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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
ENSINO DE POESIA ÉPICA
PARA JOVENS
Waldemar Valença Pereira
(Prof. Val Valença)
Como ler um poema épico ?“O discurso épico
caracteriza-se por sua natureza híbrida, isto é, por apresentar
uma dupla instância de enunciação, a narrativa e a lírica,
mesclando por isso mesmo, em suas manifestações, os gêneros narrativo e lírico.
Com a conversão da proposta aristotélica em teoria do discurso épico, impõe-se o reconhecimento da
epopéia apenas por sua instância narrativa, predominante na
elaboração discursiva da épica clássica,
fazendo com que a crítica, inadvertidamente, arrolasse a epopéia ao gênero narrativo,
figurando-a ao lado de uma narrativa de ficção.”
(SILVA e RAMALHO, 2007,p.49).
Poema épico
1. Dupla semiotização do discurso épico (eu lírico/narrador)
2. Plano histórico e Plano Maravilhoso
3. Matéria épica
4. Proposição, Invocação e Cantos
5. Heroísmo épico
1. Dupla semiotização do discurso (eu lírico/narrador)
O discurso híbrido (lírico e narrativo) é o que definirá o discurso na epopeia.
A tendência mais para um ou outro polo, lírico ou narrativo, não anula o discurso épico,
como julgou a crítica literária que compreendeu o romance como a nova forma do épico.
3. Matéria épica
A matéria épica, em formação, “pode estar configurada como uma unidade autônoma que faz e se dá
pronta ao poeta, ou apenas como epos, referenciais históricos e simbólicos dissociados no processo de formação da tradição
cultural, mas que podem ser unificados literariamente” . (SILVA e RAMALHO, 2007, p.54)
A matéria épica não é um mero sinônimo de epopeia (RAMALHO, 2013, p. 22), já que leitores encontram
também essa matéria (épica) em alguns romances (românticos ou de cavalaria), telenovelas, filmes, letras de música,
propagandas,
poemas líricos, por exemplo.
2. Plano maravilhoso O plano maravilhoso é viabilizado pelo entendimento do conceito de
epos, ou seja, compreendido como uma articulação de referenciais simbólicos e históricos ligados ao processo de formação cultural de uma comunidade (SILVA e RAMALHO, 2007, p. 58).
Fontes: mítica tradicional, mítica literariamente elaborada, mítica híbrida (RAMALHO, 2013, p. 119).
(+ ) Plano histórico
“Não se pode compreender a elaboração literária do plano histórico de uma epopeia a não ser pela ótica que sabe pertencer ao domínio das opções do(a) artista decidir que fragmentos históricos serão revisitados, a partir de que ponto de vista e com que recursos de referenciação.”(RAMALHO, 2013, p. 110)
Fontes referenciadas (ou não) explicitamente; apresentação linear ou fragmentada; conteúdo especificamente histórico ou geográfico. (RAMALHO, 2013, p. 109)
4. Proposição, Invocação e Cantos“Entende-se por “proposição épica” uma parte da epopeia, nomeada ou não, em
destaque ou integrada ao corpo do texto, através da qual o eu lírico/narrador explicita o teor da matéria épica de que tratará a epopeia. (...) A ausência de
uma proposição, entretanto, não impede o reconhecimento de um texto como epopeia.”
(RAMALHO, 2013, p. 32)
“A invocação, em geral, está posicionada na abertura das epopeias, justamente por estar associada à necessidade de preparo e fôlego para dar
continuidade a uma criação que exige iluminação e perseverança. Contudo, nem sempre isso ocorre de forma destacada, embora, muitas vezes,
a invocação mereça uma ou até mais estrofes só para si.”
(RAMALHO, 2013, p. 62)
Divisão em Cantos
“Em termos de nomeação,
aponto dois tipos:
a tradicional e a inventiva.
A divisão em cantos pode ser, ainda, inexistente,
o que, absolutamente, não impede que se reconheça o
caráter épico de um poema longo, uma vez que, como já foi
salientado, é o reconhecimento da matéria épica somado à dupla instância de enunciação que está
na base da identidade épica de um poema.
(RAMALHO, 2013, p. 83-84)
Divisão em Cantos
“Em termos de nomeação,
aponto dois tipos:
a tradicional e a inventiva.
A divisão em cantos pode ser, ainda, inexistente, o que,
absolutamente, não impede que se reconheça o caráter épico de um poema longo, uma vez que,
como já foi salientado, é o reconhecimento da matéria épica
somado à dupla instância de enunciação que está na base da
identidade épica de um poema.
(RAMALHO, 2013, p. 83-84)
O heroísmo épico
“A figura do herói épico não escapou às transformações que os conceitos de heroísmo e de identidade sofreram com o
passar dos tempos. E isso se vê perfeitamente nos perfis heroicos que se reconhecem na trajetória
da épica universal.
Uma leitura crítica desse percurso com foco no heroísmo traduz facilmente a mudança na composição do perfil e das ações heroicas, e a visível e paulatina relevância que o
enfrentamento de obstáculos gerados pelo próprio cotidiano passou a ter em oposição à tradução dos grandes feitos heroicos vinculados diretamente a
ações registradas pela história oficial como marcos históricos.”
(RAMALHO, 2013, p. 142)
“Todas essas transformações abriram espaço para que a
ação heroica ganhasse outros contornos”.
“O heroísmo deixou de ter relevância apenas no plano da História como sucessão de eventos
extraordinários e passou a se inserir no próprio plano anônimo da história privada,
desde que as ações do sujeito heroico fossem emblemáticas de uma capacidade
aí sim extraordinária de enfrentamento da
nova realidade humano – existencial do mundo.”
(RAMALHO, 2013, p. 142)
Centro Internacional Multidisciplinar de Estudos Épicos (CIMEEP)
Sobre o gênero épico, em âmbito nacional e internacional,
sugerimos uma visita virtual, no site do Centro Internacional
Multidisciplinar de Estudos Épicos (CIMEEP),
idealizado e desenvolvido pela professora universitária
Dr. ª Christina Bielinski Ramalho
Universidade Federal de Sergipe
Como analisar os poemas épicos ?
Século XIX
“A LÁGRIMA DE UM CAETÉ” (1849)
“OS TIMBIRAS” (1857)
Século XIX
Biografia dos autores
Síntese das obras
Gonçalves Dias (1823 - 1864)
Poeta brasileiro nascido, no Maranhão, foi conhecido pela sua poesia de feição romântica e indianista. E Portugal forma-se em Direito, retorna em 1845 ao Brasil, sendo um dos poucos poetas brasileiros de renome, na época, que conseguiu viver mais do que 40 anos.
Sua obra literária começa a ser publicada, sob uma proteção imperial, de 1846 a 1851.
Seus poemas são repletos de valorização da natureza exótica brasileira e dos povos indígenas que nela viviam. Outro tema recorrente de sua poesia é o Amor. Tornou-se muito conhecido também pelos versos de sua famosa “Canção do Exílio” carregados da imagem da Palmeira e do Sabiá.
“Os Timbiras”
No poema são narrados ações de guerreiros Timbiras (Tupinambás), sobretudo do chefe Itajuba e do jovem guerreiro Jatir.
Itajuba ordena que Jurucey, seu mensageiro, leve um pedido de paz para Gurupema, chefe dos Gamellas (Tapuias), seu arquirrival.
No quarto e último canto dessa obra incompleta, o pedido de paz é rejeitado, e Jurucei terá de levar aos seus povos Timbiras a resposta negativa acompanhada de um aviso: que venha o próprio Itajuba, decreta Gurupema, pessoalmente solicitar a trégua.
Nísia Floresta (1810 - 1885)
Seu verdadeiro nome era Dionísia Gonçalves Pinto, em homenagem ao seu pai, um advogado português chamado Dionísio que casou com uma brasileira de nome Clara. Nísia nasceu no Rio Grande do Norte, em Papari, atualmente cidade chamada de Nísia Floresta, em sua homenagem.
Ela foi uma escritora poliglota (português, italiano, francês e inglês), em uma época em que a mulher não possuiu acesso ao ensino superior. Nessa mesma época, ela viúva, mãe de dois filhos e diretora de escola primária, ela sob pseudônimos fazia crônicas para jornais.
Tornou-se conhecida, na sociedade carioca, através de publicações ousadas como, por exemplo, a tradução livre da obra de Mary Stonecraft, resultando em seu primeiro livro “O direito das mulheres e a injustiça dos homens” (1832).
A publicação de “A lágrima de um Caeté”, em 1849, com direito a segunda edição, mesmo sob o pseudônimo de Telesila, levou Nísia Floresta ao ciclo de discussões entre Conservadores e Liberais. Muitos acreditavam que o poema seria uma apologia aos liberais revolucionários da Praieira, em Pernambuco, em 1848, ainda mais, que muitos sabiam do envolvimento amigável que Nísia Floresta mantinha com um dos autores do “Manifesto ao Mundo”, o Deputado Nunes Machado ou o militar Pedro Ivo.
“A lágrima de um Caeté”
Com 712 versos, o poema longo A lágrima de um Caeté (1849) discursa sobre um “vulto de um homem”, mais tarde identificado de modo épico como um índio Caeté que viveu e que lutou contra a colonização portuguesa, ainda no século XV e XVI.
É possível ver em A lágrima de um Caeté (1949) momentos de divagação, em que o herói Caeté, inspirado na luta do outro herói Nunes Machado, na Praieira (1848), inclusive presenciando-a, pratica uma digressão temporal e rememora ilustres personagens de outros conflitos pernambucanos como a Insurreição Pernambucana (1817) e a Confederação do Equador (1823).
Voltando ao presente, em 1848, ao ver o herói Nunes Machado morto, o Caeté chora com muita discrição e altivez, deixando apenas cair a tão esperada lágrima do índio guerreiro.
Continuação de“A lágrima de um Caeté”
O Caeté presencia, ao sair da cidade pernambucana (Recife - Goiana), partindo em direção à “boca da mata”, de onde ele vagava, pronto para o combate contra portugueses e até índios tabajaras, duas personificadas figuras femininas: a Realidade e a Liberdade.
Primeiro vem a Realidade, com um rosto feio, que causa horror ao Caeté, deixando-o receoso. Depois vem a Liberdade, descrita como uma bela virgem, que o convida à batalha e à vingança. Quando o Caeté tendia para aceitar a Liberdade como escudeira, a Realidade consegue vencer no argumento, mostrando ao Caeté, através de palavras, que a Liberdade é, na verdade, um ilusório caminho, fadado ao insucesso.
Enfim, triste, mas principalmente resignado, o herói Caeté resolve voltar à mata e terminar sua trajetória às margens do Rio Goiana, buscando respostas para suas perguntas que, mais uma vez, o revelam como um índio protagonista consciente, crítico.
Análise dos poemas selecionados
Sob a perspectiva do heroísmo épico
Em “A lágrima de um Caeté” analisaremos/investigaremos/discutiremos...
1. O heroísmo épico sob a perspectiva do Eu lírico/ narrador revelado sobre a primeira pessoa do plural (Nós/ nossa) por meio de versos em métrica de decassílabo (10 sílabas poéticas);
2. O heroísmo épico, sob a perspectiva do plano maravilhoso (Anhangá – entidade mitológica indígena dos Caetés), acompanhado da personificação da Natureza que sorria no antes da chegada de Cabral.
3 . Uma visão sobre a população indígena mais crítica que se faz presente, desde a escolha de usar termos indígenas como Anhangá (entidade sobrenatural religiosa) ou Porangaba (sinônimo próximo ao conceito de esposa dos Caetés), até a construção de um personagem heroico tomado pelo desejo de vingança. Além desse desejo, frente ao poderio bélico do povo invasor (Portugal) e da falta de identidade ideológica com as lutas armadas pernambucanas de 1848 (Praieira), o Caeté, assim como ocorreu na história do Brasil, decide pela fuga consciente da luta armada desleal: flechas contra pólvora.
Em “Os Timbiras” analisaremos/investigaremos/discutiremos...
1. Sob a perspectiva do heroísmo épico de índios como Jurucei, o mensageiro, e Itajuba, o chefe guerreiro dos Timbiras, investigaremos a presença do eu lírico/ narrador que assume a voz a partir da fala do herói em primeira pessoa do singular.
2. Compreender o processo de composição do heroísmo épico, em “Os Timbiras”, a partir da consciência de que os índios não apresentam, no momento da lírica narrativa, o conhecimento da existência de povos europeus e transitam entre confrontos físicos étnico-raciais e pedidos de paz.
3. Logo, embora seja a obra incompleta, podemos inferir que nela há, como plano histórico, a formação e separação do povo Timbira, numa luta árdua contra os Gamellas.
Proposta de ensino: poesia épica para jovens
“ Heroísmo ou Aventura ? ”
A poesia épica brasileira
COMO SE TORNAR UM HERÓI OU UMA HEROÍNA?
APRESENTAR UMA DUPLA NATUREZA:
A natureza humana(+)
A natureza divina
“Os Timbiras” Gonçalves Dias 1857
O heroísmo épico do tabajara Jurucei e seu pedido de paz
Obra “Os Timbiras” de Gonçalves Dias
Irás tu, Jurucei, por mim dizer-lhes:
Itajubá, o valente, o rei da guerra,
Fabricador das incansáveis lutas,
Em quanto a maça não sopesa em quanto
Dormem- lhe as setas no carcaz imóveis,
Of’rece-vos liança e paz; – não ama,
Tigre repleto, espedaçar mais presas,
Nem quer dos vossos derramar mais sangue.
Três grandes Tabas, onde heróis pululam,
Tantos e mais que vós, tanto e mais bravos,
Caídas a seus pés, a voz lhe escutam.
A lágrima de um Caeté Nísia Floresta
Ano: 1857
O Caeté sob o plano histórico e maravilhoso constrói o heroísmo épico, em decassílabos,
através de uma voz engajada
Se Anhangá contra nós mandava o mal,Para longe a cabana transferíamos;Nossas eram as matas, suas frutas,Seus regatos, seus rios, tudo eraPropriedade nossa… A NaturezaPor toda a parte bela nos sorria…Sorria-nos o amor, o céu sorria-nos…
O eu lírico/ narrador prossegue...
Onde estão, fero Luso ambicioso,Estes bens, que eram nossos? Porangaba perdi, perdi os filhos; Ai de mim! inda vivo!!Com a Pátria lá foram esses tesouros! O pranto só me resta!..
Só me resta um sentir, um só desejo, Desejo de vingança!Vingança de selvagem tão tremenda, Tão nobre como ele! (p. 42)
Clique em um nome de uma obra abaixo para investigar mais sobre
heroísmo épico e culturas indígenas, agora com o auxílio do seus colegas e da internet,
e, assim, continue a viagem pelo mundo épico...
Caeté Timbiras
Caminhos para “A lágrima de um Caeté”
http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/150041?show=full
PROGRAMA DE RÁDIO PÚBLICA (Parte 01 e 02)
SOBRE
A VIDA E A OBRA
DA ESCRITORA
NÍSIA FLORESTA
PROGRAMA REALIZADO PELA TV NBR sobre Nísia Floresta
https://www.youtube.com/watch?v=-fqz5fsFssE
Caminhos para “Os Timbiras”
https://www.youtube.com/watch?v=5ZRcsRMcbhM
PROGRAMA REALIZADO PELO CENTRO DE TRABALHO
INDIGENISTA
https://www.youtube.com/watch?v=ra2yyPLc2Z0
I – Juca Pirama
Bibliografia
Imagens:
Ilustrações de Danieluiz feitas para o projeto << “A lágrima de um Caeté” na escola>>
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rugendas_-_Coroatos_e_Coropos.jpg
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do
Obras digitais:
A lágrima de um Caeté (Fragmentos) - http://www.jornaldepoesia.jor.br/nfloresta02p.html
Os Timbiras
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000117.pdf
Obras impressas:
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. Trad. de Nilson Moulin. 2a reimp. . Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1999.
CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura. São Paulo: Atual, 2005.
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. Trad. de Nilson Moulin. 2a reimp. . Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1999.
CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura. São Paulo: Atual, 2005.
FLORESTA, Nísia. A lágrima de um Caeté (1849). Ed. atualizada com Notas e Estudo Crítico de Constância Lima Duarte para a 4a edição. Natal: Fundação José Augusto, 1997.
FUNARI, Pedro Paulo & PIÑÓN, Ana. A temática indígena na escola: subsídios para os professores. São Paulo: Contexto, 2011.
GOMES, Carlos Magno. Ensino de literatura e cultura: do resgate à violência doméstica. Jundiaí: Paco Editorial, 2014.
JOUVE, Vicent. Por que estudar literatura? Trad. Marcos Bagno e Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2012.
SILVA, Anazildo Vasconcelos. Semiotização literária do discurso. Rio de Janeiro: Elo, 1984.
SILVA, Anazildo Vasconcelos & RAMALHO, Christina. História da epopéia brasileira: teoria, crítica e percurso. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998.
Ramalho, Christina. Poemas épicos: estratégias de leitura. Rio de Janeiro: Uapê, 2013.
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. 4a. ed. - Rio de Janeiro: DIFEL, 2012.
ZILBERMAN, Regina & SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura – perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 2005
Fim !!!Obrigado pela gentileza.