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FUNDAÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DE OLINDA-FUNESO UNIÃO DAS ESCOLAS SUPERIORES DA FUNESO-UNESF ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DO NORDESTE HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERIODO COLONIAL MARIA CECILIA SOUZA PEREIRA

HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

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Page 1: HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

FUNDAÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DE OLINDA-FUNESO

UNIÃO DAS ESCOLAS SUPERIORES DA FUNESO-UNESF

ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DO NORDESTE

HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL

PERNAMBUCANO NO PERIODO COLONIAL

MARIA CECILIA SOUZA PEREIRA

OLINDA -2008

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MARIA CECILIA SOUZA PEREIRA

HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA

DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

Monografia apresentada na Fundação de

Ensino Superior de Olinda como parte

dos requisitos para obtenção do titulo de

especialista em História do Nordeste.

OLINDA -2008

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Pereira, Maria Cecília Souza

História e Memória: um resgate da cultura

indígena do litoral pernambucano no período colonial -

Recife, 2008. 44 folhas.

Monografia apresentada - Fundação de Ensino

Superior de Olinda, para a obtenção do grau de

especialista em História do Nordeste.

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HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA

DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

MARIA CECILIA SOUZA PEREIRA

BANCA EXAMINADORA

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Page 5: HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi realizado com a ajuda de pessoas, que direta ou

indiretamente, o tornaram possível: ao meu namorado Almir do Carmo Bezerra,

que enquanto estudante de Arqueologia deu valiosa contribuição à monografia

nessa área do conhecimento, a minha família que sempre me apoiou, minha mãe

e meus irmãos. E ao Prof. Jobiergio F.M. Carvalho que me orientou durante o

percurso que percorri.

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Page 6: HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS -----------------------------------------------------------------------------05

RESUMO --------------------------------------------------------------------------------------------07

ABSTRACT -----------------------------------------------------------------------------------------08

INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------------------09

Capítulo I - OS HABITANTES DO LITORAL PERNAMBUCANO ---------------------12

1.1- A língua Tupi ----------------------------------------------------------------------12

1.2- Localização espacial ------------------------------------------------------------14

1.3- Traços culturais dos povos Tupi ----------------------------------------------16

Capítulo II - O CONTATO: LUTAS, ALIANÇAS E CATEQUESE----------------------22

2.1 A Capitania de Pernambuco -------------------------------------------------------22

2.2 – Lutas e alianças: Índios x Colonos---------------------------------------------24

2.3 - A catequese---------------------------------------------------------------------------26

Capítulo III - ACULTURAÇÃO: FORMAS DE INSERÇÃO INDÍGENA NA

SOCIEDADE COLONIAL--------------------------------------------------------------------------29

3.1 – Cultura aldeada ---------------------------------------------------------------------29

3.2- Os índios e os engenhos -----------------------------------------------------------33

3.3- os holandeses e os índios ---------------------------------------------------------37

CONSIDERAÇOES FINAIS ----------------------------------------------------------------------40

BIBLIOGRAFIA --------------------------------------------------------------------------------------42

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Page 7: HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

RESUMO

Diante da importância de resgatar as nossas origens ressaltando o elemento

indígena como primordial na construção cultural e identitária do povo brasileiro, é

que procurei trabalhar a História do contato numa reflexão a cerca da cultura

indígena numa nova estrutura montada, a estrutura colonial, possibilitando assim

que os aspectos da identidade cultural desses grupos sejam percebidos e

analisados, fora de uma historiografia oficial etnocêntrica. Os índios foram vistos

como seres totalmente passivos à ação histórica do branco europeu, quando na

verdade sabemos que através do contato com o “outro” os povos indígenas foram

capaz de criar ações que transformaram a realidade. No contato com o colonizador

os Tupi do litoral pernambucano produziram novos modos de adaptação a essa

nova estrutura montada, dado um novo significado aos seus modos de ser e fazer

culturais, entendido nesse trabalho como formas e estratégias de sobrevivência

nessa nova sociedade.Partindo desta idéia acreditamos que a cultura indígena não

se perdeu ou se fundiu simplesmente, entretanto assumiu novas formas e funções

no contexto da colonização.

Palavras-chaves: Etnicidade, indígenas do litoral pernambucano, cultura de

contato.

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Page 8: HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

ABSTRACT

In face of the inportance of ranson the our origins enphasizimg the indigenous

element like primordial in the cultura and identity constrution of brasilian people,so I

tried to survey tey contact history In a reflexion arond indigenous culture in a new

formed structere,the colonial structure.This way it makes possible that the aspects

of the cultural identity of this groups heve ben notice and analezed,out of an official

ethnocentric historigraphy.The indians were seem like criatures entirety passive to

historic action of white europeans, however we know that through the this contact

with the “other” the indigenous have done actions that transformed the reality. In

they colonizer the tupi realit. In the contact with the colonizer the Tupi of the

Pernambuco coast produced news ways of adaptatiou for this new mean of the

ways of live and produce culture, vnderstandable here as forns end strategies of

survival in this new society. From this idea we trust that an indegenous culture

didnit get cost or goin themselves simply, but got news ways and functions in the

context of colonizaton.

Keywords: ethnicity, indigenous of Pernambuco coast, culture of contact.

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Page 9: HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

INTRODUÇÃO

Os povos indígenas tiveram uma importância fundamental na conquista e

colonização do território brasileiro. No entanto, à medida que iam sendo

incorporados à sociedade colonial, esta importância foi aos poucos sendo

esquecida e apagada da memória.

Como se tratavam de povos que não dominavam a escrita, quase todas as

informação que possuímos sobre seu respeito provêm dos registros arqueológicos

e das observações feitas pelos cronistas de maneira eurocêntrica e etnocêntrica.

Nesse viés a História, através da pesquisa e das analises de documentos,

possibilita o resgate de elementos da cultura indígena, fornecendo informações que

têm contribuído para ressaltar a complexidade cultural, e a importância destes

povos na formação do povo brasileiro, pois segundo Medeiros: “Uma grande

quantidade de documentos burocráticos oficiais resultantes da administração

colonial portuguesa nas suas diversas escalas de poder (....). Foram priorizadas as

informações sobre a cultura, a localização espacial, formas de contato, exploração

da mão-de-obra, e as tentativas de sua destruição ou incorporação à cultura

dominante”. 1

Os grupos Tupis foram os primeiros a ter contato com os colonizadores

europeus, esse contato inicial foi caracterizado por trocas de “presentes”, e de

recepções amistosas. Logo após seguiram-se os conflitos ou alianças onde os

interesses de ambos os povos, indígena e europeu guiavam à condição de inimigo

ou aliado.

Sabemos que no momento do contato europeu com comunidades indígenas

em todo litoral pernambucano, o choque cultural foi imediato, e que nesse caldeirão

cultural a relação com o “outro” força os grupos indígenas a reconstruírem suas

1 MEDERIOS, Ricardo Pinto. Povos Indígenas do Sertão Nordestino no Período Colonial: Descobrimentos, alianças, resistências e encobrimentos. IN: FUNDHAMENTOS, São Raimundo Nonato (PI), V1, N° 2, 2002, págs, 07-52.

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identidades, ficando o questionamento, se teria havido uma manutenção dos

modos de fazer e ser culturais dos índios que viveram no litoral pernambucano na

sociedade colonial.

Através desse estudo podemos construir uma percepção da diversidade

cultural dos grupos indígenas Tupi no período do Brasil colônia, e como essa

diversidade cultural foi abalada com a introdução de uma estrutura colonial,

provocando a partir daí uma apreensão do conhecimento do patrimônio indígena.

Diante disso nosso interesse é de produzir um movimento que nos permita sair da

mera contemplação, para a apropriação da construção de nossas referências

identitárias.

Este trabalho tem como objetivo o resgate da memória e da importância

cultural dos povos indígenas no processo de formação do povo brasileiro, focando

às primeiras ocupações humanas no litoral pernambucano, ou seja, os grupos

indígenas Tupi, no período colonial (1535-1716), estabelecendo a partir dai uma

relação com a reconstrução das identidades culturais indígenas abaladas pela

nova ordem implantada com a estrutura colonial.

Tendo em vista desconstruir o que foi reproduzido durante anos pela

historiografia oficial, buscando trabalhar a cultura indígena do ponto de vista etno-

histórico, onde os grupos étnicos, seus contatos e interações culturais serão

evidenciados.

Para alcançar esses objetivos propostos, utilizei relatos de cronistas do

período colonial, buscando informações sobre a cultura e a etno-história dos povos

indígenas do litoral pernambucano. Apesar das crônicas terem sido feitas por

indivíduos estranhos à cultura indígena, esses relatos são de suma importância

pela riqueza de narrativa, que sempre traz informações sobre o “outro” descrito na

visão de quem escreveu.

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Além de manuscritos e crônicas impressas, também trabalhei com

produções de historiadores que estudam, ou fazem referências aos grupos

indígenas Tupi que habitavam o litoral Pernambucano.

Este trabalho foi dividido em três capítulos, o primeiro trata dos traços

culturais dos povos Tupi e sua distribuição espacial. O segundo capítulo apresenta

o choque cultural de ambas etnias no momento do contato. Por fim o terceiro

capítulo será evidenciado o contato e as interações dos europeus e as

comunidades indígenas Tupi, e a resignificação cultural desses povos como forma

de sobrevivência na nova estrutura social montada.

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Capítulo I

Os habitantes do litoral Pernambucano

1.1- A língua Tupi

“Durante quase cinco séculos, os índios foram

pensados como seres efêmeros, em transição

para a cristandade, a civilização, a assimilação,

o desaparecimento. Hoje se sabe que as

sociedades indígenas são parte de nosso futuro

e não só de nosso passado”.

CUNHA2

O termo Tupi remete a grupos indígenas cujas línguas pertencem ao

tronco Tupi (ou Macro-tupi), tronco lingüístico que abrange diversas línguas das

populações indígenas sul-americanas, inclusive as que habitavam o litoral

brasileiro. Alguns estudos lingüísticos acerca das línguas Macro-Tupi descobriram

que existia certa homogeneidade quanto à fala da língua Tupi no litoral brasileiro,

falado na área que atualmente corresponde ao Estado do Rio Grande do Norte

como território do dialeto Potiguar.

Podemos dividir o estudo da língua Tupi em três categorias: o Tupi

propriamente dito ou Tupi antigo, o Tupi colonial, denominado língua geral, e as

múltiplas línguas tupis vivamente exercitadas pelos índios brasileiros pertencentes

à grande família Tupi-Guarani. Em seu livro Tupis e Guaranis, Frederico Edelweiss,

mestre de estudos Tupi no Brasil, atribui a errônea denominação - língua Tupi-

Guarani que segundo ele são línguas irmãs, mas diferentes. Existe, a língua Tupi,

e a língua Guarani, entendidas como línguas de características diferentes. O termo

2 CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena, IN História dos Índios no Brasil (org.) Manuela Carneiro da Cunha, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, pág. 22.

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“língua Tupi-Guarani” foi divulgado equivocadamente pelo etnólogo alemão Karl

Von den Steinen, e repetido por inúmeros leigos, e estudiosos brasileiros.

“infelizmente, a especificidade do tema, estranhamente

desconhecido, inclusive pelo público letrado brasileiro, dá lugar ao

vezo de utilizar-se, indevidamente, até os nossos dias, o

inadequado e injustificável ‘incômodo aleijão genérico’ - língua tupi-

guarani, como único designativo das duas línguas irmãs”.3

A aprendizagem da língua Tupi, iniciou em três pontos do litoral brasileiro,

com o lendário Diogo Álvares Correa, o caramuru, com João Ramalho e com o

Bacharel de Cananéia. Mas foi com os jesuítas, no período colonial que a língua do

Brasil passou a ser estudada, mas profundamente.

Dessa forma as cartas endereçadas a Portugal pelos jesuítas, sobre a

língua tupi eram divergentes, “os inacianos freqüentemente se referiam ao tupi,

apelidando-o ‘o grego da terra’, já o Padre Luiz Figueira (...), entendia ser o tupi

uma língua suave, elegante, mas estranha”.4

O Tupi antigo, ou seja, considerado o Tupi puro, é uma língua morta,

somente podendo ser estudado por meio de documentos históricos, pois como

afirma, o professor Arion Dall Igna Rodrigues, em seu artigo, “Análise morfológica

de um texto tupi” citado por Sena, “Sendo o Tupi antigo (século XVI – XVll) uma

língua morta, apenas atestada documentalmente, todo o estudo que dela se faz há

de ser baseado em documentos: gramáticas, vocabulários (...); este estudo é, pois,

de cunho nitidamente filológico”.5

3 SENA, Consuelo Pondé. A propósito do Tupi da costa brasileira ao tempo de Cabral. Revista de Arqueologia, São Paulo, ed. Spige, 1993, pág.36.

4 SENA, Op. Cit, pág.35.

5 SENA, Op. Cit, pág.38.

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É importante perceber que o contato dos Tupi com uma nova realidade,

os obrigou, a criarem um outro vocábulo capaz de expressar conceitos ainda não

conhecidos. Como no caso do termo abá, que significava homem, e que acrescido

de ré (diferente), passou a ser aplicado aos padres. Assim os indígenas podiam

distingui-los de seus semelhantes.

Diante disso podemos refletir um pouco mais sobre a língua Tupi, que

representa a expressão viva, dos modos de ser, e de pensar culturais dos povos

indígenas que viviam no litoral brasileiro e em algumas áreas esparsas do inferior

do Brasil.

1.2- Localização espacial

A história das sociedades indígenas do período colonial é analisada a partir

de documentações que apresentam descrições de aldeias, grupos, povos, e

espaços territoriais, além de autores que tratam do tema.

As descrições dos territórios e das fronteiras dos nativos da Capitania

de Pernambuco estendem-se do século XVI até o século XIX, ao longo desse

período, alguns grupos são mais descritos que outros.

O painel da localização das etnias dos indígenas do litoral pernambucano

estavam distribuídas da seguinte forma no momento do contato:

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BARBOSA (2007) “Ocupações Indígenas em Pernambuco”.

A delimitação territorial dos grupos Tupi das etnias Caeté, Tabajara e

Potiguar, foi alterada com a instalação e consolidação da capitania de Duarte

Coelho, a partir daí o correram migrações, decorrentes dos novos arranjos feitos do

contato do índio com o colonizador, apresentando dessa forma uma nova

distribuição espacial, originaria das relações de conflito e alianças entre essas

etnias e os colonizadores.

Na capitania de Pernambuco, os grupos Caeté, Potiguar e Tabajara uniram-

se e se aldearam, desse modo efetivou-se a colonização para os indígenas, sejam

eles aldeados, escravizados nos engenhos, nas fazendas e casa de colonos.

Fazendo com que estas etnias tivessem, não somente que se adequar a esta nova

estrutura social, como também buscar e conservar seu espaço no mundo colonial.

1.3- Traços culturais dos povos Tupi

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Tendo como proposta estudar as resiginificações culturais dos indígenas,

visando compreender o processo do contato entre colonizadores e grupos Tupi que

habitavam o litoral de Pernambuco, torna-se importante delimitar alguns traços

culturais desta sociedade silvícola.

Os tupis dividiam-se em várias tribos cujos nomes registrados pela história

são como elas mesmas chamavam-se ou como seus inimigos apelidaram-nas. No

espaço indígena da capitania de Pernambuco encontravam-se diversas culturas

nativas descendentes das culturas pré-históricas, nesses territórios organizavam-

se populações étnicas diferentes, que em muitos dos casos eram rivais.

Uma das principais características desses grupos que viviam no litoral era a

produção de cerâmica, chamada de tupiguarani. Segundo estudos arqueológicos,

na região da mata que compreende os municípios do Cabo de Santo Agostinho

(PE) a Pilar (AL). Foram encontradas áreas de ocupação indígena em formato de

aldeia, onde cerca de 90% estavam localizadas em morros, possibilitando assim

uma melhor visibilidade de seu entorno, constituindo uma localização estratégica

para as situações de guerra.

De acordo com relatos coloniais os nativos dispunham para coleta de uma

grande variedade de recursos alimentares de origem vegetal, também praticavam a

pesca ribeirinha como fonte de proteína animal, e a agricultura como uma fonte

secundária, servindo apenas para complementação de sua dieta alimentar.

As aldeias possuíam em média sete a oito casas, em cada casa existia uma

figura principal, onde o poder masculino prevalecia, sejam eles nos homens mais

idosos, considerados conselheiros, ou nos mais jovens, que eram lideres de

guerra.

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“Não moravam mais em uma aldeia que em quando não apodrece a

palma dos tetos das casas, que é espaço de 3 ou 4 anos, e então o

mudam para outra parte, escolhendo primeiro o Principal, com o

parecer dos mais antigos o sítio que seja alto, desabafo, com água

perto e terra a propósito para as suas roças sementeiras, que eles

dizem ser a que não foi ainda cultivada (...) se estas aldeias ficam

fronteiras de seus contrários e tem guerras, os cercam de pau-a-

pique mui forte (...)”. 6

A mulher desempenhava um papel que estava ligado a aspectos

fundamentais, desses grupos, sejam eles na fabricação de comida pra guerra, no

preparo das bebidas para as festas e os rituais ou na confecção das unas

funerárias nos sepultamento, as mulheres de mais idade também desempenhava

um papel de destaque nessa sociedade, pois segundo Gândavo: “Todos seguem

muito o conselho das velhas, tudo o que elas dizem fazem e têm-no por muito

certo: daqui vem a muitos moradores não comprarem nenhuma para lhes não

fazem fugir seus escravos”.7

Desta forma podemos considerar que a mulher indígena gozava de

um certo prestigio social. O casamento representava para os povos Tupi um

grande regulador de privilégio e de hierarquia social, tanto que funcionou muitas

vezes como um condicionante na relação entre os índios e colonos.Podemos citar

o caso clássico de Jerônimo de Albuquerque e da índia Arcoverde, que selou a

aliança de portugueses com os grupos da etnia Tabajara.

6 SALVADOR, Frei Vicente do .História Pré-Colonial do Brasil. Rio de Janeiro: Europa editora, 1993, pág.80.

7 GÂNDAVO, Pero de Magalhães de. Tratado da terra do Brasil 5º ed; Historia da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. 1576.12ª ed. Recife: FUNDAJ.Editora Massangana, 1995, pág.51.

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Uma característica das aldeias Tupis era a auto-suficiência, sendo elas

unidades independentes umas das outras. Todavia, em geral uniam-se,

principalmente em situações de guerra, que por sinal era um forte traço desses

povos.Souza descreve os Caeté, como indivíduos mui belicosos e guerreiros que

faziam cruéis guerras, para cujas aldeias ordinariamente havia fronteiros, que as

corriam e salteavam. 8

Esse espírito de guerra dos silvícolas, baseado na vingança, causava uma

impressão de grande selvageria por parte dos europeus, principalmente o ato

antropofágico. A antropofagia na maioria dos casos era utilizada para adquirir

prestigio, como uma forma de assumir a condição de principal, ou também para

estabelecer a paz e selar alianças.

“(...) golpeia o prisioneiro na nuca, de modo que lhe saltam os

miolos, e imediatamente levam as mulheres o morto, arrastam-no

para o fogo, raspam-lhe toda a pele, fazendo-o inteiramente branco,

e tapando-lhe o anus com um pau, a – fim - de que nada dele se

escape. Depois de esfolado, toma-o um homem e corta-lhes as

pernas, acima dos joelhos, e os braços (...) e correm com eles (...)

em sinal de alegria”. 9

8 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descrito do Brasil em 1578, São Paulo, Cia. Editora Nacional.ed.USP, 1971(Brasiliana 117).pág.62.

9 STANDE, Hans. Duas Viagens ao Brasil Publicações da sociedade Hans Staden: São Paulo, 1942.

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CUNHA (1998:388). “Amarrado

na região do ventre pela

mussurana, o cativo aguarda o

golpe fatal que o matador

desferirá com sua maça, a

ibirapema”.

Tupinambá preparando mingau.

Ilustração obtida da Capa da

Revista de arqueologia da SAB,

vol. 7, 1993.

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A guerra e a religião estavam intimamente ligadas no imaginário dos índios,

os Xamãs, caraíbas e pajé tupi, representavam o sagrado nessa sociedade

ameríndia. Esses líderes sempre são descritos pelos cronistas como bruxos (as) ou

feiticeiros (as), sendo esta uma forma de demonizar a religiosidade ameríndia.

“E assim se podem estes feiticeiros chamar mais matasanos que

médicos, nem eles curam os enfermos se não com enganos,

chupando-lhes na parte que dói, e tirando da boca um espinho ou

prego velho que já nela levanta, lho mostram, dizendo que aquilo

lhes fazia mal e que já ficam sãos”.10

A bebida era um elemento cultural importante para esses grupos, pois o

consumo desta representava uma ação coletiva que ocupava lugar de destaque

nas cerimônias, principalmente nos rituais de canibalismo. O cauím, bebida

fermentada, eram consumida pelos Tupi nas cerimônias de guerra e de

antropofagia.

Outro elemento cultural importante para os silvícolas eram a cerâmica, já

que em primeiro lugar indicava, através de suas técnicas de fabricação e

decoração, um traço cultural Tupi, em segundo o caráter funcional desta, que

servia como reservatório de água e comida, no cozimento e na preparação dos

alimentos do uso cotidiano, ou na fabricação de farinha para servir de alimentação

em tempos de guerra. E em terceiro, por fazer parte dos momentos de rituais como

a antropofagia e o sepultamento.

Tabela 1

10 SALVADOR.Op.cit., pág.149.

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Page 21: HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

Após o contato com o colonizador, a cultura dessas sociedades indígenas,

foi sendo substituída e/ou adaptadas, ou ainda abandonadas, numa reação

identitaria indígena, a nova estrutura social que estava sendo construída.

Ocasionando assim uma descaracterização, reelaboração e destruição das

estruturas sociais destes grupos.

Capítulo II

O contato: lutas, alianças e catequese

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2.1 A Capitania de Pernambuco

“O conjunto dos costumes de um povo é sempre

marcado por um estilo; eles formam sistemas. Estou

convencido de que esses sistemas não existem em

numero ilimitado, e que as sociedades humanas,

assim como os indivíduos – em seus jogos, seus

sonhos ou seus delírios – jamais criam de modo

absoluto, mas limitam a escolher certas

combinações num repertorio ideal que seria possível

reconstruir...”.

Lévi-Strauss11

Em 1534, Dom João III, rei de Portugal, implanta o sistema de Capitanias

Hereditárias no Brasil. Dando o provimento de terras e poder aos Donatários,

membros de uma pequena nobreza, que tomaram posses dessas terras com a

função de prover a prosperidade das Capitanias doadas.

Nas doações de Capitanias, as relações entre o Rei e os Donatários foram

claramente determinadas, como se observa nas cartas de doação, e nos forais, de

onde se declarava o direito e dever dos donatários.

As capitanias eram localizadas em uma vila, próximas de um bom porto,

numa baia ou estuário. Cabia aos donatários explorar diretamente ou por meio de

parcerias essa propriedades.

A Capitania de Pernambuco foi doada, a o então capitão-mor de armadas do

atlântico, Duarte Coelho, que visava implementar na capitania a plantação da cana-

de-açúcar, pois ele acreditava que a estabilidade desta capitania, e o retorno de seus

investimentos proviriam desse empreendimento.Essa decisão de Duarte Coelho

causa tensões entre ele e a Coroa, que visava à procura de metais, e a extração e

11 LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos, Companhia das Letras; São Paulo, 1999, pág.167.

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comercio do pau-brasil. A Capitania de Pernambuco, ou Nova Lusitânia como era

chamada, nome este que não prevaleceu, estava delimitada da seguinte forma :

“tinha sua fronteira Norte com a capitania de Itamaracá, fixada

na margem esquerda do rio Igarassu, e se estendia até os 10,5°

ao Sul, onde ficava a sua fronteira à margem esquerda do rio

São Francisco. (...), a Capitania de Pernambuco abrangia

também, as terras do atual estado de alagoas (...), espaço

geográfico, muito maior do que os 98.271 km de área que hoje

pertence ao estado de Pernambuco”.12

Além dos conflitos com a Coroa, Duarte Coelho esbarrava seu projeto de

colonização, nas lutas contra os povos silvícolas. Em correspondência A El-Rei, no

período de implantação da Capitania, o Donatário, queixa-se do impedimento da

expansão colonizadora, devido entraves com as populações indígenas.

No litoral pernambucano estava instalado nesse momento, um conflito, no

qual estavam em jogo os interesses da Coroa, do donatário e dos povos indígenas.

2.2 – Lutas e alianças: Índios x Colonos

Analisar a construção do mundo colonial é um exercício que exige não

apenas rever os condicionantes do projeto colonizador de Portugal para com o

12 BARBOSA, Bartira Ferraz. Paranambuco: heranças e poder indígena Nordeste séculos XVI-XVII, Ed. Universitária da UFPE, Recife, 2007, pág.36.

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Brasil, mas sim é levar em consideração que a ação dos povos envolvidos e as

suas parcelas de contribuição, ou impedimento para a efetivação desse projeto,

foi fator preponderante, no sucesso e no fracasso da nova estrutura social

estabelecida.

Em Pernambuco, os cercos feitos pelos Caeté nos fins da década de 1540,

nas vilas de igarassu e Olinda, e os danos causados pelos Potiguara , as

Capitanias de Pernambuco e Itamaracá, descritos pelos cronistas colônias, são

exemplos das relações que estavam sendo estabelecidas entre os colonos e os

indígenas nesse primeiro momento.

A etnia Potiguara resistiu durante muitos anos à expansão colonizadora

portuguesa, aliados dos franceses, que eram assíduos freqüentadores do território

Potiguara desde 1518, só firmaram a paz com os portugueses em 1599 quando

Martim Leitão, ao lado de “168 homens de pé e a cavalo, fora o nosso gentio, que

eram das aldeias de Pernambuco, noventa flecheiros e das da Paraíba setecentos

e trinta, com seus principais (os lideres tabajara) que os guiavam”.13 Dessa forma

foi possível promover ataques com sucesso às aldeias dos Potiguara, que já não

tinham mais o apoio dos franceses que fugiram.

Para os portugueses estabelecer acordos e alianças com os Potiguara era

de fundamental importância para consolidar o domínio do território recém-

conquistado, principalmente, por este grupo ter demonstrado, durante o período de

guerras e de conquistas, uma unidade política e força do ponto de vista bélico.

Já os Tabajara aliaram-se rapidamente aos colonos, assumindo uma

identidade própria do colonizador, favorecendo dessa forma o projeto colonial

lusitano. Assim, no contexto da colonização, os Tabajara, foram transformando e

construindo uma nova etnia, para situar o seu espaço político, na construção de

uma nova ordem social que estava sendo montada.

13 SENA.Op. cit., pág.300

24

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Após apoiar a vitória dos colonos, os Tabajara juntamente com os

Potiguara, já aliado, continua as incursões que se estenderam ao Ceará (1603-

1607). Também no Maranhão, a etnia Tabajara tornou-se uma grande aliada nas

guerras de conquistas.

Os Caeté no primeiro momento são hostis, mas ao longo do tempo, após

sucessivas derrotas no sul da Capitania pernambucana , aliaram-se aos antigos

inimigos, através de casamentos. Essa aliança do Caeté com o colonizador é

entediada neste trabalho como uma estratégia, para fugir da condição de

dominado, e da ausência de escolha de poder assumir a sua identidade. Os Caeté

são sempre descritos como hábeis guerreiros, porém “muito mais falso, e

atraiçoados que algum, sem palavra, nem lealdade, e fizeram naqueles primeiros

tempos grandes males aos portugueses”.14

Em suma, os índios da costa pernambucana serviram aos interesses dos

colonos em diversos momentos da construção do projeto colonial, legitimando que

a etnicidade desses povos, assumiu um caráter dinâmico nas relações com o

outro, onde os indivíduos como estratégia de sobrevivência, vão buscar novas

significações nos seus símbolos culturais e étnicos. “A cultura de contato pode ser

mais do que um sistema de valores, sendo também uma representação que um

grupo faz da situação de contato que esta inserido e termos da qual identifica a si

próprio a aos outros”.15

Entendendo que a mudança da cultura étnica não foi apenas um modo de

proporcionar a sobrevivência dos grupos indígenas na sociedade colonial,

percebemos que através do contato entre índios e colonizadores europeus, a

transformação étnica aparece como um elemento próprio das relações sociais.

14 JABOATÃO, Antônio Santa Maria de.Novo Orbe Seráfitico Brasílica ou Crônica dos Frades menores da Província do Brasil (1761), Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1º vol.2ª parte 1958.pág.71.

15 OLIVEIRA, Roberto Cardoso de.Identidade Etnias e Estruturas Sociais. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.pág.23.

25

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2.3 - A catequese

A Companhia de Jesus chega ao Brasil com o objetivo de propagar o

cristianismo e catequizar os nativos do “Novo Mundo”, o governo da Companhia

supõe uma virtude essencial na vida religiosa: a obediência, ela é a virtude

característica da Companhia jesuítica.

O cristianismo foi à perspectiva através da qual os grupos indígenas tiveram

que se ajustar e viver.Para os jesuítas os índios eram obrigados a adorar a Deus,

venerar os santos, abandonar seus ritos e mitos, enfim, mudar seu estilo e vida e

de visão de mundo.

O projeto missionário para o silvícola favorecia os diversos agentes da

colonização, pois expande comercial e territorialmente o poder do Império cristão,

facilitando a invasão e o domínio da terra.

A política empregada para o indígena era de transformamo-lo em um súdito-

cristão, a partir disso o índio vitimado pelo etnocentrismo europeu é obrigado a

abandonar seus costumes, suas crenças, e seus rituais. No discurso dos

missionários jesuíticos estava impregnada a ideologia da cruzada colonialista.

Na Capitania de Pernambuco, a rivalidade vivida na colônia não

correspondia aos pressupostos da Igreja, e o discurso humanista da mesma era

sobrepujado pelos interesses dos colonos em escravizar os indígenas.

Dessa forma a Coroa fica pressionada pela ordem dos missionários e pelos

colonos, obrigando-as a criar leis que salvaguardem os interesses de ambos

agentes colonizadores.

Em 20 de março, D. Sebastião, Rei de Portugal, proíbe a captura de Índios

que eram vendidos como escravos, a não ser na pratica da ”guerra justa”. Em

26

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Pernambuco, antes mesmo da regulamentação da lei em 1570, sobre a

escravização por guerra justa, Mem de Sá já havia decretado a escravização dos

Caeté.

“No mesmo tempo se fez consultar sobre outra praga universal que

despovoava as aldeias: e era esta a capa de uma sentença que fora

promulgada contra os índios caetés, dando a todos por escravos, e

toda a sua descendência pela morte que deram ao Bispo D.Pedro

Fernandes Sardinha”.16

A “guerra justa” contra os Caeté foi na verdade, mais uma medida de Mem

de Sá, que ao assumir o cargo de governador-geral, procurou reprimir e regular as

ações dos grupos indígenas na colônia.

Essa política de mem de Sá para com os indígenas é um reflexo da vontade

da Coroa que queria civilizar os indígenas dentro dos padrões ditados pela Igreja

ou pelo Estado, desse modo o Rei utiliza a “guerra justa”, como um instrumento de

combate contra a resistência ao projeto colonialista político e religioso.

Com brechas na lei, a captura e escravização dos índios permanecem, e a

justificativa para tais atos, era a expansão católica e civilizante. As missões

geralmente acompanharam as migrações dos indígenas à medida que estes

fugiam dos principais centros de colonização, tentando escapar da escravização a

que os colonos os submetiam.  Dessa forma fixaram-se principalmente no sertão,

por sofreram os maus-tratos dos colonos, muitos índios refugavam-se nas aldeias

dos missionários, onde os jesuítas através de um sistema de paternalismo tinham

castigos mais amenos que os da justiça comum.

16 VASCONCELOS, Simão de 1597-1671 Crônicas da Companhia de Jesus.Introdução de Serafim Leite.Petrópolis, vozes; Brasília: INL, 1977.pág.104.

27

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Nesse viés o Rei avalia que os índios e índias cristãos não deveriam se

distrair da cristandade, nem desamparar as suas roças e fazenda, e que fossem

denunciadas as posturas dos colonos em querer escravizá-los.17

A atitude dos jesuítas nessa perspectiva é dicotômica, pois na medida em

que se posicionavam contra a escravidão indígena, ao mesmo tempo, confinaram

os indígenas nos chamados aldeamentos cristãos para, através da catequese,

obrigar esses grupos indígenas a abandonar seus ritos e crenças condenando

dessa forma os modos de ser e fazer culturais dos silvícolas.

Capítulo III

Aculturação: formas de inserção indígena na sociedade colonial

3.1 – Cultura aldeada

“... o dilema desaparecera nos grupos étnicos a

capacidade de manter sua identidade não sob a

forma de uma substancia imutável, mas sob a

forma de uma fidelidade criadora em relação aos

acontecimentos fundadores que os instaram no

tempo”.

RICOEUR18

17 Carta de 20/12/1546 IN CARTAS de Duarte Coelho e El Rei José Antônio Gonsalves de Melo e Cleonir Xavier de Albuquerque (org.); reprodução fac-similar, leitura paleográfica e versão moderna anotada, 2ª edição, Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1997. págs. 370,371.

28

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A aldeia criada pela colonização não era um espaço reservado para o índio

na sociedade colonial, e sim um lugar da cultura cristão para a “salvação” do

indígena, além de ser estrategicamente conveniente aos propósitos militar,

políticos e geográficos da colonização. Aldeados pelo “convencimento” os grupos

indígenas do litoral de Pernambuco, eram obrigados a misturar-se com outras

tradições culturais, e ainda eram submetidos a forjar uma identidade única e

uniforme, de acordo com o modelo proposto pelo projeto colonizador.

Esses aldeamentos que foram criados pelos colonizadores para os índios

era uma redução espacial e funcional da antiga oca, e com esta redução as

famílias indígenas foram separadas e divididas.Novas práticas econômicas e

sociais também surgiram, principalmente com a utilização da agricultura como

principal atividade de grupos, já que a prática da caça e da pesca era

característica do nomadismo, habito esse que representava uma barreira ao

modelo de aldeamento.

As áreas delimitadas de onde plantar e os trabalhos de semear, podar,

colher e queimar determinava o tempo “produtivo” do indígena e restringia o seu

espaço de fixação. E ao fixar o silvícola no aldeamento, o sistema proporcionava o

controle dos espaços criados pela colonização, como: a definição das áreas

ocupadas, as possibilidades de expansão e os contornas da terra da colônia em

um mapa geográfico e político.

Os aldeamentos eram um investimento para o sistema colonial, como tão

bem é explicado por uma carta régia sobre conservação dos aldeamentos:

“Da fazenda real se dêem todos os anos de 300 mil reis para se

empregarem em ferramentas e nos mais gênero de que eles fazem

aceitação a qual quantia se lançara (...), podendo nascer desta

18 RICOEUR, Paul apud POUTIGNAT, philippe.Teorias da Etnicidade Seguido de Grupos Étnicos e suas fronteiras de Fredrik Bart. São Paulo. Fundação Editora da UNESP. 1998. Pág.165.

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despesa não só o interesse espiritual, mais o temporal, de que se

multiplique maior numero de vassalos sendo os índios os que

podem ser de maior proveito por serem os maiores defensores que

possamos ter contra os maiores defensores que possamos ter

contra os nossos inimigos na campanha”.19

E sendo um investimento, era de fundamental interesse à manutenção do

sistema, que só funcionaria com a conservação dos índios nos aldeamentos.

Assim, a estratégia era fomentar a idéia que os índios aldeados estando nesta

condição tornavam-se acobertados pelo Estado, ao menos no que se referisse a

posso de terra e a “liberdade”.

Os missionários eram os administradores dos aldeamentos, tinha poder

político, porém, respondiam ao Estado, representado pelo governador da

Capitania. Dentro dos aldeamentos existia uma divisão política entre os

missionários e os capitães de aldeamentos, que ficavam responsáveis por fiscalizar

e “proteger” os índios. Diversas vezes existiam desentendimentos entre os

administradores seculares e os religiosos, e na maioria dos casos o julgamento da

Coroa para com esses desentendimentos era motivado por interesses que lhes

conviam.

No mundo colonial, o aldeamento também serviu como refugio para os

índios escravizados, devido às prisões ilegais de índios feitas por colonos, foi

proibido que índios refugiados fossem tirados à força das aldeias, como também

que os missionários entregassem-nos aos seus suposto “senhores”. Apenas após

a decisão do governador da Capitania, do ouvidor geral e sendo ouvidas as partes,

devia se verificar se o índio era escravo. E mesmo se fosse provado estar na

condição de escravidão, se a razão de sua fuga pra a aldeia fosse espiritual, havia

ainda uma chance dele não ser entregue ao seu “senhor”.

19 14/08/1970, Regimento para o governador de Pernambuco DHBN LIivro 80, págs 06-09.

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Em Pernambuco, as etnias Tabajara e Potiguar na figura de suas lideranças,

através da cooperação entre as figuras principais dessas etnias, promoveu uma

organização, um controle uma repressão aos grupos que estavam sob seu

comando, dessa formo esses lideres étnicos passaram a colaborar com a Coroa e

com a Igreja no seu projeto de colonização. Tornando-se reféns de sua condição

de aliado, já que ao se unirem aos portugueses em um jogo de lealdade, esses

indivíduos tornaram-se subjugados à ordem colonial.

Segundo Hechter em momentos de desigualdade, a etnicidade pode se

manifestar como “uma grande consciência política por parte dos grupos que

buscam reverter uma lógica de dominação”.20

Em uma relação de interesses que iniciou com trocas de favores, os lideres

Camarão e Arcoverde tornaram-se cúmplices das tramas colônias, e inseridos em

um jogo de cooperação com os colonos, para serem reconhecidos como lideres

indígenas no espaço colonial, tiveram que se submeter aos códigos e as leis dos

colonizadores.

Os lideres indígenas não possuíam autonomia quanto ao governo de seus

subordinados, que seriam os índios aldeados. E mesmo assumindo uma posição

tradicional de chefe guerreiro, representava apenas o Status de tal cargo, pois o

seu significado na tradição Tupi de promover e coordenar o curso das guerras

havia sido esvaziado pelas necessidades colônias.

Entretanto, possuir este cargo era sinônimo de inserção na hierarquia da

sociedade colonial como os demais oficiais “brancos”. Por isso é preservada pelas

lideranças aliadas, no caso dos Camarão e dos Arcoverde, a obtenção dos postos

de “comando” dos terços de índios como também no de administrar as aldeias de

Pernambuco , como índios governadores.

20 POUTGNAT, PHILIPP. Teorias da Etnicidade Seguido de Seguido de Grupos Étnicos e suas fronteiras de Fredrik Bart. São Paulo. Fundação Editora da UNESP. 1998. Pág.103.

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Etnias Tabajaras e Potiguares alternavam-se no poder dos cargos de

capitão, tenente e sargento, concedidos através de Mercês Régias. Os cargos

normalmente eram hereditários, passados de pai para filho, mas as patentes

também podiam ser transferidas em virtude de morte a outro líder indígenas que

poderia ser parente ou não: “Confirmação de Domingos Pessoa Perrasco tenente

do gov. dos índios da Capitania de PE, por falecimento de Antonio Pessoa

Arcoverde”.21

O papel social que as lideranças índias possuíam na manutenção da

“ordem” colonial é que possibilitava esses indivíduos a terem acesso aos

benefícios que a sociedade colonial oferecia. Inseridos no mundo, mesmo que por

temor e manobra de dominação, estes índios fazem integrantes de sua hierarquia e

com sucessos e fracassos, lutavam não para serem reconhecidos, mas por

obterem privilégios por estarem na condição de aliados /aldeados.

3.2- Os índios e os engenhos

Com o inicio efetivo da colonização portuguesa no litoral de Pernambuco

buscou-se no índio a primeira alternativa como mão-de-obra para trabalhar nos

primitivos engenhos. Para implantação desses, além do dinheiro, alguns fatores

influíam na sua localização. De acordo com Schwartz22 a maior preocupação era

com a fábrica ou moita, ou seja, o engenho propriamente dito, esses primeiros

eram conhecidos como trapiche (movidos por animais) enquanto outros utilizavam

o posicionamento próximo a fartos recursos hídricos para implantação dessas

unidades de fabricação do açúcar, também chamados de engenho real, esses

eram maioria, por isso que as margens dos rios próximos ao porto do Recife, por

onde era escoada a produção, foram rapidamente ocupadas.

21 Confirmação do Rei de patente ao Governo de Pernambuco 14/05/1703 cód.124-ff 19 1v.

22 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, 3º reimpressão, p 36.

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Some-se a isto como fatores de implantação a proximidade das matas para

o abastecimento de madeira nas fornalhas e o distanciamento dos índios, embora

não se perceba um padrão austero de assentamento. Gilberto Freyre23. ao

descrever um engenho da Várzea do Capibaribe do final do século XVI, situado

próximo ao Recife, cita alguns aspectos importantes na escolha das áreas para

assentamento dos engenhos, “... boas manchas de terra, boas águas, boas matas,

o mar perto, Olinda perto, os índios longe”. Essa menção dos índios longe

significava que o problema da segurança das propriedades ainda não havia sido

resolvido.

Os índios nem sempre eram evitados, já que participaram ativamente do

trabalho nas propriedades, pois, a transição para uma força de trabalho africana foi

efetuada nas primeiras duas décadas do século XVII, época que a industria

açucareira experimentava grande expansão no mercado europeu e Pernambuco já

contava nesse período com cerca de 150 engenhos moentes e correntes (ver

gráfico 1).

Gráfico 1 – Quantidade total de engenhos em Pernambuco entre os séculos

XVI e XIX.

23 FREYRE, Gilberto. Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961, p 25.

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Para os historiadores, trabalhar o uso da força de trabalho indígena nos

engenhos é uma tarefa árdua, porque muitas vezes esses trabalhadores (escravos

em geral, índios ou africanos) não eram citados em documentos oficiais e muito

menos contabilizados em testamentos ou inventários como pertencentes às

propriedades. Quanto à habitação dos escravos Gomes24 atesta que “A omissão da

habitação dos escravos é eloqüente a confirmada na iconografia holandesa. Não

existia talvez uma edificação que abrigasse os escravos e se constituísse em

elemento de importância na paisagem”.

Alguns dados mostram a aquisição desses índios e as diversas atividades

que exerciam, porém com o passar do tempo isso foi mudando, assumindo assim o

escravo africano todas as tarefas de produção do açúcar (ver Tabela 2).

Tabela 2

24 GOMES, Geraldo. Engenho e arquitetura. Recife, Fundaj, Ed. Massangana, 2006. p 73.

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De acordo com a tabela 2, podemos pensar que as obrigações relegadas

aos índios nos engenhos aproximavam-se muitas vezes das funções exercidas por

eles no seu cotidiano anterior a colonização, ou seja, poucos trabalhavam

efetivamente na produção do açúcar.

Gravura de autoria desconhecida (1624), mostrando o dia-a-dia nos engenhos de açúcar,

percebe-se a utilização de mão-de-obra indígena.25

25 SCHALKWIJK, Frans Leonard. Op. Cit. p 73.

35

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Nesse contexto percebemos que a inseção do trabalho indígena nos

engenhos modificou a rotina, e os modos cotidianos dos silvícolas, que passaram a

trabalhar de forma sistemática, sendo inserido no projeto colonizador de

exploração implantados pelos europeus.

3.3- os holandeses e os índios

Os sistemas de aldeamento dos índios teve início com os padres católicos e

continuo com os holandeses.Os primeiros contatos entre nativos e a Companhia

das índias Ocidentais ocorreu em Salvador, porém com a perda da cidade, em

1625, o almirante da frota holandesa seguiu para o norte e aportaram na baía da

Tradição, cerca de 9 Km ao norte da Paraíba.

Os silvícolas locais eram da tribo potiguar, e viram nos holandeses a

salvação, que iriam libertá-los do domino português.”Por volta de 1639, o Rio

Grande abrigava cinco aldeias de brasilianos, a Paraíba sete, Itamaracá cinco e

Pernambuco quatro”.26

Durante todo período da dominação holandesa no Brasil, uma das

preocupações mais constantes de seu governo foi a de atrair e conservar a

amizade dos brasilianos (assim eram chamados os tupis), já que a conquista do

território, e o lucro imediato da economia foi difícil de organizar, devido às guerras

de conquista. Assim os holandeses usufruíram das tensões existentes entre certos

grupos indígenas e os portugueses

26 SCHALKWIJK, Frans Leonard. Revista História Viva, ano I - nº4, São Paulo, 2004. pág. 73.

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Pouco antes da invasão de Pernambuco os holandeses proclamavam o

direito de liberdade dos indígenas, procurando firmar a paz e amizade com os

nativos, já que sabiam que estes eram aliados com grande valor militar, contra o

inimigo comum, os portugueses.

Nassau também reconheceu a importância de tais aliados e não se

descuidou em procurar a sua amizade.O interesse de Nassau, pela aliança com os

indígenas, além de político, “tinha raízes no seu espírito de homem curioso de

coisas exóticas, comuns no seu tempo. Sabe-se que foi quase um colaborador nos

estudos de Marcgrave e que levou índios consigo para Holanda...”. 27

Procurando sempre conservar os grupos indígenas favoráveis aos seus

interesses, Nassau procurou aldea-los e submetê-los à fiscalização de chefes

holandeses.Os principais aliados dos holandeses foram os tapuias, índios tupis

ferozes e temidos pelos seus próprios aliados.Nas aldeias próximas do centro

administrativo da “Nova Holanda”, fez-se alianças com os grupos indígenas da

Paraíba e Pernambuco, como estratégia de defesa e inserção na produção

colônias.

Com esses índios tupis os flamengos conviveram estreitamente, aldeando-

os, e instruindo-lhes. Pela lei holandesa, nenhum índio poderia ser mantido em

cativeiro nem obrigado a trabalhar forçado, e os que queriam trabalhar e servir aos

moradores poderiam fazê-lo, com a condição de que fosse pago um salário.Existiu

apenas um momento em que se permitiu escravizar os indígenas, tratava-se dos

índios que faziam guerra contra aqueles que se aliaram aos portugueses, no

entanto essa lei foi logo revogada.

27 MELO, José Antônio Gonsalves de. Tempos dos Flamengos, Rio de Janeiro, ed. UNIVER CIDADE, 2001. pág.211.

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As aldeias dos índios aliados aos holandeses eram compostas em sua

maioria por índios tupis, chefiadas por commandeurs que se encarregavam do

governo civil e da direção dos serviços dos indígenas. Como muitos tinha a

intenção de ascender rapidamente, praticavam abusos dos mais diversos contra os

índios.Com exceção do commandeurs Johan Listry, que durante muitos anos

chefiou todas as aldeias indígenas flamengas da colônia, e de Nassau que nunca

permitiu tais abusos.

Em 1636, o conselho de Pernambuco propunha medidas completas para a

educação e a catequese dos indígenas, na própria colônia.O trabalho dos

reformados iniciou, com base no trabalho dos católicos.

“Os índios tinham aprendido algumas orações, a confissão

apostólica, conheciam os nomes de Jesus e de Nossa Senhora, e

tinha sido batizados; quanto ao mais, mantinham suas crenças

animistas. Cedo a Igreja Reformada começou a evangelizar os

índios, com apoio do governo, que precisa dos guerreiros na luta

conta os portugueses”.28

Em 1640 teve início na colônia o movimento de brasilianização, idealizado

pelo pasto Soler, da Igreja Francesa no Recife, onde foi pedido ao governo

holandês permissão para nomear professores índios nas aldeias, com o salário

mensal de 12 florins.Isso surgiu da necessidade de um catecismo em língua Tupi.

Podemos perceber que no período de domínio flamengo em Pernambuco,

existiu uma certa “liberdade”, no tratar e lidar com os grupos tupis, esse tipo de

colonização tinha como objetivo a aliança com os silvícolas na luta contra o

português. Documentos atestam a impressionante fidelidade dos brasilianos para

com os holandeses, mostrando que na medida que os flamengos, desenvolviam

28 SCHALKVIJK.Op. Cit. pág 73.

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Page 39: HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL

seu projeto colonizador, respeitando de certa forma os modos de ser culturais dos

nativos, ganhavam aliados poderosos, na conquista da terra.

CONSIDERAÇOES FINAIS

A reconstrução das histórias dos grupos indígenas, neste trabalho, procurou

contemplar a capacidade destes de manipular sua referencias étnicas, procurando

entender as estratégias de sobrevivência, e as formas de resistência criadas por

estes grupos ao projeto colonial.

Os Tupi são descritos na historiografia oficial como grupos hostis vencidos

pela força colonial, como no caso dos Caeté, ou então antigos aliados como dos

conquistadores português, como os Potiguar e Tabajara,que foram vistos sempre

como auxiliares do sucesso da empresa colonial na Capitania de Pernambuco.

Assim, muito das ações e interesses desses grupos e indivíduos foram esvaziados

pela narrativa histórica.

No contato com o colonizador, a flexibilidade dos grupos indígenas Tupi, na

capitania de Pernambuco no esquema de alianças e disputas tornou-se, no período

colonial, um sintoma que traduziu a capacidade destes de se adaptar ao contato e

criar formas de se relacionar, e ainda sobreviver nessa nova sociedade.

Os aldeamentos podem ser entendidos como um veículo estratégico de

controle dos grupos indígenas. E como produto da dinâmica dessa instituição,

emergiu a figura do “índio aldeado/aliado”, que se utilizava da condição de aldeado

para proporcionar as comunidades indígenas um espaço de sobrevivência, e

interação com a estrutura social colonial.

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O acesso à cultura material dos europeus, através das trocas, trouxe

facilidades e agilidades aos homens indígenas no trabalho, nas matas e na caça.

Os lideres religiosos foram considerados amaldiçoados pela igreja cristã, que

através de sua missão cruzadística também amaldiçoou seus ritos e costumes.

Diante desse quadro podemos perceber que no contexto do contato o índio

ressignificou e reconstruiu a sua cultura, essa metamorfose de identificação étnica

pode ser considerada como uma estratégia do indígena de se firmar etnicamente, e

ao mesmo tempo se caracteriza por ser uma maneira de sobrevivência na

sociedade colonial. Partindo desta idéia, este trabalho não entende a cultura

indígena como algo que se perdeu ou se fundiu simplesmente, mas também como

algo que assumiu novas formas e funções numa nova estrutura social montada,

pois segundo Wachtel “As culturas não são entidades abstratas, só vivem

sustentadas por grupos humanos, adaptados a um meio geográfico, comprometido

numa história”.29

A cultura é uma produção humana, e sendo tal não é algo dado, posto,

imutável, mas algo que está sujeito a ser reinventado, recomposto, revestido de

significados, sendo esta dinâmica evidenciada, por exemplo, nos aldeamentos,

onde se criou uma nova cultura, que não era européia nem indígena.

29 WATCHEL, Nathan. A aculturação. p.114 LE GOFF, Jaques.Historia: novos problemas. Rio de

Janeiro.Francisco Alves. 1995.

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