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Nas Entranhas da Terra Era apenas mais uma manhã estival, daquelas em que nos apetece ficar na cama, ou partir para longas caminhadas matinais, só que, os transportes públicos não aguardam pelos preguiçosos… Saí de casa já o sol doirava os céus, pelo caminho olhei ainda as videiras cultivadas nos campos, salpicados de vermelho, castanho, amarelo e laranja… seria a última vez que os veria… Despedi-me de tudo e parti rumo à civilização do grande rio, o Egipto. Cheguei havia na rua uma grande guerra de aromas e vozes… parti então para aquele que, afinal foi o grande motivo da minha viagem: o Vale dos Reis… Pareceu – me estar nos confins do mundo…nas proximidades do vale da morte. Fiquei sem palavras, nunca no meu quotidiano passara por tal experiência, apesar de tantas viagens que fizera: Madrid, Viena, Irlanda, Grécia, Roma… Mais parecia o Sétimo Círculo do Inferno, faltava pois a esta sensação um termo de comparação. Era… diferente. O deserto abria a bocarra e em vez de me acariciar com um bafo morno, sugava-me. Ali, o calor era de morrer assado. Para lá do areal, erguiam-se as rochas onde o sol, tinha gravado os seus raios como que para garantir que nem de noite refrescaria. Ao entrar nos túmulos só havia escuridão e degraus, degraus e escuridão… degraus…degraus e ainda mais degraus, até que… - Desculpem, eu não quero ser alarmista, mas se vocês repararem bem, temos vindo sempre a descer. Por este andar chegamos ao centro da terra… Ninguém me disse nada, concentraram se antes nos degraus e verificaram que o túnel era a descer. Até onde? *** Estava Maria Madalena prestes a contar o que se havia passado quando de súbito morreu. Tudo o que se passou ficou nos mais profundos segredos de todos os que morreram e de Maria Madalena, a única sobrevivente. Depois disso, nunca mais ninguém passou ou voltara a passar pelos que eles passaram. Tudo o que por ai se diz são boatos e os únicos que sabem a verdade jazem hoje no Vale dos Reis. Ana Nunes

Nas entranhas da terra

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Page 1: Nas entranhas da terra

Nas Entranhas da Terra

Era apenas mais uma manhã estival, daquelas em que nos apetece ficar na

cama, ou partir para longas caminhadas matinais, só que, os transportes públicos não

aguardam pelos preguiçosos…

Saí de casa já o sol doirava os céus, pelo caminho olhei ainda as videiras

cultivadas nos campos, salpicados de vermelho, castanho, amarelo e laranja… seria a

última vez que os veria… Despedi-me de tudo e parti rumo à civilização do grande rio,

o Egipto.

Cheguei havia na rua uma grande guerra de aromas e vozes… parti então para

aquele que, afinal foi o grande motivo da minha viagem: o Vale dos Reis… Pareceu –

me estar nos confins do mundo…nas proximidades do vale da morte. Fiquei sem

palavras, nunca no meu quotidiano passara por tal experiência, apesar de tantas

viagens que fizera: Madrid, Viena, Irlanda, Grécia, Roma…

Mais parecia o Sétimo Círculo do Inferno, faltava pois a esta sensação um

termo de comparação. Era… diferente. O deserto abria a bocarra e em vez de me

acariciar com um bafo morno, sugava-me. Ali, o calor era de morrer assado. Para lá do

areal, erguiam-se as rochas onde o sol, tinha gravado os seus raios como que para

garantir que nem de noite refrescaria.

Ao entrar nos túmulos só havia escuridão e degraus, degraus e escuridão…

degraus…degraus e ainda mais degraus, até que…

- Desculpem, eu não quero ser alarmista, mas se vocês repararem bem, temos

vindo sempre a descer. Por este andar chegamos ao centro da terra…

Ninguém me disse nada, concentraram – se antes nos degraus e verificaram

que o túnel era a descer. Até onde?

***

Estava Maria Madalena prestes a contar o que se havia passado quando de

súbito morreu. Tudo o que se passou ficou nos mais profundos segredos de todos os

que morreram e de Maria Madalena, a única sobrevivente. Depois disso, nunca mais

ninguém passou ou voltara a passar pelos que eles passaram. Tudo o que por ai se diz

são boatos e os únicos que sabem a verdade jazem hoje no Vale dos Reis.

Ana Nunes