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OS PAIS E A ESCOLA PARA TODOS (FORMOSINHO)
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OS PAIS E A ESCOLA PARA TODOSOS PAIS E A ESCOLA PARA TODOS
João Formosinho
A crise da educaA crise da educaçção como crise social ão como crise social importadaimportada
A importância da educação escolar é um fenómeno típico do nosso século e a
crise
da
educação
é um
tema
recorrente
desde
a
II
Guerra
Mundial.
A
educação
escolar
parece
sofrer
de
uma
crise
endémica
e
a
formação
dos
professores
tem
sido sempre discutida contra este pano de fundo de crise.
A
crise
não
representa
um
conflito
interno
do
sistema
escolar,
mas
resulta
sobretudo da importação pela escola dos problemas sociais. Dito de outro modo
— trata‐se de uma crise social importada.
O
instrumento
de
transformação
da
crise
social
em
crise
escolar
tem
sido
o
progressivo aumento da escolaridade obrigatória.
A crise da educaA crise da educaçção como crise social ão como crise social importada importada
A escola de massas importou assim os problemas sociais do trabalho infantil,
da
delinquência
juvenil,
da
violência
marginal,
do
consumo
da
droga,
para
além
dos conflitos entre grupos sociais — conflitos de classe, conflitos raciais e étnicos,
conflitos religiosos, conflitos linguísticos.
Mas
esses
problemas
e
conflitos
já
existiam
na
sociedade
— a
educação
escolar
obrigatória
apenas
contribui
para
os
tornar
mais
visíveis
ou
para
os
potenciar.
A crise da educaA crise da educaçção como crise social ão como crise social importada importada
Mas
a
escola
de
massas
não
serve
só
de
instrumento
importador
para
a
educação
escolar
dos
problemas
sociais;
ela
serve
de
seu
meio
difusor
e
potenciador
privilegiado,
dada
a
concentração
de
pessoas
em
formação,
em
espaços claramente visíveis.
Assim,
os
problemas
de
violência
e
delinquência
transformam‐se
em
problemas
de
segurança
na
escola,
os
do
consumo
de
droga
no
problema
da
prevenção
escolar
da
toxicodependência,
os
conflitos
étnicos
suscitam
a
problemática
da
educação
multicultural,
os
conflitos
linguísticos
suscitam
a
problemática da educação bilíngue.
A crise da educaA crise da educaçção como crise social ão como crise social importada importada
A
escola
de
massas,
pelo
seu
carácter
obrigatório,
também
cria
problemas
próprios da imposição a todos os adolescentes de uma vida social específica — tal
concentração
facilita
o
consumo
da
droga,
a
transmissão
da
SIDA,
a
gravidez
precoce das adolescentes, o consumismo juvenil, etc.
A escola para todos como agente das utopias A escola para todos como agente das utopias sociais da modernidadesociais da modernidade
A escola de massas foi a agência social escolhida para instrumento de muitas
utopias sociais modernas.
A
escola
seria
a
instância
de
expressão
da
liberdade
do
ser
humano
de
realizar o seu potencial, desenvolvendo‐se ao limite das suas capacidades, seria o
agente
de
promoção
da
igualdade
social,
através
da
discriminação
positiva
dos
grupos
sociais
e
raciais
desfavorecidos,
seria
o
agente
fomentador
da
solidariedade
entre
os
homens
de
todos
os
credos,
raças
e
religiões,
unidos
na
crença
salvífica
da
educação,
seria
o
agente
da
construção
ou
solidificação
da
unidade
nacional,
ultrapassando
particularismos
regionais,
sociais,
linguísticos,
étnicos ou religiosos.
A escola para todos como agente das utopias A escola para todos como agente das utopias sociais da modernidadesociais da modernidade
A
escola
de
massas
seria
assim,
no
mundo
ocidental,
o
instrumento
decisivo
da realização dos ideais das revoluções constitutivas da Idade Contemporânea —
liberdade, igualdade e solidariedade num quadro não imperial de estados‐nações.
O
confronto
das
expectativas
sociais
postas
na
escola
de
massas
com
a
realidade
da
situação
mundial
presente
constitui
componente
importante
da
chamada crise da educação.
A escola para todos e a A escola para todos e a massificamassificaççãoão
de de alunos e professoresalunos e professores
A
escolaridade
obrigatória
criou,
como
dissemos,
uma
nova
realidade
organizacional — a escola de massas.
A
massificação
a
que
nos
referimos
tem
uma
dupla
dimensão
— a
massificação
da
população
escolar
(massificação
discente)
e
a
massificação
da
população dos professores (massificação
docente).
A massificação
discente é, evidentemente, o cerne da diferença entre a escola
de
massas,
por
um
lado,
e
a
escola
de
elites
(liceu)
ou
de
trabalhadores
qualificados (escola técnica), por outro. O que a caracteriza a escola de massas é a
heterogeneidade
geográfica
(origem
rural
ou
urbana),
social
e
étnica
da
sua
frequência.
A escola para todos e a A escola para todos e a massificamassificaççãoão
de de alunos e professoresalunos e professores
Esta heterogeneidade arrasta consigo várias consequências.
Em
primeiro
lugar,
arrasta
consigo
uma
heterogeneidade
académica,
aumentando
a
amplitude
de
capacidades,
conhecimentos
e
aproveitamento
escolar em cada turma.
Em segundo lugar, traz para a escola, através
das
várias
educações
informais
familiares,
valores
e
normas
muito
diferentes,
alguns
dos
quais
podem
ser
antagónicos
às
que
a
escola
veicula.
É aqui
de
referir
a
influência
que
as
diferentes
valorizações
pelas
famílias
da
educação
escolar
dos
filhos
têm
no
sucesso destes.
Em
terceiro
lugar,
tal
heterogeneidade
faz
surgir
na
escola
um
conjunto
de
crianças
e
adolescentes
que,
não
valorizando
a
escola,
resistem
à sua
cultura
de
forma mais violenta ou menos violenta.
A escola para todos e a A escola para todos e a massificamassificaççãoão
de de alunos e professoresalunos e professores
A
heterogeneidade
docente
resulta
principalmente
do
alargamento
do
recrutamento
dos
professores
e
da
consequente
entrada
massiva
de
docentes
novos, muitos dos quais não qualificados, no sistema escolar.
Criaram‐se
categorizações
legais
sofisticadas
para
essa
estratégia
de
recrutamento alargado.
Este
alargamento
do
recrutamento
dos
professores
implicou
uma
facilitação
do
acesso
à
profissão
nas
décadas
de
1970,
e
1980,
traduzida
na
diminuição
das
exigências da formação.
Em conclusão, a
massificação
docente
foi
uma
consequência
da
massificação
discente).
Iremos
analisar
em
pormenor
as
consequências
que
aquela
massificação
teve na condição docente e na formação dos professores.
A A massificamassificaççãoão
dos professores dos professores —— consequênciasconsequências
A
resposta
conjuntural
ao
aumento
vertiginoso
da
população
estudantil
foi
um aumento igualmente vertiginoso da população dos professores.
Situando‐nos,
em
Portugal,
podemos
referir
que
entre
1964‐65
e
1984‐85
o
número
de
lugares
docentes
mais
que
triplicou
enquanto
o
número
de
alunos
não chegou a duplicar.
Esta
massificação
dos
professores
teve
repercussões
enormes
nas
suas
condições
de
trabalho,
no
seu
estatuto
e
representação
social,
na
sua
formação,
no seu papel na escola.
Consequências da Consequências da massificamassificaççãoão
nas nas condicondiçções de trabalho dos professoresões de trabalho dos professores
As condições de trabalho nas décadas de 1970, 1980 e 1990 deterioraram‐se
para
todos
os
professores,
resultado
conjuntural
inevitável
da
explosão
escolar.
Em
Portugal,
a
situação
agravou‐se
pela
necessidade
de
superar
rapidamente
a
política de contenção escolar do Estado Novo.
Mas
foram
os
novos
professores
— os
"professores
massificados"
— os
mais
afectados por essa deterioração.
O
novo
professor
da
década
de
1970
e
1980
trabalhou
maioritariamente
ou
em
escolas
urbanas
superlotadas
ou
em
escolas
periféricas
com
instalações
provisórias ou incompletas.
Quer isto dizer que geralmente não
teve
acesso
a
condições
físicas razoáveis
de
trabalho.
Assim
este
professor
novo
não
ganha
o
hábito
de
permanecer
na
escola para além das aulas.
Consequências da Consequências da massificamassificaççãoão
nas nas condicondiçções de trabalho dos professoresões de trabalho dos professores
Este
novo
professor
não
tem
um
espaço
de
pertença
na
escola;
para
usar
a
expressão de desabafo ouvida numa reunião — "não tenho na escola nada a que
possa chamar meu — uma sala, uma secretária, um canto".
Por
outro
lado,
o
professor
novo
muda
de
escola
frequentemente
— ou
compelido
pela
sua
situação
de
professor
provisório
ou
em
busca
de
escolas
geograficamente mais perto do lugar onde vive.
Todos
os
anos
o
Estado
tem
movimentado
milhares
de
professores
de
localidade
para
localidade,
de
escola
para
escola,
quais
meros
peões
de
ensino.
Esta
mobilidade
tem
como
consequência
frequente
o
professor
não
viver
na
localidade onde trabalha.
Consequências da Consequências da massificamassificaççãoão
nas nas condicondiçções de trabalho dos professoresões de trabalho dos professores
Há
aqui duas consequências a destacar — a de uma quase proletarização dos
novos
professores
e
a
da
impessoalização
da
relação
do
professor
com
a
sua(?)
escola, os seus(?) alunos e a (sua??) comunidade local.
Consequências da Consequências da massificamassificaççãoão
na na representarepresentaçção ocupacional dos professoresão ocupacional dos professores
Ao
criar‐se
uma
massa
de
agentes
de
ensino
móveis,
de
emprego
precário,
não
qualificados
profissionalmente,
criaram‐se
as
condições
necessárias
para
o
aparecimento de um forte sindicalismo docente.
Os
sindicatos
de
professores
nasceram,
em
Portugal,
depois
do
advento
do
regime
democrático,
e
em
plena
expansão
da
escola
de
massas,
fortemente
ligados à
defesa dos interesses do quase "proletariado docente".
A
representação
ocupacional
dos
professores
passou
a
assumir
nessas
décadas
predominantemente
o
carácter
laboral,
sendo
pouco
saliente
(embora
presente) a representação de carácter profissional.
Consequências da Consequências da massificamassificaççãoão
no no desempenho docentedesempenho docente
A
massificação
da
população
discente
altera
estruturalmente
o
carácter
das
escolas
secundárias
até
então
existentes.
Contrariamente
aos
liceus
e
às
escolas
técnicas, as escolas de massas são heterogéneas no seu clima social e académico.
Há
crianças
e
adolescentes
com
variadas
educações
informais,
diferenciadas
aptidões,
motivações
e
interesses,
diferentes
necessidades
e
projectos
de
vida.
Isto
torna
muito
difícil
a
continuação
do
modelo
de
ensino
baseado
no
aluno
motivado, ajudado em casa, e na turma academicamente homogénea.
Torna‐se,
pois,
difícil
para
os
professores
ensinarem
como
foram
ensinados,
ou extraírem simplesmente da lógica da disciplina que leccionam a organização e
sequência das suas aulas.
Consequências da Consequências da massificamassificaççãoão
no no desempenho docentedesempenho docente
Por outro lado, o carácter obrigatório da escola de massas obriga o professor
a
defrontar‐se
com
um
problema
— terá de
ensinar
muitos
alunos
que
só
frequentam
a
escola
porque
a
isso
são
obrigados
pela
lei
ou
pela
pressão
da
família. Isto é, encontrará
muitos alunos desmotivados e alienados. Também por
esta razão o
modelo
reprodutivo
de
ensino
ou
o
modelo
disciplinar,
já
referidos,
não funcionam.
IndiferenciaIndiferenciaçção e diferenciaão e diferenciaçção na funão na funçção ão docente docente
A concepção laboral baseia‐se numa indiferenciação do papel do professor na
escola.
Essa
indiferenciação
de
papéis
é acompanhada
de
uma
posição
de
indiferenciação
em
relação
às
qualidades
e
mérito
dos
professores.
Desde
que
todos
cumpram
o
mínimo
laboral
definido,
as
naturais
diferenças
de
empenho,
desempenho
e
capacidade
não
devem
ter
tradução
nem
na
organização
pedagógica
da
escola,
nem
na
remuneração,
nem
na
carreira.
Esta
indiferenciação
casa‐se
bem
com
a
uniformidade
inerente
ao
modelo
centralista
burocrático da administração.
IndiferenciaIndiferenciaçção e diferenciaão e diferenciaçção na funão na funçção ão docente docente
Mas
têm
vindo
a
surgir
factores
de
diferenciação
para
além
das
diferenças
naturais
entre
os
seres
humanos.
Há,
como
vimos,
professores
com
formações
profissionais
diferentes
na
escola
de
massas,
há
concepções
diferentes
do
professor
que
têm
implicado
diferentes
pontos
de
vista
sobre
matérias
tão
importantes
como
o
acesso,
a
formação
contínua,
a
progressão
na
carreira
ou
a
avaliação dos professores.
IndiferenciaIndiferenciaçção e diferenciaão e diferenciaçção na funão na funçção ão docente docente
Mas
têm
surgido
igualmente
diferenças
derivadas
da
diversidade
característica
da
escola
de
massas
—
há
assim
cargos
de
directores
de
turma,
delegados
de
disciplina,
directores
de
departamento
curricular,
directores
de
instalações, animadores culturais, monitores de formação contínua, orientadores
pedagógicos,
supervisores,
formadores
de
formadores,
professores
peritos
em
orientação
escolar,
professores
de
apoio,
professores
de
apoio
a
crianças
com
necessidades educativas especiais, etc.
Esta proliferação representa uma diversificação horizontal da função docente
e
tem
clara
relação
com
a
multiplicidade
e
diversidade
de
papéis
cometidos
à
escola de massas.
IndiferenciaIndiferenciaçção e diferenciaão e diferenciaçção na funão na funçção ão docente docente
Mas
a
complexidade
organizacional,
que
esta
diversificação
horizontal
provoca,
suscita
necessidades
de
coordenação
de
actividades
tão
diversas.
Por
outro
lado,
o
próprio
crescimento
do
número
de
alunos
e
de
turmas
suscitaria,
por
si
só,
maior
necessidade
de
coordenação
pedagógica.
Assim,
surge
um
nível
de gestão pedagógica intermédia na escola de massas com funções sobretudo de
coordenação.
O nível de coordenação, para ser eficaz, situa‐se acima do nível de ensino em
contacto.
Às
atribuições
de
coordenação
correspondem
competências
de
chefia
intermédia. Quer isto dizer que a diversificação horizontal suscita inevitavelmente
uma
diversificação
vertical
na
função
docente.
Tal
inevitabilidade
é fomentada,
ainda, pelo aparecimento do sistema de muitos professores não qualificados que
precisam de ser acompanhados e supervisionados. Surge, assim, a necessidade de
uma hierarquia funcional.