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O monte da sª da confiança

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O património religioso da vila de Pedrógão Grande é de notável notoriedade, mas a Capela de Nossa Senhora da Confiança assume particular relevância pelo facto de associar a riqueza ambiental ao contexto histórico em que se acha inserida.

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O Monte da Sª da Confiança[1]

Situado num outeiro escarpado, nas proximidades de Pedrógão Pequeno, a

mais de 460 m de altitude, sobranceiro ao Rio Zêzere (imediatamente por cima

do dique da Barragem do Cabril), o Monte da Sª da Confiança apresenta-se

como um miradouro de excelência, proporcionando a quem o visita uma das

mais deslumbrantes paisagens do país, só comparável ao que é desfrutável

nas distantes serranias da Peneda-Gerez.

Foi buscar o seu nome à santa que se venera em antigo templo aí erguido no

Séc. XVII e, já em princípios do séc. XX, reconstruído pelas famílias ricas da

terra que, indo ao encontro das aspirações populares, o souberam ampliar e

melhorar ao gosto da época. Neste particular, destaca-se a Família Conceição

e Silva, nomeadamente Francisco Conceição e Silva, que em 1902 - em

colaboração com o seu irmão João - mandou construir a estrada que liga a vila

à Senhora da Confiança.

Escavações realizadas no perímetro do Monte da Sª da Confiança, e que

puseram a descoberto “um enorme castro das Idades do Bronze Final e do

Ferro”, indiciam ainda a sua “possível romanização” e ocupação no período do

Calcolítico[2].

Segundo o arqueólogo envolvido, o referido castro “tem muralha a rodeá-lo e

notam-se algumas estruturas habitacionais (muros retilíneos). Para nascente

dá para um fértil vale e do (lado) poente para o Rio Zêzere, num profundo

desfiladeiro, dominando uma paisagem muito antiga. Está assente sobre uma

bolsa de granitos que abrange as vilas de Pedrógão Pequeno e (na margem

oposta do Zêzere) Pedrógão Grande, com alguns vales de extrema

fertilidade”[3].

Admite-se ainda que o Monte da Sª da Confiança, pela sua configuração

altaneira e dominante, tenha sido outrora local de culto dos primitivos povos

que aí habitaram, presumíveis adoradores da deusa romana Nábia.

Tal hipótese assenta na descoberta de um altar gentílico onde se lhe

dedicavam sacrifícios[4], com inscrição do Séc. I d.C., inserido na parede de

uma casa do lugar do Roqueiro (o “qual não dista mais de 3 Km” do castro de

Nª Sª da Confiança) pelo que se admite que outrora essa “ara” votiva tivesse

sido levada daqui.

Pelos vistos, não se perdeu ao longo dos séculos essa invocação divina. Só as

divindades mudaram. No presente, o Monte da Sª da Confiança é palco de

uma das mais afamadas romarias do interior serrano, nos confins da Beira

Baixa. Os festejos, que têm lugar entre os dias 7 e 9 de Setembro, atraem os

mais fervorosos devotos dos concelhos vizinhos.

Ao Monte da Sª da Confiança há também quem lhe chame “o Calvário” por aí,

aquando da Páscoa e Semana Santa, terminarem as cerimónias da vida,

paixão e crucificação de Jesus Cristo, seguindo os vários “Passos” que ligam a

vila à capela da Sª da Confiança, onde a imagem finalmente recolhe.

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Na margem oposta, quase defronte, no alto de um outro outeiro escarpado

sobre o Rio Zêzere, “em território que pertence já à freguesia e concelho de

Pedrógão Grande e ao distrito de Leiria, encontra-se a capela da Senhora dos

Milagres”[5], cujos festejos antecedem os da Sª da Confiança em cerca de uma

semana.

A importância destes festejos, em princípios do Séc. XX, animando ambas as

margens do Zêzere, ainda hoje pode ser avaliada através de expressivos

bosquejos e admiráveis desenhos de Alfredo Keil, publicados em 1907 em

conjunto com os seus poemas de “Tojos e Rosmaninhos”.

Recordando as festas e romarias das Beiras, recorda-nos o poeta que: “Saem do templo as

moças tão bonitas / Com seu claro trajar todo vistoso / E à cabeça, com garbo donairoso /

Fogaças de tentar, com largas fitas!” Desenho de Alfredo Keil, in “Tojos e Rosmaninhos”

(1906/07)

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A Capela da Sª da Confiança[6]

A ermida de Nª Sª da Confiança situa-se nos arredores de Pedrógão Pequeno,

a pouco mais de mil metros a noroeste, sobre esse aprazível Monte (a que foi

dado o nome da santa), no ponto mais alto e sobranceiro à vila, de onde se

avista, azul e serena, a albufeira da Barragem do Cabril e, lá longe, os cumes

das Serras de Alvaiázere, Lousã, Açor e Estrela.

Eminente ao Zêzere, cercada de frondoso arvoredo silvestre, que torna o sítio

fresco e delicioso no Verão, daqui se descobrem ou adivinham muitas vilas,

como as de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Arega, Castanheira de

Pera, Álvaro (no vizinho concelho de Oleiros) e Alvares (no de Góis).

Aponta-se como fundador da capela um clérigo desta vila, chamado João da

Costa; mas não se sabe quando a mandou erguer. Apenas se sabe que o atual

templo foi edificado sobre um outro mais antigo, provavelmente do Séc. XVIII,

anterior a 1758. Enquanto este teria as ‘portas viradas ao Zêzere’, o atual tem a

fachada principal orientada no sentido norte-sul.

Ao certo apenas se sabe o que consta da sua frontaria, em que uma inscrição

estabelece que a“Capela de Nossa Senhora da Confiança (foi) mandada erigir

no Ano de 1902 pela Família Conceição e Silva”, sendo a sua padroeira alvo de

uma grande devoção popular que atrai gentes de muito longe.

A capela dispõe de

três altares, tidos

como “de um grande

valor pela sua talha

muito antiga”, onde

exibe um Cristo

Crucificado e a

imagem em madeira

da santa padroeira –

mui bem paramentada

sobre uma estrutura

em formato de “roca”.

“Os altares e a teia[7]

pertenciam ao antigo Convento de Santo António da Sertã, da Ordem dos

Franciscanos, e foram adquiridos há anos pela Comissão dos Festejos, de que

faziam parte – entre outros – o Dr. Ângelo Henriques Vidigal e o Padre António

Fernandes Silva Martins”.

“Os quadros existentes no interior, do lado direito, são de Emília de Matos e

Silva (1902) e o seu restauro de Alda de Matos e Silva Gonçalves Marinha

(1963); e os do lado esquerdo de Maria Dulce Conceição e Silva e Alda de

Matos e Silva Gonçalves Marinha”[8].

Ermida de Nª Sª da Confiança, erguida no perímetro de antigo castro e possível lugar de culto à deusa romana Nábia. Foto de Aires B. Henriques, 2006.

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Nesta ermida há uma cruz de relíquias, entre elas uma do Santo Lenho, que se

expõe à veneração dos fiéis nos dias 3 de Maio (Santa Cruz), 8 de Setembro e

na oitava da Páscoa[9].

A festa da Sª da Confiança realiza-se a 8 de Setembro, dia da sua natividade, e

é das maiores romarias destes sítios, com grande afluência de peregrinos, que

a ela se deslocam tanto por motivos religiosos como por causa dos

folguedos[10].

Em tempos recuados, e como

era vulgar em outros eventos

do mesmo tipo, há notícia de

que estas festas terminavam

quase sempre por grandes

desordens[11]. O mesmo não

sucede nos pacíficos dias de

hoje, revelando-se os seus

festejos como dos mais

atrativos da região, atendendo

à deslumbrante vista que daí

se pode observar e às

agradáveis condições

localmente instaladas em apoio

do convívio ao ar livre, do

repasto e lazer entre família e

gente amiga.

A esta capela tem

tradicionalmente correspondido

a função de Calvário, aí

terminando a procissão dos

Passos, na altura da

Quaresma. Por isso, muitos

também a denominam por

Capela do Calvário.Em época

mais recente foi construído um

conjunto de “passos” em

alvenaria – decorados com

azulejos alusivos ao martírio de Jesus Cristo até à sua morte na cruz – que se

estendem por toda a encosta, desde a vila até ao Monte da Sª da Confiança.

Nª Sª da Confiança, santa de roca, emoldurada ao bom gosto

dos velhos tempos… Estampa de finais do Séc. XIX. Col. Aires

B. Henriques

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Lenda da fundação da Capela de Nª Sª da Confiança

Conta-se – segundo folheto distribuído localmente aquando dos festejos em

sua honra - que “na época dos Templários, cujo pousio em Pedrógão Pequeno

era a antiga Igreja de Nª Sª das Águas-Feras[12] (pertença de antigo convento

hoje desaparecido), havia sido acusado um nobre fidalgo por um delito que não

cometera”.

“Uma vez preso”, e ao ser “conduzido para o Convento de Cristo, em Tomar,

também dos Templários, onde injustamente ia ser condenado à morte pelas

leis inflexíveis dos homens daquela época”, passou a comitiva por Pedrógão

Pequeno, para aí descansarem, “tendo o preso sido encerrado na cadeia da

Vila”.

“Na sua cela, e entenebrecido pelo desalento, a alma do pobre fidalgo debatia-

se com a mais atroz dor. Em tal acabrunhamento, rezou à Virgem e, nas suas

orações, encontrou alívio”.

“Foi assim que, na escuridão da sua masmorra, e entreabrindo os olhos

cansados, viu, através de uma fresta, um (esplêndido) monte de enormes

pedregulhos de granito, todo revestido – em plena Primavera - da mais

exuberante vegetação”.

“Deste modo renasceu no seu íntimo a ideia de liberdade que tão

barbaramente lhe subtraíram e, num transe de desespero, (em que) elevou a

sua alma ao céu cheio de ardorosa fé, entregou-se em profunda oração à

Virgem, em quem depositou toda a sua confiança”.

“No auge da sua prece, quando a sua fé vibrava com (maior) sinceridade,

visionou - resplandecente, como que espargindo uma suavizadora (brisa) - a

Virgem Santa, (que) surgia do alto monte, aproximando-se tão brandamente,

que refletiu no pobre condenado um bálsamo consolador”.

“Era o prenúncio da sua liberdade”, porque mais tarde lhe veio a ser

“reconhecida a sua inocência. Liberto e feliz, não esqueceu porém a Virgem,

que tanta confiança lhe incutira nos terríveis transes por que havia passado.

Como sinal do maior reconhecimento, (o fidalgo) mandou construir no alto do

monte da aparição da Virgem (no lugar onde hoje se encontra a atual capela)

um pequeno templo, promovendo celebrações religiosas em ação de graças e

atestando aos vindouros o (seu) poder divino”.

Segundo o que reza esse mesmo folheto, “a muitos tem valido” a “milagrosa”

santa, em quem as gentes cristãs da região “votam a mais sincera fé”. E, por

isso também, todos os anos, a 7, 8 e 9 de Setembro, continuam a afluir a

Pedrógão Pequeno, ao alto do Monte de Nª Sª da Confiança, “grande número

de romeiros” que “vêm depor aos pés da Santa as suas promessas, os

agradecimentos pelos milagres” que lhe atribuem.

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“É um espetáculo impressionante ver como as gentes da serra acodem de

longes terras, trazendo nos seus cantares os versos mais adequados em

louvor da santa”.

Senhora da Confiança,

Que tendes na mão que luz?

Um raminho de perpétuas

Para o Menino Jesus

Senhora da Confiança,

Seu caminho pedras tem,

Se não fossem os seus milagres

Não iria lá ninguém

Senhora da Confiança,

É a mãe de quem não a tem,

Eu estou muito satisfeita

Dela ser minha mãe

É ainda “deveras enternecedor o espetáculo espiritual verificado no momento

em que a santa, após a solene procissão, se recolhe à sua capela e se

despede dos crentes”, que lhe acenam sentidamente com centenas de lenços

brancos.

Capelas da Sª da Confiança (1902) e de Santa Maria Madalena, segundo bilhete postal

antigo, de princípios do séc. XX; edição de Santos & Martins, cliché de Custódio Paiva.

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[1] Texto da autoria de Aires B. Henriques [2] “Carta Arqueológica do Concelho da Sertã”, de Carlos Batata, ed. CM Sertã, 1998, a págs. 22 a 25. [3] Idem, Carlos Batata, a págs. 23 (Castro de Nª Sª da Confiança). [4] Idem, de Carlos Batata, a págs. 37 (Inscrição Romana do Roqueiro). Vide também “Os povoados pré-históricos de Nª Sª dos Milagres / Castelo Velho e Penedo do Granada”, de José Costa Santos, ed. CM Pedrógão Grande, 1997. [5] Vide “Romarias I – Um Inventário dos Santuários de Portugal”, por João Vasconcelos e outros, Ed. Olhapim, Lisboa, Maio 1996, a págs. 162 (Sª da Confiança) e 238/239 (Sª dos Milagres). [6] Texto da autoria de A. B. Henriques. [7] Gradeamento; divisória na igreja (ou tribunal) para separação dos assistentes ou espectadores. [8] Vide “Plano de Aldeia de Pedrógão Pequeno”, ed. GAT-Gabinete de Apoio Técnico aos Municípios de Oleiros, Proença-a-Nova, Sertã e Vila de Rei, sob Coordenação do Arqtº João Pedro Leal Barroso Hipólito, Junho de 2002, a págs. 22. [9] Primeira segunda-feira imediatamente subsequente ao Domingo de Páscoa. ([10]) – Pe. António Lourenço Farinha, em “A Sertã e o seu Concelho”, ed. CM Sertã, 1998, a págs. 141. ([11]) – Augusto Pinho Leal, “Portugal Antigo e Moderno”, ed. Cota d´Armas, 1990, 12º vol., a págs. 540. [12] - Vide “Plano de Aldeia de Pedrógão Pequeno”, ed. GAT sob Coordenação do Arqtº João Pedro Leal Barroso Hipólito, Junho de 2002, a págs. 30; “A Sertã e o seu concelho”, pelo Pe. António Lourenço Farinha, ed. CM Sertã, 1998, a págs. 138.