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XI CONGRESO IASPMAL música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 387 A GUITARRA BAIANA: TRADIÇÃO E DESUSO Alexandre Vargas Graduado em Licenciatura em Música e mestrando em Educação Musical pelo Programa de Pós- graduação da Universidade Federal da Bahia. Professor de guitarra e prática de conjunto no Centro de Formação em Artes da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Guitarrista, bandolinista, violonista, e compositor. Integrante da banda da cantora Daniela Mercury. E-mail: [email protected] A guitarra baiana foi criada por Dodô e Osmar em 1942 a partir da junção do braço do cavaco a um pedaço de madeira de Jacarandá munido de captação elétrica. Assim, eles conceberam o instrumento que foi essencial para a criação do novo gênero musical carnavalesco denominado de frevo baiano trieletrizado. Essa música instrumental trieletrizada foi bem aceita pelo público, criando o ambiente propício ao surgimento do gênero axé music. A importância deste instrumento genuíno e histórico não está de acordo com o fato da maioria dos guitarristas não terem habilidade para tocá-la. Em uma abordagem qualitativa com caráter exploratório e explicativo, por meio de entrevista, pesquisa documental e bibliográfica, respondemos à seguinte questão: Quais os motivos que levaram a guitarra baiana ao desuso? Os resultados mostraram que a utilização da guitarra baiana era motivada pela necessidade de atuação profissional, quando a necessidade deixou de existir, aconteceu a diminuição do seu uso. PALAVRAS-CHAVE: Guitarra Baiana. Carnaval da Bahia. Trio Elétrico Dodô e Osmar. Frevo Baiano Trieletrizado. Axé Music. La guitarra bahiana fue creada por Dodo y Osmar en 1942, cuando juntaron un brazo de cavaco a un pedazo de madera de jacarandá con una pastilla electromagnética. Así concibieron el instrumento que contribuiría a la creación de un nuevo género musical - el frevo bahiano trieletrizado. La música instrumental de “trío eléctrico” se hizo popular, dando lugar a la aparición del género axé music. La importancia de este instrumento genuino e histórico no coincide con el hecho de que la mayoría de los guitarristas no tiene la habilidad de tocarlo. A través de un enfoque cualitativo de carácter exploratorio y explicativo, por medio de entrevistas, el documental y la investigación bibliográfica, respondemos a la pregunta: ¿Cuáles son las razones que llevaron a la guitarra bahiana al desuso? Los resultados mostraron que el uso de la guitarra bahiana fue motivado por la necesidad de la práctica profesional, y cuando la necesidad dejó de existir, se redujo su uso. PALABRAS CLAVE: Guitarra Bahiana. Carnaval de Bahia. Trio Elétrico Dodô y Osmar. Frevo Bahiano Trieletrizado. Axé music.

Guitarra Baiana: tradição e desuso

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A GUITARRA BAIANA: TRADIÇÃO E DESUSO

Alexandre VargasGraduado em Licenciatura em Música e mestrando em Educação Musical pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Federal da Bahia. Professor de guitarra e prática de conjunto no Centro de Formação em Artes da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Guitarrista, bandolinista, violonista, e compositor. Integrante da banda da cantora Daniela Mercury. E-mail: [email protected]

A guitarra baiana foi criada por Dodô e Osmar em 1942 a partir da junção do braço do cavaco a um pedaço de madeira de Jacarandá munido de captação elétrica. Assim, eles conceberam o instrumento que foi essencial para a criação do novo gênero musical carnavalesco denominado de frevo baiano trieletrizado. Essa música instrumental trieletrizada foi bem aceita pelo público, criando o ambiente propício ao surgimento do gênero axé music. A importância deste instrumento genuíno e histórico não está de acordo com o fato da maioria dos guitarristas não terem habilidade para tocá-la. Em uma abordagem qualitativa com caráter exploratório e explicativo, por meio de entrevista, pesquisa documental e bibliográfica, respondemos à seguinte questão: Quais os motivos que levaram a guitarra baiana ao desuso? Os resultados mostraram que a utilização da guitarra baiana era motivada pela necessidade de atuação profissional, quando a necessidade deixou de existir, aconteceu a diminuição do seu uso.

PALAVRAS-CHAVE: Guitarra Baiana. Carnaval da Bahia. Trio Elétrico Dodô e Osmar. Frevo Baiano Trieletrizado. Axé Music.

La guitarra bahiana fue creada por Dodo y Osmar en 1942, cuando juntaron un brazo de cavaco a un pedazo de madera de jacarandá con una pastilla electromagnética. Así concibieron el instrumento que contribuiría a la creación de un nuevo género musical - el frevo bahiano trieletrizado. La música instrumental de “trío eléctrico” se hizo popular, dando lugar a la aparición del género axé music. La importancia de este instrumento genuino e histórico no coincide con el hecho de que la mayoría de los guitarristas no tiene la habilidad de tocarlo. A través de un enfoque cualitativo de carácter exploratorio y explicativo, por medio de entrevistas, el documental y la investigación bibliográfica, respondemos a la pregunta: ¿Cuáles son las razones que llevaron a la guitarra bahiana al desuso? Los resultados mostraron que el uso de la guitarra bahiana fue motivado por la necesidad de la práctica profesional, y cuando la necesidad dejó de existir, se redujo su uso.

PALABRAS CLAVE: Guitarra Bahiana. Carnaval de Bahia. Trio Elétrico Dodô y Osmar. Frevo Bahiano Trieletrizado. Axé music.

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1. INTRODUÇÃO

A guitarra baiana1 é um instrumento cordofônico constituído de corpo sólido, captação ele-

tromagnética, e um braço de madeira - onde que são fixados os trastes de metal. As cordas

são presas em suas extremidades (na ponte e nas tarraxas), sendo sua afinação: Sol2, Ré3,

Lá3, Mi4 (na de quatro cordas); Dó2, Sol2, Ré3, Lá3, Mi4 (na de cinco cordas); e Sol1, Dó2, Sol2, Ré3,

Lá3, Mi4 (na de seis cordas).

Originalmente com quatro cordas, a guitarra baiana foi desenvolvida e construída por

Dodô (Antônio Adolfo do Nascimento) e Osmar Macedo. Dodô e Osmar conheceram o cap-

tador eletromagnético através do violonista Benedito Chaves em 1941. No ano de 1942, após

tentativas de utilizar no violão de Dodô e no bandolim de Osmar sem conseguir eliminar a

microfonia, eles fixaram o captador elétrico, as tarraxas, e um braço de cavaco a pedaço

maciço de madeira de jacarandá, dando origem ao cavaco elétrico (ou pau elétrico); repetin-

do o mesmo procedimento com o braço de um violão.

Em 1950, eles já haviam melhorado o pau elétrico com captadores mais potentes, copia-

dos de uma guitarra havaiana trazida dos Estados Unidos pelo irmão de Osmar. Estes instru-

mentos foram usados na primeira aparição do grupo pelas ruas da cidade, quando ficaram

conhecidos como a “Dupla Elétrica”. Em 1951, a inclusão do terceiro músico (Termístocles

Aragão que tocava triolim) deu origem ao nome “Trio Elétrico”, porém Aragão saiu do grupo,

que teve o nome alterado para “Trio Elétrico Dodô & Osmar”.

Assim, foi iniciada uma nova maneira de se fazer festa de rua, prenunciando a fase elé-

trica do carnaval baiano. A metodologia era baseada na execução de música instrumental,

amplificada, solada pelo cavaco elétrico, e tocada pelas ruas a bordo de um automóvel mu-

nido de equipamento de sonorização, chamado de fubica.

1 Também conhecida como guitarrinha.

As composições instrumentais ao estilo do “frevo baiano trieletrizado”, obtiveram boa

aceitação por parte dos foliões, em detrimento das marchinhas. As interpretações de Os-

mar (ao cavaco elétrico) proporcionaram uma sonoridade diferente aos ouvidos do público

baiano, outrora acostumado ao som acústico das bandas de música. Já nos anos setenta, a

maioria das bandas incluiu a guitarrinha em sua formação, originando um novo mercado de

trabalho para os músicos de cordas de salvador.

A importância que a guitarra baiana tem para a cultura da Bahia não condiz com sua atual

situação de desuso. A prefeitura da cidade de Salvador elegeu a guitarra baiana como tema

do carnaval de 2013, porém, as escolas municipais, estaduais, os institutos, e universidade

federais de música não incluíram o ensino deste instrumento em seus respectivos progra-

mas. Além disso, a maioria das escolas de música, não disponibiliza curso de guitarra baia-

na, com exceção da “Oficina de Música Instrumental Osmar Macedo”, dirigida pelo guitarrista

e filho de Osmar - Aroldo Macedo. Outra iniciativa de ensino e aprendizagem é proveniente

do “Centro de Formação em Artes” da Fundação Cultural do Estado da Bahia, que iniciará a

primeira turma em 2015.

O presente artigo objetiva investigar o contexto histórico que envolveu a guitarra baia-

na. Para isso, foi delimitado o período entre o surgimento do Trio Elétrico Dodô & Osmar e

o início do gênero axé music. A investigação se justifica pela necessidade de elucidação, e

documentação dos fatos que promoveram a diminuição do uso do cavaco elétrico.

Em uma abordagem qualitativa, com finalidade exploratória e explicativa, por meio de

entrevista semiestruturada, pesquisa documental e bibliográfica; buscamos responder a se-

guinte questão: Quais os motivos que levaram a guitarra baiana ao desuso?

Essa comunicação é apenas um recorte da pesquisa dissertativa de nome: “A arte de to-

car guitarra baiana: uma proposta metodológica”, em que propomos um método para auxiliar

o processo de ensino e aprendizagem da teoria, leitura, e técnica instrumental com a guitarra

baiana.

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2. A MÚSICA CARNAVALESCA: DO FREVO BAIANO TRIELETRIZADO AO AXÉ MUSIC

O carnaval baiano trieletrizado surgiu da inclusão do violão e do cavaco elétrico às apresen-

tações musicais durante o carnaval. “Dodô e Osmar eletrificaram o frevo pernambucano,

para criar o frevo baiano. Colocaram um trio básico em lugar da orquestra - e instrumentos

de cordas em vez de naipes de metais.”. (Risério, 2004: 556).

O frevo baiano foi desenvolvido a partir da modificação das células rítmicas tocadas

pelos instrumentos de percussão (caixa, bumbo e pratos); na tentativa de reproduzir ritmos

como baião, arrasta pé, polca, bolero, trechos de óperas, e passo doble, que compunham o

repertório do grupo.

(...) O “Trio Elétrico Dodô e Osmar” não tocava apenas o frevo. Os gêneros mu-sicais choro e bolero, além de pérolas da música popular brasileira como Asa Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), Luar do sertão (Vicente Celestino) e até o Hino do Bahia (Adroaldo Ribeiro Costa) eram executados e emociona-vam os foliões da mesma forma. Os clássicos eruditos como Czardas, Marcha Turca, Aída, e Rapsódia Húngara, músicas com compasso binário, que, assim como o frevo e o passo doble, são alegres e hipnotizam o público ouvinte. As músicas eram tocadas com a velocidade e ritmo do som trieletrizado e, assim, foi gerado, na década de 1950, um novo estilo musical no principal circuito do carnaval de Salvador - do Campo Grande à Praça Castro Alves. (Farias, 2012: 67).

Os filhos de Osmar, Armandinho Macedo e Aroldo Macedo, deram continuidade à lingua-

gem trieletrizada2. Armandinho inseriu sua influência roqueira, passando a integrar o grupo,

que modificou o nome para “Trio Elétrico Armandinho, Dodô & Osmar”. Aroldo, por sua vez,

2 Sincopada, melodiosa, ritmada e suingada do frevo baiano.

compôs frevos expressivos, como por exemplo: “Rock do Caicó” 3 - um dos últimos frevos

instrumentais que obteve sucesso nos carnavais dos anos 80.

O novo gênero era tocado pela maioria das bandas, porém “tocar frevos e marchinhas du-

rante anos e anos fazia crescer a vontade de modificar, e criar uma marca. (...) tocar frevo o

tempo todo chegava a ser enfadonho, urgia a necessidade de variar ritmicamente.”. (Caldas,

2011).

As bandas de carnaval nos anos 70 não eram formadas com um instrumentista tocando

bateria, a parte rítmica era da responsabilidade de um grupo de percussionistas. Luiz Caldas

afirma que pediu para que eles tocassem o ritmo rock: ele solfejou a célula rítmica do bumbo

- o músico que tocava surdo o imitou; depois, o mesmo procedimento foi feito com o ritmista

que tocava caixa, e, por último, com o que tocava prato. “A partir daí, a batida do rock estava

completa, e eu iniciava a música.”. (Caldas, 2011). Esta ação demonstra uma tentativa inusi-

tada de desvincular o carnaval do frevo eletrizado.

Os blocos afros, por sua vez, mantiveram a tradição de instrumentação percussiva com

os toques peculiares do candomblé e do samba, e, também, criando novos ritmos como: o

ijexá, o deboche, samba do Ilê Aiyê, samba-reggae e o merengue do Olodum. Almeida (2005:

8) afirma a existência de blocos de índio em Salvador na década de 60 (como Os Apaches

do Tororó, Cacique do Garcia, Tupi, e Comanches); e que estas entidades teriam se transfor-

mado em blocos afros no final da década de 70.

As manifestações representativas da cultura negra (uso da indumentária e do toque do

candomblé) eram abominadas pela elite social soteropolitana. A população livre da escravi-

dão era reprimida pela polícia, e proibida de se expressar na festa momesca. Mas, passada a

fase de repressão intensa, a população negra voltou a se manifestar livremente. O bloco afro

Filhos de Gandhi, fundado na década de 40 driblou a repressão ao adotar um tema neutro,

3 Do disco Trio elétrico Armandinho Dodô & Osmar. 1983. A Banda da Carmem Miranda. Som Livre.

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sendo responsável pela criação do ritmo ijexá. Este ritmo, por sua vez, foi misturado com o

samba pelos percussionistas do Ilê Aiyê. A estrutura do carnaval estava em vias de mudan-

ças, quando “(...) em 1975, o primeiro cortejo do Ilê Aiyê, manifestou, diante de um público

entre maravilhado e chocado, a força e magnitude do que viria a ser chamado de cultura

afro.”. (Moura, 2002: 128). O movimento ascendente da liberdade de expressão negra em

Salvador fez com que surgissem outros blocos como o Muzenza, Badauê, Araketu, Olodum,

os quais passaram a fazer parte do cotidiano musical baiano.

O bloco Badauê (fundado em 1978) usava o ritmo ijexá e chamou a atenção dos músicos

de trio. Assim, o ritmo dos Filhos de Gandhi, influenciou o Badauê, que, por sua vez influenciou

os arranjos das músicas de trio elétrico. Macedo (2011) afirma: “(...) tínhamos conhecimento

desse ritmo por frequentarmos os guetos antes mesmo de se tornarem populares.”.

Igualmente a Aroldo, o cantor e compositor Moraes Moreira, também demonstrou inte-

resse pelo bloco afro. Moraes afirma:

O Nosso dia era cheio. Na parte da manhã, a praia; a tarde era dedicado à músi-ca e à noite íamos todos para os ensaios dos blocos. O Badauê, um dos blocos preferidos, se consagrava como a grande sensação do momento. Era maravi-lhoso constatar como aquelas entidades já iam tomando seus lugares, exibindo com força e beleza a sua cultura, a sua música, a sua dança, enfim, reafirman-do as suas verdadeiras raízes ancestrais. Todo aquele movimento nos deixava entusiasmados e bastante influenciados. (Moreira, 2010: 57).

“A partir de 1978, com o disco ‘Ligação’ e, sobretudo, a partir de 1980, com o disco ‘Trio

elétrico Dodô e Osmar’, (...) o trio elétrico tomou emprestado o apelo do bloco afro e levou o

ritmo ijexá para cima do caminhão.”. (Moura, 2002, p. 129).

Além da assimilação de elementos afro-brasileiros, a música de carnaval foi influencia-

da pelo merengue caribenho4. Os instrumentistas, cantores, compositores, arranjadores, e

produtores baianos, imersos neste ambiente de diversidade cultural, reproduziram os ele-

mentos (rítmicos, melódicos, temáticos e históricos) dessas culturas em suas criações. Por

exemplo:

O ritmo ijexá foi base para o êxito das músicas “Beleza Pura” (Caetano Veloso) 5 e “Axé pra Lua” (Toninho Bep Bop e Luiz Caldas) 6; O ritmo merengue caribenho para a música “Ai Eu Liguei o Rádio” (Walter Quei-roz) 7; O ritmo samba-reggae e merengue do Olodum deu suporte ao trabalho artístico de Daniela Mercury, como na música “Suingue da Cor” (Luciano Alves) 8.

A inserção de ritmos afro-caribenhos nos arranjos e composições baianas coincidiu com

o avanço da tecnologia para a amplificação da voz. O Trio Elétrico Dodô & Osmar incluiu

o cantor e letrista Moraes Moreira em sua formação. No entanto, apesar da melhoria nas

condições técnicas para amplificação da voz, Osmar foi relutante em aceitar a novidade.

“Mesmo assim meu pai se queixava da microfonia inevitável (...). O carnaval, até ai, era só

instrumental.”, afirma Macedo (2012).

4 O merengue caribenho tem a clave rítmica diferente do merengue do Olodum.

5 Armandinho e o Trio Elétrico Dodô & Osmar. 1979. Viva Dodô & Osmar. Continental.

6 Trio Elétrico Tapajós. 1981. Jubileu de Prata. Baccarola/Ariola.

7 Armandinho e Trio Elétrico Dodô & Osmar. 1987. Ai Eu Liguei o Rádio. RCA.

8 Daniela Mercury. 1991. Suingue da Cor. Eldorado.

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Apesar de a voz ser rejeitada, Moraes Moreira cantou no primeiro álbum do grupo gra-

vado no Rio de Janeiro9. Posteriormente, ele escreveria letras para as antigas melodias dos

frevos instrumentais.

Com tantas inovações, surgiram também novas composições para o frevo baiano, que até 1974, eram apenas instrumentais. A partir desse ano, algumas músicas do repertório ganharam letras e passaram a ser cantadas por um músico e pelo público, que inclusive não parava de dançar com o Frevo do Trio elétrico (Dodô e Osmar), Frevo Doido (Osmar) e Doble Morse (Dodô e Osmar). Esta última, em 1976, levou letra de Moraes Moreira, tornando-se Pombo Cor-reio, grande sucesso nos carnavais da Bahia. Nesse ano o nome da banda foi modificado, passando a se chamar “Armandinho, Dodô e Osmar”, incorporando o nome do músico mais expressivo da família, virtuose na guitarra baiana. (Fa-rias, 2012: 66).

Armando Macedo começou a se dividir entre o instrumento e o microfone. Como cantor,

obteve diversos êxitos. Um deles foi o frevo “Vida Boa” (Fausto Nilo e Armandinho) 10.

Os artistas Gilberto Gil e Caetano Veloso, segundo Moura (2002: 128), ampliaram e diver-

sificaram o repertório de carnaval ao trazerem suas influências tropicalistas, emprestando o

universo antropofágico da tropicália ao universo do trio elétrico. O frevo baiano entusiasmou

Caetano, que compôs a música “Atrás do Trio Elétrico” 11; e Gil se afeiçoou ao ijexá, compondo

a música “Filhos Gandhi” 12.

9 Trio Elétrico Dodô & Osmar. 1974. Jubileu de Prata. Continental. Moraes foi fundamental para a gravação deste álbum, pelo fato de morar no Rio de Janeiro e conhecer os membros desta gravadora.

10 Armandinho e o Trio Elétrico Dodô & Osmar. 1982. Folia Elétrica. Som Livre.

11 Caetano Veloso. 1969. Caetano Veloso. Poligram.

12 Gilberto Gil. 1976. O Vira Mundo. Universal.

O Trio Elétrico Tapajós (do empresário Orlando Campos) deu continuidade à festa de

Momo durante a década de ausência de Dodô & Osmar. A banda do Tapajós gravou, aproxi-

madamente, dez álbuns desde 196913. Dentre estes álbuns, três deles tiveram a participação

do músico Luiz Caldas, a saber: 1) Ave Caetano14, 2) Jubileu de Prata15, e 3) Cristal Liso16. Cal-

das (2011) afirma que: “(...) dentro do total de faixas do disco Ave Caetano, foi gravado, mais

ou menos, 40% de música instrumental. No Jubileu de Prata, houve uma redução para 30%.

No Cristal Liso esse número foi reduzido para 10%.”.

O gênero “axé music” surgiu no ápice da agitação musical promovida pelos blocos afros

e pelas bandas de trio remanescentes da década de 60 e 7017. No entanto, a música “Fricote”

(Luiz Caldas e Paulinho Camafeu) 18 de 1985, é considerada o seu marco inicial. “O frevo baia-

no entrou em colapso, e foi substituído pelo axé music (...), a decadência começou quando

Moraes Moreira cantou a música Pombo Correio.”. (Moura, 2014).

O axé obteve boa aceitação por parte dos brincantes, em detrimento dos frevos instru-

mentais. Nesta nova fase da música de carnaval baiana, a maioria dos arranjos era para ser

tocado com a guitarra tradicional. Luiz Caldas tocava guitarra baiana e guitarra tradicional

em seus shows, porém, aos poucos, a guitarra baiana foi sendo afastada.

13 Trio Elétrico Tapajós. 1969. Trio Elétrico Tapajós. Philips.

14 Trio Elétrico Tapajós. 1980. Ave Caetano. Music Master.

15 Trio Elétrico Tapajós. 1981. Jubileu de Prata. Baccarola/Ariola.

16 Trio Elétrico Tapajós. 1982. Cristal Liso. Baccarola.

17 Por exemplo: as diversas formações da banda do Trio Elétrico Tapajós; a banda Scorpions do bloco carnavalesco Traz os Montes, com o ex-cantor do Chiclete com Banana - Bell Marques; os cantores: Jota Morbeck, Sara Jane, Gerônimo, as bandas Salamandra, Novos Baianos, dentre outros.

18 Luiz Caldas. 1985. Magia. Nova República/Poligram.

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Eu uso a guitarra baiana nos shows a depender do repertório a ser tocado. Vejo a guitarra baiana como um instrumento da família das guitarras, não sendo obrigatório seu uso, a não ser que eu deseje aquele timbre que só ela possui. (Caldas, 2011).

3. GUITARRA BAIANA VIRTUOSA, GUITARRA TRADICIONAL E O TECLADO SINTETIZADOR

O virtuosismo de Osmar Macedo se expressava em melodias cantabiles. Um músico apren-

diz, ao nível de iniciante, conseguiria tocar as músicas: “Asa Branca” e de “Luar do sertão”. Ao

nível intermediário, tocaria “Czardas” e “Marcha Turca”. O problema estaria quando era exigi-

da habilidade técnica avançada.

Osmar treinou Armando para ser um virtuoso. Desde tenra idade, seu ritmo de estudo

envolvia: o aprendizado técnico, desenvolvimento criativo, e montagem de repertório. A pre-

sença constante do seu pai foi importante para o seu aprimoramento musical desde os nove

anos de idade.

Armandinho demonstrou precocemente interesse em tocar, disputando com seu irmão

Betinho, um momento com o bandolim. Neste ínterim, Osmar “aproveitou a atenção do filho

e foi ensiná-lo (...) como segurar o bandolim de forma mais correta, mostrando a melhor

posição do braço e do corpo do instrumento; as casas das notas e a inclinação correta dos

braços (...)”. (Farias, 2012: 76).

Em 1964, com dez anos de idade, Armandinho tocou frevos e marchinhas no Trio Elétri-

co Mirim. Com quatorze anos, já executava músicas de Luperce Miranda. No entanto, o seu

grande desafio foi aprender “Moto Perpétuo” (composição do violinista Niccolo Paganini).

“Foi meu grande treino na música! Senti-me como um atleta em uma maratona, tendo de

exercitar diariamente; eram 1.000 palhetadas por minuto. Aprendi tudo de ouvido (...)”, afirma

Armandinho (apud Farias, 2012: 85-87).

O repertório para a guitarra baiana (no carnaval instrumental da década de 50 e 60) era

composto de músicas conhecidas e cantadas popularmente. Estas possuíam melodias sim-

ples e de fácil assimilação, porém o retorno do Trio Elétrico Dodô & Osmar com o lançamen-

to do álbum Jubileu de Prata em 1974, trouxe um repertório com gravações de solos velozes

e virtuosos, dobrados por uma segunda voz, ambos registrados por Armandinho. A partir

de então, era necessário aprender de forma idêntica os solos do herdeiro de Osmar19 para

ser guitarrista conceituado em Salvador. Durante os anos setenta e oitenta, “(...) todos trios

tocavam frevos com estilo próprio, porém as músicas do repertório de ‘Armandinho, Dodô &

Osmar’ eram tocadas pela maioria das bandas.”. (Caldas, 2011).

Armandinho elevou o grau de virtuosismo da música instrumental carnavalesca, e com

isso os guitarristas baianos tiveram que estudar cada vez mais. A execução da antológica

composição “É a Massa” 20 (Armando Macedo), tornou-se “(...) um grande desafio pra testar

o nível técnico dos músicos. Quem não conseguisse executá-la direitinho ainda não poderia

certamente ser considerado um bom instrumentista.”. (Moreira, 2010: 37).

Outro instrumento usado no carnaval era o violão; depois, o violão elétrico, e em seguida

a guitarra tradicional. O violão21 já era popular, quando foi metamorfoseado em violão elétri-

co por Dodô, que passou a tocar guitarra com a técnica de violão. Anos depois, ele foi foto-

grafado no trio da Saborosa, dedilhando uma guitarra tradicional ao lado de duas guitarras

19 Apesar da existência de outros grupos como o de Orlando Tapajós, o grupo Trio Elétrico Armandinho, Dodô & Osmar compunha a maioria das músicas que se destacaram no carnaval, depois do seu retorno em 1974.

20 Trio Elétrico Dodô & Osmar. 1981. Incendiou o Brasil. EMI/Odeon.

21 Afinação regular igual à da guitarra elétrica tradicional (Mi1, Lá1, Ré2, Sol2, Si2, Mi3). Sabe-se que Dodô afinava um tom abaixo da afinação tradicional.

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baianas (figura 1), indicando que a guitarra tradicional, apesar de seu uso ter se intensificado

com o axé music, não motivou o desuso da guitarra baiana. A complementaridade entre

estes instrumentos parece vir da função harmônica e contrapontística exercida por Dodô ao

violão.

FIGURA 1. Dodô à esquerda, Armandinho ao centro, e Osmar à direita.

A busca do músico baiano por sonoridades diferentes promoveu o teclado sintetizador

ao estágio de instrumento indispensável às bandas da década de 80 e 90. O tecladista Alfre-

do Moura participou desta fase baiana, tocando na banda Salamandra que tinha um teclado

sintetizador monofônico Minimoog. Ele afirma que tinha que aprender a tocar a segunda voz

da guitarrinha: uma tarefa tida como árdua, uma vez que a primeira voz dava para se guiar

pela melodia, mas a segunda dava muitos saltos, o que dificultava a memorização das fra-

ses. (Moura, 2014).

Atualmente, os mais novos sintetizadores oferecem sons de guitarras quase perfeitos,

mas que não conseguem superar a maneira humana de tocar guitarra baiana.

4. CONCLUSÃO

A tradição de tocar guitarra baiana era motivada pela necessidade de atuação profissional,

quando essa necessidade deixou de existir, aconteceu o desuso.

Os motivos que diminuíram essa atuação profissional e levaram a guitarra baiana ao

desuso estão relacionados aos seguintes fatos: 1) mudança de gênero instrumental para o

cantado; 2) aumento do nível técnico-instrumental exigido para tocar o repertório de frevo; 3)

influência dos ritmos advindos dos blocos afros e do Caribe nos arranjos das músicas car-

navalescas; 4) mudança do gênero frevo baiano trieletrizado para o gênero axé music; e 5) o

uso do teclado sintetizador.

REFERÊNCIAS

Almeida, J. 2009. Ensino/aprendizagem dos alabês: uma experiência nos terreiros Ilê Axé Oxumarê e Zoogodô Bogum Malê Rundó. Tese: Doutorado em música Salvador: UFBA.

Caldas, L. Entrevista concedida a Alexandre Vargas. Salvador, 12 nov. 2011.

Farias, S. C. 2012. A Voz de Armandinho Macedo. Salvador: Vento Leste.

Macedo, A. Entrevista concedida a Alexandre Vargas. Salvador, 2 fev. 2012.

Moreira, M. 2010. Sonhos Elétricos. Rio de Janeiro: Beco do Azougue.

Moura, A. Entrevista concedida a Alexandre Vargas. Salvador, 20 set. 2014.

Moura, M. 2002. O Carnaval de Salvador no Final do Século XX. In: Carnaval da Bahia: um registro estético. Salvador: Omar G, p. 124-153.

Risério, A. 2004. Uma história da cidade da Bahia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Versal.