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Modelagem no ensino de ciências, reduzir na complexidade ou ser complexo na redução artigo ednilso s r souza

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X ENCONTRO PARAENSE DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Belém – 400 Anos: História, Educação e Cultura

Belém – Pará - Brasil, 09 a 11 de setembro de 2015

ISSN 2178-3632

MODELAGEM NO ENSINO DE CIÊNCIAS, REDUZIR NA

COMPLEXIDADE OU SER COMPLEXO NA REDUÇÃO?

Ednilson Sergio Ramalho de Souza 1

RESUMO As pesquisas em modelagem matemática apontam a mesma como relevante quando se quer

compreender, analisar e agir frente àquilo que consideramos realidade. Dentre os diferentes ciclos de

modelagem que podemos encontrar na literatura da área, destacamos o ciclo de Mario Bunge como importante em ciências. Esse ciclo inicia com a elaboração de um esquema simplificado do fato ou

coisa compreendido como real, chamado de objeto-modelo. Mas o objeto-modelo precisa ser inserido

em uma teoria geral para que possa gerar explicações e previsões, momento em que obtemos o modelo teórico; isto é, um sistema hipotético-dedutivo que teoriza o objeto-modelo. Tal ciclo

pressupõe que se façam recortes no problema em contexto para que suas fases sejam efetivadas na

prática de sala de aula, uma vez que não se modela um problema em sua totalidade, por isso são necessárias reduções. Surge agora nosso problema de investigação: sendo os recortes imperativos à

modelagem de qualquer situação real e sendo a modelagem do real um ambiente favorecedor do

pensamento complexo, como podemos reduzir e, ao mesmo tempo, manter um pensamento

totalizante da realidade em estudo? Nosso objetivo nesse artigo é tão somente propor reflexões filosóficas sobre a possibilidade de simplificar sem deixar de ser complexo ou ser complexo na

redução necessária ao ciclo de modelagem matemática. Argumentaremos que reducionismo e

complexidade podem ser procedimentos complementares durante a modelagem de situações reais. Nesse olhar, não se trata em considerar que reduzir significa ser simplista ou que um olhar complexo

significa perceber o todo em sua unicidade. O que vamos defender é que, pelo menos em modelagem

matemática, a fragmentação é necessária, bem como a sistematização.

Palavras-chave: Modelagem matemática. Ensino de ciências. Redução. Complexidade.

REPAROS INICIAIS

As pesquisas em modelagem matemática apontam a mesma como relevante quando

se quer compreender, analisar e agir frente àquilo que consideramos realidade. Dentre os

diferentes ciclos de modelagem que podemos encontrar na literatura da área, destacamos o

ciclo de Mario Bunge (2013b) como importante em ciências. A figura 1 mostra de forma

esquemática tal ciclo.

1

Docente da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, Campus Santarém. E-mail: [email protected].

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Figura 1. Ciclo de modelagem de Mario Bunge (Fonte: Autor).

O ponto de partida é a realidade, especificamente, um fato ou coisa que possuem

existência independente de nossa ação, mas que pertencem a nossa realidade. A intenção é

compreender esse fato ou coisa a fim de agir sobre ele. Mas, tendo em vista sua

complexidade, não podemos atuar diretamente sobre o real. Precisamos elaborar modelos

para isso. Os modelos são aproximações, representam porções da realidade. Bunge (2013b)

argumenta que,

Para apreender o real começa-se por afastar-se da informação. Depois, se

lhe adicionam elementos imaginários (ou antes hipotéticos) mas com uma intenção realista. Constitui-se assim um objeto-modelo mais ou menos

esquemático e que, para frutificar deverá ser enxertado sobre uma teoria

suscetível de ser confrontada com os fatos (p. 16).

A elaboração do objeto-modelo é o primeiro momento significativo no ciclo de

modelagem de M. Bunge. Um exemplo prático de objeto-modelo é quando reduzimos um

carro de fórmula I a um objeto com apenas um aerofólio, apenas um pneu com propriedades

específicas correndo em uma pista ideal também com propriedades específicas e então o

estudamos e fazemos previsões sobre seu movimento (BERNARDO, MANNRICH e

BATISTA, 2013). Mas esse modelo hipersimplificado de nada vai servir se não pudermos

descrevê-lo em detalhes de acordo com leis gerais conhecidas. Ou seja, temos que construir

uma teoria específica do objeto-modelo, ou seja, um modelo teórico.

Bunge (2013b) diferencia teoria geral de teoria específica. A Mecânica Clássica é

uma teoria geral, mas a Física das Partículas é uma teoria específica. Entretanto, toda teoria

específica tem origem em uma teoria geral. Se a teoria geral ainda não existe, então o

modelador deve criar uma. Foi o que aconteceu com a Teoria da Relatividade de Einstein,

uma teoria geral criada pelo gênio no século XX.

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O segundo momento significativo no ciclo de modelagem de M. Bunge é a

elaboração do modelo teórico. “Um modelo teórico é uma sistema hipotético-dedutivo que

concerne a um objeto-modelo, que é, por sua vez, uma representação conceitual esquemática

de uma coisa ou de uma situação real ou suposta como tal” (BUNGE, 2013b, p. 16) (Grifos

do autor). Um modelo teórico é um corpo de ideias no seio do qual encaixamos o objeto-

modelo, de modo que se possam estabelecer relações dedutivas. Ele tece uma rede de

equações em torno de cada objeto-modelo: “uma vez concebido um modelo da coisa, a gente

a descreve em termos teóricos, servindo-se para tanto de conceitos matemáticos (tais como

o de conjunto e probabilidade) e procurando enquadrar o todo em um esquema teórico

compreensivo” (BUNGE, 2013b, p. 18). Em resumo, esse é o momento do ciclo de

modelagem de Bunge em que ocorre a elaboração de modelos matemáticos.

Interessante notar que o ciclo de modelagem de Bunge (Figura 1) descreve o

processo de modelagem científica realizada por cientistas e foi obtido por meio da análise

histórica da evolução da ciência. Estamos propondo-o como ciclo de modelagem pedagógica

no ensino de ciências. Isso nos leva a levantar diversas questões de ordem didático-

pedagógica, principalmente no que diz respeito a sua real efetividade em sala de aula.

Contudo, não iremos nos aprofundar nesse assunto, mas vamos analisar um ponto específico

do ciclo: a necessidade de simplificar a realidade para a construção do objeto-modelo.

Enquanto seres humanos que somos é impossível modelar um problema real em

toda sua extensão, mesmo se fossemos capazes disso, talvez não existissem computadores

potentes o suficiente para processar os dados produzidos. Por isso é que se faz necessário

recortar ou simplificar a realidade investigada a fim de que esta fique passível de ser

modelada. Por outro lado, ao ter problemas da realidade como tema de investigação, o

modelador se vê inserido em uma porção de conhecimentos que não ocorrem separados

como são apresentados nos livros didáticos, mas surgem interligados, sem limites ou

fronteiras bem estabelecidas, forçando-o a um pensamento sistêmico ou complexo (MORIN,

2007).

A necessidade de fragmentar para melhor conhecer a “verdade” já foi defendida no

século XVI por René Descartes (1596-1650). O método cartesiano influenciou sobremaneira

o desenvolvimento da Ciência Moderna e ainda hoje pode ser percebido quando se fala no

rigor do método científico. Nessa visão, o recorte necessário à modelagem de uma realidade

é plenamente apoiado pelas ideias cartesianas.

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Porém, a chamada fragmentação do saber, mola impulsionadora do reducionismo

cartesiano, mesmo outrora tendo sido útil, parece não mais ser tão eficaz para os dias

contemporâneos. O atual mundo globalizado, principalmente com o advindo das tecnologias

da informação, não sustenta mais um pensamento puramente cartesiano. O homem da era

digital, agora interligado pela Web, mesmo fazendo recortes no real, precisa ter um

pensamento de totalidade, um pensamento sistêmico, ou hologramático (MORIN, 2007).

Surge agora nosso problema de investigação: sendo os recortes imperativos à

modelagem de qualquer situação real e sendo a modelagem do real um ambiente

favorecedor do pensamento complexo, como podemos reduzir e, ao mesmo tempo, manter

um pensamento totalizante da realidade em estudo? Nosso objetivo nesse artigo é tão

somente propor reflexões filosóficas sobre a possibilidade de simplificar sem deixar de ser

complexo ou ser complexo na redução necessária ao ciclo de modelagem matemática (Figura

1).

Começaremos fazendo uma mancha teórica sobre Reducionismo e Complexidade

na visão de René Descartes e Edgard Morin, respectivamente. Passaremos então a refletir

sobre a aparente contradição desses dois aspectos (Reducionismo e Complexidade) bastante

presentes na modelagem de situações-problema. Finalizaremos com discussões didáticas

relativas ao ensino e aprendizagem de ciências.

O PENSAMENTO DEDUTIVO DE RENÉ DESCARTES VERSUS PENSAMENTO

COMPLEXO DE EDGARD MORIN

René Descartes, filósofo francês do século XVI, foi um dos principais expoentes da

ciência desse século e suas ideias ainda hoje ecoam no fazer científico moderno. O método

proposto por Descartes para conduzir a razão e buscar a verdade nas ciências consiste em

decompor o composto em partes mais simples, estudá-las e recompô-las sem desvios que

prejudiquem a verdade almejada (NEVES, 2007). Para isso, ele seguiu alguns procedimentos

que, em suas próprias palavras:

O primeiro era não aceitar jamais alguma coisa como verdadeira que eu não

conhecesse evidentemente como tal: isto é, evitar cuidadosamente a

precipitação e a prevenção, e nada incluir em meus julgamentos senão o que

se apresentasse de maneira tão clara e distinta a meu espírito que eu não tivesse nenhuma ocasião de colocá-lo em dúvida.

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O segundo, dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas

parcelas possíveis e que fossem necessárias para melhor resolvê-las.

O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos

mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir aos poucos, como por

degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma

ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.

E o último, fazer em toda parte enumerações tão completas, e revisões tão

gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir.” (Neves, 2007, p. 54).

Os procedimentos descritos acima podem ser “observados” no decorrer do ciclo de

modelagem da figura 1. Neste, a realidade é necessariamente decomposta em porções

menores para que possamos analisar o problema em contexto e formular um problema

matemático. Dentro de cada porção é feita uma avaliação de como as variáveis relacionam-

se entre si e com o fato observado a fim de propormos resultados matemáticos. Durante a

modelagem do fenômeno é preciso despojar-se de nossos ídolos (BACON, 1620) para que

os dados observados sejam próximos àquilo que entendemos por realidade. Entretanto, é

necessário que o modelador faça uma análise global da situação, remontando as porções

menores para que seja garantida a síntese dessas partes durante a análise dos resultados

dentro problema em contexto.

Destarte, o método proposto por Descartes pode ser entendido como um

procedimento dedutivo, quer dizer, um processo que procura reduzir o que é complexo (no

sentido de composto) em partes menores, para que estas possam ser estudadas

detalhadamente, especificamente. Esse processo segue uma direção que vai do geral para o

simples, ou seja, segue o paradigma da especialização. Para Descartes é possível separar o

sujeito do objeto pesquisado. Porém, o próprio filósofo alerta para o fato de se fazer “revisões

gerais” para ter certeza que a (re)união das partes mais simples corresponderá novamente ao

objeto composto. Percebe-se que esse processo se assemelha a um pensamento sistêmico.

Para Edgar Morin (2007) é preciso manter ligações entre as partes e o todo. A

análise de partes isoladas de um fenômeno é basilar para aprofundarmos nosso conhecimento

a respeito de uma situação geral (composta de partes menores), mas é imperiosa a

necessidade de observar vínculos entre as partes e o todo. Morin propõe a valorização, de

forma equilibrada, dos vários elementos que fazem parte de um conjunto, destacando haver

vínculos entre as singularidades, quer dizer, para este autor não se pode separar o sujeito e o

objeto do conhecimento.

Neste ponto da discussão sobre a relação sujeito-objeto pensamos salutar deixar

nosso ponto de vista explicitado, mesmo não sendo esse o foco do embate aqui travado.

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Concordamos com Bunge (2013a, 2013b) quando este argumenta que a realidade (objeto)

existe independente do sujeito (homem), contudo o homem não pode apreender a realidade

em toda sua complexidade, por isso ele faz modelos aproximativos desta. E nesse ato de

modelar a realidade complexa e objetiva o homem, que é um ser naturalmente subjetivo,

acaba modelando a sua realidade, que passa a ser subjetiva. Mas o fato da realidade ser

subjetiva para o homem não significa que ela dependa deste para existir. Acreditamos que é

preciso romper com certas crenças surgidas com o advento da mecânica quântica,

principalmente no que diz respeito à relação sujeito-objeto. Talvez com a reformulação da

mecânica quântica apregoada por M. Bunge possamos avançar nessa questão.

E. Morin propõe três princípios para a aprendizagem pela religação. O primeiro é o

circuito recursivo ou autoprodutivo. “Este circuito implica num processo no qual efeitos e

produtos são necessários à sua produção e à sua própria causação" (p. 66). A ideia cardinal

deste princípio é considerar a causalidade como uma espiral e não de forma linear. Outro

princípio é o da dialógica. “É preciso, em certos casos, juntar princípios, ideias e noções que

parecem opor-se uns aos outros” (p. 66). O princípio dialógico é necessário para colocar

frente a frente realidades profundas que unem verdades aparentemente contraditórias. Por

fim, o terceiro princípio da aprendizagem pela religação proposto por E. Morin é o

hologramático.

Denominei hologramático o terceiro princípio, em referência ao ponto do holograma que contém a quase totalidade da informação da figura

representada. Não apenas a parte está no todo mas o todo está na parte. Do

mesmo modo a totalidade do nosso patrimônio genético está contida no

interior de cada célula do corpo. A sociedade, entendida como um todo, também se encontra presente em nosso próprio interior, porque somos

portadores de sua linguagem e de sua cultura. (MORIN, 2007, p. 66).

A nosso entender, esse princípio representa o coração do pensamento complexo.

Feita essa pintura suave sobre as ideias de René Descartes e Edgard Morin, passaremos a

fazer algumas reflexões filosóficas, sobre nossa questão de investigação.

REDUZIR NA COMPLEXIDADE OU SER COMPLEXO NA REDUÇÃO?

René Descartes foi o filósofo que trouxe a ideia de compartimentar um objeto de

estudo para melhor conhecer suas propriedades. O chamado método reducionista cartesiano

fundamentou boa parte do desenvolvimento da Ciência Moderna e impulsionou descobertas

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e criações científicas. No entanto, com o passar dos anos, a humanidade alcançou um nível

globalizado de desenvolvimento científico tal que o pensamento reducionista puro já não é

capaz de responder aos anseios de um mundo em rede. Surge então a necessidade de

compreender o local sem perder de vista o total, ou compreender o total sem perder de vista

o local. Tais ideias encontram substância no pensamento complexo de Edgard Morin.

Já comentamos sobre a necessidade de simplificar aquilo que consideramos real

tendo por objetivo sua modelagem matemática. Argumentamos também que não podemos

simplesmente fazer recortes sem perder de vista o todo recortado. Argumentamos ainda que

a modelagem pode ser comparada ao método dedutivo cartesiano ao analisar uma realidade

e relacionar as variáveis envolvidas para a produção de um modelo.

Rodney Bassanezi (2004), um dos precursores da modelagem matemática enquanto

ambiente de ensino e aprendizagem, faz algumas reflexões interessantes com relação a

questão de reduzir sem deixar o complexo. Para ele, a modelagem consiste “na arte de

transformar problemas da realidade em problemas matemáticos e resolvê-los interpretando

suas soluções na linguagem do mundo real” (p. 16). O autor alerta para o problema de

considerar, durante a modelagem, partes isoladas de um sistema complexo prescindindo das

inter-relações das subunidades.

Quando modelamos um sistema complexo, considerando partes isoladas desse sistema e ignorando as inter-relações dos submodelos, podemos obter

um conjunto de modelos válidos do ponto de vista microscópico (para cada

porção isolada) mas que, globalmente, pode não representar o sistema complexo (p. 23).

Nessa visão, o imperativo da simplificação não pressupõe exclusão do imperativo

hologramático quando se deseja modelar certa realidade. Porém, é muito comum,

provavelmente por que seja mais fácil, realizar o ciclo de modelagem apresentado na figura

1 sem se importar em manter os laços entre as partes do problema em contexto. Nesse caso,

o resultado matemático produzido (modelo matemático) a partir da investigação da porção

isolada da situação será um modelo hermético, isto é, sem elos ou laços com outros modelos.

Bassanezi (2004) refere-se ao ambiente de modelagem como sendo capaz de

promover o pensamento complexo ou hologramático afirmando que,

“(...) é também nessa capacidade de estabelecer relações entre os campos da matemática e os outros, evitando reproduzir modos de pensar estanques

fracionados, que, a nosso ver, está o futuro da formação de novos quadros

de professores e pesquisadores, prontos a enfrentar o desafio de pensar a unidade na multiplicidade” (p. 15) (Grifos do autor).

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Assim, durante (e não após) a “decomposição” do problema em contexto em partes

menores, o modelador deveria estar atento para fazer as inter-relações necessárias entre os

submodelos, a fim de que se possa encontrar um modelo que procure representar, mesmo

que aproximadamente, o recorte da realidade analisada.

Entendemos que não basta somente observar um aspecto particular de uma situação

real para se proceder a sua modelagem. É importante perceber os vínculos existentes entre a

situação particular e a situação mais geral e, a partir daí, proceder à modelagem tendo-se em

vista esses elos. Nesse sentido, o modelador precisa ter uma “visão” que “fortaleça” ligações

entre a parte e o todo, ele deve “ver” o fenômeno a ser modelado sob a ótica da (re)ligação,

da transdisciplinaridade; ou seja, não somente como parte ou somente como todo, mas como

“parte-no-todo” ou “todo-na-parte”.

Portanto, ao se proceder à análise das partes menores da situação real, ao se fazer

relações entre as variáveis envolvidas em busca do modelo matemático, é importante

considerar as partes como complementares de um sistema integrado. Reducionismo e

Complexidade podem ser, em uma única palavra, complementares no âmbito da modelagem

matemática. Nessa visão, fragmentar não significa deixar de ser complexo, assim como

sistematizar não significa deixar de fragmentar. É com essa visão complementar que

propomos sejam orientadas didaticamente as atividades de modelagem no ensino de

Ciências.

FINALIZANDO, MAS NÃO ACABANDO

A essa altura do texto acreditamos já ter respondido nossa questão de investigação,

a relembrar: sendo os recortes imperativos à modelagem de qualquer situação real e sendo a

modelagem do real um procedimento que exige um pensamento complexo, como podemos

fragmentar e, ao mesmo tempo, manter um pensamento totalizante da realidade em estudo?

Vimos que Reducionismo e Complexidade podem ser procedimentos

complementares durante a modelagem de situações reais. Nesse olhar não se trata de dizer

que reduzir significa ser simplista ou que um olhar complexo significa perceber o todo em

sua unicidade. O que estamos defendendo é que, pelo menos em modelagem matemática, a

fragmentação é necessária, bem como a sistematização.

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Acreditamos ter alcançado, ao menos em parte, nosso objetivo principal que foi

propor reflexões filosóficas sobre a possibilidade de fragmentar sem deixar de ser complexo

ou ser complexo sem fragmentar durante a modelagem em ciências. Porém, algumas

questões ainda ficaram pendentes de reflexões para um próximo artigo: Considerando a

fragmentação e a complexidade atos complementares e necessários durante o ciclo de

modelagem, qual a influência desse pensamento complementar na prática efetiva de sala de

aula? Como os alunos reagiriam a uma filosofia desse tipo? E o professor, como ele se

comportaria? Qual a influência sobre os conteúdos estudados?

REFERÊNCIAS

BACON, F. Novo organum. Disponível em:

<http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/norganum.html.> Acesso em 14 de agosto de 2015.

BERNARDO, F. L.; MANNRICH, J. P.; BATISTA, A. A modelização em um projeto

temático de física à luz de Mario Bunge. In: IX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISAS

EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, Atas..., Águas de Lindóia, São-Paulo, 10 a 14 nov. 2013.

BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova

estratégia. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2004.

BUNGE, M. Física e filosofia. Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2013a.

____. Teoria e realidade. Tradução: Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2013b.

MORIN, E. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 4 ed. São Paulo:

Cortez, 2007.

NEVES, P. Descartes: O Discurso do Método. Porto Alegre: L & PM, 2007.

Agradecimento: Agradeço aos professores doutores Silvia Nogueira Chaves, Carlos Aldemir

Farias da Silva e Iran Abreu Mendes pelas reflexões por ocasião da disciplina Bases

Epistemológicas da Ciência no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e

Matemática-Doutorado, da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática,

resultando no presente artigo.