinham um grande valor porque renovavam as relaceiesentre Norte e Sul, entre as classes urbanas setentrionais e asdosses ninths meridionaiss (CL A. Gramsci, Passato e presents,Tarim, 1951, pp. 39-40).

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tiva histärica: maraqueia a classe opea raria, descerua. Esta nova tactica actua-se nos modos e nas formalconsentidos por uma clove de palradores, de capticos,de corruptos: o desenvolver dos factos que receberamo nome de cra.diosas jornadas de Maio» (0, com todosos seus reflexes jornadisticos, oratorios, teatrais, de-magegicos durante a guerra, a como que a projeccao, narealidade, de uma novela da selva de Kipling: a novelado Bandar-Log, do povo dos simios, o qual ere ser su-perior a bodes os outros povos da selva, possuir todaa inteligencia, toda a intuicao histOrica, todo o espiritorevolucionario, toda a sapiencia de governo, etc., etc.Tinha acontecido isto: a pequena burguesia, que setinha enfeudado ao poder governativo atraves da eor-rupcao parlamentar, muda a forma da sua prestagaode trabalho, torna-se antiparlamentar e procura car-romper a rua.

No periodo da guerra, o Parlamento cal completa-mente: a pequena burguesia procura consolidar a suanova posicao e julga ter alcangado realmente este fim,julga ter realmente destruido a luta de classes, tertornado a direeflo da classe operaria e camponesa, tersubstituido a ideia socialista, imanente nas massas, comuma estranha e singular mistura ideol6gica de impe-rialismo nacionalista, de cverdadeiro revolucionarismo»,de csindicalismo nacional». A accao directa das massas,nos dias 2 e 3 de Dezembro, depois das violencias ye-rificadas em Roma por parte dos oficiais contra osdeputados socialistas, pee urn travao a actividade po-litica da pequena burguesia que a partir daquele mo-ment° procura organizar-se e sistematizar-sea voltados patriles mais ricos e seguros do que o poder deEstado oficial, enfraquecido e esgotado pela guerra.

A aventura de Fiume 6 o motivo sentimental o 0mecanismo pratieo desta organizacao sistematica, masparece logo evidente que a base s6lida da organizactio6 a directa defesa da propriedade industrial e agricola

(2) Sobre as agitag5es que precederam a entrada da Italiana guerra, em Maio de 1915, cf. R. De Felice, Mussolini, ii inky-luzionarie, Turim, 1965, pp. 287 e sags.

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contra os vassalos da classe revolucionaria dos opera-rios e dos camponesse pobres. Esta actividade da pe-quena burguesia, tornada oficialmente to fascismo•,nao se apresenta sem consequencias para o conjuntodo Estado. Depois de ter carrot-lipid° e arruinado o ins-tituto parlamentar, a pequena burguesia corrompe earruina tambem os outros institutos, os fundamentaisapoios do Estado: o exercito, a policia, a magistratura,corrupgao e ruin conduzidas em pura perda, sem ne-nhum fim preciso (o Unica fim precise deveria seer acriacdo dum novo Estado, mas o «povo doe shnios•caracteriza-se precisaznente pela incapacidade organicade estabelecer uma lei, de fundar um Estado): o pro-preitário para se defender, financia e sustenta umaorganizaflo privada, a qual, para mascarar a sua realnatureza, deve assumir comportamentos politicos «revo-lucionalrios) e desagregar a mais potente defesa dapropriedade, o Estado. A classe propriethria repete, emrelacao ao poder executivo, o mesmo erro que tinhacometido em relacao ao Parlamento: ere poder defen-der-se melhor dos assaltos da classe revoluciothriaabandonando as instituicOes do seu Estado aos capri-chos histericos do «povo dos simios), da pequena bur-guesia.

Desenvolvendo-se, o fascismo torn-se rfgido a voltado seu Miele° primordial, ja nao consegue esconder asua verdadeira natureza. Conduz tuna campanha ferozcontra Nitti, presidente do Conselho, campanha que vaiate ao aberto convite ao assassinio do primeiro-mi-nistro; deixa tranquilo Giolitti e permite-]he completar«afortunadamente)* a liquidacäo da aventura de Fiume;o comportamento do fascismo em relagate a Giolitti de-terminou imediatamente a sorte de D'Annunzio e pOsem relevo a verdadeira finalidade histories da orga-nizafle da pequena burguesia italiana. Quanto maisfortes se tornaram os dascios,, quanto melhor enqua-drados sdo os seus efectivos, quanto mais audazes eagressivos eles se mostram contra a CSanaras de Tra-balho e os comunistas socinlistas, tanto mais caracte-risticamente expressivo foi o seu comportamento emrelacao a D'Annunzio, invocando a insurreigão e asbarrismila q As pomposas declaragOes de «verdadeiro

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revolucionarismo• concretizaram-se num petardo ino-fensivo feito explodir num saguao da Stampa!

A pequena burguesia, mesmo nesta sua Ultizna en-carnacdo politica do «fascismo,, mostrou-se definitiva-mente na sua verdadeira natureza de serva do capi-talismo e da propriedade das terras, de agente dacontra-revoluno. Mas mostrou tambem ser fundamen-talmente incapaz de desenvolver qualquer tarefa hist&rica: a povo dos simios enche a cranks., nao colahisthria, deixa vestigios no jornal, nao oferece mate-rials pan escrever livros. A pequena burguesia, depoisde ter arruinado o Parlamento esta arruinando oEstado burgu8s: substitui calla vez em mais largaescala a violencia reservada a cautoridade» da lei exeatcita (e nao pode fazer de outro modo) esta viatenciacabtica e brutal, e faz levantar contra o Estado, contrao capitalismo, cads vez mais largos estratos da po-pulagao.

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BERGSONIANO! (*)

Decididamente, a filosofia nas fileiras do PartidoSocialista Italiano e na mente dos seus teOricos e dosseus leaders, 6 destinada a nunca ter fortuna. Houveuma vez urn periodo de exaltagdo, urn periodo em quea f6 politica e a f6 social pareciam concordar, pox ne-cessidade, corn uma determinada fe cientifica. Eramos dias aventurosos em que duma e doutra f6 eramsacerdotes Cesare Lombroso e os seus seguidones, emque Enrico Fern era urn grande filásofo -e grandechefe revolucionario. Ai de mini ! , o socialismo italiano,que para as grandes massas era entao espontaneo mo-vimento de desforra e de despertar, movimento delibertaedo, iniciado par formas decompostas, sem umamuito clara consciencia de si, tumultuoso mas pleno decalor e pleno de todas as possibilidades de desenvolvi-mento e pleno, sobretudo, de fecundo espirito de inicia-tiva e de tenaz vontade d.e acca°, o socialism° italiano,na mente dos seus teericos, na mente dos dirigentese dos inspiradores, tinha a triste sorte de se ter apro-ximado do mais arid°, seco, estóril, desconsoladamente

(•) NA° assinado, L'Ordine Nuovo, 2-1-1921. Os reformistasacusavam os «ordinovistas» de «voluntarismo bergsoniano».Numa note dos Quaderni, Gramsci recorda que a «primeira refe-!tele ao bergsonismo» remonta ao convenio secreto da esquerdasocialista de Florence, de Novembro de 1917, onde se tinhamdiscutido as perspectives da accao socialista no apos-guerra (cf.P. Spriano, Torino operaia nella granule guerra, cit., pp. 281-287).

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estkril, • pensamento do seculo XIX, do positivismo.A vinganca, fizeram-na as preprias massas. Depois deter lido ou ouvido exaltar os livros dos Lombroso edos Ferri e dos Sergi e outras coisas semelhantes,positivamente cientificas, elas que at tinham neces-sidade de acreditar para operar, vingaram-se da cienciatornando-a numa fe. E dos ensaios do positivismo cien-tifico fizeram outros tantos santos. Os que eram ver-dadeiros cientistas levaram isso a mal e calaram-se;os outros revelaram-se tal como eram, isto e, char-latäks vendedores de uma mercadoria e fabricantes decelebridade. Mas o socialism° italiano ficou corn estamarca, a de ter nascido e ter vivido tanto tempo emcomum corn o positivismo.

Nao vinha urn grande mal ao mundo se nao se cor-resse o risco de ver a pouco e pouco trocar a marcacorn a substancia que ]he este adjacente, o risco quecorre todo o movimento politico que tenha querido ouqueira fazer-se passar por autorizado, justificado ouvalorizado por uma orientagão especial do pensamentoMosaic°. Deste risco sofreu igualmente o sindicalismofrances, obrigado a sentir e a sofrer os influxos e asconsequencias das criticas feitas a corrente de pensarmento de que ele se disse iniciado: o bergsonismo.A comparagao e muito grosseira, quer porque Bergson

uma montanha e os nossos positivistas eram rds numpantano e quer tambem porque nunca nenhum socia-lista italiano teve a precisdo, a originalidade e, aomesmo tempo, a faculdade de penetragdo e de adapta-ca.° de um Sorel. Mas quando caiu urn colosso, imagi-nemos os arthes! Para encontrar a pista justa e precisoremontar a Karl Marx e a Federico Engels, que dumpensamento Mosaic() extrairam uma precisa doutrinade interpretacdo histerica e politica. Mas esses tinhampassado pelo idealismo e, antes ainda, cram gente quetinha lido, compreendido e assimilado os filesofos.

Hoje tor-no-se necessario discutir corn gente queos conhece muito de longe. E então acontece-vos o curio-sissimo caso de ver o nome dutna esoola filosefica tor-nar-se qualquer coisa de semelhante a urn epitetoinjurioso. Ja n5.0 sabeis que coisa responder ao vossocontraditor? Dizei-lhe que a um voluntarista ou um

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pragmatista ou —fazei o sinal da cruz — urn bergso-niano. 0 sistema e de efeito seguro.

[Oh! Saber ser como o operario que sente uma suaprecisa directiva de aced() e de pensamento, e e filesofosem o saber, como o burgues gentil-homem era pro-sador !] (9

(') Estas ultimas halms ni p silo provavelmente de Gramad.

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MARINETTI REVOLUCIONARIO? (")

Aconteceu este facto inaudito, enorme, colossal, cujadivulgacao ameaca negar totalmente o prestigio e ocredit° da Internacional Comunista: em Moscovo, du-rante o II Congresso, o camarada Lunacharski, no seudiscurso aos delegados italianos (discurso, repare-se,pronunciado em italiano, ou melhor, num italiano cor-rectissirno, pelo que qualquer suspeita de duvidosainterpretacao deve ser, a priori, afastada) disse queem Italia existe um intelectual revoluciondrio, FilippoTommaso Marinetti. Os filisteus do movimento ope-rario estao escandalizados; é cerbo, portanto, que asinjtirias de «bergsonianos, voluntaristas, pragmatistas,espiritualistas» se acrescentard uma injtiria mais san-guinosa de «futuristas! marinettianos!» Visto que umatal sorte nos espera, procuremos elevar ate ao autoco-nhecimento esta nossa nova posicao intelectual.

Muitos grupos de operatics viram corn simpatia(antes da guerra europeia) o futurismo. Aconteceumuitas vezes (antes da guerra) que grupos de opera-rios defendessem os futuristas das agressOes intri-guistas de «literatos» e de «artistas, de carreira. Fixadoeste ponto, feita esta constatano hist6rica, vem-nosesponthnea a pergunta: «neste comportamento dos ope-rarios existia a intuicao (eis-nos na intuicao: bergso-nianos, bergsonianos!) de uma necessidade nao satis-feita no campo proletario?) Devemos responder: «Sim

(*) NAo assinado, L'Ordine Nucroo, 5-1-1921.

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A classe operaria revoluciondria tinha e tern a cons-ciencia de dever fundar urn novo Estado, de deverelaborar corn o seu tenaz e paciente trabalho umanova estrutura econamica, de dever fundar uma novacivilizacao., E relativamente fad] delinear, ja a partirde hoje, a configuragao do novo Estado e da novaestrutura econamica. Estamos persuadidos que nestecampo, absolutamente pratico, por urn certo period°de tempo, nao se podera fazer mais do que exercitarurn poder ferreo sobre a organizaCao existente, sobre aorganizacao construida pela burguesia; desta persuasaonasce o estimulo pan a luta pela conquista do podere nasce a fdrmula corn a qual Lenine caracterizou oEstado operario: «0 Estado operario na p pode ser, porurn certo tempo, mais do que urn Estado burgues sema burguesia (').)

0 campo da luta pars a criacao de uma nova civi-lizaeao e, pelo contrario, absolutamente misterioso,absolutamente caracterizado pelo imprevisivel e peloimpensavel Uma fahrica, passada do poder capitalistaao poder operdrio, continuara a produzir as mesmascoisas materiais que hoje produz. Mas em que modo eem que formas nascerao as obras de poesia, do drama,do romance, da musics, da pintura, do costume, da lin-guagem? Nao a uma fabrica material a que produzestas obras: nao pode ser reorganizada por um poderoperario segundo urn piano, nao pode ser-]he fixadaa producao para a satisfacao das necessidades imediatascontrolaveis e fixaveis pela estatistica. Nada e previsivelneste campo que nao seja esta hipatese geral: existirauma cultura (uma eviilizacao) proletaria, totalmentediversa da burguesa; mesmo neste campo sera° des-truldas as distingees de classe, sera destruido o carrei-rismo burgues; existirao uma poesia, urn romance, urnteatro, urn costume, uma lingua, uma pintura, urnsmusics caracteristicos da civilizacao proletAria, flores-céncia e ornament° da organizacao social proletaria.0 que se deve fazer? Nada mais do que destruir a pre-sente forma de civilizacao" . Neste campo, «clestruin,

( i) Cf. Estado e revoluctio, in Lenine, Obras escolhidas.

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tem o mesmo significado que tem no campo econOmico:destruir nao significa privar a humanidade de produtosmateriais necessarios a sua subsistencia e ao seu de-senvolvimento; significa destruir hierarquias espiri-tuais, preconceitos, idolos, tradicees rigidas, significanao ter medo das novidades e das audacias, nao termedo dos monstros, nao crer que o mundo acaba seum operario °emote erros de gramatica, se urns poesiae coxa, se urn quadro se assemelha a urn cartaz, se ajuventude torte o nariz a senilidade academica e apa-lermada. Os futuristas desempenharam esta missao nocampo da cultura burguesa: destruiram, destruiram,destruiram, sem se preocuparem se as novas criagOes,produzidas pela sua actividade, eram, no conjunto, umaobra superior a destruida: tiveram confianea eon sipreprios, no entusiasmo das energias jovens, tiverama concepgao nitida e Clara que a nossa 6poca, a gpocada grande indistria, da grande cidade operdria, da vidaintensa e tumultuosa, devia ter novas formas de arte,de filosofia, de costume, de linguagem; tiveram estaconcepgao nitidamente revoluciondria, absolutamentemarxista, quando os socialistas nao se ocupavam, nemsequer longinquamente, corn semelhante questa°, quandoos socialistas nao tinham certarnente uma concepgaodo mesmo modo precisa no campo da politica e daec000rnia, quando os socialistas se teriam espantado(e ve-se pelo espanto actual de muitos deles) com opensamento de que era preciso destruir a maquina dopoder burgues no Estado e na fabriea. Os futuristas,no seu campo, no campo da cultura, sao revolucionarios;neste campo, como obra criativa, e provavel que aclasse operaria nao consiga por muito tempo fazer maisdo que fizeram os futuristas: quando apoiavam os futu-ristas, os grupos de operarios mostravam nao se espan-tarem corn a destruicdo, seguros de poder, eles ope-rdrios, fazer poesia, pintura, drama, come os futuristas;ester operarios apoiavam a historicidade, a possibili-dade de uma cultura proletaria criada pelos prOpriosoperarios (2).

(I) Para urn juizo critic() sobre Marinetti e sobre o movi-niento futurista, cf. o vol. III da presente edic5o, pp. 48-50.

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A RUSSIA E A INTERNACIONAL (*)

A Russia dos Sovietes conquistou, e cads dia con-quiets mais, as simpatias da classe operaria do mundointeiro. 0 facto e natural. A revolucao proletaria russadivide o mundo inteiro em doffs campos: de um lado, osque a defendem, que sap pelo seu desenvolvimento epela sua vitOria no mundo inteiro; do outro, os que thesao contrarios e que desejam que ela seja sufocada nosangue do povo revolucionario russo, vendo nesse factoo esmagamento da revolucao munclial universal. De urnlado encontram-se a classe operaria e as classes semi-proletdrias, isto 6, dos pequenos camponeses, de todosos paises; da outra parte estao os capitalistas, os ban-queiros, os grandes latifundiarios, os especuladores detodo o mundo.

As simpatias que a Russia sovietica gamhou junto doproletariado internacional sao tao grandes que os pro-prios governos capitalistas, que organizam o bloqueiocontra ela, ja nao ousam lutar abertamente contra oseu governo e sao obrigados a reconhece-lo e a estabele-cer corn ele relacóes comerciais.

Mas um facto é especialmente important° e deve serposto em evidencia: nenhum partido operario, nenhumaorganizacao de operarios, nem sequer os que se p6em noterreno do oportunismo e do reformism, ousam dizer-seabertamente cocotrarios a Russia dos Sovietes, mesmo se

(*) Nio assinado, L'Ordine Nuovo, 9-1-1921.

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de facto, nos seus paises, estes partidos sustentam o po-der da burguesia.

Porque 6 que os pat-tides e as organizacOes reformis-tas e oportunistas &So obrigados, deste mode, a escondera sua oposigão real e de principio contra a Russia dosSovietes, sob a mascara de uma hipecrita amizade?Porque se assim nAo fizessem, perderiam ern breve tem-po o apoio das massts operirias. portanto urn motiveutilitario o que os obriga a declararem-se pela Rtissia.Do mesmo mode se comportam os centristas e os semi--reformist-Rs, os quais, ainda que se digam contrariosInternacional Comunista, aos seus principles, a sua Lk-tica e a sua organizacLo centralizada, se apresentamclasse operaria come defensores da revolugao proletariarussa. Se assim n5.° fizessem, astariam perdidos, e asmassas afastar-se-lam. Seguem uma hipOcrita politica deamizade e de simpatia pela Russia para poder continuara sua obra de confusao, para impedir a revolugao doproletariado.

Isto a verdade para todos os paises e sobrotudo paraa Italia. Nero falemos dos reformistas, porque os opera-rios conscientes ja sabem com p julgar a sua politics,sabem que ales sae inimigos da revolugao proletariarussa, ainda que não ousem francamente condena-la.

Falemos, polo contrario, dos centristas e dos semi-re-formistas, dos que escondem a sua traicão sob a mascarada conservacao da unidade do Partido e que se baptiza-ram corn o Borne de comunisths-unitarios. Estes decla-ram em voz alter serem defensores aguerridos da RUssiados Sovietes e apoiadores decisivos da InternacionalComunista, depois que the declararm guerra aberta!Porque a que o camarada Serrati e os seus apoiadoresdemonstram com tanto barulho a sua solidariedadeRussia? Porque a RUssia, a sua revolugao, os seus prin-cipios e Os seus mOtodos de luta gozam de uma imensapopularidade entre as massa.s proletarias italianas. Por-que o proletariado italiano admira e aclama a Riissia dosSovietes, porque ele 6 completamente solidarie corn aRUssia dos Sovietes. Porque o camarada Serrati e oscomunistas-unitarios adaptam-se as circunstancias parsnit* perderem a sua influencia junto do proletariado.

Mas näo 6 sO em relacao a RUssia e a sua revolugão

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que eles demonstram amizade c simpatia mas tambemem relagäo A Internacional Comunista. Na conscienc e s doproletariado italiano, a revolugao russa ester de factoligada de mode inseparavel e solidario it InternacionalComunista. 0 proletariado italiano, guiado pela sua cons-ciencia e polo seu instinto proletario, não sepana a revo-lugao russa da Internacional Comunista mas une-as domesmo mode que alas estao unidas na vida real 0 cama-rada Serrati e os seu seguidores sào, pois, °brigades,tamb6m aqui, a adaptar-se so estado de animo do prole-tariado para nio perderem o seu ascendente. Eles nä°tem a coragem de dizer franca e abertamente que, umavez que sAo contrarios As 21 condig5es ( I ), As teses sobrea questa° colonial e national, as toms sobre a questa°agraria e ao praprio principio centralizador da Interna-cional Comunista, Sao contra a propria Internacional.

Em substancia, tante os reformistas e os oportunis-tRs, que tem a coragem de dize-le abertamente, come oscentristas e os semicentristas que nao ousam dizer-seabertamente contrarios a Internacional Comunista, masrecusam as resoluces substanciais e trabalham contraela, tanto uns coma as outros BA° die facto inimigos daRUssia do Sovietes e da revolugao proletaria russa, por-quo quern se declara de modo encoberto ou patente con-trario a organizacão Internacional Comunista dos tra-balhadores e tambem um inimigo da RUssia e da suarevolugao.

( 1 ) Nos chamados 21 pontos de Moscovo estavam contidasas condiches de admissio dos partidos socialistas a InternacionalComunista, entre as quais o empenho de romper corn a politicacentrista e reformista e de expulsar os reformistas e centristas.Serrati, ainda que aderente entusiasta da revolugao russa paramanter a unidade do partido, mostrou-se desde o inicio contrarioquer a expulsho dos reformistas, quer a mudanga de nome dopartido quer em relacao a outros pontos. Dal a polhmica dogrupo de Ordine Nuovo, que comecou logo a seguir ao regressode Serrati do II Congresso da Internacional Comunista e atingiupontos particularmente ksperos em 1921. Como a sabido, Serratiacolheri as teses internacionalistas no XVIII Congresso do Par-tido Socialists (1-3 de Outubro de 1922) e em Agosto de 1924entrarfi pars o Partido Comunista. (Acerca dos 21 pontos deMoscovo, cf. Lenin, Sul movimento operaio italiano, cit., pp. 287--289)1

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0 que e, de facto, a Internacional Comunista? E arealizagio internacional dos principles e dos metodos darevolucao russa.

A revolugaz proletaria russa e a primeira grande re-voluCao proletaria que se fechou vitoriesamente corn aconquista do poder, por parte do proletariado, no maiorpais capitalists do mundo e corn a instaurack, verifica-da pela primeira vez na histeria, da ditadura proletaria.Esta experiencia histerica da classe revolucionaria russa6 de urns irrielLSS importincia para todo o proletariadointernacional e para a sua luta de emaricipacào. Poroutro lado, a revoluclo russa nao a apenas o produto decondigOes particulares e especiais daquele pais, mas urnproduto da guest's imperialists mundial. Hoje, depois daguerra, em bodes os paises capitalistas, a crise econe-mica, o desemprego, o aumento do custo dos viveres e adesvalorizacao da meads sZlo fenOmenos comuns que tor-nam as condicaes de cada pais seanelhantes as da Rtis-sia antes de 1917. E nao sO a eclosão (mas tambem odesenvolvimento da revoluCao russa) esta ligada e depen-de da crise econernica e politica mundial, a qual crisevem tornando-se sempre mais larga e profunda. As con-dicaes da revolugao mundial amadurecern rapidamente eapenas a viteria da revolugno universal pode assegurar avitOria definitiva da revolucao russa.

Pois bent, a Internacional Comunista nao faz mais doque organizer o proletariado internacional extraindoproveito da preciosa e colossal experiencia da revolugãorussa pars a preparacâo da revoluclo universal.

Esmagamento da revolugam russa quer portanto diveresmagament45-dribevrtiliteao. mundial. Os governos capi-talistas sabem-mos e por isso oambatern a fordo a RUssiados Sovietes. Isto, porem, maniac:a a peroeber cada vezmais ate o proletariado international, da ormsciencia doqual desaparece qualquer dUvida de que o estar a favorda revolucäo russa 6 a anesrna coisa do que Merit a In-ternacional Comunista.

Os que lutam, portanto, abertamente ou corn mas-caras contra a International Comunista, lutaan de factocontra a Rtissia dos Sovietes: sao seus inimigos eranmigos tante mais perigosos marque militant nas pro-prias files da °lasso operAria. E sua a culpa se a burgue-

sia consegue ainda manta urns parte dos opera-ries sob; a sua influ6ncia.

0 dever supremo dos comunistas italianos e o de des-/ mascarar e combater esta perigosa politica dos centrist tas. Abaixo a mascara!, gritamos nas aos hipOcritas

amigos da Russia e da Internacional. Vas trabalhais elutais contra a Internacional, sois portanto inimigos daprimeira grande revoluclo proletaria 0 proletariadoitaliano, quando compreender esta verdade, nao poderadeixar de condenar-vos.

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0 CONGRESSO DE LIVORNO (*)

0 Congresso de Livorno ester destinado a tornar-seum dos acontecimentos histOricos mais importantps davida italiana contemporanea. Em Livorno sera finalmen-te averiguado se a classe operaria italiana tem a capaci-dade de exprimir das suas filas urn partido autOnomo declasse, sera finalmente averiguado se as experiencias diequatro anos de guerra impexialista e de dois anos deagonia das forgas produtivas mundiais foram suficien-tes pars tornar conscience a classe operaria italiana dasus missdo hist6rica.

A classe operaria a classe national e internacional.Deve pep r-se a cabeca do povo trabalhador que luta parsse emancipar do jugo do capitalismo mundial e f Man-

(*) N5o assinado, L'Ordine Nuovo, 13-1-1921. Estava-se navigilia do XVII Congresso do Partido Socialista, que se realizouem Livorno de 15 a 21 de Janeiro de 1921 corn a participacaode 2500 delegados e onde se enfrentaram as tees correntes: comu-nista, maximalista e reformists. A corrente maximalista uni-thria (serratiana), a mais forte, favoravel a Internacional Comu-nista mas corn a condicäo de conservar o nome do PartidoSocialista e de não se dividir dos reformistas, teve 98 028 votos;a corrente comunista 58 783, os reformistas 14 685. Os comu-nistas (isto 6, os abstensionistas da fraccio Bordiga, os elemen-tos agrupados a volta de Ordine Nuovo e do Avantil piemontes,e os elementos que seguiam os grupos Gennari, pelos maximalis-tas, e Graziadei-Marabini), depois da votacio, sairam do teatroGoldoni, sede do congresso, e reuniram-se no teatro San Marcoonde proclamaram a constituicAo do Partido Comunista, seccäoitaliana da Internacional Comunista. 0 ponto de vista da III In-

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ceiro, riacional e internacionalmente. A tarefa nacionalda classe operaria é fixada pelo processo de desenvolvi-mento do capitalism° italiano e pelo Estado burgues deque 6 a express:10 oficial. 0 capitalism° italiano conquis-tou o poder seguindo esta linha de desenvolvimento: sub-jugou a provincia as cidades industrials e subjugou aItalia central e meridional a setentrional. A questa° dasrelacties entre cidade e campo apresenta-se no Estadoburgues italiano nao so como questão de relaglies entreas grandes cidades industrials e os campos imediatamen-te vinculados a elan na mesma regiao mas como questao.das relacees entre uma parte do territerio nacional euma outra parte absolutamente distinta e caracterizadapelas suas notas particulares. 0 capitalism° exercita as-sim a sua explorano e o seu predominio: na fabrica,directamente sabre a °las% operdria; no Estado, sobremais largos estratos do povo trabalhador italiano forma-do por camponeses pobres e semiproletarios. A certo ques6 a classe operkria, arrebatando das Maus dos capita-listas e dos banqueiros o poder politico e econOmico,capaz de resolver o problems central da vida nacionalitaliana, a questa° meridional; 6 certo pie so a classeoperdria pode ooncluir o laborioso esforgo de unificacaoiniciado corn o Ressurgimento. A burguesia unificou ter-ritorialmente o povo italiano; a classe operaria tem atarefa de concluir a obra da burguesia, teen a tarefa deunificar econOmica e espiritualmente o povo italiano.Into so pode acontecer despedacando a maquina actualdo Estado burgues que a construida sobre uma sobrepo-alga) hierkrquica do capitalism° industrial e financeiro

ternacional foi defendido no Congresso de Livorno pelo delegadoda International, o billgaro Kristo Rabakcev.

Corn a saida dos comunistas da sala, o Congresso Socialistsvotou a proposta de Bentivoglio, corn a qual o congresso susten-tava o seu direito de cidadania na Internacional Comunista, con-firmava a sua adesito a mesma e remetia pare o prOximo Con-gresso de Moscovo a dada.° da controversia, comprometendo-sea aceitar e a aplicar as decisiies de tal congresso. Foi decididomandar a Moscovo, para sustentar o recurso do Partido Socia-lista, Lazzari, Maffi e Riboldi (depois chamados «os peregrinosde Moscow») (cf. Resoconto atenografico del XVII CongressoNazionale del Partido Socialista Italian°, Soc. ed. Avantil,1921).

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em detrimento das outras fore:as produtivas da nacao;esta revolucao so pode acontecer polo esforco revolucio-nario da classe operaria directamente subjugada ao

so pode acontecer em Milao, em Turim, emBolonha, nas grandes cidades donde partem os milhoesde fios que constituem o sistema de dominio do capita-lismo industrial e bancario sobre todas as forcas pro-dutivas do pais. Em Italia, pela configuracao particularda sua estrutura econOmica e politics, nan s6 6 verdadeque, emancipando-se a classe operaria, se emanciparaotodas as outras classes oprimidas e exploradas mastambem verdade que estas outras classes nunca conse-guirao emancipar-se se naz se aliarem estreitamenteclasse operaria e mantendo permanente eats alianca,mesmo a custa dos mais duros sofrimentos e das maiscrueis provas. A separagao que acontztera. em Livornoentre comunistas e reformistas tera especialmente estesignificado: a classe operdria revolucionaria separa-sedas correntes •degeneradas do socialism° que apodrece-ram no parasitismo estatal, separa-se das correntes queprocuravam explorar a posicao de superioridade do Nor-th em relacao ao Sul, para crier aristocracias proletariasque juntamente com o proteccionismo alfandegario bur-gues (forma legal do pradominio do capitalism° indus-trial e financeiro em relacao is outras forcas produtivasnacionais) tinham criado um proteccionismo coopera-tivo e acreditavam emancipar a classe operaria nas cos-tas da maioria do povo trabalhador. Os reformistasapresentam como «exemplar. o socialism° reggiano,desejariam fazer acreditar que toda a Italia e todo omundo podem tornar-se uma Unica e grande Reggio Emi-lia. A classe operaria revolucionaria afirma repudiar thisformas espürias de socialismo: a emancipacao dos tra-balhadores nä° pode acontecer através do privilegioarrancado por uma aristocracia operaria, corn o corn-promisso parlamentar e corn a chantagem ministerial;a emancipagao dos trabalhadores s6 pode acontecer atra-yes da alianca dos operdrios industrials do Norte e doscamponeses pobres do Sul para abater o Estado burgues,para fundar o Estado dos operarios e camponeses, parsconstruir um novo aparelho de producao industrial quesirva as necessidades da agricultura, que sirva para

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industrializar a atrasada agricultura italiana e elevar,portanto o nivel de bem-estar nacional em proveito dasclasses trabalhadoras.

A revolucao operdria italiana e a participacao dopovo trabalhador italiano na vida do mundo nao podemverificar-se fora dos quadros da revolucao mundial. Exis-te ja urn germen de governo mundial operario: e o Comi-tó Executivo da Internacional Comunista said° do IICongresso. A vanguarda da classe operaria italiana, (afraccao comundsta do Partido Socialists) afirmara emLivorno ser neoessaria e imprescindivel a disciplina e afidelidade ao primeiro governo mundial da classe opera-ria: melhor, deste ponto de vista fara o ponto centralda discussao no congresso. A classe operdriaaceita a maxima disciplina porque quer que todas asoutras classes operarias nacionais aceitem e observem amaxima disciplina.

A classe operaria Italians sabe que nao pode eananci-par-se e nao pode emancipar todas as outras classesoprimidas e exploradas do capitalism° nacional, se naoexistir Urn sistema de forcas revolucionarias mundiaisoonspirando pars o mesmo fim. A classe operaria italia-na esti disposta a ajudar as outras classes operarias nosseus esforgos de libertacao, mas quer ter tambem urnscerta garantia que as outras classes a ajudarâc nos seusesforcos. Esta garantia so pode ser dada pela existenciade urn poder internacional fortemente centralizado, quegoze da confianca plena e sincera de todos os associados,que seja capaz de por em movimento os seus efectivoscorn a mesma rapidez e a mesma precisao conseguidaspor sua costa e no interesse da burguesia, pelo podermundial do capitalismo.

Parece assim evideute que as questOes que atormen-tarn hoje o Partido Socialista e que sera° definidas noCongresso de Livorno nao sac) meras questOes internasde partido, nao sac, coalface pessoais entre cada um dosmdividuce. Discutir-se-O. em Livorno o destino do povotnbalhador Italian, iniciar-se-a em Livorno um novoperiod° na histeria da flack, italiana.

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UMA ADMOESTACAD (*)

o caso ou a sorte que quer que o Congresso do Par-tido Socialists Italiano se retina em Livorno no aniversa-rio do sacrificio de Karl Liebknecht? Nao acreditamosnas datas fatais nem nas fatidicas coincidencias da his-tOria e muito memos acreditamos que o espirito dosmortos tenha o poder de regressor entre cis vivos e deinspire:4os. Mas se aqueles die quern se comeanora a mortesao os cnossos, mortos, os que cairam corn as armas le-vantadas no fervor da luta, e corn o espirito tenso, nasalternativas desesperadas do combate, a resistir, a espe-rar — destes mortos também nos sentimos a vitalidadeeterna, sentimos tambem a parmanencia do seu espiritoanimador entre nes por estes mortos tambem nesquase nos sentimos repetir as palavras da esperancosasupersticao crista: eases estao ainda vivos e ju:gam eesperam. Na realidade, somos nos preprios que julgamose esperamos, mas queremos pensar a soca() e o juizo,nestes momentos supremos, como que inspirados, quaseditados por um ensinamento que brota da vida de quernmais intensamente do que n6s operou pela afirmacao evitOria dos nossos principios.

Sob os auspicios do nome de Karl Liebknecht se abre,pois, o Congresso de Livorno. Quern evocar, corn o nome,os factos e os ensinamentos, s6 podera extrair deles uma

(*) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 15-1-1921.

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adrnoestacao, die acordo corn a nossa espera, a nossa can-fianca, os nossos propOsitos.

Corn a morbe de Karl Liebknecht, ern Janeiro de 1919,acabava no sacrificio cruel a primeira grande afirmacitodos comunistas da Europa central e ocidental. A insur-reicao armada do proletariado alembic que ele dirigiucorn a autoridade da sua pessoa, enorme quando compa-rada as meias figuras de traidores e de hesitantes, e cornuma precisao die pensamento e de propOsitos igual ao ar-dor e a tenicia inquebrivel da vontade, aquela insurrei-gao foi na verdade a primeira, a iinica grande tentativaseria e apetrechada de probabilidades de sucesso, de inst.-rir e compreender o desenvolvimento da crise europeiapOs-belica no mesmo quadro a revolugäo russa. A insur-reigdo dos comunistas aleannes pareceu por urn instanterealizar a soldagem entre a revolucaTh russa vitoriosa eos esforgas das minorias revolucionarias dos paises daEuropa central e ocidental. Se a soldagem se tivesse com-pletado, em vez de esgotar-se numa serie die tentativasesporddicas e no grande, epic° mas doloroso esforgo deurn povo isolado, a revolucao europeia te,ria tido a suaorientaclo natural numa revolta de todo o proletariadocontra todos os governs da Alianca. Pox isso nos diastragicos de Janeiro de 1919, o coracAo do mundo inteiropulsou a volta de Berlim, e o destino do mundo inteiropareceu suspenso do axito dos confrontos raivosos nosquais vertia o seu sangue a flor dos proletarios da Ale-manha. 0 prOprio name de Liebknecht pareceu Gado atodo o mundo concreto, de modo evidente, o qua tinhaparecido nos anos da guerra a fantasia de Henri Bar-busse, uma sintese viva, urn simbolo: a sintese e o elm-bolo da revolts proletâxia contra as infamias, contra oshorrores, contra a escravidao da guerra e da paz capita-listas.

Mas hoje que recordamos ester factos a distancia dedais anos, podemos acrescentar qualquer coisa aquelarepresentacao simbOlica, podernos acrescentar a expe-riancia de urn periodo revolucionario aberto corn as maio-res esperancas e corn a major audacia, e ainda nä° con-cluido, embora a recordacao dos acontecimentos, maislenta e menos febril, pareca indicar urns depressao dosespfritos e da vontade de revolts. 0 desenvolvimento dos

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factos apresemta-se-nos hoje, tamb6m ele, mais clam, emconjunto corn o lOgico encadear das causas e dos efeitos,

o sacrificio de Liebknecht aparece-nos em toda a suaplenitude de valor que teve, n'ao so na histOria da revolu-cao europeia mas na prapria e intima histOria da forma-can, nas fileiras do proletariado, de uma preciosa cons-ciancia e de uma valida capacidade de accao. Por isso,antes de qualquer outra coisa, ao recordar a rnorte atroz,recordarnos que as seus instrumentos foram preparados,ainda antes do que pela classe burguesa, pelos traddoressaidos das filas do partido do proletariado. Comemora-mos o martir e o her6i, o homem em cuja vida se resu-miu, num instante, a sorte de toda a classe rebelde, e naopodemos deixar ide recordar, corn parte essential deurn ensinamento que nap se apaga, que a sua sorte foitracada por aqueles que tinham menos fe, que tinhampassado pelas fileiras adverairias ou permanecido entreas fileiras dos combatentes para semear ali a davida,incerteza, cepticismo. A insurreiclo de Berlim, de Janeirode 1919, faliu •porque encontrou contra si, organizadaspelos sociais-democratas, as forcas da reaccao; depoisdela, o proletariado alemao esteve impedido de ressurgir,valida e potente, pelos mesmos que urn dia pareciam seros guias da scalp e depois se revelaram traidores escon-didos sob a capa do teárico ou do funcionario ou do par-lamentar. Apenas actualmente, depois de urn longo perio-do die elaboragao interior, depots de urn period° fatigantede libertacao e de renovacao, a classe operaria alemäesti encontrando a sua estrada. E encontra-a atravesdas directnizes de Karl Liebknecht.

Mae nas dissemos que no seu name e na sua accaoviamos urn example pan todos os paves. Mais do queum exempla, a uma prova. Karl Liebknecht provou-nosda maneira mais valida, corn o sacrificio, qual 6 a estrada

quais la° os obstAculos.Quern evocar o seu Dome no Congresso de Livorno

sabers exprimir comph3tamente a admoestacao que essefacto contelm?

Sob os auspicios do seu name —e agora parece-nosrealmente que a conicidancia a fatidica— queremos para origem do Partido Comunista Italian.

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0 CONGRESSO DOS JOVENS (*)

A poucos dias de distancia do Congresso de Livorno,abre-se hoje em Florenca o Gongresso dos Jovens Socia-listas Italianos. Nao ha grande expectativa a sua volts.0 esforgo de atencao e de pol6mica idesenvolvidos peloscamaradas para seguirem o debate das tendencias queculminaram em Livorno parece ter esgotado a sua cape-cidade para dar relevo a factos que, todavia, BA° dignosde serem considerados corn o major valor. As Fdeclara-cOes explicitas feitas nos do•s Congressos de Livornopelo secretario 'da Federagdo Juvenil Italiana (') con-tribuiram talvez para diminuir o interesse que de outromodo seria e.norme. 0 que dirao os jovens dos aconteci-mentos do Partido? 0 que pensam da sorte do movimen-to proletario itatiano? Corn que olhos, corn que animoconsideram os acontecimentos actuais e, o que a maisimportante, corn que propOsitos consideram eles o fu-turo, o futuro do Partido que trazem consigo, que re-presentam, de que sao a continuidade e de todo o movi-mento proletario e subversivo?

Confessamo-lo: Os (adultos * nao s6 se ,desinteressam,nao sd transcuram mas tern em pouca conta, em partede propOsito, o movimento dos jovens. Nas assembleias

(•) NA° assinado, L'Ordine Nuovo, 29-1-1921.( I) 0 secretirio da Federacao Juvenil Socialista, Luigi Po-

lano, tinha levado aos doffs Congressos de Livorno — ao teatroGoldoni, primeiro, e ao teatro San Marco, depois — a adesio daFederacAo a III Internacional e ao -Partido Comunista.

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exclusivo caracter de classe. Sao operarios e camponeses,ja nao sao os desertores das fileiras da burguesia. Saoopethrios e camponeses nos quais nao exists e nao podeexistir grande capacidade de imediata compreensao dosprincipios da doutrina, mas é profunda, pelo contrario, aintuicao das neeessidades da classe de que provem. Sen-tem uma necessidade instintiva de clarificacao e de pre-eisao, uma necessidade de conhecer e de saber, mas aomesmo tempo sentem que nao tem tempo para perdernas academias e nas discuss6es estereis, porque as neces-sidades de mg-a° os impulsion= e, estas, sentem-nasdies do mode mais vivaz. E eis entao que se apresentaem toda a sua amplitude o problema dos jovens, o proble-ma de fazer corn que esta energia lac) se perca, nao sega.ste em tentativas vas, mas seja guiada de mode a daro maxima rendimento ao partido. E urn problema deeducacao, mas de educacao entendida no significado maisamplo da palavra, educacao dos jovens para a disciplinada acce.o e do pensamento mas educacao tambem de todoo organismo do partido, isto é, a tran.sfusao para ele denovo sangue, de nova energia, de novo desejo e de novacapacidade de conhecer e actuar.

No Partido Socialists, a consciencia deste problema,dos seas termos e da sua solucao, tinha-se perdido poucoa pouco. A organizacao dos jovens era insegura de si,oscilava entre o fim educativo e o fim de preparacao ma-terial, nao tinha encontrado em si prOpria um equilibria,nao tinha encontrado sobretudo urn equilibria que thepermitisse engrenar a sua obra, de modo harmenico, corna da organizacao dos cadultos». Alguns consideravam-nauma coisa inutil, outros urn duplicado. Os prdprios jo-vens eram inertes, perdidos: por um lado, desdenhavamde serem considerados, sempre e ape-nas, coma matóriaapta para absorverem os discursos deste ou daquele pane, por outro, sent-Liam que o sacrificio que lhes pediamnos momentos supremos deveria ter como corresponden-cia a atribuicao de urn peso e de uma importancia maio-res.

0 Partido Comunista devera evitar os erros do pas-sado, devera procurar conquistar e manter clan a per-cepgae, em todos os seus aderentes, do trabalho educa-tive que espera a org-anizac.lo. juvenil, trabalho educativo

eles sao sempre urn pouco os tolerados e nas ultimas dis-cussees, que se verificaram como preparacao do congres-so e que em alguns sitios foram longas, vivazes, por ve-zes tempestuosas, nao faltou quern insultasse o ardor e aim petuosidade juvenis, considerando-os quase como umaclaque. E inubtil lamentar-se: a organizacao dos jovensfoi sempre ou quase sempre tida um ponce a parts e nose node culpar ningue msenao o Partido no seu conjun-to, o Partido no qual nunca esteve presente, die modoclaro, a ccnisciencia ido que devia representar, no seu

esta organizacao.Defeito de visa° organica, portanto, defeito que se

explica corn os preprios caracteres que teve o movimentojuvenil nos diversos periodos da histdria do socialismoItalian. Nos primeiros tempos, os jovens vinham aoPartido, em tropel, movidos por urn impulso ideal, por urnimpeto do anima desgostoso corn a visa° de um presentstriste e iniquio, avid° de liberdade e de batalhas. Chega-vam-se entao a nos, sem clistincao, os jovens de todasas classes. Eram estudantes, empregados, burgueses,gents a q uern o estudo tinha aberto a mentalidade a corn-preensak das doutrinas e procurado em abundancia acapacidade de assimila-las e de expo-las. Animava-os umfervor idealista, desejo ardente de accao e de sacrificio;quase parecia representarem os Ultimos fulgores das vir-tudes que a burguesia italiana tinha dada prova de pas-slur durante os anos das lutas do Ressurgimento, quandoo_herofsmo ainda nao tinha sido sufocado pela corrup-cao do Estado italiano. Aqueles jovens, chegando ao so-cialism°, nao podiam deixar de tornar-,se imediatamentegums e dirigentes. E urn verdadeiro viveiro destas ener-gias, destinadas a impor-se e a conquistar os primeiroslugares do combats, cram entao os centres juvenis. Mainuma verdadeira e prOpria organizacao de jovens, quebyes se urn exclusivo catheter proletario e fosse feita parasatisfazer as neoessidades dos jovens proletarios e aeon-tentar assuas exigencias ao debrucarem-se pela primeiravez na vida da sua classe, nao existia, ou melhor, podedizer-se que nunca chegou a existir.

E todavia, hole, o movimento dos jovens, passados°a finnotos genorosos dos primeiros voluntarios, tem urn

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que se cumpre no interesse e por cants de todo o Partido.NA.° podemos, nao poderemos vriver sem nos pormos con-tinuamente ern contacto corn esta f rests e nova realidadeque 6 a vida dos jovens, esperann e promessa de futuro.

Devemos sentir que os probleanas que a eles se apre-sentam sac, tambem os problemas essentials de toda anossa organizano, silo, no fundo, urn s6 ppoblema : o pro-blema de fazer corn que a nova genscao dos operariose dos camponeses cresca valida e pronta pars as batalhasque a esperam.

Seja benvindo, portant°, depots de Livorno, o Con-grass° Juvetil de Florenca. Se ele nos disser que osjovens estho connosoo, ter-mos-a dado a major assevera-no' de vitalidade e de forc,a que podiamos esperar.

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CONTROLO OPERARIO (*)

Antes de examinar, na sus arquitecturs, e nas susspossibilidades, 'o projecto de lei apresentado a Camarados deputados por Giolitbi ( 1 ), ocorre fixar o ponto devista do comunistas na discussao do problems,.

Para os comunistas, colocar o problema do controlosignifica colocar o problems maxim° do actual periodohistdrito, significa colocar o problems do poder opera.-rio em relacao aos meios de produno e, portanto, o pro-blema•da conquista do Estado. Deste potato de vista, aapresentano de urn project° de lei, a sua aprovano e asua execuno do ambito do Estado burgués sal) aconteci-mentos de segunda importancia: o pocler operario tern eso pode ter a sua razao de ser e da sua imposino no inte-rior da classe operaria, na capacidade politica da classeoperaria, na potancia real que a classe operaria possuicomo factor indispensivel e insuprimivel da produnoe como organizac:so de force politica e militar. Qualquerlei que, a este prop6sito, provenha do porter burgu6s,tern urn sel significado e urn sO valor, este: significaque realmente, e nao apenas verbalmente, mudou o ter-reno da luta de classes e quando a burguesia e obrigada

(*) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 10-2-1921.( 1) 0 projecto de lei giolittiano constitufa a manutencao

do empenho tornado pelo presidente do Conselho no compromissoestabelecido pan fazer cessar a ocupacão das fibricas. 0 pro-jecto de controlo sindical da producito permaneceu depois letramorta e nunca chegou a transformar-se em lei.

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a fazer concessdes no novo terreno e criar novos esta-tutos juridicos, tern o valor demonstrativo e real de umafraqueza organics da classe dominante.

Admitir que o poder de iniciativa na inthistria possasofter limitacOes, admitir que a autocracia industrialpossa tornar-se ‘ dernocraciax., mesmo formal, signific,aadmitir que a burguesia desceu efectivamente da postcaohistOric-a 'de classe dirigente, significa admitir que a bur-guesia é efectivamente incapaz de garantir as massaspopulares as condicOes de existéncia e de desenvolvimen-to. Para aliviar pelo menos uma parte das suas respon-sabilidades, pars criar urn alibi, a burguesia deixa-setcontrolan, finge que se deixa pOr sob tutela. Seriadeoerbo muito dtil para as intuitos da conservacao bur-guesa que urn fiador oomo o proletariado assumisse pe-rante as grandes massas populares a tarefa de testemu-nhar qua da ruin econOmica actual alto se pode culparningueM mas que o clever universal e o de sofrer pacien-temente, trabalhar ternazmemte, espers.ardo que as actuaisfracturas sejam consolidadas e que um novo edificio sejaconstruido sabre as actuais ruins.

0 camp() do controlo results, portanto, o campo sabreo qual lutam a burguesia e o proletariado para disputa-rem a posicao de classe dirigente Bas grandes massaspopulares. 0 campo de controlo results, pois, o funda-ment° sabre a qual a classe operdria, tendo conquirstadoa confianca e o consenso das grandes massas populares,constrOi o seu Estado, organiza as instituiches do seugovern°, chamado a tomar parte nele todas as classesopnmidas e exploradas, e inicia o trabalho positivo deorganizacao do novo sistema econOmico e social. Atravesda luta pelo controlo (luta que mac se desenvolve no Par-lamento mas que e huts revolucionaria de massas e acti-vidade de 'propaganda e de organizacao do partido histO-nco des classe oparara, o Partido Coanunista), a classeoperdria deve conquistar, espiritualmente e como orga-anzacao,.consciencia na sua autonomia e da sus persona-lidade InstOnca. Eis por que a prianeira fuse da luta seapresentare. como luta para uma determinada forma deorganizacao. Este forum de organizacao s6 pode ser oConselho de fabrica e a organiza40, centralizada nacio-nalmente, do Conselho de fabrica. Eats luta deve ter

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como resultado a constituicao de urn conselho nationalda classe operdria que seja eleito, em todos osseus graus, do Conselho de fabrica ao Conselhourban, ao 'C,onselho national, corn sistemas e se-gundo urn process° fixados pela prepria classe opera-ria, nao pelo Parlamento National, ado pelo poderburgues. Este luta deve ser conduzida sentido dedemonstrar as grandes massas des populacao que todosos problemas existenciais do actual period° histOrico, osproblemas do peso, do tecto, da luz, do vestir, so podemser resolvidos quando todo o poder econOmico e, por-tant°, todo o poder politico, passar pars as maos daclasse operaria, isto e, deve ser conduzida no sentido deorganizar a volta da classe operaria todas as forcas popu-lares em revolts contra o regime capitalists, pars obterque a classe operaria se tome efectivamente classe diri-genie e guie todas as forcas produtirvas no sentido daemancipa0o atraves da actuacdo do programa comu-nista. Este luta dove servir pars colocar a classe ope-raria em grau de escolher, na sua organizacao, as ele-mentos mais capazes e enerigas pan seus novasdirigentes industrials, os seus novas guias no trabalhode reconstrucao econemica.

Deste ponto de vista, o project° de lei apresentadopor Giolitti a Camara dos deputados represents so urnmeio de agitacao e de propaganda. Assim deve ser exa-minado pelos comunistas, pars os quais, alem de nil°ser um ponto de chegada, nem sequer e urn ponto departida e de apoio.

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A PALAVRA DE ORDEM (•)

0 Partido Comunista lancou a sua palavra de or-dem ('). E a palavra de ordem da sabedoria revolucio-naria. A partir deste momento, o Partido Comunistapi:Se-se realmente a cabeca da classe operaria italiana por-que da uma orientacao a classe operaria, porque demons-tra ter capacidade politica e a forca moral necessariaspara merecer a confianca das massas. 0 partido pOe-seno terreno da sinceridade e da verdade. 0 partido sabeque representa neste momento, para alem dos interessesdo proletariado italiano, os interesses do proletariadointernacional, a sorte da revolucao mundial. Os opera-ries devem recordar neste momento qual e o quadro dasituacdo international. A Alianca prepara uma ofensivaprimaveril contra a RUssia dos Sovietes: a base militarpara a ofensiva e a peninsula balcanica.

A Italia e a ponte entre a Alianca reaccionaria e apeninsula balcanica: a posicao de potencia do proleta-riado italiano e o maxim° obstâculo a preparacao da

(*) Näo assinado, L'Ordine Nuevo, 2-3-1921.( I ) Trata-se de urn apelo do Partido Comunista e da Fede-

ragdo Juvenil Comunista aos trabalhadores italianos, a seguirao assassinio de Spartaco Lavagnini, em que, entre outras coi-sas, se dizia: «A palavra de ordem do Partido Comunista e, pois,a de aceitar a luta no pr6prio terreno da burguesia...; e a de res-ponder corn a preparacito a preparacio, corn a organizagdoorganizacio, corn o enquadramento ao enquadramento, corn a dis-ciplina a disciplina, corn a lona it lona, corn as arenas Isarmas.»

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ofensiva e ao seu desenvolvimento. Se o proletariado ita-liano nlio mantem esta posicilo, se o proletariado italianonao tern a maxima ecmfaanca no organismo politico dec19 •4 0..e que esta ligado A Internacional, que é o olhar vigi-lante e pronto da Internacional em Italia, Mao ester so emjogo a aorta do proletariado italiano, ester em jogo tam-bem a some da Rüssia dos Sovietes e da revolucflo mun-dial. Mao e, por isso, esta a hors da demagogia e daspalavras retumbantes: e a hors das frias responsabili-da,des de quem dirige, é a hors da ilimitada confiancadas massas no organismo qualificado, pals sua posicAonational e international, pars dirigir as massas na tre-mends situacão que se criou em Italia. Cada operarioque tenha consciencia dos seus deveres de classe, cadsoperariado de fabrics, cads organizaCao sindical, devem,neste momento, dar aos seus representantes e aos seusldelegados esta ordem precisa e nitida: disciplina deferro em relacao as deliberaCoe" s do Partido Comunista,vote de confianca a Internacional Comunista que guiouate A viteria e ate a liberdade o proletariado russo edirige com pulso firme e olhar seguro a revoluclio mun-dial.

FUNCIONALISMO (*)

Terminou o Congresso Confederal de Livorno (1).Nenhuma palavra nova, nenhuma orientacAo transpiroudeste congresso. As gran.des massas populares italianasesperaram em vao que as oriantassem, esperaram emvat) uma palavra de ordem que as iluminasse, que con-seguisse acalmar o seu espasmo e dar uma forma a suapaixão. 0 congresso nao apresentou e nä° resolveu se-quer urn dos problemas vitals para o proletariado noactual period° histerico: nem o problema da emigraglio,nem o problema do desemprego, nem o problema das re-lacOes entre operarios e camponeses, nem o problems dasinstituicOes qua possam conter melhor o desenvolvimen-to da luta de classes, nem o problema da defes-a materialdos edificios de classe e da integridade pessoal dos mill-tantes operarios. A Unica preocupaci.o da maioria docongresso foi a de salvaguardar e garantir a posicAo e opoder politico dos actuais dirigentes sindicais, de salva-guardar e garantir a posicao e o poder (poder impoten-te) do Partido Socialista (2).

(*) Nao assinado, L'Ordine Nuevo, 4-3-1921.( 2 ) 0 V Congresso da CGL (26 de Fevereiro — 3 de Marco)

aprovou o relatOrio do comitO directivo corn 1 435 873 votes,enquanto a mocäo comunista obteve 432 564 votes. No Ultimo diavotou-se a separagio da Internacional sindical (reformista) deAmesterdao, desde que se chegasse a urn acordo corn a Interna-cional sindical verrnelha, de Moscovo.

( 2) A mocdo comunista, recusada, pedia, entre outras coi-sas, que se denunciasse o «pacto de aliancan corn o Partido Soda-lista.

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A nossa luta contra o funcionalismo sindical nAo po-dia ser m olhor justificada. Em muitas regiCes de Italia,a multidão dos trabalhadores vieram pars a rua paradefender o seu elementar direito a vida, a liberdade dese moverem nas estradas, a liberdade de se associarem, dese reunirem, de terem os sous locais de reuniao. 0 cam-po da luta tornou-se rapidamente trdgico: locos de in-cendio, tiros, fogo de metralhadoras, dezenas e dezenasde mortos. A maioria do congress° nat. ° se comoveu cornestes acontecimentos; a tragedia das multi/dies de popu-lares que desesperadamente se defendiam de inimigosimplaceseis e crueis ndo foi capaz de tornar seria, de in-fundir o sentido das suss responsabilidades histericas aesta maioria formada por homens de c,oracao arid° e decerebro dissecado. Estes homens deixaram de viver pelaluta de classes, deixaram •de sentir as mesmas paixOes, osmesmos desejos, as mesmas esperancas des massas: en-tre eles e as massas cavou-se urn enorme abismo, o Unicocontacto entre eles e as massas e o registo de contaig

o ficheiro dos sOcios. Estes homens deixaram de verinimigo rat burguesia, veem-no nos comunistas; tem

medo da conc,orrencia, de dirigentes passaram a banquei-ros de homens em regime de monopOlio e o minimo sinalde concorrencia torna-os loucos de terror e de desespero.

0 Congresso Confederal de Livorno foi para nes umaexpariencia formidavel; o nosso pessimismo foi superadopor esta experiencia. N6s, os de Ordine Nuovo, vimossempre no problems sindical, no problems da organiza-ca. ° das granides massas, no problems da escolha do pes-seal dirigente desta organizacao, o problems central domovimento revolucionario moderno; nunca porem, comohoje, sentimos toda a gravidade e extensäo do problems,nunca, como hoje, sentimos toda a gangrena que correi

movimento. Os artigos de Ordine Nuovo foram lidosno Congresso, anotados, comentados, encheram a salade clamores e de tumultos: e todavia estes artigos nä°diziam sequer a decima parte do nosso juizo pessimistsacerca da insuficiencia dos homens e das institaigOes. Etodavia este juizo agravou-se Rinds mais depois do con-gresso. Sim, porque enquanto os operarios ss batiam nasruse e nas pracas, enquanto as chamas enchiam de ter-ror as populacOes e as induziam ao desespero individual

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e as mais espantosas represalias, na p poderiamos con-.ceber quo os chamados delegados destas massas popula-res se perdessem nas baixezas mais pantanosas e miss-maticas da luta pessoal; as multidOes esgotavam-se nasruns a nas pracas, entravam em °ens os canhOes e asmetralhadoras, e estes dirigentes, estes chefes, oathsfutures administradores da sociedade endoideciam e es-pumavam por um artigo de jornal, por uma coluna, porurn titulo. E queriam convencer-nos eles que tomes pro-cedido mal, que oometemos urn erro separando-nos doles;e queriam convencer-nos que somos os levianos, os irres-ponsaveis, que somos os «milagreiros», qua näo somascapazes de compreender e pesar as dificuldades das si-tuacees histOricas e dos movimentos revolucionarios.E queriam que n6s nos persuadissemos que neles se rea-liza a sabedoria, a competencia, a teethes, o born senso,a capacidade politica e administrativa acumulada poloproletariado na sua luta e nas suss experiencias hist6-ricas de classe. Passemos a frente... 0 Congresso Confe-deral reabilita o Parlamanto, reabilita as piores assem-bleias das classes que no passado se revelaram maiscorruptss e putrefactas.

Aumentou o nosso pessimismo, nag diminuiu a nossavontade. Os funcionarios nao representam as massas.Os Estados absolutos eram precisamente os Estados dosfuncionarios, os Estados da burocracia: nA,o represents-yam as populacees e foram substituidos poles Estadosparlamentares. A ConfederacLo represents, no desen-volvimento histOrico do proletariado, o que o Estado ab-solute representou no desenvolvimento histOrico das clas-ses burguesas; sera substituida pela arganizagilo dosConselhos, que sao os parlamentos operarios, que tema funcäo de corroer os sedimentos burocraticos e detransformar as velhas relacOas organizativas. Aumen-tou o nosso pessimismo mas a sempre viva e actual anossa pessimismo da inteligância, opthnismo davontade (3).

(3 ) A maxima de Romain Rolland (de inspiracäo pascaliana)assumida e evocada, mais do que uma vez, por Gramsci.

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DISCIPLINA (*)

No Congresso Confederal de Livorno, o Partido So-eialista obteve a maioria dos sufrAgios dos operdrios ita-lianos organizados. A Confederacäo Geral do Trabalhodeve ser hoje considerada como urn organismo socialis-ta, que recebe o impulse e esti ligada a disciplina dopartido; de tudo o que faz bean feito a direccsao confede-ral, uma grande parte do merit° deve ser atribuida aoPartido Socialista, mas ao Partido Socialista deve seratribuida tambem, reciprocamente, uma grande partede responsabilidade pela inaccAo e pales erros da direc-gfie confederal.

Desde o Congress° de Livorno at hoje, a crise indus-trial foi-se agudizando. A ameaca de urn lock-out geralapresenta-se ca.da vez mais nitidamente no horizonteproletario. Que palavra de ordem entendem a Confede-raCao e o Partido Socialista lancar aos operaticse aos camponeses? Que acclo entendem desen-volver? Como devem comportar-se as CAmaras de traba-lhe e cads uma des ligas perante a crise? 0 que devemdiner as dirigentes locals as massas dos desempregadosque tem fame, que ja nao podem recorrer ao credit°, quen-ao podem esperar mais?

A maioria socialists insistiu em Livorno sobre a ne-cessidade da disciplina sindical. Muito bem. Mas a quepalavra de ardent se dove ser disciplirrado no movimento

• Nä° assinado, L'Ordine Nuovo, 19-3-1921.

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sindical? Este 6 o ponto sobre o qual se pedem esclare-eimentos e precisOes. Neste ponto devem insistir quoti-dianamente os camaradas comunistas nas cameras dotrabalho, nas ligas, nas f6bricas E necessario pOr osdirigentes perante bodes as sues responsabilidades,necessario obrigar os dirigentes a assumirem estas res-ponsabilidades perante as masses.

A Confederacdo Geral do Trabalho e o Estado dosoperdrios em regime burgu&s. Neste Estado, o governesti nas Mdos dos socialistas: sobre o govern() axle-lista pesam as responsabdlidades do p5o, da case, do yes-tir, de que os operarios e as families dos operarios remnecessidade pan a sua existência elementar. 0 que fazeste governo para assegurar a existencia elementar aosseus stibditos? Este governo quer evitar a guerra (aguerra civil) e pareoe que se preocupa apenab em evitara guerra. 2 urn meted°. Os comunistas rao creenn queseja o móbodo melhor; os comunistas cream que a guer-ra e inevitavel e proelamam que bodes as energies doproletariado e dos camponeses pobres devem ser mobili-zadas para resistir ao ehoque e sairem vitoriosas deluta. Mas come desenvolvam o seu raked° os socialistasque estto na direceto confederal ern name e por contado Partido Socialista? Afirmam-no mas rate o desenvol-vem. Limitam-se a ndo assumirem responsabilidades,limitam-se a faze ouvidos de mercador aos lamentosdas masses que sofrem cruelmente e ja nal° sae capazesde resistir a pressto du fome. E tnecesserio, portanto,que os dirigentes sejam °brigades a pronunciarem-se,sejam °brigades a assumirem toda a responsabilidadede urn governo legitimo que ester no poder porque obtevea grande matoria dos sufrigios sindieais.

Os comunistas não concederao tregua ao Partido So-cialista que declarou ser perfeitamente disciplined° ecentralizado e 6, portanto, responsavel integralmente doque fazem e do que rale fazem todos os seus inscritos.0 problema do desemprego 6 urn problema national, sopode ser afrontado nacionalmente, corn uma aced° deoonjunto, coordernada. A Oonfethereeto 6 a Central domovimento operario italdano; deve direr aberta e clara-mente o que aconselha que se fata ou que se nto face.E justo que o movimento sindical esteja perfeitamente

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disciplinado. Mas discipline subentende programa de ac-cao, subentende uma coneepcao geral do memento que seatravessa, subentende uma previsto do desenvolvimen-to dos factos. Qual e o programa de met°, qual 6 a Don-cepeao geral, quais sae as previs5es dos homes que amaioria dos operarios italianos organizados investiu nopoder supremo, investiu nas responsabilidades de supe-rentender nos Trials vitals interesses das grandes masses

populares?

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OS COMUNISTAS E AS ELEICOES (*)

O Partido Comunista e o partido politico, historica-mente determinado, da classe operaria revolucionaria.

A classe operaria nasceu e organizou-se no terrenoda democracia burguesa, nos quadros do regime oonsti-tucional e parlamentar. Ligado a sorte da grande hulas-tria moderna, corn as suas grandees oficinas e as suascidades imensas, formigueiros de multidees diversas ecaOticas, a classe operaria so lentamente, e atraves dasmais crueis experiencias e das mais amargas desiluthes,tomou consciencia da sua unidade e dos seus destinosde classe.

Eis por que, nas varias fases do seu desenvolvimento,a classe operdria tern apoiado os partidos politicos maisdiversos. Comecou por apoiar os partidos liberals, istoe, uniu-se a burguesia citadina e lutou para aniquilar osresiduos do feudalismo econOmico nos campos; a bur-guesia industrial conseguiu assim dividir o monopeliodos viveres, introduziu tambem nos campos urn pouco deliberalismo econemico, fazer baixar o custo da vida, mastoda esta accao se revelou desastrosa para a classe ope-raria que viu baixar a media dos seus salaries. A classeoperaria, num segundo periodo, apoiou os partidos de-mocralticos pequeno-burgueses e lutou para alargar osquadros do Estado burgues, para introduzir novas ins-tituicaes, para desenvolver as instituic5es existentes

(*) Nao assinado, L'Ordixe Nuevo, 12-4-1921.

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r

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Foi enganada uma segunda vez; todo o novo pessoal diri-gente, que se tinha formado nesta luta, passou-se cornarmas e bagagens pan o campo da burguesia, renovoua antiga classe dominants, forneceu os novas ministrcse os novas grandes funciondrios ao Estado parlamentarburocratico. 0 Estado nem sequer se transformou; con-tinuou a viver nos limibes fixados pelo Estatuto «alber-tino• (**), nenhuma liberdade efectiva foi conquistadapelo povo; a Coroa oontinuou a ser o Unice poder realda sociedade italiana, visto que, atraves do governo, con-tinuou a ter submetidos ao seu querer a magistratura,o Parlament°, a forgo, armada do pais.

Corn a criacao do Partido Comunista, a classe ope-ra-Ha rompe todas as tradigees e afirma a sua maturi-dade politica. A classe operaria ja nao quer colaborarcorn as outras classes para o desenvolvimento ou a trans-formacao do Estado parlamentar burocratico: quer tra-balhar positivamearte pars o seu desemvolvimento auto-nomo de classe; pee a sua candidatura como classedirigente e afirma poder exercer esta funcao" histerica sonum ambiente instirtuclimal diferente do actual, numnovo sistema estatal e nao nos quadros do Estado parla-mentar burocrâtico.

Corn a criacão do Partido Comunista, a classe ape-riria apresenta-se na luta politica como iniciadora, comoguia, ja, nao como massa de manobra guiada e dirigidapelo estado-maior de uma outra classe social. A classeoperaria quer governar o pais, afirma ser a Unica classecapaz de resolver, cam os seus meios e as suas institui-gees nacionais e internacionais, os problemas prementesda situacão hist6rica geral. Quais silo as forcas reais dacla use operaria? Quantos sao, em Italia, os proletariosque consquistaram exacta consciencia da missao histOri-ca prOpria da sua classe? Que influOncia tem o PartidoComunista na sociedade italiana? Na confusao, no capsactual, existem je, as grandes linhas da nova configura-0.° histOrica? Neste continuo desintegrar-se e reinte-grar-se, decompor-se e recompor-se das forcas sociais,

(") Referencia a primeira constituicio do reino de Italia,promulgada por Carlos Alberto. — (N. do T.)

das classes e dos estratos da populacao italiana, consti-tuiu-se ja urn no primordial, compacto e sOlido, perma-nenteanente fiel as ideias e aos programas da Internacio-nal Comunista e da revolucao mondial, a volta do qualpossa advir a nova e definitiva organizacao politica, degoverno, da classe operaria?

Eis as perguntas que encontrarao tons resposta naseleigOes. Para ter uma resposta positives, concretes, his-toricamente cantrolavel e document:9yd, o Partido Co-munista apresenta-se as eleicOes. 0 Partido Comunista,no alinhamento das forcas sociais que sera detenninadopelos programas eledtoriais, quer identificar as suas fi-leiras, quer contar os seus electives. Esta a uma fasenecessaria do processo histerico que deve conduzir aditadura do proletariado, a fungäo do Estado operario.As eleicees sao, para os comunistas, uma das tantas for-mas de organizacao politica prOprias da sociedade mo-derna. 0 partido 6 a superior forma organizativa; osindicato e o Conselho de fabrics sao formas organiza-tivas intermedia,s em que se enquadram as proletasiosmais conscientes para a luta quotidiana contra o capital,em que o enquadramento tem lugar numa plataforma decardcter sindical. Nas eleicees, as massas pronunciam--se pars o supremo fim politico, para a forma do Estado,para a afirmacao da classe operaria come classe dirigen-te. 0 Partido Comunista e essencialmente o partido doproletariado revolucionacrio, isto 6, dos operatios agrega-dos a indfistria urbana, mas ele nao pods alcancar ameta sem o apoio e o consenso de outros sectores, doscamponeses pobres e do proletariado intelectual. Eis aafirmacao de principio: qual a hoje a forges expansivado proletariado revolucionario? Quartos sao os elemen-tos das outras classes trabalhadoras que reconhecem noproletariado a futura classe dirigente e que a partir dehoje, nao obstante a situacao caOtica, nao obstante asdesilusees sofridas, nap obstante o terrorismo que a reac-gao exerce, entendem apoia-lo no seu esforco de organi-zacao e de enquadramento? 0 Partido Comunista naotern ilusoes quanto aos resultados, tanto mais quedemonstrou querer abandonar os sistemas demagOgicosda feira corn que o Partido Socialists aconquistava gen-ta» no passado. Mos quarto mais a populacão italiana

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ester mergulhada no caos e na desorientaCao, quanto maistrabalharam e oontinuam a trabalhar as forgas dis-solventes do passado alinhamento de forgas revoluciona-rias, mais parece evidente a necessidade de provocar urnnovo alinhamento de fieis e leafs soldados da revolunomundial e do comunismo. 0 seu valor &ramie° e expan-sivo revelar-se-ii tanto major quanto mais a situagãoconfusa e escassos sào os meios do novo partido que seapresenta no campo da politica geral italiana.

REACCAO? (t)

Num °merit:irk) ao programa eleitoral do PartidoSocialista, publicada pela Critica sociale ( 1 ), FilippoTurati afirma acidentalmente que nenhuma das passadasreacOes teve o catheter desta que hoje se abate sobre asclasses trabalhadoras. Turati entende, porem, so corn apalavra «catheter», estabelecer uma diferenca quantita-tiva, nao uma diferenca qualitativa entre o passado e opresente: espera pela XXVII legislatura, ester persuadi-do que a crise actual e ainda resolOvel no ambito parla-mentar, ester persuadido que a estas eleiceies sucederão,dentro em breve, outras eleiches e entio tudo se recom-pOe no melhor dos modos possiveis. Para Turati, em su-ma, a burguesia continuard a sera classe dominanteainda por muitas dezenas de anos e o regime parlamentarcontinuath a ser o melhor, o mais perfeito dos regimespopulares, o sisteana garantido path dar a felicidade aositalianos: ao proletariado nao rests mais do que esperar,corn calms, corn confianca, passivamente; ao PartidoSocialista nao resta mais do que tornar-se um ramo pro-letario da Cruz Vermelha.

A questão de saber se o periodo actual é de conside-rar-se «reacciondrio» torna-se assim o panto central der

(*) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 23-4-1921.( 1) La pregiudiziale at programma, XXXI, n.° 8, 16-30 de

Abril de 1921.

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polOmica entre revolncionarios e reformistas, entre comu-nistas e socialistas. Pelas solucees diversas que se dao aoproblems depende toda a onentacao a imprimir ao mo-vimento proletario, dependem todas as questhes de tac-tics e de organizacao dos partidos revolucionarios (6 oPartido Socialista urn particle revolucionario? Tern aindaa maioria no Partido Socialists os comunistas unithriosque prete•diam ficar no terreno das teses da Internacio-nal Comunista?).

Os comunistas negam que o periodo actual seja deconsider-tar-se «reaccionario. sustentam, pelo contrario,que o complexo dos acontecirnentos em curs° 6 a clecom-posicao msis vistosa e abundante da definitiva clecompo-ski.° do regime burgues. Esta tese fundamenta-se na ex-periencia politica mais comum, nas prOprias doutrinasdos humans de Estado da burguesia.

A reaccao a caracterizada por uma forma de organi-zacao estatal igual a organizacao estatal revoluciondria:pela concentracio do poder num Unica organismo politi-co. Nos periodos de rent-0o o Estado consents a suafuncionalidade governativa, o periodo reacciondrio 6 pre-cisamente o periodo de mais aguda e espa.smOdica funcio-nalidade governativa, de militarizagão de todos os 6rgaosdo Estado, de extrema concentracao, de inflexivel dis-ciplina das hierarquias inferiores em relacao as superio-res ou em relacäo a um que se apresenta ditatorialmentea toda a estrutura organizativa da sociedade. A diferen-ca entre rea,ccao e revolucao a apenas esta: a reaccaoconcentra 0 poder do Estado para restaurar a autoridadeburguesa, para soldar o conjunto enfraquecido da estru-tura hierarquica da sociedade capitalists; a revolucaousa a mesmo instrumento pars afirmar a autoridadeprolethria, para construir urns nova estrutura social naohierarquica mas igualitaxia diferenca fundamental, evi-dentementh, e que explica como a burguesia aceita dareaccao ate as mediidas coercitivas que transitoriamentelimitam a sua liberdade, do mesmo mock) que o proleta-riado aceita da revolucao o peso e a coercao que entendeser necessasio suportar transitoriamente pan actuar osfins permanentes da sua emancipacao.

Em Italia, nao existe hoje uma concentracao dospoderes nas maos do governo e de Giolitti. Em

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verifica-se a dissolucao de toda a estrutura do regime.0 govern nao funciona, o Parlamento nao funciona por-que o Estado ester em completa decomposicao, porque amagistratura, a hierarquia militar, a policia e a buro-cracia ja nao obedecern ao seu centro natural, ao governopolitico, mas Sao controladas arbitraria e eaoticamentepro grupos privados, incapazes de organizar-se comonova classe dominante e de exprimir do interior destaorganizacao urn govern prOprio e regular.

A crise geral italiana a crise das classes mOdias,crise do principio de autoridade nos comandos sociaissubalternos que constituem precisamente o maxim° daestrutura burguesa do Estado. Como poderia o Parla-mento saner uma crise semelhante? De que fonte poderiaextrair a forca necessaria para se impor, ipars restauraro espirito hierarquico? Nao certamente do capitalism°que e a razao de ser da crise porque ja, nao conseguedominar as largos produtivas, porque ja demonstrou serincapaz de assegurar a sociedade os meios de subsisten-cia e de desenvolvimento. S6 o proletariado pode dar aforca necessaria pars restaurar uma ordem elementar,uma seguranca pUblica, uma justica, urns militia dis-ciplinada para a governo: mas e de considerar que oproletariado nao darn, a sua forca ao Parlamento e, mes-mo que o quisesse, nao poderia restaurar o regime par-lamentar.

0 Parlamento e urns superstrutura do Estado; 6preciso, em vez dele, construir uma nova estrutura,preciso criar uma nova organizacao militar, judicial,burocratica, de policia, corn meios proletarios, corn pes-soal proletirio corn urn metodo novo de rocrutamentobaseado na elegibilidade e nag) na carreira e no orgamico;6 preciso fundar urn novo Estado que seja revolucio-mario no sentido de dirigir todos os poderes conquistadospelo povo em armas para a reorganizacao das forcasprodntivas desbaratadas pelo capitalisano.

Os reformistas, sustentando a tese de que o periodoactual 6 de «reaccao», alem de +Jaren uma outra demons-tracao da sua absoluta cegueira politica •devida a cretini-ce parlamentar, demonstram querer consumar urns alta

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traicao em prejuizo da classe operaria. Desta traicao haja urn amincio no artigo de Turati:

A CA,mara que saira desta tropa nao sera a Ca-mara italiana. Este é morta antes de nascer. Quereformas poderiamos esperar dela? 0 Unico cleverdos que conseguissem escaper a ameaca e a devas-tacao e &cancer Montecitorio, seria o de se coliga-rem entre si e corn o diabo para derrubar o minis-terio que se manchou corn o delito inexpiavel e o dedecepar, o mais depressa possivel, a vide a umaassembleia emersa pelo terror e pelo sangue. Sethtambem a obra mais sabiamente conservadora queposse ser feita por eles: porque provavelmenteeonseguirci afastar do pais as vingangas ferozes, queinfalivelmente amadurecem hoje nos eampos inf es-tados.

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FORCAS ELEMENTARES (*)

Numa entrevista ao correspondente do Temps, Gio-litti declarou solenamente querer que a ordem seja res-tabelecida a todo o custo. Foram convocados pelo gover-no o general dos carabineiros, o comandante da guardsreal, o chefe do estado-maior e todos os comandantesdo corpo do exercito: dicutiu-se, prover-se-a. Corn quemeios? Entre que limites? E possivel que o governo, mes-mo que o queira, posse prover? As circulares e as convo-cagOes do govern() sucedem-se as ordens, as reclamacOes,as excomunhOes das autoridades fascistas, tambêm elasseriamente preocupadas pelo aspecto que assumem osacontecimentos e os inevitiveis contragolpes: mas tam-ben/ estas autoridades, por muito «respeitadas e tenni-des» que sejam, Mao parecem conseguir muita obedien-cia nos ramos e nas files dos seus partidarios. ComoMao existe urn Estado politico, como ja nao existe eoesaomoral e discipliner nos organismos e entre os individuosque constituem a maquina estatal, tambem nao existeuma coesao e uma discipline •em sequer na «organize-cao» fascista, no Estado oficioso que dispOe a seu bel--prazer da vide e dos bens da nacâo italiana. Tornou-seja evidente que o fascismo s6 pode ser assumido par-cialmente como fen6meno de classe, como movimento deforcas politicas conscientes de urn fim real: ele inundoue rompeu qualquer possivel quadro organizativo, 4 su-

( It ) Nao assinado, L'Ordine Nuevo, 26-4-1921.

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perior as vontades e aos propOsitos de cada comitá cen-tral ou regional, tornou-se urn desencadear de forgaselementares intravaveis no sistema burguas de Governoeconamico e politico; o fascismo 6 o Dome da profundadecomposigao da sociedade italiana, que nao podia dei-xar de ser seguido pela profunda decomposicao do Esta-do, e hoje s6 pode ser explicado tendo em consideragao

baixo nivel de civilizagao que a nagao italiana pOdealcangar nestes sessenta anos de administragao unitária.

0 fascismo apresentou-se corno o antipartido, abriuas portas a todos os candidatos, encontrou o modo, corna sua promessa de impunidade, de uma multidao incaracteristica cobrir corn urn verniz de idealidades politd-cas, vagas e nebulosas, o transbordar selvagean das pai-xOes, dos adios, das ambigOes. 0 fascismo tornou-seassim urn facto de costume, identificou-se corn a psico-logia barbara e anti-social de alguns estratos do povoitaliano, ainda nao modificados por uma tradigao nova,pela escola, pela conviven,cia num Estado bean ordenado

bem administrado. Para compreender todo o significa-do destas afirmagOes, basta recordar: que a Italia tinha

primado dos homicidios e dos excidios; que a Italia 6pais onde as maes educam os filhos corn golpes de

tamancos na cabega, 6 o pais onde as geracties jovens siomenos respeitadas e protegidas; que ern algumas regiOesitalianas parecia natural, ate ha alguns anos, por oaga,mo aos vindimadores pan que nao comessem as uvas;que em algumas regiOes os proprietarios fechavamchave, nos estabulos, os seus dependentes regressadosdo trabalho, para impedir as reunioes e a frequencia dasescolas nocturnas.

A luta de classes assumiu sempre, ern Italia, um ca-racter muito Asper° por esta irnaturidade thumana) dealguns estratos da populaglio. A crueldade e a ausenciade simpatia sa° dois aspectos peculiares do povo italianoque passa do sentimentalism° pueril a ferocidade maisbrutal e sanguinaria, da ira passional a fria contempla-cao do mal dos outros. Sabre este terreno semibarbaro,que o Estado, ainda dein e incerto nas suas organizagBesmais vitais, corn dificuldade oonseguiu lentamente culti-var, pululam hoje, depois da decomposiCao do Estado,todos os miasmas. Ha muito de verdade na afirrnaclo

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dos jornais fascistas quando dizem que nem todos os quese intitulam fascistas e operam ern nome dos cfascios•pertencem a organizagao: mas que dizer duma organi-zagao cujo simbolo pode ser usado pan, cobrir acgOesda natureza daquelas que quotidianamente conspurcama Italia? A afirmagao, por outro lado, da aos aconteci-mentos urn catheter muito mais grave e decisivo do quedesejariam dar-Ihe os jonaalistas dos jornais burgueses.Quern podera trava-los se o Estado 6 incapaz e as orga-nizagOes privadas se mostram impote,ntes?

E eis justificada a tese comunista de que o fascis-mo, corno fenOmeno geral, corno flagelo que supera avontade e os meios disciplinares dos seus exponentes,corn as suas violencias, corn os seus arbitrios monstruo-sos, corn as suas tao sistematicas corno irracionais des-truigOes, s6 pode ser extirpado por um novo poder deEstado, por um Estado frestaurado* corno entendem oscomunistas, isto 6, por um Estado cujo poder esteja nasMaas do proletariado, a Unica classe capaz de organi-zar a producao e, portanto, todas as relacOes sociais quedependem das relagees de produgao.

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HOMENS DE CARNE E OSSO (*)

Os ioperdrios da Fiat voltaren ao trabalho ( 1 ). Trai-cao? Renegacdo dos ideais revolueiondrios? Os operdriosda Fiat sdo hornet's de came e osso. Resistiram duranteurn mas. Sabiam que lutavam e resistiam nao apenaspor si, nao apenas pela restante massa operaria de Turimmas por toda a classe operiria italiana. Resistiram du-rante urn mas. Estavam fisieamente extenuados porqueha muitas semanas e muitas mesas que os seus salariostinham sido reduzidos e nao eram suficientes ao susten-to familiar e, todavia, resistiram durante um mas. Esta-vam completaanente isolados na naedo, imersos numambiente geral de fadiga, de Mdiferenca, de hostilidadee, todavia, resistiram durante urn mas. Sabiam que naopodiam esperar qualquer ajuda ide fora: sabiam queclasse operdria italiana tinham sido cortados os ten-does, sabiam que estavam condenados a derrota e, toda-via, resistiram por urn mas. Nä° ha desonra na derrotados operdrios da Fiat. Nio se pode pedir a uma massa

(*) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 8-5-1921.Q) Nos fins de Margo, a Fiat e outras empresas de Turim,

despediram milhares de operarios. Em seguimento a resistènciados trabalhadores, a direccio da Fiat proclamou o lock-out dassuas fibricas, em 5 de Abril. As oficinas foram ocupadas peloczar-eft°. Os dirigentes sindicais procuraram urn compromisso ea readmissäo dos despedidos, mas sem resultado. As fabricas rea-briram em 25 de Abril, sem restriefies por parte da FIOM,com base na chamada individual ao trabalho dos nao despedidos,por parte da direccao.

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de homens que 6 agredida pelas mais duras necessidadesde subsistencia, que tem a respcmsabilidade pela exis-tencia de uma populagao de 40 000 pessoas, nao se podepedir mats do que deram estes camaradas que vol-taram ao trabalho corn tristeza, amarguradamente, cons-cientes da imediata impossibilidade de resistir por maistempo ou de reagir.

Especialmente nes, comunistas, que vivemos lado alado corn os operarios, dos quais conhecemos as feces-sidades, que da situacao ternos uma conc,epcao realists,devemos compreender o porque desta conclusao da lutade Turim. Ha muitos anos que as massas lutam, ha, mui-tos anos que se esgotam em &Nees de pormenor, desba-ratando os seus meios e as suas energias. Foi esta acritica que desde Maio de 1919, nes os de Ordine Nuovo,fizemos incessantemente as Centrais do movimentooperazio e socialists: nao abusem demasiado da rests-tencia e da virtude de sa,crifIcio do proletariado; trata--se de homens, homens reais, submetidos as mesmas fra-quezas de todos os homens COMMIS que se vem passarnas ruas, beber nas tabernes, discorrer em circulo naspragas, que se carnsam, que tern fame e frio, que secomovem ao sentir chorar os seus filhos e lamentaramargamente as suss rnulheres. 0 nosso optimism° revo-lucionasio foi sempre substanciado por esta visa.° crua-manta pessimista da realidade humana, corn a qual, ine-xoravelmente, 6 preciso ajustar contas.

Ja em Abril de 1920, quando se desencadeou a pri-meira ofensiva contra o proletariado de Turim, nos pri-meiros dias do lock-out metaltirgico orasionado pelocast do relOgio, nes, os de Ordine Nuovo, enviamosseccao socialists de Turim o relaterio que devia ser apre-sentado ao Conselho Nacional do Partido Sorialista enotavamos:

«Os industriais e os proprietarios das terras realiza-ram a maxima cancentracao da disciplina e da potenciade classe: uma palavra de ordem lancada pela Confede-race.° Gera) da IndOstria Italiana encontra imediataactuaclo em cada uma das ffibricas. 0 Estado burguescriou um corpo armado mercenario predisposto a funcio-nar comp instrumento executivo da vontade desta novaforte organizacao da noose propriethria, que tende a

restaurar, atraves do lock-out aplicado em larga escalae do terrorismo, o seu poder sabre os meios de produclo,obrigando os operarios e os camponeses a deixarem-seexpropriar por uma multiplicada quantidade de traba-lho nao pago. 0 Ultimo lock-out nas fahricas metalOrg-i-c,as de Turim foi urn poise& desta vontade dos indus-triais de porem o calcanhar sabre a nuca da classeoperdria: os industriais aproveitaram a falta de coorde-nacao e de cancer/trace.° revolucionazia nas forcas opera-rias italianas pars tentarem despedacar a unidade doproletariado de Turim a aniquilar na consciência dosoperarios o prestigio e a autoridade das instituicOes defabrics (Conselhos e delegados de seccao) que tinhaminiciado a luta pelo control* operario. 0 prolongamentodas greves agricolas em Novarese e Lomellina demonstracorn° os proprietfirios das terras estao dispostas a aniqui-lar a produce.° para reduzir ao desespero e a fame oproletariado agricola e subjugi-lo implacavelmente asmais duras e humilhantes condicOes de trabalho e deexistencia.

«A fase actual da luta de classes em Italia 6 a seguin-te: ou a conquista do poder politico, por parte do prole-tariado revoluciondrio, pan a passagem a novas modosde producao e de distribuicio que perrnitam uma recu-peragao da produtividade; ou uma tremenda reaccilo porparte da classe proprietaria e da costa governativa. Nä°semi, transcurada nenhuma violéncia para sub jugar oproletariado industrial e agricola a um trabalho servil:procurarao despedacar inexoravelmente os organismosde luta politica da classe operaria (Partido Socialists) eincorporar os organismos de resistencia economics (ossindicatos e as cooperativas) nas engrenagens do Estadoburgués.) (2)

Ja urn ono antes tinhamos previsto que fim teriafatalmente a situacao italiana se os dirigentes response,-veis continuassem na sua tactica de confusao revolucio-naria e de pratica oportunista. E lutamos desesperada-mente para charnar estes responsaveis a uma visa° mais

(2) Cf. Para uma renovacdo do Pevrtido Sodalista, pp. 85-90do presente volume.

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real, a uma pratica mais consentanea a mais adequadacorn o desenvolvimento dos acontecimentos. Hoje sofre-mos o castigo, tamb6m vas, da in6pcia e cegueira dos ou-tros, tambOm o proletariado de Turim tern que aguentarhoje o choque do adversario, reforcado pela nao resis-tência dos outros. Wao ha desonra na rendiglo dos ope-ririos da Fiat. 0 que devia acontecer, aoonteceu im-placavelmente. A classe operaria italiana a nivelada sobo role compressor da reaccfio capitalista. Por quantatempo? Nada se perdeu se permanece intacta a cons-ciOncia e a f6, se se random os corpos man nao os espi-ritos. Os aperarios da Fiat lutarain corajosamente anose anos, banharam oom o seu Gangue as ruas, sofreram afome e o frio; ales permanecem, per este passado glo-ries% na vanguarda do proletariado italiano, permane-cem soldados fiefs a devotados da revolugAo. Fizeeramquanta 6 possivel fazer per homers de came e osso;tirernos o chapOu a sua humilhaga° porque ate essaqualquer coisa de grande que se impas aos homers sin-ceros a honestos.

SOCIALISTA 011 COMUNISTA? (*)

a pergunta fundamental, aquela perante a qualfica,rfio perplexes no prOximo domingo, andando as ur-nas, todos os operfirios. 0 que quer dizer para urn one-

para urn camponas, para urn empregado, para urnproletario ou para urn trabalhador de qualquer categoriacumprir este acto novo, dar o seu vote ao Partido Comu-nista? Antes de mais, este é urn acto novo e, ao dar ovote ao Partido Comunista, como a porque cumpre oproletazio urn acto diverso do que cumpria quando o seuvoto era dada a partidos de classe qua nao se intitula-yarn dente modo?

precise dizer que a consciencia de classe, desde quecomegou a formar-se nas grandes massas trabalhadoras,teve sempre originariamente, como seu conteUdo, o dese-jo duma libertaclo completa dos vinculos de escraviaoeconemica e civil que, na sociedade capitalista, amarramos que vivem do seu trabalho. Mesmo quando fazem umagrave para melhoria de horario, de salfirio, ou das condi-cOes de trabalho, os proletarios nao podern deixar desentir, no seu Anhui:), que tads a luta 6 iluminada poruma solucao final, per ulna fMalidade Ultima que nuncase podera alcancar corn nenhuma das lutas particulares,as quais se travam a se devem combater porque consti-tuem a prOpria vida da classe coma organism° de luta

(•) Não assinado, L'Ordine Nuovo, 13-5-1921, edicito ex-traordinftria.

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e de preparacao moral e material, mas nao esgotam a susfungio nem a actividade dos seus membros. 0 significadoda adagio e do vote dado ao Partido Comunista e precisoprocura-lo nas finalidades Ultimas ida luta de classes.

0 Partido Comunista pede aos operarios e ca,mpone-ses, pede aos proletariats de todas as categorias que re-flictam, ao votar, nos destinos supremos da sua classe,que pensean, antes de depor o voto na urna, qual podeser, no memento presente, o futuro que lhes esta reser-ved° e aos seus camaradas, qual cream, portanto, ser

seu precise clever.Creem os proletarios que a sua accao se pode esgotar

na luta de cada dia, pela defesa dos salaries e do horazio?Se craem nisso, 6 melhor nao it votar, ou entao votem

a5 pant mandar ao Parlamento gente que contrate comgovern quando não se pode contratar cam os indus-

trials, gente que se sirva da sua autoridade parlamentarpars fazer apor nos contratos sindicais uma assinaturade garantia dos govemantes do Estado burgu6s.

Créem os proletarios que, no memento actual, lhese posslvel continuar na via seguida nos primeiros 4113Ce-

nies da luta de classes, de recolher lentamente, gran agran, energias pan construir instituicaes de defesa doproletariado, pant arguer ao mesmo tempo organismos deadestramento das capacidades administrativas e tecni-cgs dos trabalhadores: cooperativas, bancos, reparticeesde emprego e per ai adiante? Se cream que into baste,mandem deputados ao Parlamento s6 pan defender estasinstituicäes, pars lhes criar, na Orbita do Estado bur-bu8s, uma possibilidade de existencia.

Créem os proletarios que a conquista de cada vezmajor mimero de lugares nos organismos do Estadoburgués constitui urn acrescimo elective das forgas edas capacidades da classe trabalhadora, uma conquistareal e concreta de poder per parte dela? Crêem que aviteria dos proletirios possa ser concebida coma resul-tants de uma conquista, por parte dos proletarios, deurna malaria de lugares no Parlamento burgues ou domajor Mauer° possivel de administracties locals?

Se créem nisto, mandem deputados ao Parlamentopars conseguirem, com um aumento do seu mimero, arevolucao e a libertagao.

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Creem os proletdrios que os organismos da classeburguesa podem servir como Orgaos de govern() mesmopara a classe proletaria, que podem servir pars darliberdade e justica aos trabalhadores, enquanto ate hojeso serviram para lhes dar escravidao e tormentos?

Se creem nisto, convidem os socialistas a falar claro,a ,declarar o fundo do seu pensamento, a dizer que vaopara o Parlamento para preparar a colaboragao coin osburgueses e cam o governo... proletario em Estado bur-gues; convidem expressamente os socialistas a colaborar

votem no Partido Socialista.Mas pensem os proletarios quais sae as condigOes

do momenta presente. Pensean que a guerra abriu amaior crise que a histOria recorda, crise que nao 6 dumgoverno ov dum Estado mas dum regime e dum mundo,do regime e do mundo dos patrOes.

Observem os proletarios coma desde que esta crise seabriu e quanta mais ela se torna aguda, tanto maisrevela que a tactica seguida nos atlas da paz e da tram-quilidade nao serve para nada no momenta actual.

Tudo o que outrora podia significar urn passo emfrente, cads accao que antigamente servia para garantirurn pouco de liberdade, para dar um pouco de justicaaos trabalhadores, hoje so serve para tornar a crise maisaguda, pars fazer enfurecer os inianigos, para suscitarreaccOes mais fortes, pant tornar mais Jura a vida emais aspera a batalha.

Cada aumento de salaries aumenta dez vezes mais ocusto de vida, cada tentativa para conquistar um poucode liberdade suscita as iras brutais e as represalias fere-ze,s dos patrOes. 0 aumento do ntimero de deputados, oacrescimo do poder das organizag'Oes e a conquista dedois mil municipios levaram os burgueses a armarem-se,a perseguir corn as armas os operarios e os camponeses, aincendiar as suas casas, a destruir as suas instituicZes,a reduzir inteiras regiOes a urn regime que 6 pior do que

da escravidao, porque ja nee ha lei, ja nao ha direitofora da lei do punho e do bastão e o direito da pistolaapontada a can dos trabalhadores e contra o peito dassuas mulheres e dos seus filhos.

Que significa isto? Pant que tende a burguesia corneste exercicio de violOncia? Para demonstrar aos prole-

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tarios que ate que ela tiver o poder nas Maas nao nosserve criar Hustles acerca da possibilidade de conquistargradualmente justica e liberdade.

2 preciso que o pr6prio poder passe pan os traba-lhadores, mas sates nunca o poderao ter ate que se iludam

'3( de pode-lo conquistar e exercer atraves dos Orgke doEstado burguas.

A accao sindical de defesa, a constituicao de Orgaos,de ex-periencias soeialistas em regime burgués, a conquis-ta de cads vez marls novas lugares nos organismos corn osquais os burgueses governam a sociedade, tudo into nä°basta hoje, deixou de servir. Ocorre outra accao so naoqueremos ser dominados e perder tudo. Ocorre que osdominadores de toda a sociedade passem a ser os opera-rios, os camponeses, os trabalhadores de todas as cate-gorias, que estes ten-ham 'o poder e o exemam atravesde instituicOes novas, as quads dem a sociedade uma novaforma e uma ferrea disciplina de ordem e de trabalhopara todos. Ocorre que qualquer outra luta seja subor-dinada e gists pan a conquista do poder, pars a criacaodo novo Estado, do Estado dos operarios e dos campo-noses.

Esta é a tactics seguida pelos trabalhadores russos,que Ihes permite hoje olhar corn seguranca pars o futuro,enquanto em todos os outros paises os trabalhadores oolham corn apreensao, com medo, corn ansia.

ester a tactics que o Partido Comunista propde aosoperdrios e aos camponeses de Italia, o programa sobreo qual os chama a afirmarem-se.

Ser comunista, votar no Partido Comunista, querdizer afirmar-se convencido da verdade deste programa,declarar-se pronto a lutar pela sua realizano, mandarao Parlamento hymens que 66 se proponham afirmarestes principios, dar forca ao organism° que guia amelhor parte da classe operdria para actui-la em todoo mundo.

SOCIALISTAS E FASCISTAS (*)

A posicao politica do fascismo 6 determinacla porestas eireunstancias elementares:

Os fascistas, nos seis mesas da sua actividade mi-'haute, carregaram-se de uma pesadissima bagagem deactos delituosos que permanecelao impunes so ate ao mo-ment° em que a arganizacao fascists for forte e temida.

Os fascistas puderam desEmvolver a sua activida-de apenas porque dezenas de milhares de funcionarios doEstado, especialmente dos corpos da segurance. pUblica(administrag5es, guardas reads, carabineiros) e da ma-gistratura se tornaram os seus cUmplices morais e mate-riais. Estes funcionarios sabem que a sua impuni•lade ea sua carreira estao estreitamente ligados a sorte daorganizacao fascista e por isso tem todo o interesse emapoiar o fascism° e qualquer tentativa que queira fazerpara eonsolidar a sua posicao

Os fascistas possuem, disseminados em todo oterriterio national, dep6sitos de armas e municOes emtal quantidade que seria pelo maims suficiente paraconstituir um exereito de meio midhao de homens.

Os fascistas organizaram um sistema hierarquicode tipo militar que contra a sua natural e organicaetipula no estado-maior.

Entra na deem comum dos factos elementares queos fascistas nao querem ser presos a que querem, polo

(• Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 11-6-1921.

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contthrio, usar a sua forca, toda a forga de que dispaem,para perrnanecerem impunes e para akancarem o fimmaxim° de cada movimento: a posse do governo politico.

O que pensam fazer os socialistas e os dirigentesconfederais path impedir que sobre o povo italiano venhaa alastrar a tirania do estado-maior, dos latifundiariose dos banqueiros? Esta.beleceram um piano? Tern urnprograma? Nao parece. Os socialistas e os dirigentesconfederados poderiam ter estabelecido urn piano «clan-destino»? Este seria ineficaz porque s6 urns insurreicaodas grandee massas pode despedacar urn golpe de forcareaccionario, e as insurreicaes das grandes massas, setern necessidade de urns prepancao clandestina, temtambem necessidade de urns propaganda legal, aberta,que da uma orientacão, que oriente os espiritos, que pre-pare as consciancias.

Os socialistas nunca se puseram seriamente a questa°da possibilidade de um golpe de estado e dos rneios apredispor pan se defenderem e psssarem a ofensiva. Ossocialistas, habituados a rnastigar estupidamente algu-mas formulas pseudo-marxistas, negarn a revolucaolutarista), cmilagreira», etc., etc. Mas se a insurreicaodo proletariado fosse imposta pela vontade dos reaccio-narks, que nao podem ter escrUpulos fmarxistan, comese comportaria o Partido Socialista? Deixaria, sem resis-tancia, a vitOria a reaccao? E se a resistancia fosse vito-riosa, se os proletarios, insurrectos e armados, derrotas-seTn a reaccdo, que palavra de ordem daria o PartidoSocialista: entregar as armas ou continuar a luta ateao fim? Cremes que estas perguntas, neste momento,sao tudo memos acadómicas e abstractas. Pode aconte-cer, 6 verdade, que os fascistas, que sao italianos, quetam todas as indecithes e as fraquezas de catheter dapequena burguesia italiana, imitem a tactica seguidapelos socialistas na ocupacio das fabricas: se afastem eabandonem a justica punitiva de urn governo recomstru-tor da legalidade os que cometeram delitos e os seasctimplices. Pode acontecer; 6 podem ma tactica fiar-senos erros dos adversfirios, imaglar os seus adverseriosincapazes e ineptos. Quern tern a forca, serve-se delaQuem sente o perigo de ser preso tenth o impossivel parsconservar a liberdade. 0 golpe de estado dos fascistas,

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isto 6, do estado-maior, dos latifundiarios, dos banquei-ros, e o espectro ameacador que desde a inicio pesa sobreesta legislatura. 0 Partido Comunista tern a sua orients-cao: lancar a palavra de ordem da insurreicao, conduziro povo em arrnas ate a liberdade garantida pelo Estadooperario. Qual 6 a palavra de ordem do Partido Socia-lista? Como podem ainda as massas confiar neste partidoque esgota a sun actividade politica na larmentacao e s6se propiie exigir dos seus deputados tbelissimos* dis-cursos no Parlamento?

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POBRE PARTIDO COMUNISTA! (*)

Os cgrandes homens. do Avanti! nao perdem ne-nhuma oportunidade para exteriorizar os sentimentosdo seu entranhado amor pelo jovem, delicado, inexperien-te e ingenuo Partido Comunista de Italia. Como procedermal este pobre Partido Comunista! Como ado pequenosos homens que o dirigem! Ah, se a cabeca do PartidoComunista, em vez de Bordiga e Fortichiari estivessemGiovanni Bacci e Gian La Terra ( 1 ), decerto que a estahora o Partido Comunista, pela grande idela que expri-me, teria feito pelo menos dez revolucaes, teria duzentosdeputados na Camara, teria quatro mil conselhos muni-cipais, dez mil cooperativas, vinte mil caixas de credit°,urns thizia de bancos e quem sabe quantal outran coisas!Que penal

Polo contrario, o pobre Partido Comunista se, pensaem dissolver-se, em cindir-se, em desagregar-se. Sao qua-tro gatos (imaginem que obtiveram apenas 298 341 vo-tos nas eleicOes e tem na camara apenas 15 deputados!) earranham-se entre eles. Espantados com as arranhadu-ras, cheios de terror pela pupils dos seus olhos, bastantesconselheiros municipals comunistas de Mild° reentraramno Barnum; em Genova, o engenheiro Costantini, abor-

* Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 15-6-1921, see° cCro-nache di Barnum» (o circo equestre que o sarcasmo polemic° deG. comparava ao PSI).

(1 ) Cesare Alessandri.

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recido e desgostoso corn os «puros» metodos de luta,reentra tambem ele no Barnum; em Turim, depois, nameta do «purismoI., a dissoluclo atingiu o seu mais altograu, e os terriveis Marat, os furiosos Marat, os peque-nos Marat, nao podendo revolver-se no sangue dossociais-democratas, nao podendo jogar a bola corn acabeca guilhotinada dos mandarins sindicais, resolvem--se iradamente —sabem em que? — na prOpria lama!Que horror!

Pobre, pobre, pobre Partido Comunista de Italia! Naote das conta da ma estrada em que te meteste? Nao sentesa voz de Cristo que a cada marco milidrio te perguntaaflitivamente: Quo vadis? Nä° te das conta que os teusdirigentes, os pequenos homens, os arrivistas, os ambi-ciosos e os desagregadores que esti° a cabeca da orga-nizacao, sao movidos polo chime cego uns dos outros eso pensam em expulsar-se reciprocamente? Mao te dasconta que, dentro em pouoo, nao permanecera de ti sena°uma mesquinha e misers seita sem alma, sem vida?

Pobre, pobre, pobre Partido Comunista de Italia!Pobre partido sem alma, sem vida, sem deputados, semconselhos municipais, sem cooperativas, sem caixas decredit°, sem bancos!

Feliz partido de Barnum

Os «grandes homensx. do Avanti! que nao sao inex-perientes nem ingenuos a que sabem fundar bancos,nunca cometeriam os «descomunais despropOsitos, quoti-dianamente praticados pelos pequenos homers do coma-nismo italiano. Para n5,0 cometerem estes despropesitosrenegaram a Internacinoal Comunista na qual tinhamentrado corn bandeiras desfraldadas. Inimigos das cisOes,preferiram cindir-se de 58 mil comunistas em vez de sesepararem de 14 000 reformistas!

Em Livorno, os grandes homens do Avanti! tinhamobtido 98 000 votes: o Partido Socialista, corn 14 000reformistas, deveria ter 112 000 inscritos. Quando sederam conta de estarem reduzidos a bem poucos, abri-ram de par em par as portas das seccOes mas nao conse-guiram juntar Timis do que 80 000 fichas. Os 14 000reformistas ficaraan todos, os recem-chegados eram qua-

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se todos reformistas; onde tinham ido parer os 98 000comunistas unitarios? Encontraram-se reduzidos a meta-de e a que metade! E entio o partido engordou: PietroNenni, Francesco Repaci, Gerolamo Lazzeri, Guido Pani,Mario Guarnieri, Enrico Ferri, Corsio Bovio e ArnaldoLucci deram novo decoro ao velho e gloriosa partido, tor-naram-se correspandentes especiais em Paris, deputados,fundadores de banoos. Decerto que nao desejam cisOesos grandes homens do Avanti! Decerto que nao sao cega-mente ciumentos ins dos outros; pars nao serem movidospolo chime, procuram minuciosamente a aparelhagemdas... companlias. Seguem os mesmos criterios de Rug-gero Ruggeri, de Ermete Zacconi, de Luigi Carini: umso divo e muitos comparsas; mobilizam todas as ab6-boras flutuantes, os Bacci, os Gian La Terra, os Barato-no, e corn elas fazem as coroas pan os grandes homense juntam novos louros a imaculada bandeira que nuncadobrou o limbo. Assim se conquistam muitos votos naseleigOes, se obtem os votos aleancados nas listas do Par-tido Popular, se tern muitos deputados no Parlamento.Entretanto as massas operfirias, golpeadas polo desem-prego, morrem de fome; as massas camponesas, domina-das polo fascismo, andoidecem oom o tenor branco; opovo italiano torna-se urn horda de maltrapilhos, deesfomeados, de loucos, de selvagens. 6 feliz, feliz, felizPartido Socialista Italiano, partido do proletariado ita-liano, partido da revolucdo italiana, velho e gloriosa, quenao conhece expulsOes, que nao conhece disciplina, Bar-num onde cada italiano pode livremente executar as seusjogos!

Moral da fdbukt

Entretanto, esperamos pacientemente que os grandeshomens do Avanti! se decidissem a sair da sua reservaa propOsito do «homem mais desimteressado deste mun-do* a do outro, o «homem irrepreensivel, ( 2) Quanta

(') Frase corn que Oddino Morgari tinha garantido UM certoFerrari, ao qual os dirigentes socialistas de Triste tinham con-fiado cargos de c,onfianga. Na realidade, este chamava-se Son-

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dor, quanto esforrp para sair da reserva! Mas quantapaciencia da nossa parte, ao esperar e insistir obstinada-mantel E quanta curiosidade de todos, comunistas esocialistas, de conhecer os particulares da aventura deum capita° dos carabineiros, em service active na direc-glio-geral da politica, que coneegue entrar, apresentadopor urn chomem irrepreensive6 nas fileiras do PartidoSocialists, que se tornou suspeito dos camaradas de urnsseccAo e então, pela intromissao de alguem, foi subtraidoa qualquer controlo local, foi finalmente descoberto eporem nä° foi perturbado, nao foi desmascarado, emboraseja ainda capaz de prejudicar e arruinar camaradas!Porque 6 que os grandes homens do Avantil nao saemda reserva e nib satisfazem curiosidades tao legitimas?Ha um ou mais mortos na estiva de Barnum? A felici-dade do Partido Socialista seria muito mais pequena dequanto nos aparece a nes, pobres, pequenos, ciumentos,arrivistas, ambiciosos, desagregadores, homens do pobre,pobre, Partido Comunista. de Italia? Os grandee homensseriam muito pequenos ou miseraveis? A curiosidademuita: bendita reserva!

PS — A felicidade do partido de Barnum 6 manor dequanto parece, se se db. f6 A Giustizia, de Reggio Emilia.Eis o que se le na Giustizia de 12 de Junho:

A Direccao do Partido quis cair nas gracas dosextremistas e dos seus ditadores de Moscovo, ofe-recendo — por agora — a cabeca dos socialistas reg-giano. Nao podendo feri-los pelas suas ideias, porqueisso obrigaria moralme,nte todos os camaradas damesma corrente, de Turati a D'Aragona, a fazercorn ales muss comum, feriu-os em noane da disci-

celli, era urn capitiio dos carabineiros introduzido no PartidoSocialista por incumbencia do Ministerio da Defesa e tinha feitoparte da misseo militar italiana a Viena, depois acusado e pro-cessado por roubalheira e ma administragAo.

0 acidente Soncelli-Ferrari, que remontava a 1919-1920, tenconsequencias not:Weis no interior do Partido Socialists, ao pontode, vinte anos depois, no exilic, parisiense, ser reevocado porMorgari, em todos os particulares, atraves de quatro crOnicaspublicadaa no Nuovo Avantit, nfuneros de 8 de Abril, 6 de Maio,8 e 24 de Junho de 1939.

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plina, aquela disciplina que alto pareceu lesada aosdirectores do Partido pelo facto de figurar entre oscandidates do novo colegio, o sindicalista Faggi quenäo 6 sequer (e creio que nunca o foi) inscrito noPartido. E que foi assumido — pode acrescentar--se — nao tante para protestar contra a suainjustificadissima mas porque se calculou —e foidito— que o seu nome podia chamar muitos votosA lista!

Tudo 6 possivel nestes tempos borgianos. Pica-mos espantados, como dizia alguem, ao ter de cons-tatar corn quanta desenvoltura homens que tern aresponsabilidade de dirigir um partido se afadi-gam ( ?) a demoli-lo.

Seria de perder a caheca... se a 31a0 tivessemosbem assente sobre os ombros (3).

Ai deles! Ai dales! Ai dales!

(') De uma carta aparecida em is Giustizia (quotidiansocialists de Reggio Emilia, dirigido por Zibordi), intituladace sotto qualcosa? e assinada «Um curioso» (12-6-1921).

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SUBVERSAO REACCIONARIA (*)

Ao jogo nao muito significativo das combinaceies en-tre os varios grupos parlamentares, argumento predilectoda cabalistica dos correspondentes romanos, seguiu-seonte na Camara a estreia do que gosta de se apresentarcomo o chefe da reaceao italiana: Mussolini ('). E es-treando-se, Mussolini quis recordar, quase como titulode merito, as suas origens subversivas. E uma ostentacloou o desejo de se conciliar maiormente corn os favoresdo novo patra- o? Urn e outro dos motivos sao concorren-tes, sem thivida, e e ate verdade que a passada subver-sao do novissimo reaccionário e urn elemento que con-tribui nao pouco para the delinear a figura. E preciso,porám, falar sem preconceitos e desfolhar urn poucotambem este mito musoliniano, taro ao chefe da velhafacao revoluciondria do Partido Socialista. E m6ritoda maior maturidade de consciencia fornecida pelas con-cretas experiencias revolucionarias destes dItimos anos,se, repensando pas posigees e nos factor daqueletempo Traci podemos deixar de ve-los reduzidos e propor-

(•) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 22-6-1921.( 1) Mussolini tomou pela primeira vez a palavra na camara

em 21-6-1921 corn urn discurso acesamente nacionalista, onde]evantou a questato do Alto Adige, de Fiume e de Montenegro.Tocando as questaes de politica interns, estendeu as maxis aospopulares e ao Vaticano e atacou socialistas e comunistas, de-.clarando que estes deviam considerar-se derrotados mas, ao mes-mo tempo, fez cautas propostas de conciliagao a Confederagaodo Trabalho, desde que se separasse do Partido Socialista.

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gOes muito diversas do que nos pareciam entio? Ao falarA Camara, Mussolini usou talvez uma se palavra exacta,quando, a prop6sito do seu mode de conceber os conflitospoliticos e de agir, falou de «blanquismo) ( 2 ). A con-fissäo permite-nos colocar do ponto de vista mais opor-tune para colher e apresentar corn exactidäo quantoirnstintivamente percebemos hoje de ilOgico, de bolo, degrotesco, na figura de Mussolini. 0 «blanquismov 6 ateoria social do golpe de mao mas, pensando ben, a sub-versão mussoliniaam mao tinha recebido dole scrod° aparte material. 'Pambem se disse que a Vactica da III In-ternacional tern pontos de contactos corn o (blanquismo.,mas a teoria da revolta proletAria, tal como 6 difundidapor Moscovo e tal como foi actuada pelos bolchevistas,forma urn todo corn a rnarxista da ditadura do proleta-riado. Do «blanquismo), Mussolini tinha retido s6 a ex-terioridade, ou •elhor, ale prOprio o tinha feito tornarqualquer coisa de exterior, tinha-o reduzido a materiali-dade da minoria dominadora e do use das armas noataque violento. 0 enquadramento da acao da minoriano movimento do massas e o processo que faz da revoltao meio para uma transformacao das relacOes sociais, tudoisso tinha desaparecido. A semana vermelha «romanho-la), o tipico movimento mussoliniano, era portant° defi-nida do mode mais exacto por aqueles que a chamavamuma revolucao sem programa.

Mas nao basta; pode sustentar-se que para o chefedos fascistas, desde entäo a hoje, as coisas nao muda-ram. A sua posicdo 6, no fundo, ainda a daquele tempo.Tambem hoje ale mao a mais do que urn teOrico, se assimse pode dizer, e um eaacemador de golpes de mao. 0tblanquismo * , na sua materialidade, pode ser hoje sub-versive e amanita: reaccionArio. Porem, 6 sempre revo-lucionArio e reconstrutor s6 em aparencia, destinado anao ter continuidade mem desenvolvimento, condenado anao saber ligar um e outro dos golpes de mao na linhade urn processo histOrico. Hoje os burgueses, meio ate-

(3) No seu discorso, Mussolini gabou-se de ser «o primeiroa infectar essa gente» (os comunistas) quando introduziu «nacirculacito do socialismo italiano um pouco de Bergson misturadocorn mnito Blanqui».

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morizados e meio espantados, olham para este hornernque se pOs ao seu service come para uma especie de novomonstro, revolucionador de situacOes reais e criador dehist6ria. Nada é mais falso. A incapacidade para ligaros an6is de uma comstruc5.0 histOrica 6 Me grand° notblanquismo. deste epileptic° como o 6 na subversãomalthusiana dos D'Aragona e dos Serrati. Perbencerntodos a uma Unica familia. Represemtam, tanto urn comoos outros, uma mesma impothicia. Se na reaccio italia-na aparece hoje uma consisthicia e tuna continuidade,essa proven de outros elementos, de outros factores, docarActer nao so national mas comum a todos os paisese de natureza born divans daquilo que quereria fazeracreditar este exasperado e,xaltador de si prOprio. A lutacontra as reivindicagOes e a resistância contra a desforraoperAria partem de bases mais concretas, mas sem dilvi-da que 6 significative, para a seriodade da vida (politicaitaliana, que no cimo de um construcAo sustentada porurn poderoso sisteana de forcas reais se encontre estehoanem que se deleita a fazer jogos de forca e a mastur-bar-se corn palavras.

Os politicos da burguesia, que julgarn corn a suaimpotencia e o seu medo, falam de uma subversAo reac-cionAria. Para nos, e para todos aqueles que compreen-dem alguma coisa do jogo do forcas que faz a politica,nao 6 mais do que urns mosca varejeira.

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OS DIRIGENTES E AS MASSAS (*)

O tratado de paz ( 1 ) que esti .para ser estipulado en-tre parlamentares socialistas e fascistas tiara uma, nota,-vel importancia na vida politica italiama. Assinalath afalência do fascismo como movimento politico e reduziranos seas termos objectivos e reais o colaboracionismo so-cialista, isto 4, assinalara, o principie da falencia politicsdo Partido Socialists.

0 tratado terà urn puro significado parlamentar:sera valid° para os dirigentes, nao tern qualquer valorpara as massas. Mussolini, que aspira ao papel de habi-lissimo e sagacissimo ,deputado, aparecera no, sua vestereal: uma mosca varejeira, urn aprendiz de necromanteque aprendeu a f6rmula ,para invocar o diabo .mas ignoraa que pode faze-lo tones ao inferno. Os fascistas serdo,pela tribuna parlamentar e polo Popolo censura-dos ou renegados como «falsos fascistas*; os operbirios

(*) Nio assinado, L'Ordine Nuevo, 3-7-1921.(1 ) Estavam em curso, por iniciativa de De Nicola e de

Bonomi, as negociacOes para o chamado opacto de pacificacAo»entre socialistas e fascistas, que se prolongaram por todo o inAsde Julho. 0 pacto, elaborado por uma comissito paritAria deque faziam parte Zaniboni e Eacci pelos socialistas e Giuriatie Pasella, secretário-geral dos oFascios», pelos fascistas, foiassinado em 3 de Agosto no gabinete do presidente da Camara,De Nicola. Os firmatArios comprometiam-se, entre outras coisas,a fazer coasar imediatamente «ameagas, vias de facto, represa-Has, puniciies, vingancas, pressOes e violencias pessoais», a res-peitar reciprocamente os emblemas e as insignias a denunciarqualquer violacão dos acordos.

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que opuserem uma resistencia as violencias reaccionariassera° massacrados como (delinquentes comurristas)o; e otratado tera vigor porque permitin que Armando Bussiseja cordial corn Benito Mussolini e pie Tito Zaniboniaperte a mao a Farinacci ou a De Vecchi.

A paz entre fascistas e socialistas 6 o resulted° die urnestado de consciencia em que interferem as duas fa-lencias politicas. A tactica fascista, porque correspondia•a um piano politico prestabelecido, propunha-se fazerreentrar na legalidade constitutional os dirigentes soda-listas, induzinclo-os a colaboracao. Giolitti favoreceu omovimento fascista pan o encaminhar para este Binprecise. As massas foram rnassacradas impunemente, ascamaras do trabalho, as casca s do povo e as cooperativasforam incendiadas e saqueadas impuneanente pan indu-zir os ddirigentes socialistas a reflexao. Foi aplicado emgrande escala urn metodo pedag6gico que se usou outro-ra na familia real inglesa: o principe era sempre acorn-panhado por um rapaz de baixa cat, o qual recebia oscastigos em vez dale; a piedade pelo sofrimento e pelochoro deste infeliz devia induzir a melhores propOsitoso princepezinho dado aos caprichos, as birras, a indo-lencia. Para induzir os dirigentes sindieais e os deputa-dos socialistas e acabarem earn a (intra,nsigencia) e acolaborarem corn o govern° e corn os capitalistas, Giolittipermitiu que os fascism° martirizasse regiOes inteiras,que aterrorizasse milhOes e milhOes de di:lad -ens, queorganizasse 400 000 pessoas armadas para a guerrilhacivil. Plano maquiavelico, o de Giolitti. Mas a realidadeé cheia de contradicOes: muito frequentemente, junto aface cinicamente pensativa de Maquiavel, estala a inso-lente risada de Stenterello. A tactica fascista e a peda-gogia politica giolittiana tiveram este rasultado: esmi-galhou-se a ,organizacao sindical italiana, as massas janao obedecem aos dirigentes pelos gusts foram vilmenteabandonadas no moment° de perigo e do massacre.

Que flan teria tuna colaboracao dos socialistas cam ogoverno? Os socialistas, os dirigentes sindicais, podembeneficiar o capitalismo s6 quando as SUBS palavras deordem sac) recoihidas Delis massas organizadas nos sin-dicatos. Os idirigentes sindicais, individualmente, esti°ao nfvel do zero. A sua ignorancia 6 conhecida universal-

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mente; a sua incapacidade administrativa 6 proverbial.Uma coisa 2 estipular acordos industrials, outra 6 gover-nar urn pais. Os dirigentes sindicais s6 säo apreciadosquando se sup6e que gozam da confianga das grandermassas trabalhadoras, s6 quando podem evitar greves econvencer os operarios a aceitarem corn resignacao a ex-ploracao e a opressio do capitalism° (pars salver anacao da ruina». Hoje os socialistas, os dirigentes sindi-cais, perderam todo o controlo da classe operaria; mesmoque quisessem nao poderiam fazer nada. Foi este o resul-tado da tactica fascista e da pedagogia politica de Gio-vanni Giolitti: substituir Labriola por Bruno Buozzi sdsignificaria hoje substituir uma meta varejeira poroutra mosca varejeira.

E natural, portanto, que os fascistas se reconciliemcorn os socialistas: a fraqueza intrinseca de uns e deoutros sera menos evidente. Uuns e outros deixaram deter uma funcao a desempenhar no pais: tomaram-se pre-cisamente partidos de govern° e ode crealizscao). Gio-vanni Giolitti 6 o seu homem representativo: e veremos,se os numes o permitirem, enquanto as massas nao tive-rem encontrado uma orientaga° e um enquadramentorevolucionario, veremos Giovanni Giolitti chefiar umgoverno de moscas varejeiras socialistas, fascistas e pa-pulares (2).

(3) 0 govern° de Giolitti tinha cafdo na cimara em 27 deJunho.

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BONOMI (*)

0 novo presidente Conselho, Bonoani, 6 o verda-deiro organizador do fascismo italiano. Ministro daGuerra, nao so permitiu que os oficiais participasseznactivamente nas faceeies politicas come organizou minu-ciosamente esta participaflo. Procedeu a desmobiliza-Ca° dos oficiais, ndo segundo um piano teenico massegundo urn piano politico reaccionario polo qual os ofi-ciais desmobilizados deviam metodicamente tornar-se osquadros da guarda branca. Os depOsitos de armas e demunicees foram pastas a disposieäo do fascismo; as co-mandantes de exereito e de divisão receberam a palavrade ordem para estudarem as posigOes estrategirsis daguerra civil e compilarem minuciosos pianos de ataque.Oficiais superiores foram enearregados de observar aItalia, de referir, de sugerir. Bonomi o o verdadeiro re-presentante desta fase sanguinosa da histOria burguesaComo Noske, coma Mi•lerand e Briand, ele vem do socia-lismo. A burguesia confia nesters homens precisamenteporque militaram e dirigiram o movimento operatic>:conhecem-]ire as fraquezas e sabem corromper os ho-mers.

A chegada de Bonomi ao poder, depois do ingressodos faseistas no Parlamento, tern este significado : a reac-cio italiana contra o comunismo passara de ilegal a legal.Ser comunista, lutar pelo advento do poder da classeoperaria nLo sera um delito apenas segundo o eoneeito

(*) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 5-7-1921.

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de um Lanfranconi ou de urn Farinacci, sera um delito«legal), sera sistematicamente perseguido em nome dalei, ndo s6 em •ome do «Fascia* de combate local. Desen-volver-se-A em Italia o mesmo processo que se desenvol-veu nos outros poises capitalistas. Contra o avango daclasse oPerada, sucedera a coligano de todos os eleanen-tos reaccionOsios, dos fascistas aos populaces e aossocialistas: os socialistas tornar-se-ao ate a vanguardsda reacno antiproletiria porque conhecem melhor afraqueza da classe operaria e porque tern vingangas pes-soais a satisfazer.

Os comunistas nonca tiveram ilusoes a este respeito.Sabem que tern que combater urns luta mortal, sem tre-guas. Bonomi e o primeiro do da cacleia de delitos que asocial-democracia se prepara pars cometer emA organizageo do fascismo militarizado tern a missäo deconcentrar, num s6 movimento, todas as correntes anti-proletarias e anticomunistas que pululam no nosso paisnutria desesperada tentativa de travar a cada vez maisameagadora insurreino das massas contra o capitalismodestruidor; mas, em Italia, near sequer os massacres e osatentados contra a liberdade conseguirao resolver a criseeconOmica e ref azer o edificio social arruinado pela guer-ra imperialista.

OS «SOLDADOS DO POVO, ( n )

As declaranes feitas aos jornais por Mingrino apropOsito da sua adesio aos «Soldados do povo, servemmagnificamente para por em relevo o comunicado doPartido Comunista sobre o meszno argument° ( 1 ). As de-daragees de Mingrino correspondem a velha e estafadapsicologia do Partido Socialists, que ja baptizemos compneomalthusiana. Segundo esta cancepgão, o movimentopelos «Soldados do povo) conduziria fatalmente a umarepetigeo dos factos de Setembro de 1920, quando o pro-letariado metahlrgico foi conduzido para o campo dailegalidade, foi posto em condines de nedo poder resistirsem se armar, sem ofender os privilegios mais sagradosdo capitalism° e depois, bruscamente, tudo acabou por-que a ocupano clAs fabricas visava apenas fins sindi-cais.

Mingrino adere aos «Soldados do povo). Di a insti-tuigao o seu norne, a sua qualidade de deputado socia-

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(*) Nao assinado, L'Ordine Nuovo, 15-7-1921.( 1) 0 movimento dos «Soldados do povo» surgiu na Prima-

vera de 1921 coin o fim de organizar a defesa contra o esqua-drismo fascists e bern depressa contou coin numerosaa forma-vies armadas de que faziam parte comunistas, socialistas,anarquistas, republicanos e sem partido. 0 novo movimento Col,porêm, contrastado pelos grupos dirigentes de todos os partidosprolethrios. 0 Partido Socialists desaprovou-o desde o inf cio eno texto «pacto de pacificacio» declarou-se aestranho I obrados Soldados do povo». Os comunistas aderiram numerosamentemas o comitd executivo do PC de I nil° viu con favor o movi-

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'"...r1-trrerrat.,—. .. -

o prestigio da sua figura, tornada simpatica aoproletariado revolucionario pela sua posigao durante aagressao fascists contra o camarada Misiano ( a ). Masqual 6 a missao dos cSoldados do povo., segundo Min-grino? Deveria limitar-se a determinar um equilibrio aviolencia fascists, deveria ser de pura resistencia, deve-ria, em suma, ter fins puramente ...sindicais.

Mingrino cres ainda que o fascismo seja urna mani-festagao superficial de psicose pas-Mica? Nao se per-suadiu ainda que o fascismo esta organicamente ligadoA actual crise do regime capitalists e que so desapareceracom a supressao do regime? Nä° se convenceu ainda que6 precis() dar as ideologias patriOticas, nacionalistas ereconstrutoras de Mussolini & Ct urn valor puramentemarginal e que 6 preciso, pelo contrail°, ver o fascismona sua realidade objectiva, fora de todos os esquemaspreestabelecidos, fora de todos os pianos politicos abs-tractos, como urn espontaneo pulular de energias reac-ciondrias que se agregam, se desagregam, se reassociam,seguindo os dirigentes oficiais s6 quando as sum pala-vras de ordem correspondem a intima natureza do mo-vimento, que 6 o que 6 irk) obstante os discursos deMussolini, os comunicados de Pasella, as exclamagees detodos os idealistas deste mundo?

Iniciar urn movimento de desforra popular, aderir aurn movimento de desforra popular pondo preventiva-mente urn limite a sua expansao, 6 o mais grave erro detactics que se pode cometer neste momento. Mc 6 preciso

mento. Em 14 de Julho, um comunicado do partido confirmaque os comunistas devem enquadrar-se em formagOes pthprias.0 artigo de G. assume aqui, pela sua posigdo mais aberta, ocatheter de uma intervenedo critics. Mas em 7 de Agosto oExecutivo do Partido avisa oficialmente os militantes de queado devem entrar nas fileiras dos «Soldados do poem) consideradosdemasiado legalithrios e de duvidosa e equivoca formatho. Paraa reconstruth'o do acontecimento, cf. Paolo Spriano, Grantscifascismo e phi Arditi del popolo, in Prassi rivotuzionaria e sto-rk-into in Gramsci, caderno n.° 3 de Critiea Ma/nista, 1967,pp. 175-199.

(I) 0 socialists Mingrino tinha tentado defender Misianoquando este tinha sido agredido pelos fascistas e posto forada Camara. Foi depois ele prOprio, em 18 de Julho, vitima deuma agressio fascists.

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criar ilusOes as massas populares que sofrem cruelmentee que das suns praprias condigaes de sofrimento sac leva-das a iludir-se, a querer aliviar a dor deslocando o flanco.Nao se deve fazer acreditar que basta urn pequeno esfor-go para se salvar dos perigos que hoje pesam sobre todo opovo trabalhador. ft preciso fazer compreender, 6 pre-ciso insistir para fazer compreender que hoje o proleta-riado nao se bate contra uma (mica associagdo privada,mas sim contra todo o aparelho estatal, corn a sua policia,corn os seus tribunals, corn os seus jornais que manipu-lam a opinião ptiblica segundo o bel-prazer do governoe dos capitalistas. ft preciso fazer compreender o quenao se fez compreender em Setembro de 1920: quandoo povo trabalhador sal da legalidade e nao encontra avirtude de sacrificio e a capacidade politica necessariapara conduzir ate ao firn a sua acgao, 6 punido com ofuzilamento em massa, corn a force, corn o frio, com aMedia que mats lentamente, dia apes dia.

Sao os comunistas contrarios ao movimento dos «Sol-dados do povo)? Muito longe disso: eles aspiram ao ar-mamento do proletariado, a criagao do uma forga armadaproletAria que seja capaz de derrotar a burguesia e depresidir a organizagao e ao idesenvolvimento das novasforgas produtivas geradas pelo capitalism°.

Os comunistas sac) tambem de parecer que para em-preender uma luta Mao 4 preciso sequer esperar que avitOria seja garantida por escritura notarial. Muitasvezes na historia os povos se encontraram na encruzi-lhada: ou perecer dia apes dia de inedia, de esgotamen-to, semeando a ma corn uns tantos mortos por dia, quedepois se tornam porem urns multidao ao fim de sema-nas, de mesas, de anos; ou corner o risco de morrer corn-batendo num supremo esforgo de energia mas tambemde veneer, de parar bruscamente o processo dissolutivopara iniciar o trabalho de reorganizagao e de desenvolvi-mento que, pelo memos, assegurara as geragOes vindou-ras urn pouco mais de tranquilidade e de bem-estar. Esalvaram-se aqueles povos que tiveram fe em si prapriose nos seus destinos e afrontaram a luta corn audacia.

Mas se assim pensam os comunistas, Delos dados ob-jectivos da situagao, pelas relagOes de forga corn o ad-versario, pelas possibilidades de dominar o marasma e

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o caos criados pela guerra imperialists, por todos oselementos que não podem ser inventariados e sobre osquail nem sempre se pode fazer um exacto calculo dasprobabilidades, eles querem porém que pelo menos os finspoliticos sejam claros e concretes, não querem que serepita hoje o que aconteceu em Setembro de 1920, pelomenos por aquilo que pode ser previsto e avaliado, quepode ser predisposto pela actividade politica organizadaem partido. Os operazHos tem modo de exprimir o seuparecer; os operarios socialistas, que seo revolucionarios,que extrairam alguns ensinamentos da experiencia destesaltimos meses, tem modo de fazer pressào sobre o Par-tido Socialists, de obrige-lo a sair do equivoco e da am-biguidade, de ]he fazer assurnir uma posigeo nitida eprecise acerca dente problems que é o problems da pro-pria incolumidade fisica do operatio e do campones.Mingrino a deputed° socialists; se é urn homem sincero,como acreditamos, tome ele a iniciativa de fazer sairdo torpor e da inclecisdo as masses que seguem ainda oseu partido, mas ado ponha limiter a sua exPanido seneo quer a'sumir a responsabilidade de ter procured° aopovo italiano uma nova derrota e urn novo fascismo mul-tiplicado par todas as vingances que a reacceo impla-cavelmente exercita sobre os titubeantes e sobre osindecisos, depois de ter massacred° as vanguardas deassalto.

ENTRE AS DOBRAS DA BANDEIRA BRANCA (*)

Entre socialistas e fascistas houve uma tentativepara a pacificageo national ('). 0 facto, que tern a suagrande importfincia histerica e politica, foi determinadopor urns pure e simples preocupaceo de catheter parla-mentar, quer do grupo fascists quer do socialista.

A aerie* de rua tambem desta vez contrasta corn ado Parlamento e se nos propomos demonstrar a fatui-dade de iniciativa Tao o fazemos pare user a guerrilhaquotidiana que se desencadeou ern Italia mas porque nosagrada tirar o veu a todas as hipocrisias escondidasnas manobras politicos dos dois grupos em conflito.

Giovanni Giolitti, quando reassumiu o poder, tinhaurn ar de demagogo. 0 pais estava em fermento, a classetrabalhadora apertava de perto a burguesia, e este, hor-rorizada pelo delito que tinha desencadeado corn a guer-ra, cedia completamente aos assaltos proleterios.

Enquanto sobre o horizonte politico se is adensandoameacadora a tempestade, os dirigentes do movimentooperesio permaneciam perplexos perante as necessida-des de urn acontecimento revolucione.rio. De recto, istoera a consequencia de urns, actividade politica sempredesenvolvida corn objectivos legalitarios, fugindo nee

(*) Nfto assinado, L'Ordine Nuovo, 13-7-1921.( 1 ) Cf. Os dirigentes e as magma, pp. 193-194 do presente

volume.

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86 de qualquer aced° de rua mas da, ainda que minima,preparacdo defensiva contra uma violéncia armada dareacck burguesa.

0 velho beicolas deu-se cants do estado de Anima daclasse trabalhadora e da perplexidade dos dirigentes etentou, corn audkia, per as massas e os dirigentes pe-rante urn acto revoluciondrio. A questdo dos metaldr-gicos culminou corn a tomada de posse des fabricas.Giolitti quis deixar cumprir o acto revoluciondrio, fezarmar o proletariado, anulou a autoridade do Estado,fez proclamat ass quatro yentas o fim da propriedadeprivada, pondo a dun prays os nervos da burguesiaavara e hipacrita. Procedendo assim, avisava a burgue-sia sobre o perigo de uma revalued° e experimentava,no terreno pratico, a capacidade revoluciondria das or-ganizac'Oes operdrias. A luta acabou no modo ignomi-nioso que jd todos conhecemos, deixando atrds de sia burla do controlo que, quer os dirigentes das organi-zaciies operdrias quer os chefes de govern, glosam nosmomentos de maior actividade politica. Mae Giolitti quisdivertir-se ainda mais e seguindo todo urn piano de de-magogia, que devia habilmente servir-Ihe pan esconderas suns intenckies, fingiu ferir, corn projectos de leiacerca dos lucros de guerra, todos os ladrOes que tinhamespeculado corn a maior desventura nacional: a guerra.Com esta «rebeldiay,, o homem de Dronero associava-seao espirito pallet), eliminava as desconfiancas e tinhanas mks todos os que o haviam condenado como tole-sertor. durante as radiosas jornadas de Maio.

Contemporaneamente, tinha a trela os dirigentesdo movimento operario dos quais tinha podido experi-mentar a absoluta incapacidade revolucionar. ia. Assimseguro, Giolitti lancou mao do seu programa e preparoua reacck. Ele, como sempre, ndo quis comprometer oEstado numa reaccdo que se apresentava dificil e pre-parou o terreno pan que esta se verificasse por obrada pr6pria burguesia. Secundando o instinto revolucio-nazi° das massas, quis exacerbar a burguesia que defacto não tardou, no momento oportuno (isto 6, quandotodo o revolucionarismo se revelou uma bufonaria co-lossal), a desfechar a reaccdo corn hairdos armados dochamado fascismo. Giolitti imunizou o fascismo: enco-

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rajou-o corn a sua imprensa, elevou-a a factor nacionalde primeira ordem. 0 fascismo, aliado a politica, triun-fou facilmente sobre a organizack operdzia, de factopreparada pan se defender no terreno da violencia.A accdo fascists foi de golpear em vdrios pontos panpoder aplicar a teoria da economia das forcas, formi-ddvel em todos os pontos pela agilidade de movimentos,agrupando-se, convergindo onde male necessiria se tor-nava a Reck rApida e terrorista.

0 fascismo conseguiu assim aterrorizar inteiras po-pulace:es subversivas e ter o pats submetido a sua poli-tica de viol8ncia. 0 seu triunfo tornou-se agora a suamorte. Apesar de tudo, fazendo o balanco de seis mesesde reaccOes, evidentes sinais de desforra proletfiriaA disseminacdo do 6dio feita pelo fascismo corn os seusdelitos, aprofundou o sulco do Odio de classe; as zonasatormentadas pelo martelo fascista sdo as dos dester-rados sem casa e das familias dispersas; os trabalha-dores sujeitos a violencia fascista, em vez de trabalha-rem no campo e nas oficinas corn vontade e amor,meditam na vinganca; por toda a parte se respira arde conjura, de tal modo que a vida social parece arti-ficial, enquanto altas nuvens ameagadoras de prOximatempestade se adensam no horizonte. E desta vez a tem-pestade saberd onde golpear porque pan alguma coisaserve a expertencia dolorosa destes Ultimos tempos.

Tenta-se agora levantar, acima da barafunda, a ban-deira branca da paz. Quern se prepara para basted-lasdo precisamente duas forgas antagenicas: os fascistase os socialistas. 0 governo procura tirar do facto asmaiores vantagens possiveis.

Os fascistas justificam este seu espirito pacifistapara conseguirem desarmar de qualquer veleidade re-voluciondria e bolchevista o movimento socialists. Maspan alem desta, outra razdo mats importante empurrouos fascistas para a realidade. Se os dirigentes do movi-mento socialists recuaram da linha do programa revo-lucioniirio, as massas permaneceram sempre desdenho-sas e fechadas num terrivel sil8ncio. Este comporta-manta das massas, cheio de inc6gnitas, representa ainc,omodidade em relacdo a accdo fascists que ndo fezmais do que apressar e precipitar a crise do regime

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num vasto mar de 6dio, excelente explosivo pant ostrabalhadores que ha dezenas de anos suportavam hu-milhagees e exploracOes. Ao encontro destas preocupa-cOes fascistas väo os tdirigentes» do socialismo alar-deando humanitarismo e propondo a fogueira para osdocumentos que difamavam a reaccao" fascists. Queremfazer esquecer o passado! Fadiga va e de facto nobilis-sima porque 6 corn estas la.grimas sentimentais que pro-longam a agonia do proletariado. 0 humanitarismosocialista esconde a impotencia deste partido pars en-frentar no terreno telassista» urn movimento reaccio-nario da burguesia. Tal como em relacAo ao fascism(6 manifests a finalidade da sua luta: levar ao poderfaccOes provincials e municipals, conceder ao capita-lismo agrario e industrial liberdade de movimento pana exploracAo dos trabalhadores), assim para os socia-listas a urgente demonstrar As massas que o bem-estarprovem da accao legal, visto que de nada valeu pregara re-signacao e que, pelo contrario, onde esta pareceuher aceite, o 6dio se torna mais forte sob a aparentetranquilidade da superficie.

No terreno da violencia, os socialistas foram, por-tanto, derrotados; os fascistas dao-se conta de seremimpotentes porque produzem mais mal ao regime doque uma revoluao bolchevista. E por isso os homensparlamentares, de um lado e do outro, organizadores efuncionarios, tenttun expulsar para Averno (*) o diaboque foi evocado como salvaclio da patria.

A situacao e clificil e o espasmo do momento é dadopelas densas fileiras de desempregados e pelo cinico esempre crescente encerramento de oficinas. Hasteia-seuma bandeira branca de paz no meio de tantos delitose de tantas dores? Quem quis arteiramente lancar o patsnesta via sem Saida? Nä° foi a vontade de opressao daburguesia, nao foi a avidez de riqueza de tacks os la-drifies do erario durante a guerra?

E entAo, abaixo a bandeira branca e fique comodesafio eterno, mares de 6dio purificador e libertador,

a bandeira vermelha da fe e da esperanca revoluciona-rias das massas.

Os comunistas nao pactuam, lutam, batem-se, sofremderrotas e dores, mas nao pedem paz aos que tern omundo do trabalho sujeito a violencia de classe.

0 tratado de paz, que o assinem os «chefes» nastranquilas e frescas salas do Montecitorio, os trabalha-dores esti° ao sol, ao vento, a tempestade, lutando panvencer definitivamente todas as injusticas

( 4 ) 0 Inferno ou mundo dos mortos. — (N. do 7'.)

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0 CARRASCO E A VITIMA (•)

0 govern e a imprensa burguesa procuram umdesvio de atencao para mascarar a falencia das nego-ciagOes de paz entre os parlamentares fascistas e asparlamentares reformistas. 0 desvio foi encontrado: oPartido Comunista. 0 Partido Comunista Ma quer apacificano, o Partido Comunista 6 a causa de toda-s asdesgracas e de todos os sofrimenos que se abatem sobreo povo italiano, o Partido Comunista a uma associacikde brigantes, de assassinos, de delinquentes comuns, oPartido Comunista 6 a imica causa do fascismo. Assimcomo o Partido Comunista nao quer a pacificacAo, tam-bem o governo de Bonomi nao pode deixar de continuara conceder aos fascistic tudo o que lhes agrada. Ascentenas e milhares de depOsitos de armas e munigOesque os fascistas acumularam publicamente nao serdosequestrados. As metralhadoras, os morteiros, os lanca--chamas e os mosquetes serao deixados aos fascistas.Os fascistas poderiio ainda desfilar nas cidades, emcoluna, com espingardas ao ombro, corn o capacete nacabeca, corn as cartucheiras cheias de bombas. 0 Estadonao intervira, nip aplicard a lei, nao abrira as pris6es,nao perturbarb; os juizes. 0 Estado nao 6, pelo que res-peita aos fascistas, uma administrag.5.0 das leis, umaorganizaclo repressiva e punitiva; o Estado nao existepara os fascistas, o Estado reconhece nos fascist-go umaautoridade independents, e trata corn eles de igual para

(*) NAo assinado, L'Ordine Nuovo, 17-7-1921.

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igual e reconhece-lhes o direito, se nao se fizer a paci-ficacao, de continuar impunemente a incendiar, a assas-sinar, a invadir cidades e aldeias, a decretar exilios edissolugOes da admnistracao piblica. Ha uma certa iro-nia nesta accao pacificadora do governo italiano. Quemsera o guarda e o avalista do ctratado de paz.? Quernse Bara na palavra de urn govern° que de tal mode,clamorosamente, confegsa ser impotent,e cm estar de mafi? Como fari respeitar o cpapel, que deveria ser ju-rado pelos subversivos e fascistas, este govern° que naofaz respeitar a carta fundamental do Estado, juradapelo rei ao povo italiano?

Os comunistas nao participarao certamente desteomercado de tolos», nano. cumpnrao certamente este de-lith contra o povo italiano. Nao pode existir paz entreo carrasco e a sua vitima, nao pode existir paz entre opovo e os seus massacradores. 0 Partido Comunistaassume todas as responsabilidades desta sua posicao.Sabe que se tornara alvo da coligaca° reaccionaria, masester seguro que, mesmo no caso de ser cpacifista>›, seriaigualmente o alvo da reaccao coligada. A classe operariaItalians ja viu quanto valem as palavras do governitaliano, depois da climpeza) das fabricas ocupadas. Naodeviam existir represilias: milhares de operdrios forammetidos na prisao e os tribunals suam abundantementepara delinear uma colossal conspiracao ; centenas de mi-Ihar de operarios foram atirados para a rua, morrendode fome corn a familia. Em Turim, tambim os operariossocialistas ja estao escaldados pela sua confianca napalavra dos reaccionarios: permitiram que, num primei-ro moment°, fossem despedidos os comunistas das of ici-nas, os mais audazes lutadores da revolugao, assinaramurn pacto; hoje e a sua vez, hoje Baia despedidos. Quernfaz respeitar aos reaction/arks os pactos, as promessas,os jurarnentos? Mas uric mostram eles, ja antes dapacificacIa, toda a sua ma 1.4? Nao é com os comunistas,nick a oom o Partido Comunista como pequeno nide°de individuos associados, que a reacigto ester irada; esterirada corn a classe operiria e camponesa, come massa deassalariados escravos do capital; tern medo que a classetrabalhadora na sua totalidade, quer seja comunista,socialista, republicans, popular, oprimida, multada, es-

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fomeada, se insurja contra os seus exploradores e mudeas actuais relagOes de classe. Em Ferrara, nem sequerse tinha ainda formado uma seccao comunista e, toda-via, em Ferrara o fascismo foi especialmente feroz. Emtodas as zonas agricolas, em Polesine, em Reggiano, naPuglia, onde o fascismo instaurou o regime colonial, oPartido Comunista, essencialmente operesio e urbane,'tinha escassissima forca. Onde o Partido Comunistaera especialmente forte, como em Turim, o fascismoadieu ate ao m4s de Abril a sua entrada em camp°.A sua agressividade coincidiu com a crise industrial,com o lock-out da Fiat e apareceu luminosamente comeuma coordenada tactics da luta capitalists contra aorganizacao sindical. 0 fascismo nao a uma particularassociaCio, c,omo nao a uma particular associacao ocomunismo: o fascismo 6 um movimento social, 6 a ex-pre_ssào organica da classe proprietaria em luta contraas exig4ncias vitals da classe trabalhadora, da classeproprietiria que quer, com a fome e Dom a morte dostrabalhadores, reconstruir o sistema econemico arrui-nado pela guerra imperialista. Nests luta, a iniciativapertence ainda a classe operaria, como ao fascismo per-tence a iniciativa da guerra civil: a classe trabalhadoraé a vitima da guerra de classe e nao pode existir pazentre a vitima e o carrasco. Quem quer hoje arrastaro proletariado para a pacificacao 6, tamb6m ele, umcarrasco: pela piedade que the inspiram hoje dez assassi-nios, aqueles preparam para amanha a matanga de mil.Nem sequer 6 piedade aquela, a vil hipocrisia; o PartidoComunista nao quer ser hipOcrita nem vil, precisamenteporque sente deveras a piedade humana pelo destinoatroz do povo trabalhador.

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INSURREICAO POPULAR (*)

Nos 365 dial do ano de 1920, 2500 italianos (ho-mens, mulheres, criangas e velhos) encontraram amorte nas runs e TIqS pragas, sob o chumbo da policiae do fascismo. Nos passados 200 Bias deste barbaro1921, cerca de 1500 italianos foram mortos a tiro, corno punhal e corn o pau ferrado do fascista, cerca de40 000 livres cidadlos da democraica Italia foram ver-gastados, mutilados, feridos; cerca de 20 000 liberrimoscidadaos da democraticissima Italia foram exilados pordecretos regulares ou obrigados a fugir, perante a amea-ga, dos seus locais de trabalho e vagueiam pelo territ6-rio national sem defesa, sem emprego, sem familia;cerca de 300 administrag5es municipais, eleitas por su-fragio universal, foram obrigadas a demitir-se; unsvinte jornais socialistas, comunistas, republicanos e po-pulares foram destruidos; centenas e centenas de ca-mas de trabalho, de casas do povo, de cooperativas,de secgOes comunistas e socialistas foram saqueadas eincendiadas; 15 milh5es da populagio italiana da Emi-lia, de Polesine, das Romagne, da Toscana, da Umbria,do Veneto, da Lombardia foram tidos permanentementesob o dominio de bandos armados que incencliaram, sa-quearam, golpearam impunemente, violaram os domi-cilios, insultaram as mulheres e velhos, reduziramfome e ao desespero centenas de familias, esmagaramtodos os sentimentos populares, desde a religiao a fa-

(*) Ndo assinado, L'Ordine Nuovo, 23-7-1921.

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milia, fizeram morrer e endoidecer corn o terror than-gas e velhos. Tudo isto foi permitido pelas autoridadesoficiais, foi calado ou exaltado pelos jornais; urns lou-cura colectiva pareceu ter invadido a classe dirigente,o Parlamento, o governo. Toda este gente pensava quea vide nacional pudesse normalizar-se segundo o ritmofascista; que nenhuma reacgao, nem osicolOgica nemMica, poderia fermentar na populacao de tal modoatormentada, humilhada, esmagada.

Hoje a situagao muda. Ja nao se trata de individuosou de grupos que se revoltam, que procuram defender-seou vingar os seus mortos; sap inteiras populagOes quese insurjem, sem distincao de partidos politicos; o padrefaz tocar o sine a rebate, enquanto as mulheres pre-param o azeite quente e os homens se armam com tudo

que posse golpear, formam esquadras de defesa e, derepente, sentindo ferver todo o 6dio acumulado, todasas humilhagOes sofridas, tornam-se furiosos e perse-guem o fascista como se fosse um invasor estrangeiroque se pOs de parte da humanidade pela sua ignominia

ferocidade. E o Estado move-se finalmente; hoje quea populaglo se insurje, o Estado move-se; hoje que aftiria popular quer fazer justice pelas dores sofridas,

Estado move-se. Corn prudência, corn cautela, porqueji nao se trata de golpear a pobre gente, trata-se degolpear os filhos dos burgueses, gente que enquantosaqueia, grita «viva a Italia, viva o gente esco-Ihida, em sums, de bem, lig-ada por vinculos de paren-tesco aos deputados, a hierarquia militar, a magistra-ture.

Assim 6. Treze fascistas (') foram mortos pelaforce palica, 13 componentes de urn bando armado de

(1) Tantos tinham sido os fascistas mortos em Sarzana.As coisas desenvolveram-se assim: uma expedigito armada deseiscentos fascistas, encabecada por Amerigo Dumini, tinha-sedisposto volts de Sarzana corn a intencao de libertar dezfascistas detidos, por violencias, no carcere da cidade; mas pelaprimeira vez os fascists., encontraram-se perante a decidida re-sistancia de urn pelotäo de onze carabineiros. Aos pritneiros tiros,05 fascistas fugiram deixando no terreno tras ou quatro mortose muitos feridos. Dos restantes que se dispersaram pelos campos,uma outra dezena foi marts pelos camponeses e pelos aSoldadosdo pone) de Sarzana.

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600 pessoas, dirigido contra ulna cidade: lute, chore,desolago. 2500 italianos foram mortos em 1920; 1500italianos foram mortos nos primeiras seis meses de1921; rues eram de baixa caste, mas eram gado popularque 6 muito numeroso, que 6 um obsticulo pan as dis-ponibilidades de viveres, que 6 exuberante pan a passi-bilidade produtiva do aparelho capitalista industrial eagricola; por isso nenhum protesto pela sua morte, ne-nhurn luto, nem ligrimas nem desolacio pelo seu finviolento. Os 13 valem mais do que 4000; a morte dos13 faz esquecer a morte de 4000, faz esquecer as dores,os sofrimentos de milh'Oes e milhOes de populago sub-metida ao regime de invasio fascista.

Tudo into 6 natural. Seria tolice esperar diferentesestados de animo, seria absurd() esperar uma accao per-manente, por parte do Estado e dos jornais, contra oterror fascists Pedir a classe dirigente que esmague

fascismo, aerie como pedir o suicfdio. As armas quepor cinco minutos estiveram apontadas contra os fascis-tas nao tardarão a apontar-se contra o povo insurrecto;a insurreigo popular servin ao Estado burgues parsidentificar as armas em poder dos trabalhadores e panprocurar anuli-las. As mais absurdas lendas sera° cria-das contra o povo barbaro, desumano, format por ca-nibais; por 13 mortes burguesas permitir-se-a umahecatombe de 1000 trabalhadores.

Se o povo nä° esti permanentemente vigilante, sese deixa desarmar, se se deixa iludir corn as promessasde quem nunca manteve uma promessa [...]. Esta queatravessamos 6 verdadeiramente a hors da colera po-pular; mal dos partidos politicos que nao souberem to-mer uma decislo, que da experi6ncia histhrica dosoutros pafses nao souberem extrair uma orientago pana sua sego.

0 Partido Comunista esti no seu lugar: esta-se tor-nando o partido mais popular de Italia, pelo valor dosseus militantes que se poem a cabeca das populagesinsurrectas e as guiam pan a libertago e pars a paz.As populages est/to-se convencendo que o PartidoComunista 6 hoje o unieo partido que quer a ordeme a tranquilidade e que pode assegurar estes dois bensinestimaveis a sociedade dos homens. As populages

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vim fazendo a sua experiencia, difusa e profunda, sobreo valor da democracia parlamentar e da legislacao bur-guesa (incapazes de dar As massas pão, paz, segurancadas pessoas e do domicilio), insurgem-se e unificam-senas cidades e nas aldeias. Os jornais burgueses, porqueveem comunistas por toda a parte, tern uma intuicaoprecisa da realidade italiana: em Italia, calla insurrei-cat) popular orienta-se rapidamente pan o PartidoComunista, em Italia, A revolucao comunista sera o mo-vimento mais popular e mais profundo que jamais severificou na histOria do nosso pals.

GOLPE DE ESTADO (•)

Os Stenterellas da Confederacao Coral do Trabalhoestao permanentemente em mare de alegria. Inteirasregiees sae pastas a ferro e foga pela guarda branca,a actividade sindical a completamente despedacada, naosubsiste nenhuma garantia constitutional para os indi-viduos e para as associacees, os operkrios e os campo-neses sAo impunemente fuzilados por bandos armadosde mercenaries que yak livremente de provincia em pro-ivfncia e de regiao em regiao, mas os Stenterellos daCOnfederacao nao perdem per isso o apetite nem o bornhumor.

Existe em Italia a possibilidade de urn golpe de Es-tado? Qual deve ser a posicao da Confederagao, doorganismo maximo do proletariado italiano em relagaoa esta possibilidade? Os Stenterellos confederais riemsO com o facto de se per a hipetese de golpe de Estado.Mas tap vivemos hoje em Italia em plena atmosf era degolpe de Estado? 0 que significa, o que representa asituacao de inteiras provincias e inteiras regiees onde

o fascismo quern governs e nao autoridade oficial?Nao foi restaurada a pens de morte, nao foi restabe-decido o use do cassetete e estas formas de punicaonao sae administradas por organismos extra-legais?

Este 6 o ambiente do golpe de Estado, nao 6 aindao golpe de Estado na sua plena eficientia. Existe ainda

(*) Nilo asainado, L'Ordine Nuovo, 27-7-1921.

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Parlamento, o governo é ainda esoolhido e controladopelo Parlamento; nenhuma lei exceptional aboliu aindaformalmente as garantias estatutirias. Mu 6 possfvelimaginar que a actual condiglo das ooisas possa durarainda per muito tempo ? Existem hoje em Italia doisaparelhos repressivos e punitivos: o fascismo e o Es-tado burgues. Urn simples calcific) estimativo induz-nosa prayer que a classe dominante, em certo moment°,vita a arnalgamar, mesmo oficialmente, ester dois apa-relhos e despedacari as resistencias opostas pela tra-dicAo do funcionamento estatal cam um golpe de forcadirigido contra os organismos centrals do govern.Teremos entAo o tgolpe de Estado», segundo o esquemaoonstrufdo pelas ideologias democriticas sobre o Estadoparlamentar: verificar-se-Ao resistAncias por parte dopovo, tentativas de insurreigio local, resistincias perparte da burocracia que, corn razio, bemeri ser sacri-ficada pant satisfazer as exigAncias econ6micas deuma multidio de desempregados a procura de emprego

de ordenados. A parte mais re_accioniria e petulanteda classe dirigente acabari por impor a sua ditadurasanguinosa, dissolveri as organizacOes operirias, entre-gara todo o poder nas mitos da casts militar. Existe ounio este perigo? E como deve comportar-se a Confede-racito em relagio a ele?

Recordimos, numa manchette, que a ConfederackGeral do Trabalho da Alemanha dedicou &és meses detrabalho organizativo para ser capaz de despedagar ogolpe de Estado Kapp-Liittwitz ( 1 ). Os Stenterellos daConfederacAo italiana aproveitam a oportunidade pan

(') 0 golpe de Estado Kapp-Llittwitz, de 13 de Marco de1920, foi uma tentativa de esmagar a RemMlles DemocraticaMama, falida depois pela grave geral proclamada tempestiva-manta pelos sindicatos. A tnanchette de Ordine Nuovo, a que serefere Gramsci, de 16 de Julho de 1921, dizia: aA ConfederalloGeral do Trabalho, na Alemanha, tinha dedicado &Os meses detrabalho organizativo para set capaz de despedacar o golpe deEstado Kapp-Ltittwitz. A Confederacio do trabalho Italians pre-yin a possibilidade de urn golpe de Estado em Italia? NAo cryoportuno dizer claramente as multidOes populares o que devemfazer para impedir este Ultimo atentado contra a ens liberdadee contra a sua existenciats

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concluir que é preciso colaborar corn caquelas forcesrza) rigidamente revolucionirias e classistas que Laocontririas ao golpe de Estado). Na Alemanha, as mas-sas proletirias despedacaram, corn a grave geral insur-rectional, a tentativa de Kapp-Liittwitz; hoje recomega--se, o perigo de golpe de Estado aumentou. Osccolaboradores, não rigidamente revolucionirios queem nada tinham contribufdo para a resisteaThcia, opuse-ram-se a continuactio do movimento insurreccional,opuseram-se ao pmsseguimento da luta pant a instau-rug.° da Remlblica dos Sovietes alemies. Assim asforgas reactionaries nao foram reprimidas, puderamretirar-se em boa ordem, espalhar-se segundo urn pianopreestabelecido e retomar o trabalho de armament°, derecrutamento e de organizagio que hoje di a Kapp eLiittwitz uma maior probabilidade de kit°.

A experiencia alemi deveria ensinar alguma colasAs organizaciles operirias dos outros paises; nio ensinanada aos Stenterellos italianos. Estes insolentes da po-litica iludem-se ainda que podern, corn contratos vergo-nhosos, evitar as vergastadas e as bales. Nem sequer

exemplo hUngaro foi suficiente pars os induzir a es-tabeleoer uma linha de acetic que seja coerente corn arealidade dos acontecimentos. 0 que hoje sucede emItilia nä° os move minimamente: continuam a abanar--se na mais feliz e simpliria das indiferencas.

Ineindios, assassinios, vergastadas, fuzilamentos emmassa, dissolucio de organizaclies, ocupacao dos localsde trabalho, impossibilidade de reunilo, formac.Ao deuma massa (que cads dia se torna mais numerosa) deprefugos, de exilados, de esfomeados; criagio de estadosde infirm que pelo desespero ameacam passar a loucura

ao furor colectivo: tudo isto nao os preocupa, nil° ossacode, não os induz a adquirir um maior sentido dasresponsabilidades. Brincam, riem, divertem-se espirituo-samente corn o Partido Comunista que nio tern a forganecessaria para proclamar

A experiAncia hAngara deixou urn ensinamento: osreaccionirios, para baterem os comunistas, acariciamnum primeiro momento os socialists, estabelecem pac-tos corn eles, fazem acordos de pacifies*); urns vezbatidos os comunistas, os acordos e os pactos sio ras-

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gados e tambêm os socialistas saborearâo a corda e asbalms. A alegria que permanentemente oara,cteriza osStenterellos confederais, segundo a legica dos aconte-cimentos, surge come a antecipaCao da carets destapobre elite dirigente do proletariado italiano que, pelassuas indecistses, pela sua inepcia, pela sua incapacidadede compreender as situacOes politicas, ameaga ser arras-tat pant um ems de barbitrie sem precedentes na his-teria do nosso pals.

A HORA DO PROLETARIADO (')

A burguesia enche-se de coragem. A burguesia sen-te-se hoje segura, depois de ter superado um graveperigo. E pars esquecer o perigo que correu, pae-se adisparar golpes cegos contra o inimigo que julga tervencido e desfeito. 0 inimigo deve desaparecer. Nenhumapiedade, nenhumas atenunantes. A burguesia tremeudemasiado em todo o mundo. Por isso quer a derrota,o aniquilamento complete do seu inimigo. Nenhum sinaldeve ficar dele no mundo. Nem sequer a recorclacão;nem sequer a mais palida sombra deve sobreviver. Aburguesia odeia mortalmente o comunismo. A burguesiamundial toda ela està de acordo em acabar corn elepara sempre. Fechadas as oficinas, parade o trabalhonos campos e nits minas, aumentou por todo o lado omimero dos desempregados. Os trabalhadores esfomea-dos e dispersos pelas rues e pracas perderam o seucentre natural de luta. Por outro lade a burguesia,servindo-se da fome come instrumento de luta contraos trabalhadores, Ode organizar a sua defesa corn guar-das brancos, lancando por toda a parte o terror, se-meando carnificinas e determinando a ruins de todo oaparelho de producaTh mundial. A classe operdria, de-primida pela fome, humilhada pelo desemprego, encon-trou-se assim a lutar contra os seus exploradores emcondicaes desiguais, em mode de ter que se sujeitar as

(•) Nilo assinado, L'Ordine Nuevo, 6-8-1921.

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sues leis ou sucumbir. Mas nAo era apenas isto que aburguesia se propunha. Enfraquecer o espirito revolu-cionArio des masses operarias, obrigando-as pela fomea pactos iniquos, devia ser so urn meio pars se desfazerda organizagao comunista. Isolar os comunistas parsos exterminar 6 o prop6sito real perseguido pela bur-guesia e pelos Estados capitalistas de todo o mundo.A fome era por isso um Optima meio pare destruir arede de Conselhos e de Orglos revolucionArios que oscomunistas tinham construido em cads pals pars a lutasupreme contra a exploracão do capitalismo. Mas seisto acontecia e podia acontecer em todos os paises eEstados capitalistas, náo era suficiente pars afastar operigo revolucionArio ate que a Rtissia dos Sovietes per-manecesse de p6, simbolo vitorioso da revoluc.io prole-aria. Para que servia encarcerar milhares e milharesde operarios comunistas, fazer assassinar outros tantos,se urn grande Estado proletArio resistia aos golpes damecca° mundial e conseguia ter sempre erguido o es-tandarte da rebeliAo contra a exploraclo do homem pelohomem?

A Russia dos Sovietes, a gloriosa Rept%ilea dos Con-selhos operarios e camponeses, resistindo sem nuncase enfraquecer sos ferozes ataques da Santa Aliangaburguesa, afirmava o principio da revolugiio vitoriosa.Eis por que era neeessario que a burguesia desmante-lasse, antes de mais, esta fortaleza da revolucAo mun-dial pare poder aspirar de novo ao sono tranquilo. To-das as anima e todos os meios foram adoptados parscombater a Republica dos Conselhos. Mas nests frente,a burguesia mundial, ainda que ajudada pela cumplici-dade dos sociais-reformistas, teve que reconhecer a suaimportfmcia pars esmagar a revolucAo proletaria. ARussia dos Sovietes triunfou de todos os brigantes e detodas as manobras contra-revolucionarias.

A burguesia foi, conforme as momentos, compla-cente e impiedosa: complaeente nos momentos em quea Republica do Conselhos se afirmava a mais forte eameagava estender-se; impiedosa quando a sua sorteparecia mais incerta. Politica de vileza e de oportunis-mo, coma 6 sempre a politica das burguesias. Uma provedist° 6-nos oferecida hoje.

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A Russia dos Sovietes atravessa urns hors critics,ao mesmo tempo frut,o das e.onsequencias do infamebloqueio e de uma terrivel carestia que se abateu sabrealgumas das mais fOrteis regi5es. A Mitt tem hojegrande necessidade de viveres e de medicamentos. Gra-ves doencas acompanham a triste desventura da cares-tia. A Thissia apela pare todos os operArios e operariasdo mundo pars que vito em seu auxin°, enviando viverese medicamentos. Ora desta circunstAncia tentam apro-veitar todos os inimigos da repfiblica operaria pars aabater definitivamente. Os Estados e os governos assas-sinos, que tern contribuido com o bloqueio para agravaras condigOes econOmicas da Rtissia proletaria, estAo fe-lizes que tambem a carestia tenha vindo em'seu auxilioe meditam como servir-se dela contra a Republica dosSovietes.

A ajuda que os irmAos russos pedern sos operariosde todo o mundo nAopodera ser fornecida sem primeiroveneer graves dificuldades. As burguesias de todos ospaises nAo pennitirão o envio de viveres pars a Massieesfomeada sena° atravás de urn pacto e que este sinspara esmagar o governo dos operarios e camponeses.Todos os obstaculos sera() levantados contra a Massifspare que ela se extinga. 0 humanitarismo e a filantropiados governos burgueses sap apenas mascaras sob asquais se esconde a sua verdadeira essOncia. Os traba-lhadores atravessam hoje, por toda a parte, momentoscriticos. TambOm eles esti° na fome e na miseria. MasdarAo. Os trabaihadores sabem o que e o sacrificio.Pobres, saberAo dividir o seu pato corn os Ulnae' s russos.

Mas nä° basta organizar a solidariedade dos opera-rios corn a Thissia. Recolher viveres e dinheiro 6 o me-nos que se pode fazer pela Rtissia. Ocorre depoisassegurar que os viveres possam alcancar os paises es-fomeados. Para que isto seja possivel, ocorre impedirque contra a Rtissia do Sovietes se preparem e seorganizem novas expedigOes. A Thissia tern necessidadede se dedicar corn tranquilidade a sarar os males do seuflagelo. Esta seguranca s6 pode e deve ser garantidapelo proletariado revolucionario de todo o mundo.

Nenhuma nova egress:a° contra a Rfissia operAria;nenhum obstaculo A ajuda que as trabalhadores de to-

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dos os paicPs se preparam para dar aos seus irmaosrussos corn espfrito de abnegagio e sacrificio. 0 pro-letariado revolucionbrio de todo o mundo tern a tarefade impedir que os inimigos da Republica dos Sovietesfacam morrer milhares de criangas e de operarios, pelasus aversao ao comunismo. 0 proletariado revolucio-nirio nao deve poupar coisa nenhuma para cumpriresta tarefa. Tem que estar vigilante e pronto nestshors de grave perigo para a primeira repablica opera-ria e para o superior interesse da revolucao =India].

PROBLEMAS MORA'S E LUTA DE CLASSES (•)

0 tratado de paz entre faseistas e socialistas traztamb6m a assinatura da Confederactio Geral do Traba-lho. Este acto do maxim° organism° sindical 6 perfei-tamente justificavel corn a tactics que os labour leadersitalianos seguem ha anos para a realizacao do seu idealpolitico: urn Estado edemocratico * baseado no principioda representa.ao parlamentar de ^lease e de categoriae na centralizacao de todas as actividades econamicasna burocracia estatal-sindical. Marcos milli-trios destepercurso: a participacao na mobilizacao industrial doperiod° da guerra, a adesaso a grande comissao (9, aspropostas de Constituinte a seguir a guerra, os projec-tor para o Parlament° do trabalho e a transformagãodo Senado corn a representacio profissional, a desvalo-rizacilo das Camaras do trabalho e a centralizacao tra-balhista na secretaria confederal, a transformacão dossindicatos segundo o principio das corporagOes, o con-trolo estatal-sindical na indastria, a permanencia naInternacional de Amesterdao e consequente colaboracaocorn a secretaria internacional do trabalho da Liga das

(") Nao assinado. L'Ordine Nuovo, 7-8-1921.Assim tinha sido chamada a comissao criada em Agosto

de 1918 pelos socialistas pars estudarem as reivindicacaes ime-diatas do partido no ap6s-guerra (et o Avanti! de 12-8-1918,La aCoramissioniseitnau soda/Leta per U dopo guerra, manifestoassinado pela direogto do Partido Socialists, pelo Grupo Parla-mentar Socialists e pela Confederaclio Geral do Traballio).

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Nagees, etc. 0 panto de paz estipulado corn a interven-ca1/2 oficiosa do Estado, ao mesmo tempo que é umaremincia, tambean dolorosa, para os poucos maximalis-tas do Partido Socialista, a urns conquista pars os traba-lhistas que dirigem a Confedera,no e puxam os fios dosfantoches do teatro de Barnum.

0 Partido Socialista Italian°, que nunca soube cor-rigir-se do pecado de origem demoeratica, parlamentar,pequeno-burguesa, foi sempre pouco temido pelas nossasclasses dirigentes.

Corn a guerra e a revoluclio russa, a luta de classesassumiu por toda a parte, na Europa, o caracter asper-olmo do esforgo pant o derrube do poder burgués e ainstauracão da ditadura proletaria.

A rave situagao operou o que os homers de boavontade teriam querido evitar. 0 bovgarconnisme tor-nou-se cada vez mais impotente perante a fatalidadeda histeria.

Dal resultou a cisao no socialismo mundial. Datade entho, em Italia, a agudizacao dos dissidios que pro-vocaram os mais acesos debates sobre as relagOes entreos sindicatos dominados pelos trabalhistas e o PartidoSocialists, e que levaram a salt dos comunistas.

A eislo assinalou o flan politico do «maximalismo*e a submissao do PSI aos homens da Confederagao. Amascara revolucionaria foi conservada corn intengao depura demagogia.

facto é previsto no desenvolvimento da luta declasses, que tende a polarizar-se no trabalhismo cola-horacionista e no Partido Comunista, elassista, revolu-cionfirio.

dissidio entre revolucionarios e reformistas sobreas tarefas dos sindicatos era, no fundo, dissidio entrea burocracia sindical—que centralizava em si todas asfungOes politicas da organizacao operfiria — e as massesorganizadas. Assim se explica coma o fascismo — en-quanto os seus chefes parlamentares afirmavam o res-peito pelas organizacOes operarias para agradar aoschafes parlamentares do socialismo, corn os quais sepacificaram hoje solenemente como se nunca tivessemestado em guerra — se desenvolveu essencialmente corncaricter anti-sindical. As fortalezas do sindicalismo re-

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formista, sob o impeto da reaccAo brans, cairam urnsa seguir a outra. As Camaras de trabalho foram incen-diadas as dezenas, as organizaCoes dissolvidas ou impos-sibilidadas de funcionar, os dirigentes exilados, presos

algumas vezes ate assAssinados, as conquistas maiorespisadas, mass a tactica dos trabalhistas 33Ao mudou.

Continuaram a olhas o Estado coma o alnico rneiocapaz de restabelecer, corn a autoridade da lei, a norma-lidade da accao sindical e, alean disso, como a Mika rea-lidade social.

Assim hoje os chefes reformistas da ConfederactioGeral do Trabalho nao quiseram sequer fazer urn examesumario de consciencia, antes de subscrever o tratadode paz corn os fascistas.

A presenca dos representantes do Estado foi, pelocontrario, desejada por des e, come sempre, docilmenteaceite pelos maximalistas. Os trabalhistas da Confede-racao Geral do Trabalho assinararn o tratado de paz corna consciencia de cumprirem, desse modo, um a,cto decolaboragao" , anticlassista, contra-revolucionfirio, de con-tribuirean pars restaurar a autoridade da lei e do Es-tado, de aproximar o dia da sua entrada no «Roder*corn a liquidaclo dos altimos residuos de maximalismointransigente que ainda p5e obstaculos a esta via.

0 Avanti!, cornentando o «pacto* de Roma, declaroutratar-se de urns simples tregua, aconseihada por mo-tivos tactioas, sem qualquer outro valor do que urn actode guerra, porque «aid° pode haver cessacao da luta declasses* mas apenas mudangas de forma de acordo cornas varias contingôncias. Mas o Avanti! é o Orgao domaximalismo, isto e, a cena do teatro de Barnum, en-quanto que pars fazer urns ideia mais exacta dos aeon-tecimentos 6 muito mais titil conhecer o pensamento dosque movem os cordais.

Gino Baldesi, em Battaglie sindicali, Orga.o da Con-federaCio Geral do Trabalho, cornentando o tratado, dizprecisamente o contrario de quanto se afinna noAvanti!:

«Ma é a paz concluida entre dois exe'reitos ernguerra. 0 «pacto* de Roma é um panto «moral * quetende a expulsar da vida civil tudo quanto ali se tinhainfiltrado e que envenenava a existAncia.*

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Os dirigentes confederais nem sequer se preocupam,como o Avanti!, de saber se o tratado sera executadoou nao:

tQue os gregarios, os associados, os sequazes de quemos representou assinando, obedegam ou, nao 6 coisa desecundaria importfincia. Polo contririo: se tivassemosque acreditar nas propostas aprovadas pelos fascistasdas regiaes mats doridas, seriamos assaltados por um6entido de tristeza pelo temor que a boa vontade dosdirigentes tenha que embater-se contra a decidida e con-traria vontade dos gregirios.,

Os trabalhistas tem sempre uma soluclo: o Estado.Se o tratado nao for seguido, fa-lo-lo cumprir eles, an-dando directamente ao governo se for necessfirio: Asleis existem e devem valer para todos. Quern nao ternf 4, tem de pagar d. lei que o Dune.)

Assim, enquanto o Avanti! considera o tratado urnacto de rinse, Stenterello, que a Babe toda, nao the damats valor pratico do que o de oondenaglo da violenciae de valorizallo da lei, do Estado, do «alio * principlede colaboragao.

Baldesi pensa nos cproblemas morals ". 0 fascismopara Stenterello urn problema moral. Quo G. M. Ser-

rati lhe oferega algum dos seus optisculos de propagandaelementar, a doffs centavos o exemplar, para que possaaprender que na luta de classes o nide° problems Amo-rah 6 a vithria da chase.

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PROSSEGUIR NA LUTA (')

Contra a onda reaccionaria que tents, submergir aseonquistas obtidas pela classe operaria nestesanos de luta, ocorre erguer uma potente barragont Estabarragem 6 a unidade de todas as forcas operirias, ci-mentadas por uma Unica vontade de resistir ao assaltopatronal. A crise deixada pela guerra, como heranga, emtodo o mundo, nao pode ser aproveitada como justifi-cacao do comportamento patronal. A guerra foi o queo foi, tumo menos o fruto das culpas das classes traba-lhadoras. 0 regime que produziu a guerra e o mesmolque cria agora o desemprego e a miseries em todo omundo. Todos os delitos, todas as penas, todas as pri-vacOes inauditas que este regime, baseado na proprie-dade privada, traz consigo, devem pesar apenas sobreo povo trabalhador? A classe rica, a classe patronaldeve paler esfomear sempre a classe operaria e cam-ponesa para que se salvem os seus lucros, para que asua propriedade n50 sofra mutilacOes, limites, diminui-pies de qualquer especie? Tudo into 6 impiedoso masnenhura grito de dor ou de humanidade podera impedi--lo. A lei da propriedade 6 mats forte do que qualquersentimento de filantropia. A fome dos pobres, dos queproduzem a riqueza dos outros, nao 6 delito na sociedadeque reconheee tom° sagrado e invioLivel o princlpio dapropriedade privada: que os patrOes feehem as fabricas,

(•) Nio assinado, L'Ordine Nuavo, 24-8-1921.

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reduzam os salaries aos operarios, isto nao ester forada lei que regula a sociedade capitalista. Mae os ope-rarios e os camponeses devem, tambem eles, raciocinarpartindo de um semelhante ponto de vista? Ou naotem eles o dever de fazer um raciocfnio oposto, isto 6,dizer que a crise deve ser superada sacrificando querna produziu, quern 6 a cause permanente? Decerto queos operarios e os camponeses nao podem e nao devemfazer urn raciocfnio diferente. 2 verdade que o mundoda producao atravessa urn desequilfbrio indizivel; 6 ver-dade que as inastrias estão arruinadas, que os patrOescorrem muitos riscos ao investir agora os seus capitals;mas, repetimos, que significa isto sena° a bancarrota,a falencia do actual sistema de producao? Os operariose os camponeses querem dar-se conta da crise e resolve--la mas nao para refazer o capitalismo que the da fomee o oprime corn o seu aparelho de exploracae. Os ope-ririas e os camponeses devean lutar agora pela sua li-bertagao. A crise que os atirou pan os braces da fomeMe' 6 igual as que se verificam periodicamente nomundo da producao capitalista. tal a extensao dacrise que dela so se sai de um modo: ou corn o esma-gamento geral da classe operaria ou corn a morte corn-pleta do capitalismo. Port, corn este diferenca: que s6a classe operaria 6 capaz de restabelecer o equilibriano mundo da producao que a guerra arruinou. A classeoperaria so tern por isso uma via: lutar ate a vitOriase se quer salvar a si prOpria e a humanidade inteirada rufna do aparelho geral da producao. A primeiracondicAo para esta vitOria 6, naturalmente, a de resistircontra o assalto patronal as condicees de vida alcan-cadas pela classe operaria. A proposta que os comunis-tas fizeram aos maximos organismos sindicais de Italiapara uma batalha numa frente alargada contra a reac-

patronal, mantida e encorajada corn o apoio do go-verno, tern precisamente o significado de querer chamara sterna° das MR4904 para este sell px-irneiro dever.

Os dirigentes da Confederagao e da Dula° Sindicalresponderam ate agora ao comite sindical comunista,oe primeiros mostrando ignorer-lo e os segundos dizenda--se ceptices acerca do valor e da possibilidade da frenteunida contra a classe patronal. Nero 6 isso que cents.

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Os dirigentes dos dole organismos obedeceram a senti-mentos prOprios, que Ina podem ser e não sera° parti-lhados pelas in 9 SAW3 que sof rem as consequencias ter-riveis da crise. Os dirigentes reformistas da Confede-ragão podem dizer que o patronato 6 hoje o mods forte,mas es,te raciocfnio foi o que sempre defenderam e, poroutro lado, os operarios nunca foram mail fortes doque os patrOes. Seguindo o raciocinio dos reformistas,a classe operiria deveria suportar a fome rem sequeragitar urn dedo. 0 habito mental oportunista e o amorA imobilidade dos senhores reformistas que dirigem aConfederacao conduzern-nos forgosamente a semelhan-tee raciocfnios todas as vezes que ocorre fazer algumacoisa. Os operarios e camponeses sabem, porem, porexperiencia, que tudo o que conquistaram o pagaramcorn o preco do sangue. Os operarios e camponeses, sa-bre os quais quereriam fazer pesar as consequenciasda crise, nao podem raciocinar como os mandarins daConfederacao. Por isso eles tem o dever de se colocaremresolutamente no terreno da accao e de exigir que aspropostas dos comunistas nee sejam postas de partecorn uma simples declara 'cao de diplomacia sindical.Compete aos operarios obter que os Orgitos nacionaissejam convocados urgenternente pant discutir as pro-postas comunistas e vigiar para que as decis5es naocontradigam as suas esperangas. E isto pode fazer-sese corn uma valida e directs organizacAo. Nas oficinasonde ainda se trabalha, devem organizar-se grupos per-manentes de operarios que expliquem em todos os seusdetalhes o alcance da agitacao que os comunistas pro-p-1km em defesa das sues condicees de existencia. Osgrupos de of icina devem organizar-se, alem disso, porindfistria, pondo-se ern contacto corn os outros grupossemelhantes. Todos em conjunto, devem criar uma liga-gao geral corn o Comae sindical comunista local. Ondeexiste o desemprego, devem criar-se Conselhos de de-sempregados por sectores, bairros, casas, etc. EstesConselhos de desempregados tern a obrigacik• de dedicara maior actividade para que uma estreita ligagito sejacriada mitre eles e os grupos de fabrics. Isto coma acejtogeral de propaganda e de preparacao para conseguirem,corn a pressiio directa, que os organismos locals se ex-

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primam sobre as propostas comunistas, e oponham, pelomenos, urn seu piano de acciio em defesa das ameacadascondiciies da classe operaria. Do mode mais concrete,ocorre organizar numerosos comities de opethrios defAbrica e de desempregados, separadamente e em con-junto, fazer voter precisas propostas que devem depoisser levadas as organizagOes sindicais, feitas aprovar eimpostas sacs drgAos directives.

necessirio desenvolver toda esta accAo corn f6,tenacidade, entusiasmo. As massas operarias devem sa-cudir-se do estado de humilhaglo Para que foram atira-das pela propaganda adormentadora dos reformistas,agentes directos ou indirectos da classe patronal. Asmassas opethrias devem opor ulna tenaz resistencia aoassalto que o capitalsmo desfechou contra as suns po-sicOes, se quiser mante-las e defender o seu futuro Masquem, acima de tudo, deve agir neste momento, semnunca se csnRar, 6 o opercirio comunista, o que militano Partido Comunista. E a asses que 6 confiada a ta-refa da organizagdo pars que nenhum elemento sejatranscurado na luta, em duas frentes, que se ests deli-neando em Numa e noutra, a vit6ria deve ser dosopethrios e do comnnismo.

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OS DOIS FASCISMOS (*)

A crise do fascismo, sobre cujas origens e causaa seesta escrevendo tanto nestes dies, 6 facilmente expli-cavel com urn exame seri° do prOprio desenvolvimentodo movimento fascists.

Os «Faseios * de combate nasceram, a seguir a guer-ra, corn o carActer pequeno-burguAs das varies associa-gees de sobreviventes surgidas naquele tempo. Pelo seucatheter de dedicida oposigão ao movimento socialists,herdada em parte pelas lutas entre o Partido Socialistae as associagOes de intervencbo- no period° da guerra,os «Fascios * obtiveram o apoio dos capitalistas e dasautoridades. A sua afirmacAo, coincidindo corn a necessi-dade da formaeao, pales agrarios, de uma guardabranca contra o crescente prevalecer das organizactiesoperArias, permitiu que o sistema de bandos criados earmados pelos latifundia-Hos assumisse a prOpria eti-queta dos «Fascies», a qual conferiram, corn o sucessivodesenvolvimento, a sua pr6pria caracterfstica de guardabranca do capitalism° contra os Orgies de classe doproletariado.

0 fascismo conservou sempre este vicio de origem.0 fervor da ofensiva armada impediu ate hoje o agra-vamento do dissidio entre os micleos urbanos, pequeno--burgueses, prevalentemente parlamentares e colabora-cionistas, e os rurais, formados per proprietaries das

(*) Nilo assinado, L'Ordins Nuevo, 2543-192L

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terras, grades e mödios, e pelos pr6prios colonos, inte-ressados na luta contra os camponeses pobres e as sussorganizagOes, decididamente antisindicais, reacciona-rips, mais confiantes na aces:10 armada directs do quena autoridade do Estado e na eficticia do parlamenta-rismo.

Nas zonas agricolas (Emilia, Toscana Veneto, Um-bria), o fascismo teve o major desenvolvimento, alcan-gaud°, corn o apoio financeiro doe capitalistas e a pro-tecclo das autoridades civis e militares do Estado, urnpoder sem limiter. Se, per um lado, a ofensiva impiedosacontra os organismos de classe do proletariado serviuSOS capitalistas, que no decorrer de urn ano puderamobservar a fractura de todo o aparelho de luta dossindicatos socialistas (perdendo toda a eficticia), 6 ine-gavel porárn que a viola:Ida, degenerando, acabou percriar ao fascismo uma opiniao difusa de hostilidade nossectores medics e populares.

Os episedios de Sarzana, Treviso, Viterbo e Roccas-trada (1) sacudiram profundamente os micleos fascistasurbanos, personificados em Mussolini, que comegarama ver um perigo na tactics exclu.sivamente negativa dostFascios* das zonas agricolas. Por outro lade, estatica tinha jfi dado Optimos frutos arrastando o PartidoSocialists pars urn terreno transigente e favor:1,1Tel itcolaboraCio no pais e no Parlament°.

0 dissidio latente comeca deste entao a manifestar-seem toda a sua profundidade. Enquanto os nficleos ur-banos, colaboracionistas, vtlem alcancado o objectiveque se tinham proposto, do abandon da intransigénciatleasista per parte do Partido Socialists e se apressama registar a viteria corn o pacto de pacificaclo, os capi-talistas agrfirios não podem renunciar a (mica tactics

(I) Para os factos de Sarzana, cf. nota 1, p. 205. Em Vi-terbo e Treviso ocorreram violentos ataques fascistas, energies-manta repelidos palm foreas populares. Em Treviso ocorreu ummassacre, por parte dos fascistas, core mortes e feridos. Em 24de Julho, Roccastrada, na Marema Toscana, foi devastada poresquadras fascistas que incendiaram e destruiram lojas e casesde dirigentes sindicais, de socialistas e comunistas, disparandoao acaso nsa run, matando 12 pessoas e ferindo dezenas.

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gut lhes accegura a clivre) exploracio das classes cam-ponesas sem aborrecimentos de groves e de organiza-cii es. Toda a polêmica quo interessa ao csanpo fascists,entre favoraveis e contraries a pacificagao, reduz-se aeste dissidio, cujas origens se devem procurar nas pro-prias origens do movimento fascists.

As pretens6es dos socialistas italianos, pensando terprovocado a dal) no movimento fascists corn a suahabil politica de compromisso, tho apenas uma proveda sua demagogia. Na realidade, a crise fascista nâoé de hoje mas de sempre. Cessadas as razOes contingen-tea que mantinham compactas as fileiras antiproleta-rias, era fatal que os dissidios se rnanifestassem cornmajor evidencia. A crise 6, portanto, nada mais do que

esclarecimento de uma situagao de facto preexistente.0 fascismo soiree da crise cindido. A parte parla-

mentar, encabegada por Mussolini, apoiando-se na classemedia (empregados, pequenos comerciantes e indus-triais), tentari a sua organizack politics orientando-senetessariamente pare a colaboraclo corn os socialistas

populares. A parte intransigents, que exprime a neces-sidade da defesa directa e armada dos interesses capi-talistas agrarios prosseguirà na sua accao caracteristicaantiproletaria. Para este sector, o mais importante emrelacao a classe operiria, /IA° tern, qualquer valor ocpacto de tregua * de que os socialistas se gabam comouma viteria. A crise assinalarà apenas a salda do movi-mento dos «Fasciostfr de urns fraccao de pequenos bur-gueses que tentaram em vac justificar o fascismo cornurn programa politico geral de tpartidots.

Mas o fascismo, o verdadeiro, o que os camponesesope fasios temilianosx., tvenetost• e toscanos conhecem

pals dolorosa experiencia dos (rhinos dois anos de ter-ror branco, continuarâ mesmo que tenha que mudar denone.

A tarefa dos operarios e dos camponeses revolucio-narios 6 a de aproveitar o period° de relativa paragem,determinada poles dissidios internos dos bandos fas-cistas, pare infundir nas massas operarias e inermesuma clam consciancia da situag'ao real da luta de classes

dos maim aptos pare veneer a arrogante reaccao ca-pitalists.

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LEGALIDADE (')

At6 onde afirma a legalidade os seus Quando6 que estes deixaram de ser respeitados? r5 decerto di-ficil fixar qualquer limIte, dado o caractA:tr muito elastic°que assume o conceito de legalidade. Para cads. govern,tudo o que se manifests no campo da accAo contra eleultrapassa os limites da legalidade. E, todavia, podedizer-se que a legalidade 6 determinada pelos interessesda classe que detkm o poder em qualquer sociedade. Nasociedade capitalists, a legalidade 6 representada pelosinteresses da classe burguesa. Quando urns accAo tendea ferir, de qualquer mode, a propriedade privada e osrendimecatos que dela derivam, aquela accAo torna-se destibito ilegal. Isto acontece em substancia. Na forma, alegalidade apresenta-se diversamente. Concedendo aburguesia, ao conquistar o poder, igual direito de votoao paträo e ao seu assalariado, aparentemente a legali-dade foi assumindo o aspecto de um conjunto de normallivremente reconhecidas per todas as partes de um agre-gado social. Houve entAo alguem que trocou a substaneiapela forma e deu, portant°, vida A ideologic liberal-de-mocratiea. 0 Estado burgues 6 o Estado liberal por ex-celancia. Cada um pods exprimir livremente o seu pen-samento atraves do veto. Eis, em tracos largos, a quese reduz a legalidade formal no Estado burguks: ao exer-eicio do veto. A conquista do sufragio para as masses

(*) Nio assinado, L'Ordine Nuevo, 28-8-1921.

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populares apareceu aos alias dos inganuos ideelogos dademocracia liberal come a conquista decisiva pars . o pro-grease social da humanidade. Nunca tinham tido em con-ta que a legalidade apresentava duas faces: uma interim,a substaincial; a outra externs, a formal.

Trocando estas duas faces, % ide6logos da dernocra-cia liberal enganaram por urn certo period° de tempo asgrandes mans populares, fazendo-lhes acreditar que osufragio as terra leva,do a libertagao de todas as cadeiasque as premdiam. Infelizmente, nao cairam nesta ilusàoapenas os miopes assertores da democracia liberal. Muitagente que se reputava e se reputa marxista acreditou quea emancipacao da classe proletaria se cumpriria atravesdo exercicio soberano da conquista do sutra:gra Algunsimprudentes serviram-se ate do name de Engels panjustificarem esta sua crenca. Mas a realidade destruiutodas estas ilusees. A realidade mostrou, da maneira maisevidente, que a legalidade 6 uma s6, existe ate onde seconcilia corn os interesses da classe dominante, isto 6,na sociedade eapitalista, corn % interesses da classe pa-tronal. Especialmente a experiencia destes Ultimos tem-pos contem, na realidade, muitos e importantes ensina-mentos.

A classe operaria, usando este seu direito de vote,tinha conquistado para si urn grande Munero de muni-cipios e provincias. As suas organizapies tinham alum-cado um potente desenvolvimento numeric° e tinhaanconseguido impor pactos vantajosos para os opethrios.Mas quando o sufrigio e o direito de organizacao se tor-naram meios de ofensa contra a classe patronal, estarenunciou a toda a legalidade formal e obedeceu apenasa sua verdadeira lei, a lei do seu interesse e da sua can-servace.o. Os municipios, urn a um, foram retirados vio-lentamente a classe operaria; as organizagOes foram dis-solvidas corn o use da forca armada; a classe operaria ecamponesa foi expulsa das suas posicOes, das quaffs amea-cava demasiado a existencia da propriedade privada.Surgiu assim o fascism°, o qual se afirmou e impis f a-zen do da ilegalidade a Unica coisa legal. Nada de organi-zacao a nao ser a fascista; nada de direito de voto, a nä°ser para o dar ao representantes agrarios e industrials.Esta 6 a legalidade que a burguesia reconhece quando

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obrigada a repudiar a outra, a formal. A experienciadestes liltimos tempos nao 6, portanto, isenta de ensina-mentos para aqueles que, de inicio, acreditaraan honesta-mente na efidzia das garantias legais conoedidas poloEstatuto liberal burgues.

Existe um jxmto na hist6ria em que a burguesia 6obrigada a repudiar o que ela pr6pria criou. Este pantoverificou-se em Italia. Nä° ter em conta a experienciaque deriva desse facto é ingenuidade suprema, merece-dora das mais severas samcOes, ou é ma f6, a qual se deveimpediosamente punir. Tal nos parece, corn efeito, o casodaqueles organizadores socialistas que pareeean hojeespantar-se como 6 que, par eXeraplo, o ministro Bene-duce nao consegue fazer respeitar os contratos de tra-balho. Para gente que se diz ainda no barren° da luta declasses, tudo isto é enorme. Sera licit° a um organizador,o qual pretende nao ter renegado os principios da luta declasses, perguntar a um ministro de que faculdade podedispor para impedir a violacao, por parte dos patnies,dos acordos de trabalho? Semelhantes perguntaspodem deixar de produzir dilvidas e incertezas na classeoperaria. E natural que o ministro do Trabalho nee pos-sua nenhuma faculdade fora do facto de ser o instru-mento nas maos dos agróxios e dos industrials. Ate aomoments em que os organizadores socialistas nao soube-rem outro meio que nao seja o de se dirigirem ao minis-tro do Trabalho para que chame os patrOes ao respeitodos contratos, a classe operiria continuara a sofrer todasas violacOes sem sequer poder organizar uma defesa pr6-pria.

Os industrials demitem-se das comissOes arbitrais.Esta 6 tambem uma consequenoia 16gica da situagao. Osindustrials querem retomar hoje o seu poder absoluto.Os industrials ja mao quer= reconhecer limitacA5es dequalquer especie a sua vontade. Aceitaram as comissOesarbitrais quando o impulso revolucionfidrio das massasameacava a sua existencia. Agora que a situacao parecefavorivel aos calculos reaceionirios, os patrOes nem se-quer podem pemsar em conservar qualquer escrapulo.Meteram-se aberbamente pela estrada da recuperacaointegral e despetica do poder sobre as massas opera/ass.O que sabem investigar os organizadores socialistas pc-

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ratite esters tendências da classe patronal? Tilde o queos organizadores socialistas sabem fazer 6 denunciaropiniao publics o nâo cumprimento patronal e a impo-tência do ministro do Trabalho. Mas entretanto a classeopethria sofre todas as consequ6ncias do comportarnentopatromal e da incerteza dos seus dirigentes. Enquantoester dirigem perguntas ao ministro do Trabalho, crescea fame; a miseria multiplies-se; a reaccao reforca-se. Osorganizadores socialists; que, durante a guerra, aperta-vain as maos ensanguentadas dos generais nas comisseesde mobilizaflo, sio os inesmos que hoje pedern a ajudae a intervencslo dos ministres do Trabalho. Ontem, tor-navam-se ctimplices dos assassimos que •tinham desenea-deado a guerra travando o impeto revolucionario dasmassas corn as decisoes das comissrdes arbitrais; hojedeixam a e.lasse operiria indefesa, enquanto por toda aparte os patrOes deixam de respeitar os contratos, vio-lazado-os a seu bet-prazer.

SO a proposta do Comae sindical comunista 6 capazde organizar urns defesa operAria contra o assalto capi-talists; s6 unindo todas as forcas operAria.s num exer-cite compacto se pods pensar numa seria oposicAo aoscapitalistas, os quais, obedecendo a amp palavra de or-dem, procuram reduzir a escravidao toda a classe ope-raria. Mas pan os senhores organizadores socialistas,o facto de solicitarem o respeito dos contratos a hojemuito revolucionArio.

AO TRABALHO! (11)

As manifestacties destes ultimos •dial pelo aniversArioda ocupaedo das fAbricas, pela solidariedade proletariapars corn a Russia dos Sovietes e pela juventude comu-nista demonstraram come a classe operaria italiana vaidespertando do seu torpor. 0 trabalho tenaz e pacientedesenvolvido pelo Partido Comunistas nos riltimos mesasdeu os seus frutos. E precise agora intensificar este tra-balho, 6 precise corn maior vigor e corn espirito mais &is-tamale° conduzir ate ao fim esta energica campanharevolucionaria do despertar das conseiências e de reorga-nizacdo da unidade proletAria.

Todo o aparelho do Partido e da juventude comunis-ta deve empenhar-se para conduzir a campanha ao seuresultado. Os mandarins confederal& nä° querem reco-nhecer a exist8ncia do Comitê Sindical Cornunista. Estedeve adquirir a maxima eficiencia, deve tornar-se o cen-tre organizativo dos °patties italianos, deve tornar-seo verdadeiro centre dirigente da Confederacio Geral doTrabalho. Se o Partido e a juventude comunista mobili-zarem os seus 80 000 aderentes pant esta grande obra deesclarecianento e de organizacão, nil* tardarao a vergrandes mudancas na actual situagAo sindical. E neces-sari° que mesmo nos centres mais pequemos nascamcomites sindicais comunistas, que eles desenvolvam sis-

(*) Nio assinado, L'Ordine Nuovo, 6-9-1921.

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maticamente a propaganda, que näo se transcure umafarina sequer. Nas fabricas, a precise que os gruposcomunistas obriguean as Comissoes internas a pronuncia-rem-se sobre a proposta do Comite sindical comunistacentral; onde as Comissoes internas sdo constituidas peroportunistas ou per indiferentes a precise dirigir-se di-rectamente ao operariado, provocar a dernissäo da Co-!nista° interns e fazer novas eleicOes corn base nas pro-pastas comunistas. Nao devem perder a coragem perqualquer insucesso: se o operariado mao responde ao pri-meiro apelo, 6 precise intensificar a propaganda e a agi-tace.o. Em muitas fabricas italianas os operArios comu-nistas foram despedidos e esti° desempregados Estescamaradas devem agir do exterior, formar comitesexternos a fibrica onde trabalharlo, fazer aproximarindividuaimente es operiarios socialistas ou sem particleque eles reconhecam honestos e lesis, comvence-los a cons-Uttar grupos de defesa sindical. Naturalmente este mi-nucieso e multiple trabalho de abrica, de grupos e deindividuos deve depois centralizar-se e sistematizar-senos cc:mites comunistas de cada uma das ligas e noscomities das Clmaras de trabalho, de modo que seja pos-sivel preparar e organizar as assembleias de ligas, cornos oradores preventivamente eseolhidos, corn as moceesja escritas, informando os jornais do partido sobre osresultados obtidos, denunciando as intrigue dos funcio-nesios reformistas, expondo objectivaanente o estado deanimo des massa ci trabalhadoras que despertam da suaapatia e querem reentrar no terreno da luta.

No Congress° Confederal de Livorno, a tendenciacomunista recolheu cerca de meio milhao de votes. Hojea Confederado viu diminuir be-eta:ate os seus efectivos:e precise reconduzir a organizacdo os operarios que seafastaram desgostosos, a precise convencer estes opera-ries a voltarem a dar a sua actividade pela luta compro-metida do Comite sindical comunista. Se os camaradasdo Partido e os jovens se empenharem corn toda a suaemergia e a sua vontade, o Comite sindical comunista nãotardarA a derrotar o mandarinismo confederal e a des-pedagar, portant°, urn dos mais fortes pilares da contra--revolugiio europeia.

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A DERROTA DA FIAT (•)

A Fiat perdeu a sua batalha ( 1 ). Na grande corridaautomobilistica de Brescia, a vends casa de Turim, Maoobstante a audacia de uan seu corroder, teve que cedervergonhosamente perarate a superioridade dos autom6-veis franceses. Este facto depende talwz de uma momen-tAnea de f aillance da capacidade tecnica dos construto-res da Fiat, de tuna remediAvel desorgarnizac* dainthistria ou de um inicio de decadencia scan remedio?

A sorte da Fiat tern tal importAncia na vida de Turimque consideramos oportuno falar dela um pouco aos nos-sos leitores.

Fundada em 1900, a Fiat comeeou on lentamenteora corn golpes de audazia favorecidos pela sortie, a suaascencao. Ocupava orginarie.mente 11/113 cinquenta opera-ries mas as sues instalaebes estenderaan-se pouco apouco e, em 1914, antes que a catfistrafe da guerra viessea transformar todas as indUstrias, 4000 operirios tra-balhavam nas oficinas da Fiat que tinham entretantoconquistado um lugar de primeira ordem no campo dasindlistrias automobolisticas mundiais. 0 nome da Fiatera canhecidissimo em todo o mundo ; os sous automeveis,que tinham alcancado uma invejAvel perfeicAo tecnica,

(•) Nfio assinado, L'Ordine Nuevo, 6-9-1921, secciLo «Cro-nache torinesi».

( 1 ) 0 grande prémio automobilista de It61ia, corrido no cir-cuito de Brescia em 4 de Setembro, assinalon duas vitbrias fran-cesas nas corridas de autom6vel e aireas.

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eram muito proeurados em toda a parte e permitiam quea Fiat vivesse quase exolusivamente das exportagiies.

0 merito dos dirigentes e dos tkcnicos por este pro-metedor desenvolvimento era indiscutivel. 0 comendadorAgnelli e o engenheiro Fornaca. Wiliam sabido organizaroptimamente a sua indtistria, ponclo-a na situagao deairontar corn sucesso a aguerrida concorrOncia das me-lhores casas estrangeiras. Alem do mais, tinham conse-guido ganhar, corn tuna politica liberal, a mais vivasimpatia do operariado. Nao hesitamos em dizer que sea Fiat tivesse continuado a proceder do mesmo modo,encontrar-se-ia agora em situagao diferente perante acrise industrial que se verifies.

Os chefes da Fiat, e entre eles o comendador Agnelli,eram antic, verdadeiramente «capita-es da indtistria»,especialistas, sagazes, ousados e prudentes ao mesmotempo. De que modo os transformou a guerra?

Em cavaleiros de inchistria. Abandonaram — prova-velmente contra a sua vontade que flax) pede resistir aosacontecimentos — a tradigäo dos anos passados paraprocurar a fortuna no oampo da especulagao mais teme-raria, nos jogos de banco mais perigosos. A intensa eafanosa actividade da guerra, durante a qual a Fiat tinhasofrido transformacOes e ampliacOes impressianantes,requereram certamente dos chefes da grande empressindustrial esforgos enormes, imponente dissipacao deenergias.

Acrescente-se que numerosas indalstrias surgiramdurante o conflito mundial, que agrupamentos potentis-simos de financeiros se formaram corn a intenflo de con-quistar imbistrias, bancos, mercados. Iniciaram-se, porconsequemcia, lutas furibundas corn golpes de milheres.Comecon a procurar-se na especulacao a anna que per-mitisse resistir aos adversarios, tentou-se corn artificiosde bolsa fazer falir os pianos ameagadores dos concor-rentes. Um episedio clamoroso desta luta forrnidavel e odos irmaos Perrone, conhecido de todos, que tentaramcorn urn golpe de audicia apoderar-se da Banca Com-mercial. A Fiat nao permaneceu estranha a estas corn-petigOes. A actividade do comendador Agnelli, noutrostempos dirigida no sentido de melhorar o funcionamentoda empress industrial, foi quase completamente absorvi-

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da pelas manobras dos grupos de banqueiros que seassaltavarn reciprocamente, pela necessidade de apararos golpes arneagadores dos mimigos. 0 homem, o grandecapita.° de andUstria, enfraqueceu-se rapidamemte. Ossous nervos, agitados violeutamente pela cantinua tensao,tiraram-llie a lucidez de raciocinio, a frieza necessariapars quern este. a cabega de uma rands empress. En-quanto a concorrancia industrial se transtorrnava numamimosa competigao de grupos bancitrios, o capita° deindlistria transformava-se fatalmente em especulador,em cavaleiro de inthistria.

Neste moment; comegou a decadência da Fiat. Ag-nelli, o liberal Agnelli, agitado por ta.ntas fadigas, cornum movimento renunciava a simpatia doe operarios,adoptando uma politica reaccioniria em relagio ao ope-rariado. Para se desembaracar dos comunistas, o corn.Agnelli deixou de ter ern costa quer a orgaanzugiio tee-nica das oficinas quer as milltiplas exigancias da indas-tria. Entre os melhores ape/trios, muitos foram despe-didos para sacudir as bases da organizacao operaria defabrica.

Em muitas seogess acabaram por falter os elementostecnicamente mais capazes, os produtores mais inteli-gentes. Os nao despedidos, profundamente feridos no seuideal pela reaccAo enfurecida, sob a ameaga do despedi-mento, obrigados a trabalhar numa atmosfera de reci-proca desconfianga, foram postos em pessimas conclic'Oespara a continuidade e para a qualidade da produgao.

Quando Agnelli e Fornaca se demitiram do conselhode administragao da Fiat, justificaraan 'este seu act) corna indisciplina das masses operarias. Sustentaram quea fabrica devia ser •estranha a politica, quo os aperarios,na fabric; s6 deviam ocupar-ee do seu trabalho e naopensar noutras coisas. Lanearam sobre os operfirios aculpa estado em que se encontrava a indristria epensaram então que uma politica liberal em relagao aooperariado nao poderia danificar a produclo e que aresponsabilidade da crise nao podia decerto atribuir-seaos operirios, os quais se debatiaan afamosarnente parsencontrar MILS solugao para a preocupante situacão quecriava, pars cada aumento de &dirk), um aumento doeusto de vida. Os capitalistas, ocupados nos jogos de

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bolsa, nä° podiam renunciar nem sequer a uma parte dossous lucros pares tirar os operdrios desta condicao' . Pro-curamm, por isso, reanediar as coisas corn a mace:lo.

Afastando milhares e milhares de operirios das fa-brims, restabelecendo a autoridade absolutes do patrao,apertando o freio, tornando inflexivel a disciplina, pen-saram que as inthistrias pudessem retomar o seu ands-mento normal. Erro grave. Transcurada a reor ganiza-cao do apes-guerra, eliminados eleanentos insubstituiveis,gerada a desconfianca e o mal-estar no Animo dos opera.rips, a producito decaiu. Para alem da crise, outro graveperigo anteaca a Fiat: a decadencia. A primeira provaclamorosa?

A vergonhosa derrota de Brescia.

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ABRIL E SETEMBRO DE 1920 (*)

0 aniversfirio da ocupacao das fibricas serviu parspOr em circulagao uma velha intriga contra os comunis-tas de Turim que deveriam considerar-se como os maio-res responsaveis pela frustrada extensito do movimento.Buozzi referiu-se a esta responsabilidade no seu recentediscurso nas Comissees internas metahlrgicas de Milito;uma outra referencia é contida numa correspondencia deTurim pars Umanita Nova ( 1 ). A noticia tinha passadoos confins e Jacques Mesnil ( 2 ) tinha-a recolhido numartigo sobre o movimento socialista Italian°, publicadona Revue communists ( 3 ), de Charles Rappoport.

{..

Ponhamos, tuna vez por todas, as coisas no seu Lugar.Quando, em Setembro de 1920, os funcionirios confede-rais se encontraram perante o grandioso movimentorevolucionario provocado pela iniciativa do Comite cen-tral da Fiom, correram afanosamente pars os reffigios,procuraram afanosamente descarregar sobre alguein aresponsabilidade da sua cega imprevidencia, da sua im-preparaCao, da sus inepcia. Tinhaun langado centenas demilhares de °pet-Orbs no campo da ilegalidade, no term-

(') Ndo assinado, L'Ordine Nuovo, 7-9-1921, secelio ((Ciro-nache torinesis.

Corgito do movimento anfirquico, fundado por E. Mala-testa em 1920.

Redactor de politica internacional do quotidiano comu-nista L'Humanitd.

(') Revista mensal publicada em Paris, entre Marco de 1920e Fevereiro de 1921.

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-m oram iso . ice •o resto Italoram &pentacles a • ;it) ao res m come um

bando de anarquistas, de agitados, de in.disciplinados, deloucos. Em Abril, tinham-se ate feito insinmscOes sobrea origem dos tfundost a disposicao dos torineses pano aluguer de urn automOvel. Como sons possiyel naoconsiderar em ma fa os que em Setembro queriam dosanneses o impulse initial do movimento de insurreicaose testes» -erani os meamos que, de todos os nodose sem

tinhamostinhamdifamado em AbriltiComo seria possivel

, que rineses :nit) pensassem que a oferta era uma

tanmanobra pars obter que o movimento revoluciona-Jr'

rio de Turim fosse definitivamente esmagado pela poll-cia que tinha concentrado na cidade urn imponente apa-

ULajea_-

tit

no da insurreicao armada e tinham esquecido uma coisamuito simples: procurar arras pars os operfirios, pOr aclause operaria c,apaz de combater urns, luta sa.ngrenta.Em oxide residia o estado-anaior do movimento,nem sequer tinham procurado fazer urn invent:9%i° e umarecants das armas e das munighes existent alas Warl-ess em Lecoo, sete dial depois da ocupacao, a policiap ainda sequestrar 60 000 bombas abandonadas nosarmazans urns fabrics, 60 000 bombas que teriam per-mitido um razaivel armamento do operariado de Milao.Subitamente, os funcionarios sindicais tarnaram-se fa-voraveis ofensiva opera-Ha; desejariam ate que a ofen-siva partisse de Turim, que Turim se .pusesse na van-guards do movimento insurrectional. Setembro de 1920era muito proximo de Abril de 1920. Em Abril de 1920,o I roletariado de Turi arrastado pars uma desespera-• . • •9 I% us nais, por urn precise comproanissoassumido no convene da ConfederagSATh da InchistriaItalians, realizado em Mita° em 7 de Marco precedente,111111• <...• • traid Confeden ao Geral TrabalhOaitanieses-

Estes era a situa.cao de facto. Os comunistas de Turim

(4) Na reunião do Conseiho Nacional da Confederacio Ge-ral do Trabalho, realizada em Milao, em 10-11 de Setembro de1920, durante a ocupacio das ffibricas, chocaram-se duaa cor-

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e tinham todas as razdes assumir a•ansab' 1.. I •

iniciativa. • • • ia-se em unm, no q • ro geral de umaluta national, sustentar o cheque das forcas governativase existiam muitas probalidades de vitaria; Ili0 se podia,porem, assumir a responsabilidade de uma lutes armadasem ter a certeza que tambdm no resto de Italia se luta-ria igualmente, sem ter a certeza quo a Confederacio•segundo o seu costume, nao deixaria adensar em Turim,come Abril, todas as forces militares do poder deEstadolOs comunistas de Turim, tambam naquela °ea-smo, operaram corn prudencia, demonstraram saberraciocinar friamente, serem imunes ao eepirito de aven-'tura que lhes era atribufdo pelas grandee barbas dooportunismo e do reformism°. Tinham feio o seu dever,tinbam providenciado nos limites das suss forp.s e dassuits disponibilidades locals. Recusaraan deixar-se apa-nhar pela manobra dos politiqueiros do mandarinismoconfederal que tinham lancado as massas operitrias nocampo da luta armada, esquecendo-se de procurar asarmas, que em Lecco tinham deixado estupidamente se-questrar 60 000 bombas e depois afanosos, convulses,doidos de terror, pediam tquatro metralhadoras parearmar

rentes. D'Aragona, porta-voz da Confederagio, sustentou quea agitacrio dos metahlrgicos devia permanecer no campo pura-manta sindical, enquanto Gennari, pela direccito do partido, sus-tentava que a agitagio devia estender-se a todas as categoriasde trabalhadores e a todo o pais, reivindicando ao partido earesponsabilidade e a &recede, do movimenton. Foram depois pos-tas votacio duas propostas, a de D'Aragona e a de Schiavello--Bucco que reflectia a tese exposta por Gennari, A propostade D'Aragona foi aprovada por 591 245 votos contra 409 569conseguidos pela proposta Schiavello-Bucco. A CGL, pela bocade D'Aragona, disse-se disposta a afastar-se se a direcelo doPSI entendesse assumir a exten.sio da luta. Mas a direccao so-cialists renunciou a isso.

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sustentaram a neoessidade da extensäo do movimento evotaram a proposta de Schiavello-Bucco ; recusaratm,

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OS MAIORES RESPONSAVEIS (*)

Se em Setembro de 1920 os comunistas de Turimtivessem side anarquistas em vez de comunistas, o movi-mento para a ocupagAo das fabricas feria tido resultadosmuito diferentes dos que efectivamente tee: este 6 osuco de uma correspondência de Turim para UmanitdNova, onde se reafirmam as nossas grandee responsabi-lidades pela frustrada revolucio. Que pens! Os comunis-tas de Turim, em Setembro de 1920, eram de factocomunistas e nä° anarquistas; jA naquele tempo consi-deravam que crevolucAo pralethria, signifies e s6 podesignificar criacão de um governo revolucionario; jAnaquele tempo consideravam que urn governo revolucio-nario a) se pode criar quando existe um partido revolu-cionArio, organizado nacionalmente, que seja capaz deconduzir urns arca° de massas a este objective histories-mente concrete. Os comunistas de Turim pertenciam aoPartido Socialistas Italiamo, estavam inscritos na sec-cäo de Turim; ao Partido e a seccAo pertenciam tamb6mos reformistas dirigentes da GonfederacAo Gera1 do Tra-balho. 0 movimento tinha side deseneadeado pelos re-formistas. Os comunistas de Tarim, come refere OrdineNuovo semanal de 15 de Agosto de 1920 ( 1 ), eram con-traries a accAo imposta. pela FIOM, pelo modo oomo

(*) Nito assinado, L'Ordine Nuovo, 20-9-1921.(1 ) Cf. Poe-tido e sindaeati 0 artigo saiu no nfimero de

21 de Agosto (nio no de 15).

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tinha side organrizada, polo facto de nao ter side prece-dida por uma preparacào, polo facto de nice ter urn fimconcreto. Dadas estes conditOes objectivas, o movimentose poderia orientar-se pars um rave/ago coma a condigiode os reformistas continuarem a dirigi-lo. Se os refor-mistas, uma vez imiciada a acctio, uma vez que a aersfu)tinha oonseguido a iznpartincia e o catheter que estavaa vista, a tivessean conduzido ate As sass consequenciashigicas, deceit) que a maioria do proletariado e ate lar-gos estmtos da pequena burguesia e dos camponesesteriam seguido a sua palavra de ardent Se os coznunistasde Turin], polo contrâno, por sua iniciativa, tivesseminiciado a insurreicao, Turim feria sido isolada. Turinproletiria teria sido implacavelmente esmagada pelasforces armadas do poder de Estado. Em Setembro de1920, Tarim teria tido sequer a solidariedade da re-gião pieanomtesa, corno tivera em Abril precedente. Acampanha celerada que os funcionArios sindicais e asoporbunistas de Serrati fizeram contra os comunistas deTurim, depois da grave de Abria, tinba, produzido efeitosespecialmente no Pieanonte: os bccineaes nao podiam se-quer alaroximivr-se tics camaradas da regitio. ; estes naoacreditavaan mama s6 palavra de quanta se afirmava,perguntavaan4hes seanpre se tinham •uma ordem explf-cita da directlio do Partido; toda a organizatrao criadapor Turim pars a regilo tinha-se desfeito completamen-te. 0 carrespondente de Tarim de Umamitzt Nova, quetalvez conheca os esfortce de organimclo feitos naqueleperiod°, nao conhece certamente muitas outras coisas.Os coanunistas procurazam per o proletariado de Turiannas melhores connicees do ponto de vista de uma pray&vel insurreictio; sabiam, porem, que fora de 'Purim nadase fazia, quo nao ciroulava nenhunia palavra de ordem;sabiam que os ditrigentes sindicais, responsiveis polo ano-vimento, nao tub= qualquer inteactio belicosa.

Dunzate um brevissinio period° de tempo, de treksou quatro dies, os dirigentes sindicais foram favoraveisa insunreit4o, solicitaraan loucaments a insurreittio.Porquë? Pamela que Giolitti, pressionado pelos Indus-triais que aaneacanom abertamente derrubar o govern°coat van ripe anilitarista, queria pastar da thomeorpa-tiav ccirurgia); heave evidentementhe atheacas per par-

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to de Giolitti. Os dirigentes perderam a cabecsa: queriamo tat:anted:I/auto), queriam uma carnificina local quepermitisse concluir nacionalmente a questlio segundo astradicees reformistas. Recusando este jogo inhume quodevia ser banhado coin o Gangue do proletariado de Tu-rim, fizeanos hem ou mai? A forts de repetitrem, desdeAbril, que os comunistas de Turim exam agitados, irres-ponsiveis, localistas, aventureiros, os reformistas ti-nham acabado per acreditar qua nos prestariamos ao seujogo. Ntio foram dins fa:eels, aqueles de Setembro de1920; conquistaMos cnaqueles dial, provavelmente tarde,a precisa e decidida convieglo da necessidade daComo era possivel que estivessem juntos, num imam°partido, homens que desconfiavam uns dos outros, quese davam cants da necessidade, precisamente no momen-ta da acCio, de vigiar os pr6prios camaradas? Esta eraa situatlo a nao eramos anarquistas mas comunistas,into e, convictos da necessidade de um partido nationalpara que a revoluttio proletiria tenha urn minim° deprobabilidades de sucesso. Mas mesmo que tivessemosside anarquistas, ter-nos-iamos comportado de modo di-ferente? Ha um ponto de referencia para responder aesta pergunta: em Setembro de 1920 existiam em Itidiaos anarquistas, existia um movimento anarquista nacio-nal. 0 que fizeram as anarquistas? Nada. Se tivessemossido anarquistas, nem sequer teriamos feito o que foifeito em Turim em Setembro de 1920, isto e, uma pre-paractio motive, certamente sem ajudas (dado que eradevido a esforcos puramente locals), sem conselhos, semurns integratio national.

Se os anarquistas reflectirem bem nice factos de Se-tembro de 1920, nao podem deixar de chegar a •tuna con-clusho • a necessidade do partido politico, fortemente or-ganizado e centralizzvdo. Precisaanente porque o PartidoSocialists, pela sua incapecidade, pela sus subocrdinactioaloe funcionitrios sindicais, e o responsive/ pals revolu-cito frustrada, precisamente por isso dove existir umpartido que ponha a sua orgamizatio national ao servi-ce da revolutdo pro/ataxia, que prepare coin a ,discussAoe coin a discipline Mites os homens capazes, que saibamprover, que nao conbegain hesitacOes e actos titubeantes.

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