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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC - SP
Luciane Adrio Biscolla Robic
A COMUNICAO DO IMATERIAL DA MARCA.
ANLISE DA COMUNICAO DO IMAGINRIO DA MARCA OSKLEN:
UMA EXEMPLIFICAO NO MERCADO DA MODA
DOUTORADO EM COMUNICAO E SEMITICA
So Paulo
2011
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
Programa de Estudos Ps-Graduados em Comunicao e Semitica
Luciane Adrio Biscolla Robic
A COMUNICAO DO IMATERIAL DA MARCA.
ANLISE DA COMUNICAO DO IMAGINRIO DA MARCA OSKLEN:
UMA EXEMPLIFICAO NO MERCADO DA MODA
DOUTORADO EM COMUNICAO E SEMITICA
Tese apresentada banca examinadora da Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia
parcial para a obteno do ttulo de Doutor em
Comunicao e Semitica, pelo Programa de Estudos Ps-
Graduados em Comunicao e Semitica (PEPGCOS-
PUC/SP) sob orientao do Prof. Doutor Norval Baitello
Jnior.
So Paulo
2011
FOLHA DE APROVAO
LUCIANE ADRIO BISCOLLA ROBIC
A COMUNICAO DO IMATERIAL DA MARCA. ANLISE DA
COMUNICAO DO IMAGINRIO DA MARCA OSKLEN: UMA EXEMPLIFICAO
NO MERCADO DA MODA.
Data da Aprovao: ___ de _______ de 2011.
Banca Examinadora
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
___ de _______ de 2011.
Para o Andr, que me mostrou o valor do estudar sempre e me apoiou no aprender
continuamente. Por ter ouvido dedicadamente minhas dvidas mais profundas e ter se
colocado de corpo e alma para, atravs delas, abrir novos horizontes, novos conhecimentos e
aprendizados, compartilhando praticamente de todo esse momento de superao. E tambm
por ter assumido carinhosamente, por muitas vezes, o papel de me, dando apoio
fundamental aos nossos filhos nos meus momentos de ausncia.
AGRADECIMENTOS
Nesses ltimos quatro anos, aprendi a conviver com mudanas. Mudanas mentais,
mudanas de imagens, mudanas de sentimentos e mudanas reais, que me fizeram viver um
momento nico, nunca vivido. Convivi com a presena de novos amigos, novos horizontes,
novos conhecimentos e tambm a com a ausncia de entes queridos, os quais sei que
continuam lutando pelas minhas conquistas. Onde quer que estejam agora, sei que esto to
ou mais felizes do que eu, ao materializar essa peregrinao em busca da imaterialidade. A
eles, meus pais, meus sogros e todos os familiares e amigos que j se foram, agradeo
profundamente por terem me feito como sou.
Nessa busca da imaterialidade, tambm, aprendi a viver mais as experincias, a dar
valor para os sentimentos e a aproveitar as sensaes de cada momento para revigorar nossas
camadas de conhecimento e sabedoria. Abrir mo do material para fortalecer o imaterial, pois,
atravs dele, nossos vnculos se fortalecem e nos deixam prontos para qualquer nova situao
que a vida nos proporciona.
Agradeo afetuosamente ao destino, quase sem palavras, pelo meu primeiro encontro
com o Professor Norval Baitello Jnior, meu orientador. Durante um evento em comum,
como palestrantes, pude vislumbrar, nas suas palavras, o que buscava h quase dez anos e no
sabia onde encontrar. Confesso que num primeiro momento hesitei, pois a mudana de
direo seria muito grande, e eu no sabia, e at tinha medo, se minha condio mental e de
sobrevivncia familiar permitiria um desafio to ousado. Mas como sou movida a desafios,
entrei de corpo e alma, e garanto que foram os anos mais incrveis de aprendizado que tive
nos ltimos tempos.
Outros Momentos de Importantes Agradecimentos
doao de corpo, mos e alma dos meus filhos Andrezinho, Pedro, Isabella e Luiza.
Cada um com seu jeito peculiar, mas sempre amorosos e presenteando-me com uma boa
massagem e um chazinho nos momentos mais tensos;
Ao CNPQ e a PUC, pelos apoios financeiro e institucional;
5
s professoras Lucrecia DAlessio Ferrara e Ana Claudia Mei Alves de Oliveira, pelas
contribuies especiais e fundamentais de suas aulas;
professora Kathia Castilho, pelo carinho, acolhimento e orientaes pontuais e vitais
para este trabalho;
Ao Vladimir Sybilla, pelas aberturas intelectuais e trocas de informaes substanciais
para a fundamentao do trabalho;
Ao Oskar Metsavaht, pela dedicao preciosa e abertura para as entrevistas sobre os
seus processos de construo do imaginrio da Osklen;
Soraya Toscano e Fabiana Dias, por todo apoio operacional, fundamental para que
os processos flussem;
Anna Voros, pelo apoio operacional e pelas trocas digitais de ideias e formatos;
Ao IBModa, pelo emprstimo do seu acervo e pesquisa sobre o mercado de moda;
Cida Bueno, pela disponibilidade em responder, com competncia, a dvidas
cruciais para o bom andamento escolar;
minha irm Leila, pelo carinho e apoio nos momentos de crise e inseguranas;
Creuza e Joelia, por sustentarem as atividades domsticas com muito zelo e carinho.
RESUMO
O estmulo para o consumo de produtos d-se principalmente pelas experincias que eles promovem. Hoje, fluir mais importante do que possuir, e, dessa forma, o poder de diferenciao para se tornar uma marca exclusiva e nica num mercado competitivo passa cada vez mais pela sua composio imaterial, pois o acesso imaterialidade da marca conduz seu pblico a uma conexo emocional. Marcas que planejam e comunicam com consistncia os elementos de sua imaterialidade tm maior probabilidade de conseguir vnculos afetivos exclusivos e duradouros com seus pblicos, pois a construo dos benefcios emocionais ocorre quando a marca passa a ser percebida alm dos seus aspectos funcionais e das caractersticas fsicas dos seus produtos, num processo denominado personificao. Nesse ponto comea a construo de seu imaginrio, o qual nominado de imaterial da marca.
Apesar de identificados diversos estudos sobre o imaterial e sobre marcas, no se registraram trabalhos que unissem essas duas reas de forma sinrgica e organizada. Assim, o objetivo deste estudo foi organizar e analisar os elementos que compem a comunicao do imaterial da marca e, para tanto, o foco centrou-se nas teorias da mdia e da imagem em interao com as teorias das marcas. A partir da reviso terica, organizou-se o tema imaterial (Andr Gorz, Jeremy Rifkin) relacionando-o com a composio da imagem (Dietmar Kamper, Norval Baitello Jnior, Hans Belting, Vilm Flusser) e com as diferentes abordagens da marca (David Aaker, Bernd Schmitt, Andrea Semprini e Marc Gob). O resultado foi um roteiro para analisar o elemento imaterial nas marcas, que foi testado na comunicao de uma marca de moda. Escolheu-se a moda por ser um setor em que o consumo apresenta forte representao simblica, e a Osklen por ser reconhecida internacionalmente como uma das principais marcas brasileiras de moda. Dentre as diversas formas de comunicao que a marca realiza, foram escolhidos para anlise os catlogos de suas colees, por refletirem de forma mais direta os temas e os imaginrios do seu criador.
Foram analisadas as representaes e significados simblicos do contedo imaterial da Osklen, e, como resultado, obteve-se uma aderncia praticamente completa s teorias estudadas. Concluiu-se que a marca desenvolve um processo de criao de seu imaginrio com alto nvel de qualificao emocional, apresentando-o de maneira consistente em seus processos comunicativos, de acordo com o que preconizam as teorias sobre o imaterial, a composio da imagem e as marcas. Espera-se com este trabalho ampliar o conhecimento acerca da comunicao de marcas e contribuir para o desenvolvimento dos estudos nas reas de Comunicao, Semitica e Gesto de Marcas, assim, integrando e demonstrando a sinergia entre elas.
Palavras-chave: comunicao de marca, imagem, imaterialidade, imaginrio, cultura
de marca, moda.
ABSTRACT
Stimulus for the consumption of products takes place mainly through the experiences they promote. Today, flowing is more important than owning, thus the power of differentiation to become an exclusive and unique brand in a competitive market depends increasingly on its immaterial constitution, since access to the brand's intangible assets leads its audience to an emotional connection. Brands that consistently plan and communicate the elements of their intangible assets are more likely to get more exclusive and lasting affective bonds with their audiences, as the construction of emotional benefits occurs when the brand is perceived beyond its functional aspects and their products' physical characteristics, in a process called personification. This point is the beginning of the construction of a brand's imagery, which is called brand intangible assets.
Although identifying several studies on brands and intangible assets, this research has not found any works unifying those two fields in an organized, synergic way. The aim of this work was to organize and analyze the elements that constitute the communication of brand intangible assets. To this end, we focused on media and image theories interfacing with brand theories. From this theoretical review, the intangible assets subject (Andr Gorz, Jeremy Rifkin) was organized making connections with image composition (Dietmar Kamper, Norval Baitello Jr., Hans Belting, Vilm Flusser) and with different brand approaches (David Aaker, Bernd Schmitt, Andrea Semprini and Marc Gob). The end result was a script to perform the analysis of the brands' intangible elements,which was tested in the analysis of the communication of a fashion brand. Fashion was chosen because it is an industry in which consumption has a strong symbolic representation, and Osklen was sellected for being internationally recognized as a major Brazilian fashion brand. Among the various forms of communication utilized by the brand, collection catalogues were chosen for the analysis because they reflect more directly the subjects and themes of their creators.
The representations and symbolic meanings of the Osklen intangible assets were analyzed, and as a result, we obtained an almost complete adhesion to the studied theories. It was concluded that the brand develops an imagery creation process with a high level of emotional skills, presenting it consistently in its communication processes in accordance to what is professed by the theories on intangible assets, image composition and brands. It is hoped with this work to increase the knowledge about brand communication and to contribute to the development of studies in the areas of Communication, Semiotics and Brand Management, integrating and demonstrating the synergy between them.
Keywords: brand communication, image, intangibles, imaginary, brand culture,
fashion.
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 - Os trs motores da lgica da marca ............................................................. 34
Figura 2 - Os cinco motores do consumo contemporneo ........................................... 36
Figura 3 - A marca mais que um produto .................................................................. 47
Figura 4 - Modelo de Identidade de Marca .................................................................. 52
Figura 5 - Os cinco mdulos do marketing experimental ............................................. 54
Figura 6 - Dinmica do marketing experimental .......................................................... 56
Figura 7 - Os provedores de experincia ...................................................................... 57
Figura 8 - A grade Experimental .................................................................................. 59
Figura 9 - A dupla leitura da manifestao da marca ................................................... 61
Figura 10 - Os componentes do projeto de marca ........................................................ 61
Figura 11 - O processo do significado em seu contexto ............................................... 63
Figura 12 - As dimenses-chave da marca ................................................................... 64
Figura 13 - Os subconjuntos da Natureza relacional .................................................... 65
Figura 14 - Os polos da dimenso Intersubjetiva ......................................................... 66
Figura 15 Movimento de Significado ........................................................................ 89
Figura 16 - A integrao de marca proposta por Floch ................................................ 94
Figura 17 - Escala da personalidade da marca (EPM): os Cinco Grandes ................. 111
Figura 18 Processo de Construo do Imaginrio da Marca ................................... 127
Figura 19 Quadro 1 de Anlise de Valores x Imagens Catlogos ........................... 129
Figura 20 Quadro 2 de Anlise de Valores x Imagens Catlogos ........................... 129
Figura 21 Capas dos Catlogos da Osklen entre 1999 e 2011 ................................. 133
Figura 22 - Moodboard da Legitimidade .................................................................... 134
Figura 23 - Moodboard da Esttica ........................................................................... 140
Figura 24 - Moodboard do Pertencimento .................................................................. 146
Figura 25 - Moodboard da Legitimidade .................................................................... 148
Figura 26 - Moodboard da Modernidade .................................................................... 151
Figura 27 -Moodboard da Inovao ........................................................................... 154
Figura 28 - Moodboard Cool ...................................................................................... 156
Figura 29 - Moodboard da Brasilidade ....................................................................... 158
9
Figura 30 - Moodboard do Ser Saudvel .................................................................... 160
Figura 31 - Moodboard da Tradio ........................................................................... 162
Figura 32 - Moodboard da Sustentabilidade .............................................................. 164
Figura 33 - Moodboard do Glamour .......................................................................... 166
Figura 34 - Moodboard do Desafio ............................................................................ 168
Figura 35 - Moodboard do Romantismo .................................................................... 170
SUMRIO
1 INTRODUO .............................................................................................. 16
1.1 Marca, Comunicao e Semitica .............................................................................................. 17
1.2 Em poucas palavras, o que marca? ......................................................................................... 18
1.3 Como a semitica se integra na construo de uma marca? .................................................... 20
1.4 Por que a Osklen? ........................................................................................................................ 23
1.5 Objetivo ........................................................................................................................................ 26
1.6 Abordagem ................................................................................................................................... 26
1.7 Corpus ........................................................................................................................................... 27
1.8 Metodologia .................................................................................................................................. 28
2 MARCA: POR QUE TE QUERO? .............................................................. 31
2.1 A gnese da marca ....................................................................................................................... 31
2.1.1 A marca atravs da histria .................................................................................................. 31
2.1.2 A marca contempornea ....................................................................................................... 33
2.1.3 Consumo .............................................................................................................................. 34
2.1.4 Comunicao ........................................................................................................................ 37
2.1.5 Economia ............................................................................................................................. 38
2.2 A fenomenologia da marca ..................................................................................................... 39
2.3 Conceitos de marca ...................................................................................................................... 40
2.4 Por que marca? ............................................................................................................................ 43
2.5 Por que moda? ............................................................................................................................. 44
2.6 Os modelos de identidade da marca ........................................................................................... 46
2.6.1 A marca mais que um produto........................................................................................... 46
2.6.2 Produto ................................................................................................................................. 48
2.6.3 Organizao ......................................................................................................................... 48
2.6.4 Pessoa: personalidade da marca ........................................................................................... 49
11
2.6.5 Smbolos .............................................................................................................................. 49
2.6.6 Proposta de valor .................................................................................................................. 50
2.7 Marcas como experincias .......................................................................................................... 53
2.7.1 Os modelos estratgicos experimentais ................................................................................ 53
2.7.2 Experincias holsticas ......................................................................................................... 56
2.7.3 Os provedores de experincias e suas ferramentas............................................................... 56
2.8 Marca: projeto e manifestaes .................................................................................................. 59
2.9 Marca: a composio da obra ..................................................................................................... 63
2.10 A natureza semitica .............................................................................................................. 65
2.11 Natureza relacional ................................................................................................................. 65
2.11.1 A dimenso intersubjetiva .................................................................................................... 66
2.11.2 A dimenso contratual.......................................................................................................... 67
2.12 A natureza evolutiva ............................................................................................................... 68
3 O IMATERIAL .............................................................................................. 70
3.1 O imaterial ................................................................................................................................... 70
3.2 A imaterialidade e as marcas ...................................................................................................... 71
3.3 Do material ao imaterial, da coisa no-coisa .......................................................................... 72
3.4 A desconstruo da materialidade ............................................................................................. 77
3.5 A imagem e o imaterial................................................................................................................ 80
3.6 A ansiedade da imagem ............................................................................................................... 82
3.7 O consumidor e o imaterial ......................................................................................................... 83
4 A PERSONIFICAO DA MARCA ........................................................... 86
4.1 Impulsionadores da personalidade da marca............................................................................ 87
4.1.1 Representao dos usurios .................................................................................................. 87
4.1.2 Patrocnio ............................................................................................................................. 87
4.1.3 Idade ..................................................................................................................................... 88
4.1.4 Smbolo ................................................................................................................................ 88
12
4.2 Modelo da autoexpresso ............................................................................................................ 88
5 OSKLEN POR OSKAR - AS ENTREVISTAS ........................................... 97
5.1 O estilista compositor .................................................................................................................. 97
5.2 Paixo pelo que faz ...................................................................................................................... 98
5.3 Como perpetuar o olhar do criador? ......................................................................................... 99
5.4 Para onde voc est olhando? ..................................................................................................... 99
5.5 Osklen por Oskar....................................................................................................................... 100
5.6 A composio da marca............................................................................................................. 101
5.7 Falando mais objetivamente sobre a marca... ......................................................................... 103
5.8 Onde comea a intangibilidade da marca? .............................................................................. 104
5.9 O produto Osklen ...................................................................................................................... 105
5.10 A Osklen como organizao ................................................................................................. 106
5.11 A personalidade da Osklen .................................................................................................. 106
5.12 Imagem Osklen ..................................................................................................................... 109
5.12.1 Se fosse um carro? ............................................................................................................. 109
5.12.2 Uma msica? ...................................................................................................................... 109
5.12.3 Se tivesse um lugar? ........................................................................................................... 110
5.12.4 Forma? ............................................................................................................................... 110
5.12.5 Teria dolos para citar ou referncias, formadores de opinio? .......................................... 110
5.12.6 Como voc classificaria a Osklen nessa Escala de Personalidade de Marca? .................... 111
5.12.7 Voc acha que essas 5 dimenses/15 fatores/42 facetas so suficientes para descrever a
personalidade da marca? ................................................................................................................................. 112
5.12.8 Quando a gente fala de proposta de valor, vm trs questes: os benefcios funcionais,
emocionais e de autoexpresso ....................................................................................................................... 113
5.12.9 Quero que voc fale sobre os benefcios funcionais, assim, de uma forma reduzida. ........ 113
5.13 ARQUITETURA SENSORIAL DA OSKLEN .................................................................. 114
5.13.1 Podemos agora falar dos 5 sentidos da marca? .................................................................. 114
5.13.2 Imagens virtuais ................................................................................................................. 114
5.13.3 E as principais imagens, ou smbolos? ............................................................................... 115
13
5.13.4 Acho que a gente podia falar dessa questo da audio, do ............................................... 116
5.13.5 E esse processo voc aplica para todas as lojas? ................................................................ 116
5.13.6 Quem que cuida? Do sentido no ponto de venda? ............................................................. 116
5.13.7 O cheiro uma das caractersticas sensoriais mais fortes da marca, no ? Vocs foram
pioneiros nessa adoo? .................................................................................................................................. 117
5.13.8 E tato? ................................................................................................................................ 117
5.13.9 Paladar, ... ......................................................................................................................... 118
6 ANLISE DA COMUNICAO DO IMATERIAL DA MARCA:
CONSTRUO DO IMAGINRIO DA OSKLEN ..................................................... 120
6.1 O criador .................................................................................................................................... 120
6.2 A fbrica do futuro .................................................................................................................... 121
6.3 Crise de identidade .................................................................................................................... 122
6.4 A importncia das experincias ................................................................................................ 123
6.5 As colees .................................................................................................................................. 124
6.6 O lifestyle Osklen: Brazilian Soul ............................................................................................. 124
6.7 O braso ..................................................................................................................................... 125
6.8 Anlise da comunicao do imaterial da marca: construo do imaginrio da Osklen ...... 126
6.9 Valores Osklen ........................................................................................................................... 128
6.10 Persona Osklen ...................................................................................................................... 130
6.11 Os smbolos da Osklen na construo da comunicao dos catlogos ............................. 132
6.11.1 Capas dos Catlogos .......................................................................................................... 133
6.11.2 Apresentao dos Valores x Smbolos ............................................................................... 133
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 173
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................... 177
APNDICE A - ROTEIRO DE PESQUISA/ENTREVISTA ........................... 180
EU ETIQUETA
Em minha cala est grudado um nome
que no o meu de batismo ou cartrio,
um nome... estranho.
Meu bluso traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que no fumo, at hoje no fumei.
Minhas meias falam de produto que nunca experimentei,
mas so comunicados a meus ps.
Meu tnis proclama colorido de alguma coisa no provada
por este provador de longa idade.
Meu leno, meu relgio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e
pente,
meu copo, minha xcara, minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo, desde a cabea ao bico dos sapatos,
so mensagens, letras falantes, gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidncia, costume, hbito, premncia,
indispensabilidade, fazem de mim homem-anncio itinerante,
escravo da matria anunciada.
Estou, estou na moda.
doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,troc-la por mil,
aambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado.
Carlos Drummond de Andrade
Em minha camiseta, a marca de cigarro que no fumo, at
hoje no fumei.
1 INTRODUO
Encontrar o que eu sentia em relao s marcas, num poema de Drummond, foi um
momento mgico. Por um lado, mostrava, de forma explcita, diversos sentimentos e ideias
que eu tinha. Por outro lado, desvelava que eu estava no caminho certo: marcas e moda, pois,
alm de complexos e instigantes, so temas que interessam no s ao universo dos aficionados
ou acadmicos, mas que permeiam o dia a dia de quase toda a populao.
Comecei a interessar-me pelo assunto quando, praticamente, no havia bibliografia e
estudos atinentes ao tema, e, hoje, est claro que a marca assumiu uma importncia de maior
grandeza. No faltam publicaes especializadas em gesto de marcas, talvez, uma das reas
com maior nmero de ttulos lanados nos ltimos tempos, o que mostra a necessidade
intrnseca do mercado de administrar marcas muito valorizadas e potencialmente lucrativas.
Iniciei meus estudos sobre marcas na minha dissertao de mestrado, analisando um dos
principais fatores na administrao de uma marca, que a construo da sua identidade.
Realizei uma reviso bibliogrfica dos principais autores referente marca na poca,
complementada por um estudo de caso aplicado em sete marcas de varejo de moda de
destaque. Os resultados mostraram que, entre as empresas entrevistadas, quatro estavam
promovendo aes de reposicionamento. Isso mostrou uma administrao de marcas atuante,
calcada na identificao das expectativas do mercado e na adequao das marcas
necessidade de administrar e construir uma marca forte e criar uma personalidade para ela.
Dessa forma, as marcas viabilizariam um relacionamento constante e profundo com seus
consumidores, por meio do alinhamento das personalidades e estilo de vida entre a marca e
seus consumidores.
Nesse trabalho, tambm, foi demonstrado que as empresas buscavam se aproximar
emocionalmente do consumidor por meio de suas campanhas de comunicao. Os resultados
apontaram que a ligao do consumidor com marcas de moda mais forte do que na maioria
dos outros segmentos econmicos do mercado, pois o componente emocional na deciso de
compra, nessa relao, possui muito peso.
A dissertao de mestrado foi realizada no Programa de Administrao e suas
concluses levaram-me ideia de que para construir uma marca forte fundamental construir
vnculos emocionais mais profundos e, portanto, de carter mais simblico. Com o intuito de
desenvolver um estudo mais profundo quanto a tais relaes, a anlise semitica da
17
comunicao das marcas com os seus consumidores mostrou-se a ferramenta mais adequada,
e foi, nessa direo, ento, que desenvolvi os meus estudos de doutorado.
1.1 MARCA, COMUNICAO E SEMITICA
A construo da identidade da marca composta por quatro aspectos principais (marca
como produto, marca como organizao, marca como personalidade e marca como smbolo),
que, por sua vez, compem a proposta de valor da marca. Nesse contexto, possvel observar
a importncia da imaterialidade, a qual se apresenta principalmente na questo esttica e
sensorial do produto e nos benefcios emocionais oferecidos, representados pela relao entre
personalidade da marca projetada no lifestyle do consumidor, assim como pelos aspectos
simblicos percebidos pelas experincias de contato que ocorrem entre consumidor e marca.
Nesse momento, o que mais me seduz e inquieta a possibilidade de estudar e
organizar a imaterialidade, intangibilizada na no-coisa da marca, complementada e
aprofundada por uma anlise semitica da linguagem simblica dessa relao. O poder de
diferenciao e de se tornar uma marca exclusiva e nica, num mercado crescentemente
competitivo, caminha cada vez mais pela sua composio imaterial. O acesso imaterialidade
da marca o que conduz seus consumidores a uma conexo emocional, ao contrrio da
conexo racional, vinculada apenas ao produto.
A construo dos benefcios emocionais da marca relaciona-se com a semitica
quando a marca passa a ser percebida alm dos seus aspectos funcionais e caractersticas do
seu produto. A partir da, o consumidor passa a nutrir por ela um sentimento, baseado nas
representaes humanas que ele tem como expectativa para se autoexpressar. Isso acontece
por meio de um processo de personificao, no qual a marca assume uma personalidade,
ganhando representaes de caractersticas de gnero, de estilo de vida, de comportamento,
enfim, de personalidade. A partir da definio dessas caractersticas da personificao da
marca, forma-se a construo do seu imaginrio, denominado, neste estudo, imaterial da
marca. A construo desse imaginrio servir como base fundamental para as relaes
comunicacionais da marca, e, nesse processo, deve-se ter um cuidado especial a cada um dos
seus aspectos formadores, pois eles vo autoexpressar a composio cultural, as aspiraes e
as relaes de sentimentos e de sensaes de seus consumidores.
A marca carrega as caractersticas culturais de seu criador. claro que ela
normalmente criada para satisfazer a uma necessidade funcional, mas, hoje, h uma oferta
18
de produtos muito alta, ento, uma forma de se diferenciar compor esse lado emocional, que
feito das sensaes e sentimentos, percebidos por meio da construo de imagens e dos
sentidos das suas expresses de comunicao, carregadas de significados.
Semitica , por um lado, a configurao, o modo de aparecer e, por outro lado, a
descriminao desse modo de aparecer, de se apresentar. Em qualquer vertente autoral, so
dois lados. O signo substitui o que est no lugar do objeto, portanto essa configurao vital,
e para perceber a natureza dessa configurao necessrio discriminar quais so os elementos
formantes. Essa configurao semitica traz, como consequncia, a comunicabilidade da
marca. A qual pode ter vrios matizes, vrias tonificaes e, na realidade, j uma forma de
comunicabilidade da marca. A partir desse princpio, a abordagem deste trabalho centra-se na
anlise semitica da comunicao, pois a configurao semitica um elemento constitutivo
estruturante da comunicabilidade da marca.
1.2 EM POUCAS PALAVRAS, O QUE MARCA?
A marca tem uma questo de produto: o produto vem carregado de design, e este tem
uma caracterstica esttica importante, que vai retratar uma questo de gosto, de identidade do
criador. Marca construir vnculos atravs da memria e da histria que se tem para contar ao
consumidor. A marca a alma do produto, aquilo que vai alimentar com sentimento o que
ningum alimenta. Os sentimentos da marca comungam-se com os sentimentos e valores dos
consumidores, nem sempre de forma consciente, pelo contrrio, na maioria das vezes,
inconscientemente. Se voc prestar ateno nas marcas que voc acha mais interessantes hoje,
ou porque elas vm construindo uma histria que muito parecida com a sua ou porque elas
satisfazem uma expectativa de experincia da qual voc gostaria de pertencer, uma histria da
qual voc gostaria de fazer parte, na qual voc gostaria de estar.
Para estudar a questo da marca necessrio entender o relacionamento de
expectativas, de desejos dos consumidores. As pessoas desejam comungar coisas que
valorizam, e a marca transmite um sentimento que satisfaz muito mais do que o prprio
consumo do produto, o qual, normalmente, acaba sendo a consequncia, e no a questo mais
importante nessa relao.
As marcas comearam a ser estudadas inicialmente pelos autores americanos. Um dos
autores mais importantes nesse sentido David Aaker (2001), que desenvolveu um modelo de
identidade de marca bastante abrangente e didtico, mas tem seu foco mais voltado para a
19
organizao do produto. Para Aaker (2001), no existe marca sem produto. Ele apresenta uma
viso de marca mais direcionada Administrao. Inicia com uma viso funcional da marca
e, desta, prope que se v alm do produto, ento, sugerindo a construo de uma atmosfera
que englobe os aspectos da organizao, o quanto existe de simbiose entre a marca e a
organizao, depois, constri a definio da personalidade e dos smbolos. Aduz que a pessoa
define uma personalidade e a desenvolve por meio dos smbolos. E tudo isso fundamentado
por uma proposta de valor, que confere o posicionamento da marca de acordo com os seus
benefcios funcionais, emocionais e de autoexpresso que ela dever oferecer.
A proposta de Aaker interessante porque inicia uma preocupao vital, que
enxergar a marca alm do produto. Os vnculos funcionais so criados, mas outros vnculos,
mais fortes e profundos, sero criados quando o produto passar a ser visto como uma pessoa
e, assim, assumir caractersticas pessoais, humanas. Para mostrar, expressar e comunicar a
personalidade da marca, ou seja, para praticar essa personalidade, so utilizados os smbolos.
No setor da moda, a questo da marca mais crtica, pois a moda um segmento
composto por objetos que so utilizados o dia todo e que podem ser facilmente trocados de
uma hora para outra, sendo, frequentemente, usados para autoexpressar, mesmo por pessoas
que dizem no gostar de moda e no se vestir para os outros, como d a entender o poema
de Drummond com o qual se abriu este trabalho. Tambm, tem a questo da interpretao, a
interpretao em todos os sentidos, seja numa coleo, numa roupa, numa loja, num desfile ou
num editorial na revista. As marcas que vivenciam aquilo que so e conseguem interpretar e
entregar essas experincias da melhor forma para o consumidor so aquelas que tm maior
sucesso.
Outro autor estudado para embasar este trabalho foi Bernd Schmitt, que complementa,
de forma exemplar, as ideias de Aaker, estruturando os meios pelos quais possvel construir
um imaginrio para a marca. Schmitt (2001) organiza as experincias que a marca pode
propor a partir de aes que denominou Provedores de Experincias (PROEXs). Nessa
perspectiva, primeiro, Schmitt aborda a questo dos sentidos, neste estudo: Arquitetura
Sensorial da Marca. Pela abordagem semitica, cria-se a construo de imagens para
representar a esttica dos sentidos pretendidos - olfato, tato, paladar, audio e viso. A
definio da Arquitetura Sensorial permite aumentar o poder de diferenciao da marca, uma
vez que muito difcil que seus sentidos sejam copiados por outra marca, contrariamente aos
aspectos de produtos, que so facilmente copiados. Em seguida, o autor apresenta outra
estrutura, que so os Mdulos Experimentais, por ele, denominados MEEs, cujos formantes
20
so os sentidos, os sentimentos, os pensamentos, a ao e a identificao. Os MEEs do o
embasamento para que os aspectos que compem os PROEXs criem a comunicao das
experincias sensoriais por meio dos seus provedores: pessoas, comunicaes, presena do
produto, co-marcas, ambientes espaciais, websites e mdia eletrnica.
Outro autor que tem grande contribuio neste trabalho Andrea Semprini, que
prope uma interao entre marca e semitica. Ele contextualiza a marca como a interseco
entre a economia, a comunicao e o consumo. O consumo, por sua vez, composto pelo
entrelaamento entre o individualismo, o corpo, a imaterialidade, a mobilidade e o imaginrio.
Neste trabalho, o maior foco lanado sobre a questo do imaginrio. A construo do
imaginrio a busca do sentido, que visa a configurar um projeto de sentido dentro de um
universo simblico, no qual o indivduo projetar seus sonhos e desejos, encontrando, assim, a
sua autoexpresso. Semprini (2006) define esses projetos de sentido como construo de
mundos. Esses mundos, chamados de mundos possveis pelo autor, funcionariam como
verdadeiros relatos para ajudar os indivduos a orientar e dar sentido e expectativa s suas
escolhas e aes. As marcas promovem mundos possveis, que podem ser reproduzidos na
cultura e no imaginrio da marca. A partir do momento que se escolhe uma marca, pode-se
participar de seu mundo, manifestado por meio dos valores, narrativas e discursos expressos
na sua comunicabilidade.
1.3 COMO A SEMITICA SE INTEGRA NA CONSTRUO DE UMA MARCA?
Quando iniciei este trabalho, tinha em perspectiva analisar a comunicao do imaterial
da marca. Entendo como imaterial tudo aquilo que a marca produz em termos de construo
do imaginrio, que so as sensaes, os sentimentos e as emoes, determinados pela
personificao da marca. Ento, eu entendo, como a parte imaterial da marca, tudo aquilo que
vai alm do produto, toda a atmosfera criada pelo imaginrio. Nesse sentido, visualizei o fato
de que o caminho para analisar o imaterial seria analisar o imaginrio produzido pela marca.
Conforme desenvolvia minhas pesquisas, fui encontrando uma forte dificuldade para
definir, delimitar e delinear o que o imaterial da marca, principalmente porque, dependendo
da referncia e do olhar, h uma parcela que imaterial e outra que material. Por exemplo,
quanto do design imaterial e quanto material? Percebi que existe um momento
determinado da marca em que ela deixa de ser encarada como produto e passa a ser sentida
como uma pessoa, que quando ocorre o processo de personificao. No meu entendimento,
21
, a partir desse momento, que se inicia o desenvolvimento da parte imaterial da marca, ali
que se deixa de pensar especificamente no produto e passa-se a dar uma face, uma identidade
e uma personalidade para esse produto. Nesse momento, comea-se a desenvolver estratgias
que vo compor o imaginrio de acordo com essa personificao. isso que se chama de
imaterialidade da marca.
A poro imaterial comea quando a pessoa se desprende do produto e personifica a
marca. A partir desse momento, sero abordadas caractersticas comportamentais, e a marca
deixa de ser expressa apenas pelo produto e passa a ser concebida pelas suas caractersticas da
personificao, seu estilo, seu gnero, o que ela gosta de fazer e mais uma srie de coisas que
est embutida na personificao. Para expressar essa personificao para o mercado
necessrio criar a atmosfera do imaginrio, que composta por vrias imagens que se fundem
na imaginao do consumidor. A imaginao o input para se criar o imaginrio. Se a marca
tiver uma cultura pobre, no conseguir desenvolver o imaginrio, ou ainda o imaginrio no
ser legtimo.
Com a evoluo industrial, percebe-se que so cada vez menores os desafios para
produzir um bem tangvel. Alm disso, atualmente, existe uma relao de oferta de produtos
maior que a demanda. A forma de se diferenciar justamente por meio do desenvolvimento
da cultura da marca, do conhecimento da marca, que faz com que as pessoas criem vnculos
pela expectativa de compartilhar dessa cultura. Nesse contexto, mais importante fluir do
que possuir. O possuir est focalizado numa caracterstica esttica de centralizar-se no
produto; ao passo que o fluir est posicionado como uma caracterstica de relacionamento, de
trabalhar efetivamente com as atitudes e com o comportamento do consumidor e crescer junto
com a evoluo do consumidor nesse relacionamento.
Na presente pesquisa, um dos autores que se destacou na contextualizao da evoluo
histrica da imaterialidade foi Andr Gorz, em seu livro: O Imaterial. Para Gorz (2005), o
valor de troca das mercadorias, sejam ou no materiais, no mais determinado pela
quantidade de trabalho social geral que elas contm, mas principalmente pelo seu contedo de
conhecimentos, informaes e inteligncias gerais. De acordo com Gorz, as mercadorias que
apresentam forte contedo imaterial tm sua fonte no monoplio do conhecimento, na
exclusividade das qualidades que esse conhecimento confere s mercadorias que o
incorporam e na capacidade da empresa para conservar esse monoplio, ligada
proporcionalmente rapidez com a qual ela consegue inovar, promover suas inovaes no
mercado, ultrapassar e surpreender seus concorrentes.
22
Empresas mais jovens do segmento de tecnologia, por exemplo, parecem pautar-se
nessa posio de Gorz, segundo pesquisa realizada pela agncia Millward Brown1, que
apresenta o ranking de marcas mais valiosas do mundo, o Google, empresa com menos de 15
anos de mercado, liderava, em 2009, o primeiro lugar e, em 2010, foi ultrapassado pela Apple.
Essa mesma pesquisa conclui que as empresas de tecnologia tiveram as maiores valorizaes
nesta edio do ranking. Com uma alta de 246%, o Facebook (com menos de 10 anos de
mercado e com um fundador de menos de 30 anos de idade) liderou essa lista e estreou no
ranking na 35 posio. O site de buscas chins, Baidu, obteve a segunda maior alta. A marca
chinesa subiu 141% - para US$22,555 bilhes - e saiu da 75 posio em 2009, para o 29
lugar.
Outro autor que deu grande suporte a este trabalho Vilm Flusser, o qual apresenta o
conceito da imaterialidade como no-coisa. Flusser (2007) tambm elabora o conceito de
Fbricas do Futuro: locais em que os homens aprendero coletivamente a promover a
transformao da natureza em cultura. interessante ressaltar essa noo porque, mesmo sem
ter vivenciado a era digital atual, ele j a vislumbrava com muita propriedade. As pessoas,
hoje, usam as mdias digitais para produzir imagens particulares e, assim, mostrar qual o
ambiente cultural em que vivem, as viagens, os amigos, como elas se divertem e outros
momentos do seu cotidiano. Alm disso, Flusser (2007:43) cita outro fato importante,
segundo o qual, fabricar significa o mesmo que aprender. Esse fabricar no mais focado
na relao de mo-de-obra, mquina e matria-prima, mas, sim, em produzir significado
cultural para a marca e utilizar os meios comunicacionais para fazer isso.
Nesse sentido, a cervejaria Skol, pertencente ao grupo internacional INBEV, um
grande exemplo de associar significado cultural para sua marca. As caractersticas centrais da
sua personalidade so esprito jovem e compartilhar com os amigos. Para fortalecer esses
aspectos na sua comunicao com o mercado, lanou diversos eventos que se transformaram
em autnticas manifestaes culturais, entre eles, o Skol Beats e Skol Sensation. Esses
eventos proporcionam, por meio do entretenimento, um aprendizado para seus consumidores
muito maior do que a comunicao convencional, que eles tambm utilizam em grande escala.
Durante esses eventos, o pblico entra em contato com estilos musicais, artsticos e outros
estilos de vida que promovem um trabalho de ampliao da sua fronteira cultural. Nesse
movimento, o significado dos principais core values da marca podero ser aprendidos e
1 Empresa global, especializada em pesquisas nas reas de marca, mdia e comunicao, no Brasil, faz parte do Grupo IBOPE (Disponvel em: Acesso em: 27/08/2011).
23
vivenciados. E, por sua vez, a prpria marca poder ter maior contato e vivncia com o seu
pblico, um relacionamento fortemente valorizado por ambas as partes.
Flusser (2007) prope dois mundos ao redor do homem: o mundo da natureza das
coisas existentes e a serem agarradas; e o mundo da cultura, das coisas disponveis,
informadas. As experincias compem as informaes do mundo da cultura. Os
consumidores, por sua vez, so envolvidos pelo mundo da cultura das marcas, que busca
explorar as emoes e sensaes nos seus relacionamentos, de forma a compartilhar um
mesmo estilo de vida.
Baseado no processo da Escalada da Abstrao de Flusser, que ser apresentado no
captulo 2, Baitello, outro autor que suporta este trabalho, chama a ateno para o que
denomina de nulodimensionalidade, fase onde se cria um novo nomadismo, no qual no
mais o corpo que viaja, navega ou caminha, mas o seu esprito, seu vento nmade. Sendo, por
meio dele, do esprito no-visvel, que chegamos imaterialidade. Baitello (2010) refora que
esse estgio passa a ocupar as vidas humanas e seu entorno, e, com isso, por um lado, as
coisas (produtos, objetos, hardware, matria bruta) perdem valor; e, por outro lado, as no-
coisas (marcas, os smbolos, os servios, o software, o valor agregado, a fama) ganham
crescente destaque, importncia e valor.
Dessa forma, muitas vezes, a no-coisa mais importante do que a coisa, ou seja,
a atmosfera do imaginrio da marca, a qual faz com que os consumidores entendam e
compartilhem os valores da marca, mais importante do que a parte material da marca,
focalizada prioritariamente na sua linha de produtos.
1.4 POR QUE A OSKLEN?
A Osklen uma marca de moda com reconhecido sucesso junto a seu pblico-alvo e
mdia especializada, com lojas nos principais pontos comerciais no Brasil e em alguns dos
principais pontos de moda do mundo. Alm disso, ela encaixa-se perfeitamente nos conceitos
de gesto da marca estudados, principalmente, por meio de uma comunicabilidade que
consegue grande sintonia junto a seu pblico, baseada num conceito que seu criador
denomina legitimidade. A cada coleo, a empresa aprofunda-se no tema que escolhe,
deixa-se levar pelas emoes do tema e o traduz imageticamente em cada detalhe na sua
comunicao, assim, construindo um imaginrio diferenciado e inovador.
24
O prestgio conquistado pela Osklen no mercado justificado pelo capital simblico
construdo pelo seu criador, e interpretado de forma especial na sua comunicao, totalmente,
integrada com a criao das suas colees. Segundo Oskar Metsavaht (comunicao pessoal,
em 16 de abril de 2011), na maior parte das vezes, eu concebo a campanha antes mesmo da
coleo. Somente depois que as peas so desenhadas para serem o figurino do meu filme,
da minha histria. Isso vai ao encontro do que Gorz (2005:48) declara sobre o capital fixo
imaterial da marca, que compreende sua notoriedade, seu prestgio, constitutivos de um
capital simblico. E o talento, a competncia, a criatividade das pessoas que produzem a
dimenso artstica dos seus artigos.
Existe uma caracterstica na Osklen que sempre me chamou ateno: eu sempre
admirei o lifestyle carioca, o estilo de ser carioca. um estilo internacional e tem muito que
ver com a questo da praia, sendo um comportamento completamente atpico. No existe
necessariamente uma coisa de ser elitista ou no elitista, no existe necessariamente classe A,
B ou C. Existe, sim, um estilo de vida predominante, e essa caracterstica consegue ser
expressa atravs da construo do imaginrio, por meio de uma seleo de imagens muito
forte. A emoo que me vem em relao ao esprito carioca um sentimento de atualizao,
que no necessariamente moderno, mas contemporneo com tudo o que acontece - uma
coisa quase transnacional - no tem ptria, no brasileiro, no europeu. muito articulado,
descolado e mesmo que no tenha dinheiro se sente bem, pois pode vivenciar e pertencer a
uma cultura. A questo da praia muito forte, o mar, uma linguagem de balnerio. A
paisagem muito inspiradora, a relao das pessoas, os corpos, os coqueiros, a praia, a areia,
o biquni e, principalmente, a forma de mostrar isso tudo sempre me instigou.
A Osklen foi pioneira em mostrar de forma diferente o estilo de vida carioca. A fonte
dela beber no comportamento do estilo de vida carioca, e, segundo seu criador, isso a faz
ser legtima (METSAVAHT, comunicao pessoal, em 16 de abril de 2011). Essa
legitimidade da qual ele fala exaustivamente, talvez, seja o grande diferencial. Ela faz com
que os imaginrios criados sejam autnticos, e essa autenticidade muito presente na Osklen
porque as pessoas (da estrutura da marca) respiram e transpiram o que ela quer ser. Para
algum poder ser autntico tem de entender realmente e profundamente o que se est falando.
Essa autenticidade s acontece se vivenciar a cultura.
Eu nunca acreditei em marcas que no fossem autnticas, e a Osklen me proporcionou
a possibilidade de vivenciar a realidade da marca. Essa minha percepo primria sobre a
marca foi completamente validada a partir do momento que eu pude ter contato com seu
25
criador. Quando ele quer falar da marca, ele faz com que voc seja a pessoa mais importante
naquele momento. E a forma que ele encontra para narrar so histrias de coisas que
aconteceram de fato com ele. A forma como ele atende as pessoas sempre foi muito refletida
naquilo que a marca : uma proposta acessvel no sentido da comunicao, seja na loja, seja
na casa dele, lugares onde foram realizadas as entrevistas para este estudo. Ele demonstra ser
aquilo que a sua marca. No me pareceu querer ser aquilo que ele gostaria de ser ou de
parecer ser e no o fosse. Isso s acontece porque o repertrio dele real, j foi vivenciado.
Ele atendeu-me de sandlia Havaiana, camiseta informal, cabelos molhados como quem
acabou de sair do banho e muito resfriado. Foi um sbado bem familiar, embalado pelas vozes
dos filhos brincando, pela sua esposa chegando das compras ou saindo para comprar os
ingressos do cinema da tarde e pela assistente supergentil e hospitaleira.
Como construir uma marca que dure ao longo do tempo? Quanto maior o nvel do
significado que ela alcanar, melhor posicionamento no mercado ela conseguir. E, quando
essa marca consegue compartilhar seus valores com os de seus consumidores, acontece uma
comunho. O nvel de significado ser melhor para seus consumidores porque a marca sabe
contar melhor as suas histrias. Desde que a Osklen despertou-me interesse, passei a procurar
mais informaes sobre a marca e pude perceber que, em qualquer ponto de experincia que
fui tendo, nas lojas, nos detalhes da decorao, no site, nos catlogos, nos desfiles, nos
contatos com os profissionais da equipe, os seus nveis de significado, suas histrias e
identidade tinham um profundo alinhamento. E, a partir do momento que tive o contato maior
com as pessoas da empresa e com o seu criador, e consegui saber mais sobre a marca atravs
do prprio Oskar, senti que tudo aquilo que eu achava e analisava sobre a marca, ainda sem
ter acesso direto a ela, era realidade, confirmava-se.
Oskar quase didtico e, por ser assim, consegue formar a construo da comunicao
de uma forma didtica, que permite a todos entender o que quer transmitir. A forma dele se
comunicar imagtica. A primeira tarefa no desenvolvimento de uma coleo produzir um
filme ou uma srie de fotos que apresentado sua equipe, composta por sua irm, formada
em artes, e sua designer. Desse momento, suas imagens passam a ter um olhar artstico, que
se transforma nos catlogos e smbolos criados para dar identidade visual s colees. O olhar
da designer transforma esse material na coleo. Isso uma grande qumica, mas tudo
comea com as histrias vivenciadas pelo criador. Quando isso acontece, quando as histrias
so reais, as chances de sucesso so muito maiores, pois se voc criar uma histria que no
real para voc, ela ir falhar em algum momento, principalmente, durante as experincias que
a marca ter com seu consumidor.
26
Razes no faltam para ter a Osklen como empresa escolhida para exemplificao
neste trabalho: em primeiro lugar, trata-se de uma marca diferenciada pela forma de
interpretar e entregar seu imaterial ao mercado. Em segundo lugar, pela sua forma de criao,
que est baseada numa pesquisa e interpretao imagtica de um tema e, finalmente, pela
forma de entregar e apresentar isso para o mercado, que fruto do sincronismo de trs
aspectos: o olhar imagtico do criador, a transformao desse olhar numa forma artstica de
imagens e a transformao da forma artstica numa coleo, por meio do design. Isso leva a
uma sofisticao, mas no uma sofisticao de status. uma sofisticao cultural, um
sentimento de afeto, cuidado, ateno, satisfao. uma sensao de bem-estar.
1.5 OBJETIVO
O objetivo deste trabalho analisar os elementos que compem a comunicao do
imaterial da marca e exemplificar a sua aplicao por meio da anlise da comunicao de uma
marca de moda.
1.6 ABORDAGEM
Alguns pressupostos esto sendo considerados durante a realizao da pesquisa desse
trabalho:
I) O estmulo de troca de produtos no se d somente pela propriedade que ele carrega,
mas principalmente pelas experincias que ele promove.
II) Nos dias de hoje, fluir mais importante do que possuir, ou seja, um dos principais
fatores de deciso de escolha das marcas considera o poder de acesso que elas proporcionam
aos seus usurios.
III) Marcas que planejam e comunicam com mais consistncia os elementos que
compem sua imaterialidade, provavelmente, conseguiro vnculos afetivos e criativos mais
exclusivos e duradouros.
IV) Um dos elementos que compe a imaterialidade da marca so as experincias
sensoriais que ela apresenta. Sentir, ver, tocar e ouvir so sensaes que restam com muito
mais fora do que a simples apresentao tradicional dos benefcios e caractersticas do
produto.
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1.7 CORPUS
Para compor o desenvolvimento desta pesquisa foram escolhidos os temas da
imaterialidade, construo de identidade de marca e anlise das dimenses-chave da
imaterialidade da marca. A imaterialidade abordada sob a tica da sua contribuio e
relacionamento na construo do intangvel da marca. O estudo da marca foi orientado por
diferentes abordagens mercadolgica, experimental e social apresentadas pelos principais
autores do assunto.
O tema deste trabalho bastante amplo e, ao mesmo tempo, interligado com diversas
reas de interesse na atualidade, entre elas, o consumo. Poder-se-ia questionar sobre a no
abordagem do consumo e da legitimidade de marcas influenciarem o consumo, o que seria um
tema bastante interessante, mas, em virtude da sua profundidade e abrangncia, mereceria um
estudo integralmente dedicado a essa questo, motivo pelo qual essa abordagem ficou fora do
estudo.
Da mesma forma, seria possvel questionar se a abordagem dada a uma marca de
moda especfica pode ser extrapolada para outras marcas, ou se poderia ser utilizada tambm
para outras categorias de produto. Cada empresa, de cada setor econmico, possui as suas
prprias idiossincrasias, mas, com toda certeza, algumas das prticas abordadas pela marca
aqui exemplificada podero ser adaptadas a outras empresas, tanto do setor de moda como de
outros setores, porm, de uma forma geral, necessrio tomar muito cuidado ao faz-lo, pois
se trata de uma pesquisa de carter qualitativo, cujos resultados valem apenas para a empresa
em questo e, claro, se abordadas sob a mesma tica utilizada pelo pesquisador.
Outro ponto de interseco entre esse tema e outros correlatos a questo da
administrao da empresa para a gesto da marca. Uma coisa saber o que fazer, e a outra
como fazer, e, neste caso especfico, h diversas ferramentas de gesto de recursos materiais,
econmicos e humanos que devero ser administrados para desenvolver a marca. Apesar de
fundamental, esse aspecto tambm no ser abordado neste estudo, pois constituiria, por si s,
uma outra linha de pesquisa e, ademais, essa linha se encaixaria melhor nos programas de
Administrao.
Outra questo que deve ser esclarecida quanto ao corpus deste trabalho que, apesar
de a comunicabilidade de uma marca de moda compreender inmeros aspectos, tais como
propagandas, desfiles, catlogos, visual merchandising, vendedores, mdias sociais, eventos,
28
relaes pblicas, parcerias com outras marcas, etc., foi escolhido apenas um desses aspectos,
que so os catlogos. A escolha dessa ferramenta de comunicao deu-se em funo,
principalmente, de dois pontos: em primeiro lugar, por meio dessa delimitao, o trabalho de
anlise fica mais direcionado, evitando-se uma disperso que poderia dificultar o caminho
para se chegar a concluses mais objetivas, dada a amplitude do tema. A consequncia disso
foi a escolha de apenas um dos aspectos da comunicabilidade da marca, e que recaiu sobre o
catlogo, pelo fato de o processo criativo da marca se concentrar principalmente nas imagens,
e o catlogo ser, na opinio da autora, corroborado pelo criador da marca, o aspecto de
comunicabilidade que melhor reflete o conceito de cada uma das criaes desenvolvidas pela
marca.
Concluindo: o tema estudado muito amplo e interligado a diversos outros temas, e
caso no haja uma delimitao clara, existe uma tendncia muito grande de o trabalho navegar
deriva. Por isso, o corpus dele ficou definido como estudo da imaterialidade das marcas,
tema, por meio do qual, em funo de seu ineditismo, espera-se dar uma contribuio ao
estudo das marcas.
1.8 METODOLOGIA
A metodologia para realizao desse trabalho deu-se, primeiramente, por meio de uma
reviso bibliogrfica, na qual foi feita a organizao do tema imaterial (Andr Gorz, Jeremy
Rifkin) relacionando-o com a composio da imagem (Dietmar Kamper, Norval Baitello
Junior, Vilm Flusser) e de uma reviso do trabalho de autores para compor as diferentes
abordagens da marca (David Aaker, Bernd Schmitt, Andrea Semprini e Marc Gob).
A partir do levantamento bibliogrfico e em conjunto com os estudos desenvolvidos
ao longo das disciplinas do doutorado, elaborou-se um resumo com os principais pontos
tericos levados em conta na criao, desenvolvimento e gesto de uma marca, materializado
na forma de um roteiro de entrevista. Esse roteiro foi ento aplicado junto ao criador de uma
empresa considerada, pela autora, como referncia na gesto de marcas, pertencente ao setor
econmico da moda. A entrevista foi focalizada em dois pontos: a gesto da marca pela
empresa e a anlise dos catlogos de colees lanadas.
Todo o material obtido nas etapas anteriores foi ento reunido e analisado em
conjunto, de forma a alcanar, por meio de suas concluses, o objetivo inicial do trabalho:
definir, analisar e entender as dimenses-chave que compem a imaterialidade da marca com
29
o intuito de traar alguns caminhos a serem seguidos por marcas de moda que desejem
agregar valor por meio da gesto de sua imaterialidade.
No captulo segundo, procura-se estabelecer, por meio das teorias de marcas
pesquisadas, uma organizao sobre os elementos que fazem parte da composio da marca.
Para tanto, toma-se como base os principais autores que discorrem sobre esse tema,
mesclando inclusive abordagens com diferentes enfoques americanos e europeus ou ainda
mais mercadolgicos ou semiticos. Entre eles esto: David Aaker, Bernd Schmitt e Andrea
Semprini. Dentro das composies apresentadas, procura-se destacar o que, dentro de cada
elemento, poderia representar a imaterialidade da marca.
A imaterialidade foi o tema do terceiro captulo. Assim, a partir de autores das teorias
a respeito de mdia e imagem, comps-se uma estrutura que pudesse reforar a importncia do
elemento imaterial da marca e, tambm, como ele pode ser construdo pelas imagens, dessa
maneira, formando o seu imaginrio.
Um dos elementos que se destaca na construo do imaterial o processo de
personificao da marca, dessa forma, abri-se o captulo quatro para discorrer quanto a
aspectos importantes relacionados ao assunto, sob a tica mercadolgica. A personificao da
marca importante para definir orientaes da estrutura do processo simblico e
consequentemente do imaginrio da marca, que sero expressos nas suas relaes
comunicacionais.
Os captulos cinco e seis foram dedicados anlise da comunicao do imaterial da
Osklen, marca atuante no segmento de moda e que foi escolhida como exemplificao para
analisar os principais conceitos levantados nos captulos anteriores.
Em minha cala est grudado um nome
que no o meu de batismo ou cartrio,
um nome... estranho.
2 MARCA: POR QUE TE QUERO?
A marca vem assumindo muita importncia seja da parte de quem a compra ou de
quem a administra. As pessoas no buscam mais apenas um produto, mas desejam uma marca
com a qual possam se relacionar e estabelecer vnculos. Nas estruturas organizacionais
imprescindvel que se considere esse novo papel na gesto dos negcios. muito comum
deparar-se com marcas cujo valor patrimonial menor do que o valor intangvel de suas
marcas.
Nessa nova dinmica, em que se faz preciso caminhar alm do desenvolvimento do
produto, dessa maneira, buscando conhecimentos, que percorrero pelos sentidos, a fim de
delinear-se uma arquitetura sensorial condizente com a esttica e imagem que se deseja ter no
mercado, define-se que o gerenciamento das marcas seria um dos eixos principais a ser
tratado neste trabalho.
Nesse sentido, foram estudados os principais autores, normalmente vindos da rea de
administrao, para analisar e compor a organizao deste captulo. A literatura sobre marcas
(Andrea Semprini, Bernd Schmitt, David Aaker, Kotler, Marc Gob, Naomi Klein, entre
outros) aborda, com frequncia, o aspecto gerencial dessa questo, mas, normalmente,
contempla apenas, de modo superficial, o carter simblico da imagem que ocorre na
comunicao entre consumidor e marca, e que definido principalmente pelo imaterial da
marca.
2.1 A GNESE DA MARCA
Ao apresentar um quadro geral do desenvolvimento da marca, tem-se por objetivo
oferecer uma compreenso de todo processo que culminou no estgio atual das marcas.
2.1.1 A marca atravs da histria
Uma marca identifica e d referncia a um objeto demonstrando sua relao com outra
instncia, dizendo algo sobre a origem e as propriedades desse objeto. Os ex-lbris, por
exemplo, atribuem a propriedade de um livro a uma pessoa ou biblioteca.
As marcas tm suas primeiras aparies histricas justificadas por esta funo:
designar a origem e identificar objetos comerciais. Ao observar o surgimento das marcas,
32
encontra-se seu aparecimento quase que espontneo, onde elas estavam orientadas por este
tipo de relao designativa de origem e (ou) referncia. O primeiro momento ao qual se pode
recorrer a Idade Antiga (PINHO, 1996:36), onde as marcas eram utilizadas para identificar a
procedncia de mercadorias e serviam para atribuir prestgio e atestar a qualidade do produto.
Um pouco mais adiante, no Renascimento, as marcas apareceram a partir da assinatura dos
artistas. Este fato havia desaparecido na Idade Mdia, mas, na Renascena, passou a
influenciar a avaliao comercial das obras (SOUZA; NEMER, 1993:4).
O desenvolvimento da marca, do ponto de vista comercial, est diretamente ligado
expanso do varejo (SOUZA; NEMER, 1993:4). A partir do declnio da Idade Mdia, com o
surgimento das cidades e de estabelecimentos comerciais fixos, apareceram associaes de
artesanato e comrcio chamadas guildas. Essas associaes inovaram ao impor aos seus
produtores associados a identificao dos produtos manufaturados atravs de marcas. As
marcaes aferidas nos produtos serviam ao controle da produo e identificao da origem
de produtos. No primeiro caso, elas auxiliavam ao acompanhamento da demanda e da oferta;
no segundo, ajudavam o rastreamento de produtos com qualidade inferior ao padro
estabelecido, que poderiam comprometer a associao, permitindo sancionar o responsvel
pela confeco do produto.
As marcas tambm possibilitavam a padronizao dos critrios tcnicos dos produtos,
servindo ao combate a falsificaes e preservao do monoplio, assim, protegendo os
comerciantes e produtores (PINHO, 1996:12). J a partir da Revoluo Industrial, houve a
necessidade de que as marcas se difundissem para se propagar no mercado, o que se deu por
meio das tcnicas de promoo e vendas.
Consequentemente, o fortalecimento das marcas trouxe tona a questo jurdica de
sua proteo e registro. No entanto, houve algumas dificuldades na criao de leis para
proteo das marcas, em grande parte, pela falta de entendimento dos tribunais porquanto aos
valores intangveis da marca. A iniciativa que acabou por regular a questo foi a Conveno
da Unio de Paris, de 1883, que procurou estabelecer as bases legais para concorrncia entre
marcas, assim, o efeito proliferou-se e, em 1890, a maioria dos pases industrializados j
contavam com legislao semelhante (PINHO, 1996:12; SOUZA; NEMER, 1993:4).
No Brasil Imperial, o cdigo vigente no contemplava a questo, todavia uma
representao de Rui Barbosa, enviada ao Poder Legislativo, foi acolhida e promulgada sob a
Lei 2.682, de 23 de outubro de 1875. A demanda que provocou o envio da representao se
originou entre duas fabricantes de rap: a fabricante da marca Ara Preta, ingressou com um
33
processo contra uma concorrente que lanara o mesmo produto com a marca Ara Parda. Nos
Tribunais, a fabricante da Ara Preta perdeu a ao em primeira instncia sob a alegao que
a legislao vigente no qualificava o ocorrido como delito (DOMINGUES, 1984:47).
2.1.2 A marca contempornea
No tpico anterior, foi descrito o processo histrico do surgimento da marca, assim
como a sua consolidao legal e institucional. No presente ponto, procura-se demonstrar o que
o fenmeno MARCA: o que ela representa e como se constitui na sociedade hodierna. Para
tanto, recorreu-se (principalmente) a Andrea Semprini (2006), que procura contextualizar a
marca no espao social contemporneo.
As marcas no mundo atual so constitudas a partir de trs dimenses que se
encontram imbricadas: a economia, a comunicao e o consumo. No cruzamento desses
caminhos, as marcas suplantaram os patamares atingidos anteriormente. Hoje, as marcas
apresentam-se como aglomerados de sentido condensados, que oferecem aos seus
consumidores um projeto de sentido, estabelecer uma relao e um contrato fundados sobre
uma cumplicidade partilhada (SEMPRINI, 2006:20).
Na justaposio desta lgica que as marcas se instauraram nas sociedades
contemporneas, no encontro entre estas trs instncias que elas se difundiram atravs do
comrcio e do consumo. Todavia as marcas extrapolaram estes mbitos estritamente
mercadolgicos para se tornarem um provedor de sentido nos espaos sociais.
Nessa direo, na sequncia, discorre-se sobre cada um destes motores que,
imbricados, compem a marca.
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Figura 1 - Os trs motores da lgica da marca
Fonte: Semprini (2006:56)
2.1.3 Consumo
O primeiro motor que impulsiona os mecanismos da marca o consumo. No se trata
apenas do consumo em si, mas, sim, o que ele expressa nas denominadas sociedades de
consumo. Estas sociedades tm sua estrutura calcada na realizao irrestrita do consumo, que
se desenvolveu, nelas, devido sua grande capacidade de adaptao, dessa forma,
possibilitando-o penetrar por diversos mbitos e comportamentos sociais, fundado sempre na
abrangncia democrtica e no individualismo.
Na composio do consumo contemporneo, encontram-se cinco temas gerais que se
entrelaam: o individualismo, o corpo, a imaterialidade, a mobilidade e o imaginrio2. O
primeiro tema, o individualismo, deve ser entendido a partir da expanso da cultura de
massas, que trouxe consigo as noes de desejo e prazer centradas no indivduo. Essa cultura
popularizou a construo de projetos individuais em busca de uma felicidade particular. O
consumo aparece fortemente vinculado a realizaes desses desejos e projetos em busca da
autoexpresso.
O corpo passou a ser um desdobramento sintomtico desta individualidade. Ele torna-
se o meio pelo qual se d o prazer e a experimentao do mundo, objetivo dos desejos e
veculo das sensaes, onde os sentidos so enfatizados e estimulados. Logo, as ofertas de
2 Para mais informaes vide Semprini, 2006.
MARCAMARCAMARCAMARCA
Comunicao Consumo
Economia
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consumo a este indivduo de cognio aguada passam a contemplar esse mbito sensvel,
assim, os produtos adquirem uma dimenso imaterial.
Estes dois temas confluem junto a determinados momentos histricos, isto , a partir
da revoluo sexual dos anos 60, que propiciou uma redescoberta do corpo, e, mais adiante,
nos anos 80, quando o corpo ocupa uma posio central na sociedade e no consumo.
A imaterialidade a terceira dimenso do consumo contemporneo. Nas sociedades
hodiernas, observamos a desmaterializao dos produtos, ou seja, estes esto submetidos a
uma lgica de dessubstanciao, pela qual se tornam caractersticas a miniaturizao e
valorizao do simblico nos produtos.
Refletida no consumo, essa lgica de desmaterializao faz proliferar as formas de
consumo imaterial, que, por sua vez, devem-se valorizao dos desejos dos indivduos e
seus projetos pessoais na vida cotidiana e na interao com o ambiente social. Desse modo, o
que se processa uma quebra da barreira entre marca e produto, entre os aspectos funcionais e
aspiracionais quanto aos produtos consumidos (SCHMITT, 2000).
A mobilidade caracteriza-se pelo amplo transitar entre lugares, profisses e ideias
como mais uma dimenso do consumo. A mobilidade dialoga com o consumo principalmente
atravs da tecnologia da informao. Esta propiciou o aparecimento de uma rede de interao
ampla que pode ser acessada em qualquer lugar e a qualquer momento, que tem sua amplitude
subsidiada atravs de aparelhos mveis como os celulares e computadores portteis. Dessa
forma, a tecnologia da informao propicia a troca constante de informao e de contedos
simblicos.
A ltima dimenso que particulariza o consumo atual o imaginrio. A construo de
um imaginrio a busca de sentido, que visa a configurar, dentro de um universo simblico,
um projeto de sentido, onde o indivduo projeta seus sonhos e desejos e, atravs desse,
encontra a sua autoexpresso (AAKER, 1996:111). Esses projetos de sentido podem ser
concebidos ou adquiridos. No caso de serem adquiridos, pressupe-se que eles so produzidos
e, como se sabe, o universo de consumo e as marcas tm grande importncia no oferecimento
de mundos possveis.
A essa formulao de sentido, que constri um projeto de sentido amplo, Semprini
(2006:68-69) denomina construo de mundos, que tem por objetivo:
Criar universos fictcios no interior dos quais os indivduos possam projetar suas aspiraes, seus desejos e seus projetos. Estes mundos funcionam ento, como verdadeiros relatos, que ajudam os indivduos a dar um sentido sua experincia e a orientar sua escolha e suas aes.
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Ao observar a relao destes cinco temas que envolvem o consumo nas sociedades
contemporneas com as marcas, compreende-se de que forma eles se entrelaam e de que
maneira a marca causa impacto no consumidor dentro destes cinco mbitos enumerados por
Semprini e revisados aqui.
Figura 2 - Os cinco motores do consumo contemporneo
Fonte: Elaborado pela autora, baseado em Semprini (2006)
A marca impacta claramente as dimenses do individualismo e do corpo. O
individualismo, pois a lgica da marca capaz de oferecer ao indivduo recursos de
autoexpresso, alavancando seus desejos aspiracionais de ser ou querer ser. Enquanto o corpo
se relaciona com a marca atravs do aporte que ele oferece, para a transmisso destes
contedos simblicos da marca que comunicam que o indivduo est permeado por estes
valores.
A mobilidade segue nesta relao atravs da capacidade da marca de se fazer presente
e transitar pelos espaos sociais, onde a aquisio de seu contedo simblico, motivado pelo
individualismo e aportado pelo corpo, encontra, na mobilidade, a capacidade de transmitir o
discurso da marca a qualquer momento, em qualquer localidade e sob qualquer suporte.
Por fim, a imaterialidade e o imaginrio so constitutivos na sua relao com o
consumo, uma vez que oferecem ao cliente (consumidor) uma expanso da compra, um valor
cognitivo agregado que permite aos indivduos vivenciarem experincias sensveis atravs do
consumo (SCHMITT, 2000).
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2.1.4 Comunicao
Na sociedade atual, a comunicao assumiu um novo papel. Enquanto, outrora,
desempenhava uma atuao funcional ou seja, prestava um servio sociedade
contemporaneamente, assumiu o status de instituio social viabiliza o contato e a relao
com pblicos difceis de serem atingidos, o que minimiza o atrito e amplia o espao social,
permitindo a compreenso do mundo e dos acontecimentos. A compreenso de trs
argumentos pode esclarecer essa transformao antolgica na comunicao: a onipresena das
mdias, abandono da neutralidade e a internet.
As marcas hodiernas tambm se transformaram a partir dessa mudana do paradigma
comunicacional. Como argumenta Semprini (2006:82):
A comunicao que constitui a marca deve, portanto, ser entendida no como uma modalidade de funcionamento ou como tcnica de difuso, mas como motor semitico, lgica de seleo, de organizao e de concretizao de um projeto de sentido que a seguir proposto e trocado com seus pblicos.
No que se refere s marcas, o primeiro ponto que se altera em conjunto com a
modificao do paradigma da comunicao a sua abordagem publicitria. Anteriormente, a
publicidade da marca possua o poder decisrio sobre a sua imagem e personalidade, assim a
marca estava concentrada sobre o produto e seus aspectos comerciais.
Todavia, com a onipresena das mdias, elas deixaram de apenas veicular informaes
relativas a produtos para praticar a comunicao de forma mais abrangente: para as marcas, a
comunicao passou a ser a questo central, da qual a publicidade apenas uma ferramenta de
carter mercadolgico. Assim, a comunicao volta-se difuso dos aspectos da marca para
alm da sua dimenso comercial visando construo de um projeto de sentido. O que faz
com que ela tome para si o poder de deciso sobre a utilizao das ferramentas comerciais,
que so aplicadas em prol da construo de sua imaterialidade.
O segundo aspecto anlogo entre a comunicao e as marcas a mudana de status
entre marcas e produtos. Apesar de no terem abandonado as suas manifestaes materiais, as
marcas passaram a prevalecer sobre os produtos, ou melhor, os aspectos imateriais das marcas
tornaram-se superiores em hierarquia aos aspectos materiais.
O terceiro, ltimo aspecto dessa articulao, deve-se expanso do poder de
influncia da marca. Aps se libertar do produto, a marca passa a estender o seu alcance para
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outros territrios sociais da discursividade social, extrapolando o seu mbito, antes,
exclusivamente comercial. Desta forma, as marcas passam a alcanar mbitos alm do
mercado, influenciando tambm outras esferas sociais, como a poltica, a educao, os
esportes e a cultura.
2.1.5 Economia
A forte influncia do consumo na economia contempornea faz com que as instncias
microeconmicas adquiram grande importncia. O consumo passou a ser um motor
econmico e social influente, o que contribui para que as escolhas e comportamentos dos
indivduos tenham maior poder sobre a economia.
H uma crescente atuao da lgica das marcas sobre a economia contempornea.
Diversos setores adotaram essa lgica de inserir marcas em seus produtos, e, mesmo naqueles
que no o fizeram diretamente, ocorreu o aparecimento de formas semelhantes, como, por
exemplo, certificados de qualidade.
Dessa maneira, observa-se a transio de uma economia de mercado para uma
economia de marcas, cuja economia deve tributos no s s escolhas de consumo individuais,
mas tambm aos valores pelos investidores, como a reputao e a confiabilidade. O jogo
econmico encontra-se, portanto, permeado de aspectos simblicos, imateriais, o que
demonstra que sua estrutura interage com a estrutura comunicacional do espao social
contemporneo.
O consumo, por conseguinte, tambm est orientado pela informao disponvel, que
processada a partir de racionalidade semitica, que realiza um clculo simblico que visa a
maximizar os benefcios e minimizar as perdas. Os valores calculados esto ligados a desejos,
expectativas de autoexpresso a serem realizados atravs do consumo e das marcas.
Por conseguinte, os espaos econmicos e sociais passam a estabelecer conexes em
um nvel mais profundo, onde os valores e demandas sociais penetram na esfera econmica e
influenciam seus rumos.
Observa-se, por exemplo, uma crescente valorizao de certos comportamentos
econmicos, pautados sobre preocupaes de carter no propriamente econmico, em que a
lgica das marcas recai sobre a face de certificaes de qualidade e gesto, fundos
econmicos ticos ou, ainda, declaraes de responsabilidade social e ambiental.
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A construo de valor passa, desse modo, a apresentar modificaes. Ao ser
impregnada pela lgica da marca, a oferta considerada no s atravs de suas qualidades
tcnicas extrnsecas, como tambm a partir de suas nuanas comunicativas, em uma esfera de
comunicao que se encontra com a economia e a partir de um contedo de sentido inscrito
implicitamente.
2.2 A FENOMENOLOGIA DA MARCA
Ao descrever, no tpico anterior, os motores que operam a lgica da marca na
sociedade contempornea, ensejou-se suscitar a compreenso dos principais fenmenos que
beneficiaram a construo da marca tal como concebida no presente estudo. Ressalta-se que
as dimenses Consumo/Comunicao/Economia ocupam o mesmo nvel hierrquico de sua
influncia sobre a marca, ainda que algumas relaes possam no ter sido esclarecidas
suficientemente.
O modelo proposto por Semprini, j mencionado, dinmico e interativo, onde as trs
instncias se colocam a influenciar e a serem influenciadas pela lgica da marca e, assim,
constituem o fenmeno marca nas sociedades contemporneas.
Na continuidade, aborda-se, centralizadamente, a marca em seu desenvolvimento
conceitual e no mais histrico e social. Para tanto expe-se uma investigao sobre a
evoluo do conceito de marca, que passou de uma fase inicial (como j demonstrado sobre
outro prisma), de um mero identificador do produto, a uma relao abstrata que visa a
proporcionar uma experincia ao seu consumidor.
A marca vista do seu ponto de vista mais tradicional o do marketing pautado sobre
os critrios e benefcios do produto tida como um identificador que designa uma origem
especfica a qual remete a uma qualidade e a outras propriedades do produto.
Kotler (2006:268-272) coloca que as marcas se propagam por referncia, que tendem a
firmar relaes com os seus clientes ao longo do tempo. Isso deve-se identificao entre o
consumidor e o produto dada a partir de experincias anteriores. Para as empresas, elas
representam segurana e sistematicidade. Ajudam a seriar os produtos, a tornar a produo
linear, dessa forma, garantindo um padro de qualidade e protegendo a sua propriedade
intelectual. Em relao ao produto, a marca agrega valor, aumentando a sua margem de
lucratividade, simultaneamente, sendo capazes de fidelizar os consumidores, assim, atribuindo
uma preditividade aos rendimentos da empresa.
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De acordo com essa perspectiva, a marca est concentrada sob sua composio
material estrutural, que visa a significar ao cliente uma srie de atributos e benefcios contida
em um produto e garantida por um processo produtivo e logstico que se apresenta como um
smbolo, nome ou designao.
O valor da marca (Brand Equity) est fundado sobre esses critrios tangveis
precedentemente dispostos, mas, tambm, vai alm e toca noes mais abstratas que se ligam
marca, e o encontro destas duas instncias forma um agregado de valor. Como sugere Kotler