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Os piratas mais perversos da história shelley klein

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Lucio
Sello
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Os Piratas

Mais Perversos

Da História

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SHELLEY KLEIN

Os Piratas

Mais Perversos

Da História

tradução MAGDA LOPES

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Copyright © Michael O’Mara Books Ltd., 2006 Publicado pela primeira vez na Inglaterra por Michael O'Mara Books Ltd. Título original: The Most Evil Pirates in History

Preparação e revisão: Tulio Kawata Diagramação: Nobuca Rachi

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Klein, Shelley Os piratas mais perversos da história / Shelley Klein ; tradução Magda Lopes. — São Paulo : Editora Planeta do Brasil, 2007.

Título original: The most evil pirates in history. ISBN 978-85-7665-277-9

1. Biografias coletivas 2. Piratas - Biografia 3. Piratas assassinos - Biografia I. Título. 07-2226 CDD-364.164092 07-2226 CDD-364.164092

Índices para catálogo sistemático: 1. Sociedades secretas : História 366.09

2007 Todos os direitos desta edição reservados à Editora Planeta do Brasil Ltda. Avenida Francisco Matarazzo, 1500 - 3- andar - conj. 32B Edifício New York 05001-100 - São Paulo-SP [email protected]

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sumário

Capa – Orelha - Contracapa

7 Introdução

15 O Código de conduta dos piratas

21 Grace O’Malley — A mais feminina capitão do mar

39 François L'Ollonais — O flagelo dos espanhóis

53 Henry Morgan — O maior de todos os bucaneiros

73 Capitão Kidd — Pirata ou corsário?

95 John Avery — O rei dos diamantes

111 Edward Teach — Barba Negra

129 Bartholomew Roberts — Black Barty

145 Edward England — O capitão bem-educado

161 Capitão Edward Low — O mal personificado

179 John Rackham — Calico Jack

193 Anne Bonny — Um homem muito peculiar

209 William Lewis — Fato e ficção

219 Jean Lafitte — O terror do golfo

235 Cheng I Sao — Rainha dos mares da China

251 Benito de Soto — O último pirata dos mares do Ocidente

267 Glossário

275 Bibliografia

278 Créditos iconográficos

279 Agradecimentos

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INTRODUÇÃO

Na mente do marinheiro há um horror supersticioso conectado à palavra pirata; e há poucos temas que

interessem e excitem mais a curiosidade dos homens do que as terríveis proezas, os feitos sórdidos e as carreiras

diabólicas desses monstros em forma humana. Charles Ellms,

The Pirates Own Book

Charles Ellms escreveu isso há mais de 150 anos, mas a atração do que ele chamou de "famosos ladrões do mar" não diminuiu nem um pouco. Muitos livros, tanto de ficção quanto de não-ficção, têm sido a eles dedicados, e até hoje inspiram filmes de sucesso. Mas o que tornou esses ladrões do mar personagens tão duradouros? E por que, apesar de serem pouco mais do que ladrões, os piratas — pelo menos em algumas épocas — são considerados heróis tão românticos e fanfarrões?

No entanto, não foi sempre possível distinguir o roubo de outras atividades legítimas. Dos séculos XVII a XIX, as nações comissionavam corsários* em tempos de guerra para saquear os navios

* Um corsário era um navio pirata (ou seu capitão) autorizado pelo governo de um país a atacar e tomar a carga do navio de outra nação. (N. T.)

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inimigos. Muitos capitães aclamados como heróis, se olhados por um ângulo diferente não eram nada além de criminosos. Uma boa ilustração disto é Sir Francis Drake, que tinha a autorização da rainha Elizabeth I para atacar e saquear navios inimigos (isto é, espanhóis). Drake, após vários ataques bem-sucedidos nas Índias Ocidentais, foi aclamado como herói na Inglaterra, mas na Espanha era visto como um pirata que, se capturado, seria sumariamente executado.

Drake morreu de causas naturais; pouco menos de um século depois, o famoso capitão Kidd não teve tanta sorte. Começando sua carreira como corsário contratado por um grupo poderoso que incluía o rei Guilherme III, seis anos depois balançava na extremidade de uma corda, enforcado como pirata — um criminoso comum.

Correndo o risco permanente de captura e execução, por que tantos marinheiros, que poderiam ser empregados em negócios legítimos, optavam pela pirataria?

A principal razão, não surpreendentemente, era o dinheiro. No que se refere ao capitão Kidd, sua contratação como corsário não começou bem. A tripulação só era paga com uma parte da pilhagem; portanto, quando não havia pilhagem, não havia pagamento. Após meses sem ver um navio inimigo, Kidd estava desesperadamente tentando evitar que sua tripulação se amotinasse e então se transformou em pirata e saqueou navios que não deveria atacar. Mas outros marinheiros muitas vezes optavam por se tornar piratas porque o pagamento em um navio de guerra ou mercante era extremamente baixo — sobretudo considerando-se o trabalho árduo e a disciplina férrea que muitos marujos tinham de suportar.

Além disso, muitos deles não estavam a bordo por escolha, e sim obrigados a servir contra a sua vontade — "aquela era a época do recrutamento militar forçado, em que os homens se escondiam nos fossos e nos pântanos para escapar dos grupos de marinheiros de rabicho, liderados por oficiais de laço no chapéu que arrebanhavam todos que encontravam".1 Para piorar, muitos

1 Richard Zacks, The Pirate Hunter, Londres, Review, Headline Book Publishing, 2003.

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Introdução

capitães eram sádicos e adoravam mais do que tudo infligir torturas corporais naqueles que empregavam. Em seu livro Life Among the Pirates [Vida entre os piratas], David Cordingly descreve a cena perfeitamente, listando todos os instrumentos a bordo de um navio que um capitão podia usar nessas torturas: "Havia croques,* vassouras e barras de ferro para espancar os homens. Havia machados, martelos e punhais para provocar terríveis feridas. Havia cordas de todas as grossuras que podiam ser usadas para açoitar, estrangular e esticar corpos e membros". Pouco espanta então que os marinheiros preferissem a pirataria a um trabalho na Marinha Real ou na marinha mercante — afinal, a bordo de um navio pirata, para alguém ser açoitado ou abandonado em uma ilha deserta era necessário o consentimento de toda a tripulação, não apenas do capitão.

Além disso, em um navio pirata, era mais provável que a violência fosse dirigida aos prisioneiros, não à tripulação — e aí, sim, havia violência! A lista é interminável, com histórias de prisioneiros sendo queimados vivos, enforcados ou esquartejados por punhais e tendo seus órgãos arrancados. Nesse aspecto, os piratas François L'Ollonais, Benito de Soto e Edward Low eram mestres, verdadeiros psicopatas que correspondiam totalmente à imagem do bucaneiro sanguinário. Diz-se que Edward Low cortou as orelhas de dois de seus prisioneiros e as assou, fazendo que os prisioneiros as comessem. Além disso, segundo Charles Johnson, Low e seus homens "freqüentemente assassinavam um homem de excessivo bom humor por raiva e ressentimento [...] pelo perigo oculto em seus sorrisos".2

Porém Low, L'Ollonais e De Soto estavam longe de ser os únicos brutos pervertidos que navegavam em alto-mar. Surpreendentemente, alguns dos piores, no mundo dos séculos XVIII e XIX — dominado pelos homens —, eram mulheres como Mary Read, Anne Bonny e a famosa capitã pirata chinesa Cheng I Sao. Não há relatos da participação de Cheng na tortura e no assassinato de

* Vara com um gancho na extremidade, usada pelos barqueiros para atracar os barcos. (N.T.) 2 Charles Johnson, A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates (1724), Londres, Conway Maritime Press, 1998.

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prisioneiros, mas não há dúvida de que ela instigou e esteve presente durante alguns episódios extremamente horripilantes. Por outro lado, consta que Bonny e Read gostavam de participar do combate corpo-a-corpo e, quando finalmente foram capturadas, lutaram com mais garra e valentia do que qualquer de seus homens.

Outro capitão famoso, que aparece muito na história de Calico Jack, foi Charles Vane. Em 1718, foi entregue ao governador Bennet, das Bermudas, um relatório escrito por um marinheiro chamado Nathaniel Catling, que estava a bordo do Diamond quando este foi capturado por Vane. Catling acusava Vane e seus companheiros não só de saquear o navio e espancar e torturar toda a tripulação, incluindo o capitão, mas também de tentar enforcá-lo (Catling) nos cabos do navio. Ao cortar a corda, os piratas perceberam que ele ainda vivia e então sacaram seus punhais e começaram a cortá-lo. Um golpe atingiu sua clavícula, enquanto outro abriu um talhe profundo no seu peito, e só por um milagre ele não morreu naquele momento — pois alguns dos piratas convenceram Vane de que seria cruel demais matá-lo, e Catling sobreviveu.

O tratamento que os piratas davam às suas vítimas nem sempre era devido apenas à crueldade desenfreada — com freqüência havia uma razão por trás da violência, como "convencer" os prisioneiros a assinar as condições dos piratas e se juntar à tripulação. Na verdade, os navios piratas — muito parecidos com os da Marinha Real e da marinha mercante — estavam sempre à busca de novos recrutas, particularmente aqueles com habilidades especiais (como medicina ou carpintaria). Em 1725, o navio mercante Fancy foi detido pelo pirata capitão Lyn. Havia a bordo um tanoeiro (um homem que faz barris e tonéis) chamado Ebenezer Mower, que, assim que os piratas abordaram o navio foi levado para um canto e "persuadido" a se juntar a eles. "Um dos piratas deu muitos golpes na cabeça de Mower com o cabo de um machado, deixando sua cabeça muito machucada e sangrando, e depois os mesmos piratas que o feriram disseram ao prisioneiro para colocar sua cabeça nas braçolas* da escotilha e, erguendo o machado sobre sua

* Partes salientes das escotilhas, para evitar que a água penetre por elas. (N. T.)

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Introdução

cabeça, juraram que, se não se juntasse a eles, cortariam imediatamente sua cabeça, enquanto Mower implorava por sua vida."3

Mas, fundamentalmente, a pior violência cometida pelos piratas era sempre com os prisioneiros, cujas vidas pouco valiam, se é que valiam alguma coisa para seus assassinos. Benito de Soto — o chamado "último pirata dos mares do Ocidente" —, tendo capturado um navio, não se incomodou em trancar todos os prisioneiros no porão e depois incendiar o navio, para que todos a bordo fossem queimados vivos. Talvez ele tivesse prazer nisso — provavelmente tinha —, mas havia também outra razão para perpetrar um ato tão terrível: divulgar sua crueldade para que, quando cruzasse com outro navio inimigo, ninguém a bordo o enfrentasse. De Soto não era o único a usar essa tática, um ato bárbaro podia garantir a um pirata a reputação de perverso. Era a melhor forma de se fazer conhecido nessa atividade — mesmo naquela época, as notícias corriam depressa.

E alguns piratas pioravam sua reputação com uma aparência aterrorizante. O pirata Edward Teach decidiu deixar crescer uma grande barba negra, o que o fez angariar seu famoso cognome. Para aumentar o efeito, ele costumava ir para a batalha com pavios acesos dentro e em torno do seu chapéu, para que parecesse que a fumaça e as chamas estavam saindo da sua cabeça. Teach, provavelmente, contribuiu mais do que qualquer outro indivíduo na história para a imagem dos piratas (embora Edward Low, que tinha uma cicatriz atravessando um dos lados de seu rosto, viesse em um próximo segundo lugar). Teach era a própria imagem de um "monstro em forma de gente", uma criatura quase sobre-humana que, sem dúvida, inspirou muitos piratas da ficção.

No romance de 1950 de Mervyn Peake, Gormenghast, o jovem narrador sonha com piratas "altos como torres":

grandes sobrancelhas projetavam-se sobre seus olhos fundos, como conchas de rochas salientes. Em suas orelhas havia argolas de ouro vermelho, e em suas bocas punhais afiados. Da escuridão escarlate

3 Boston Gazette, 29 de novembro de 1725.

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de onde emergiam ...a água na altura da cintura e borbulhando com a luz quente refletida de seus corpos ... E eles continuavam a chegar, até só haver espaço para a cabeça em chamas do principal bucaneiro, um grande senhor da água salgada, com cada centímetro do rosto marcado e escoriado como o joelho de um menino, os dentes esculpidos nas formas de crânios, e a garganta circundada pela tatuagem de uma cobra escamada.

É claro que nenhum pirata da vida real poderia ser assim tão extraordinário, mas, de muitas maneiras, a descrição de Peake ilustra a atração que os piratas despertavam na imaginação do público. Nenhum outro grupo de ladrões jamais inspirou esse tipo de fascínio. Os assaltantes de estrada se aproximam, mas nem eles são considerados tão maus ou tão românticos.

Nesse aspecto, escritores como Charles Johnson e Alexander Olivier Exquemelin (ver Glossário) muito contribuíram para a exaltação da imagem do pirata. Esses dois autores, principalmente Exquemelin (que serviu com Henry Morgan durante seu ataque à Cidade do Panamá, em 1671), concentraram-se nos malfeitos dos piratas, em vez de em qualquer outro aspecto de suas vidas, imaginando sem dúvida que relatos sensacionalistas dessa natureza aumentariam as vendas de seus livros. A descrição do Barba Negra, feita por Charles Johnson, garantiu o lugar do malfeitor na história — embora vários autores desde então tenham indicado que, em comparação com piratas como Bartholomew Roberts, que durante sua carreira capturou cerca de quatrocentos navios, a pirataria do Barba Negra beira a insignificância.

Coisa muito parecida pode ser dita do capitão Kidd, pois, como escreveu Philip Gosse, "se a reputação de Kidd estivesse em justa proporção a seus feitos reais, ele teria sido esquecido assim que foi enforcado em Wapping Old Stairs".4 Em vez disso, a atração duradoura de Kidd parece se basear em apenas um fato — ele ter enterrado grandes quantidades de tesouro (a maior parte dele saqueada de um navio chamado Quedah Merchant) em locais entre

4 Philip Gosse, The History of Piracy (1924), Novo México, Rio Grande Press, 1988.

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Introdução

a Índia e Boston. Essa idéia foi então ilustrada por Howard Pyle em seu Book of Pirates (1921), no qual Kidd é visto de pé sobre uma arca de tesouro na ilha de Gardiner, enquanto um de seus piratas cava um buraco. Mas será que ele realmente enterrou enormes fortunas em ouro e jóias? A realidade é que ninguém conseguiu encontrar o tesouro do capitão Kidd (embora muitos tenham tentado), o que levou os historiadores a concluir que isso era parte do mito que cercou esses homens dos séculos XVII a XIX. Na verdade, poucos piratas enterravam seus tesouros — de preferência, dividiam seu saque e o distribuíam igualmente entre eles. Eram normalmente gastos em "vinhos e mulheres, que sugavam suas riquezas a tal ponto que, em pouco tempo, alguns deles ficavam reduzidos à mendicância. Sabe-se que gastavam 2 mil ou 3 mil moedas de prata em uma noite; e um deles deu quinhentas dessas moedas a uma prostituta para vê-la nua. Costumavam comprar um barril de vinho, colocá-lo na rua e obrigar todos que passavam a beber".5

Outro mito dos piratas é a idéia de que obrigavam seus prisioneiros a caminhar na prancha.* Com certeza torturavam suas vítimas, mas quase não há referências a essa prática nos escritos sobre piratas. O autor David Cordingly aponta uma que apareceu no The Times em 23 de julho de 1829 (ver o capítulo sobre L'Ollonais) e uma segunda referência, dessa vez uma ilustração, que apareceu no Harper's Monthly Magazine em 1887, desenhada por Howard Pyle. Na verdade, Pyle, juntamente com Charles Johnson e Exquemelin, parece responsável pela maioria dos mitos que envolvem esses bandidos. E, se não foram diretamente responsáveis, podem ter influenciado outros escritores como Lord Byron (O corsário), Robert Louis Stevenson (A ilha do tesouro) e J. M. Barrie [Peter Pan).

5 Charles Leslie, New History of Jamaica, Londres, J. Hodges, 1740. * Caminhar na prancha é uma forma de execução popularmente atribuída aos piratas, apesar da inexistência de um único registro de que ela tenha sido efetivamente usada. A execução seria aplicada através de uma prancha de madeira que se estenderia para lord do navio. Nela, a vitima teria que caminhar, usualmente de olhos vendados e forçada por uma espada, até cair na água. (N. T.)

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Grande parte da imagem romântica da pirataria origina-se do nosso fascínio pelas pessoas que vivem à margem da sociedade. Edward Teach, Jean Lafitte e Bartholomew Roberts eram todos, à sua própria maneira, como o Heathcliff de Emily Brontë — homens rudes, violentos, indomáveis. Todos personagens cheios de defeitos. Evidentemente, nunca deve ser esquecido que a imagem romântica que nos encantou em inúmeras histórias ficcionais de piratas e filmes de fanfarronadas, desde Gavião do mar, estrelado por Errol Flynn, até Piratas do Caribe, protagonizado por Johnny Depp, cinqüenta anos depois, tem apenas uma ligeira semelhança com aquela dos piratas reais. Todos nós gostamos de acreditar em mapas do tesouro e nos adoráveis embusteiros que os criaram, mas muito pouco nos piratas de verdade mereceria nossa afeição. Eles foram homens cruéis, bárbaros e desesperados que matavam e torturavam por prazer e por dinheiro. Sem dúvida, estão entre os mais perversos e abomináveis personagens da história.

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CÓDIGO DE CONDUTA DOS PIRATAS

A maioria das pessoas pode supor que os piratas, não sendo nada além de um grupo de ladrões e bandidos, eram também um bando de rebeldes sem lei, com poucas regras e ainda menos inclinação para seguir qualquer uma que lhes fosse apresentada. Porém, segundo Charles Johnson, um dos autores mais citados quando se trata de piratas, isso está bem longe da verdade. Duas vezes em seu livro A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates [Uma história geral dos roubos e assassinatos dos piratas mais famosos] (1724), ele apresenta uma lista de regulamentos baseados naqueles que eram inicialmente empregados pelos corsários, mas que depois foram assumidos pelos piratas como um meio de impor algum tipo de disciplina nas tripulações de seus navios. Cita o exemplo do capitão Bartholomew Roberts, que durante uma viagem baixou as seguintes regras para que a vida a bordo do seu navio corresse de modo tranqüilo e eficiente:

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I Todo homem tem direito a voto nos assuntos do momento; tem igual direito a provisões frescas ou bebidas fortes, asseguradas a qualquer tempo, e de usá-las à vontade, a menos que a escassez [coisa não rara entre eles] tornasse necessário, para o bem de todos, votar por um racionamento.

II Todo homem tem o direito de ser convocado, segundo a Lista, ao Conselho dos Prêmios, porque (sobre e acima da sua devida parte) nestas ocasiões tem direito a uma muda de roupa; mas, se lesar a Companhia no valor de um dólar, em prataria, jóias ou dinheiro, sua punição será o DESTERRO. [Este era o costume bárbaro de colocar o infrator numa praia, em algum cabo ou ilha desolado ou desabitado, com uma arma de fogo, alguma munição, uma garrafa de água e uma garrafa de pólvora, para com isso sobreviver ou morrer de fome. Se o objeto roubado fosse de um dos membros da tripulação, eles se contentariam em cortar as orelhas e o nariz do culpado e jogá-lo na praia — não em um lugar desabitado, mas em algum lugar onde certamente ele encontraria dificuldades.]

III Ninguém deve jogar cartas ou dados por dinheiro.

IV As luzes devem ser apagadas às oito horas da noite. Se algum membro da tripulação, após essa hora, ainda permanecer inclinado a beber, deverá fazê-lo no convés. [Roberts acreditava que assim reprimiria o vício, pois ele próprio não bebia, mas por fim descobriu que todos os seus esforços eram inúteis.]

IV Os tripulantes devem manter suas armas de fogo e alfanjes limpos e prontos para o serviço. [Nisto eles eram extremamente competentes, esforçando-se para superar um ao outro na beleza e no

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Código de conduta dos piratas

esplendor de suas armas, dando às vezes em um leilão (no mastro) trinta ou quarenta libras por um par de pistolas. Estas eram levadas a tiracolo em tempo de serviço, com fitas de diferentes cores sobre seus ombros, de uma maneira peculiar a esses rapazes, o que os encantava.]

VI Não é permitida entre a tripulação a presença de nenhum menino ou mulher. Se algum homem for descoberto seduzindo alguma mulher, e a levar para o mar, disfarçada, será punido com a morte. [Por isso, quando alguma caía em suas mãos, como aconteceu no Onslow, eles colocavam imediatamente uma Sentinela para cuidar dela a fim de evitar as conseqüências desastrosas de tão perigoso pomo de discórdia; mas aí é que estava a patifaria; eles brigavam para ver quem seria a Sentinela, que acabava sendo um dos valentões, que, para garantir a virtude da jovem, não deixava ninguém se deitar com ela, a não ser ele próprio.]

VII Quem desertar o navio ou se recolher aos seus aposentos durante uma batalha, será punido com a morte ou com o desterro.

VIII Nenhum homem deve agredir outro a bordo, e toda disputa, quando as partes não chegarem a uma reconciliação, deve terminar num duelo na praia, com a espada e a pistola: o contramestre do navio os acompanhará até a praia com a assistência que julgar adequada, e colocará os querelantes costa com costa, e depois os fará dar alguns passos. À voz de comando, eles se voltarão e atirarão imediatamente (ou a arma seria arrebatada de suas mãos). Se ambos errarem, recorrerão a seus alfanjes, e então será vitorioso aquele que arrancar do outro a primeira gota de sangue.

IX Nenhum homem pode falar em mudar seu modo de vida até juntar mil libras. Se, para conseguir essa quantia, perder um membro ou

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IX Nenhum homem pode falar em mudar seu modo de vida até juntar mil libras. Se, para conseguir essa quantia, perder um membro ou ficar inválido, ganhará oitocentos dólares do cofre comum, e menos que isso, proporcionalmente, no caso de ferimentos menores.

X O capitão e o contramestre recebem duas partes do prêmio; o imediato, o mestre e o homem de armas, uma parte e meia; os outros oficiais, uma parte e um quarto.

XI Os músicos devem descansar no sábado, mas nos outros seis dias e noites descansam apenas se receberem autorização especial.

Charles Johnson também cita o exemplo do capitão John Philips, que, antes de sair no Revenge para saquear navios nas Índias Ocidentais, fez todos os seus oficiais se sentarem para "redigirem as regras e estabelecerem sua pequena comunidade, para evitar disputas posteriores".

AS REGRAS A BORDO DO REVENGE

1. Todos os homens devem obedecer ao código civil; o capitão tem direito a uma parte e meia de todos os prêmios; o imediato, o carpinteiro, o mestre e o homem de armas têm direito a uma parte e um quarto.

2. Se alguém tentar fugir, ou guardar algum segredo do resto da companhia, deve ser desterrado com uma garrafa de pólvora, uma garrafa de água, uma pequena arma e munição.

3. Se alguém roubar ou jogar, no valor de um peso, deverá ser desterrado ou morto.

4. Se alguma vez tivermos que encontrar com outro pirata e algum homem seguir seu código sem o consentimento de nossa companhia, deverá sofrer a punição que o capitão e a tripulação julgarem adequada.

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Código de conduta dos piratas

6. O homem que fumar no porão sem tampa no cachimbo, ou carregar uma vela acesa sem lanterna, deverá sofrer a mesma punição estabelecida no artigo anterior.

7. O homem que não mantiver suas armas limpas, adequadas para o combate, ou negligenciar suas funções, deverá sofrer qualquer punição que o capitão e a companhia estabelecerem.

8. Se um homem perder uma junta na batalha, deve ganhar 400 pesos;* se perder um membro, 800.

9. Se alguma vez encontrar uma mulher honesta, o homem que assediá-la, sem o consentimento dela, deverá sofrer morte imediata.

O capitão William Kidd também fazia seus homens aceitarem o código do navio — na época ele estava navegando no Adventure Galley como corsário, em vez de atuar como pirata, e por isso seus "códigos de conduta", citados em The Pirate Hunter, de Richard Zacks, eram um pouco menos severos e restritivos do que aqueles de Bartholomew Roberts ou John Philips.

AS REGRAS A BORDO DO ADVENTURE GALLEY

1. O homem que avistar primeiro um navio, se este for capturado, receberá cem pesos.

2. Se algum homem perder um olho, perna, braço, ou o uso deles, deverá receber 600 pesos ou seis escravos saudáveis.

3. Quem desobedecer o capitão perderá sua parte ou sofrerá punição corporal, como julgarem apropriado o capitão e a maior parte da companhia.

4. Se um homem se mostrar covarde no combate, perderá a sua parte.

5. Se o homem estiver embriagado no momento do combate, antes de os prisioneiros estarem confinados, perderá sua parte.

* No original, pieces of eight: eram moedas mexicanas, peruanas ou espanholas de oito reales, que equilavem a 54 pence britânicos. Nas colônias espanholas, eram conhecidas como pesos ou reales de a ocho, e os britânicos as chamavam de dollars. (N, T.)

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6. O homem que roubar o capitão ou a companhia em algum espólio, seja dinheiro, mercadorias ou qualquer outra coisa no valor de um peso [...] perderá sua parte e será deixado na praia da primeira ilha habitada ou outro lugar por onde o navio passar.

7. O dinheiro ou o tesouro conquistado pela companhia deverá ser colocado a bordo do navio e ser imediatamente dividido, e todas as mercadorias que forem legalmente confiscadas deverão ser legalmente divididas entre a tripulação dos navios segundo o código.

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GRACE O’MALLEY A Mais Feminina Capitão do Mar

Veio até mim também a mais feminina capitão do mar, chamada Granny Imallye, e me ofereceu seus serviços, para

onde quer que eu a mandasse, com três galeras e duzentos homens experientes no combate, fosse na Escócia ou na Irlanda.

Trazia consigo seu marido, porque tanto no mar quanto em terra era bem mais do que a sra. Mate [...] Esta foi

uma mulher famosa em toda a costa da Irlanda. Sir HENRY SIDNEY, Governador da Irlanda, 1576

Poucas mulheres piratas tornaram-se famosas no decorrer dos séculos, entre elas Cheng I Sao, Anne Bonny e Mary Read (também apresentadas neste livro). Mesmo assim, suas vidas não estão particularmente bem documentadas e, na verdade, não se sabe muito sobre elas. Uma exceção é a mulher que seria homenageada na poesia, no folclore e na ficção: Grace (Gráinne) O’Malley, ou Granuaile, como é conhecida na Irlanda — a rainha dos piratas desse país, uma mulher notável, que não só provocava pavor em seus inimigos, mas também enorme admiração entre aqueles que a encaravam como uma heroína nacional.

Nascida em Connaught, na costa oeste da Irlanda, em torno de 1530, Grace O’Malley pertencia ao clã Uí Mháille, pessoas robustas e resistentes, mais acostumadas à vida no mar do que na terra. O lema da sua família era "Terra marique potens" [Poderosos

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na terra e no mar] e poucos clãs no oeste da Irlanda conseguiam superá-lo no conhecimento da costa desse país.

O pai de Grace era um chefe local que constava ser descendente do filho mais velho de um ilustre rei da Irlanda, um homem chamado Brian Orbsen, que foi morto durante uma batalha no ano de 388 d.C.1 Os O’Malley possuíam muitas propriedades, incluindo um castelo em Belclare, na ilha Clare. Eram também suficientemente ricos para manter toda uma frota de navios, usados não apenas para pescar em águas irlandesas, mas também para negociar com outras embarcações que por ali passavam. Com certa freqüência, esses mesmos navios também se envolviam em atividades de pirataria, saqueando e atacando territórios vizinhos. É quase certo que, desde garota, Grace estava a par dos negócios de sua família, e alguns comentaristas afirmam que ela recebeu seu apelido de Granuaile (que significa "careca") porque cortou seu cabelo quando era criança para se juntar aos garotos do lugar, que gostavam de levá-la para navegar.2 Além disso, muito pouco se sabe sobre a sua infância, exceto que ela provavelmente recebeu algum tipo de educação formal, já que alguns anos mais tarde ela fez uma petição por escrito ao tribunal inglês e conversou em latim durante sua audiência, em 1593, com a rainha Elizabeth I da Inglaterra, segundo foi registrado.

Boa parte da infância de O’Malley provavelmente foi passada observando o pai a bordo de seus navios, aprendendo sobre o mundo dos negócios, da política e sobre pirataria. Também é muito provável que ela tenha acompanhado seu pai em viagens de pesca, particularmente devido a sua destreza no mar e a seu conhecimento das marés, das correntes marítimas e dos ventos alísios.*

Seguindo as convenções, em 1546, aos dezesseis anos, Grace casou-se com um homem chamado Dónal O’Flaherty, filho de Gilledubh O’Flaherty. Depois do casamento, mudou-se para o

1 Anne Chambers, Granuaile: Ireland's Pirate Queen, Dublin, Wolfhound, 2003. 2 David Cordingly, Life Among the Pirates: The Romance and the Reality, Londres, Little, Brown and Company, 1995. * Certos ventos regulares que sopram durante o ano todo nas regiões tropicais, vindos do

nordeste no hemisfério boreal e do sudeste no hemisfério austral. (N. T.)

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Grace O’Malley

castelo de Dónal, em Bunowen, cerca de 45 quilômetros ao sul, seguindo a costa. Seria de se esperar que Grace se sentisse um pouco estranha, pois era a primeira vez que ficava longe de sua família. Também seria de se supor que se sentisse um pouco claustrofóbica, pois estava acostumada a passar muito tempo no mar com seu pai e seus amigos e, agora — como mulher casada —, tinha de ficar em casa, preocupando-se principalmente com seus afazeres domésticos. Grace teve dois filhos com Dónal, Owen e Murrough, e uma filha chamada Margaret.

No entanto, o casamento dos O’Flaherty não estava destinado a durar muito. Em 1549, Dónal foi acusado de ter participado do assassinato de um homem chamado Walter Fada Bourke e, possivelmente por vingança, acabou sendo assassinado. Desconhece-se a reação de Grace ao ficar viúva tão jovem, mas depois de um curto tempo ela voltou às terras de seu pai, onde se estabeleceu na ilha Clare. Logo montou uma frota de três galeras e vários navios menores, que usava para saquear e pilhar outros navios. Grace O’Malley começava agora sua própria carreira como pirata e, daí até o fim de sua vida, nunca olhou para trás.

Reunindo em torno de si cerca de duzentos homens de diferentes clãs (entre eles O’Malley, MacCormack, O’Flaherty e Bourke), diz-se que Grace fez vários ataques de pilhagem tanto na Irlanda quanto na Escócia — todos bem-sucedidos e que garantiram a lealdade de seus homens. Na verdade, ela deve ter sido uma mulher muito carismática para ter ocupado uma posição de tamanha autoridade, que se tornou mais importante ainda quando seu pai morreu, deixando para sua única filha a maior parte de sua riqueza, incluindo uma grande frota de navios. A partir daí, seu comando das águas irlandesas foi indiscutível. "De Donegal a Waterford", escreve Anne Chambers em sua excelente biografia de O’Malley, "em toda a costa irlandesa, seus ataques pelo mar eram numerosos e disseminados. Sua fama crescia. Histórias de suas explorações eram comentadas de porto em porto. Em terra, começou a acumular grande quantidade de gado bovino e cavalos, que, em 1593, segundo ela própria confirmou, totalizava mil cabeças, o que a tornava uma mulher realmente rica "

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O castelo Rockfleet, em County Mayo, tornou-se residência de O’Malley quando ela se casou com o proprietário, Richard Burke, em 1566. Eles concordaram que o casamento poderia terminar após um ano se assim o desejassem. Dizem que Grace deixou Burke do lado de fora do castelo logo após seu primeiro aniversário de casamento, embora o casal tenha permanecido junto durante muitos anos.

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Grace O’Malley

Foi esse período que inspirou centenas de histórias lendárias sobre suas explorações. Diz-se que ela explodiu uma parte do castelo Curradh, em Renvyle, disparando uma bala de canhão de seu navio, que estava ancorado na baía abaixo do castelo. Outros locais que sofreram seus ataques foram o castelo de O’Loughlin no Burren, as ilhas Aran, Killybegs e Lough Swilly, na Irlanda, e o castelo de Doona na costa de Erris.

Em 1566, Grace casou-se com Richard Burke e se mudou para a residência da família dele, o castelo Rockfleet (Carraigahowley), em County Mayo. O castelo, que existe até hoje, está voltado para a baía Clew - um porto seguro perfeito para a frota de cerca de vinte navios de Grace, que incluía várias galeras fortemente armadas. Uma delas era tão bem equipada que mereceu uma menção do capitão Plessington do HMS Tremontaney: "Esta galera vem de Connaught e pertence a Grany O’Malley". Também comentou que o navio "navegava com trinta remos e tinha a bordo, prontos para defendê-la, cem bons atiradores, que mantiveram um conflito com meu barco por mais de uma hora".3

Diz a lenda que Grace, não desejando ser subserviente a seu novo marido, casou-se com Richard Burke em seus próprios termos — um dos quais estipulava um período de experiência; se ela não estivesse feliz no final do primeiro ano, o casal se separaria. Reza também a lenda que isso aconteceu, com Grace deixando Richard do lado de fora de Rockfleet e gritando do parapeito que ele estava "demitido". Entretanto, a verdade da história é que ela e Richard permaneceram casados durante muitos anos, como atestam vários documentos oficiais.

Grace deu à luz seu filho Theobald, em 1567, aparentemente a bordo de um de seus navios. No momento, o navio estava sendo atacado por piratas argelinos e o capitão, temendo que esses estrangeiros estivessem vencendo, desceu para onde Grace estava deitada com seu filho recém-nascido para convencê-la a subir e estimular seus homens à ação. Enrolando um lençol em torno do corpo, Grace corajosamente subiu até o convés e incitou seus

3 Ibidem

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A ilha Clare guarda a entrada da baía Clew, na costa oeste da Irlanda. A família O'Malley possuía um castelo em Belclare, desde que Grace era criança, e foi lá que ela estabeleceu sua base quando ingressou na pirataria.

homens a pegar em armas ao mesmo tempo que pegava um mosquete e disparava um tiro contra os inimigos. Essa história não é tão exagerada quanto pode parecer, pois os registros mostram que vários piratas norte-africanos estavam operando ao longo das costas sul e oeste da Irlanda durante esse período, sendo portanto muito provável que um dos navios de Grace estivesse sob ataque. Nesse período, a Irlanda, embora parte das Ilhas Britânicas governadas por Elizabeth I, era dividida em províncias governadas por homens indicados pela rainha. Em Connaught, a província onde Grace vivia, o regime era doentiamente repressivo, uma situação que conduzia a freqüentes rebeliões. O governador de Connaught, Sir Edward Fitton, relatou que Grace muitas vezes liderava ataques a outros chefes irlandeses, assim como saqueava os navios mercantes que passavam. Em 1574, Fitton enviou uma frota de navios para capturá-la, uma missão comandada pelo capitão William Martin, que viajou para a baía Clew com o único

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Grace O’Malley

propósito de sitiar Rockfleet e capturar a mulher mais procurada da Irlanda. No entanto, Grace reuniu todas as forças à sua disposição e logo dominou a frota de Martin, fazendo-o fugir do local para salvar sua vida.

Embora tenha sido bem-sucedida nessa campanha, sua sorte não durou muito: em 1577, quando estava em uma missão de pilhagem contra o conde de Desmond, em Munster, foi capturada.

Nessa época, o confinamento para qualquer pessoa, homem ou mulher, teria sido terrível, mas, para alguém acostumada com a liberdade do alto-mar, que nunca foi limitada pelas convenções do casamento — muito menos por quaisquer outras da época —, a prisão deve ter sido insuportável. Tendo sido confinada na prisão de Limerick por mais de dezoito meses, ela foi então transferida, por ordem do Lord Justice William Drury, para o castelo de Dublin. A transferência ocorreu em 7 de novembro de 1578, com Grace amarrada e acorrentada. Ao conhecê-la, Drury assim a descreveu: "A esse lugar me foi trazida Granie ny Maille, uma mulher da província de Connaught, que governava uma região rural dos Oflaherties, famosa por sua coragem e personalidade, e por diversas explorações feitas no mar. Foi capturada pelo conde de Desmond um ano e meio atrás e permaneceu um tempo com ele e outro na prisão de Limerick de Sua Majestade, e agora me foi enviada para Dublin".4

Finalmente, em 1579, tendo cumprido sua pena, Grace foi libertada do cativeiro e retornou a Rockfleet. Entretanto, mais tumultos a aguardavam. Em 18 de julho daquele mesmo ano, James FitzMaurice Fitzgerald decidiu reunir toda a Irlanda em um ataque contra a "rainha herética da Inglaterra",5 Elizabeth I. Para isso, Fitzgerald buscou o apoio do conde de Desmond que, após ponderar sobre suas opções, decidiu apoiar a rebelião, assim como Richard Burke e, mais surpreendentemente devido ao fato de Desmond tê-la aprisionado, Grace O’Malley. A que ficou conhecida como a "rebelião de Desmond" não foi a única batalha que Grace e Richard

4 Documentos oficiais sobre a Irlanda, Public Record Office, London. 5 Chambers, op. cit.

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tiveram de enfrentar durante esse período, pois, no final de 1580, com a morte de MacWilliam, de Mayo, Richard reivindicou o direito de assumir o território e a posição de chefe do clã. Com a ajuda de Grace, reuniu um enorme exército para apoiar sua reivindicação e, finalmente, em grande parte devido aos incríveis poderes de persuasão de Grace e à sua capacidade de liderar os homens na batalha, ele conseguiu o que queria, incluindo os "territórios pertencentes ao título: castelo de Lough Mask, com 3 mil acres; castelo de Ballinrobe, com mil acres; e Kinlough, próximo de Shrule, com 2500 acres, além das terras espalhadas pelos baronatos de Kilmaine, Carra e Tirawley. Também recebeu todas as arrecadações e tributos devidos a MacWilliam por seus subordinados".6

Richard e, durante um curto tempo, Grace mudaram-se do castelo Rockfleet para o castelo de Lough Mask. Seu filho Theobald (Tibbot-ne-Long), com doze anos de idade, era criado por uma família vizinha, os MacEvillys, de Carra. No entanto, tendo lutado tão arduamente e por tanto tempo por sua posição recém-assumida, Richard não viveu muito para desfrutá-la. Em 30 de abril de 1583, poucos meses após ter assumido as terras, ele morreu tranqüilamente em casa.

A perda de Grace não pode ser avaliada. Apesar de freqüentemente brigar com ele por motivos políticos, como casal eles eram bem ajustados. Ele era um guerreiro; o que ela mais gostava era de pilhar e saquear. Ele não se sentia ameaçado pelas maneiras não convencionais de Grace, seu amor pelo mar ou sua inclinação para a pirataria. Após sua morte, Grace reivindicou pelo menos um terço das propriedades de seu marido, incluindo um de seus castelos, e depois disso "reuniu todos os seus seguidores e, com mil vacas e éguas, partiu para morar em Carrikahowley, em Boroswole".7 Mas, apesar de sua riqueza, Grace ainda estava em uma posição complicada. Vulnerável ao ataque, provavelmente porque seus vizinhos achavam que, sendo ela uma mulher sozinha, seria um alvo fácil, Grace teve de mostrar duas vezes, e com dureza, sua

6 Ibidem.

7 Documentos oficiais, op. cit.

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Grace O’Malley

autoridade sobre aqueles que a cercavam. Realizando vários ataques aos territórios vizinhos, ela logo se incompatibilizou com Sir Richard Bingham, que havia sucedido Sir Edward Fitton como governador de Connaught.

Bingham era um inglês nascido em Dorset. Introduzido muito cedo na carreira militar, ele participou do serviço ativo na batalha de Lepanto contra os turcos, e também na França e na Holanda. Ao assumir o cargo de governador de Connaught, aos 55 anos, declarou: "Os irlandeses nunca foram domados com palavras, mas com espadas".8 Logo pôs em ação suas próprias palavras, instaurando um regime duro que provocou muitos ressentimentos na província. Em parte alguma isso era mais evidente do que em sua maneira de tratar Grace O’Malley, cujo filho Theobald mantinha como refém para impedir que Grace se opusesse a ele. Theobald foi levado para o castelo de Ballymote, onde ficou trancado mais de um ano sob o olhar atento do irmão de Bingham, George Bingham, na época xerife de Sligo. Mas não foi apenas o filho mais moço de Grace que foi atacado por Richard Bingham, pois em julho de 1586 seu filho mais velho, de seu primeiro casamento, Owen O’Flaherty, foi morto por Bingham, que, segundo Grace, o amarrou com uma corda e o golpeou doze vezes com um punhal.

Perturbada com o assassinato de seu amado primogênito, Grace O’Malley passou a apoiar ativamente não apenas seu filho caçula, Theobald, mas também amigos e conhecidos de seu falecido marido em sua luta contra Bingham.

Preparando-se para viajar para a Escócia para angariar apoio à sua causa, ela também conversou longamente com o chefe do clã O’Donnell, mas Bingham logo ficou sabendo da sua trama. Advertido da incrível influência de O’Malley sobre seus seguidores, ele fez seu irmão, o capitão John Bingham, prendê-la. Presa, ela foi amarrada com cordas, colocada diante de Sir Richard e acusada de tramar para "atrair os escoceses". Também não estava sozinha ao ser acusada desse ato, pois vários de seus amigos e conhecidos também foram acusados pelo mesmo motivo, que era

8 Calendar State Papers (Elizabeth I). vol CLXX, p. 128.

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considerado traição e, por isso, passível de ser punido com a morte. A vida de Grace O’Malley estava agora por um fio e, se não fosse seu cunhado lhe ter oferecido abrigo, contanto que Grace abandonasse quaisquer tentativas de rebelião, ela teria sido executada. Do jeito como as coisas aconteceram, ela conseguiu ser libertada milagrosamente; no entanto, pouco depois, ordenou à sua frota que se aprontasse e partisse direto para Ulster, onde pretendia contratar mercenários.

No caminho, seus navios foram fortemente atingidos por uma tempestade, o que proporcionou a Grace a oportunidade de passar algum tempo com os chefes dos clãs O’Neill e O’Donnell, enquanto sua frota era reparada. Grace ficou com eles por pouco mais de três meses, em 1587, e, durante sua permanência, advertiu esses homens, que estavam entre os mais poderosos de Ulster, de que o que Richard Bingham estava fazendo em Connaught (reduzindo os poderes dos antigos chefes irlandeses e destruindo os costumes tradicionais) logo poderia acontecer em Ulster. Enquanto Grace reunia apoio no norte, seu arquiinimigo recebia ordens de Elizabeth I para se dirigir a Flandres para assumir uma nova posição de trabalho. Assim que Grace soube da notícia, aproveitou a oportunidade para voltar ao sul, dessa vez para Dublin, onde procurou Sir John Perrot.

Perrot era governador de Connaught e, como tal, supunha-se que estivesse do lado de Sir Richard Bingham para colocar a província sob controle. No entanto, enquanto Bingham preferia a espada, Perrot preferia um estilo mais conciliatório, o que fazia que os dois homens freqüentemente entrassem em choque. Grace O’Malley sabia dessa animosidade e, ao voltar para Dublin, confiou no fato de que Perrot, querendo provocar seu colega, lhe concederia não apenas uma audiência, mas, muito provavelmente, também um perdão. Por isso, não ficou surpreendida quando, ao chegar em Dublin e procurar seu alvo, recebeu "o perdão de Sua Majestade através de Sir Perrot",9 além de também garantir um perdão para seus filhos.

9 Documentos oficiais, op. cit.

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Grace O’Malley

Tendo conquistado tanta coisa e limpado seu passado, poder-se-ia pensar que Grace O’Malley agora se estabeleceria numa vida mais sossegada, mas nada estaria mais longe da verdade. Pouco depois do perdão de Perrot, partiu para adquirir novas galeras e retomar suas atividades de pirataria. O momento não poderia ser mais apropriado, pois, em 29 de julho de 1588, a armada espanhola — uma frota de invasão enviada contra a rainha Elizabeth I — tinha sido vista em Lizard, no sudoeste da Inglaterra. A frota espanhola foi finalmente repelida, mas a Irlanda, particularmente a costa ocidental, viu muitos navios estrangeiros navegando em suas águas durante esse período. Sir Richard Bingham rapidamente voltou de Flandres com ordens de acusar de crime capital qualquer um que fosse surpreendido dando abrigo a soldados espanhóis. É claro que O’Malley não era grande admiradora de Bingham, e portanto ela possivelmente ficaria do lado dos estrangeiros, contra ele e Elizabeth, mas também era igualmente provável que — devido a sua história na pirataria — ela fosse tentada a saquear quaisquer navios espanhóis afundados ao longo da costa irlandesa.

Bingham colocou O’Malley sob constante vigilância, mas ela não era seu único problema — devido ao tratamento brutal que ele dava aos cidadãos de Connaught, agora enfrentava uma rebelião aberta. Para sua raiva e desalento, acusações de seus malfeitos passados, incluindo acusações de assassinato, tortura e outras crueldades, logo chegaram aos ouvidos da rainha. Ela foi aconselhada a levá-lo a julgamento para verificar se ele era culpado das acusações.

Richard Bingham foi levado à corte em Dublin, mas muito rapidamente inocentado. Em 1590, retornou a Connaught, onde recebeu carta branca para pôr fim à rebelião. Conhecendo apenas uma maneira de fazer isto — pela violência —, lançou um ataque total contra seus inimigos, matando e saqueando qualquer lugar onde chegasse com suas tropas. Naturalmente, isto incluiu as terras de propriedade de Grace O’Malley e seus familiares. A propriedade que ela possuía em Carraigahowley foi devastada por Bingham, que não apenas roubou seu gado, mas também queimou enormes quantidades de suas colheitas.

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O único refúgio de Grace era o mar, então ela partiu para as ilhas Aran, mas mesmo lá encontrou pouco repouso, pois recebeu a notícia de que seu segundo filho com Dónal O’Flaherty, Murrough, havia mudado de lado e se unido às tropas de Bingham. Furiosa com essa deslealdade, ela decidiu atacar seu filho — uma ação que Bingham mais tarde relatou a um dos representantes da rainha, William Cecil, como uma prova adicional do caráter inescrupuloso de O’Malley. "Sua já mencionada mãe Grany [de Murrough] (não tendo tolerância com seu filho por servir Sua Majestade) enviou sua esquadra de galeras e aportou em Ballinehencie, onde ele morava, incendiou sua aldeia, apoderou-se de sua colheita e de seus bens e assassinou três ou quatro de seus homens que tentaram lhe opor resistência..."10

Mas, enquanto um filho agia em defesa de Bingham, o terceiro filho de O’Malley, Theobald, estava fazendo o oposto. Na primavera de 1592, juntamente com vários outros conspiradores, ele montou um ataque espetacular a Bingham e seus homens. O ataque falhou, resultando em mais animosidade ainda entre Bingham e Grace.

Desde o ataque às suas terras em Carraigahowley, a principal fonte de renda de Grace derivava do mar. Ela montou com esmero sua esquadra de galeras, mas, depois que Theobald o atacou, Bingham retaliou, encurralando sua frota — um golpe do qual Grace jamais se recuperou totalmente. Pior ainda, seu filho Theobald decidiu então render-se a Bingham e, embora não tenha sido preso ou executado, foi despojado de seus poderes e obrigado a pagar grandes somas de dinheiro ao governador.

A essa altura, Grace O’Malley estava com mais de sessenta anos, idade elevada para qualquer homem ou mulher no século XVI, ainda mais com o estilo de vida que ela escolheu levar. Reduzida ao status de viúva — despojada de suas terras, de seu gado, de seus navios —, com um filho assassinado e outro do lado de seu inimigo mortal, ela era uma mulher dilacerada e, por tudo isso, culpava apenas um homem: Sir Richard Bingham. Foi ele que a perseguiu

10 Ibidem.

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Grace O’Malley

sem piedade, ele que matou seu filho e ele que a humilhou. Grace precisava fazer algo espetacular para poder continuar viva.

Em julho de 1593, a rainha Elizabeth I recebeu uma carta de "sua leal e fiel súdita, Grany Ne Mailly, de Connaught, do reino da Irlanda de Sua Alteza".11 Como declara Anne Chambers, a motivação que estava por trás dessa missiva era antes de tudo a sobrevivência, mas era também um meio de, caso não conseguisse se livrar completamente de Bingham, pelo menos diminuir a influência dele sobre sua vida. Grace começou tentando refutar as declarações de Bingham de que ela era pirata e rebelde, apresentando sua versão dos acontecimentos: por causa "da agitação de discórdia e divergência contínuas que durante muito tempo permaneceram entre os irlandeses, especialmente no oeste, em Connaught, próximo do mar, todos os chefes para sua salvaguarda e manutenção, e para a defesa de seu povo, seguidores e camponeses, pegaram em armas com mão forte para enfrentar seus vizinhos, e da mesma maneira obrigaram os admiradores de Sua Alteza a pegar em armas e pela força manter ela e seu povo no mar e na terra durante quarenta anos".12

Prossegue contando à rainha sobre seus dois casamentos, seus filhos, sua presente viuvez e sua situação empobrecida. Diz que vai de boa vontade ceder a Elizabeth as propriedades de seus dois filhos remanescentes e também as propriedades de seus dois sobrinhos, e depois disso apresenta o principal propósito de sua carta: a devolução de sua frota para que ela possa ter como ganhar a vida. Pede à rainha para, "através de sua mais benevolente assinatura, conceder-lhe liberdade durante sua vida, para combater todos os inimigos de Sua Alteza com espada e fogo, onde eles estiverem, sem qualquer interferência de quem quer que seja".13

Esta última cláusula obviamente se refere a Sir Richard Bingham, porque, segundo Grace, se ela conseguisse obter o favor da rainha Elizabeth, Bingham ficaria impotente para agir contra ela.

11 Ibidem. 12 Ibidem. 13 Ibidem.

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Enquanto isso, com essa carta a caminho da Inglaterra, as coisas pioravam na Irlanda. Ocorreu outro levante, dessa vez em Ulster. O norte da Irlanda, temendo que os ingleses fossem agora tentar expandir sua influência mais para o norte, montou um ataque maciço e o filho de Grace, Theobald, foi implicado no levante. Isso foi extremamente oportuno para Bingham, que imediatamente acusou Theobald de traição e o atirou na prisão em Athlone para aguardar julgamento. Temendo pela vida de seu filho e sabendo mais uma vez que tinha de fazer algo decisivo para salvá-lo, Grace O’Malley partiu para a viagem mais perigosa de sua vida.

Ela própria capitaneando o navio (ou assim diz a lenda), cruzou o mar da Irlanda, passou por End's Land,* na Cornuália, depois pelo estreito de Dover até finalmente entrar no estuário do Tâmisa e ancorar próximo à ponte de Londres. Nessa época, dado o status de Grace como pirata e rebelde e dado o tenso clima político na Inglaterra com relação à invasão estrangeira (particularmente a ameaça espanhola), essa era uma viagem perigosa — alguns até diriam que temerária. Apesar disso, tendo conseguido chegar à cidade, também conseguiu chegar até a corte inglesa — mais provavelmente ao Palácio de Greenwich, para onde Elizabeth teria fugido em julho de 1593 devido a um surto de peste em Londres.

A essa altura, Elizabeth estava no auge de seu poder. Era a "Deusa Brilhante e Celeste" do poema épico A rainha das fadas, de Edmund Spencer, e o que lhe faltava em beleza ela certamente compensava com trajes extravagantes e uma inteligência aguda. Em contraste, Grace O’Malley, embora mais ou menos da mesma idade que Elizabeth, havia vivido a maior parte da sua vida no mar e envolvida em batalhas em terra, e parecia muito mais velha.

Diz-se que as duas mulheres se conheceram no final de julho e, pelo que se sabe, sua conversa aconteceu em latim — a rainha Elizabeth era particularmente fluente neste idioma. Grace teria ido a esse encontro acompanhada por um grupo de seus mais leais servidores e, quando chegou à corte inglesa, em vez de usar a

* O ponto mais ocidental da Inglaterra. (N. T.)

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Grace O’Malley

roupa mais elegante que conseguisse encontrar, preferiu vestir um traje tradicional irlandês e ir descalça. O encontro das duas mulheres foi posteriormente relatado (em particular pelos irlandeses) como sendo o encontro de duas rainhas de igual estatura. Consta que Elizabeth estendeu sua mão a Grace e que, por esta ser mais alta, "a rainha inglesa foi obrigada a erguer sua mão para a rainha irlandesa".14

Durante o encontro, Elizabeth emprestou um lenço a Grace que, após usá-lo, atirou-o diretamente ao fogo. Consta que Elizabeth ficou chocada com esse ato, declarando que na Inglaterra os lenços são em geral guardados no bolso, não atirados ao fogo. Igualmente chocante foi a suposta recusa de Grace em aceitar o título de condessa, sob a alegação de que um título não podia ser concedido a alguém do mesmo status. Quando Elizabeth fez um comentário relacionado às dificuldades de ser uma rainha, com todos os deveres que tinha a cumprir, diz-se que Grace retorquiu que as mulheres em Mayo tinham problemas muito maiores... mas quanto disto tudo é verdade é muito difícil de saber.

Esse encontro é inquestionável (há registros mostrando que Grace permaneceu na corte inglesa de junho a setembro de 1593), mas imagina-se que no correr do tempo a conversa entre as duas mulheres foi bastante floreada, a ponto de ser impossível decidir o que foi e o que não foi dito.

Não há dúvida de que, depois de seu encontro, Grace permaneceu em Londres esperando a decisão de Elizabeth em relação a seu futuro. Enquanto isso, Bingham, percebendo que Elizabeth estava considerando o restabelecimento da frota de Grace e a libertação de Theobald, escreveu para a corte inglesa dizendo que, "contanto que Grany Ne Maly e ele não criassem problemas, o Estado não se preocuparia com suas queixas, mas, agora que estão sendo obrigados, apesar dos seus sentimentos, a se submeter às suas leis [de Sua Majestade], eles alegam muitos erros e não se envergonham em solicitar recompensa".15

14 Chambers, op. cit. 15 Documentos oficiais, op. cit.

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Mas as objeções de Bingham foram de pouca ou nenhuma valia, pois, no final de setembro, Elizabeth escreveu-lhe ordenando a libertação de Theobald e, além disso, dizendo-lhe que Grace tinha sua permissão para viver em paz e garantir o seu sustento até o fim dos seus dias.

Num primeiro momento, Bingham obedeceu a contragosto, libertando Theobald da prisão em Athlone, em setembro do mesmo ano, 1593. Mas, quanto à segunda ordem da rainha — que ele deixasse Grace viver em paz e garantir seu sustento —, ele não a acatou completamente.

Quando retornou à Irlanda, Grace começou imediatamente a recompor sua frota com a única intenção de se restabelecer como pirata ou, como ela declarou, restabelecer seu "sustento através do mar". Mas, no momento em que reiniciou suas atividades, Bingham enviou o capitão Strittes, juntamente com um grupo de soldados, para provocá-la e deter seus navios. Essa situação continuou até que finalmente, em 1597, Sir Richard Bingham foi substituído em Connaught por Sir Conyers Clifford — um homem que tomou uma atitude muito mais conciliatória com relação a Grace e a suas atividades de pirataria.

Uma mulher educada, O’Malley viajou para Londres em 1593 para conversar com a rainha Elizabeth I, buscando sua proteção da perseguição na Irlanda e a libertação de seu filho da prisão.

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Grace O’Malley

A essa altura, no entanto, Grace estava com quase setenta anos, e, portanto, sem muitas condições de voltar ao seu antigo negócio. Enviou seus filhos em seu lugar. Eles recompuseram sua frota e logo estavam colhendo recompensas substanciais por seu esforço.

Não se sabe a data precisa da morte de Grace O’Malley, mas imagina-se que ela morreu no castelo Carraigahowley no ano de 1603. Consta que seu túmulo está nas ruínas de uma abadia cisterciense em algum lugar da ilha Clare, de frente para o mar.

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FRANÇOIS L'OLLONAIS

O Flagelo dos Espanhóis

Quando L'Olonnais tinha uma vítima na roda, se o infeliz não respondesse imediatamente suas

perguntas, ele esquartejava o homem com seu sabre e lambia o sangue da lâmina, desejando que

aquele fosse o último espanhol no mundo. ALEXANDER OLIVIER EXQUEMELIN,

The Buccaneers of America

"O homem de Olonne", às vezes conhecido como Jean-David Nau, mas mais lembrado como François L'Ollonais, foi, segundo Alexander Olivier Exquemelin, um dos homens mais famosos a navegar pelos mares. Exquemelin devia saber do que estava falando, já que ele serviu sob as ordens de L'Ollonais e Henry Morgan, descrevendo suas experiências em seu grande sucesso The Buccaneers of America. L'Ollonais era extremamente cruel, especialista em torturas bárbaras, sendo o próprio símbolo do tipo de pirata sanguinário que habita os pesadelos.

Embora ninguém saiba a data exata de seu nascimento, imagina-se que François L'Ollonais nasceu na França em torno de 1635, na região de Sables d'Olonne. Quando menino, foi levado para o Caribe, onde serviu como criado durante três anos, e depois teria se juntado a caçadores de gado de Hispaniola, antes de se estabelecei na pirataria

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No início da década de 1660, L’Ollonais mudou-se para a ilha de Tortuga (ver Glossário), onde fez amizade com o governador Monsieur de la Place, que lhe deu um navio, do qual L'Ollonais foi feito capitão e instruído a levantar âncora para ir atrás de seu destino — o que fez atacando principalmente navios espanhóis. Segundo Exquemelin, "suas crueldades contra os espanhóis eram tais que o tornaram famoso nas Índias. Por essa fama, os espanhóis, quando eram atacados no mar, tinham de escolher se morriam ou afundavam lutando, em vez de se render, pois sabiam que não receberiam clemência ou piedade". Na verdade, seus ataques aos espanhóis eram tão atrozes que ele recebeu o apelido de "Fléau des Espagnols", Flagelo dos Espanhóis. Mas eles tiveram sua vingança: após vários ataques bem-sucedidos contra os espanhóis, o navio de L’Ollonais naufragou na costa de Campeche durante uma tempestade extremamente violenta. Todos a bordo conseguiram nadar até a praia, mas, ao atingir a terra, os colonizadores espanhóis, reconhecendo-os, mataram a maioria e feriram L'Ollonais, que só conseguiu escapar da morte porque se escondeu entre os cadáveres de seus camaradas até os espanhóis se afastarem.

Após escapar por pouco, L'Ollonais fugiu para uma floresta, onde curou seus ferimentos e, disfarçado de camponês espanhol, seguiu para a cidade de Campeche, onde fez amizade com alguns escravos que foram persuadidos a ajudá-lo a roubar uma canoa. L'Ollonais então partiu para o mar, dirigindo-se diretamente para Tortuga, "o local de refúgio habitual de todo tipo de maldade e a escola, digamos assim, de todo tipo de piratas e ladrões".1

Uma vez na ilha, L'Ollonais conseguiu outro navio e uma tripulação de 21 homens, com que navegou em direção a Cuba, para uma pequena cidade chamada De los Cayos, onde lhe disseram que poderia conseguir bons lucros. No entanto, sem ele saber, os cidadãos de De los Cayos, alertados sobre a sua chegada, avisaram o governador de Havana de que eles estavam prestes a ser atacados. Um navio armado com dez canhões e cinqüenta homens foi enviado para ajudar a repelir o ataque. Também estava a bordo,

1 Exquemelin, The Buccaneers of America, Londres, 1684.

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François L'Ollonais

segundo Exquemelin, um negro que iria atuar como carrasco para executar, sob as ordens do governador de Havana, todos os piratas que fossem capturados — isto é, todos exceto L'Ollonais, que seria arrastado até Havana para enfrentar a justiça.

Mas os espanhóis não estavam à altura de L'Ollonais e logo o navio cubano foi capturado, juntamente com sua tripulação. L'Ollonais então ordenou que todos os prisioneiros, um a um, fossem para o convés, onde foram obrigados a se ajoelhar diante dele antes de terem suas cabeças cortadas. Chegou a vez do carrasco negro que, pedindo clemência a L'Ollonais, suplicou para não ser morto, prometendo dar todas as informações que o pirata quisesse. O francês concordou, mas, assim que o carrasco lhe contou o que ele precisava, L'Ollonais o assassinou da mesma forma que os outros. Só uma pessoa foi poupada da morte: um rapaz, que foi enviado a Havana com uma mensagem de L'Ollonais para o governador, dizendo: "daqui em diante eu jamais terei clemência com nenhum espanhol; e tenho grandes esperanças de submeter a sua pessoa à mesma punição que sofreram os homens que enviou contra mim. Assim, terei revidado toda a bondade que o senhor destinou a mim e a meus companheiros".2

2 Ibidem

François L'Ollonais, que teria nascido na França em torno de 1635, abrigava um ódio intenso dos espanhóis e tratava os prisioneiros espanhóis com assustadora crueldade. Os afortunados eram decapitados, mas outros ele esquartejava com seu alfanje.

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L'Ollonais, de posse de um novo navio, partiu para Maracaibo, onde capturou uma embarcação carregada de artefatos de prata e outros objetos de valor. Voltou para Tortuga, onde reuniu uma força de cerca de quinhentos "vilões selecionados",3

incluindo um homem chamado Michael de Basco, a quem L'Ollonais encarregou dos ataques por terra.

Na primavera de 1667, tendo conseguido homens suficientes com os quais poderia tomar portos e cidades importantes, L'Ollonais e sua frota partiram para o norte de Hispaniola, onde renovaram seus suprimentos e depois se dirigiram ao cabo leste da ilha, Punta d'Espada. No caminho encontraram um navio cargueiro espanhol, que L'Ollonais decidiu capturar. A batalha que se seguiu durou cerca de três horas e terminou com a rendição dos espanhóis. Havia a bordo uma carga de 120 mil weight (um weight equivalendo a uma libra) de cacau, 40 mil pesos de prata e inúmeras jóias.

L'Ollonais selecionou vários homens da maior confiança e os enviou de volta a Tortuga com o navio cargueiro, com instruções estritas de descarregá-lo e depois retornarem para se juntar à frota na ilha de Savona. Enquanto isso, ele seguiu viagem, encontrando outro navio de carga espanhol — carregado com provisões militares que incluíam 7 mil weight de pólvora e muitos mosquetes, e 12 mil pesos de prata. L’Ollonais e seus homens também tomaram esse navio e o enviaram para Tortuga.

Entusiasmada com esses dois sucessos, a frota pirata de L'Ollonais rumou para Maracaibo, no golfo da Venezuela. Apesar de a cidade ser defendida pelo lado do mar por uma enorme fortaleza e dezesseis canhões, os piratas derrotaram facilmente os soldados do local e depois "marcharam para a cidade, o que se seguiu podendo bem ser imaginado. Foi um holocausto de luxúria, paixão e sangue como jamais as Índias Ocidentais Espanholas haviam visto. Casas e igrejas foram saqueadas até não sobrar nada senão as paredes nuas; homens e mulheres foram torturados até revelarem onde havia mais tesouros escondidos".4

3 Howard Pyle, Howard Pyle's Book of Pirates, Nova York, Harper & Brothers, p. 1921.

4 Ibidem.

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François L'Ollonais

Naquela mesma noite, os piratas foram até a floresta e voltaram trazendo 20 mil pesos de prata, mulas carregadas com produtos domésticos e também vinte prisioneiros. Os prisioneiros homens eram colocados na roda para confessar onde haviam escondido o resto de seu tesouro, mas muito pouca informação se conseguiu extrair deles. L'Ollonais pegou um alfanje e esquartejou um deles diante dos outros, dizendo-lhes que, a menos que obedecessem a suas ordens, sofreriam o mesmo destino. A ameaça foi suficiente para amedrontar pelo menos um dos prisioneiros, que mostrou aos piratas onde ele achava que o resto dos espanhóis estava escondidos, mas, quando L'Ollonais e seu bando chegaram lá, todos já haviam desaparecido e o pobre homem, que havia ido como seu guia, foi esquartejado como seus companheiros.

Esta era obviamente a única maneira que L'Ollonais conhecia para agir diante da oposição. Para ele — como para praticamente qualquer pirata —, a violência era uma segunda natureza. Esses atos eram usados não apenas como um meio de obrigar seus prisioneiros a se submeterem a eles, mas também como um meio de construir suas reputações. Quanto mais terrível as pessoas o considerassem, maior a probabilidade de cumprirem suas exigências. Há inúmeras histórias de atrocidades de piratas — Bartholomew Roberts (ver a p. 129) era conhecido em toda parte por seus atos de violência. Os cidadãos de Barbados e da Martinica eram particularmente aterrorizados por ele, principalmente porque os governos dessas duas ilhas estavam ansiosos para capturar Roberts e levá-lo a julgamento. A violência que ele usava contra os marinheiros desses lugares era doentia, como é registrado num trecho de um relatório enviado a Londres em 1721 contando que, após capturar um navio que saía da Martinica e prender sua tripulação, "alguns [os marinheiros] foram açoitados quase até a morte, outros tiveram suas orelhas cortadas, outros foram amarrados na ponta da verga e usados como alvo".5 Roberts estava longe de ser o único a praticar esses atos perversos. Diz-se que, quando o pirata Philip Lynne foi

5 Calendar of State Papers: Colonial, America and West Indies, vol. 1720-21, nº 463 (iii).

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capturado em 1726, confessou ter assassinado cerca de 37 capitães do mar.

Outro pirata famoso por sua violência foi Edward Low (ver p. 161) que, como disse Charles Johnson em A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates, nasceu para uma vida de crime. O comportamento violento inicial de Low perdurou até seu fim e é bem ilustrado por um incidente particularmente horrível que foi relatado pelo governador de St. Kitts ao Conselho de Comércio e Agricultura em 1724.6 O capitão Edward Low "capturou um navio português que voltava do Brasil para Portugal; seu mestre havia pendurado 11 mil moidores* de ouro em um saco do lado de fora da janela da cabine, e, assim que o navio foi tomado por Low, ele cortou a corda e deixou o saco cair no mar; por isso, Low cortou os lábios do mestre e o grelhou diante de seus olhos, e depois matou toda a tripulação de 32 pessoas".7

O capitão George Lowther foi outro famoso pirata cuja reputação desprezível incluía a pilhagem de um navio chamado Greyhound. Os piratas "não só atiraram no navio, mas chicotearam, espancaram e esfaquearam os homens de maneira cruel, transferiram-nos para o seu navio e incendiaram o deles".8 Atos ignóbeis como este não eram uma exceção — eram a regra. Como explica Alexander Olivier Exquemelin em seu livro Buccaneers of America, os piratas do mundo todo realizavam esses atos. "Entre outras torturas usadas na época, uma delas era esticar os membros [dos prisioneiros] com cordas e, ao mesmo tempo, espancá-los com paus e outros instrumentos. Outra era colocar fósforos acesos entre seus dedos, que eram assim queimados. Outra ainda era enrolar cordas finas ou estopins em volta de suas cabeças até seus olhos saírem das órbitas." Outro "passatempo" dos piratas — algo que eles faziam para se divertir quando estavam entediados ou imaginando maldades — era jogar o chamado "Transpiração": velas eram colocadas

6 Cordingly, Life Among Pirates, Londres, Little, Brown and Company, 1995. * Moidores: moeda de ouro portuguesa no valor de seis dólares e meio. (N. T.) 7 Calendar of State Papers, op. cit., nº 102. 8 Johnson, A General History..., op. cit.

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François L'Ollonais

em um círculo no convés e depois acesas; em seguida, um ou vários prisioneiros eram obrigados a correr em torno desse círculo enquanto eram furados pelos piratas com facas ou baionetas até estarem exaustos demais para se mover e caíam no convés.

No entanto, embora estivessem habituados a torturar prisioneiros, o autor David Cordingly tem dificuldade para dizer em seu livro Life Among the Pirates sobre o costume de "caminhar na prancha", que mal é mencionado nos documentos desse período. Na verdade, o único relato que existe dessa prática parece ter sido publicado no jornal The Times de 23 de julho de 1829, quando é feita menção a um navio holandês, o Vhan Fredericka, que estava indo para a Jamaica quando foi capturado por piratas. Durante a confusão, a tripulação holandesa do navio tentou deter os piratas, mas só conseguiram provocar "o riso dos rufiões, que obrigaram os infelizes ao que é chamado de 'caminhar na prancha'". Outras referências a essa prática são menos confiáveis e tendem — muito provavelmente — a ser a idéia fantasiosa de um ou outro escritor. Howard Pyle, em seu Book of Pirates, acusa o Barba Negra dessa prática, "pois nele temos um verdadeiro pirata fanfarrão, feroz e turbulento — um pirata que realmente enterrou tesouros, fez mais de um capitão caminhar na prancha, e cometeu mais assassinatos do que poderiam contar os dedos de suas duas mãos". É também famoso um desenho que Pyle fez para o Harper's Monthly Magazine, em 1887, ilustrando a prática com um desenho de um grupo de diabólicos piratas instigando um cativo com os olhos vendados até sua morte no fim de uma prancha.

É claro que numa época em que todo tipo de pessoas, incluindo mulheres e crianças, podia ser condenado à morte pelo Estado por crimes como roubar uma fatia de pão, pouco espanta que os piratas praticassem a tortura. Aquela era uma época violenta, cm que todos estavam muito mais familiarizados com a morte do que a maioria de nós está hoje, em que as execuções eram realizadas em público e era considerado um passatempo assistir a alguém ser enforcado ou decapitado. Além disso, qualquer homem que se unisse a uma unidade naval tinha consciência da disciplina rígida a bordo do navio. Pouco espanta também que, tendo vivido

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A barbaridade de L'Ollonais não se restringia àqueles capturados no mar. Centenas de prisioneiros eram feitos quando ele e seus homens atacavam cidades da costa e portos. Eles eram torturados para revelar os esconderijos de qualquer coisa de valor, e aqueles que não cooperavam ou não podiam cooperar sofriam uma morte lenta e dolorosa.

nessa época, piratas como François L'Ollonais pensassem em atormentar suas vítimas das maneiras mais cruéis imagináveis.

Depois do ataque a Maracaibo, L’Ollonais finalmente deixou a cidade, cruzando o lago Maracaibo e se aventurando em outra comunidade - uma cidade chamada Gibraltar. Depois de

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François L'Ollonais

uma prolongada batalha, durante a qual L'Ollonais perdeu cerca de setenta homens, a guarnição foi vencida e a cidade saqueada. Os piratas ficaram na região pouco mais de um mês, pilhando e cobrando muito dinheiro para não incendiar as propriedades. Grande número de cidadãos morreu, muitos de fome, pois os piratas confiscaram todas as provisões e o gado. "Finalmente, depois de ficarem de posse da cidade durante quatro semanas inteiras, enviaram quatro dos prisioneiros que tinham permanecido vivos para os espanhóis que haviam fugido para a floresta, exigindo deles um pagamento de 10 mil pesos de prata para não incendiarem e reduzirem a cinzas toda a cidade."9 A ameaça funcionou e vários dias mais tarde a quantia foi paga, mas L'Ollonais ainda parecia insatisfeito com a quantidade de dinheiro que havia conseguido. Ele e seus homens voltaram para Maracaibo onde, pela segunda vez em alguns meses, ameaçaram incendiar a cidade se não recebessem um pagamento de 30 mil pesos de prata. Finalmente, foram estabelecidos os termos: os cidadãos de Maracaibo pagaram aos piratas 20 mil pesos de prata e quinhentas vacas. L'Ollonais e sua frota rumaram então para a Île des Vaches (também conhecida como Cow Island), um local muito freqüentado pelo pirata Henry Morgan (ver a p. 53). Ali descarregaram a sua carga de pilhagem (em torno de 260 mil pesos de prata, além de jóias, seda, linho e "outros produtos"), que foi então dividida entre os homens. Aqueles que foram feridos durante a viagem, particularmente os que tinham perdido membros, foram substancialmente recompensados por seus ferimentos. Após a divisão, a frota voltou para Tortuga.

Quando L'Ollonais chegou à ilha, foi recebido como herói, e ele e seus piratas passaram a comemorar tanto que logo haviam gastado todo o dinheiro em bebida, jogo e mulheres.

No final de 1667, L'Ollonais resolveu empreender uma nova missão, dessa vez para Cuba, onde planejava saquear o maior número possível de cidades e aldeias. Reuniu cerca de setecentos homens a bordo de uma frota de navios e partiu. No caminho, no entanto, a frota pirata saiu do curso e teve sua rota desviada para o

9 Exquemelim, op. cit.

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golfo de Honduras. Lá, L'Ollonais se esforçou muito e durante longo tempo para fazer sua frota voltar ao curso original, mas sem sucesso; com os suprimentos cada vez mais reduzidos, decidiu baixar âncora o mais perto possível da costa. Os piratas então pegaram canoas e subiram remando o rio Xagua, que tem, ao longo de suas margens, vários assentamentos indígenas. Os piratas roubaram alimentos e gado das tribos, e decidiram permanecer na área pilhando o máximo que pudessem até que finalmente chegaram a Puerto Cavallo. Este era um grande porto espanhol e, por isso, ocorreu de, ao mesmo tempo que os piratas entravam, um grande navio espanhol armado com 24 canhões ingressar nas docas. Os piratas imediatamente tomaram esse navio, juntamente com a maior parte das casas do porto. Também fizeram centenas de prisioneiros, nos quais perpetraram

as mais terríveis e desumanas crueldades jamais inventadas, submetendo-os às mais cruéis torturas que se poderia imaginar. Era costume de L'Ollonais que, se torturasse quaisquer pessoas e estas não confessassem, ele instantaneamente as esquartejava com sua espada e arrancava suas línguas; desejando fazer o mesmo, se possível, com todos os espanhóis do mundo. Freqüentemente acontecia de alguns desses miseráveis prisioneiros, sendo torturados pela roda, prometerem descobrir os lugares onde os espanhóis fugitivos estavam escondidos; se não conseguissem cumprir o prometido, eram submetidos a mortes mais monstruosas e cruéis do que aquelas que haviam enfrentado antes.10

Após restarem vivos apenas dois prisioneiros, os piratas marcharam para a cidade de San Pedro. No caminho, sofreram a emboscada de um grupo de espanhóis que, apesar de matarem muitos dos piratas, foram finalmente derrotados. L'Ollonais então torturou todos aqueles que não morreram na luta - perguntando-lhes se havia mais emboscadas à frente e, se houvesse, se havia outro caminho para se chegar à cidade. No entanto, L'Ollonais não

10 Ibidem.

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François L'Ollonais

acreditou neles e, arrastando um infeliz até a sua frente, diz-se que abriu seu peito com um punhal e arrancou seu coração, que então passou a morder e roer "como um lobo raivoso", enquanto gritava para os outros que era isso que os esperava se não lhe mostrassem outro caminho para chegar a San Pedro.

Temendo por suas vidas, os prisioneiros remanescentes prometeram mostrar a L'Ollonais outra rota para a cidade, mas acrescentaram que era uma rota muito difícil de transpor. Logo depois, os prisioneiros e seus captores partiram para San Pedro, mas, como haviam dito, o caminho era muito perigoso e, finalmente, L'Ollonais recuou e seguiu o caminho original.

No dia seguinte, L'Ollonais sofreu uma segunda emboscada, mas derrotou os espanhóis em algumas horas, matando a maioria deles ali mesmo. Aqueles que não matou, levou com ele como prisioneiros. L'Ollonais sofreu então uma terceira emboscada, mas, ao contrário dos dois primeiros ataques, esta foi montada por um grupo muito mais forte de espanhóis, que conseguiu matar e ferir muitos piratas, antes de finalmente acenar a bandeira branca. Finalmente, L'Ollonais chegou a San Pedro, que ele saqueou (embora não houvesse muita coisa a ser arrebanhada ali, pois os habitantes, sendo advertidos da aproximação dos piratas, tinham fugido com todos seus bens de valor para a região rural em volta).

L'Ollonais e seus homens então se dirigiram à costa. Cansados e famintos, os piratas começaram a fazer redes de pescar para se alimentar e readquirir sua força antes de voltar para seus navios. Os piratas já estavam no golfo havia quase três meses, durante os quais tinham saqueado muitas cidades e aldeias espanholas, quando ouviram falar de um grande navio espanhol armado com 42 canhões que estava na área. L'Ollonais não perdeu tempo em atacar e o navio foi capturado, mas uma surpresa os aguardava — ele não estava carregado de pilhagem, pois a maior parte da sua carga já havia sido descarregada. O único "tesouro" deixado a bordo eram algumas jarras de vinho, cinqüenta barras de ferro e um pequeno lote de papel.

Furioso diante desse escasso butim, L'Ollonais convocou um conselho de toda a frota e anunciou que iam partir para a

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Nicarágua. Alguns de seus homens gostaram da idéia, mas a maioria resolveu voltar para Tortuga. Desfalcado de grande parte da sua frota, L'ollonais rumou para a costa do Mosquito, na Nicarágua, mas mais uma vez foi abatido pela má sorte. Navegando muito próximo às ilhas De Las Pertas, seu navio bateu em um banco de areia, onde "encalhou tão depressa que não houve meios de se conseguir colocá-lo novamente em águas profundas".11 A única maneira que L'Ollonais pôde vislumbrar de tirar seu navio daquela situação foi descarregar todos os seus canhões, ferro e outros materiais pesados, mas mesmo assim não foi bem-sucedido. L'Ollonais então ordenou a seus homens que desmontassem o navio e construíssem outro com as antigas tábuas e pregos.

Enquanto isso, dois dos homens da tripulação de L'Ollonais, um francês e um espanhol, foram enviados à floresta próxima para ver que tipo de alimentos poderiam conseguir. Era um território perigoso, pois as ilhas De Las Pertas eram habitadas principalmente por índios, que Exquemelin descreve como "selvagens". Os dois homens andaram pelas florestas para ver o que conseguiam encontrar, mas logo se depararam com um grupo de índios que começou a persegui-los. Quando os índios finalmente alcançaram suas presas, começou uma luta. Os piratas se defenderam, mas o espanhol foi capturado. O francês escapou e correu de volta para o local onde L'Ollonais e o resto dos piratas estavam reconstruindo seu navio. Doze deles se juntaram e partiram para verificar o acontecido com seu companheiro.

Quando chegaram ao local onde o espanhol havia sido visto pela última vez, tudo o que ele e os outros piratas conseguiram encontrar foram os remanescentes de uma fogueira e alguns pedaços de carne e ossos, "e uma mão, à qual só restavam dois dedos".12 Determinados a pegar os responsáveis pelo canibalismo, os piratas partiram em busca dos índios e, aos encontrá-los, levaram cinco dos homens e quatro das mulheres para bordo do seu novo navio. Mas, estranhamente, visto que L'Ollonais não era o melhor ou o

11 Ibidem.

12 Ibidem

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Howard Pyle, que escreveu e ilustrou o Howard Pyle's Book of Pirates, produziu esta imagem de um infeliz prisioneiro sendo obrigado a “caminhar na prancha”, embora esta não fosse uma forma comum de punição ou tortura entre os piratas.

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mais clemente dos indivíduos, ele e seus homens não trataram mal os índios. Em vez disso, deram-lhes alimento e água e algumas bugigangas sem valor para conquistar sua confiança. Entretanto, não obtiveram sucesso, e os índios continuaram com medo de seus captores, sendo, finalmente, soltos pelos piratas.

A construção do novo barco continuava, mas foi uma tarefa longa e trabalhosa e, para poderem comer, alguns piratas começaram a cultivar a terra, tentando plantar frutas e vegetais. Dizem que L'Ollonais e seus homens ficaram em De Las Pertas durante cinco a seis meses, quando finalmente ficou pronto o novo navio. Um grupo selecionado de piratas decidiu rumar para o rio Nicarágua para ver se conseguiam roubar algumas canoas dos índios nativos e retornar a De Las Pertas para pegar os homens remanescentes.

L'Ollonais e os poucos homens escolhidos partiram com toda a intenção de retornar, mas a má sorte iria perseguir o pirata francês, pois, em vez de se defrontar com um grupo de índios que ele pudesse facilmente atacar e capturar, encontrou os índios de Darien — um grupo de nativos tão violentos e selvagens que nem seus vizinhos espanhóis, com todas as armas que possuíam, ousavam atacá-los. L'Ollonais não sabia disso e, pensando que poderia tratá-los como tratava todos os seus inimigos, precipitou-se para o meio deles. Foi um erro fatal. Os índios lutaram com bravura e capturaram L'Ollonais e "esquartejaram-no vivo, atirando seu corpo, pedaço por pedaço, na fogueira, e suas cinzas misturaram-se ao ar; com a intenção de não deixar vestígio nem memória dessa criatura tão infame e desumana".13

Parecia um fim adequado para alguém que torturava e assassinava tão terrivelmente seus prisioneiros. Ninguém chorou a sua morte — incluindo seus próprios homens, muitos dos quais tiveram o mesmo fim que seu capitão, tendo seus membros arrancados, um a um, e depois assados num espeto e consumidos.

13 Ibidem.

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HENRY MORGAN O Maior de Todos os Bucaneiros

Os cabelos de Morgan estão desarrumados, Seus lábios rachados e secos, Sua barba loira embaraçada, E seu chapéu de plumas torto:

Mas sua voz ainda soa como um trovão Através da clareira da selva fétida Enquanto ele marcha, atrevido como Lúcifer, Conduzindo sua brigada sombria.

“Henry Morgan's March on Panamá”,

A.G. PRYS-JONES, 1888-1987

Quando Henry Morgan morreu em casa, na Jamaica, em 25 de agosto de 1688, dizem que o duque de Albermarle ficou arrasado. Na verdade, ficou tão triste que imediatamente ordenou um funeral oficial com uma salva de 22 tiros de canhão. O corpo de Morgan foi depois levado para King's House, em Port Royal, onde permaneceu com grande pompa para que amigos e conhecidos pudessem prestar seus últimos respeitos. Depois, o caixão foi colocado em uma carreta de canhão puxada por cavalos que percorreu as ruas da cidade até a igreja de St. Peter. O capitão Laurence Wright assim anotou os eventos em seu diário: "Sábado, 25. Neste dia, mais ou menos entre 11 horas e meio-dia, Sir Henry Morgan morreu, e no dia 26 foi levado de Passage Fort para King's House em Port Royal; de lá para a igreja, e, após um sermão, para Pallisadoes, onde foi enterrado. Todos os fortes deram o mesmo

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número de tiros de canhão, nós e o Drake disparamos 22 vezes e, depois, todos os mercantes dispararam".1

Era uma despedida extraordinária para qualquer homem, que dirá para um bucaneiro, alguém que havia passado grande parte da sua vida às margens da respeitabilidade, um homem que na sua época saqueou não apenas em alto-mar, mas em ataques a muitos assentamentos espanhóis, encorajando seus homens a usar torturas brutais para extrair informações de suas vítimas. Mas Henry Morgan não era um pirata comum, um indivíduo banal.

No início de sua carreira, ele rapidamente assumiu a liderança de um grupo de corsários e piratas conhecidos como os Confrades da Costa (ver Glossário). Mais tarde, saqueou Puerto Príncipe, em Cuba, e atacou Portobello. Em 1671, tomou a cidade do Panamá, que naquela época era considerada a mais rica povoação do Novo Mundo. Três anos depois, recebeu um título de nobreza e foi nomeado, por ninguém menos do que o rei Carlos II, representante eleito do governador da Jamaica. Além disso, mantinha uma vida familiar estável, casado e feliz com Dame Mary Elizabeth Morgan durante mais de vinte anos. Henry Morgan foi um empresário astuto, adquirindo várias centenas de acres de terra na Jamaica, que dirigia como um negociante extremamente bem-sucedido.

Morgan nasceu em Glamorganshire, no País de Gales, em torno de 1635. Seu pai era Robert Morgan, de Llanrhymni, uma pequena aldeia localizada próximo à cidade de Cardiff. Pouco se sabe sobre a infância de Morgan, exceto que ele provavelmente tinha dois tios militares — o major-general Sir Thomas Morgan e o coronel Edward Morgan, que mais tarde viria a ser o governador de Jersey. Determinado a seguir seus tios na carreira militar, Henry uniu-se, em 1654, a uma força militar liderada pelo almirante Penne e pelo general Venables que tinha como objetivo capturar Hispaniola (ver o Glossário). Entretanto, os espanhóis resistiram ferozmente e, por fim, Penn e Venables tiveram que se retirar.

Reagrupados, a próxima meta dos militares foi atacar a

1 Dudley Pope, Harry Morgan's Way, Londres, Secker & Warburg, 1977.

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Henry Morgan

Jamaica — com muito mais sucesso do em que em sua missão anterior, provavelmente porque havia menos soldados espanhóis para defender a ilha. Daí em diante, a Jamaica foi proclamada britânica e, conseqüentemente, tornou-se um porto seguro tanto para a Marinha Real quanto para muitos corsários. Henry Morgan então passou alguns anos envolvido em ataques a povoados espanhóis na América Central. Em 1663, liderou um ataque que devastou Villahermosa e também saqueou Gran Granada, na Nicarágua.2

Retornando à Jamaica em 1665, Morgan era agora um homem de alguma importância militar. Quando Edward Mansfield (às vezes escrito Mansvelt), na época líder dos corsários e bucaneiros jamaicanos, foi executado pelos espanhóis em Havana, parecia natural que Morgan o substituísse. Devidamente escolhido para o posto, Morgan tornou-se o que na época era em geral conhecido como o "Almirante dos Confrades da Costa" — uma turbulenta fraternidade cujos membros eram unidos pelo amor à aventura, pela atração pelo ouro e pelo ódio à Espanha e aos espanhóis.

O primeiro ato de Morgan como "almirante" foi planejar um ataque a Santa Maria de Puerto Príncipe (também conhecida como Camaguey). Ele e seus bucaneiros partiram para Cuba, onde desembarcaram e iniciaram uma caminhada longa e difícil até a cidade. No entanto, as notícias do avanço de Morgan logo chegaram a Puerto Príncipe, onde as autoridades locais se apressaram em enterrar todos os seus tesouros, ao mesmo tempo que erguiam defesas contra o assalto iminente. Quando Morgan se aproximou, descobriu que os principais caminhos para chegar à cidade haviam sido bloqueados e estavam intransponíveis. Teve de fazer seus homens dar uma longa volta por uma área de floresta que ia desembocar no campo. Apesar de todos os esforços dos habitantes do local para defender sua cidade, quando os homens de Morgan atingiram as cercanias do local e iniciaram os combates corpo-a-corpo, eles foram rapidamente vencidos. Com a cidade dominada, os bucaneiros de Morgan capturaram o máximo possível de homens, mulheres e crianças e os aprisionaram em várias igrejas da cidade.

2 Cordingly, Life Among the Pirates, Londres, Little, Brown and Company, 1993.

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Então, estabeleceram um preço para a cabeça de cada prisioneiro e lhes disseram que não receberiam comida nem água enquanto o resgate não fosse pago. Muitas pessoas morreram durante esse chamado "cerco" — embora alguns dos detidos tenham conseguido aparecer com ouro e jóias suficientes para satisfazer a ganância dos bucaneiros e foram libertados. Por fim, depois de cerca de duas semanas saqueando a cidade, Morgan e seus homens voltaram à Jamaica, onde logo depois ele planejou outro ataque ousado, dessa vez à cidade espanhola de Puerto Bello, no Panamá.

Puerto Bello era a terceira maior cidade do Novo Mundo (depois de Havana e Cartagena) e oferecia ricos butins, como declarou o cirurgião-barbeiro* e bucaneiro, Lionel Wafer, quando visitou o local em 1680. Em sua opinião, Puerto Bello era "um porto muito bonito, grande e confortável, proporcionando uma boa ancoragem e um bom abrigo para os navios, tendo uma entrada estreita que depois se amplia bastante. Os galeões da Espanha encontram boa ancoragem aqui durante sua permanência para realizar negócios em Portobel; pois aqui recolhem tesouros do Peru que são para cá trazidos por terra do Panamá".3

Empenhando-se na captura de Puerto Bello, Morgan dispôs-se a conhecer todos os pontos fracos do porto, e descobriu que os dois fortes espanhóis que defendiam a cidade de ataques marítimos estavam inadequadamente equipados de homens. Calculando que um ataque-surpresa por terra seria sua melhor tática de ação, em julho de 1668 Morgan rumou com sua frota de doze navios para a baía de Boca del Tora, que fica a oeste de Puerto Bello. Lá ele ordenou à sua força de combate de quinhentos homens que embarcasse em uma série de canoas especialmente construídas e, ao abrigo da noite, remasse ao longo da costa até enxergar seu alvo. Em torno da meia-noite, os bucaneiros abandonariam suas canoas e

* O cirurgião-barbeiro praticava sangrias e escarificações, aplicava ventosas, sanguessugas e clísteres, lancetava abscessos, fazia curativos, excisava prepúcios, tratava as picada de cobras, arrancava dentes. A maioria era constituída de leigos, incultos e de humilde classe social. (N. T.)

3 Pope, op. cit.

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Henry Morgan

continuariam por terra, chegando aos arredores de Puerto Bello pouco antes do amanhecer.

Um grande estrategista, Morgan sabia que sua primeira missão era capturar o posto de observação da cidade, missão que rapidamente realizou, mas não antes de uma das sentinelas disparar um tiro que alertou os soldados que guardavam os dois fortes espanhóis. Esses soldados rapidamente lançaram um alarme que acordou toda a cidade, fazendo que centenas de cidadãos fugissem para salvar suas vidas. Frustrado o ataque-surpresa, Morgan enviou seus homens para a cidade, onde esperavam ficar sob fogo pesado do castelo de Santiago, mas só um canhão foi disparado das muralhas. O tiro foi mal dirigido e não deteve os atacantes. Enxergando a oportunidade, os bucaneiros correram para a cidade e capturaram o máximo possível de homens, mulheres e crianças, trancando-os em uma igreja. Um segundo grupo de bucaneiros subiu numa pequena colina, do alto da qual conseguiam ver toda Puerto Bello. De lá, começaram a disparar nos soldados do castelo de Santiago, executando-os um por um.

Tendo assumido a cidade, Morgan e seus homens visaram então aos fortes de San Geronimo e Santiago. San Geronimo estava situado em uma ilha próxima do cais do porto e, embora de início os soldados (cerca de 150) tenham resistido ao ataque de Morgan, quando viram quantos bucaneiros estavam investindo contra eles, rapidamente decidiram se render.

Santiago era um alvo bem mais difícil, e, percebendo isso, acredita-se que Henry Morgan empregou táticas infames. Sabendo que não poderia conduzir seus homens com segurança até o castelo sem que eles fossem atacados das muralhas, arrastou várias centenas de seus reféns (incluindo mulheres e crianças) das igrejas onde estavam trancados e os usou como escudos humanos. O estratagema funcionou, pois, embora vários tiros tenham sido disparados das muralhas do forte, poucos homens de Morgan morreram.

Enquanto isso, não satisfeito em atacar o forte apenas por terra, Morgan também fez um destacamento de seus bucaneiros se aproximar do forte pelo mar, de onde ergueram escadas e escalaram os muros. Entrando no castelo, içaram a bandeira vermelha, o sinal

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para o restante dos bucaneiros atacar o forte, o que fizeram com violência. Quarenta e cinco dos oitenta soldados da guarnição foram mortos na batalha subseqüente, incluindo o guardião da artilharia que, segundo alguns relatos, consta ter sido tão humilhado pela derrota de seus soldados que implorou para ser morto - e um dos homens de Morgan "amavelmente o executou com sua pistola".4 Outros relatos narram os homens de Morgan estuprando as mulheres e saqueando a cidade durante os quinze dias seguintes - mas isto é refutado pelo cirurgião-barbeiro e bucaneiro Richard Browne, que estava presente durante o ataque a Puerto Bello e escreveu em 1671: "o que aconteceu no combate e no auge do derramamento de sangue eu presumo que seja justificável. Quanto às suas mulheres, desconheço a ocorrência de qualquer coisa tomada contra a sua vontade. Algo de que tenho conhecimento foi a execução cruel, pelo capitão Collier, de um frade no campo de batalha após a tomada de um forte. Já o almirante [Morgan], era muito magnânimo com o inimigo vencido".5

Tendo tomado o castelo de Santiago, na manhã seguinte Morgan enviou dois de seus bucaneiros até o porto, para o castelo de San Felipe (ou San Phelipe), exigindo sua rendição. Mas, apesar de terem muito poucas provisões, o líder da guarnição, de início, se recusou a ceder às ameaças de Morgan. Estava determinado a resistir até o último minuto, mas, quando Morgan mandou algumas centenas de seus bucaneiros mais aparentemente ferozes para tomar o forte, o líder da guarnição mudou de opinião. Essa "virada" não teve boa repercussão com os outros oficiais de San Felipe, que começaram a questionar a decisão do seu comandante. Enquanto o inimigo estava ocupado discutindo entre si, Morgan enviou uma tropa de bucaneiros para o interior do castelo, obrigando a guarnição a se render.

Tendo capturado não apenas a cidade, mas também os principais fortes de Puerto Bello, Henry Morgan enviou então uma carta ao presidente do Panamá, Don Agustín de Bracamonte,

4 Ibidem. 5 Breverton, Admiral Sir Henry Morgan, Louisiana, Pelican, 2005.

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exigindo 100 mil pesos de prata ou do contrário toda a cidade seria destruída, juntamente com todos os seus cidadãos. Furioso diante da impertinência de Morgan, Bracamonte reuniu oitocentos de seus melhores soldados e os enviou para expulsar os bucaneiros de Puerto Bello. Entretanto, o avanço foi difícil e logo os soldados panamenhos foram desmoralizados, não só por terem de enfrentar pântanos e outros terrenos difíceis, mas também pela falta de provisões adequadas. Mesmo assim, conseguiram chegar a Puerto Bello, onde montaram acampamento. A negociações se arrastaram durante três semanas, com os homens de Bracamonte cada vez mais insatisfeitos, até que finalmente desistiram e, em 3 de agosto, segundo David Cordingly, enviaram a Morgan um pagamento de 4 mil pesos em moedas de ouro, 40 mil pesos em moedas de prata e muitas arcas cheias de pratarias, além de barras de prata no valor de cerca de 43 mil pesos.

A captura de Puerto Bello e a quantia que foi subseqüentemente paga a Henry Morgan foi uma das maiores campanhas jamais realizadas por um bucaneiro. Voltando a Port Royal, na Jamaica, Morgan foi tratado como um rei. Suas proezas chegaram até Londres, onde o embaixador espanhol fez uma petição a Carlos II solicitando a prisão de Morgan por roubo e a devolução do que foi saqueado, mas o rei recusou.

Enquanto isso, embora os bucaneiros de Morgan tenham conseguido grandes saques em Puerto Bello, esbanjaram quase tudo à moda dos piratas, em bebida e mulheres. Nessa época, Port Royal era o equivalente a um paraíso dos piratas, um parque de diversões cheio de lojas de bebidas, bares, bordéis, tavernas e casas de jogo. "Esta cidade", escreveu um clérigo do século XVII, "é a Sodoma do Novo Mundo, e como a maioria de sua população consiste de piratas, degoladores, prostitutas e de algumas das pessoas mais perversas de todo o mundo, achei que a minha permanência ali não tinha nenhuma utilidade."6

Pouco espanta então que os homens de Henry Morgan logo gastassem seus ganhos ilícitos e se vissem "clamando a seu capitão

6 Ibidem.

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Um espanhol capturado ajoelha-se diante do vitorioso Henry Morgan após a conquista da cidade do Panamá, iniciada com uma árdua marcha por terra através de 75 quilômetros de selva. Os espanhóis colocaram explosivos na cidade e a incendiaram durante sua retirada.

para irem para o mar; pois estavam reduzidos a uma condição de miséria".7

Em outubro de 1668, Morgan partiu com sua frota de navios para a Île de Vaches (também conhecidas como Isla Vaca ou Cow Island), um de seus pontos de encontro preferidos. Lá se juntou ao capitão Edward Collier, comandante da fragata Oxford, da Marinha Real, que carregava um arsenal de 34 canhões. O governo britânico enviou o Oxford para a Jamaica e suas cercanias, expressamente como um corsário, para manter os espanhóis acuados e também se apoderar do máximo de riquezas possível. Em janeiro de 1669, a frota de Morgan consistia de um total de dez navios e mais de setecentos homens. Mas nem tudo estava tranqüilo, pois, tendo transferido sua bandeira para o Oxford (que era o mais bem equipado e o maior de todos os navios) e tendo convocado um conselho de

7 Ibidem.

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guerra no qual foi decidido atacar a cidade espanhola de Cartagena, Morgan e seus homens começaram a beber, farrear e disparar seus revólveres para celebrar sua decisão. Um desses tiros atingiu um barril de pólvora e o navio explodiu. O Oxford afundou rapidamente, matando 350 membros da população. Morgan, que escapou milagrosamente, estava entre os dez que conseguiram sobreviver.

O cirurgião-barbeiro Richard Browne mais uma vez proporciona um bom relato de um episódio por ele testemunhado: "Eu estava jantando quando os mastros principais explodiram e caíram sobre Aylett, Bigford e outros, atingindo suas cabeças. Eu me salvei montando no mastro de ré".8

A explosão destruiu qualquer idéia que Morgan tivesse de tomar Cartagena, e por isso rumou com os poucos homens que lhe restaram para a lagoa de Maracaibo, na costa da Venezuela, para saquear vários portos. Entretanto, sabendo da presença de Morgan, Don Alonso del Campo, que era almirante da frota das Índias Ocidentais da Espanha, reuniu três navios de guerra e dirigiu-se para Maracaibo, com a intenção de bloquear a saída da lagoa e impedir que Morgan escapasse.

O bucaneiro teve de agir rapidamente. Havia recentemente capturado um velho navio mercante cubano e agora o disfarçava de navio de guerra fazendo aberturas em suas laterais e enfiando troncos nelas para parecerem canhões. Colocou no convés mais troncos, vestindo-os com roupas, para que parecessem marinheiros, e encheu o navio de pólvora e rastilhos. "Com a bandeira de Morgan em seu mastro principal, o navio mercante liderou o ataque, acompanhado por duas pequenas fragatas. Rumaram diretamente para o maior dos navios espanhóis ancorados, o Magdalena, de 142 toneladas. O navio mercante navegou ao lado do Magdalena e foi prendido a ele por ganchos. Os rastilhos foram acesos e os doze bucaneiros que estavam a bordo escaparam nos barcos."9 Depois de apenas alguns segundos, o navio mercante explodiu e incendiou o Magdalena, que afundou sem deixar vestígio. Os outros dois navios

8 Ibidem. 9 Cordingly, op. cit.

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espanhóis saíram rapidamente do porto, mas em sua pressa um deles encalhou num banco de areia, enquanto o outro era capturado por Morgan.

No entanto, uma vitória total ainda estava um pouco distante, pois, embora Morgan tenha destruído três navios de Don Alonso, ainda tinha de negociar para passar pelo forte do porto e navegar de volta para a Jamaica. Entrou em negociações com Don Alonso, mas, quando estas deram em nada, mudou de tática e decidiu enganar o espanhol. Morgan enviou toda uma frota de pequenos barcos cheios de soldados em direção à praia, para fazer Don Alonso acreditar que ele estava preparando um ataque por terra ao forte. Mas, na escuridão da noite, esses pequenos barcos voltaram para o navio de Morgan com todos os seus homens. O truque funcionou. O espanhol, acreditando que Morgan estava prestes a atacá-los por terra, concentrou todas as suas forças no lado do forte que estava voltado para a terra. Enquanto isso, Morgan levantou âncora e, silenciosamente, passou pelo forte a caminho do mar.

De volta à Jamaica, foi novamente recebido como um herói. No entanto, um mês depois de seu retorno, Morgan recebeu más notícias: o governador da Jamaica, Sir Thomas Modyford, havia acabado de receber uma carta de Lord Arlington, de Londres, comunicando que as hostilidades com a Espanha deveriam cessar. Encarando a situação com coragem, Morgan decidiu que o melhor a fazer seria descansar até que a situação política se acomodasse. Decidiu se concentrar nos negócios e investir parte do seu dinheiro na compra de 836 acres de terra na paróquia de Clarendon, perto da aldeia de Chapeltown.

Mas seus homens não estavam nem um pouco satisfeitos, pois, tendo gasto tudo o que ganharam com seu ataque a Maracaibo, mais uma vez começaram a pressionar Morgan para organizar uma expedição. Disseram que essa tarefa cabia a ele, que era o seu líder. Era seu dever providenciar para que eles estivessem abastecidos. Ao mesmo tempo, Sir Thomas Modyford soube que a rainha da Espanha — apesar de a Inglaterra ter cessado as hostilidades com aquele país — havia autorizado seus homens a pegar em armas contra os ingleses nas Índias Ocidentais Espanholas.

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Consequentemente, um corsário chamado capitão Rivero atacou as ilhas Cayman e depois atacou um corsário jamaicano que, na época, estava navegando próximo de Cuba. Não satisfeito com essas duas vitórias, em junho de 1670, Rivero aportou na baía de Montego, na Jamaica, atacando a cidade e incendiando algumas de suas casas. Pior que isso, chegou às autoridades em Port Royal a notícia de que a Espanha havia declarado guerra à Jamaica. Modyford reuniu-se com outros oficiais para discutir o assunto, finalmente concordando que Henry Morgan fosse oficialmente encarregado de reunir uma frota "e atacar, tomar e destruir todos os navios do inimigo que estivessem ao seu alcance".10

Henry Morgan recebeu suas instruções em 1º de agosto de 1670 e, depois, partiu de Port Royal em sua nova capitânia, Satisfaction, de 120 toneladas, armada com 22 canhões grandes, seis canhões pequenos e vários canhões pequenos suplementares de bronze. O Satisfaction estava também acompanhado por 36 outros navios (28 dos quais eram ingleses), que no total tinham uma tripulação de mais de 2 mil homens. Navegando rumo a seu ponto de encontro preferido, na Île des Vaches, "Morgan deu a todos os capitães ordens por escrito, autorizando-os a agir contra a nação espanhola e a tomar quantos navios pudessem, quer no mar ou no porto, como se tivessem se declarado inimigos do rei da Inglaterra".11 Morgan também convocou um conselho de guerra em que foi acertado que o principal objetivo de seu ataque combinado seria "a rica cidade do Panamá".

Depois de pouco mais de uma semana, em 11 de dezembro de 1670, a frota partiu da Île de Vaches em direção a San Lorenzo, na foz do rio Chagres, para tomar o castelo de Santa Teresa. Os soldados do castelo lutaram ferozmente contra os homens de Morgan, e muitas vidas foram perdidas de ambos os lados, mas acabaram sendo derrotados e a bandeira inglesa foi içada sobre as muralhas do castelo. Dali, a frota de Morgan navegou rio acima, onde em algum ponto pararam e se transferiram para pequenas embarcações

10 Pope, op. cit. 11 Course, Pirates of the Western Seas, Londres, F. Muller, 1969.

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Frota de Henry Morgan em ação contra os espanhóis próximo a Maracaibo, na Venezuela. Morgan saqueou cidades e portos ao longo da costa antes de destruir um navio de guerra espanhol e capturar outros dois.

e canoas que foram conduzidas a remo; rio acima, todos os homens desembarcaram e prosseguiram quase 80 quilômetros pela selva a pé. Foi uma jornada difícil e vários bucaneiros perderam suas vidas durante a caminhada, seja em ataques de índios hostis seja de má nutrição ou doenças como malária e febre amarela. As coisas não estavam muito melhores quando saíram da floresta e entraram na planície. O presidente do conselho municipal, Don Juan Perez de Guzman, havia sido informado da tentativa de Morgan no Panamá e reuniu suas tropas — mais de 2 mil homens, incluindo quatrocentos a cavalo — para obstruir a passagem de Morgan.

Em 21 de janeiro de 1671, Morgan, tendo repousado o máximo possível seus homens, decidiu atacar os espanhóis.

Havia uma vanguarda de trezentos homens sob o comando do capitão John Morris e do coronel Lawrence Prince, um corpo principal de trezentos sob o comando de Morgan à direita e trezentos sob o comando de Collier à esquerda, além de uma retaguarda de trezentos sob o comando do coronel Bledri Morgan [...] Morgan chamou esse losango de sua “tertia”, com lacunas estreitas entre

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os setores dianteiros, intermediários e traseiros. Com 36 anos de idade, Morgan estava prestes a atacar a única cidade que rivalizava com Lima em sua riqueza no mundo do século XVII.12

Entretanto, sabendo que seria tolice realizar um ataque frontal ao exército de Don Juan, Morgan inteligentemente mandou uma de suas unidades cercar o lado dos espanhóis e ocupar o cume de um monte à direita da cidade. Enquanto isso, os homens de Don Juan, tanto aqueles que estavam a cavalo quanto os que estavam a pé, acreditando que as tropas de Morgan estavam recuando, foram em frente. A confusão permitiu que os homens de Morgan, que estoicamente estabeleceram sua base, pudessem abatê-los com segurança. Os espanhóis, que, até então, tinham a vantagem de estar bem alimentados, descansados e prontos para a batalha, começaram a recuar. Enquanto fugiam, os homens de Morgan os seguiram e esquartejaram, arrancando membro por membro, cortando cabeças, braços e pernas até que, no meio do dia, a planície estava coberta de centenas de espanhóis mortos ou gravemente feridos.

Embora os espanhóis estivessem perdendo a batalha, Don Juan ainda tinha uma surpresa em sua manga. Enquanto Morgan e seus homens abriam caminho através da mata, Don Juan carregara os navios com todo o tesouro do Panamá e partiu para alto-mar. Além disso, encheu várias casas da cidade de pólvora e instruiu seu capitão de Artilharia para explodir os depósitos de munição caso os homens de Morgan alcançassem a cidade.

Com o exército espanhol recuando, os homens de Morgan rapidamente os seguiram cidade adentro no momento em que o capitão de Artilharia acendeu os rastilhos dos barris de pólvora. As explosões, que soaram como se o céu estivesse se abrindo, podiam ser ouvidas a quilômetros de distância. Logo as casas foram atingidas e todas as ruas se incendiaram. Don Juan havia ordenado que outros de seus homens cercassem os arredores da cidade com tochas, iluminando qualquer estrutura de madeira à vista. Desesperados para encontrar o tesouro entre as casas em chamas,

12 Breverton, op. cit.

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os bucaneiros de Morgan corriam de uma casa para outra, esperando descobrir esconderijos de ouro e outros itens preciosos. Quanto mais longe procuravam, mais zangados ficavam e, pouco a pouco, perceberam que a maior parte das riquezas havia sido removida. Ao cair da noite, toda a cidade estava iluminada pelo incêndio e, na madrugada, apenas algumas poucas estruturas de pedra permaneciam de pé. "Assim foi consumida", escreveu Morgan a Thomas Modyford, em Port Royal, "a famosa e antiga cidade do Panamá, o maior mercado de prata e ouro de todo o mundo."13

Mas se Don Juan achava que ia sair impune com os tesouros do Panamá, estava redondamente enganado. Depois que o incêndio terminou, os homens de Morgan começaram a torturar qualquer um que achassem que poderia lhes dar informações sobre o ouro dos espanhóis — até que finalmente a violência deu frutos. Após várias semanas, os bucaneiros acumularam uma considerável quantidade de pilhagem que carregaram pela mata até os navios de Morgan. No entanto, ao dividir o espólio, dizem que cada homem recebeu apenas quinze libras. A quantia irrisória devia-se sem dúvida ao fato de que ainda havia muitos soldados para receber uma parte do espólio, embora algumas pessoas afirmem que ficou tudo para Morgan, que teria enganado seus homens na divisão. Uma dessas pessoas era Alexander Olivier Exquemelin, que iria escrever o famoso Buccaneers of America. Quase metade dessa obra é dedicada a Henry Morgan, descrito como um pirata cruel, mentiroso e inescrupuloso. Na verdade, depois do saque do Panamá, Exquemelin acusou Morgan de torturar vários dos cidadãos da cidade para obter informações sobre o tesouro oculto. Um pobre homem foi submetido a mais do que merecia:

Não conseguindo extorquir nenhuma confissão dele, eles [os homens de Morgan] primeiro o colocaram na roda, onde de forma desumana deslocaram seus braços. Depois disso, enrolaram uma corda em torno da sua testa, e a apertaram tão fortemente que seus olhos pareciam grandes como ovos, e prontos para sair das órbitas. [...]

13 Earle, The Sack of Panama, Nova York, Viking, 1981.

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Em seguida, deram-lhe infinitos golpes e chicotadas, enquanto estava pendurado e sob aquela dor intolerável.,14

A tortura não parou aí, pois, não tendo ainda ouvido o que desejavam, Exquemelin declara que os homens de Morgan cortaram o nariz e as orelhas de sua vítima antes de queimar seu rosto. Finalmente, percebendo que o homem não ia revelar nenhuma informação útil, eles ordenaram a um escravo negro atravessar o homem com uma espada.

Quando o livro de Exquemelin foi publicado na Inglaterra, cópias dele foram enviadas para Morgan que, em vez de se ofender diante das cenas de tortura, objetou o fato de o autor chamá-lo de pirata em vez de corsário. Morgan, em seguida, processou os editores por calúnia, mas, antes de o assunto chegar a julgamento, o caso foi retirado dos tribunais com Morgan recebendo duzentas libras pelos danos recebidos. As edições posteriores do livro foram então emendadas; mas o estrago já estava feito e até hoje muitas pessoas ainda acreditam na versão dos eventos de Exquemlin, excluindo todas as outras.

Depois do ataque ao Panamá, Morgan voltou à Jamaica, deixando que a maioria dos bucaneiros que lutaram ao seu lado se dispersasse para onde quisesse. Muitos do contingente francês rumaram para Hispaniola e para a ilha de Tortuga, enquanto outros decidiram ir para Honduras e se estabeleceram como lenhadores. O ataque ao Panamá foi a última ação combinada dos Confrades da Costa de Morgan. A pirataria, em todas as suas formas, continuou nessas águas — na verdade, aumentou em tal intensidade que a certa altura o comércio nas Índias Ocidentais tornou-se quase impossível. Mas esses eram ataques isolados realizados por piratas individuais, e não por toda uma frota sob uma bandeira.

Morgan retornou à Jamaica e mais uma vez foi recebido como herói. Em 10 de junho de 1671, o conselho da Jamaica agradeceu-lhe pessoalmente por seu ataque ao Panamá. Mas se aqueles das Índias lhe eram gratos, aqueles de Londres não estavam

14 Exquemelin, The Buccaneers of America, Londres, 1684.

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feitos, pois, apesar da carta da rainha da Espanha dizendo que os corsários espanhóis iriam atacar os ingleses nas Índias, Londres ainda insistia em que não estava em guerra com a Espanha. Os espanhóis ficaram tão chocados e horrorizados pelas ações de Morgan no Panamá que as notícias do ataque teriam colocado a rainha da Espanha em tal "desequilíbrio e excesso de choro e paixão violenta que aqueles que a cercavam temeram que aquilo pudesse encurtar sua vida".15

Londres depois disso responsabilizou consistentemente os corsários pelos ataques, insistindo que eles não tinham agido sob ordens oficiais. Em conseqüência disso, Sir Thomas Modyford foi afastado do cargo e substituído por Sir Thomas Lynch no governo da Jamaica. Quando voltou para a Inglaterra, Modyford foi atirado na Torre de Londres (provavelmente para acalmar os espanhóis), onde permaneceu durante dois anos. No entanto, os espanhóis não se acalmaram e continuaram o alarde até que, por fim, em 2 de abril de 1672, Henry Morgan foi preso e voltou para a Inglaterra no Welcome de Sua Majestade.

Durante dois anos, Morgan esperou para ouvir seu destino. Enquanto isso, ocupou-se dirigindo um requerimento a Lord Arlingon sobre como melhorar as defesas por mar da Jamaica, além de se manter em constante contato com o governador Lynch, que por sua vez mantinha Morgan informado sobre as atividades de pirataria em torno da Jamaica. Mas se os espanhóis achavam que Morgan seria preso por sua participação na expedição ao Panamá, suas expectativas malograram, pois não havia juiz ou júri na Inglaterra que ousasse condená-lo. Na verdade, em vez ser punido, em 22 de janeiro de 1674, foi nomeado cavaleiro pelo rei Carlos II, com o que teria ficado muito grato, tendo até mesmo presenteado o rei com uma caixa de rapé decorada com seu retrato e ornada com diamantes.

Logo depois disso, o governador Lynch foi demitido de seu cargo na Jamaica e substituído por Lord Vaughn, como governador,

15 Pope, op. cit.

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Quando Henry Morgan atacou e capturou Puerto Bello no Panamá, enviou uma carta ao presidente do conselho municipal exigindo 100 mil pesos de prata, ameaçando que, se essa quantia não fosse paga, ele destruiria a cidade e todos os seus habitantes. Finalmente, a quantia foi paga.

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e o recém-nomeado cavaleiro Sir Henry Morgan como governador substituto.

Morgan viajou em triunfo de volta às Índias Ocidentais, em um navio chamado Jamaica Merchant. Mesmo quando seu navio naufragou na Île des Vaches, ele não ficou abatido. E com toda a razão, pois, alguns dias depois de ele e sua tripulação terem sido levados para a praia, foram resgatados por um navio mercante que passava, e devidamente entregues em Port Royal em 6 de março de 1676.

Durante os anos seguintes, concentrou-se no seu papel de governador substituto e na administração de suas usinas de açúcar e outros interesses comerciais. Infelizmente, não achou fácil trabalhar com Lord Vaughn e diz-se que este último queixou-se ao escrever para Sir Joseph Williamson que a "imprudência e inadequação" de Morgan "nada tinham a ver com o governo civil [...] Sir Henry tornou-se, e a sua autoridade, tão desmoralizado no Porto, bebendo e jogando nas tavernas, que pretendo me afastar rapidamente devido à reputação da ilha".16 Este pode ter sido um momento de mau humor de Lord Vaughn, mas o fato era que Morgan não se dava bem em um cargo em terra firme. Só quando Lord Vaughn foi demitido de seu cargo e Morgan assumiu como governador interino da Jamaica ele realmente voltou a ser independente.

Temendo ataques da França, Morgan ordenou a construção de dois novos fortes para guardar o porto de Port Royal. Também enviou alguns barcos à vela para a Île des Vaches, onde o Jamaica Merchant havia afundado, para recuperar os canhões daquele navio. A missão foi bem-sucedida e 22 canhões foram resgatados e trazidos de volta à Jamaica para ajudar a construir suas defesas. Morgan também tentou, talvez de modo um tanto hipócrita, livrar Port Royal das centenas de piratas que agora o usavam como sua base. O sucesso obtido pela operação limpeza deveu-se em sua maior parte à ameaça de Morgan de enforcar os piratas em Gallows Point caso eles não deixassem a ilha.

Finalmente, em 1682, Sir Henry Morgan renunciou a seu cargo de governador da Jamaica. Tendo sempre gostado de beber,

16 Ibidem.

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ele agora refugiou-se intensamente na bebida e continuou com seu estilo de vida dissoluto até o fim. Hans Sloane, que era seu médico, descreveu Morgan em seus últimos anos como estando "magro, pálido e com olhos amarelados e uma barriga proeminente".17 Mas, apesar da óbvia deficiência de sua saúde, Morgan continuava a abusar de seu corpo, participando de bebedeiras com uma semana de duração com seus amigos, até que "seu corpo inchou tanto que ele não coube mais em seu casaco".18

Sir Henry Morgan morreu em 25 de agosto de 1688, com cerca de 53 anos. Quase quatro anos depois, em 7 de junho de 1692, um terremoto, associado a uma onda, atingiu Port Royal, lar de Morgan durante tantos anos, quase a destruindo totalmente. O número de mortos foi estimado entre 2 mil e 3 mil, e somente duzentas casas sobreviveram à tragédia.

Port Royal não foi reconstruída. Kingston, depois, tornou-se o maior porto da ilha, mas os visitantes da velha cidade hoje vão encontrar uma placa da Fundação da Herança Nacional da Jamaica que diz:

Um dia chamada de “a cidade mais rica e perversa do mundo”, Port Royal era também a capital virtual da Jamaica. Para cá vieram homens de todas as raças, tesouros de sedas, dobrões e ouro de navios espanhóis, saqueados em alto-mar pelos famosos “Confrades da Costa”, como eram chamados os piratas. Daqui partiram as frotas de Henry Morgan, mais tarde governador substituto da Jamaica, para a pilhagem de Camaguey, Maracaibo e Panamá, que morreu aqui, apesar dos esforços de seu curandeiro jamaicano [...]

Embora visto por alguns como um herói e tendo atingido durante sua vida uma posição de grande importância e status social elevado, Henry Morgan certamente deve ser lembrado como um dos mais bem-sucedidos e desumanos piratas de todos os tempos.

17 Course, op. cit. 18 Pope, op. cit.

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CAPITÃO KIDD Pirata ou Corsário?

Vou apresentar agora um relato de uma pessoa cujo nome é mais conhecido na Inglaterra do que

muitos daqueles das histórias que já relatamos; a pessoa à qual estou me referindo é o capitão

Kidd, cujo julgamento e execução públicos aqui o tornaram tema de todas as conversas, e por isso

seus atos têm sido cantados em baladas ...

CAPITÃO CHARLES JOHNSON, A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates

Em 23 de maio de 1701, pouco depois das duas da tarde, um pequeno grupo de piratas condenados foi conduzido da prisão de Newgate, de carroça, em uma procissão de 4,5 quilômetros pelas ruas de Londres, para enfrentar o patíbulo. Nessa jornada, os homens passariam não apenas pelos quartéis-generais da Companhia das Índias Ocidentais, em Leadenhall, mas também próximo da Torre de Londres — aquela imensa fortaleza de pedra que simbolizava o poder inglês. Uma enorme multidão reuniu-se para o evento e, por isso, o trajeto demorou duas horas para ser concluído. Ao longo do caminho, as pessoas gritavam e tentavam empurrar os prisioneiros, até que a carroça finalmente chegou ao seu destino, a Doca de Execução. Lá ficava o patíbulo: "uma viga de madeira sustentada por duas vigas verticais e uma plataforma levantada, com alguns degraus conduzindo até ela. Mourões sólidos e curtos, que podiam ser arrancados, sustentavam a plataforma, que tinha de ser

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firme o bastante para agüentar o peso dos homens condenados, do executor e de alguns padres".1

Havia dez prisioneiros, seis dos quais, ao sair da carroça, foram conduzidos para um lado, onde lhes foi concedido indulto. Os quatro remanescentes não foram tão afortunados. O executor os conduziu até o patíbulo, onde cordas foram colocadas em torno de seus pescoços, e em seguida foi permitido a cada homem dizer suas últimas palavras. Darby Mullins, Jean DuBois e Pierre Mingueneau mal conseguiram falar, tão apavorados estavam com que os esperava. O quarto homem foi diferente: o capitão William Kidd, embora cheio de rum, conseguiu gritar que não era culpado, que foi sua tripulação amotinada que havia errado. Suas palavras foram inúteis e, minutos mais tarde, após uma prece curta, o alçapão se abriu. Cada um dos homens caiu quinze centímetros e começou a espernear, "dançando a hempen jig”,* mas então algo extraordinário ocorreu.

O capitão Kidd caiu ao chão. A multidão parou de gritar; todos se voltaram para o carrasco. Às vezes, quando algo desse tipo ocorria, as autoridades, acreditando que se tratasse de um ato de Deus, permitiam que o condenado fosse libertado, mas no caso de Kidd isso não iria acontecer. Assim que ele se levantou, o carrasco conduziu-o de volta ao patíbulo, onde mais uma vez uma corda foi colocada em torno do seu pescoço. Dessa vez, quando o alçapão se abriu, o capitão Kidd encontrou seu fim. Foram então cortadas as cordas dos quatro corpos e eles foram amarrados a postes onde três marés lavariam seus corpos — a maneira tradicional de execução do Almirantado (ver também o capítulo sobre John Avery, p. 106-7). Mais tarde, o corpo de Kidd foi desamarrado do poste e conduzido por barco cerca de quarenta quilômetros rio abaixo, até Tilbury Point, onde foi erguido em uma gaiola de ferro como advertência a todos os marinheiros que seguissem seu exemplo. Era um fim ignominioso para uma vida que foi repleta de aventuras, uma morte

1 Richard Zacks, The Pirate Hunter, Londres, Headline Book, 2003. * "Dancing the hempen jig" [dança do cânhamo] — expressão usada pelos piratas para se

referir ao enforcamento (as cordas eram em geral feitas de fibras de cânhamo). (N. T.)

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Capitão Kidd

espalhafatosa para um homem que foi em grande parte responsável pelas lendas de fugas ousadas e tesouros enterrados que passaram a resumir a vida dos piratas.

William Kidd nasceu em torno de 1645 no porto escocês de Greenock, no estuário de Clyde. Além do fato de seu pai ser um ministro presbiteriano, pouco se sabe sobre sua infância, exceto que, quando adolescente, ele foi para o mar, logo se tornando um corsário — não um pirata, mas uma espécie de mercenário náutico usualmente empregado pelo governo da época para atacar navios de uma nação inimiga em troca de uma percentagem do espólio (ver Glossário). Na época elisabetana, tanto Sir Walter Raleigh quanto Sir Francis Drake atuaram como corsários contra os espanhóis, tornando esta uma profissão legítima, que podia proporcionar uma boa vida a um corsário bem-sucedido.

O primeiro navio capitaneado por Kidd foi o Blessed William. Estabelecido no Caribe, seu primeiro ataque foi ao território francês de Marie Galante, no grupo de ilhas Windward distantes de Guadalupe, e depois lutou contra cinco navios de guerra franceses próximo à ilha de St. Martins. No entanto, assim que Kidd conseguiu essas vitórias, seus homens decidiram que, em vez de corsários, eles preferiam a vida mais fácil dos piratas. Em fevereiro de 1690, em Falmouth Harbor, em Antiqua, eles tomaram o Blessed William e abandonaram Kidd. Sem navio e sem dinheiro, este poderia ter sido o seu fim, mas por sorte o governador de Nevis, grato a Kidd por ter expulso os miseráveis franceses, presenteou-o com um navio de guerra francês com dezesseis canhões, que Kidd renomeou de Antigua.

Em 1691, o capitão William Kidd partiu para Nova York. Havia rumores de que seu antigo navio, o Blessed William, estava ancorado lá, mas, quando chegou à cidade, ele já havia partido. Kidd permaneceu em Nova York e, em 16 de maio, casou-se com uma mulher chamada Sarah Oort, dezesseis anos mais moça e considerada uma das mulheres mais ricas da cidade, possuindo cinco excelentes propriedades em Manhattan. Os recém-casados ficaram em dúvida ao escolher um lugar para morar, mas finalmente se estabeleceram em uma casa em Pearl Street, na extremidade sul da

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O pirata escocês William Kidd passou a maior parte da sua vida no mar, até que se casou e se estabeleceu em Nova York em 1691. Desenvolveu vários negócios bem-sucedidos e chegou a iniciar uma família, até que a sedução do mar tornou-se tão forte que ele não conseguiu resistir.

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ilha de Manhattan, próxima do antigo porto. Durante os quatro anos seguintes, Kidd desenvolveu vários negócios bem-sucedidos e teve duas filhas, mas, como homem que passou a maior parte da sua vida no mar, logo ansiou estar a bordo de um navio. Em 1695, retornou à Inglaterra, onde esperava conseguir novas incumbências como corsário.

Foi nesse período que Kidd conheceu Robert Livingstone, um comerciante de Albany, na América, que havia chegado recentemente a Londres. Juntos, começaram a procurar patrocinadores para suas operações de corsários e finalmente entraram em contato com Lord Bellomont, que, além de ser membro do Parlamento, havia sido recém-nomeado governador da baía de Massachusetts - ele próprio necessitando desesperadamente de dinheiro. Os três homens formaram uma sociedade, por meio da qual comprariam um navio e o equipariam com uma tripulação de homens fortes que navegariam para o oceano Índico, onde Kidd iria capturar o máximo possível de navios piratas.

Cabia a Bellomont levantar recursos, o que fez persuadindo quatro membros dos Whigs a doar grandes somas de dinheiro para a operação: os lordes Shrewsbury, Somers, Romney e Orford. A sociedade se aproximou do Almirantado para tentar conseguir um comissionamento de corsário que — pelo fato de a Inglaterra estar em guerra com a França — lhes foi concedido contra os navios franceses. Para caçar embarcações piratas, a sociedade teria de obter uma patente autenticada pelo sinete real e assinada pelo lorde guardião (que, muito convenientemente, era Lord Somers), para que Kidd pudesse rastrear "piratas, flibusteiros e ladrões do mar".2 Mas talvez a melhor parte de toda a operação tenha sido o fato de o próprio rei ser convencido a se envolver. Guilherme III deu sua aprovação ao comissionamento de corsário de Kidd e autorizou que todos os parceiros envolvidos ficassem com os lucros de quaisquer navios capturados, contanto que ele recebesse 10% do total.

Estabelecidas as condições, tudo o que restava a ser feito era

2 David Cordingly, Life Among the Pirates, Londres, Utile, Brown and Company, 1995.

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comprar um navio de guerra: um navio de 287 toneladas, com 34 canhões, chamado Adventure Galley. Ele havia sido construído em Deptford, às margens do Tâmisa, em 1695, e tinha oarports (aberturas para os remos) e sweeps (remos estendidos que podiam ser usados quando o navio entrava em águas calmas). O Adventure Galley tinha capacidade para carregar até 150 homens — apesar do seu tamanho, era capaz de navegar tão depressa, se não mais, quanto qualquer dos navios de guerra da Marinha Real.

Em 10 de abril de 1696, o capitão William Kidd partiu para a América, chegando a Nova York no verão, onde recrutou mais noventa homens para se unirem à sua tripulação. Kidd então rumou para a África, uma jornada de cerca de 3100 milhas e, em 27 de janeiro de 1697, ancorou em Funchal, na costa oeste de Madagascar. Durante um mês, a tripulação do navio descansou antes de partir novamente, primeiro para Johanna Island, depois para Mohilla Island, onde Kidd perdeu trinta de seus homens por doença. Embora essas mortes fossem inquietantes, o mais angustiante foi o fato de que até aquele momento eles praticamente não haviam se deparado com navios inimigos. Como foram contratados na base de "sem lucros, sem pagamento", eles não haviam ganho nada nos últimos meses. A situação estava ficando desesperadora. Kidd tinha de tomar uma decisão logo, do contrário, seus homens iriam desertar, mas é interessante notar que, embora ele estivesse em dificuldades, em momento algum parecia ter considerado a pirataria. Como observa Charles Johnson, "não parece que ele tivesse a menor intenção de se tornar pirata; pois, perto de Mohilla e de Johanna, encontrou vários navios das Índias carregados de preciosidades, contra os quais não não cometeu a menor violência, embora fosse forte o bastante para derrotá-los".3

Em vez disso, se dirigiu para o mar Vermelho, mas, ao chegar lá, não tentou localizar alvos legítimos, pois algo parece ter levado Kidd a considerar atacar navios cuja captura não lhe era permitida. Ele só tinha autorização para capturar navios franceses ou aqueles que navegassem com bandeira pirata, porém, em algum

3 Charles Johnson, A General History ... (1724), Londres, Conway Maritime, 1998.

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ponto entre Madagascar e o mar Vermelho, ele decidiu violar o trato.

Em 11 de agosto de 1697, a frota do mar Vermelho partiu de Mocha sob a forte proteção de três navios europeus empregados pela Companhia das Índias Ocidentais, dos quais o mais proeminente era o Sceptre, com quarenta canhões, comandado por Edward Barlow, recém-nomeado após a morte repentina do capitão anterior. Notando que um estranho navio os seguia, Barlow ficou cada vez mais desconfiado ao observar que o perseguidor estava portando uma bandeira vermelha — não, como alguns analistas sugeriram, a assustadora bandeira dos piratas, mas, em vez disso, uma bandeira vermelha mais estreita, às vezes empregada pela Marinha Real para indicar um navio reivindicando superioridade. Barlow estava confuso, mas, precavido contra os navios piratas e determinado a não se tornar vítima de uma emboscada, decidiu se preparar para o ataque. Disparou um tiro de advertência e içou a bandeira da Companhia das Índias Ocidentais, mas, intrépido, Kidd seguiu na direção de um dos navios do comboio de Barlow, que então ordenou a seus homens baixar um barco e remar até o Adventure Galley. Quando se aproximou, ordenou que atirassem contra Kidd, o qual, temendo por sua vida, rapidamente se retirou de cena e navegou para longe dali.

Humilhado por essa derrota e com uma tripulação cada vez mais prestes a se amotinar, Kidd estava agora desesperado. Aproximando-se da costa de Malabar e avistando um pequeno navio comercial, o Mary, que estava indo de Aden para Bombaim, fez seus homens darem um tiro de advertência no meio da sua proa e se posicionarem ao lado do navio. Este, que portava uma bandeira inglesa, não era um alvo autorizado para Kidd; apesar disso, ele prendeu seu comandante, o capitão Thomas Parker, enquanto torturava a tripulação do Mary para descobrir onde guardavam sua carga de valor. Johnson escreve: "ele também tratou os homens com muita crueldade, fazendo-os ser içados a poder das armas, e provocados com um alfanje, para obrigá-los a revelar se tinham dinheiro a bordo, e onde ele estava, mas, como não tinham nem ouro nem prata a bordo, não conseguiram nada com sua

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crueldade".4 No entanto, Kidd decidiu usar o amplo conhecimento do capitão Parker da costa das Índias para seus próprios propósitos, e o obrigou a pilotar o Adventure Galley até a costa da Índia, onde esperava saquear navios mais ricos e, assim, enriquecer a si mesmo e a seus homens.

Enquanto isso, saqueado e abandonado por Kidd, o Mary rumou para o porto de Bombaim, onde sua tripulação imediatamente relatou às autoridades portuguesas o ato de pirataria que havia sido cometido contra eles.

Agora, o Adventure Galley estava se dirigindo para Carawar, na costa ocidental da Índia. O moral a bordo estava o tempo todo baixo — não só a tripulação não recebia pagamento desde que tinham deixado a Inglaterra, como também estavam praticamente sem água. Kidd conseguiu água e depois foi num bote até a praia para encontrar os representantes da Companhia das Índias Ocidentais que tinham seus escritórios em Carawar. Esses dois cavalheiros, Thomas Pattle e John Harvey, relataram depois a reunião a Sir John Gayer no quartel-general da companhia em Bombaim:

Ele [o Capitão Kidd] tem a bordo 140 homens e 36 canhões. Disse que esteve em Mohilla, Madagascar etc, outros lugares em busca de piratas, mas ainda não havia encontrado nenhum; e agora veio para esta costa com o mesmo propósito; nós entendemos que esteve em Moco [Mocha]. Ele disse que pensava encontrar piratas ali, mas estamos inclinados a acreditar que não foi isso que aconteceu, pois nos navios do comboio não teve nenhum escrúpulo em trazer dois ou três homens de Surratt. Ele insistiu que não ferirá ninguém, exceto aqueles autorizados pelo rei da Inglaterra. Mas, não obstante suas justas palavras, duvidamos muito que seus planos sejam tão honestos quanto deveriam.5

Apesar das suas reservas, Pattle e Harvey decidiram não antagonizar Kidd tentando prendê-lo, e concluíram que o melhor

4 Ibidem.

5 Zacks, op. cit.

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modo de agir era observar e esperar mais provas. Eles também não teriam que esperar muito, pois, pouco depois de Kidd ter retornado para o seu navio, dois dos membros da sua tripulação, Benjamin Franks e Jonathan Treadway, procuraram os escritórios da Companhia das Índias Ocidentais para pedir asilo. A razão dessa solicitação? Porque Kidd estava tentando transformá-los em piratas contra a sua vontade. Como se isso não fosse suficientemente condenatório, Franks e Treadway ainda acusaram Kidd de ter saqueado um navio inglês fora de Bombaim — o Mary — e de deter seu capitão contra a sua vontade. Daí em diante, o capitão William Kidd foi oficialmente rotulado de pirata, embora tenha sido um outro incidente que estabeleceu de fato sua reputação como um homem cujo caminho não se devia cruzar.

Em 30 de outubro de 1697, foi iniciada uma discussão entre Kidd e seu atirador, William Moore. Como sempre, a tripulação do Adventure Galley estava reclamando sobre a falta de riquezas, quando de repente Kidd, cansado de ouvir esse tipo de conversa, voltou-se contra Moore e o chamou de cão piolhento. Dizem que Moore replicou: "se eu sou um cão piolhento, foi você quem me fez assim; você me arruinou e a muitos mais".6 Furioso com esse comentário, Kidd pegou então um balde de madeira com aro de ferro e bateu na têmpora do atirador. Moore imediatamente caiu ao chão e, apesar dos esforços do cirurgião, jamais recuperou a consciência. Ele morreu no dia seguinte, mas, em vez de lamentar o que havia feito, Kidd não se arrependeu — a tripulação ficou ainda mais descontente e agora, mais do que nunca, relutava em trabalhar sob as ordens do capitão.

Mesmo nesse clima, continuaram com ele e, alguns meses depois da morte de Moore, em 30 de janeiro de 1698, o Adventure Galley deteve o Quedah Merchant, um navio mercante de quatrocentas toneladas que carregava dezoito canhões, próximo à costa de Malabar. Comandado por um capitão inglês, John Wright, o Quedah Merchant estava levando uma carga de ópio, musselina,

6 Robert C. Ritchie, Captain Kidd and the War Against the Pirates, Cambridge (MA), Harvard University Press, 1486.

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seda, açúcar mascavo, ferro e calico* para Bengali. Kidd, vendo a sua oportunidade de uma matança rápida, colocou o Adventure Galley a seu lado, ostentando uma bandeira francesa. Nessa época, em alto-mar, era comum os navios mercantes terem salvo-conduto de várias nacionalidades para evitar serem capturados por corsários. Como o capitão Kidd ostentava a bandeira francesa, o capitão Wright apresentou um salvo-conduto francês. Esse foi um erro fatal. Kidd, sabendo que poderia atacar legalmente navios franceses, fez exatamente isso — embora na verdade o Quedah Merchant não fosse francês, mas de origem armênia (seu proprietário era Coji Baba), com uma carga que pertencia em sua maioria ao grão-mogol da Índia.7

Nada disso importava a Kidd, que estava ansioso para vender o mais rapidamente possível os produtos do Quedah Merchant. Ele rumou para o porto de Kalliquilon (ou Caliquilon), onde vendeu alguns por 7 mil libras (embora mantivesse escondido um estoque de jóias e ouro) antes de partir em busca de mais tesouros.

Nos meses seguintes, Kidd capturou com sucesso outro navio, o Rouparelle, e um navio português, que manteve como escolta para o Adventure Galley, depois voltou para Madagascar e para o porto de Santa Maria. Já estava ancorado no porto o navio pirata Resolution, sob o comando de Robert Culliford. Esse foi um bom teste para as intenções de Kidd. Se ele fosse um corsário honesto, não teria outra opção senão prender Culliford e confiscar o Resolution (anteriormente conhecido como Mocha Frigate). Mas isso nunca aconteceu. Kidd informou Culliford de que não iria colocá-lo sob custódia e chegou até mesmo a beber vários tragos em companhia do velho lobo-do-mar.

O capitão ficou quatro meses em Madagascar para que ele e sua tripulação pudessem descansar. Durante esse período decidiu abandonar o Adventure Galley, que Charles Johnson descreve como estando agora "muito velho e avariado", sendo mais um estorvo do que uma ajuda para Kidd. Substituiu-o pelo bem superior Quedah

6 Tecido de algodão fino da Índia, um pouco mais grosso que a musselina. (N. T.) 7 Cordingly, op. cit.

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Merchant, renomeando seu novo navio de Adventure Prize. Ao sair e alcançar uma das ilhas de interesse da Holanda, ficou chocado ao saber que a Companhia das Índias Ocidentais (induzida pela queixa de Edward Barlow, do Sceptre), o havia proclamado pirata, determinando que ele deveria ser caçado e conduzido a julgamento.

Kidd escolheu a ilha dinamarquesa de St. Thomas, da Companhia das Índias Ocidentais, para se estabelecer em seguida e, assim que chegou, pediu ao governador da ilha que lhe desse abrigo. Mas o governador Laurents não queria ter nenhuma ligação com Kidd — uma recusa que logo chegou aos jornais de Londres, onde foi relatado que "o famoso pirata capitão Kidd, em um navio de trinta canhões e 250 homens, ofereceu ao governador de St. Thomas 45 mil pesos em ouro e uma grande doação em produtos, caso ele o abrigasse durante um mês, o que ele recusou".8

Novamente levantando âncora, rumou para Mona Island, onde conheceu um homem chamado Henry Bolton, que, após muitas negociações, finalmente concordou em vender seu navio. Kidd comprou a chalupa* de Bolton, a St. Antonio, por 3 mil moedas de prata — bem mais do que valia, mas, como muito bem sabia Bolton, o capitão não estava em posição de discutir. Além disso, o pirata fez um trato com Bolton de que ele guardaria o Quedah Merchant/ Adventure Prize enquanto Kidd navegasse para Nova York.

Kidd queria ir para a América não só para ver sua família, mas também para pedir um indulto ao governador Bellomont (o homem que, na Inglaterra, o havia ajudado a conseguir seu comissionamento de corsário), pois Kidd queria muito limpar seu nome e tirar dos registros qualquer inferência de que ele fosse um pirata. Era uma estratégia arriscada, mas, em 9 de junho de 1699, o St. Antonio alcançou baía da Ostra, a 40 quilômetros da cidade de Nova York, onde Kidd se reuniu a sua esposa e suas duas filhas, as quais não encontrava havia três anos. Logo em seguida, fez contato com Lord Bellomont para ver se seu antigo aliado poderia ajudá-lo.

8 Graham Brooks, The Trial of Captain Kidd, Londres, Gaunt, 1995. * Pequena embarcação de um só mastro para navegação de cabotagem. (N. T.)

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Após sua prisão por pirataria, Kidd fez tudo o que pôde para provar sua inocência. Apareceu diante da Câmara dos Comuns em Londres tentando provar que seus feitos haviam sido oficialmente sancionados. No entanto, seus amigos influentes o abandonaram e os apelos de Kidd caíram em ouvidos moucos.

No entanto, o capitão desconhecia que, um ano antes, os presidentes dos tribunais na Inglaterra haviam enviado ordens a todos os governadores no estrangeiro, incluindo Bellomont, para prenderem Kidd e o enviarem de volta à Inglaterra, onde seria julgado por pirataria. Bellomont, no entanto, era um camarada esperto - embora tivesse recebido essa ordem, não a havia retransmitido para nenhum dos membros do seu conselho.

Na noite de 13 de junho de 1699, Bellomont se encontrou com James Emott, advogado de Kidd, que já havia entrado em contato com Bellomont para dizer que

Kidd trouxe sessenta libras de ouro, cem de prata e dezessete fardos de produtos das Índias Ocidentais [...] Kidd havia deixado

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para trás um grande navio próximo à costa de Hispaniola que ninguém além dele conseguiria encontrar, a bordo do qual havia fardos de mercadorias, salitre e outras coisas no valor de 30 mil libras: que se eu o indultasse, ele traria a chalupa e as mercadorias que estavam nela e depois buscaria o navio grande e suas mercadorias.9

Era uma decisão difícil para Bellomont, que não queria tomá-la inconseqüentemente. Afinal, em muitos aspectos, ele era sócio de negócios de Kidd, mas, ao mesmo tempo, associando-se a ele, poderia pôr em risco sua carreira política. Emott foi dispensado, enquanto Bellomont considerava todas as suas diferentes opções, só chegando a uma decisão na manhã seguinte, quando mandou um recado para Kidd, dizendo que ele era bem-vindo; que ele, Lord Bellomont, pessoalmente, o convidava para ir até Boston e que vislumbrava uma possibilidade de indulto. Kidd chegou a Boston em 3 de julho de 1699 para um encontro com seu ex-patrocinador, que reuniu todo o Conselho de Massachusetts para a ocasião. Diante desse importante grupo, Kidd teve de relatar por que havia tomado os navios, além de apresentar um inventário de toda a carga que acumulou. Kidd realizou bem essa tarefa, mas o conselho não ficou satisfeito, solicitando que Kidd retornasse na tarde seguinte com documentação que comprovasse suas declarações. Kidd cumpriu essa exigência, trazendo consigo cinco membros da sua tripulação: Samuel Arris (despenseiro), Humphrey Clay (marinheiro), Abel Owen (cozinheiro), English Smith (marinheiro) e Hugh Parrot (atirador). Os cinco homens apresentaram relatos similares com referência à natureza da sua viagem e aos navios que capturaram, mas o conselho ainda não estava satisfeito e pediu a Kidd que retornasse mais uma vez naquela mesma tarde.

Furioso com a decisão e aborrecido por não ter conseguido ver Bellomont em particular, Kidd decidiu preparar uma emboscada para seu ex-aliado enquanto ele estivesse jantando. No entanto, sem que ele soubesse, logo depois que Kidd deixou a sala

9 Zacks, op cit.

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do conselho, Bellomont lançou uma ordem de prisão contra ele. Assim que Kidd chegou ao local onde Bellomont estava jantando, foi detido e encarcerado, juntamente com os cinco tripulantes que o acompanhavam. O que frustrou Lord Bellomont foi a possessão mais cobiçada de todas: o tesouro do capitão Kidd — todo o ouro, prata e jóias que ele havia saqueado do Quedah Merchant/Adventure Prize. Para Bellomont (e para muitos caçadores de tesouro dos séculos afora), esse foi um enorme golpe, pois todos estavam convencidos de que Kidd o havia enterrado em algum lugar entre a Índia e Boston — o local mais provável sendo a ilha de Gardiner, perto de Nova York.

Enquanto isso, em Londres, a notícia da prisão do capitão Kidd espalhou-se rapidamente — e surpreendeu, pois Kidd de início tivera o apoio não só dos membros dos Whigs quanto do próprio rei. O fascínio do público também era enorme, devido aos rumores sobre o tesouro "enterrado" (que agora estimava-se valer cerca de 400 mil libras). O assunto foi debatido até no Parlamento, com uma nota de censura sendo enviada aos Whigs por sua má condução do caso.10 Finalmente, o Almirantado ordenou que fosse enviado um navio a Boston para levar Kidd de volta à Inglaterra.

O HSM Advice chegou a Boston em fevereiro de 1700, em uma época bastante fria. Estava tão frio que o comandante do navio, capitão Robert Wynn, disse que todo o porto de Boston estava correndo o risco de congelar. Apesar das condições, Kidd, juntamente com outros 32 homens acusados de pirataria, foram escoltados até o navio sob forte guarda armada. A viagem de volta à Inglaterra foi longa e difícil, com Kidd algemado em uma cabine apertada e sem janela. O aposento não era aquecido — fato que logo começou a afetar sua saúde. No entanto, ele tentou usar seu tempo da melhor maneira e passou longas horas escrevendo cartas para seus advogados e amigos. Também escreveu um diário detalhado da própria viagem e começou a reunir argumentos para sua defesa.

Em 10 de abril, o Advice alcançou Downs, um ancoradouro localizado próximo à costa de Kent. O navio foi recebido pelo

10 Cordingly, op. cit.

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Capitão Kidd

marechal do Almirantado,* John Cheeke, ladeado por duas colunas de soldados que retiraram Kidd do navio, transferindo-o para um barco de pequeno porte, chamado Katherine, que partiu diretamente para Londres. Alguns dias mais tarde, em 14 de abril, Kidd foi deixado no escritório do Almirantado, em Whitehall, onde foi interrogado por, entre outros, três lordes do Almirantado: Sir George Rooke, Lord Haversham e o conde de Bridgewater, que comentaram que "o Capitão Kidd foi arguido e minuciosamente investigado com relação aos vários atos de pirataria de que era acusado, que foram lidos para ele, e onde ele registrou seu nome e o Conselho subscreveu".11 Kidd defendeu-se, dizendo que só havia capturado dois navios e que ambos ostentavam bandeiras francesas, e por isso eram uma presa justa, segundo seu comissionamento de corsário. Além disso, também declarou que sua tripulação o obrigou a atos de pirataria, roubou seus saques, e também destruiu todos os seus registros. O interrogatório durou sete horas; após seu término, Kidd foi levado à prisão de Newgate, onde permaneceu pelos onze meses seguintes.

Newgate, mesmo segundo os padrões da Inglaterra do século XVIII, era um lugar terrível, extremamente desconfortável, escuro e úmido, onde muitos dos prisioneiros morriam antes de ser julgados. Kidd, já doente desde sua viagem pelo Atlântico, agora sofria mais ainda. Passou dez longos dias negociando sua libertação dos ferros nas pernas e teve de negociar cada bocado de alimento que comia. O único alívio dessa contínua degradação veio na forma de uma viagem curta a Whitehall, em 27 de março de 1701, quando deveria prestar depoimento na Câmara dos Comuns.

Kidd foi o primeiro e único pirata a fazer isso, mas, depois de mais de um ano em Newgate, ele mal conseguia se arrastar diante dos membros do Parlamento. Um homem alquebrado e destruído, Kidd tentou acusar dois de seus ex-patrocinadores, Lord

* O marechal detinha a custódia de um navio e agia sob as ordens do Tribunal, ajudando-o a resolver os problemas que surgiam durante a guarda de um navio até que ele fosse liberado ou vendido. (N. T.) 11 Ibidem.

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Na prisão de Newgate, onde Kidd ficou confinado mais de um ano, a saúde do pirata se deteriorou, tendo de negociar os objetos em seu poder para conseguir comida. Era uma situação muito difícil para preparar sua defesa no tribunal.

Somers e Lord Orford, de cumplicidade em toda a questão, mas não conseguiu convencer absolutamente ninguém. Em vez disso, em 31 de março, ele foi novamente convocado para comparecer diante do Parlamento, embora o resultado dessa audiência tivesse sido muito parecido com o anterior e ele tenha voltado para Newgate praticamente na mesma situação.

Enquanto isso, o Almirantado estava ocupado reunindo provas contra seu homem. Henry Bolton, que Kidd havia deixado a cargo do Quedah Merchant, havia sido localizado e enviado para a Inglaterra, e Coji Baba --o comerciante que estava a bordo do mesmo navio quando Kidd o saqueou — foi trazido da índia para prestar depoimento de que todas as suas mercadorias haviam sido roubadas. O Almirantado também reuniu todos os documentos relacionados a Kidd, incluindo aqueles guardados por Lord Bellomont depois da prisão do pirata em Boston.

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Capitão Kidd

Kidd, por sua vez, teve apenas duas semanas para montar sua defesa (a data do julgamento foi marcada para 8 de maio de 1701), algo que se propôs a fazer com o máximo de energia que conseguiu reunir. Para tanto, solicitou que lhe fosse trazida toda a documentação relacionada a seus comissionamentos de corsário, juntamente com as ordens originais que havia recebido do Almirantado e também os salvo-condutos franceses que lhe foram apresentados pelos capitães do Quedah Merchant e do Rouparelle. Na verdade, de toda a documentação solicitada por Kidd, os salvo-condutos franceses eram fundamentais para sua defesa, pois legalizavam a captura dos dois navios. Mas a sorte não estava do seu lado. Os salvo-condutos não foram encontrados e Kidd ficou louco de raiva. Acusou o Almirantado de segurar provas vitais — uma acusação que provavelmente era correta —, mas não tinha como prová-lo. O Almirantado, por outro lado, não ficou nem um pouco perturbado com a fúria de Kidd. Tinha tanta certeza de que ele seria considerado culpado de pirataria e condenado à morte que, mesmo antes do seu julgamento, começaram a leiloar seus pertences.

Desesperado para encontrar uma saída para sua difícil situação, começou a escrever cartas para pessoas influentes, buscando sua compaixão. Também escreveu um discurso apaixonado, que decidiu que faria no tribunal, em que dizia não ser ele o culpado de pirataria, mas aqueles homens que o haviam contratado:

Senhor, Se o destino que me coube era ilegal ou teve conseqüências desfavoráveis para o comércio da Nação, meus contratantes, que conheciam as Leis, deviam sofrer por isso, e não eu, que fui o instrumento de sua cobiça. Alguns grandes homens me fariam morrer para salvar sua honra, e outros para tranqüilizar o poder pelos danos causados por outros homens, e não por mim, e garantir o seu comércio; mas, Senhor! Qualquer que seja o meu destino não vou contribuir para a minha própria destruição contestando esta acusação até que meus salvo-condutos me sejam devolvidos ... Devolvam meus salvo-condutos e apresento minha contestação, mas sem eles nada farei.

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Não tenho medo de morrer, mas não serei meu próprio carrasco, e se um Tribunal Superior Inglês tirar minha vida por não contestar diante desta situação, vou achar que a minha morte contribuirá muito pouco para o crédito da sua justiça.

Na terça-feira, 8 de maio de 1701, o capitão William Kidd, juntamente com outros nove homens, foi conduzido da prisão de Newgate para Old Bailey. Diante deles estavam não apenas os cinco juizes que deveriam ouvir o caso [Sir Edward Ward, barão Henry Hatsell, juiz Turton, juiz Gould e juiz John Powell), mas também o Remo de Prata do Almirantado (um símbolo da sua autoridade), e os olhares de todos os curiosos que enchiam as galerias voltavam-se para baixo. Kidd foi acusado de uma longa lista de crimes, incluindo o assassinato de William Moore (o homem que ele havia matado com o balde com aro de ferro), e também do ataque ilegal ao Quedah Merchant e a outros quatro navios e o saque de sua carga.

Em sua defesa,

ele insistiu muito em sua própria inocência, e na vilania de seus homens; disse que partiu para um trabalho louvável e não tinha motivos, em boas circunstâncias, para realizar atos de pirataria; que os homens com freqüência se amotinaram contra ele, e fizeram o que quiseram [...] Quanto à amizade demonstrada por Culliford, um conhecido pirata, Kidd negou, dizendo que pretendia subjugá-lo, mas seus homens, sendo um bando de velhacos e vilões, recusaram-se a apoiá-lo.12

Em resposta à acusação de que ele havia assassinado deliberadamente William Moore, Kidd disse que, embora jamais tivesse pretendido matá-lo, esperava que, atingindo Moore na cabeça, isso colocaria um fim a seus ignóbeis atos de desafio.

Não surpreendentemente, no entanto, a acusação não levou em conta nada disso. Passaram meses reunindo grandes quantidades de provas contra Kidd, não apenas documentais, mas também

12 Johnson, op. cit.

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Capitão Kidd

testemunhas que agora atestavam sua culpa. Por exemplo, sobre o assassinato de William Moore, a acusação chamou ao banco de testemunhas o cirurgião do navio, Robert Bradhinham, e o membro da tripulação Joseph Palmer. Palmer foi extremamente detalhado em seu relato do que aconteceu. Primeiro contou ao tribunal que Kidd havia se aproximado de Moore, que estava ocupado amolando um formão no convés, e o acusou de tentar incitar a tripulação à pirataria. Naturalmente, Moore negou a acusação e então Kidd (segundo Palmer), chamou Moore de "cão piolhento", e Palmer replicou dizendo que "se eu sou um cão piolhento, foi você que me fez assim; você me arruinou e a muitos mais". Kidd então rebateu, "arruinei você, seu cachorro?", e pegou o balde e o bateu violentamente contra a cabeça de Moore.

Assim que Palmer apresentou este testemunho, a acusação perguntou-lhe se Kidd havia golpeado a cabeça de Moore logo após ele ter replicado seu comentário, ou havia esperado um pouco e depois atingido Moore. A resposta era crucial, pois a Coroa queria provar que Kidd era culpado de assassinato, não de homicídio culposo.

Palmer replicou que Kidd não havia golpeado Moore imediatamente, mas havia andado várias vezes de um lado para o outro no convés antes de lhe desferir o golpe fatal.

O destino de Kidd estava selado. Nenhum outro tipo de questionamento conseguiu que Palmer apresentasse uma versão menos condenável do evento. Pior ainda do que isso, se o tribunal tivesse dado a Kidd tempo suficiente para examinar todos os documentos relevantes, ele poderia ter conseguido recuperar o depoimento original de Palmer, apresentado dois anos antes, em Rhode Island, em que declarou que "eu não estava no convés quando o golpe foi desferido".13 Assim, foi negada a Kidd essa oportunidade e ele nunca conseguiu uma chance contra as forças combinadas da acusação. Quando Bradinham apresentou seu depoimento, também não foi de muita ajuda a seu ex-capitão, declarando categoricamente que foi o golpe na cabeça que matou Moore e, pior ainda, que Kidd

13 Theresa Murphy. Old Bailey, Edinburgh, Mainstream, 1999.

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havia lhe dito que não se importava de ter matado um homem porque ele tinha amigos influentes na Inglaterra que achariam que isso estava certo. Kidd estava totalmente perdido ao interrogar essa testemunha. Ele era um marinheiro, não um advogado, porém se esforçou ao máximo no interrogatório não apenas de Bradinham, mas de outras testemunhas — embora sem muito êxito.

O júri retirou-se para o veredicto; enquanto isso, o tribunal passou à segunda acusação do dia: a de pirataria contra Kidd e mais outros acusados. Todos se declararam "inocentes".

O dr. Newton, um dos principais acusadores, tomou a palavra. Acusou Kidd não apenas de muitos atos de pirataria, mas também da tortura de prisioneiros para extrair informações sobre o paradeiro de seus bens de valor. Do mesmo modo que aconteceu com sua acusação anterior de assassinato, Kidd não teve praticamente nenhuma chance. Aturdido diante do ataque a seu caráter (Newton chamou Kidd de um "arquipirata e inimigo da humanidade"),14 ele mal sabia por onde começar sua defesa. Um dos juizes prosseguiu, acusando Kidd de trazer à tona tarde demais a história dos "salvo-condutos" desaparecidos e exigiu saber por que ele não havia se queixado disso antes. Kidd estava atordoado. Não havia feito outra coisa senão se queixar disso desde que fora informado da sua perda. Não havia mais nada a dizer e, com isso, o júri se retirou.

Menos de uma hora depois retornou com seu veredicto: Kidd era culpado de todas as acusações apresentadas contra ele. O tribunal então adiou a sentença até as oito horas da manhã seguinte, momento em que, após mais argumentos legais, Kidd foi sentenciado à morte. Em resposta a este pronunciamento, o condenado teria dito: "Senhor, esta é uma sentença muito dura. De minha parte, sou a pessoa mais inocente de todas, e só fui alvo de blasfêmia por parte de pessoas que cometeram perjúrio".15 Ele foi levado do banco dos réus, com os polegares amarrados por um cordel de chicote, como era a tradição para os homens condenados à morte.

14 Zacks, op. cit.

15 Johnson, op. cit.

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Capitão Kidd

Tendo sido enforcado e com seu corpo amarrado

a um poste diante do mar, onde foi deixado

para a maré lavá-lo três vezes, os restos do

capitão Kidd foram depois pendurados em

uma gaiola de ferro em Tilbury Point, como

uma advertência para outros marinheiros não recorrerem à pirataria.

Pouco menos de duas semanas mais tarde, Kidd foi levado à Doca de Execução. Pirata ou corsário — no fim isso pouco importou, pois ele foi enforcado da mesma maneira.

Post-scriptum Embora a maior parte do tesouro do capitão Kidd jamais

tenha sido encontrada, o Almirantado confiscou alguns itens que foram encontrados em seu poder, incluindo algumas jóias e uma pequena quantidade de ouro e prata. Em 13 de novembro de 1701, foram leiloados pelo Almirantado na Marine Coffee House, em Birchen Lane, em Londres, e atingiu o total de 5500 libras. Parte do dinheiro foi em seguida pago a Cogi Baba, o proprietário armênio do Quedah Merchant, e o restante foi retido pelo Almirantado.

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JOHN AVERY O Rei dos Diamantes

[...] que ele construiu fortes, criou arsenais e foi dono de uma vigorosa esquadra de navios, tripulada por homens

capazes e perigosos de todas as nações; que ele outorgou poderes em seu próprio nome aos capitães de seus navios, e aos comandantes de seus fortes, e era reconhecido por eles

como seu príncipe [...]. Mas tudo isso eram apenas boatos falsos, aumentados pela credulidade de alguns e

pelo humor de outros que adoram contar coisas estranhas.

CAPITÃO CHARLES JOHNSON, A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates

É provável que John Avery (também conhecido como Henry Avery, Henry Every, capitão Benjamin Bridgemen, Henry Ivory e Long Ben) deva atribuir sua prolongada notoriedade a uma peça que foi escrita sobre ele pelo dramaturgo Charles Johnson (que não tem nenhuma relação com o capitão Charles Johnson que escreveu a história de piratas citada acima), chamada The Successful Pyrate. A peça, encenada pela primeira vez em 1713, ficou em cartaz durante vários anos no Drury Lane Theatre, em Londres. Seu sucesso deu início a uma longa série de outros melodramas similares sobre piratas, que culminaram em 1879 com a opereta de Gilbert e Sullivan, The Pirates of Penzance. Mas foi Avery que iniciou tudo isso, pois foi o primeiro a inspirar os dramaturgos a pôr no papel e depois encenar no palco suas vidas de proscritos, tornando-se o protótipo de muitos os piratas da ficção no correr dos séculos.

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Segundo o historiador Charles Grey, John Avery nasceu em torno de 1653, próximo a Plymouth, em Cat Down, no sudoeste da Inglaterra. Criado inicialmente pelo pai, um "proprietário de terras", aos dez anos de idade ficou órfão e foi enviado para morar com um tio, que roubou sua herança (tanto o dinheiro quanto as propriedades), e o enviou para aprender a ser "um brutal capitão do mar na esperança de que ele morresse enfrentando as dificuldades dessa vida".1 Apesar de seu início desafortunado, Avery teve sucesso no mar e conseguiu um posto servindo como aspirante da Marinha Real a bordo, primeiro, do HMS Kent e, depois, no HMS Rupert. Ele lutou no bombardeio de Argel em 1671, no qual teve um bom desempenho.

Nunca plenamente satisfeito com sua vida na marinha, Avery finalmente promoveu sua carreira unindo-se a uma operação de corsário, primeiro a bordo do Duke e depois do Charles. Os dois navios foram contratados para proteger o comércio das Índias Ocidentais Espanholas dos bucaneiros e dos contrabandistas franceses. Durante esse período, houve uma aliança entre Espanha, Inglaterra e Holanda contra a França; mesmo assim, segundo Johnson, os franceses da Martinica contrabandeavam com os espanhóis no Peru — um comércio que ia contra as leis da Espanha continental. O navio de Avery foi empregado para pôr um fim a esse relacionamento, mas, percebendo a grande chance, enquanto o navio estava no porto em La Coruña, começou a persuadir sua tripulação a tomá-lo e conduzi-lo para o porto de piratas de Madagascar, no oceano Índico.

Madagascar (ver também o capítulo sobre Edward England, p. 145-60 e Glossário) foi uma das ilhas que, com o passar dos anos, adquiriu um status lendário entre os piratas como um porto seguro, um lugar do qual eles poderiam partir e saquear os navios mercantes e retornar a suas praias para desfrutar de seus ganhos ilícitos. Descoberta pelos portugueses em 1506, ela era uma fonte aparentemente inesgotável de alimentos. "Lá abundam provisões de todos os tipos", escreve Johnson, "bois, cabras, carneiros, aves, peixes,

1 Charles Grey, Pirates of the Eastern Seas, Londres, Sampson Low, 1933.

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John Avery

John Avery em terra firme, com pose dramática, enquanto sua tripulação está lutando em um dos navios do grão-mogol. Avery saqueou uma fortuna em ouro, prata e jóias que estava destinada ao Império dos Mongóis, na Índia.

limão, laranja, tamarindo, tâmara, coco, banana, cera, mel, arroz; ou, em suma, algodão, índigo ou qualquer outra coisa que eles se esforcem para plantar e consigam cuidar."2 Em conseqüência disso, pouco surpreendia que a ilha em geral, e em particular seu principal porto na ilha de Santa Maria (Isle Sainte Marie), se tornasse uma base para piratas do mundo todo. Na verdade, diz a lenda que, em Madagascar, os piratas viviam como reis. "Eles se casavam com as mais belas mulheres negras, não com uma ou duas, mas com quantas quisessem; de forma que todos tinham um grande harém, como o Grande Senhor em Constantinopla: seus escravos eram empregados na plantação de arroz, na pesca e na caça, além de terem muitos outros que viviam, digamos assim, sob sua proteção."3

Entre eles, o capitão Kidd (ver p. 73), que chegou à ilha de Santa Maria em 1698 para fixar residência, enquanto no extremo

2 Charles Johnson, A General History... (1724), Londres, Conway Maritime, 1998. 3 Ibidem.

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sul da ilha um pirata chamado Abraham Samuel se estabeleceu em Fort Dauphin, onde foi tratado como rei pelos nativos. Um terceiro pirata, James Plantain, estabeleceu-se como rei de Ranter Bay, onde mantinha um harém. Mas, apesar de seus sucessos, o idílio não iria durar. A guerra irrompeu não apenas entre os piratas, mas também entre grupos de nativos rivais, além das epidemias de doenças tropicais. Na verdade, na época em que o capitão Woodes Rogers (ver Glossário) chegou à Cidade do Cabo, na África do Sul, em 1711, e conversou com dois ex-moradores de Madagascar que haviam morado lá durante vários anos com os piratas, as coisas iam de mal a pior. "Eles me contaram que aqueles pobres diabos, causadores de tanta confusão no mundo, estavam agora reduzidos a cerca de sessenta ou setenta, a maioria muito pobre e vivendo uma vida indigna, mesmo para os nativos, entre os quais se casaram."4

Mas isso ocorreu após a decisão de Avery de partir para Madagascar. Tudo o que ele tinha a fazer era convencer a tripulação do Charles a se voltar contra seu capitão para ele assumir o controle do navio e rumar, se não para o poente, pelo menos para um destino igualmente privilegiado. Como descreve Charles Johnson, ele não teve dificuldade em executar seus planos:

Deve ser observado que o capitão era um daqueles imensamente viciados em bebida, e por isso passava a maior parte do seu tempo em terra (bebendo) ... mas este dia ele não foi para a praia como de costume. No entanto, isto não estragou seus planos, pois tomou sua dose usual a bordo e foi para a cama antes da hora marcada para o negócio: os homens que também não estavam a par dos planos dirigiram-se às suas redes, só ficando no convés os conspiradores que, na verdade, eram a maioria da tripulação do navio.

Avery, que também havia convencido a maioria da tripulação a bordo no navio irmão do Charles, o Duchess, a se unir no motim, esperou que o segundo navio se unisse a eles antes de começar a navegar. Só depois que os dois navios estavam no mar, Avery

4 Woodes Rogers, A Cruising Voyage Round the World, Londres, Bell and Lintot, 1712.

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finalmente informou o capitão que ele havia sido deposto e quem estava no comando: "agora sou eu o capitão deste navio, e esta é a minha cabina; por isso, você deve sair. Estou indo para Madagascar com o plano de fazer fortuna e espero que todos os homens corajosos deste navio unam-se a mim".5

Naturalmente, o capitão ficou aflito, mas Avery, longe de desejar derramamento de sangue nesse estágio inicial de sua carreira na pirataria, deu uma opção ao capitão e aos outros membros da tripulação: ou se uniam a ele em sua aventura ou podiam voltar para a terra em um barco separado. O capitão, juntamente com alguns dos homens, escolheram a segunda opção e logo depois se viram remando para a costa africana. Na verdade, entre os anos 1715 e 1737 (pouco depois do motim de Avery) foi registrada a ocorrência de 48 motins em alto-mar. Um dos mais notórios foi ocasionado por um pirata escocês chamado John Gow (às vezes conhecido como John Smith), que, enquanto navegava a bordo da George Galley, de Marrocos para a França, em 1724, cortou cruelmente as gargantas do imediato do navio, do cirurgião, de seu criado de bordo e mais tarde matou o capitão (Oliver Ferneau) com um tiro na cabeça. Depois, Gow lançou os cadáveres no oceano e obrigou o resto da tripulação a praticar a pirataria. Pouco espanta que os mares fossem tão inseguros ou que os capitães temessem tanto — se não mais — suas tripulações quanto os ataques de outros navios.

Tendo atingido seu objetivo, Avery mudou o nome do navio — de Charles para Fancy —, içou uma nova bandeira, que se assemelhava muito à bandeira estilo Jolly Roger de crânio e ossos cruzados da lenda dos piratas.* Durante o século XVI, o crânio e os ossos cruzados foram freqüentemente usados pelos piratas como um meio de comunicar às suas vítimas que eles deveriam se render sem lutar. O que não muitas vezes não se sabe é que, na verdade,

5 Johnson, op. cit. * Jolly Roger é o nome dado à tradicional bandeira dos piratas europeus e americanos, vista

hoje como um crânio sobre ossos cruzados sobre um fundo preto. Ver p. 154. (N. T.)

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uma bandeira vermelha lisa era um símbolo mais ameaçador para os marinheiros, porque, quando içada em um navio pirata, significava a morte para todos os que a vissem. Ninguém seria deixado vivo, os piratas não dariam trégua às suas vítimas; já a bandeira de Jolly Roger dava aos marinheiros do barco atacado uma chance de sobreviver, contanto que não iniciassem uma luta.

Avery então partiu para o sul, ao longo da costa africana. Ao chegar às ilhas de Cabo Verde, os piratas saquearam três navios britânicos, e próximo de São Tomé eles destruíram dois navios dinamarqueses.

Na primeira parte de 1695, Avery alcançou Johanna Island, em Comoros, onde ele e seus homens capturaram um navio pirata francês que estava carregado de pilhagem. A maior parte dos piratas franceses se juntou à tripulação de Avery, aumentando o número total de seus homens para cerca de 170. O Fancy estava agora armado com 46 canhões, e pouco tempo depois uniram-se a ele mais três navios piratas: o Pearl, capitaneado por William Maze (ou May), e o Portsmouth Adventure, capitaneado por Joseph Faro (ou Ferro), ambos de Rhode Island, e o Amity, de Nova York, capitaneado por Thomas Tew. Foi durante essa época, quando os recursos de Avery estavam no seu apogeu, que ele conseguiu sua mais famosa vitória.

Em maio ou junho de 1695, o Fancy chegou ao mar Vermelho, onde um membro da tripulação de Avery logo avistou uma frota de grandes navios que de início pareceu ser de um grupo das Índias Holandesas a caminho de casa. No entanto, os navios eram de muito maior valor, pois, quando o Fancy disparou contra eles e mostrou suas intenções, o primeiro dos navios içou a bandeira dos mongóis. De repente, Avery percebeu o que tinha diante dele: os navios pertenciam ao imperador do Império Mongol, na Índia. Esses navios estariam carregados de riquezas: especiarias, ouro, café, roupas e jóias.

Depois de uma longa batalha durante a qual os dois lados sofreram pesadas perdas, os homens de Avery finalmente dominaram o primeiro dos navios do grão-mogol — o Fath Mahmamadi (ou Fateh Mahomed), que estaria carregando mais de 50 mil libras

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John Avery

em ouro e prata. Contentes com seu sucesso, os homens de Avery foram procurar as coisas de mais valor na peça principal do grão-mogol — o Ganj-i-Sawai (às vezes conhecido como Gunsway) —, que era o maior navio da frota indiana. Aqui vale a pena citar um relato de primeira mão que aparece no livro de Charles Grey, Pirates of the Eastern Seas [Piratas dos mares orientais], supostamente escrito por um cúmplice chamado Philip Middleton, que testemunhou contra seus ex-parceiros:

Depois que passamos algum tempo navegando no mar Vermelho sem encontrar nada, tomamos conhecimento de dois navios ricos que iam de Mocha para Surat, no entanto os perdemos, pois eles navegaram à noite. No dia seguinte, conseguimos pistas dos navios que já haviam passado, e então fomos atrás deles. No dia seguinte alcançamos o menor deles (o Fateh Mahomed), que tomamos com pouca ou nenhuma resistência. A tarde, alcançamos o grande navio que lutou conosco durante duas horas, matando muitos de nossos homens. Nesse navio havia cerca de 1300 pessoas e, no menor, cerca de setecentos. Mantivemos os dois navios conosco durante dois dias, e todos os homens do Fancy, com exceção do próprio Every, subiram a bordo.

Avery teve a sorte do seu lado quando atacou o navio do grão-mogol, o Gang-i-Sawai. Sua presa estava fortemente armada com quatrocentos homens com rifles e quarenta canhões, mas um dos primeiros tiros de canhão de Avery derrubou o mastro principal do seu inimigo.

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Tomamos as provisões dos navios e todas as outras coisas necessárias, além de todo o seu tesouro, que era muito grande. Mas o que conseguimos era pouco em comparação com o que se dizia haver a bordo, mas a respeito disso ninguém falou nada, embora os puséssemos sob tortura. Mas eles não confessaram. Pegamos grande quantidade de ouro, prata e jóias, e um conjunto de sela com rubis que seria presentado ao grão-mogol. Os homens deitaram-se com as mulheres que estavam a bordo e havia várias que, a julgar por suas jóias e roupas, pareciam de melhor qualidade do que o resto. O grande navio chamava-se Gang-I-Sawai.

Na verdade, o capitão do Gang-i-Sawai, Muhammed Ibrahim, tinha quarenta canhões a sua disposição e quatrocentos rifles prontos para defender seu navio contra o ataque. Mas Avery estava com a sorte do seu lado — um dos primeiros tiros disparados pelo Fancy derrubou o mastro principal do Gang-i-Sawai. Logo depois, um dos canhões do navio indiano explodiu, causando uma enorme confusão a bordo. Tudo isso ajudou os homens de Avery a dominar seus oponentes e tomar o navio, que estava carregado com mais jóias, ouro e prata do que o outro navio.

No entanto, segundo a lenda, havia uma presa ainda maior a bordo: uma das filhas do grão-mogol, juntamente com várias de suas acompanhantes e muitas escravas. Alguns relatos dizem que o capitão do navio, Muhammed Ibrahim, convenceu essas mulheres a se vestir de homens e lutar contra seus atacantes, o que é extremamente improvável, assim como a história contada por Charles Johnson, que declara que Avery posteriormente "se casou com a filha do grão-mogol [...] e teve muitos filhos com ela".

O que é menos questionável é que, com mulheres a bordo, os piratas dificilmente se comportavam como cavalheiros. Embora Avery mais tarde tenha declarado que elas não foram de modo algum molestadas, um dos piratas da sua tripulação, um homem chamado John Sparcks, confessou antes de morrer na Doca de Execução, em 25 de outubro de 1696, que eles haviam cometido "as mais terríveis atrocidades [...] embora perpetradas contra pessoas bárbaras e pagãs, como as pobres indianas já mencionadas, tão

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desumanamente pilhadas e tão cruelmente tratadas, [...] que mereciam receber a morte por essa desumanidade".6 Sem dúvida, esses atos incluíam o estupro — uma prática bastante comum entre os piratas que passavam semanas, às vezes meses, no mar sem companhia feminina.

Depois disso, os piratas, incluindo John Sparcks, voltaram para o Fancy com seus ganhos ilícitos. Avery estava pronto para partir, mas antes as tripulações dos navios piratas o convenceram a dividir o saque entre eles, cada um recebendo cerca de mil libras e mais algumas jóias. Consta que Avery, como o líder, tenha ficado com o dobro da parte de cada tripulante. O Fancy então partiu para Réunion Island.

Entretanto, segundo Charles Johnson, Avery, não satisfeito em ter roubado do grão-mogol — decidiu que queria roubar de seus colegas piratas, em particular daqueles americanos que o ajudaram a saquear o Gang-i-Sawai.

Convocando os capitães de cada um dos navios americanos para irem a bordo do Fancy para uma reunião, Avery sugeriu que, enquanto os navios não aportassem em terra firme, seu tesouro não estaria em segurança. Por exemplo, se ocorresse uma tempestade, um dos navios poderia afundar, ou, se cruzassem com outros navios piratas, poderiam ser saqueados. Sendo assim, não seria mais seguro se todos colocasse seus tesouros sob sua proteção? Afinal, o Fancy era um navio muito superior a qualquer dos outros, mais sólido e bem mais armado. Avery disse que traria para bordo todo o seu tesouro e o colocaria em caixotes que seriam selados três vezes. Surpreendentemente, os outros capitães concordaram com esse plano e levaram seus saques para bordo do navio, onde os colocaram nos caixotes e selaram.

Durante os dois ou três dias seguintes, todos os navios — o Fancy, o Portsmouth Adventure, o Amity e o Pearl — navegaram bem juntos para um ponto de encontro comum em terra firme. Mas, então, Avery começou a convencer a tripulação do Fancy de que o melhor seria escaparem dos outros navios e ficarem eles

6 Charles Hill, Notes on Piracy in Eastern Waters, Bombaim, 1923.

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próprios com todo o tesouro. Isto combinado, Avery esperou até o cair da noite e então, com a cobertura da escuridão, seguiu um curso oposto ao dos outros três navios até finalmente não ser mais visto.

"Deixo ao leitor julgar", escreve Johnson, "as blasfêmias e a confusão entre os homens dos navios pela manhã, quando viram que Avery havia escapado deles; pois perceberam que, pelas boas condições do tempo e pelo curso que haviam concordado em seguir, tudo aquilo havia sido proposital".

O Fancy foi primeiro até Réunion Island, onde a maioria dos piratas franceses ficava. Alguns tripulantes ingleses retornaram à Inglaterra, enquanto Avery e o restante de seus homens partiram para a América.

Enquanto isso, o grão-mogol, tendo sabido do destino de sua frota e sido informado de que foram piratas ingleses que saquearam seus bens, ameaçou enviar um "exército poderoso com armas de fogo e espadas, para extirpar os ingleses de todas as suas colônias na costa indiana".7 Conseqüentemente, a Companhia das Índias Ocidentais prometeu levar Avery e seus homens à justiça, mas enviar toda uma frota de navios para o oceano Índico para liquidar os piratas seria demasiado dispendioso. Em vez disso, o capitão William Kidd, que nessa época trabalhava como corsário, foi convencido a perseguir Avery, juntamente com vários outros piratas famosos. Esse empreendimento foi financiado pelo rei, mas, mesmo com esse selo de aprovação real, a missão estava condenada ao fracasso, pois, pouco depois de Kidd ter chegado ao oceano Índico, ele negociou a fidelidade e acabou se unindo aos piratas. Apesar da traição de Kidd, a Companhia das Índias Ocidentais capturou seis membros da tripulação de Avery, que foram julgados no Old Bailey, em Londres, em outubro de 1696. Todos foram condenados à forca na Doca de Execução — um lugar famoso de execução pública no East End de Londres.

As execuções eram atos públicos, com os piratas condenados sendo levados da prisão de Marshalsea (ou às vezes da prisão de Newgate) em carroças, conduzidos por um funcionário que

7 Johnson, op. cit.

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O tesouro dos navios do grão-mogol foi transferido para o navio de Avery, o Fancy, no mar, durante dois dias. Embora os piratas não acreditassem ter saqueado todos os objetos de valor dos navios, os passageiros e a tripulação negaram, mesmo sob tortura, que houvesse mais alguma coisa de valor a bordo.

carregava um remo de prata — símbolo do Supremo Tribunal do Almirantado, cuja tarefa era patrulhar o alto-mar e garantir passagem segura para todos os navios. Ao chegar à Doca de Execução, alguns quilômetros depois da ponte de Londres, os prisioneiros eram conduzidos ao patíbulo, construído na beira do rio Tâmisa, na marca da maré baixa. De pé no patíbulo de madeira com uma corda colocada em torno de seus pescoços, os piratas ouviam o sermão de um capelão antes de poderem proferir seus últimos discursos. As últimas palavras dos piratas eram tema de grande

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especulação, e muitas vezes eram impressas e distribuídas para o público, cujo apetite por essas "apresentações" era insaciável. Depois da execução, os corpos dos piratas eram então deixados no local até que três marés tivessem passado sobre eles (uma lei aprovada pelo Almirantado), e depois retirados dali para serem enterrados ou pendurados em uma gaiola e expostos ao desprezo e ao rancor público. Esses dispositivos eram feitos de madeira e no tamanho que abrigasse a pessoa — a vítima era medida antes da sua execução para que o carpinteiro pudesse obter as proporções exatas. Depois da morte, o corpo era coberto de alcatrão para preservar a carne o máximo de tempo possível, depois colocado na gaiola e pendurado como um terrível lembrete para que outros não seguissem uma vida de crimes.

As execuções e a prática de pendurar os cadáveres em gaiolas eram freqüentes na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, mas, como a pirataria era cada vez mais disseminada, foi aprovado um Ato do Parlamento autorizando os Tribunais do Vice-Almirantado a utilizar essa prática nas colônias. Talvez surpreendentemente, devido à distância dessas audiências no estrangeiro, as execuções eram bastante similares àquelas realizadas na Doca de Execução na Inglaterra. Em 1704, o pirata John Quelch e 24 de seus camaradas foram julgados em Boston. Seu crime foi ter instigado um motim e tomado o navio em que estavam trabalhando, içado a bandeira dos piratas e saqueado nove navios portugueses de sua carga, que incluía grande quantidade de ouro e prata. O julgamento foi longo, mas no fim Quelch e sete de seus homens foram considerados culpados e sentenciados à morte. Foram conduzidos da cadeia para a beira do mar em Boston, seguindo um homem que portava um remo de prata. Foram então conduzidos num bote até um porto em uma ilha em que foi erguido um patíbulo de madeira. O juiz Sewell, que estava presente na ocasião, comentou: "Quando vi como o rio estava cheio de gente, fiquei impressionado. Devia haver uns cem barcos [...] quando o patíbulo foi içado a uma determinada altura, os sete malfeitores subiram. O sr. Mather rezou por eles, de pé em um barco. As cordas foram amarradas ao patíbulo. Quando o alçapão se abriu, as mulheres tanto gritaram que minha esposa foi

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surpreendida, sentada no pórtico de casa, perto do pomar, pelo barulho".8

Sem dúvida, foi exatamente assim que os seis membros da tripulação de Avery foram executados, embora, apesar deste pequeno sucesso e para seu grande aborrecimento, a Companhia das Índias Ocidentais tenha falhado em capturar o próprio Avery, fato que só aumentou sua crescente reputação de inimigo inatingível, fora-da-lei que jamais se conseguia rastrear nem fazer pagar por seus crimes. Na verdade, foi essa crescente reputação que provavelmente fez muita literatura (incluindo poesia) ser escrita sobre ele, culminando com a peça de Charles Johnson, em que Avery aparece como o personagem Arviragus, um bem-sucedido pirata que finalmente se estabelece na ilha de Madagascar. No início da peça, somos informados de que Arviragus capturou um navio indiano que depois foi levado para o porto de Laurentia repleto de ouro, prata e jóias, bem como a neta do grão-mogol, uma bela jovem chamada Zaida.

A neta do grão-mogol está apaixonada por um rapaz chamado Aranes, mas Arviragus está com ciúmes — um enigma que, muito à semelhança das peças de Shakespeare, é finalmente resolvido quando no fim da peça é revelado que Aranes é na verdade o filho há muito desaparecido de Arviragus. O jovem casal casa-se com a bênção de Arviragus, e ele próprio se aposenta para viver de seus ganhos ilícitos.

No entanto, a vida real de Avery não teve um final tão feliz. Navegando rumo à América, ele fez uma parada nas Bahamas, onde o governador da ilha de Providence, Nicholas Trott, o recebeu e a seus homens em troca de um suborno. Mais uma vez, Philip Middleton apresenta um relato fascinante desse período em seu depoimento:

Nas Bahamas, os piratas foram hospitaleiramente recebidos pelo governador Nicholas Trott, a quem presentearam com vinte

8 David Cordingly e John Falconer, Pirates: Fact and Fiction, Londres, Collins & Brown, 1992.

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dólares (cerca de novecentas libras) e dois cequins de ouro por cada homem. Obtiveram então permissão de desembarcar e foram abertamente recebidos em sua casa. Um deles acidentalmente quebrou um copo, pelo qual o governador o fez pagar oito cequins (três libras e dezesseis xelins). No fim, ainda o presentearam com um navio e alguns dentes de elefante, que ele compartilhou com o governador substituto, Nicholas Taliaferro.9

Das Bahamas, em uma nova chalupa que comprou do governador Trott (porque temia que o Fancy fosse reconhecido e ele preso), Avery navegou para a Nova Inglaterra, passando por vários portos ao longo da costa ocidental, onde muitos de seus homens decidiram tentar a sorte e desembarcar para se estabelecer.

Finalmente, Avery chegou a Boston, onde pensou em se estabelecer. Já havia se cansado da pirataria — ansiava por uma vida mais simples, menos exigente —, mas no último minuto mudou de opinião, devido em parte ao fato de a maior parte da sua riqueza não ser constituída de dinheiro vivo, mas de diamantes, uma mercadoria bem mais difícil de negociar e que poderia atrair a atenção para si e para seus homens. Então, Avery e um pequeno grupo de piratas remanescentes decidiram rumar para a Irlanda.

Quando lá chegaram, os piratas se dispersaram, alguns deles indo viver em Dublin, enquanto outros foram para Cork. Dezoito deles pediram indulto ao rei Guilherme, que, surpreendentemente, lhes concedeu. Mas Avery não estava nesse grupo afortunado. Acabou enfrentando o mesmo problema que teve na América — a maior parte da sua riqueza era constituída de diamantes e negociá-los atrairia demasiada atenção. Avery então decidiu ir para a Inglaterra, onde conhecia alguns homens, os quais acreditava que comprariam seus diamantes e não o entregariam às autoridades. Aportando no sudoeste, enviou um recado para esses indivíduos, em Bristol, para se encontrarem com ele na cidade de Bideford em Devon. Concluíram então que a maneira mais segura era os amigos de Avery conseguirem um encontro com alguns comerciantes que

9 Grey, op. cit.

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pegariam os diamantes, os venderiam e depois entregariam o dinheiro para Avery em troca de uma pequena comissão. Avery pareceu satisfeito com essa proposta, entregou seus diamantes para os comerciantes e ficou esperando pelo seu retorno. Nesse meio-tempo, mudou seu nome e continuou a viver na cidade, levando uma vida sossegada para não chamar a atenção.

Entretanto, o dinheiro que tinha em seu poder estava acabando e ele finalmente escreveu para os comerciantes dizendo que precisava de fundos. Em resposta, eles lhe enviaram uma pequena quantia, mas nada de acordo com a quantidade que lhe era devida pelos diamantes. Avery havia contraído enormes dívidas que não podia saldar — mal tinha dinheiro para o pão — e por isso, desesperado, viajou para Bristol para falar pessoalmente com os comerciantes. Mas ficou totalmente desapontado. Assim que entrou em contato com esses homens, eles não lhe deixaram dúvida de que Avery jamais veria seu dinheiro de volta. Na verdade, disseram-lhe que, se continuasse a pressioná-los, eles o entregariam às autoridades, que ainda o estavam procurando devido ao ataque ao navio do grão-mogol. Amedrontado com essa ameaça, Avery decidiu que sua melhor opção era viajar de volta à Irlanda, de onde continuou a cobrar os comerciantes pelo que lhe deviam. Naturalmente, eles não se manifestaram e Avery acabou mendigando nas ruas. Finalmente, comprou passagem em um navio que ia para Plymouth e de lá retornou a Bideford, onde se acredita que viveu pouco tempo, reduzido a uma condição de ruína e amargura, antes de adoecer e morrer na penúria.

Avery não deixou dinheiro suficiente sequer para um caixão humilde e, por isso, provavelmente foi enterrado em uma vala comum, embora não haja registro disso. Na verdade, não há nenhum registro da sua morte, o que pode ser explicado pelo fato de ele ter adotado muitos nomes diferentes.

O sr. Hill menciona que uma busca nos registros de Bideford de 1728 (quando se supõe que Every tenha morrido) nada encontrou [...] Pode ser notado que o capitão Phillips [comandante do Hannibal, que, segundo seus próprios escritos, cruzou mais de

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uma vez o caminho de Every], que provavelmente conheceu Every pessoalmente, sempre fala dele como “Long Ben, aliás, Every”, e é bem possível que seu verdadeiro nome fosse Benjamin Bridgeman.10

Seja qual for o caso, morrer como se acredita que ele morreu, e não na batalha ou enfrentando desafiadoramente o patíbulo, é um fim muito desprezível e banal para a vida de um dos piratas mais famosos da história e do teatro.

10 Ibidem.

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EDWARD TEACH O Barba Negra

A barba era negra, que ele sofreu para deixar crescer até um comprimento extravagante; para

cima, ela chegava até seus olhos. Ele estava acostumado a amarrá-la com fitas, em pequenas

tranças, seguindo o costume de nossas perucas de cachos, e acomodando-as em volta das orelhas.

CAPITÃO CHARLES JOHNSON,

A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates

Se fosse feito um levantamento dos piratas mais famosos da história, Edward Teach — mais conhecido como Barba Negra — sem dúvida apareceria no alto da lista. Louco, perverso e perigoso, com sua aparência aterrorizante, ataques ousados e proezas assassinas — sem mencionar o fato de que se casou com pelo menos catorze mulheres — o transformaram não apenas em uma lenda na própria época em que viveu, mas também em um dos piratas mais apavorantes que já navegaram a costa atlântica.

A maioria dos historiadores concorda que, na época de sua morte, Teach tinha entre 35 e quarenta anos de idade, o que situaria seu nascimento em torno de 1680. Além disso, pouco se sabe sobre a infância dele, exceto que era de Bristol, no sudoeste da Inglaterra. Dado que essa cidade é construída onde os rios Avon e Frome se encontram, e que o canal de Bristol só está a 12 km de

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distância dali, pouco espanta que Teach tenha escolhido seguir uma carreira no mar. Entretanto, não há registros indicando quando isso ocorreu; na verdade, a primeira menção a Teach aparece em A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates, do capitão Charles Johnson, que declara que Teach "navegou algum tempo para a Jamaica em navios corsários, no final da guerra francesa; mas, embora com freqüência se distinguisse por sua audácia incomum e coragem pessoal, nunca foi promovido a nenhum comando até se transformar num pirata".

Não surpreende que Teach tenha terminado nas Índias Ocidentais, pois durante os séculos XVII e XVIII essas ilhas eram famosas por abrigar todo tipo de bandidos. Era daí que os Confrades da Costa (ver o capítulo sobre Henry Morgan, p. 53, e Glossário) operavam, um grupo de bucaneiros cujo amor comum pela aventura, pelo ouro e pelo ódio à Espanha os tornou uma formidável força de combate.1

Mas a história de Teach só começa realmente quando ele parte para New Providence, nas Bahamas — também um famoso ponto de encontro para todos os tipos de piratas —, onde conheceu o capitão Benjamin Hornigold. Este foi um dos piratas mais ferozes que já operaram na região. Ele impunha um enorme respeito aos outros piratas e era bastante estimado pelos Confrades da Costa. Para um lobo-do-mar jovem e empreendedor, Teach não poderia ter encontrado melhor instrutor. Do porto de Nassau, Hornigold e seu disposto e jovem aprendiz fizeram muitas viagens, durante as quais capturaram navios franceses e espanhóis. "Como um auxiliar jovem e impetuoso a bordo do navio pirata de Hornigold, Teach mostrou que tinha um olho de exímio atirador, uma grande habilidade em brigas sujas e uma sede de sangue que superava à de qualquer pirata de sua época. Hornigold logo reconheceu isto e tornou o jovem seu protegido."2

Ele não só tornou Teach seu protegido como, em algum momento durante o ano de 1716, tendo capturado uma grande

1 Robert E. Lee, Blackbeard the Pirate, Carolina do Norte, J. F. Blair, 2004.

2 Addison Whipple, Pirate Rascals of the Spanish Main, Nova York, Douhleday, 1957.

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Edward Teach tornou-se conhecido como “Barba Negra” depois que deixou crescer sua barba, que caía em várias tranças amarradas com fitas coloridas. Ele também amarrava estopins acesos sob o seu chapéu para que aparecesse à sua vitima entre uma nuvem espiralada de fumaça.

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chalupa, Hornigold entregou o comando dela a seu pupilo. Equipando o navio com seis canhões e ele próprio escolhendo uma tripulação de mais de setenta homens, Teach estava em seu habitat. Ele e Hornigold partiram juntos, cada um capitaneando seu próprio navio, e logo capturaram outra chalupa que ia para Havana levando uma carga de 120 barris de farinha. Em seguida vieram dois outros navios, um carregando galões de vinho e o outro "um saque de valor considerável".3 Logo depois, avistaram um grande navio que ia da Madeira para a Carolina do Sul. Um atrás do outro, os navios de Hornigold e Teach abordaram tão rapidamente seu alvo que consta que o capitão mal percebeu o que estava acontecendo. Em vista disso, não impôs resistência aos piratas, que se afastaram com uma grande quantia de dinheiro.

Vários meses mais tarde, ao final de 1719, quando Hornigold e Teach viajaram de volta às Índias Ocidentais, avistaram outro grande navio, um negreiro francês, na altura da costa da ilha de São Vicente. Do mesmo modo que em seu ataque anterior, os dois piratas avançaram para a sua presa a tal velocidade que a tripulação do navio, comandado pelo capitão D'Ocier, mal percebeu o que estava acontecendo. "A chalupa de Hornigold se aproximou por um lado e a de Teach pelo outro. Antes que o capitão decidisse que ação realizar, os dois piratas iniciaram um ataque violento nos seus costados matando metade de seus homens e aterrorizando o restante deles, que acabou se rendendo."4

A recompensa foi substancial. O navio negreiro Concord estava carregando não só jóias e objetos de prata, mas também uma grande quantidade de ouro em pó. Foi em torno dessa época que Hornigold — talvez percebendo que agora tinha dinheiro suficiente para se aposentar — decidiu abandonar a pirataria e se voltar para negócios mais honestos. Deu o Concord para seu pupilo, despediu-se dele e voltou para New Providence, onde comprou algumas terras e se dedicou à agricultura. Foi uma decisão sensata. A vida dos piratas nessas águas estava a cada dia se tornando menos

3 Charles Ellms, The Pirates Own Book, Dover, 1993.

4 Lee, op. cit.

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lucrativa e mais perigosa. Em 6 de fevereiro de 1718, o capitão Rogers — que entre os anos de 1708 e 1711 comandou uma viagem de corsário em torno do mundo — chegou às Índias Ocidentais para assumir o posto de governador das Bahamas. Sua incumbência, que partiu diretamente do governo britânico, era livrar essa área de piratas. Navegando para Nassau com três navios de guerra, Rogers tinha autoridade para anistiar em nome do rei qualquer pirata disposto a abandonar suas atividades. Aqueles que não o fizessem seriam tratados como qualquer criminoso comum — caçados, julgados e depois executados.

Benjamin Hornigold, vendo uma oportunidade de se estabelecer e começar um negócio legítimo, aproveitou-se de todas as vantagens da anistia real. Teach, não. Em vez disso, tendo ganho o Concord, ele o rebatizou de Queen Anne's Revenge [Vingança da Rainha Anne] e equipou-o com 44 novos canhões. Teach também empregou os serviços de cerca de trezentos tripulantes, e então rumou para o sul, para a ilha de São Vicente, onde avistou um navio mercante chamado Great Allen, comandado por Christopher Taylor, que ia de Barbados para a Jamaica. Após uma longa batalha, Taylor se rendeu a Teach, que rapidamente transferiu todo o saque para o Queen Anne e incendiou o Great Allen.

Alguns dias mais tarde, Teach encontrou um navio de guerra chamado Scarborough, que estava equipado com trinta canhões e tinha sido enviado para essas águas especificamente para procurar e capturar o Queen Anne's Revenge. Teach provavelmente poderia ter escapado do seu rival, mas, em vez de fugir, decidiu ficar e lutar. Seguiu-se um conflito, com o Scarborough abrindo fogo e Teach respondendo com uma forte artilharia que rasgou as velas de seu adversário. Na verdade, o conflito continuou durante muitas horas, com as tripulações de ambos os lados testando os nervos uma da outra até que, por fim, o comandante do Scarborough decidiu que seu navio já havia sofrido danos suficientes, "deu por finda a batalha e retornou a Barbados".5 Foi um golpe para Teach, que nunca gostou de ver suas vítimas escaparem, mas ele decidiu

5 Charles Johnson, A General History... (1724), Londres, Conway Maritime, 1998.

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não prosseguir a luta, pois não queria arriscar sua tripulação para capturar um navio praticamente sem carga.

Segundo Robert E. Lee em seu livro Blackbeard the Pirate, foi em torno dessa época que ele decidiu deixar crescer a barba que lhe deu o apelido. Teach já tinha uma reputação de ser um pirata audaz e corajoso, mas, segundo Lee, agora estava convencido de que somente esses atributos não eram suficientes "para ele se tornar um pirata bem-sucedido, com o mínimo de risco para sua tripulação e seu navio. Ele precisava de uma imagem. Foi um estudioso da arte da guerra psicológica bem à frente do seu tempo".

A barba de Teach era grossa e negra, tomava todo o seu rosto e tinha um comprimento extravagante, quase até sua cintura. E não era só isso: ele começou a separá-la em tranças que amarrava com fitas de diferentes cores. A barba tornou-se sua marca registrada, que funcionava não apenas para aterrorizar sua tripulação e seus oponentes, como também lhe garantiu uma duradoura notoriedade. Charles Johnson comentou que Teach "assumiu o cognome de Barba Negra devido à quantidade de pêlos que, como um meteoro aterrorizante, cobria todo o seu rosto e ameaçou mais a América do que qualquer cometa que tivesse aparecido por ali". Além da sua barba, Teach também costumava usar (principalmente durante as batalhas) um dispositivo sobre seu ombro em que ele levava duas ou três pistolas, "pendendo em coldres como bolsas a tiracolo [sic], colocava pavios acesos sob seu chapéu que apareciam de cada lado do seu rosto, e seus olhos pareciam naturalmente ferozes e selvagens, tornando-o uma figura que a imaginação não podia deixar mais feroz e infernal".6 Os "pavios", que eram mantidos sob seu chapéu, eram provavelmente feitos de corda de cânhamo embebida em uma mistura de salitre com água de cal. Eles queimavam lentamente, mas a fumaça que provocavam e circundavam em anéis sua cabeça deviam causar um espetáculo extraordinário. Pouco espanta, portanto, que os marinheiros que tivessem a infelicidade de cruzar o caminho do Barba Negra (particularmente na batalha) pensassem que ele era o Diabo.

6 Ibidem.

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Mas, como muitos comentaristas indicaram, embora sua imagem fosse apavorante e ele despertasse em seus incontáveis inimigos o medo da morte, o Barba Negra podia também ser um homem justo. Quando conquistava um navio, se todos a bordo fizessem exatamente o que lhes fosse ordenado, à parte de serem despojados de seus bens, nada de pior lhes acontecia. Por outro lado, caso se recusassem a cumprir suas ordens, as conseqüências eram graves. "Se uma vítima", escreve Addison Whipple em seu livro Pirate Rascals of the Spanish Main, "não lhe entregasse voluntariamente um anel de brilhante, o Barba Negra o cortava fora, com dedo e tudo, pois, embora ele pudesse ser complacente com aqueles que cooperassem, coitado daqueles que ousassem enfrentá-lo."

Outro exemplo do lado mais escuro da sua natureza envolve um homem chamado Israel Hands, que certa noite estava bebendo com Teach e outro pirata em sua cabine. Sem provocação — pelo menos assim conta a história —, Teach tirou um par de pistolas e as escondeu debaixo da mesa. O terceiro homem do grupo, vendo-o fazer isto, rapidamente se retirou do aposento. Em seguida, diz-se que Teach apagou a vela, cruzou suas mãos sob a mesa e disparou os dois revólveres. Uma das balas estraçalhou o joelho de Hands, deixando-o aleijado para o resto da vida. Quando seus companheiros piratas lhe perguntaram por que havia feito tamanha maldade, diz-se que Teach respondeu: "se não matasse alguém de vez em quando, eles se esqueceriam de quem ele era".7

Mas se o Barba Negra era o flagelo tanto dos piratas quanto dos cidadãos cumpridores da lei, havia um grupo de pessoas que se aglomerava em torno dele e o achava irresistivelmente encantador. As mulheres adoravam o Barba Negra e o Barba Negra adorava as mulheres.8 Quando ele entrava em uma loja de bebidas ou em uma taverna, as garotas o cercavam. Diz-se que o Barba Negra estava constantemente levando as mulheres para o Queen Anne, onde se casava com elas, mas é impossível afirmar a veracidade dessa informação. Johnson descreve o Barba Negra em uma ocasião casando-se

7 Ibidem. 8 Lee, op. cit.

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com uma garota que tinha pouco mais de dezesseis anos de idade, "e eu fui informado de que ela foi a décima quarta esposa de Teach, das quais umas doze ainda podem estar vivas". Mas não há prova documental para respaldar essa afirmação, de modo que, embora possa ser verdade, pode também ser apenas parte da construção do mito de que o Barba Negra parecia gostar tanto.

Em 5 de dezembro de 1717, avistando um navio mercante, o Margaret, próximo à costa de Crab Island, Barba Negra ordenou a seu comandante, o capitão Henry Bostock, que se unisse a ele a bordo do Queen Anne's Revenge. O Barba Negra então foi em frente, roubando a carga do Margaret, que consistia principalmente de gado; depois retirou os canhões e a munição do navio, e só então permitiu que o capitão retornasse e partisse com sua tripulação (menos dois homens que se juntaram a ele como piratas) sem que ninguém fosse ferido. Bostock depois aportou na ilha de São Cristóvão, onde relatou seu encontro com Barba Negra ao governador Walter Hamilton, que solicitou a Bostock que fizesse um relatório por escrito do incidente.

Enquanto isso, Barba Negra, dirigindo-se à baía de Honduras, cruzou com uma chalupa de piratas de vinte canhões chamada Revenge, comandada pelo mestre Stede Bonnet. Quando se conheceram, os dois homens se deram muito bem. Tão bem que durante algum tempo decidiram trabalhar juntos. No entanto, o relacionamento não iria durar muito, pois Bonnet logo se mostrou um marinheiro muito inadequado, que dirá pirata, e Teach se cansou dele, substituindo-o por seu imediato — um pirata dos velhos tempos, o tenente Richards.

Os dois navios piratas, o Queen Anne's Revenge e o Revenge, navegavam rumo à Turneffe Island, onde avistaram uma chalupa chamada Adventure, vinda da Jamaica, e rapidamente a abordaram. Seu comandante, o capitão David Harriot, foi conduzido ao navio do Barba Negra, onde ele e sua tripulação foram "convidados" a unir forças com os piratas. Ele, sabiamente, aceitou a proposta.

Com três navios bem armados e as tripulações de Bonnet e Harriot trabalhando para ele, Teach tinha agora uma força extremamente poderosa. Em 9 de abril de 1718, sua frota prosseguiu rumo

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Barba Negra luta com o tenente Robert Maynard. Maynard mais tarde declarou que o pirata foi baleado cinco vezes no peito e ostentava pelo menos vinte cicatrizes de espada em outras parte do seu corpo antes de um corte no pescoço praticamente arrancar sua cabeça.

à baía de Honduras, onde logo encontraram um grande navio mercante, o Protestant Caesar, de Boston, seguido de quatro chalupas menores. Pouco depois, Barba Negra e seu bando os abordaram. Temendo por suas vidas, as cinco tripulações se renderam. O Protestant Caesar foi "aliviado" de sua carga e incendiado, assim como uma das chalupas menores. As outras três foram libertadas, mas não antes de terem entregue toda a sua carga.

Da baía de Honduras os piratas agora se dirigiam ao Grand Cayman, onde mais uma vez espalharam a destruição, capturando vários navios, incluindo um navio pesqueiro de tartarugas, uma chalupa espanhola e um bergantim inglês. Muito confiante no seu sucesso, o Barba Negra começou a dirigir sua pequena esquadra para a que seria sua maior façanha.

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Uma carta datada de 31 de maio de 1718 do governador Bennett, das Bermudas, para o Conselho de Comércio e Agricultura relatou que, entre os vários navios piratas vistos navegando próximo à sua costa, estava "um de Tatch [Teach] com quem está o mestre Bonnett de Barbados, em um navio de 36 canhões e trezentos homens, juntamente com uma chalupa de doze canhões e 115 homens, e dois outros navios, em cujo total imagina-se haver mais ou menos setecentos homens".9

O que Teach pretendia logo ficou claro. Em algum momento próximo ao final de maio de 1718, sua pequena esquadra chegou à entrada do porto de Charleston, na Carolina do Sul, e começou a montar um bloqueio — nessa época, Charleston era um dos portos mais movimentados das colônias do Sul e, por isso, um dos mais lucrativos —, e qualquer navio que quisesse entrar ou sair era detido por Teach. Em menos de uma semana ele havia saqueado cerca de oito ou nove navios, incluindo um chamado Crowley, que estava indo para Londres. Todos os passageiros a bordo foram transferidos para o Quenn Anne's Revenge, e depois interrogados sobre os navios remanescentes no porto, suas cargas, a potência de suas armas etc. Depois, os prisioneiros voltaram para o Crowley e foram trancados no compartimento de carga do navio. O Barba Negra descobriu que um deles, um homem chamado Samuel Wragg, era um indivíduo particularmente rico e não apenas isso, mas também membro do Conselho da Província de Carolina.10 Wragg, assim como o capitão do Crowley e vários outros passageiros proeminentes, constituíam reféns perfeitos. O Barba Negra fez um de seus prisioneiros, o sr. Marks, ir à terra acompanhado por dois piratas com uma lista de exigências (a principal delas sendo uma caixa de medicamentos) que, se não fossem satisfeitas, resultariam na morte do restante dos reféns.

Dois dias se passaram sem uma palavra de Marks; a essa altura consta que o Barba Negra, cada vez mais impaciente com a

9 Calendar of State Papers, Colonial Series, America and the West Indies, Public Record Office, London; ed. Cecil Headlam, London, Cassell, 1930-3.

10 Lee, op. cit.

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demora, mandou buscarem Samuel Wragg no compartimento de carga e o levarem até ele. Wragg suplicou pelas vidas dos reféns e tentou por todos os meios possíveis apaziguar o Barba Negra, e durante algum tempo pareceu que suas súplicas funcionaram. Mais tarde, naquele mesmo dia, foi avistado um barco que retornava ao Queen Anne's Revenge. Todos a bordo estavam convencidos de que eram Marks e os dois piratas que retornavam com boas notícias, mas, quando o barco se alinhou ao Queen Anne, não tinha a bordo nenhum desses homens. Em vez disso, os pescadores que lá estavam informaram ao Barba Negra que o infortúnio havia se abatido sobre Marks em seu caminho para Charleston e que, embora todos estivessem em segurança, precisavam de mais tempo para negociar com as autoridades.

Tranqüilizado, Barba Negra se dispôs a esperar, mas quando, passados mais alguns dias, continuou sem notícias de Marks, ficou novamente furioso e decidiu pôr em marcha um novo plano de ação. Fez os capitães de seus vários navios navegarem para o porto de Charleston juntamente com o Queen Anne's Revenge — todos eles ostentando bandeiras negras. A manobra funcionou. Os cidadãos de Charleston ficaram com medo de que os piratas os atacassem, assim como o governo, pois, "embora esta fosse a maior afronta que pudesse ser sido feita a eles, ainda que para salvar as vidas de tantos homens (entre eles o sr. Samuel Wragg, membro do conselho), eles se viram obrigados a ceder e enviaram a bordo uma caixa [de medicamentos] avaliada entre trezentas e quatrocentas libras, e os piratas retornaram em segurança para seus navios".11 Os reféns foram libertados e levados para terra, embora o mais ricamente vestido entre eles tenha sido despojado de seus trajes antes de lhe ser permitido retornar.

Surgiu muita especulação sobre a razão de, quando tanta coisa mais poderia ter sido exigida do conselho de Charleston, os remédios serem a primeira e principal das exigências dos piratas. Talvez tenha havido um surto de alguma doença tropical entre a tripulação, ou talvez, como especulou o autor Robert E. Lee, os

11 Johnson, op. cit.

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remédios fossem para tratar um surto de sífilis devido ao uso freqüente dos bordéis por parte dos piratas. Um escrito foi mais longe, sugerindo que as preparações de mercúrio eram para o próprio Barba Negra, "porque sua namorada mais recente não apenas se casou com ele, mas também o deixou com uma doença venérea como lembrança".12 Seja qual for o motivo, tendo perpetrado um dos maiores golpes de sua carreira sem disparar um só tiro, e com oito ou nove navios devidamente carregados e a desejada caixa de medicamentos a bordo (sem mencionar que todos os reféns foram entregues em terra com segurança), o Barba Negra agora levantou âncora e dirigiu-se à costa atlântica rumo à Carolina do Norte.

Ele estava com um humor jubiloso, embora durante essa época (provavelmente durante o bloqueio do porto de Charleston) tenha tomado conhecimento da missão do capitão Rogers para livrar as Índias Ocidentais dos piratas. Percebendo que os dias de apogeu da pirataria estavam prestes a terminar e sentindo que havia recentemente conseguido um saque bastante considerável, suficiente para garantir sua aposentadoria, o Barba Negra decidiu dispersar sua frota e navegar para o norte em busca de um indulto do governador Charles Eden, da Carolina do Norte.

Em junho de 1718, Barba Negra passou pela baía de Ocracoke e finalmente alcançou Bath Town, onde ele e cerca de vinte membros da sua tripulação solicitaram e receberam um indulto real de Charles Eden. Acredita-se que o Barba Negra, em seguida, desfrutou de vários meses de celebridade, sendo freqüentemente convidado para as casas daqueles que moravam na área, onde ele era convencido a regalá-los com histórias de suas proezas. Foi também durante essa época que, segundo Johnson, o pirata casou-se com sua décima quarta esposa — uma garota de dezesseis anos de idade que era filha de um fazendeiro de Bath County. No entanto, se tudo isto aponta para o desejo de se estabelecer e viver o resto de sua vida como um cidadão virtuoso e cumpridor da ordem, nada estaria mais longe da verdade. Barba Negra havia nascido com o mar em suas veias, ele precisava de ação e de estar no meio

12 Whipple, op. cit.

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da batalha. É claro que aceitou o indulto do rei, mas esta foi apenas uma medida temporária, para lhe dar alguns meses para descansar e se recuperar.

Pretendendo voltar para o mar, Barba Negra solicitou ao governador Eden que lhe devolvesse o Adventure e lhe desse um certificado de registro. Aparentemente, o objetivo disso era que ele pudesse negociar legalmente no mar, mas é claro que, uma vez que tomou posse do navio, o negócio legítimo seria a última coisa a passar por sua mente.

A primeira viagem que Edward Teach fez nesse novo navio comissionado foi navegar rumo norte, até a Filadélfia — nessa época a maior cidade da América. Mas uma surpresa o esperava, pois, assim que ele chegou, foi informado de que, em 11 de agosto de 1718, o governador William Keith havia lançado uma ordem de prisão contra ele. Sabendo que seria facilmente reconhecido e, portanto, não poderia continuar a viver com segurança na Filadélfia, Barba Negra rapidamente deixou o porto e partiu para as Bermudas. No caminho, ele e sua tripulação teriam cruzado com muitos navios que poderiam ter saqueado, mas dos quais só pegaram provisões. Essa situação não duraria muito tempo — logo cruzaram com dois navios franceses, um dos quais estava carregado de açúcar e cacau, e o outro vazio. Era uma oportunidade demasiado tentadora para ser perdida, e por isso o Barba Negra imaginou um plano que lhe garantiria saquear o navio sem temer represálias.

"Ele deixou partir o navio que não conduzia carga", escreve Charles Johnson, "e, colocando todos os homens do navio carregado a bordo do navio vazio, ele voltou com o navio com açúcar e cacau para a Carolina do Norte, onde o governador e os piratas dividiriam o saque." Na verdade, o que Teach fez foi levar o navio carregado com o saque de volta ao governador Eden, onde lhe disse que o havia encontrado flutuando no mar sem tripulação. O governador então marcou uma reunião do Tribunal do Vice-Almirantado em Bath Town e, em seguida, concordaram que o navio estava abandonado e, por isso, o saque seria legalmente dividido entre todos eles. O Barba Negra recebeu sua parte, pela qual ficou devidamente agradecido, e logo depois partiu de novo para o mar, dessa

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A tripulação do navio do Barba Negra, o Queen Anne's Revenge, e de outros navios da sua frota, iriam se encontrar na praia na costa de Carolina, para descansar e se divertir. Foi durante um desses períodos de descanso que o Barba Negra aceitou um indulto, embora logo tenha violado seu voto de abandonar a pirataria.

vez para a baía de Ocracoke, onde consta que estabeleceu uma base pirata de onde começou a pilhar quantos navios mercantes ele conseguisse.

Furiosos pelo ataque a seu comércio e desesperados para livrar a região dos piratas, os proprietários das chalupas enviaram uma delegação de homens à Virgínia para falar com o então governador daquela região, Alexander Spotswood.

Em 24 de novembro de 1718, o governador Spotswood lançou uma proclamação oferecendo recompensas para a prisão ou a morte dos piratas: "para Edward Teach, em geral chamado de capitão Teach, ou Barba Negra, cem libras; para cada outro comandante de um navio, chalupa ou embarcação pirata, quarenta libras; para cada imediato, mestre ou carpinteiro, vinte libras; para cada criado de bordo, quinze libras, e para cada marujo a bordo desse navio, chalupa ou embarcação, dez libras".13

13 Johnson, op. cit.

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Dois navios de guerra foram enviados — o HMS Lyme, comandado pelo capitão Brando, e o HMS Pearl, comandado pelo capitão Gordon. Também foram enviadas duas chalupas, a Ranger e a Jane, assim como o tenente Robert Maynard ("um oficial experiente e cavalheiro de grande coragem e decisão"),14 que foi colocado a cargo da operação. Maynard assumiu o comando da chalupa Jane, e o sr. Hyde assumiu o comando da Ranger.

Na noite de 21 de novembro de 1718, Maynard chegou à baía de Ocracoke e, tendo descoberto a localização exata do Adventure de Barba Negra, decidiu esperar até a troca das marés na manhã seguinte (do contrário, a baía estaria muito vazia para seu navio se movimentar). Um tático astuto, ele se certificou de que nenhum outro navio entrasse na baía para avisar o Barba Negra do que estava prestes a acontecer. Maynard também pôs um vigia em cada uma das duas chalupas para que o Barba Negra não escapasse para mar aberto sem ser percebido.

De madrugada, as chalupas levantaram âncora (os dois navios de guerra eram pesados demais para prosseguir nessas águas) e partiram rumo ao Adventure. Maynard ordenou que um barco menor fosse à frente, mas, assim que ele se aproximou do navio do Barba Negra, enfrentou fogo pesado e teve de recuar rapidamente. Apesar disso, Maynard ainda tinha a vantagem, pois Barba Negra estava com uma tripulação muito reduzida (alguns dizem que contava com apenas dezoito homens). Além disso, o Barba Negra aparentemente havia passado a maior parte da noite anterior bebendo com seus companheiros, e por isso não estava nas melhores condições para repelir um ataque. (Segundo Howard Pyle, foi também nessa noite que um dos marinheiros do Barba Negra perguntou ao pirata se sua jovem esposa sabia onde seu tesouro estava escondido, e ele teria respondido: "Não. Ninguém além do diabo e de mim sabe onde ele está, e aquele que viver mais ficará com tudo".)15

Mas, apesar de estar fisicamente debilitado, uma coisa que o Barba Negra tinha a seu favor era o grande conhecimento dos

14 Ibidem. 15 Howard Pyle, Howard Pyle's Book of Pirates, Harper & Brothers, 1921.

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canais estreitos e numerosos bancos de areia que havia naquela baía. Repelindo com sucesso a abordagem inicial de Maynard ao Adventure, o pirata levantou âncora e se dirigiu para um desses canais estreitos, com Maynard seguindo-o avidamente. No entanto, logo se viu em dificuldades, pois suas duas chalupas encalharam em um banco de areia. Seguiu-se uma discussão entre os dois homens, cuja versão mais popular — e certamente a mais dramática — é aquela registrada por Johnson em sua General History (aparentemente baseando seu relato em reportagens de jornal):

O Barba Negra o saudou à sua maneira rude: Malditos vilões, quem são vocês? E de onde vêm? O imediato disse, você pode ver por nossas cores que não somos piratas. Barba Negra convidou-o a mandar seu barco para que ele pudesse ver quem ele era, mas o sr. Maynard respondeu. Não posso dispor do meu barco, mas assim que eu puder vou até o seu navio com minha chalupa. Depois disso, Barba Negra tomou um copo de bebida e brindou-o com estas palavras: O Diabo tome a minha alma se eu lhe der acolhida, ou aceitar alguma de você. Em resposta a isso, o sr. Maynard lhe disse que não esperava nenhuma acolhida dele, nem lhe daria nenhuma.

Maynard ordenou a seus homens que fizessem o máximo para soltar as chalupas dos bancos de areia, uma tarefa que foi finalmente concluída após a subida da maré. Então partiram mais uma vez atrás do Barba Negra, que disparou uma banda de artilharia contra a primeira das chalupas, a Ranger, que ficou repleta de pregos e outros fragmentos de ferro e chumbo e vagava sem rumo depois de atingida. Seguiu-se um grande tumulto — o sr. Hyde e mais cinco homens foram mortos, enquanto muitos outros homens de Maynard ficaram gravemente feridos. Com a Ranger temporariamente fora de ação, Maynard partiu na Jane e, após várias tentativas malsucedidas, conseguiu finalmente atingir a bujarrona e o cabo da proa do Adventure, o que efetivamente obrigou o Barba Negra a ir para terra firme. Maynard então ordenou à sua tripulação (com exceção de dois marinheiros) que se escondesse com suas

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armas abaixo do convés, no compartimento de carga, enquanto ele navegava o mais próximo possível do Adventure, sem encostar nele.16

Barba Negra, ao ver a Jane virtualmente sem tripulantes, supôs ter matado a maioria deles no ataque anterior. Sentindo-se seguro de que não iriam sofrer nenhum dano, ele e seus piratas subiram a bordo da Jane e se depararam com os homens de Maynard saindo de seus esconderijos, com as armas na mão. Um jornal da época, o Boston News Letter (de 2 de fevereiro-2 de março de 1719), assim relata a luta: "Maynard e Teach começaram a lutar com suas espadas. Maynard atacou e a ponta da sua espada atingiu a cartucheira de Teach desviando-a totalmente. Teach baixou a guarda e feriu os dedos de Maynard, mas não o incapacitou, e ele deu um salto para trás, atirou longe sua espada e disparou sua pistola, ferindo Teach".

No total, ou pelo menos assim declarou Maynard posteriormente, Barba Negra levou cinco tiros no peito, além de vinte cortes em outras partes do seu corpo, mas o golpe fatal foi aquele que recebeu em seu pescoço, que, como relatou o Boston News Letter, "cortou sua cabeça, deixando-a caída sobre seu ombro".

Embora o Barba Negra estivesse morto, isso não foi o fim da batalha, pois os piratas remanescentes montaram uma forte defesa. Na verdade, quando a Ranger emparelhou com a Jane, diz-se que o convés desta estava cheio de sangue, com cadáveres de marinheiros e piratas jazendo em toda parte do navio. Desconhece-se o número exato de mortes de cada lado. O capitão Brand relatou que um total de onze marinheiros foram mortos e mais de vinte foram feridos, enquanto o número de piratas abatidos foi algo entre nove e doze, o número final não foi conhecido, pois vários deles pularam no mar.

Quanto ao Barba Negra, diz a lenda local que, após seu torso sem cabeça ter sido lançado ao mar, o corpo flutuou várias vezes em torno da chalupa antes de finalmente afundar sob as ondas. O tenente Maynard pegou a cabeça de Teach e a ergueu na ponta da

16 Johnson, op. cit.

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vela de proa como um troféu. Foi um fim adequado para a carreira de Barba Negra — uma morte adequada para um pirata que causou tanta destruição durante a sua vida. E naturalmente a imprensa, uma vez tomando conhecimento dos detalhes, teve um dia ocupado escrevendo sobre a batalha. Quanto à repercussão, até mesmo o governo britânico considerou este um grande golpe — maior ainda que a captura e a execução do capitão Kidd em 1701.

Talvez Charles Johnson tenha resumido melhor a vida do Barba Negra quando escreveu: "Este foi o fim desse bárbaro corajoso, que poderia ter passado pelo mundo como um herói se tivesse se dedicado a uma boa causa".

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BARTHOLOMEW ROBERTS Black Barty

Roberts era uma figura elegante, [...] vestia-se com um luxuoso colete vermelho-damasco e calças

até o joelho amarradas com uma fita, uma pluma vermelha em seu chapéu, uma corrente de ouro com

uma cruz de diamantes no pescoço, uma espada na mão e dois pares de pistolas pendendo na

extremidade de um dispositivo amarrado em seu ombro (segundo a moda dos piratas) e consta que

dava suas ordens com audácia e entusiasmo.

CAPITÃO CHARLES JOHNSON, A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates

Pouco se sabe sobre a infância de Bartholomew Roberts além de ele ter nascido (com o nome de John Roberts) em torno de 1682, em Haverfordwest, em Pembrokeshire, no País de Gales, em uma família pobre. Mas grandes homens podem surgir de origens humildes, e Roberts (ou Black Barty, como era comumente conhecido) era um desses indivíduos, tendo rapidamente se estabelecido como um dos piratas mais bem-sucedidos da sua época.

Roberts começou sua vida no mar servindo honestamente um certo capitão Plumb, a bordo do navio Princess. Foi o segundo imediato do navio em uma viagem da Inglaterra para a costa da África, em novembro de 1719. Na viagem para o exterior, a carga era variada, mas na África o Princess seria carregado com escravos que deveriam ser levados para as Índias Ocidentais, e depois deveria retornar à Inglaterra com uma carga de açúcar e rum. No

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Retrato holandês de Black Barty enfatiza o fato de ele ser conhecido por se vestir bem e o faz parecer um cavalheiro bastante afável, mas na verdade era um assassino cruel. Dois membros da sua tripulação que tentaram desertar foram amarrados no mastro e baleados na cabeça.

entanto, o infortúnio iria atingir o Princess quase imediatamente depois que entrou no porto de Anaboe (também escrito Anamaboe), na Guiné, quando foi atacado por um navio pirata, o Royal Rover, sob o comando do capitão Howell Davis. Robert não queria se unir a Davis em seu caminho ilegal, de modo que, de início, foi um "convidado" relutante a bordo do navio pirata, porém teria mudado de opinião ao ver como era fácil para Davis ganhar muito dinheiro com a pirataria.

Seis semanas se passaram, durante as quais o Princess fez sucessivos ataques bem-sucedidos até ocorrer um desastre. Davis

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tinha um plano de roubar 40 mil libras do governador de um grande assentamento português. Para tanto pretendia convidá-lo e a seus principais assessores para um jantar a bordo do Princess, para depois "detê-los" até que fosse pago um resgate. Mas a conspiração foi descoberta e, quando Davis e seus homens foram para terra firme para buscar seus "convidados", sofreram uma emboscada e foram mortos. De repente, havia uma vaga a bordo do Princess. Sua tripulação precisava de um novo comandante pirata e, embora Roberts só estivesse a bordo havia seis semanas, foi a ele que recorreram, pois durante essa época havia demonstrado grande capacidade de liderança. Consta que Roberts ficou satisfeito com a promoção, dizendo: "já que havia mergulhado suas mãos em águas barrentas, e devia ser um pirata, era melhor ser um comandante do que um pirata comum".1

Segundo Course, a primeira ação de Roberts como capitão foi vingar a morte de Davis e dos outros piratas. Ele e um grupo de homens atacaram o porto português, dominaram-no, incendiaram-no e atiraram ao mar todos os canhões da cidade.

Robert e sua tripulação agora viajavam para o sul na direção da costa brasileira, onde, próximo à baía de Todos os Santos, avistaram uma frota de 42 navios portugueses carregados a caminho de Lisboa. Raptando o capitão de um dos navios, Roberts quis saber qual navio da frota levava a carga mais valiosa. O capitão português revelou todas as informações que Robert precisava e depois "navegou até a embarcação e insistiu que seu capitão viesse até o navio pirata para receber uma importante mensagem. Ele respondeu que iria imediatamente; mas, notando que o navio estava se preparando para a ação, Roberts rapidamente ordenou um grande ataque e, colocando o Royal Rover a navegar ao lado do navio visado, atacou as cintadas dos canhões e subiu a bordo com seus homens".2 A batalha que se seguiu foi curta, com Roberts capturando facilmente o navio português, fazendo seus homens partir e ele retornando ao Royal Rover para também seguir viagem. O navio capturado

1 Charles Johnson, A General History ... (1724), Londres, Conway Maritime, 1998. 2 Captain A. G. Course, Pirates of the Western Seas, Londres, F. Muller, 1969.

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navegou ao lado do navio de Roberts até uma ilha da Costa da Guiné conhecida pela maioria dos piratas como ilha do Diabo. Ali os piratas descarregaram seu saque, que incluía açúcar, fumo, peles de animais, uma cruz de ouro incrustada com diamantes que constava ser um presente para o rei de Portugal e — o mais valioso de tudo — 4 mil moidores (uma moeda portuguesa) de ouro.

Animado com seu sucesso e tendo sido informado por algumas pessoas do local sobre um bergantim que vinha de Rhode Island, e navegava nas proximidades carregado de provisões, Roberts escolheu uma pequena chalupa e foi atrás desse navio, mas a sorte não estava do seu lado. Após oito dias no mar, perdeu a pista de sua presa devido ao mau tempo. Desorientado pela neblina, sem comida e água, Roberts construiu uma balsa e fez todos remarem até a praia. Finalmente, um barco comprido do Royal Rover veio em seu resgate, mas não trazia boas notícias. Roberts havia deixado o Royal Rover nas mãos de um pirata chamado Kennedy. Durante a ausência de Roberts, o restante dos piratas votou em Kennedy para seu novo capitão e, com exceção dos poucos membros que vieram resgatar Roberts, o restante partiu para Barbados com seu novo líder. De Barbados, Kennedy rumou para a Jamaica, onde capturou uma chalupa que ia para Boston. Mais tarde, junto com vários outros piratas, voltou com a chalupa para a Grã-Bretanha, onde, em circunstâncias diferentes, a maioria dos piratas foi presa e enforcada. O próprio Kennedy tentou escapar da pena de morte depondo contra seu cúmplice, mas isso não funcionou e, em 19 de julho de 1721, foi enforcado na Doca de Execução.

Enquanto isso, Roberts havia formado uma nova companhia de piratas, com a qual partiu para as Índias Ocidentais. Foi lá que ele escreveu uma lista de regras e regulamentos que toda a sua tripulação deveria cumprir (ver a lista completa nas p. 16-8).

Com essas regras, Roberts capturou duas chalupas, um bergantim de Rhode Island e um navio de Bristol com dez canhões, ambos carregados com provisões e mercadorias de valor. O último foi detido durante três dias por Black Barty, mas, depois de libertado, voltou para Barbados, onde seu capitão informou às autoridades o que havia ocorrido. Dois navios foram então despachados

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para caçar os piratas — um comandado pelo capitão Rogers, de Bristol, e o outro pelo capitão Graves, de Barbados — e demoraram só alguns dias para encontrá-los; a batalha que se seguiu foi tão intensa que Black Barty achou melhor fugir. Para isso, descarregou seu navio de todos os canhões e mercadorias pesadas, conseguindo uma velocidade maior para fugir das garras de Rogers e Graves, indo direto para Dominica. Ali não apenas fez uma provisão de alimentos e água fresca, mas também colocou a bordo mais treze homens que queriam se juntar aos piratas. Barty então rumou para as Granadinas, mas ficou por ali só alguns dias, saindo para o mar ao ser prevenido que o governador da Martinica havia enviado duas chalupas para capturá-lo.

Em junho de 1720, Black Barty chegou próximo à costa da Terra Nova. Dirigindo-se diretamente para o porto de Trepassy, "com sua bandeira negra de pirata tremulando", sua chegada causou muita consternação entre a população local. Além disso, as tripulações de 22 outros navios aportados em Trepassy correram para terra firme para não se tornarem prisioneiros de Barty, que, em conseqüência, saqueou os navios vazios e depois os incendiou. De Trepassy, os piratas subiram a costa da Terra Nova, onde teriam destruído nove navios franceses e capturado outro, que decidiram manter. Rebatizando o navio de Fortune, Black Barty conquistou mais quatro navios: o Richard, que chegava de Bideford, na Inglaterra, sob o comando do capitão Jonathan Whitfield; o Samuel, que vinha de Londres, sob o comando do capitão Cary; o Willing Maid, de Poole; e o Expectation, de Topsham. "O Samuel”, escreve Johnson, "era um navio rico e tinha vários passageiros a bordo, que foram tratados muito grosseiramente para obrigá-los a revelar onde estava seu dinheiro, ameaçando-os a todo momento com a morte se não renunciassem a tudo que possuíam. Eles destruíram as escotilhas e entraram nos compartimentos de carga como um bando de loucos, com machados e alfanjes, cortando e abrindo todos os fardos, engradados e caixas em que punham as mãos [...]."3

3 Johnson, op, cit.

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O capitão Cary observou os piratas saquearem seu navio e lhes disse que poderiam solicitar um Indulto Real se quisessem abandonar suas atividades criminosas, mas Roberts e seus homens só riram da proposta e saquearam e afundaram outros navios a fim de lhe mostrar como desprezavam sua sugestão. Depois, voltaram para as Índias Ocidentais para roubar mais alguns navios — principalmente aqueles que carregavam alimentos, porque o estoque já estava escasso. Nesse momento, no entanto, não tiveram sorte — não havia navios adequados para atacar, e por isso viajaram para São Bartolomeu, onde o governador os acolheu em terra firme e lhes deu todos os suprimentos que requereram.

Tendo se reabastecido, Black Barty agora se dirigiu à costa da África Ocidental, parando apenas uma vez para atacar um grande navio francês da Martinica, que achava que seria um navio mais adequado para ele e para seus piratas viverem a bordo. Tendo trocado os navios, Barty deu-lhe o nome de Royal Fortune e depois se dirigiu às ilhas de Cabo Verde, mas a má sorte sob a forma de fortes ventos alísios de noroeste o tirou do curso e, preocupado porque os suprimentos de água a bordo estavam minguando, deu meia-volta e se dirigiu ao Suriname, na Guiana. Quando atingiu seu destino, o Royal Fortune foi abastecido de água fresca. Era fundamental que os homem levassem várias centenas de barris a bordo — uma operação que demorou vários dias para completar, já que todos estavam muito fracos. Não obstante, com a missão realizada, o Royal Fortune partiu mais uma vez e rumou para Barbados, saqueando no caminho um navio chamado Greyhound.

Foi a essa altura que Black Barty, lembrando que o governador da Martinica enviara duas chalupas para rastreá-lo e capturá-lo, decidiu retornar para lá e se vingar. Sabendo que o comércio entre os comerciantes da Martinica e os holandeses era animado, Black Barty navegou para o porto de Fort de France com uma bandeira holandesa. Foi um bom truque — porque todos os comerciantes da ilha foram aos bandos ao Royal Fortune para negociar. Pegando seu dinheiro, Barty queimou então todos os seus navios, salvo um em que os comerciantes puderam voltar para a terra. Mas Roberts ainda estava furioso com os governadores da

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Duas bandeiras foram criadas por Black Barty. A da esquerda mostra um pirata que pode ser Black Barty e um esqueleto que simboliza a morte. Os dois seguram uma ampulheta, cuja intenção é indicar ao outro navio que “Entre Black Barty e a Morte o tempo está correndo”. A bandeira da direita mostra Black Barty equilibrado sobre dois crânios e as letras representando “A Barbadian's Head” e “A Martinican's Head”.

Martinica e de Barbados e, segundo o capitão A. G. Course em seu Pirates of the Western Seas, isso o impeliu a mandar fazer uma nova bandeira de pirata que "representava ele mesmo de pé sobre dois crânios brandindo uma espada e, sob cada um dos crânios, as letras A/B/H (A Barbadian's Head [Uma cabeça de um barbadiano]) e A/M/H (A Martinician's Head [Uma cabeça de um martinicano]). Ele tinha outra bandeira com a morte retratada como um esqueleto segurando uma ampulheta em uma das mãos e um arpão na outra".

Da Martinica, Black Barty foi para a ilha de Dominica, onde imediatamente capturou um navio holandês e outro bergantim de Rhode Island. Os dois navios foram levados para a ilha de Bennet na baía de Samana, próximo à costa norte de Hispaniola. Os piratas preferiam esse local, principalmente porque os moradores locais sempre os recebiam bem. Black Barty e sua tripulação não eram exceção. Eles passaram várias semanas na ilha de Bennet, dedicando-se às duas coisas que os piratas mais gostavam: beber rum e a luxúria sexual. Mas nem tudo seguiu como Roberts queria, pois, enquanto a maior parte da tripulação estava se divertindo com as mulheres locais, um homem chamado Harry Glasby, que era mestre

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do Royal Fortune, e mais dois membros da tripulação, decidiram pular do navio e desertar.

Black Barty, furioso com o que encarava como uma deslealdade, mandou caçar os homens e levá-los de volta ao navio para enfrentar o julgamento. Segundo Charles Johnson, esse julgamento aconteceu na proa do navio. As provisões foram colocadas na forma de uma grande tigela de ponche de rum, cachimbos e fumo, depois os prisioneiros foram trazidos e os artigos de punição contra eles foram lidos. Os acusados tinham pouco a dizer em sua defesa, e todos aqueles que estavam assistindo ao julgamento logo chegaram à conclusão de que não se deveria ter complacência e que todos os três deveriam ser executados. Na verdade, apenas um jurado, um pirata chamado Valentine Ashplant, falou em favor de Glasby, mas seus apelos caíram em ouvidos moucos, de modo que ele fez outra solicitação, dizendo que era um bom homem, tão bom quanto o melhor de quantos estavam ali, e que não daria as costas para Glasby, um homem honesto, e que, apesar de seu infortúnio, gostava dele; esperava que ele vivesse para se arrepender do que havia feito, mas, se devesse morrer, morreria junto com ele.4 Ashplant então tirou duas pistolas do bolso de seu casaco, o que fez que os outros juizes concordassem que ele havia feito uma boa defesa de Glasby suspendendo sua execução, mas, quanto aos outros dois prisioneiros — a única concessão feita a eles era que deveriam escolher "quatro da companhia para serem seus executores".5 Isso feito, os prisioneiros foram amarrados a um mastro e baleados na cabeça.

Black Barty foi de novo para o mar, desta vez em dois navios, o Royal Fortune e um dos bergantins capturados, que ele renomeou de Good Fortune. Mas, após longas semanas em terra bebendo e desfrutando da companhia de mulheres, a disciplina entre os piratas era tão deficiente que Roberts decidiu começar a exercer mais controle sobre eles, punindo-os severamente por qualquer contravenção. Tendo sido insultado por um dos tripulantes que havia bebido rum demais, Roberts matou o homem e, depois,

4 Ibidem.

5 Ibidem.

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ao ouvir um dos amigos da vítima (Jones) criticar suas ações, atravessou-o com uma espada. Apesar de ferido, Jones não morreu e atacou Black Barty, atirando-o sobre o cano de um canhão, e o espancou violentamente. De repente, a tripulação estava dividida; a metade dos homens ficou do lado de seu capitão, enquanto a outra ficou do lado de Jones — e sem dúvida tudo teria virado um perfeito inferno não fosse o mestre do Royal Fortune, que sentenciou Jones a receber duas chicotadas de cada membro da tripulação como punição por ter atacado seu capitão.

Finalmente, tendo recebido sua punição, Jones foi enviado para o outro navio pirata, o Good Fortune, onde consta que persuadiu a tripulação a romper com Black Barty, seqüestrar o navio e fugir.

Black Barty venceu facilmente esse desafio descarado à sua autoridade e, determinado a manter o restante de seus homens satisfeito, partiu para o Atlântico Norte rumo à foz do rio Senegal. Ali capturou um navio de guerra francês com dezesseis canhões que ele rebatizou de Ranger. Depois, o Good Fortune e o Ranger subiram o rio Serra Leoa, onde se esconderam durante algum tempo para pegar provisões, que lhes foram fornecidas por um velho pirata chamado Crackers. Havia também muitos comerciantes vivendo nessa área, a maioria deles ex-piratas, que deram as boas-vindas a Black Barty e sua tripulação. Durante várias semanas, Roberts e seus homens descansaram, e depois rumaram para o sul, saqueando mais navios pelo caminho. Um desses era de propriedade da Royal African Company — o Onslow, comandado por um tal capitão Gee. Por ocasião do seu seqüestro, a maior parte da tripulação estava em terra firme e, por isso, sua captura foi fácil. Roberts trocou o Royal Fortune por esse navio, pois ele era mais confortável. O recém-nomeado Royal Fortune, juntamente com o Ranger, partiram para Calabar, na Nigéria, e lá capturaram dois navios de Bristol que estavam ancorados no porto. Roberts também tentou negociar com os nativos daquela área, mas logo percebeu que eles eram hostis. Mas algo mais hostil iria acontecer a Roberts e à sua tripulação enquanto estavam em Calabar: uma companhia de navios de guerra britânicos estava à sua caça.

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Movendo-se depressa, Roberts rumou para a ilha de Annobon, no golfo da Guiné, onde pegou água fresca, e depois partiu para a Costa do Marfim, cruzando com um navio chamado King Solomon, comandado pelo capitão Trahern. Os piratas remaram ao lado do King Solomon, mas, quando Trahern lhes perguntou em que navio estavam, eles tentaram enganá-lo respondendo: o Defiance. Trahern não acreditou em uma palavra do que disseram e, portanto, em vez de convidá-los para subir a bordo, disparou um mosquete contra eles. Os piratas responderam na mesma moeda, abordaram o navio, dominaram sua tripulação, cortaram os cabos da âncora e, finalmente, navegaram com ele de volta ao local em que estava o Royal Fortune, onde o despojaram de toda a sua carga.

Nas semanas seguintes, Black Barty capturou e pilhou muitas outras embarcações. Navegou com o Royal Fortune até o porto de Ouidah, onde fez vários navios pagarem o resgate de oito libras de ouro para que não fossem destruídos — inclusive dando a alguns dos capitães (segundo Johnson) um recibo pelo seu ouro:

ESTE é para atestar a quem possa interessar que nós, CAVALHEIROS DA FORTUNA, recebemos oito libras de ouro em pó pelo seqüestro do Hardey, do comandante capitão Ditwitt, para libertarmos o referido navio,

Assinado Batt. Roberts, 13 de janeiro de 1721-2 Harry Glasby.

Mas um navio negreiro chamado Porcupine não estava preparado para pagar nenhuma quantia. Seu comandante, o capitão Fletcher, disse a Roberts que os proprietários do navio não o haviam autorizado a pagar resgates e, por isso, nenhum estaria disponível. Essa resposta enfureceu os piratas, que esperaram Fletcher e a maioria da sua tripulação partirem em barcos a remo para terra firme para negociar, e então incendiaram o Porcupine. Mas, em sua pressa, os piratas não tiveram tempo de soltar os escravos africanos que ainda estavam a bordo, algemados uns ao outros. De repente, esses "pobres infelizes" tiveram de fazer uma terrível escolha. Ou ficavam no Porcupine e queimavam até a morte, ou pulavam do

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navio e podiam ser "atacados por tubarões, um peixe voraz nesta região que, em sua opinião [dos piratas] arrancavam membro por membro da pessoa viva".6 Todos os que estavam em terra firme ficaram horrorizados diante daquela visão, mas não tão horrorizados quanto Black Barty quando soube que dois navios de guerra britânicos, o Swallow e o Weymouth, haviam chegado no golfo de Guiné com o propósito expresso de capturá-lo e pôr um fim ao seu reinado de terror.

Nas semanas seguintes, houve um jogo de gato e rato em alto-mar, até que, finalmente, o Swallow alcançou o navio irmão do Royal Fortune, o Ranger, dando início ao combate. De início, os piratas se deram bem, mas logo vários deles morreram, enquanto nenhuma vida havia sido perdida no Swallow, o que permitiu a seu capitão enviar barcos para capturar os piratas remanescentes. "Skyrne [capitão interino do Ranger] havia perdido uma perna na ação, mas insistia em lutar sobre seu coto. Enquanto os barcos do Swallow estavam se dirigindo para o Ranger foi ouvida uma explosão na cabine principal. Seis dos piratas haviam colocado pólvora e dispararam uma pistola. Isso não os mandou pelos ares nem à cabina, mas os queimou gravemente, um deles morrendo no dia seguinte."7

O resto dos piratas foi amarrado e algemado, e depois a tripulação do Swallow, tendo reparado os danos causados ao Ranger, levaram-no e aos prisioneiros de volta a Principie Island. Deixando-os sob a guarda das autoridades, reassumiram sua caça a Black Barty.

Em 9 de fevereiro de 1722, o Swallow avistou o Royal Fortune perto do Cabo Lopez. Ele estava ancorado perto de um navio chamado Neptune, comandado pelo capitão Hill. Na verdade, Roberts estava tomando o desjejum com Hill quando um de seus homens desceu do convés para informá-lo da presença próxima do Swallow. Roberts não ficou muito perturbado, acreditando que podia ser um navio português ou talvez um navio negreiro francês.

6 Ibidem.

7 Course, op. cit,

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Ele certamente não suspeitava que fosse um navio de guerra britânico. Só quando o Swallow estava junto do Royal Fortune Barty ficou plenamente consciente do seu propósito. Percebendo que estava sob ataque, rapidamente retomou sua navegação, esperando levar a melhor sobre o Swallow, permitindo-lhe atacá-lo e depois movendo-se rapidamente na direção oposta. Sua única preocupação era se seus homens estavam suficientemente sóbrios para se portar adequadamente, mas só havia uma maneira de descobrir — dirigiu o Royal Fortune para o mais próximo que podia do Swallow, que, como era esperado, disparou uma banda de artilharia.

No subseqüente julgamento dos piratas, um dos oficiais disse:

Mais ou menos às onze horas, com ele lado a lado conosco, dentro do alcance de um tiro de pistola, e com uma bandeira negra ou uma flâmula içada no alto de seu mastro principal, nós arriamos a bandeira francesa que continuava içada diante do nosso grupo até então, e exibimos as cores do rei, atirando ao mesmo tempo uma banda de artilharia, que foi imediatamente respondida, mas sem dano igual; sua vela do mastro principal caía e alguns dos seus cabos estavam danificados.

O pirata navegava melhor do que nós, atingido parcialmente por um tiro de canhão, enquanto continuávamos disparando (sem parar) aqueles canhões conseguíamos ... até que o vento nos colocou novamente ao lado deles e, depois de trocar mais alguns tiros, mais ou menos à uma e quinze, seu mastro principal caiu por completo, atingido por um tiro, um pouco abaixo da troça.

Às duas ele arriou a bandeira e recolheu as alheias, mostrando ser o Royal Fortune de quarenta canhões, anteriormente o Onslow ...8

A luta comprovou a destruição de Black Barty. De pé, sozinho no tombadilho da popa, ele recebeu uma saraivada fatal de

8 High Court of Admiralty Records, 1/99.3, Public Record Office; reproduzido em David Cordingly, Life Among the Pirates, Londres, Little, Brown and Company, I995.

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tiros na garganta. Sempre disse que, se fosse morto em ação, queria que seu corpo fosse lançado ao mar — a tripulação respeitou o seu desejo, lançou seu cadáver e em seguida se rendeu ao navio de guerra britânico.

Com todos os piratas capturados, o Swallow (que não havia sofrido nenhuma perda) voltava agora para a Lopez Bay, onde já havia descarregado a tripulação do Ranger. Os dois grupos de prisioneiros foram então enviados para Cape Coast Bay para serem julgados, mas no caminho tanto os prisioneiros do Royal Fortune quanto os do Ranger começaram a tramar uma revolta contra a pequena tripulação naval que estava conduzindo a operação. No entanto, o plano foi descoberto e os conspiradores — os piratas Moody, Ashplant, Magnes e Maré — foram colocados em confinamento ainda mais fechado até os navios alcançarem Cape Coast Bay, onde todos os piratas foram presos em Cape Coast Castle.

Antes dos julgamentos, em 28 de março de 1722, um dos piratas, Joe Dennis, depôs contra os cúmplices e foi perdoado. Os outros piratas não tiveram o mesmo destino. Os juizes que os julgaram incluíam o capitão Mungo Heardman (presidente), James Phips Esq., (general da costa), sr. Edward Hyde (secretário da Royal African Company), sr. H. Davidson e sr. F. Boye (comerciantes) e os tenentes Barnsley e Fanshaw.

Sessenta e nove membros da tripulação do Ranger foram julgados e acusados de serem:

perniciosamente unidos e articulados, para a importunação e perturbação dos comerciantes de Sua Majestade que trabalhavam no mar. E com as piores e mais nocivas intenções, desceram duas vezes a costa da África, com dois navios; uma vez no início de agosto, e uma segunda vez em janeiro último, afundando, incendiando ou roubando navios, como era seu hábito. Particularmente, são acusados, por sugestão e informação do capitão Chaloner Ogle, de traidores e piratas, por sua oposição ilegal ao navio de Sua Majestade, o Swallow, sob seu comando.9

9 Johnson, op. cit.

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Todos os acusados se declararam inocentes. A tripulação do Swallow foi solicitada a identificar cada um dos piratas e fazer um relato de como haviam sido atacados por eles. Os piratas, por sua vez, foram questionados sobre a maneira como passaram a navegar com Roberts e por que haviam decidido atacar o Swallow, ao que responderam que haviam assinado de livre e espontânea vontade o código dos piratas e compartilhavam os saques. Apenas alguns poucos homens que estavam no Ranger havia pouco tempo declararam ter sido obrigados a ingressar na pirataria, a saquear e afundar os navios.

O tribunal então decidiu que ouviria cada caso separadamente, para que todos pudessem decidir que piratas participaram voluntariamente e quais foram coagidos a fazê-lo. Acusações similares foram feitas aos 86 membros do Royal Fortune, embora dezesseis deles também tivessem sido acusados de pirataria com o King Solomon. No que se refere a essa última acusação, o capitão Joseph Trahern e seu imediato, George Fenn, testemunharam contra os piratas, declarando que, em janeiro de 1722, enquanto estavam ancorados, foram abordados por um barco cheio de homens que presumiram serem piratas. De início, Trahern achou que a melhor coisa a fazer era atacar os piratas, mas depois resolveu se render. Em seguida, os piratas subiram a bordo do King Solomon e o saquearam. Entre esses homens identificados por Trahern estava o mestre do Royal Fortune, um homem chamado Magnus; o contramestre, que se chamava Main; o veleiro, chamado Petty; o tanoeiro, chamado Harbour; o carpinteiro, chamado Griffen; e, por fim, o timoneiro, chamado Oghterlaney.

O tribunal então perguntou por que esses seis homens, se não eram participantes voluntários do esquema de Black Barty, foram escolhidos para essas posições a bordo do Royal Fortune. Os homens não tiveram resposta para isso e, junto com dez outros, foram considerados culpados das acusações. Na verdade, a única exceção feita pelo tribunal foi em relação a quatro músicos que provaram nunca ter participado de nenhum ato de pirataria, onze ingleses que só subiram a bordo do Royal Fortune alguns dias antes de ele ser capturado, e dezoito franceses que haviam sido feitos

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Em Cape Coast Castle, os homens de Black Barty foram mantidos prisioneiros antes de enfrentar o julgamento, após o qual mais de cinqüenta deles foram executados. O próprio Barty morreu na batalha, mas os canhões de Cape Coast Castle ainda apontavam para o mar, como se esperassem seu retorno.

prisioneiros por Black Barty. Todos esses homens foram inocentados, mas os restantes foram considerados culpados e condenados pelo tribunal, já que a pirataria era uma grande ofensa, ofensa que levava homens honestos e decentes a cometer crimes hediondos, destruindo assim famílias inteiras. A pirataria também destruía os negócios entre as nações e tornava o comércio impossível. Por isso, dada a gravidade do crime, era apropriado que todos aqueles considerados culpados recebessem "punição exemplar".10

O único pirata a receber tratamento especial foi o ex-mestre do Royal Fortune de Black Barty, Harry Glasby, pois teve testemunhas que atestaram sua humanidade. Não só isso, mas disseram que Glasby saía do seu lugar para evitar a crueldade e, além disso, que Black Barty o puniu por tentar escapar do Royal Fortune, sendo

10 Course, op. cit.

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açoitado quase até a morte ao ser capturado. Outras testemunhas se apresentaram, incluindo uma mulher que havia sido prisioneira a bordo do Royal Fortune e atestou que Glasby a tratara muito bem. Um dos músicos (que havia acabado de ser inocentado) também jurou que Glasby não participava de nenhuma atividade de pirataria.

Em sua própria defesa, Glasby disse que Black Barty o havia obrigado a trabalhar a bordo do Royal Fortune, mas, mesmo tendo se recusado a assinar o código e escapado dos piratas, fora recapturado logo depois. O tribunal se reuniu para decidir o veredicto. Muita discussão se seguiu, mas essencialmente todos concordaram que Glasby havia sido mantido a bordo do Royal Fortune contra a sua vontade e que, pelo seu conhecimento, não havia se envolvido em nenhum roubo. Por isso, iriam absolvê-lo.

Ele não foi o único a ser libertado. No total, 74 dos homens de Black Barty foram soltos, enquanto 52 foram considerados culpados e executados. Além disso, vinte outros foram condenados a servir sete anos na África Ocidental na Royal African Company of England, e dezessete foram enviados para a prisão de Marshalsea, em Londres, por tempo indeterminado.

Daqueles que foram executados, diz-se que um — Peter Scudamore, cirurgião do navio — solicitou adiamento de dois dias da punição, tempo que passou rezando e lendo a Bíblia. Uma vez no patíbulo, com a corda em torno do seu pescoço, Scudamore disse o Salmo 31. Outro pirata, David Symson, de North Berwick, na Escócia, encarou a morte de maneira diferente. Vendo uma jovem na multidão que se aglomerava em volta do patíbulo, declarou que havia dormido com ela três vezes e que agora ela estava assistindo ao seu enforcamento.

O último foi Charles Bruce, que veio de Exeter, no sul da Inglaterra. De início protestou contra a sua sentença e atribuiu seus pecados a um temperamento que ele não conseguia controlar. Depois pediu perdão a Deus pelo mal que causou às suas vítimas. Concluiu: "Estou aqui como um farol sobre uma rocha para advertir os marinheiros do perigo".11

11 Ibidem.

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EDWARD ENGLAND O Capitão Bem-Educado

England era um desses homens que parecia ter no fundo, uma boa índole e não era desprovido de coragem; não era avarento e se mostrava sempre

contrário ao mau tratamento dado aos prisioneiros.

CAPITÃO CHARLES JOHNSON, A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates

Como era característico dos piratas, a carreira do capitão Edward England não foi longa, durou apenas dois anos — depois desse tempo (igual ao capitão John Avery), ele morreu só e pobre. Durante os dois anos em que esteve ativamente envolvido na pirataria, era admirado, mas considerado um líder em essência fraco, cuja tendência à clemência ao lidar com os prisioneiros culminou com a tripulação se voltando contra ele. Apesar de não ser tão valente como o Barba Negra nem tão cruel como Benito de Soto, o capitão Edward England era um indivíduo fascinante, alguém que combinava a maldade com certa inteligência e uma ocasional sensibilidade moral.

Em geral se acredita que Edward England nasceu na Irlanda e, segundo alguns historiadores, originalmente respondia pelo nome de Jasper Seagar — embora haja poucas evidências corroborando essa afirmação. Há também poucas informações sobre a infância

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Edward England não tinha a má reputação pelo tratamento de seus prisioneiros desfrutado por alguns outros piratas, o que acabou levando-o ao desterro. Ao contrário de muitos que enfrentaram essa cruel punição, England sobreviveu e encontrou seu caminho rumo à salvação.

ou o início de sua carreira no mar; na verdade, ele é mencionado pela primeira vez quando, como imediato de uma chalupa pirata que se dirigia à ilha de Providence em torno de 1718, seu navio foi capturado por outro pirata, o capitão Winter. Não se sabe o que se passou entre os dois homens, mas logo depois desse evento, tendo ancorado na ilha de Providence, os dois piratas se encontraram com o capitão Rogers, que havia sido recentemente nomeado governador das Bahamas, tomando conhecimento de que ele iria livrar as ilhas (em particular a ilha de Providence) de sua crescente colônia de piratas. Rogers tinha poderes para indultar qualquer pirata que estivesse disposto a abandonar suas práticas ilegais e se estabelecer em uma vida honesta (ver Glossário).

A oferta ficou em aberto até setembro de 1718, e acredita-se que England foi abordado por Rogers, que estava mais do que disposto a conceder-lhe seu Ato de Graça. No entanto, England declinou. Como posteriormente Charles Johnson descreveria England como um homem bem-educado que detestava maltratar seus prisioneiros, esta podia ser uma escolha inesperada, mas, como Johnson escreve em sua General History: “É surpreendente que

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homens sensatos se envolvam em um tipo de vida que tanto degrada a natureza humana, e se coloquem no mesmo nível dos animais selvagens da floresta, que vivem da rapina de criaturas mais fracas: um crime hediondo! Que inclui quase todos os outros, como assassinato, rapina, roubo, ingratidão etc". Apesar de toda a sua boa índole, a rejeição de um perdão por parte de England é muito indicativa do lado mais obscuro do seu caráter, um lado que evidentemente o coloca inclinado à pirataria.

Saindo da ilha de Providence, Edward England rumou para a África, onde consta que capturou vários navios, incluindo um chamado Cadogan Snow, perto de Serra Leoa. O Cadogan Snow era comandado pelo capitão Skinner, que aparentemente já conhecia vários membros da tripulação de England — alguns deles já tendo trabalhado antes para ele. Entretanto, para infelicidade de Skinner, esses piratas com quem já havia navegado não tinham boas lembranças da convivência. Na verdade, as duas facções romperam, com Skinner recusando-se a pagar esses homens. Quando o capitão England capturou o Cadogan Snow e ordenou a Skinner que fosse a bordo de seu navio, "a primeira pessoa em que ele [Skinner] pôs os olhos foi seu antigo imediato, que o olhou fixamente como se fosse seu gênio do mal, e o abordou da seguinte maneira. 'Capitão Skinner! É o senhor? O homem que eu mais queria ver; estou muito em débito com o senhor, e agora vou lhe pagar tudo na sua própria moeda.'"1

Tremendo diante do destino que o esperava, Skinner implorou a clemência de seus ex-empregados, mas seus apelos caíram no vazio. Os piratas o amarraram no molinete e começaram a atirar nele garrafas de vidro quebradas, cortando sua pele em tiras. Skinner foi depois desamarrado e açoitado no convés, até que, por fim, um dos piratas pegou uma pistola e atirou na sua cabeça. Em seguida, dois piratas atiraram o corpo de Skinner ao mar, enquanto o resto da tripulação saqueava alguns itens selecionados do Cadogan Snow, deixando o navio e o restante da sua carga sob o comando do imediato da embarcação, Howel Davis.

1 Charles Johnson, A General History... (1724), Londres, Conway Maritime, 1998.

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Muitas das presas de Edward England foram capturadas quando ele viajava em torno da costa da África, antes de parar no porto pirata de Madagascar para descansar e realizar a manutenção essencial de seu navio. Depois partiu para as Índias Orientais.

Alguns dias depois, o capitão Edward England e sua tripulação capturaram o Pearl, que era comandado pelo capitão Tyzard. O Pearl era uma chalupa muito maior do que aquela em que England estava navegando, e por isso os piratas trocaram os navios e o renomearam de Royal James. England adaptou o James para propósitos de pirataria e mais tarde, enquanto navegava em torno das ilhas de Açores e Cabo Verde, teria capturado mais navios, alguns da Espanha e alguns da Inglaterra.

Mais tarde, na primavera de 1719, decidiu viajar de volta à África, onde, partindo da foz do rio Gâmbia, desceu a costa capturando cerca de dez ou onze navios, incluindo os seguintes:

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O Eagle Pink [ver Glossário], cujo comandante, o capitão Rickets, era de Cork, tomado em 25 de março, com seis canhões e dezessete homens a bordo, sete dos quais se tornaram piratas.

O Charlotte, do capitão Oldson, de Londres, tomado em 26 de maio, com oito canhões e dezoito homens a bordo, treze dos quais se tornaram piratas.

O Sarah, do capitão Stunt, de Londres, tomado em 27 de maio, com quatro canhões e dezoito homens a bordo, três dos quais se tornaram piratas.

O Bentworth, do capitão Gardener, de Bristol, tomado em 27 de maio, com doze canhões e trinta homens a bordo, doze dos quais se tornaram piratas.

O Mercury, do capitão Maggot, de Londres, tomado em 29 de maio, com quatro canhões e dezoito homens a bordo, cinco dos quais se tornaram piratas.

O Elizabeth and Katherine, do capitão Bridge, de Barbados, tomado em 27 de junho, com seis canhões e catorze homens a bordo, quatro dos quais se tornaram piratas.2

Os piratas incendiaram alguns dos navios, incluindo o Bentworth e o Charlotte, e adaptaram outros a seu próprio uso, entre eles o Mercury, renomeado como Queen Ann's Revenge (sob o comando do capitão Lane), e o Elizabeth and Katherine, renomeado como Flying King (sob o comando do capitão Robert Sample). Esses navios, juntamente com novas tripulações de piratas, depois deixaram o capitão England e rumaram para o Brasil, onde capturaram um grande número de navios portugueses. No entanto, sua boa sorte não duraria muito tempo, pois o Flying King um dia foi detido por um navio português, que tomou todos os piratas como prisioneiros e depois enforcou 38 deles.

Enquanto isso, o capitão England, que ainda estava descendo a costa da África, capturou uma galera, a Peterborough, comandada pelo capitão Owen, e o Victory, comandado pelo capitão Rideout. O primeiro teve seu navio tomado, enquanto o segundo

2 Ibidem.

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Quando England capturou o Cadogan Snow, parte da sua tripulação reconheceu o capitão, pois tinha servido sob suas ordens anteriormente. Eles não tinham boas lembranças dessa época e o espancaram quase até matá-lo com garrafas quebradas, antes de lhe darem um tiro na cabeça.

teve seu navio saqueado e depois afundado. England então se deparou com outras duas embarcações ao longo de Cape Coast Road, o Whydah e o John. Determinado a capturar ambos, os piratas incendiaram um pequeno navio que haviam tomado recentemente e o fizeram navegar entre o Whydah e o John na esperança de que suas tripulações abandonassem os postos. Mas o Whydah abriu fogo contra o capitão England, obrigando-o a navegar na direção oposta.

Entrando no porto, England tinha agora o Royal James limpo e abastecido, além de ter o recém-capturado Peterborough adaptado para a pirataria. Também mudou o nome desse navio para Fancy, e ele e seus homens decidiram se estabelecer na área — vivendo "desregradamente durante várias semanas, violando mulheres negras e cometendo atos tão ultrajantes que acabaram entrando em choque com os nativos, vários dos quais eles mataram, além de incendiarem uma de suas aldeias".3

Novamente no mar, o capitão England pediu a seus homens que votassem para onde iriam a seguir. A decisão recaiu sobre Madagascar, onde chegaram no início de 1720.

3 Ibidem.

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Madagascar e suas ilhas adjacentes era um porto de piratas (ver também o capítulo de John Avery, p. 95, e Glossário). Localizada próxima à costa da África, estava perfeitamente posicionada como um ponto de parada para qualquer capitão do mar que quisesse querenar o seu navio (isto é, tombá-lo e limpar seu casco) e readaptá-lo, além de reabastecê-lo com água fresca e alimentos. Laranjas e limão, que nessa época eram como remédio para os marinheiros que precisavam prevenir o escorbuto, eram armazenados em grande quantidade, sem mencionar carne fresca e peixe. E, à medida que aumentava a popularidade de Madagascar, aumentavam também os depósitos comerciais e armazéns de mercadorias, o primeiro dos quais foi aberto por um ex-pirata chamado Adam Baldridge, que:

Tendo assassinado ou ferido mortalmente um camarada em uma briga de taverna na Jamaica, pensou em se abrigar em Santa Maria e ali associar segurança a lucro [...] Construiu um forte e armazéns na entrada, colocando vários canhões e fechando os armazéns com uma resistente paliçada, onde os piratas podiam encontrar abrigo enquanto seus navios estivessem sendo cuidados, ou eles estivessem descansando em terra firme.4

England, tendo reabastecido seu navio com provisões, dirigia-se agora à costa de Malabar, nas Índias Orientais. Ali, ele e seus homens capturaram vários navios indianos e também dois navios europeus, que trocaram por um dos seus. Depois voltaram a Madagascar, onde vários deles foram enviados a terra firme para caçar javalis e veados, que lhes proporcionariam carne fresca. Depois partiram para Johanna Island (não distante de Madagascar), onde se depararam com dois grandes navios ingleses e um holandês que estavam indo negociar nas Índias Orientais. Dois deles conseguiram escapar dos piratas, mas o último — o Cassandra, comandado pelo capitão James Macrae — não foi tão afortunado.

4 Charles Grey, Pirates of the Eastern Seas, Londres, Sampson Low, Marston & Co., 1933,

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Tendo lutado contra os piratas durante muitas horas, durante as quais Macrae perdeu vários homens, tanto o Cassandra quanto o Fancy encalharam, depois que os dois lados começaram a atingir um ao outro com tiros de canhão. Em seu livro A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates, Charles Johnson inclui o que supõe ser a última carta escrita por Macrae, relatando os eventos que ocorreram nessa ocasião. Datada de 16 de novembro de 1720, entre outras coisas, ela diz:

acabamos encalhando; e embora tenhamos sido puxados um metro de água mais fundo que os piratas, graças a Deus eles ficaram rapidamente fincados em um fundo mais alto do que aquele em que felizmente caímos; por isso, ficaram mais uma vez desapontados por não conseguirem nos abordar. Aqui tivemos uma batalha mais violenta do que antes. Todos os meus oficiais, e a maioria dos meus homens, comportaram-se com uma inesperada coragem; e conseguimos uma considerável vantagem ao disparar uma banda de artilharia na sua proa, realmente lhes causando grandes danos.

Mas essa vantagem logo se evaporou e, desesperado, Macrae deixou o navio em um barco comprido e foi remando até a praia, mas não antes de ver os piratas abordarem seu navio, onde os viu cortarem "em pedaços três de nossos homens feridos". Este foi um golpe terrível para Macrae, que também estava muito ferido. Quando chegou à terra firme, foi imediatamente levado para a aldeia mais próxima (que ficava a quarenta quilômetros de distância) para conseguir ajuda. No entanto, em King's Town, os piratas já haviam enviado um aviso de que estavam dispostos a pagar a quantia de mil dólares a quem se dispusesse a lhes entregar Macrae. Temendo mais uma vez por sua vida, o capitão mandou divulgar a notícia de que estava morto e depois se retirou durante dez dias, esperando que nesse tempo "a maldade dos nossos inimigos cedesse".

Macrae então solicitou aos piratas permissão para ir a bordo do seu navio para negociar com eles, pois ele e seus homens

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sobreviventes não tinham como chegar a Johanna Island sem a ajuda dos bandidos. Era uma estratégia muito arriscada e, embora os piratas tenham dado a sua palavra de que nenhum mal lhes seria feito se ele subisse a bordo do Fancy, no momento em que pôs os pés no navio alguns deles ameaçaram matá-lo. O capitão England, sendo um indivíduo mais justo e mais pacífico, tratou seu prisioneiro com respeito e o aconselhou a causar uma impressão favorável em um pirata chamado John Taylor, a quem a tripulação do navio respeitava, principalmente "porque ele era mais cruel do que o resto".5

Logo Macrae estava assediando Taylor com bebida e tentando desesperadamente cair em suas boas graças, com pouco sucesso, até que um pirata bêbado e com uma perna de pau subiu ao convés e se dirigiu para o local onde Macrae estava. Ele achou que iria ser executado, mas verificou que o pirata era um de seus antigos empregados que, colocando o braço em torno de seu ex-chefe, informou o resto da tripulação de que ninguém deveria tocar em Macrae, porque ele sempre fora um homem honesto e sempre tratara com justiça seus marinheiros. (Uma interessante nota de rodapé para essa conversa é que esse pirata que foi descrito por Johnson como "um sujeito com um terrível par de suíças e uma perna de pau, armado com várias pistolas, como o homem no almanaque com flecha..." serviu de inspiração para o famoso personagem Long John Silver da Ilha do tesouro de Robert Louis Stevenson.)

De repente, John Taylor começou a se sentir mais à vontade com o capitão Macrae e ordenou ao restante dos piratas que deixassem Macrae em paz (e depois caiu numa letargia alcoólica). O capitão England então disse a Macrae que deixasse o Fancy o mais rapidamente possível, pois, assim que Taylor acordasse, era provável que mudasse de opinião. England também providenciou para que Macrae levasse um velho navio que os piratas não mais queriam, e este saiu navegando "com 43 tripulantes do meu navio, incluindo dois passageiros e doze soldados, tendo apenas cinco toneladas de água a bordo; e, depois de passados 48 dias, cheguei

5 Ibidem.

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Em 1720, os navios Cassandra e Greenwich da Companhia das índias Orientais relataram que England navegava com uma bandeira negra com um crânio branco e ossos cruzados abaixo dele. Esse símbolo era chamado de Jolly Roger, nome extraído provavelmente do francês joli rouge, que significa “vermelho bonito”.

aqui [em Bombaim] em 26 de outubro, quase nu e faminto, estando reduzindo a meio litro de água por dia, e quase desesperado por jamais ver terra, devido à calmaria que encontramos entre a costa da Arábia e Malabar".6

O capitão England, tendo ajudado tão efetivamente Macrae, ficou em uma posição desagradável diante de sua própria tripulação, que agora o encarava como fraco e ineficaz. Eles acreditavam que ele devia ter-lhes permitido matar Macrae, como era sua intenção inicial, ou pelo menos mantê-lo prisioneiro. Os piratas também achavam que Macrae provavelmente estava naquele exato momento adaptando um navio para ir atrás deles e colocá-los atrás das grades. Os homens de England ficaram tão furiosos, principalmente John Taylor, diante do que encararam como comando fraco de seu líder, que, no início de 1721, se amotinaram e o desterraram e a três outros homens na ilha Maurício.

Como pode ser observado do código de conduta dos piratas estabelecido por Bartholomew Roberts, e que aparece na General

6 Johnson, op. cit.

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History de Charles Johnson (ver as p. 16-8), o desterro não era uma prática rara entre eles para castigar ofensas, incluindo a de roubo. No caso do capitão England, ele não recebeu armas com as quais se defender de animais selvagens ou com as quais pudesse matar animais para comer. Nem recebeu água para beber ou outros suprimentos. Isso também não era incomum — dada a gravidade do chamado crime de England, sua tripulação provavelmente encarava o seu desterro como um gesto quase simbólico: eles o estavam expulsando do grupo porque havia colocado em risco a comunidade de piratas. Como escreve Howard Pyle em seu Book of Pirates:

Se um pirata transgredisse uma das principais regras que governavam o bando particular a que pertencia, ele era desterrado; até mesmo o capitão pirata, se desagradasse seus seguidores pela severidade da sua regra, corria o risco de sofrer a mesma punição que ele havia, talvez mais de uma vez, perpetrado a outro. Um lugar adequado era escolhido (em geral alguma ilha deserta o mais distante possível da rota do comércio), e o homem condenado era transportado em barco a remo do navio até a praia.

Também não era uma punição "leve", pois, se lhes fosse dado escolher entre ser desterrado e ser executado, os piratas com freqüência escolheriam a última, por ser uma opção de morte mais rápida e bem menos dolorosa. Afinal, quando se desterrava um pirata, ele era freqüentemente despojado de todos os seus pertences, incluindo suas roupas, e deixado sem alimentos, água, ou quaisquer armas com que matar animais selvagens. Por isso, a morte era quase sempre um processo longo e doloroso, especialmente se a vítima não conseguisse se alimentar ou encontrar um abrigo adequado, morrendo, quase certamente, de frio, nas garras de animais ou de fome.

Entretanto, apesar dos detalhes de tal destino, nos séculos XVIII e XIX o desterro era considerado quase romântico. É claro que Shakespeare abordou o tema em sua peça A tempestade, e Jonathan Swith escreveu sobre Gulliver ter ficado encalhado na

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ilha de Lilliput nas Viagens de Gulliver, mas nenhuma dessas histórias aproximou-se tanto da imaginação do público quanto uma história publicada em 1719, cuja página de rosto traz a seguinte inscrição:

A vida e as aventuras surpreendentes e estranhas de Robinson Crusoé, de York, marinheiro, que viveu 28 anos totalmente sozinho em uma ilha desabitada na costa da América, perto da foz do grande rio Orenoco. Foi lançado na praia após um naufrágio, onde todos os homens morreram, menos ele. Um relato de como ele foi por fim estranhamente resgatado por piratas. Escrito por ele próprio.

De todas as histórias escritas e todos os relatos factuais de pessoas que foram desterradas em ilhas desertas, a de Robinson Crusoé, contada por Daniel Defoe, é a mais conhecida e a mais apreciada. Contra todas as possibilidades na vida real, Crusoé conseguiu sobreviver durante muitos anos — ele não morreu de fome, não sucumbiu a uma doença fatal, não enlouqueceu nem foi comido vivo. É certo que Crusoé não era pirata e não foi abandonado na ilha como punição, ao contrário do capitão England ou da longa lista de infelizes que sofreram fins similares, como um pirata chamado Andrew Barker, que foi desterrado por amotinados em 1577. Houve também o caso de Thomas Cavendish que, em 1587, capturou um galeão em Manila e depois despojou sua tripulação de suas roupas e a atirou nas terras devastadas da Califórnia. Em 1688, o pirata William Dampier foi atirado na ilha de Nicobar sem nenhum suprimento, e, em 1718, Roger Stevens, de Bristol — juntamente com seu imediato —, foi abandonado na ilha de Rattan por piratas que capturaram seu navio e fugiram com a carga.7 Vários desses homens não sobreviveram à privação — na verdade, nunca mais se teve notícias da maioria das pessoas que foram desterradas. "A tripulação do barco de algum navio, navegando por acaso naquelas paragens, podia talvez encontrar alguns ossos

7 David Cordingly, Life Among the Pirates, Londres, Little, Brown & Co., 1995.

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caros alvejando na areia branca sob a luz brilhante do sol, mas isso era tudo."8

No caso do capitão England, sua tripulação de piratas — agora capitaneada pelo famoso John Taylor — não parou para pensar no destino do seu antigo capitão. Logo seguiram para a Índia, onde capturaram vários navios europeus e mouros e passaram o Natal de 1720 no mar, "bebendo e farreando, e ficaram assim durante três dias de uma maneira libertina e turbulenta, não só comendo, mas desperdiçando suas provisões frescas...".9 Depois dirigiram-se para as Índias Ocidentais, onde repararam seu navio (o Victory), tornando a partir em 5 de abril de 1721 rumo à ilha Mascarine. Aí foram bastante afortunados e capturaram um grande galeão português (um navio de carga também adaptado para o combate) chamado Nossa Senhora do Cabo, que sofreu terríveis danos durante uma tempestade e por isso se tornou presa fácil. O navio estava carregado de alimentos e outras provisões, mas seu maior tesouro era o vice-rei de Goa, que estava carregando consigo diamantes que valiam muitos milhões de dólares. Taylor e seus homens pegaram as jóias e depois prenderam o vice-rei, para pedir um resgate de mais 2 mil dólares. Os piratas desembarcaram todos os que estavam a bordo do Cabo em uma pequena ilha e os deixaram entregues ao seu destino enquanto eles partiam para Madagascar com o navio rebocado.

Segundo Johnson, quando chegaram à ilha, Taylor dividiu o saque entre os homens, cada pirata recebeu 42 diamantes ou seu equivalente, dependendo do tamanho. Alguns dos piratas posteriormente pegaram seus bens e se estabeleceram em Madagascar, enquanto o resto começou a planejar uma nova viagem. Decidiram que um de seus navios, o Victory, já havia visto dias melhores e por isso o incendiaram e substituíram pelo Cabo, que renomearam de Victory, em homenagem a seu velho navio. Taylor e cerca de metade da sua tripulação original partiram novamente, porém, quando estavam deixando a cidade, souberam que quatro navios de guerra

8 Howard Pyle, Howard Pyle's Book of Pirates, Nova York, Harper & Brothers, 1921.

9 Johnson, op. cit.

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England foi desterrado juntamente com mais três homens na ilha Maurício, onde se esperava que ele morresse de sede ou de fome neste ambiente hostil. Ironicamente, Maurício é hoje uma ilha de lazer de pessoas abastadas, onde os visitantes podem relaxar em meio ao luxo.

britânicos haviam sido enviados para as Índias para capturá-los, e por isso dirigiram-se à África. Chegando ao pequeno porto de Delagoa, Taylor ficou escondido durante alguns dias, mas, sabendo de uma pequena fortificação ao longo da costa, não conseguiu resistir e enviou seus homens para conquistá-la. Eles assim o fizeram e descobriram que o forte havia sido construído pela Companhia das Índias Orientais Holandesas, que abandonara alguns de seus empregados ali, os quais não apenas imploraram clemência aos piratas como pediram-lhes permissão para se juntar a eles.

Com uma nova leva de recrutas, Taylor partiu para as índias Ocidentais Espanholas e, ao chegar a Cuba, decidiu vender seu navio para o governador de Porto Bello. Depois disso, pouco se sabe sobre sua vida ou o que fez, embora possa conjeturar-se que, com todo o dinheiro que ganhou com o saque dos diamantes, ele se estabeleceu para desfrutar em paz o resto de seus dias.

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O mesmo não pode ser dito do capitão England, que, tendo sido largado em Maurício, passou vários dias desesperado pensando no que fazer a seguir. Ele e seus companheiros não podiam ficar na ilha — não se quisessem sobreviver — e então, juntando suas habilidades, construíram um pequeno barco e enfrentaram o grande risco de viajar para Madagascar. Suas provisões eram absolutamente inadequadas para uma viagem desse porte — apenas uma pequena quantidade de água fresca e pouquíssima comida —, de modo que, se passassem mais de alguns dias no mar, sem dúvida morreriam. Mas a sorte estava do lado do capitão England e, após vários reveses, ele e os outros três homens chegaram a seu destino, cansados, famintos e extremamente aliviados.

Após esse episódio, pouco se sabe do que aconteceu com o capitão England. Imagina-se que, assim como o pirata John Avery, ele passou o resto de seus dias mendigando nas ruas para sobreviver, reunindo o suficiente para permanecer vivo. Era um enorme contraste com a carreira confiante e audaciosa que havia desfrutado enquanto navegava como pirata, mas em muitos aspectos era típico da privação que muitos piratas suportaram no fim de suas vidas. "Vinho e mulheres", escreveu Charles Leslie em sua History of Jamaica, "esgotaram sua [dos piratas] riqueza a tal ponto que, em pouco tempo, alguns deles ficaram reduzidos à mendicância. Sabe-se que gastavam 2 mil ou 3 mil pesos em uma noite." O capitão Kidd, Benito de Soto, John Rackham e Edward Low chegaram todos ao limite dos seus recursos, enquanto Barba Negra e François L'Ollonais suportaram mortes bem mais sangrentas, mas eles foram as exceções à regra. Na verdade, bem mais piratas terminaram bêbados, doentes, sem recursos e pobres, tendo gasto seus ganhos ilícitos com as mulheres e o álcool. Na verdade, a visão romântica das vidas (e mortes) de muitos piratas não poderia estar mais distante da verdade. Com freqüência, suas carreiras duravam apenas quatro ou cinco anos, se tanto. John Avery não chegou a durar três anos como pirata, enquanto Edward Teach só viveu quinze meses nessa profissão antes de ser morto. As vidas dos piratas nem sempre eram cheias de ação ou ricamente compensadas. Eles podiam passar meses sem fim no mar, sem localizar um navio adequado

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para atacar, e, quando conseguiam finalmente capturar um, o mais freqüente era que sua carga não valesse a metade do que haviam pensado de início.

Por isso, a vida e a morte de Edward England foram bem típicas de um pirata. Ninguém pranteou seu fim; não há nenhuma lápide indicando onde está enterrado — na verdade, o único registro de sua existência é o relato de Charles Johnson sobre sua vida breve e, ocasionalmente, excitante.

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CAPITÃO EDWARD LOW O Mal Personificado

Alguns lutam por riquezas — outros lutam pela fama. Eu luto por vingança! Adoro ver fluir, ao golpe do meu

sabre, a vida dos meus inimigos...

ANÔNIMO, Pirate's Song

Na sua introdução da biografia de Edward Low, Charles Ellms declara que de qualquer pirata vivo ou morto, ninguém nasceu como ele para esta profissão. "Este vilão feroz", diz, "[...] recebeu educação similar àquela das pessoas comuns da Inglaterra. Ele era por natureza um pirata, pois, mesmo quando era muito jovem, angariava contribuições entre os garotos de Westminster e, se eles não dessem, certamente haveria briga."1

Low nasceu em Londres na primeira metade do século XVIII. Fora sua educação no burgo de Westminster, pouco se sabe sobre sua infância, além de que um de seus irmãos também parecia destinado a uma vida de crime — quando bem pequeno, convenceu um amigo da família a levá-lo para passear em uma cesta nas

1 Charles Ellms, The Pirates Own Book, Nova York, Dover, 1993.

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suas costas e, quando os dois se viram em meio à multidão, o menino roubou chapéus e perucas. Não se sabe se Edward participou dessas atividades. É mais certo que, junto com um irmão mais velho, ele tenha ficado no mar durante três ou quatro anos antes de se separarem na América, onde Edward encontrou emprego numa loja de cordas em Boston, Nova Inglaterra. Em 12 de agosto de 1714, Low se casou com uma mulher chamada Eliza Marble. Eliza deu à luz um menino, depois a uma filha, mas morreu no inverno de 1719, seguida, algumas semanas depois, por seu primogênito. Devastado por suas perdas, e não sendo um homem que facilitasse a vida para si mesmo, Low desentendeu-se com seu patrão e, a essa altura, achando que não tinha nada a perder e deixando sua filha com seus sogros, pegou um navio que ia para a baía de Honduras.

Logo depois de sua chegada, Low encontrou emprego em um barco que levava lenha para os navios. O barco era armado para protegê-lo dos espanhóis que, sempre que podiam, roubavam a carga. Certa noite, tendo entregue a lenha ao navio pouco antes do horário do jantar, Low planejava ficar a bordo e jantar com o capitão. Este, no entanto, tinha outras idéias e, em vez de concordar em jantar com seus homens, deu-lhes uma garrafa de rum e lhes ordenou que entregassem outra carga de lenha antes de se sentar para comer. A tripulação do barco ficou furiosa, mas particularmente Low, que pegou um revólver e atirou no capitão. A bala não atingiu seu alvo, mas matou o homem que estava de pé ao lado dele. Low e o resto da tripulação fugiram, mas no dia seguinte retornaram ao navio, lançaram o capitão ao mar, içaram a bandeira negra e "declararam guerra ao mundo todo".2

Low e sua tripulação partiram para a ilha Grand Cayman, onde podem ter tido alguma intenção de adequar seu navio para um emprego honesto, mas foi nessa altura que conheceu George Lowther, um pirata. Lowther fez muitos elogios e sugeriu que Low se juntasse a ele como aliado. Era uma oferta que não se podia recusar e, evidentemente, os dois piratas trabalharam lado a lado até maio de 1722, quando tomaram um bergantim que estava a

2 Ibidem.

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Low e o capitão de um dos navios da sua frota tentaram convencer o mestre de uma embarcação capturada a se unir a eles na pirataria, primeiro oferecendo-lhe uma tigela de ponche, e depois ameaçando-o com uma pistola. Seu prisioneiro, o capitão George Roberts não cedeu às suas insistências e se considerou afortunado por sua vida ter sido poupada.

caminho de Boston. Nesse ponto decidiram se separar, com Low tomando para si o navio recém-capturado. Com 44 homens de confiança como sua tripulação, Low era agora capitão do seu próprio navio, que ele chamou de Rebecca.

Sua primeira aventura como capitão aconteceu logo depois, quando ele capturou uma chalupa comandada por John Hance, a quem despojou de todas as suas posses e roubou todas as provisões que havia a bordo, levando-as para o Rebecca. Mais tarde,

Capitão Edward Low

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naquele mesmo dia, encontrou outra chalupa, comandada por James Calquhoon. Low também o saqueou e depois "cortou todas as cordas do navio, e também as velas das vergas, e danificou o mastro, para impedir que ele tivesse serventia, e então partiu para sudoeste, a toda velocidade possível, embora houvesse então pouco vento".3

Calquhoon não gostou de ter sido seqüestrado e, assim que Low partiu, começou a reparar os mastros e as velas, e partiu para a ilha de Block, de onde enviou uma baleeira para lançar o alarme para o continente. Na manhã seguinte, duas das chalupas mais rápidas foram preparadas e partiram em busca de Edward Low. O capitão John Headland comandava a primeira chalupa, que estava armada com dez canhões, e o segundo navio, comandado pelo capitão John Brown, tinha seis canhões a bordo. Para frustração dos dois, embora Low tivesse sido localizado na costa da ilha de Block, quando chegaram ele já havia escapado.4

A pista seguinte de Low ocorreu vários dias mais tarde, quando ele viajou para a baía de Buzzard em busca de água fresca e outras provisões. Alguns de seus tripulantes atacaram algumas baleeiras e as saquearam em busca de comida, enquanto outros foram para terra firme roubar carneiros. Totalmente abastecidos, partiram rumo norte para a Nova Escócia, onde aportaram em Rosemary Harbor. Lá encontraram treze navios pesqueiros da baía de Massachusetts que descansavam ali durante alguns dias antes de retomar seu negócio. Içando a bandeira negra, Low não perdeu tempo em ordenar a seus piratas que saqueassem os barcos pesqueiros e raptassem todos os marinheiros saudáveis em que conseguissem pôr as mãos, para obrigá-los a abraçar a pirataria. Low também decidiu que o maior dos navios pesqueiros — o Mary, com oitenta toneladas — era mais adequado como navio pirata do que o Rebecca e, por isso, trocou de embarcação. Renomeou o Mary, chamando-o de Fancy, e depois colocou todos os pescadores que ele não queria como piratas no Rebecca, para navegarem de volta a

3 Charles Johnson, A General History... (1724), Londres, Conway Marítimo, 1998.

4 A. G. Course, Pirates of the Western Seas, Londres, F. Muller, 1969.

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Capitão Edward Low

Boston, onde relataram o incidente às autoridades. Low rumou para St. John's, em Newfoundland, lá chegando em meados do verão. De início ficou tentado a capturar um navio que estava ancorado no porto, mas no último momento descobriu que era um navio de guerra (o Solebay) e, por isso, partiu para o porto de Carboneau, cerca de 45 milhas ao norte.

Em Carboneau, Low e seus piratas saquearam a cidade, incendiando as casas antes de seguir viagem rumo aos bancos de pesca de Newfoundland, onde capturaram um bacalhoeiro francês (navio pesqueiro) pouco armado, com apenas dois canhões a bordo. Nessa altura, Low teve a sorte de escapar de duas chalupas que estavam navegando para o forte em Annapolis-Royal, em Nova Escócia. Os dois navios estavam armados e tinham soldados a bordo e, assim que o Fancy abriu fogo contra eles, responderam. A única coisa que salvou Low e seus homens de serem capturados foi uma neblina que encobria tudo e que permitiu que o Fancy se afastasse sem ser detectado.5

Seguiu o curso para o Caribe, mas durante a viagem enfrentou um terrível furacão, que tanto danificou o Fancy que ele teve de se abrigar nas ilhas de Leeward. Ali, Low consertou seu navio e pegou novas provisões, mas, muito desgostoso, também soube pelas pessoas do lugar que vários navios de guerra o estavam caçando nas Índias Ocidentais, o que o levou a partir para o Atlântico Norte, rumo aos Açores.

"A boa sorte de Low era agora singular", escreveu Charles Ellms em seu Pirates Own Book, pois, "navegando para lá, capturou um navio francês de 34 canhões e o levou com ele. Depois, entrando no ancoradouro de São Miguel, capturou sete veleiros (o Notre Dame, o Mère de Dieu, o Dove, o Rose Pink e mais três outros), ameaçando com morte imediata todos que ousassem se opor a ele. Assim, inspirando o terror sem disparar um único tiro, ele se tornou dono de toda aquela propriedade".

Mas Ellms se esqueceu de mencionar um ato horripilante que Low parece ter cometido durante esse ataque. Em seu livro

5 Ibidem.

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Pirates of the Western Seas, o capitão A. G. Course o acusa não apenas de saquear e depois incendiar vários navios franceses, mas depois — tendo dito que toda a tripulação estava livre para partir — mudou de opinião e escolheu um dos homens que Low disse ser "um sujeito que parecia gorduroso" e que "devia fritar bem". Esse pobre homem foi amarrado ao mastro principal e incendiado junto com o navio.

Low agora enviou um recado à terra firme, ao governador de São Miguel, dizendo que em troca de água e provisões ele libertaria os navios que não haviam sido queimados. O governador concordou, e com isso Low devolveu todos os navios, exceto um, o Rose Pink, que pegou para ele, e entregou o controle do Fancy para seu imediato, um homem chamado Harris.

O Fancy e o Rose Pink partiram então de São Miguel para a ilha de Santa Maria, mas no caminho encontraram o Wright — uma galera comandada pelo capitão Carter. Harris abriu fogo contra o navio e Carter respondeu. Na verdade, sua resistência aos piratas foi tão feroz que, quando finalmente o Wright foi dominado por eles, Harris e seus homens atacaram todos a bordo com alfanjes, cortando-os em pedaços. Dois passageiros portugueses sofreram um destino ainda pior do que este. Foram içados e pendurados em cada ponta da verga até ficarem quase asfixiados, e depois foram baixados para o convés apenas para serem içados de novo segundos depois — e dessa vez os pescoços dos dois homens quebraram. Tudo isso fazia parte da diversão dos piratas, algo que os animava quase tanto quanto cortar suas vítimas em pedaços.

Low assistia ao espetáculo, tendo se juntado a Harris a bordo do Wright, logo depois de sua captura. Não que tenha escapado ileso, pois a certa altura recebeu um golpe na mandíbula. O médico do navio teve de costurar a ferida, mas Low, achando que ele não fez um bom trabalho, repreendeu o médico, que como resposta bateu em Low. O segundo golpe na mandíbula abriu ainda mais a ferida, mas dessa vez o médico se recusou a ajudar, dizendo a Low que ele próprio se costurasse. Naturalmente, Low ficou furioso, e vários escritores a partir daí comentaram que foi provavelmente por isso que Low substituiu Harris no comando do Fancy

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Capitão Edward Low

por um homem chamado Spriggs, pois Harris era incapaz de manter seus homens sob controle.

Depois que o Wright foi saqueado e suas velas destruídas, o Fancy e o Rose Pink partiram para Madeira em busca de água fresca, e depois continuaram para o sul, rumo às ilhas de Cabo Verde. Ali capturaram o Liverpool Merchant, que estava sob o comando do capitão Goulding. Segundo Charles Johnson, seu saque compreendeu "trezentos galões de conhaque, dois canhões e carretas, um mastro, verga e espias, além de seis de seus homens". Foi também enquanto estava navegando entre as ilhas de Cabo

Low escapou por pouco quando o navio de guerra Greyhound atacou o Fancy, o navio de Low, e outro de seus navios, o Ranger, próximo a Rhode Island. O Fancy perdeu muitos tripulantes na ação e sofreu vários danos, mas conseguiu se afastar no fim da tarde. A tripulação do Ranger foi presa em Newport, com 25 dos piratas sendo em seguida enforcados.

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Verde que Low capturou e saqueou duas chalupas portuguesas que se dirigiam ao Brasil, uma chalupa inglesa que ia para Santa Cruz e três de São Tomás que estavam a caminho de Curaçao. Low também deteve uma chalupa mercante inglesa que decidiu tomar para si.

Com sua frota agora contando com três navios, Low aportou em Boa Vista para limpar e repará-los, mas, como lá não havia água fresca disponível, tiveram de navegar até a ilha de São Nicolau. Ali, em 20 de outubro de 1722, em Carrisal Roads, eles capturaram um navio chamado Margaret, comandado pelo capitão George Roberts.

Na madrugada da manhã de 20 de outubro de 1722, o capitão Roberts avistou três navios cruzando a baía de Carrisal, que, ao vê-lo, recuaram suas velas para esperar sua chegada. Quando estávamos a cerca de uma milha um do outro, o navio mais próximo rumou para o Margaret sob a bandeira inglesa e, ao passar por suas proas o saudou de uma maneira autoritária chamando-o para ir a bordo com seu barco. O barco foi enviado, mas Roberts não estava nele, o capitão pirata gritou, ''seu cachorro, filho-da-mãe, por que não veio até aqui falar conosco?”. Ao ouvir esta saudação grosseira, Roberts achou melhor obedecer e, quando o barco voltou, entrou nele e foi até o navio pirata.6

Com Roberts a bordo, Low teria pedido desculpas pela hostilidade inicial e fez uma reunião no Rose Pink para decidir o que seria feito com o prisioneiro. Na verdade, Roberts ficou detido a noite toda pelos piratas, mas na manhã seguinte foi visto por três deles, que o reconheceram como sendo seu capitão quando haviam viajado em um navio chamado Susannah em 1718. Os três piratas avisaram Roberts de que ele seria mantido a bordo como prisioneiro para que pudesse navegar o Rose Pink pela costa do Brasil. Esses três piratas também conversaram com o capitão Low para dizer que Roberts era um homem de família, que tinha esposa e

6 Charles Grey, Pirates of the Eastern Seas, Londres, Sampson Low, Marston & Co., 1933.

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quatro filhos, e também disseram que ele sempre tratou seus tripulantes extremamente bem. Inseguro sobre o que fazer, na manhã seguinte Low fez seus homens içarem uma bandeira de seda verde exibindo um homem amarelo tocando um trompete, que era conhecida como uma bandeira de consulta e, quando içada, supunha-se que o navio trazia representantes de outros navios piratas para uma discussão.

Na reunião, Low perguntou a Roberts sobre sua família e se ela estava sendo adequadamente sustentada. Roberts respondeu que não, que sua esposa e filhos estavam praticamente sem dinheiro, pois gastara tudo reformando o Margaret e comprando sua carga, mas, se os piratas o deixassem ir e lhe permitissem continuar negociando, ele poderia prover adequadamente sua família.

Consta então que Low chamou um homem chamado Russell, que era capitão do terceiro dos seus navios, e lhe disse que Roberts deveria ser solto, mas Russell discordou, pois queria a carga de Roberts para si. Não chegando a um acordo, foi proposta uma votação entre os piratas, mas, enquanto isso acontecia, Russell tentou convencer Roberts a se juntar a seu bando e se tornar um pirata. Não concordando — Roberts não queria se envolver com Low ou com Russell —, ficou detido mais uma noite. Na manhã seguinte, Roberts foi informado que seu imediato e toda sua tripulação haviam se unido aos piratas, mas ainda assim não conseguiram convencê-lo. Mesmo quando Russell sugeriu que ele ficasse no Rose Pink e navegasse com eles pela costa do Brasil, e depois eles lhe dariam um navio melhor em troca do Margaret, Roberts recusou a oferta. Ele queria que sua própria chalupa retornasse, mas Russell não aceitaria um não como resposta e em vez disso o convidou para ir até seu navio para compartilhar com ele uma tigela de ponche.

Quando estava a bordo, Russell tentou duas vezes persuadir Roberts a mudar de idéia. A certa altura, brandiu uma pistola diante do rosto de Roberts para tentar conseguir seu objetivo, e por muito pouco Roberts não foi morto. No entanto, o homem de armas de Russel arrancou a pistola das mãos de seu mestre e depois lhe lembrou que ele estava infringindo as leis dos piratas. "Imediatamente surgiu uma discussão entre o homem de armas e

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Russell, o primeiro requerendo que o mestre [Russell] fosse preso, pois havia tentado matar um prisioneiro cuja vida havia sido garantida pela maioria. O mestre [Russell] foi então despojado de suas armas e informado de que qualquer outra desobediência à vontade da maioria causaria sua morte certa."7

Pela manhã, os ânimos haviam se acalmado e Russell foi libertado, mas ainda não estava aceitando que Roberts recebesse de volta seu navio. Apesar disso, obedeceu ao capitão Low e insistiu que ele e sua tripulação tirassem do Margaret todas as suas provisões antes que ele fosse devolvido a Roberts. Low disse que, se deixassem o Margaret à deriva, sem nenhuma comida ou água a bordo, Roberts e seus homens morreriam. Russell replicou que era isso que a maioria dos piratas queria que acontecesse. Foi o homem de armas que já havia intervindo para ajudar Roberts que o salvou pela segunda vez. Segundo Charles Grey, em seu livro Pirates of the Eastern Seas, foi ele quem fez um discurso apaixonado para que ele se unisse aos piratas para ganhar dinheiro, e não para cometer atos de violência e devassidão, e que, se Russell deixasse Roberts à deriva no Margaret, sem provisões, ele deixaria imediatamente os piratas.

Finalmente, Russell cedeu e ordenou que fossem deixados no Margaret quatro quilos de biscoito, um mosquete e munição, uma garrafa de água e um pouco de fumo. Em 29 de outubro de 1722, Roberts e o restante de sua tripulação — ou seja, todos aqueles que quiseram permanecer leais a seu capitão — foram libertados.

Durante os catorze dias seguintes, Robert lutou para chegar a terra firme. Finalmente, seus esforços foram compensados quando atingiu uma das ilhas de Leeward e daí conseguiu chegar à Jamaica. Mas o mais extraordinário foi a complacência demonstrada por Edward Low em relação a seu prisioneiro. Por que isto aconteceu, ninguém pode dizer, mas uma coisa é certa: não era característica de Low agir dessa maneira, pois, como observa Grey, apenas algumas semanas mais tarde Low teria cortado as orelhas de alguns

7 Ibidem

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prisioneiros, temperando-as com sal e pimenta e depois assado para a ceia!

Passado o episódio do Margaret, os três navios de Low — o Rose Pink, capitaneado por ele próprio, o Fancy capitaneado por Spriggs e a escuna capitaneada por Russell, rumaram para o Brasil. Durante dias eles navegaram pela costa, mas só avistaram um navio que valesse a pena perseguir, e este era ágil demais para ser alcançado. Desanimado, Low deu meia-volta com sua frota e rumou para o Caribe — para as três ilhas da Guiana Francesa conhecidas como O Triângulo — onde teve seus navios querenados (adernados para limpeza e reparo do casco). Primeiro foi a vez do Rose Pink. Low ordenou a seus homens que ficassem de pé no topo dos braços da verga e no cordame de um lado do barco, para que seu peso o adernasse. Mas a operação toda ocorreu muito rapidamente e o Rose Pink rapidamente começou a receber água através das vigias que não tinha sido bem fechadas. De repente, todo o navio virou e dois homens se afogaram, embora o capitão Low tenha conseguido salvar um dos cirurgiões puxando-o por uma vigia.

Após o desastre, o Rose Pink teve de ser abandonado, e por isso Low assumiu o comando do Fancy e partiu para Tobago. Mas a sorte não estava do seu lado e ventos leves e uma forte corrente fizeram-no perder a ilha, indo parar em Grand Grenada, cerca de 55 milhas a noroeste.

A essa altura, as autoridades francesas que estavam estabelecidas em Grand Grenada abordaram o Fancy, obrigando Low a esconder a maioria da sua tripulação no porão para que não levantassem suspeitas. Depois de ter passado pela inspeção, Low capturou o navio francês e entregou o seu comando a Spriggs.

O Fancy e o novo navio de Spriggs (nesse ponto não há mais menção a Russell, e portanto deve-se supor que ele deixou a frota de Low e seguiu sozinho) foram então piratear no Caribe. Em curto espaço de tempo, capturaram sete navios de propriedade local e depois uma chalupa portuguesa chamada Senhora de Vitória. Low teve de torturar vários tripulantes desse navio para que contassem onde estava escondido o dinheiro. Finalmente, um deles confessou que o capitão havia jogado pela janela de sua cabina no mar 11 mil

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moidores (moedas de ouro portuguesas). Low ficou furioso pelo que havia perdido e, em conseqüência, arrastou o capitão para o convés, amarrou-o ao mastro, cortou seus lábios com um alfanje, depois fritou-os e obrigou o imediato português a comê-los. Depois, o imediato, o capitão e 32 membros da sua tripulação foram assassinados.

Em janeiro de 1723, Low capturou um brigue chamado Unity próximo a Santa Cruz, que ele acrescentou à sua frota. Os piratas navegaram para Curaçao, ao longo da costa continental, e avistaram dois grandes navios: um de guerra chamado Mermaid e outro mercante da costa ocidental da África. Segundo o capitão A. G. Course em seu livro Pirates of the Western Seas, "os dois navios piratas caçaram as embarcações até descobrirem a identidade do Mermaid; então tentaram escapar. Quando o navio de guerra foi atrás deles, eles se separaram e navegaram em direções opostas".

Os dois navios encontraram-se novamente cinco semanas depois, e se abrigaram em Roatan Harbor, no golfo de Honduras, onde Low decidiu que seus dois navios seriam limpos e revisados. Os piratas armaram barracas na praia e, enquanto os navios eram reparados, relaxaram da única maneira que conheciam: bebendo, farreando e em orgias com as mulheres locais.

Depois, tanto Low quanto Spriggs parecem ter se recolhido por alguns meses — na verdade, só após 27 de maio de 1723 têm-se notícias de suas atividades, pois nesse dia ele foi localizado na costa da Carolina, com o Fancy. Segundo alguns relatos, ele estava acompanhado pelo capitão Charles Harris, que estava no comando de uma chalupa chamada Ranger. Juntos, Low e Harris caçaram e capturaram três navios: o Crown, o King William e o Carteret. Apenas alguns dias antes, Low e Harris haviam capturado também o Amsterdam Merchant, da Nova Inglaterra, que estava sob o comando do capitão John Welland (ou Williard). Low detestava os homens da Nova Inglaterra e, segundo Charles Johnson, "como Low não ia deixar ninguém desse país partir sem algumas marcas da sua raiva, ele cortou as orelhas deste cavalheiro [Welland], abriu seu nariz ao meio, cortou-o em várias partes do corpo, e, após saquear seu navio, deixou-o prosseguir sua viagem".

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Welland não foi a última vítima de Low. Alguns dias depois, ele capturou uma chalupa chamada Hopeful Betty, na costa de Delaware, comandada pelo capitão Greenman, em cujo rosto consta que ele deu vários cortes com seu alfanje. Greenman depois fugiu para a Filadélfia, onde relatou o que aconteceu e contou às autoridades que Low havia se vangloriado de recentemente haver capturado quinze navios e saqueado destes cerca de 80 mil libras em ouro e prata.

Em resposta, as autoridades americanas enviaram um navio de guerra chamado Greyhound, sob o comando do capitão Peter Solgard. O Greyhound estava armado com "vinte canhões e 120 homens, bem inferior à força dos dois navios piratas",8 mas ainda assim era uma formidável força de combate.

Na manhã de 10 de junho de 1723, o capitão Solgard avistou pela primeira vez a frota pirata. Em seguida, Low e Spriggs avistaram o navio inimigo e, ignorando tratar-se de um navio de guerra, começaram a perseguir o Greyhound. O capitão Solgard, não querendo despertar as suspeitas de Low, fingia que estava tentando escapar, mas ao mesmo tempo começava a preparar seu convés para a ação. Logo que os piratas alcançaram o Greyhound, Solgard manobrou o navio e rumou na direção deles. Todos os navios começaram a atirar — a ação durou duas horas, após o que os piratas pegaram seus remos para se retirar. Mas o Greyhound continuou a persegui-los e consta que, mais ou menos às 14h30, alcançou os piratas. Retomada a luta, com o Greyhound manobrando entre o Fancy e o Ranger, por fim, o navio do capitão Solgard, com um tiro certeiro, derrubou a vela mestra do Ranger. Low agora fugia da cena, deixando Harris entregue a seu próprio destino. Harris, então, rendeu-se a Solgard com todos os seus homens. Segue-se um relato da ação que foi publicado em um jornal local datado de Rhode Island, 14 de junho de 1723.

O HMS Greyhound chegou aqui em 11 de junho, tendo Peter Solgard como seu comandante. Trouxe com ele uma chalupa de

8 Johnson, op. cit.

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piratas de oito canhões, construída nas Bermudas, 48 homens brancos e seis negros, dos quais oito tinham sido feridos e quatro mortos; a chalupa era comandada por Harris, muito bem equipada e carregada com todo tipo de provisões (...] Às 5 da tarde, tendo colocado todos os prisioneiros a bordo, continuamos [disse Solgard] a perseguir a outra chalupa [capitaneada por Low], e às 8 da noite ele se afastou de nós a noroeste pelo oeste, duas milhas, quando o perdemos de vista próximo à ilha de Block. Um pirata preferiria explodir o Ranger do que se render, e, estando prevenido, iria em frente e explodiria seu cérebro com sua pistola.9

Na verdade, Solgard estava certo de que, se a luz do dia durasse um pouco mais, ele teria capturado Low e o Fancy, que acreditava ter sido bastante danificado na ação, com muitos piratas mortos ou feridos.

Enquanto isso, trinta dos piratas do Ranger, juntamente com Harris, foram levados para Newport, onde ficaram presos até seu julgamento em 10 de julho de 1723, realizado no Tribunal do Almirantado, também em Newport. Durante a maior parte do julgamento, a captura do Amsterdam Merchant foi usada como prova contra o acusado, principalmente porque havia várias testemunhas que podiam atestar que o capitão Welland sofreu muito nas mãos de Low e sua tripulação. Solgard também testemunhou contra os réus, apresentando provas em relação ao combate entre o Greyhound e os navios de Low e Harris. Todos os piratas se declararam inocentes, mas poucos escaparam vivos: em 19 de julho de 1723, 25 deles, incluindo Charles Harris, foram executados perto de Newport, em Rhode Island. Dois outros, John Brown e Patrick Cunningham, foram considerados culpados, mas tiveram sua execução adiada e recomendados para um indulto do rei, e oito homens afortunados foram considerados inocentes e em seguida libertados.

Nesse meio-tempo, Low, tendo abandonado seus companheiros, agora começava a planejar outros crimes mais ignóbeis. Sua primeira vítima foi uma chalupa baleeira de Nantucket que

9 Course, op. cit.

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Quando soube que vários navios de guerra estavam navegando pelo Caribe em sua busca, Low escapou rumando na direção do Atlântico, para Açores. O porto de São Miguel, em Açores, é agora mais usado para acomodar iates de luxo do que rudes bucaneiros.

estava trabalhando na costa da Nova Inglaterra, comandada por Nathan Skiff. Este era um rapaz inofensivo, mas, após a captura, Low sentiu uma imediata antipatia por ele e o fez tirar suas roupas para que os piratas pudessem açoitá-lo. Low então cortou as orelhas de Skiff e ordenou que fosse morto com um tiro na cabeça. Os piratas então atiraram os outros pescadores de baleia que estavam a bordo em um pequeno navio pesqueiro, deram-lhes o mínimo de provisões, e os lançaram à deriva.

Dois dias depois, Low capturou um segundo navio baleeiro - só que dessa vez ele cortou a cabeça do capitão com um alfanje. Mais tarde, naquele mesmo dia, diz-se que ele capturou mais duas chalupas baleeiras próximo de Rhode Island. No primeiro navio,

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abriu com um golpe o corpo de um dos mestres do navio e, com ele ainda vivo, cortou fora seu coração, fez que o assassem e depois obrigou o imediato do outro baleeiro a comê-lo. Low pretendia assassinar mais tripulantes, mas dessa vez seus próprios homens, que já estavam ficando cansados das suas ações, lhe pediram que parasse.

Cansado da costa leste da América, Low partiu para Newfoundland, e próximo a Cape Breton teria capturado 23 navios pesqueiros — um dos quais estava armado com 21 canhões. Low o reequipou para práticas de pirataria e depois rumou com sua frota para os "Bancos", onde em seguida capturou e saqueou mais dezoito barcos.

O capitão Solgard não havia perdido as esperanças de encontrar Low, e começou a procurá-lo em todos os portos da costa de Newfoundland. Em 16 de junho de 1723, encontrou-se com o capitão Durrell, que estava no comando do HMS Seahorse, e os dois homens uniram forças. Ao mesmo tempo, Low capturou um navio chamado Merry Christmas, mas, em vez de saqueá-lo e afundá-lo, tornou-o sua nau capitânia e se deu o título de almirante. Low desenhou uma nova bandeira pirata para o recém-capturado navio: um esqueleto vermelho contra um fundo negro.

No início de setembro de 1723, Low viajou de volta aos Açores, onde atacou um bergantim inglês de propriedade de um nobre português. A metade da tripulação era também de Portugal — fato que não escapou a Low, que pendurou esses "estrangeiros" na ponta da verga, enquanto a tripulação inglesa era libertada.

Dos Açores, navegou para as ilhas Canárias e para Cabo Verde, onde capturou uma escuna chamada Delight, que, assim como o Merry Christmas, ele adaptou para a pirataria. Mas daqui em diante a história do capitão Edward Low começa a escassear. Sabe-se que ele capturou um navio chamado Squirrell em janeiro de 1724, e em 17 de maio foi relatado que saqueou outro em Barbados. Curiosamente, não se sabe muito mais do que isso. O capitão A. G. Course repete a história mais conhecida de que, no final da primavera/início do verão de 1724, Low começou a ter problemas com sua tripulação e, depois de uma disputa em que o

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Capitão Edward Low

mestre tomou o partido dos homens em vez do seu, Low assassinou-o enquanto ele dormia. No dia seguinte, a tripulação, descobrindo o corpo, se amotinou e colocou Low em um barco com apenas algumas provisões. Consta então que Low foi resgatado por um navio francês que o levou de volta à Martinica, mas lá ele foi reconhecido e posteriormente julgado por pirataria, considerado culpado e enforcado.

No entanto, Charles Johnson não está tão certo desses dias finais de Low. Em seu relato sobre esse infame vilão, ele resume: "não temos notícias relacionadas à sua vinda para a Inglaterra, como já mencionei; mas soube que ele falava em ir para o Brasil; se isso é verdade, é provável que logo possamos ter alguma informação de um ou outro explorador; embora a melhor informação que poderíamos receber seria que ele e toda a sua tripulação estão no fundo do mar".10

10 Johnson, op, cit.

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JOHN RACKHAM Calico Jack

Ele era bonito e forte, com cabelos negros ondulados e olhos negros brilhantes, e sem dúvida era atraente para as

mulheres. Ao contrário do Barba Negra, ele borrifava perfume sobre si. Seus casos amorosos, segundo ele próprio,

eram em sua maioria com mulheres de alta posição social [...] embora Anne Bonny tenha descoberto que muitas de

suas histórias de amor ilícito eram mentiras.

CAPITÃO A.G. COURSE, Pirates of the Western Seas

Conhecido como Calico* Jack por seu hábito de usar roupas de algodão colorido, o capitão John Rackham foi um dos personagens mais vibrantes que já navegaram o alto-mar. No entanto, sua extravagância era temperada por seu lado obscuro, a crueldade que caracteriza todos aqueles que escolheram aterrorizar as tripulações e saquear as cargas de inocentes navios mercantes. Galanteador, diz-se que manteve várias amantes em Cuba, embora certa vez tenha conhecido a já casada Anne Bonny e a convencido a fugir para o mar com ele. Também empregou uma mulher pirata a bordo de seu navio, Mary Read, e as proezas dos três estão inevitavelmente bastante ligadas. As roupas coloridas de Rackham e sua jovialidade com as mulheres o marcaram como muito diferente dos

* Calicô: tecido de algodão fino da Índia, um pouco mais grosso que a musselina. (N. T.)

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Calico Jack era conhecido por suas roupas extravagantes, coloridas, e por se orgulhar da sua aparência. Era também conhecido como galanteador, tendo se casado com Anne Bonny, ao mesmo tempo que mantinha várias amantes em Cuba.

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John Rackham

outros piratas, mas ele não teve uma carreira longa ou frutífera. Ao contrário: terminou seus dias como tantos de seus contemporâneos — pendurado numa corda.

Nada se sabe sobre a infância de John Rackham; na verdade, só se começa a saber algo a seu respeito quando, em torno de 1718, ele é citado como mestre de um navio pirata capitaneado por Charles Vane. Vane era um homem exigente que tratava cruelmente tanto seus prisioneiros quanto sua tripulação, o que pode de alguma maneira explicar por que Rackham terminou desafiando seu capitão por uma decisão relacionada à tomada de um navio de guerra francês.

Segundo Charles Johnson, em seu livro A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates, Rackham enfrentou Vane em sua relutância em atacar o navio francês quando ele navegava pela Windward Passage. "Vane, o capitão, estava fugindo o mais depressa que podia, alegando que o navio de guerra era forte demais para ser enfrentado; mas John Rackham, um subordinado que tinha certo controle sobre o capitão, manifestou-se em defesa de uma opinião contrária, dizendo que, embora ele tivesse mais canhões e um peso maior em metal, eles poderiam abordá-lo, e então os melhores venceriam."

Após o desafio de Rackham, a tripulação rotulou Vane de covarde e decidiu quase por unanimidade eleger Rackham como seu novo capitão. Segundo Johnson, isso ocorreu em 24 de novembro de 1718, e logo depois Vane foi colocado em uma pequena chalupa, juntamente com os outros piratas que ficaram do seu lado na disputa, e largado à deriva.

Rackham então assumiu o comando do navio de Vane, o Kingston, e realizou uma série de ataques bem-sucedidos a várias embarcações que viajavam próximo à Jamaica. Mais uma vez, segundo Johnson, há poucas provas sugerindo que Rackham não fosse justo em seu tratamento dos prisioneiros, nada indica que ele tenha torturado ou assassinado a sangue-frio. Na verdade, muito ao contrário, pois, após um ataque a um navio madeireiro, ele o devolveu a seu capitão e depois conseguiu que um taverneiro chamado Hosea Tisdell, que estava nessa época a bordo, fosse levado

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de volta à Jamaica para tocar o seu negócio. Depois, Rackham rumou para uma pequena ilha para passar "o Natal em terra firme, bebendo e farreando enquanto houvesse bebida".1

Rackham então viajou para as Bermudas, onde capturou dois navios, um deles indo da Carolina para a Inglaterra, e o outro um pink (ver Glossário) da Nova Inglaterra. Rackham levou os dois barcos de volta às Bahamas, onde começou a despojá-los de seus bens, ao mesmo tempo que limpava e cuidava de seu próprio navio. Enquanto estava lá, o capitão Rogers, na época governador das Bahamas, soube da sua presença e enviou uma chalupa bem armada que recuperou os dois navios roubados, embora Rackham tenha conseguido escapar antes de ser capturado.

Nesse período, acredita-se que Rackham viajou para Cuba, onde mantinha "uma família",2 uma maneira delicada de descrever seu harém de prostitutas. Rackham e seus homens ficaram em Cuba vários meses, desfrutando as mulheres e, sem dúvida, muito álcool, mas, quando suas provisões praticamente tinham terminado, decidiram que era hora de voltar ao mar. Ao mesmo tempo, um navio de guarda espanhol chegou ao porto, trazendo com ele uma pequena chalupa inglesa. Ao ver o navio de Rackham, o navio de guarda imediatamente o atacou, mas o pirata manobrou depressa seu barco atrás de uma pequena ilha para o espanhol não poder alcançá-lo até o dia seguinte. Quando a noite caiu, levou seus homens até a chalupa inglesa, a qual abordaram sem alarde, ameaçando de morte os espanhóis que estavam a bordo. Rackham então levou a chalupa para alto-mar o mais depressa que pôde. Na manhã seguinte, os espanhóis atacaram o antigo navio de Rackham, mas evidentemente ele já estava vazio. Os espanhóis haviam sido enganados e o pirata viajava agora com um novo navio.

Em agosto de 1720, percorrendo os portos e baías no norte e no oeste da Jamaica, em vez de atacar grandes navios, ele preferia saquear navios menores com pequenas tripulações, mais fáceis de dominar. Em setembro, Rackham capturou oito navios pesqueiros

1 Charles Johnson, A General History... (1724), Londres, Conway Maritime, 1998..

2 Ibidem.

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John Rackham

próximo à costa de Harbor Island e depois rumou para a parte francesa de Hispaniola, onde passou alguns dias roubando gado e caçando javalis. Tendo reabastecido seu navio com carne fresca, ele então capturou duas chalupas que saqueou, antes de retornar à Jamaica onde, em 19 de outubro, tomou uma escuna próximo a Porto Maria Bay (na costa norte da ilha), capitaneada por Thomas Spenlow. Na manhã seguinte, Rackham avistou outra chalupa ancorada em Dry Harbor Bay, que ele incendiou, fazendo todos os homens que estavam a bordo abandonar o navio, pulando em canoas para remar até a praia. Os marinheiros, percebendo que estavam sendo atacados por piratas, em vez de continuar escondidos, pediram para se juntar a Rackham e a sua tripulação, que concordaram e os receberam a bordo. Todos se reuniram no convés para beber à saúde dos novos recrutas, que consta terem ficado mais do que agradavelmente surpresos diante da recepção que tiveram.

O regime do capitão Rackham não era duro ou cruel. Rackham não era um Barba Negra ou um Benito de Soto, ou mesmo um Henry Morgan. Ao contrário, era o equivalente a um ladrão comum — era um escroque de pouca monta, um homem que preferia restringir seus ataques a barcos pesqueiros e outros navios pequenos. Sem dúvida, ele infligia terror no coração de suas vítimas, mas talvez achasse a ameaça da violência tão eficaz quanto a real perpetração de atrocidades naqueles navios que saqueava. Isso também pode de algum modo explicar seu indubitável sucesso como galanteador; em vez de se esforçar para capturar o maior número de navios, matar e torturar qualquer outro marinheiro à vista, ele parecia preferir um modo de vida mais ameno que incluía as mulheres. Foi isto que finalmente o tornou famoso — seu relacionamento com Anne Bonny e, em menor extensão, com Mary Read.

O capitão John Rackham conheceu Anny Bonny em maio de 1719, na ilha de Providence. Bonny foi apresentada a Calico Jack pelo capitão Jennings, que naquela época comandava a comunidade de piratas da ilha. "Lá ele [Jennings] a apresentou aos capitães piratas que estavam no porto: eram John Martel, Thomas Burgess, John Carter, Peter Courant, Thomas Cocklyn, Charles

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Bellamy, Benjamin Hornigold, John Auger e Edward Teach (o Barba Negra). Anne e seu marido estavam na casa do capitão Jenning contemplando o porto."3 Foi depois que seu marido foi para o mar que Bonny conheceu John Rackham, e quase imediatamente se apaixonou por ele.

Rackham foi ostensivamente para a ilha de Providence para se aproveitar da anistia que o capitão Rogers estava oferecendo aos piratas que quisessem renunciar a sua atividade e abandonar a pirataria (ver Glossário). Mas, depois de aceitar o indulto real, Rackham conheceu Anne Bonny e a convenceu a deixar seu marido, levando-a para bordo do seu navio. A atração do alto-mar, associada à capacidade de persuasão de Anne, fez que ele rejeitasse a oferta de Rogers e retornasse à pirataria. Anne logo ficou grávida, época em que Rackham viajou para Cuba, onde deixou sua amada com amigos até o bebê nascer. De um modo talvez cruel para a criança, após o nascimento ela foi entregue em definitivo a esses amigos, enquanto Anne voltava para a companhia de Rackham a bordo de seu navio. Vestida como homem, Anne mantinha a companhia de Rackham, e, como diz Johnson em sua General History, "quando qualquer coisa tivesse que ser feita à maneira deles, ninguém era mais disposta e corajosa do que ela [...]".

Nessa mesma época, Mary Read também se juntou à tripulação de Rackham. Ela estava viajando em um navio mercante (disfarçada de homem e se dizendo chamar Mark Read) capturado por Rackham e foi levada para bordo do navio dele. Bonny (não percebendo que o novo tripulante era uma mulher) se viu estranhamente atraída por Read — tanto que Read finalmente teve de ser honesta e revelar quem ela era. As duas mulheres então contaram a Rackham sobre a verdadeira identidade de Mary.

Naquelas circunstâncias, seria uma questão de tempo até a verdadeira identidade de Mary Read ser descoberta. Ela obteve permissão de permanecer no navio, até mesmo se apaixonando por um jovem oficial que estava a bordo de um dos navios que Calico Jack em seguida capturou. Seu nome era Tom Deane, de Somerset,

3 A. G. Course, Pirates of the Western Seas, Londres, F. Muller, l969.

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John Rackham

e havia sido empregado como navegador a bordo de um navio mercante. Quando Deane foi feito prisioneiro de Rackham e teve de trabalhar como pirata, rapidamente começou um romance entre ele e Mary. Ele chegou até a pedi-la em casamento. Consta que Mary também estava apaixonada, a ponto de que, numa discussão entre Deane e outro pirata, ela deliberadamente iniciou uma briga com esse homem para que pudesse depois duelar com ele. Em terra firme, as pistolas foram entregues para Mary e seu oponente, mas, ao serem disparadas, ambos erraram seus alvos. Foram então entregues alfanjes, e então Mary, que era uma espadachim destemida, matou seu adversário — salvando assim seu amado, que não tinha experiência nenhuma em lutas, seja com alfanjes seja com pistolas.

No verão de 1720, Calico Jack, Anne Bonny e Mary Read retornaram à ilha de Providence. Não há dúvida de que o capitão Rogers sabia da sua presença — na verdade, isso era uma fonte de aborrecimento para ele, e ainda piorou em agosto desse ano. Em 22 de agosto, os três piratas, junto com o restante da tripulação de Rackham, remaram silenciosamente até um navio de mastro único e doze toneladas — o William — que estava ancorado no meio do porto de Nassau. O William, de propriedade de um morador local chamado capitão John Ham, era um belo navio, com quatro canhões montados em seu convés e dois canhões giratórios em suas amuradas; tinha também um bom estoque de munição — uma presa irresistível, devidamente capturada por Rackham e sua tripulação, que o levaram para alto-mar.

Em terra firme, o capitão Rogers — certo de que sabia quem havia roubado o navio de John Ham — lançou uma proclamação em The Boston Gazette que não apenas apresentava uma descrição completa do William, mas também citava Rackham e sua tripulação como os culpados. A proclamação prosseguia, dizendo que "o dito John Rackum [sic] e sua dita companhia são de agora em diante proclamados piratas e inimigos da coroa da Grã-Bretanha, e devem ser tratados como tal e assim considerados por todos os súditos de Sua Majestade".

Em sua fúria, Rogers também enviou uma chalupa atrás deles, e, em 2 de setembro, uma outra, armada com doze canhões e

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Mary Read era uma lutadora tão cruel quanto qualquer um de seus companheiros homens, competente no uso da espada e da pistola. Nesta ilustração, ela insulta pela última vez seu oponente, deixando-lhe saber que foi derrotado por uma mulher antes de matá-lo.

54 homens. Mas a notícia dessa missão logo alcançou Rackham, o qual, tendo acabado de saquear uma frota de pequenos navios pesqueiros, agora seguia rumo sul, para Hispaniola. Em 1º de outubro, Calico Jack capturou uma escuna próximo à costa norte da Jamaica, e durante as três ou quatro semanas seguintes navegou rumo oeste

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John Rackham

ao longo da ilha, não muito distante das praias de Ocho Rios, Falmouth e Montego Bay. Finalmente, chegou ao ponto mais a oeste da Jamaica, Negril Bay. Mas, como relatou muito bem Charles Johnson, "costear a ilha desta maneira provou-se fatal para Rackham", pois as notícias de sua localização logo chegaram a Rogers, que imediatamente enviou uma chalupa para lá, sob o comando do capitão Jonathan Barnet.

Enquanto isso, Rackham, afastando-se de Negril Bay, avistou um pequeno navio e saudou sua tripulação, convidando-a para se unir a ele para tomar uma tigela de ponche a bordo do William. De início, os homens recusaram o convite, mas depois subiram a bordo do navio de Rackham para encontrar mais ou menos cinqüenta piratas brandindo mosquetes e alfanjes. Temendo por suas vidas, eles estavam prontos a se atirar ao mar quando de repente foi avistada a chalupa do capitão Barnet. Agora era a vez de os piratas se sentirem amedrontados — levantaram âncora e tentaram escapar o mais rápido possível. Mas Barnet foi a seu encalço "e, tendo a vantagem das pequenas brisas de vento, que sopravam da terra, os alcançou [•••]".4 Barnet então atacou o William e, pedindo a identificação do capitão, recebeu sua resposta, "John Rackham, de Cuba". Barnet ordenou que Calico Jack e sua tripulação se rendessem, mas o pirata não tinha nenhuma intenção de fazê-lo e disparou um canhão giratório contra o navio de Barnet. O tiro falhou, e, apesar de estar escuro e ser quase impossível enxergar seu oponente, Barnet respondeu ao ataque com uma banda de artilharia e uma saraivada de chumbo miúdo, derrubando "o pau-de-carga dos piratas, e efetivamente estropiando seu navio".5

Barnet e seus homens subiram rapidamente a bordo do William, com a clara intenção de travar um combate corpo-a-corpo.

4 Johnson, op. cit. 5 Uma descrição da luta entre Barnet e Rackham aparece na transcrição impressa do

julgamento de Rackham, The Tryals of Captain John Rackham and other pirates, Robert Baldwin, 1721, Londres, Little, Brown & Co., 1995. Colonial Office Records 137/14, Public Record Office. Os extratos aqui usados também aparecem em David Cordingly, Life Among the Pirates, Londres, Little Brown & Co., 1995.

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Mas, curiosamente, só dois piratas a bordo pareciam dispostos a pegar em armas contra eles: Mary Read e Anne Bonny. Os outros tripulantes pareciam cansados demais, talvez muito bêbados ou simplesmente demasiado amedrontados para apresentar qualquer defesa. Finalmente, todos os piratas, incluindo Bonny, Read e Calico Jack, foram presos, colocados em um barco e levados para terra firme pelos homens de Barnet até Davis' Cove, perto de Negril Point. Os piratas foram escoltados pela ilha pelo major Richard James e sua tropa, onde foram deixados em uma cadeia em Spanish Town (a capital administrativa da Jamaica no século XVIII).

O julgamento de Calico Jack e dez de seus piratas (excluindo Anne Bonny e Mary Read, que foram julgadas separadamente) iniciou-se em 16 de novembro no Tribunal do Almirantado. Sir Nicholas Lawes presidiu a sessão junto com doze comissários, e os onze acusados eram John Rackham, George Fetherston, Richard Corner, John Davis, John Howell, Patrick Carty, Thomas Earl, James Dobbin, Thomas Bourn, John Fenwick e Noah Harwood. Tom Deane não foi julgado porque, segundo o capitão A. G. Course, Mary Read apresentou provas em seu julgamento de que Deane era empregado de um navio mercante quando foi capturado por John Rackham e obrigado a praticar a pirataria contra a sua vontade.

Quatro acusações foram feitas ao resto dos piratas: que Rackham e sua tripulação "realizaram um ataque e um combate pirata, criminoso e hostil, e tomaram sete barcos pesqueiros"; "em um certo local em alto-mar, a uma distância de cerca de três léguas da ilha de Hispaniola [...] e atacaram, bombardearam e tomaram duas chalupas mercantes";6 atacaram uma escuna que estava sob o comando do capitão Thomas Spenlow, e o deixou e a seus homens "temendo por sua integridade física"; que, não distante de Dry Harbour Bay, na Jamaica, Rackham e sua tripulação abordaram e saquearam um navio chamado Mary e depois roubaram seu equipamento.

Duas testemunhas foram convocadas para comprovar a acusação. A primeira foi o capitão Thomas Spenlow, da escuna acima

6 Frank R. Stockton, Buccaneers and Pirates of Our Causis, Grosset & Dunlap, 1897-8.

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John Rackham

mencionada, que apresentou um relato completo ao tribunal sobre o modo como seu navio foi bombardeado pela chalupa de John Rackham e como "eles o abordaram e o fizeram prisioneiro; e saquearam a dita escuna em cinqüenta rolos de fumo e nove sacas de pimenta-da-jamaica e a mantiveram em sua custódia cerca de 48 horas, e depois deixaram que ele e sua escuna partissem". A segunda testemunha foi um marinheiro chamado James Spatchears, que estava a bordo do navio de Jonathan Barnett enquanto ele caçava os piratas. Spatchears apresentou um relato completo e franco da ação que ocorreu entre os navios de Barnett e Rackham, e como inicialmente o pirata se recusou a se render. Mas, mesmo depois de terem escutado todas as provas contra eles, os piratas ainda se declararam inocentes.

De nada adiantou. Sir Nicholas Lawes e seus doze comissários não ficaram comovidos com o que ouviram e no dia seguinte cinco dos onze piratas foram enforcados em Gallows Point — uma estreita faixa de terra que sai de Port Royal. Ironicamente, alguns meses antes, em 22 de março de 1720, o capitão Vane, com quem John Rackham começou sua carreira de pirata, também havia sido enforcado ali.

Tendo sido posto à deriva por Rackham em 1718, Vane finalmente atingira a baía de Honduras, e depois tornou a formar um grupo e voltou a navegar, reassumindo turbulentamente suas atividades de pirata. Entretanto, para sua infelicidade, após vários ataques bem-sucedidos a navios de diferentes nacionalidades, em fevereiro de 1719 sua chalupa foi destruída por um enorme tornado que a arrastou para uma ilha desabitada na baía de Honduras. O navio ficou em pedaços e quase toda sua tripulação se afogou, mas Vane sobreviveu milagrosamente com a ajuda de pescadores locais, que tinham ido até a ilha para capturar tartarugas e o resgataram — mas nesse momento sua sorte acabou totalmente, pois o homem que o ajudou, um certo capitão Holford, o levou diretamente para a Jamaica, onde entregou Vane às autoridades. Alguns dias depois, Vane foi enforcado em Gallows Point.

Port Royal, onde o patíbulo foi construído, tornou-se famoso, não — como se poderia supor — pelo porto de piratas que

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havia se tornado, mas pelo número de piratas que terminou seus dias ali, pendurados na ponta de uma corda. Vane foi um desses, os piratas que navegaram com Calico Jack foram outros cinco, mas suas execuções não foram as únicas que ocorreram nesse lúgubre promontório. Em maio de 1722, 41 piratas foram enforcados ali,7 e quase um século depois Gallows Point ainda era um local de execução, como ilustra o relato que se segue do capitão Boteler, do HMS Gloucester. Boteler teve o prazer questionável de estar presente quando vinte piratas espanhóis foram enforcados em 1823.

No início da manhã, os barcos do Gloucester, equipados e armados com uma guarda de tambores e pífaros da marinha, foi até Kingston, retornando em procissão rebocando uma lancha com o capitão e nove piratas. Os tambores e pífaros estavam tocando “Dead March in Saul”, “Adeste Fideles” etc. Na manhã seguinte, os outros dez também foram executados — uma visão assustadora. Nenhum homem poderia caminhar para a própria morte aparentando menos preocupação. Antes de o capitão subir a escada, disse a seus homens que se lembrassem de que estavam diante de estrangeiros e tinham de morrer como espanhóis.8

O capitão John Rackham, tendo visto cinco de seus homens serem executados, sabia que não iria viver muito. Por esse motivo, segundo Johnson, ele fez um último pedido de ver Anne Bonny antes de morrer. Isso foi permitido e ele foi levado para vê-la em sua cela, "porém, todo o conforto que ela lhe deu foi de que lamentava vê-lo ali, mas que, se houvesse lutado como um homem, não precisaria ser enforcado como um cão".9 Este, por certo, não era um atestado elogioso da sua masculinidade, nem talvez o tipo de reação amorosa que poderia ter sido esperada, mas Anne Bonny não era o tipo de mulher de suportar asneiras com prazer. Rejeitado

7 Michael Pawson e David Buisseret, Port Royal, Jamaica, Kingston, University Press of the West Indies, 2002.

8 Ibidem. 9 Johnson, op. cit.

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John Rackham

por Anne, Rackham foi levado de volta à sua cela. No dia seguinte, ele e os cinco piratas restantes foram conduzidos a Kingston, onde foram enforcados. Depois, os corpos de John Rackham, George Fetherston e Richard Corner foram retirados da forca e pendurados em celas, um em Bush Key, outro em Gun Key e o terceiro em Plumb Point — como uma advertência aos outros piratas.

A execução de piratas conhecidos, uma punição por seus crimes, não pode ser encarada como uma tragédia, mas a condenação dos marinheiros que Rackham capturou próximo a Negril, convidando-os a subir a bordo para tomar um copo de ponche, foi certamente uma caricatura trágica da justiça. O fato de John Eaton, Edward Warner, Thomas Baker, Thomas Quick, John Cole, Benjamin Palmer, Walter Rouse, John Hanson e John Howard terem ido a bordo do navio de Rackham no dia em que ele foi capturado pelo capitão Barnet iria ser a ruína deles, pois, tendo sido encontrados na companhia dos piratas, estavam sendo agora marcados pelo mesmo ferro.

Seu julgamento foi adiado até 24 de janeiro de 1721, provavelmente para que pudessem ser reunidas provas suficientes contra eles para mostrar que tiveram "intenções de pirataria" quando subiram a bordo de um conhecido navio pirata. Algumas das acusações contra eles eram as seguintes: "traziam consigo revólveres e alfanjes quando subiram a bordo. Que quando o capitão Barnet os capturou alguns estavam bebendo e outros caminhando pelo convés [...] Que enquanto o capitão Barnet os capturava, alguns dos prisioneiros na balaustrada (mas quais deles ele não sabia dizer) ajudavam a remar a chalupa para escapar de Barnet. Que todos pareciam estar de acordo".10

Em sua defesa, os homens disseram que haviam comprado seu pequeno navio para pegar tartarugas e, estando em Negril Point, haviam acabado de chegar na praia quando viram o William, cujos homens gritavam convidando-os para se juntar a eles a bordo. Os nove homens sustentaram que recusaram o convite, mas, depois de muita insistência, concordaram. Logo depois, o capitão Barnet

10 Ibidem.

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"apareceu", e nesse momento John Rackham ordenou-lhes levantar âncora. Os homens disseram que se recusaram a ir com ele, mas Rackham então empregou meios violentos para obrigá-los a ficar. Quando finalmente Barnett subiu a bordo do William, eles imediatamente se renderam e na verdade estavam aliviados de terem sido resgatados.

Tendo apresentado suas provas, os prisioneiros foram removidos do local enquanto o tribunal considerava seu veredicto. Segundo Johnson, todos os comissários presentes acreditavam que os homens eram culpados de pirataria e, por isso, um a um foram condenados à morte.

Em 17 de fevereiro de 1721, John Eaton, Thomas Quick e Thomas Baker foram executados em Gallows Point, e, no dia seguinte, John Cole, John Howard e Benjamin Parker foram enforcados em Kingston, mas o que aconteceu aos outros três homens ninguém sabe. Provavelmente também foram enforcados, "o que todos devem admitir ter sido uma falta de sorte para os pobres coitados", como declarou muito bem o capitão Johnson.

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ANNE BONNY Um Homem Muito Peculiar

Ela tinha um temperamento selvagem e corajoso, razão pela qual, quando estava sendo julgada, várias

histórias foram contadas sobre ela — o que sem dúvida a prejudicou muito.

CAPITÃO CHARLES JOHNSON,

A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates

De todos os famosos julgamentos de piratas que ocorreram durante o século XVIII, talvez o mais incrível — aquele que mais captou o interesse do público — tenha sido um julgamento que aconteceu em Spanish Town (na época conhecida como Santiago de la Vega), na Jamaica, em 28 de novembro de 1720. Pouco antes, o capitão John Rackham, mais conhecido pelo apelido de Calico Jack, tinha sido capturado por Jonathan Barnet, que tinha um comissionamento de corsário para interceptar navios piratas. Durante a curta batalha travada entre os homens de Barnet e os piratas, foi descoberto que dois dos membros mais cruéis da tripulação de Rackham eram mulheres vestidas de homens — Anne Bonny e Mary Read.

Embora não tão famosas quanto o Barba Negra ou Henry Morgan, as duas mulheres atingiram um status quase lendário e suas memórias sobrevivem até os dias de hoje.

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Anne Bonny é descrita como tendo sido “uma bela moça, alta e esbelta, com cabelos dourados e olhos castanho-esverdeados”. Calico Jack ficou imediatamente atraído por ela e Bonny claramente sentiu o mesmo por ele, pois, assim que se apresentou a oportunidade, ela abandonou seu marido para fugir com Rackham.

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Anne Bonny

Segundo Charles Johnson, Anne Bonny nasceu em 8 de março de 1700 perto de Cork, na Irlanda, filha bastarda de William Cormac, um advogado, e uma criada, Mary Brennan. Apesar desse início desfavorável, consta que o pai de Bonny gostava tanto de sua filha que ela foi morar com ele e sua esposa, mas, para evitar comentários, Anne era obrigada a se vestir como menino para que a esposa de seu pai pensasse que ele estava treinando a criança para trabalhar em seu escritório de advocacia. Nesse meio-tempo, a esposa, descobrindo a fraude, suspendeu a mesada do marido (ela é que havia nascido rica), provocando tal escândalo entre os dignitários locais que finalmente William Cormac decidiu se mudar e deixar o país para tentar uma vida nova no estrangeiro. Acompanhado por Mary Brennan e Anne, ele foi para a Carolina do Sul, na América, onde conseguiu juntar dinheiro suficiente trabalhando como comerciante para comprar uma pequena fazenda perto de Charleston.

Em seu livro Pirates of the Western Seas, o capitão A. G. Course descreve Anne nesta idade como sendo uma jovem muito atraente: "Ela era uma moça bonita, alta e esbelta, com cabelos dourados e olhos castanho-esverdeados, todos os sinais da voluptuosidade". Mas, além de ser uma bela jovem, Anne era também dotada de um temperamento violento. Aos treze anos de idade, teria esfaqueado uma jovem criada na barriga com uma faca de trinchar. Talvez esta fosse uma indicação precoce do que ela viria a ser, pois, longe de estar contente na fazenda, Anne logo se sentiu entediada com a vida camponesa de seus pais e, quando estava em meio à sua adolescência, ligou-se a um jovem renegado, "um marinheiro sem vintém"1 chamado James Bonny. "O pai avarento ficou tão furioso que, surdo aos sentimentos, expulsou de casa a própria filha. Depois deste tratamento cruel e do revés da sua sorte, Anne e seu marido foram para a ilha de Providence, na esperança de conseguir emprego."2

Em torno de 1719, Providence era um porto de piratas, principalmente porque o então governador das Bahamas havia lhes

1 Charles Ellms. 'The Pirates Own Book, Nova York, Dover, 1993. 2. Ibidem

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concedido uma anistia. Foi nessa época que o capitão John Rackham aceitou o indulto real e se esforçou para viver uma vida honesta. No entanto, essa tentativa durou pouco. Como qualquer outro pirata, Rackham não estava acostumado a ganhar a vida honestamente. Em vez disso, começou a freqüentar as tavernas em torno da área litorânea de Nassau, procurando uma nova tripulação. Foi ali que viu Anne Bonny pela primeira vez. Com boa aparência e bem-proporcionado, o bonito Rackham imediatamente chamou a atenção de Anne. O pirata também ficou desesperadamente atraído por ela, a quem — segundo reza a lenda — começou a sitiar, como fazia com os navios que queria saquear — "não desperdiçar tempo, cercar a presa, pôr em ação todos os canhões e pegar a recompensa".3

Assim que James Bonny uniu-se à tripulação de um navio pirata e deixou Providence, Calico Jack convenceu Anne a abandonar seu marido e se unir a ele como pirata. Logo Anne estava grávida de seu primeiro filho, mas, imediatamente depois que deu à luz, em Cuba, abandonou o bebê e se uniu a Calico Jack como uma de suas tripulantes, vestida com roupas de homem. Normalmente, não era permitida a presença de mulheres nos navios piratas, a menos que, é claro, fossem prisioneiras, mas Anne se adaptou bem a seu disfarce. Além disso, lutava tão bem quanto qualquer um dos homens.

Até que ponto era comum as mulheres se tornarem piratas? Elas sempre tinham de se disfarçar em roupas masculinas? E, o mais curioso de tudo, como elas mantinham seu sexo em segredo a bordo de um navio, onde as condições de vida estavam longe de ser confortáveis? A resposta à última pergunta é que parece que elas não conseguiam manter seu sexo indefinidamente em segredo. Quando uma segunda mulher pirata, Mary Read, que também havia se disfarçado de homem (usando o nome de Mark Read), se juntou a Anne no navio de Rackham, a situação poderia ter se tornado totalmente cômica. Como declara o capitão A. G. Course em seu Pirates of the Western Seas, os tripulantes

3 Clinton V. Black, Pirates of the West Indies, Cambridge, Cambridge University Press, 1989.

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Anne Bonny

moravam e dormiam juntos nos convés, banhavam-se dentro de uma tina de pé, nus [...] Não havia lavatórios a bordo, embora “Mark” Read tenha dito que “aprendeu a segurar as funções naturais até um momento em que pudesse realizá-las secretamente”. [...] Não havia cubículos ou aposentos pequenos destinados a isso, e nenhuma porta podia ser trancada ou de algum modo obstruída. As “cabeças”, o espaço aberto em cada lado da proa, onde a vela passa no convés superior, era o espaço aberto usado como lavatório. Tinha-se que subir sobre uma amurada para chegar lá e sua visão era aberta para qualquer um que estivesse de pé no convés superior.

Não era de modo algum ignorado que as mulheres se disfarçavam de homens para ir para o mar. David Cordingly, em sua Life Among the Pirates, cita o exemplo de uma moça chamada Hannah Snell que, em 1745, foi para o mar em busca de seu marido, James Summs. Este era um marinheiro holandês que havia abandonado Snell quando ela estava grávida. Não sendo pessoa de levar desaforo, ela encontrou emprego em uma chalupa inglesa, a HMS Swallow, comandada pelo capitão Rosier.

Mary Anne Arnold também se juntou a um navio, o Robert Small, que era comandado pelo capitão Scott. Trabalhou durante vários meses como marinheiro competente até ser desmascarada. No entanto, mesmo quando o capitão tomou conhecimento da sua verdadeira identidade, isso não significou o fim da sua carreira. "Eu vi a srta. Arnold", escreveu ele mais tarde, "entre os primeiros a chegar ao topo para ferrar a vela durante um forte temporal na baía de Biscaia."4

Poucas mulheres optaram por se tornar piratas, embora se saiba que houve um bom número delas. Assim como Bonny e sua colega de navio Mary Read, houve a pirata irlandesa Grace O’Malley (ver p. 21-37) e a pirata chinesa Cheng I Sao (ver p. 235-49). Houve também uma mulher escandinava chamada Alwilda, que aparece citada pela primeira vez em The Pirates Own Book:

4 Julie Wheelright, Amazons and Military Maids, Londres, Pandora, 1989.

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Authentic Narratives of the Most Celebrated Sea Robbers, de Charles Ellms.

Awilda era filha de um rei "gótico" chamado Synardus, que concedeu a mão de sua filha em casamento ao filho do rei Sygarus, da Dinamarca, o príncipe Alf. Não querendo aquela união, Awilda "abraçou a vida de pirata, e, vestida como homem, embarcou em um navio cuja tripulação era composta de outras mulheres jovens de coragem comprovada, vestidas da mesma maneira". Esse bando de mulheres então viajou por toda a parte, até encontrar certo dia um grupo de piratas que havia perdido seu comandante. Conversando com Awilda e gostando de suas "maneiras agradáveis", eles decidiram que ela seria a escolha perfeita para substituir o capitão. Ellms prossegue então descrevendo como Awilda tornou-se uma pirata tão formidável que finalmente o príncipe Alf foi enviado para capturá-la, o que ele fez, apanhando sua presa no golfo da Finlândia. Alf abordou seu navio e, tendo matado a maior

Anne Bonny foi tão cruel quanto qualquer outro pirata. Certo dia, quando um de seus companheiros de bordo começou uma discussão sobre o fato de ela ser mulher, Anne imediatamente sacou uma adaga e a enfiou diretamente no coração de seu oponente.

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Anne Bonny

Mary Read foi criada como um menino e

trabalhou como lacaio de um nobre francês

antes de servir a bordo de um navio de guerra,

e chegou até a se juntar ao exército, onde se

apaixonou por um de seus colegas soldados.

parte de sua tripulação, foi ao encalço de Awilda (embora a essa altura ele ainda não tivesse idéia de quem ela era). Alf retirou o elmo do capitão pirata, apenas para descobrir que se tratava de sua "amada Awilda; e parece que sua coragem agora o recomendava à bela princesa, pois ele a convenceu a aceitar sua mão, casou-se com ela a bordo e depois a levou para compartilhar da sua riqueza e do seu trono".

Mas, ao passo que a história de Awilda parece mais um conto de fadas, a de Anne Bonny é bem menos romântica, pois, tendo se juntado à tripulação do capitão John Rackham, ela desfrutou de uma vida em que matar acabou tornando-se sua segunda natureza. Certo dia, um membro da tripulação desafiou Anne por ela ser mulher e, em resposta, ela pegou uma adaga e a enfiou diretamente no coração do desafiante. Foi em torno dessa época que Mary Read juntou-se ao navio de Calico Jack, também vestida como homem. Shakespeare teria adorado o tumulto que se seguiu

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(sem falar no potencial cômico de uma situação desse tipo), pois, segundo Charles Johnson, Anne Bonny se viu atraída por esse novo membro da tripulação e, finalmente, sentando-se ao lado de Mary, revelou que ela, Anne, era na verdade uma mulher. Mary Read, então, "sabendo o que iria enfrentar, e tendo consciência da sua própria situação, foi obrigada a se entender com ela e, para grande desapontamento de Anne Bonny, revelou-lhe que ela também era mulher".5

As duas eram incrivelmente parecidas, não apenas em seu disfarce, mas também em outros aspectos menos óbvios. Tanto Anne Bonny quanto Read tiveram uma infância turbulenta. Segundo Johnson, Read nasceu na Inglaterra, segunda filha de uma jovem casada com um marinheiro, mas, logo depois que os dois se casaram, o marido foi para o mar e nunca mais voltou, deixando a cargo da mãe de Mary criar o filho. A mãe de Mary então ligou-se a outro homem e engravidou. Envergonhada de ter um filho bastardo, foi para a casa de amigos no campo e, logo após Mary ter nascido, seu filho primogênito morreu. Sem dinheiro, chorando a perda de seu primeiro filho, a mãe de Mary decidiu então vestir a menina como garoto e visitar sua sogra, a quem enganou e passou a dar uma coroa por semana para que ela cuidasse de seu "neto".

Criada como menino, quando Mary atingiu os treze anos, sua mãe conseguiu-lhe um emprego de lacaio de um nobre francês. Mas Mary não era o tipo de criança nascida para servir, "pois, crescendo corajosa e forte, e tendo também uma mente de pirata, ela ingressou a bordo de um navio de guerra, onde serviu algum tempo, mas depois saiu, foi para Flandres e portou armas em um regimento de infantaria, como cadete".6 Durante essa época, Mary conheceu e se apaixonou por um belo soldado flamengo que, segundo A. G. Course, chamava-se Jules Vosquin. Apaixonada, começou a negligenciar seus deveres, levando o resto da tropa (que não sabia que ela era mulher) a achar que ela estava louca. Mary

5 Charles Johnson, A General History... (1724), Londres, Conway Maritime, 1998.

6 Ibidem.

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Anne Bonny

tinha de encontrar uma maneira de demonstrar ao soldado que ela não era homem. Para tanto, providenciou para que ela e seu amado flamengo compartilhassem a mesma barraca. Durante a noite, ela lhe revelou totalmente seu sexo. Como era de se esperar, o rapaz ficou surpreso (e sem dúvida encantado). Ao contrário dos outros soldados do seu regimento, ele agora tinha uma mulher todinha para ele. Mas Mary desempenhou bem o seu papel. Em vez de sucumbir por completo às suas investidas, deixou claro que queria um arranjo mais formal.

Logo depois, Mary e seu soldado flamengo estavam casados. Os dois deixaram o exército e consta que se estabeleceram e passaram a dirigir uma hospedaria chamada Os Três Cavalos, perto de Breda. Mas a felicidade de Mary não iria durar muito, pois, logo depois do casamento, seu marido morreu. Com a queda no movimento da hospedaria, ela foi obrigada a voltar ao exército como soldado de infantaria. Acredita-se que se cansou do estilo de vida do regimento que um dia havia adorado. Decidindo mudar totalmente sua vida, comprou uma passagem e embarcou num navio que ia para as Índias Ocidentais. Alguns podem dizer que essa história mais parece ficção do que fato, e, como já foi imaginado que o capitão Charles Johnson (em cujo livro este relato se baseia) não seria outro senão Daniel Defoe (ver Glossário), essa acusação não é tão estranha quanto pode de início parecer. Afinal, Defoe foi o autor de histórias obscenas como Moll Flanders e Roxanne, e, portanto, se era o autor de A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates, ele provavelmente apimentou seu relato da vida de Mary. E, mesmo que não fosse Defoe o autor, quem pode afirmar que o verdadeiro Charles Johnson também não fosse propenso a exagerar as coisas?

O problema é que não há outros relatos das vidas iniciais de Anne Bonny ou Mary Read como referência. O livro de Johnson/ Defoe é o único registro disponível. O que é certo — porque há registros navais e relatos de testemunhas oculares para prová-lo — é que, quando Mary chegou às Índias Ocidentais e se juntou a Calico Jack e Anne Bonny a bordo de seu navio, os três tornaram-se inseparáveis (apesar de mais tarde Mary se apaixonar por um

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marinheiro chamado Tom Deane). Eles viviam e lutavam juntos, e em parte alguma isso está mais bem demonstrado do que em 1720, quando o trio e o resto da tripulação de Calico se dispuseram a capturar uma chalupa de doze toneladas chamada William.

O navio estava ancorado no porto de Nassau, na ilha de Providence, e era de propriedade de um homem do lugar chamado capitão John Ham. Bem abastecido e municiado, era uma presa fácil para qualquer um com talento para a pirataria. Remando ao longo da sua proa, uma dúzia dos homens de Calico subiu a bordo do William e, sem dificuldade, levantou âncora e o levou para alto-mar. Felizmente para os homens de John Ham, Calico Jack não era tão sanguinário como alguns de seus contemporâneos. Muitos relatos afirmam que ele tentava tratar seus prisioneiros, se não com respeito, pelo menos com comedimento. Mas a pirataria, por mais amável que fosse, ainda assim era pirataria, e quando John Ham apresentou queixa às autoridades de que seu navio havia sido seqüestrado, o governador das Bahamas, capitão Rogers, não teve outra escolha senão emitir uma ordem de prisão contra Jack. Esta foi emitida em 5 de setembro de 1720 e mencionava nominalmente não apenas o capitão John Rackham, mas também "duas mulheres [...] Ann Fulford, aliás Bonny, e Mary Read". A ordem de prisão também declarava que "o referido John Rackum [sic] e sua referida companhia são de agora em diante proclamados piratas e inimigos da coroa da Grã-Bretanha, e deverão ser assim tratados e considerados por todos os súditos de sua Majestade".7

Na verdade, o capitão Rogers (ver Glossário) era um homem justo, embora severo. Navegou pelo mundo entre 1708 e 1711 com uma comissão de corsário e, por isso, sabia mais do que a maioria sobre os piratas e a pirataria. Em 1718, com toda a experiência que havia acumulado, viajou com três navios de guerra para as Índias Ocidentais com o comissionamento do governo britânico para livrar as Bahamas da infame colônia de piratas que freqüentava a ilha de Providence. Quando chegou, fez os maiores esforços para

7 The Boston Gazette, extraída de Woodes Rogers, A Cruising Journey Round the World, Londres, Bell and Lintot, 1712.

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Anne Bonny

Awilda era outra mulher pirata, uma princesa

escandinava que foi para alto-mar para fugir de um

casamento arranjado.

promover a lei e a ordem e, como já mencionado, de início lançou uma anistia para os piratas que estivessem dispostos a abandonar sua vida de crime. John Rackham foi um deles, mas, agora que havia retornado à sua antiga vida, Rogers estava preparado para rastreá-lo e vê-lo enfrentar a justiça. Afinal, outros homens que haviam renunciado à pirataria e retornado a ela já haviam sido capturados e executados por ele. Nenhuma exceção seria feita a John Rackham. Assim, tendo emitido sua ordem, Rogers enviou uma chalupa com 45 homens a bordo com o propósito expresso de capturar Calico Jack e julgá-lo. O governador estava tão ansioso para capturá-lo que em 2 de setembro enviou um segundo navio com o mesmo propósito — este armado com doze canhões e uma tripulação de mais de cinqüenta homens.

A caça estava iniciada. Rackham estava ocupado atacando pequenos navios pesqueiros nas proximidades de Harbor Island, mas, quando soube do plano de Rogers, imediatamente rumou para o sul. No caminho, saqueou duas chalupas mercantes, retornando depois à Jamaica, onde, perto de Port Maria Bay, capturou uma escuna comandada pelo capitão Thomas Spenlow. Alguns dias depois, em 20 de outubro de 1720, Rackham e sua tripulação capturaram uma segunda chalupa, desta vez em Dry Harbor Bay. Depois desses dois sucessos, ele fez o William seguir para oeste, ao longo da costa jamaicana, até alcançar Negril Point, mas foi aí que

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encontrou uma chalupa de corsários, comandada pelo capitão Jonathan Barnet, mandada pelo governador da Jamaica com a missão de prender o máximo possível de piratas.

Depois de uma curta troca de tiros que deixou o William danificado, Barnet e seus homens rapidamente subiram a bordo, esperando que os piratas estivessem prontos para uma boa luta corpo-a-corpo — na verdade, esperavam que a tripulação fosse lutar com toda a força para expulsar os invasores —, mas isso não aconteceu, pois, segundo testemunhas, só dois piratas pegaram em armas contra Barnet e seus homens: Anne Bonny e Mary Read.

Vestidas em suas habituais roupas de homem, as duas mulheres pegaram alfanjes e pistolas e se esforçaram ao máximo não só para expulsar os intrusos, mas também para encorajar seus companheiros a fazer o mesmo. No entanto, o resto da tripulação estava muito cansada ou muito amedrontada para pegar em armas. Retiraram-se para o porão, e "Mary e Anne ficaram tão enojadas diante desta exibição de covardia que foram até a escotilha e gritaram para seus covardes companheiros subirem e ajudarem a defender o navio, e quando viram que suas investidas eram em vão, ficaram tão furiosas que dispararam em direção ao porão, matando um dos piratas amedrontados e ferindo vários outros". Superadas em número, Anne e Mary finalmente tiveram que se juntar a seus companheiros na rendição e, no dia seguinte, toda a tripulação de Calico Jack foi levada sob guarda armada para Davis' Cove e depois escoltada pelo major Richard James pela ilha até Spanish Town, onde foi encarcerada.

Em 16 de novembro de 1720, o capitão John Rackham, juntamente com dez membros da sua tripulação (George Fetherston, Thomas Bourn, Patrick Carty, Richard Corner, John Fenwick, James Dobbins, John Howell, Thomas Earl, John Davies e Noah Harwood), foram julgados por pirataria. O juiz encarregado dos procedimentos era o governador da Jamaica, Sir Nicholas Lawes, que estava acompanhado por doze comissários.

As duas mulheres foram julgadas separadamente, com sua primeira aparição no tribunal (diante do mesmo juiz, Sir Nicholas Lawes) ocorrendo mais tarde, em 28 de novembro de 1720. É das

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Anne Bonny

transcrições tomadas durante esses procedimentos - que mais tarde foram publicadas na Jamaica por Robert Baldwin, em 1721, sob o título The Tryals of Capitain John Rackham and others Pirates — que obtemos o quadro mais claro de Anne Bonny e Mary Read. A declaração de Dorothy Thomas, que estava em um pequeno barco navegando para a costa norte da Jamaica quando foi atacada, afirma que "as duas mulheres, aqui prisioneiras, estavam então a bordo da referida chalupa, e usavam coletes de homens, calças compridas e lenços amarrados em suas cabeças, e praguejavam e blasfemavam para os homens, para que matassem a depoente; e que deviam matá-la para evitar que ela se voltasse contra eles; e a depoente disse ainda que sabia e acreditava que fossem mulheres pelo tamanho de seus seios".8

Na verdade, as acusações apresentadas contra as duas mulheres eram quase exatamente as mesmas apresentadas contra o capitão Jack e os outros piratas: "agiram com pirataria, criminosamente e, de maneira hostil, atacaram, apreenderam e tomaram sete barcos pesqueiros"; "em alto-mar, em um determinado lugar a três léguas de distância da ilha de Hispaniola [...] abordaram, combateram e tomaram duas chalupas mercantes"; atacaram uma escuna sob o comando do capitão Thomas Spenlow e depois colocaram Spenlow e seus homens "temendo pela integridade de suas vidas"; e, não longe de Dry Harbor Bay, na Jamaica, Rackham e sua tripulação abordaram e saquearam um navio chamado Mary e depois roubaram seu equipamento.

Também testemunharam contra Bonny e Read dois franceses que estavam a bordo da escuna comandada por Thomas Spenlow quando atacada bem próximo a Port Maria Bay, na Jamaica, por John Rackham e as duas mulheres. Os franceses (cujas declarações tiveram de ser traduzidas) declararam que as duas mulheres estavam ativamente envolvidas no ataque, passando pólvora para os homens e estimulando-os a lutar. Além disso, um dos homens

8 Tryals of Captain John Rackham and Other Pirates, Robert Baldwin, 1721. Colonial Office Records 137/14, Public Record Office. Estes extratos também aparecem em David Cordingly, Life Among the Pirates, Londres, Little, Brown and Co., 1995.

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também jurou "que, quando elas viam qualquer outro navio, o perseguiam e atacavam, usavam roupas de homens; e em outras ocasiões, roupas de mulheres". Outras evidências do envolvimento das duas nas atividades de pirataria de Calico Jack (como se mais alguma fosse necessária) foram apresentadas por um certo Thomas Dillon, mestre do Mary. Ele declarou que, quando os piratas abordaram sua chalupa, "Anne Bonny, uma das prisioneiras ali presentes, tinha um revólver na mão, e eram ambas muito perversas, praguejando e blasfemando muito, e sempre prontas e dispostas a fazer qualquer coisa a bordo".

Surpreendentemente, dada a seriedade das acusações, nenhuma das mulheres montou uma defesa nem chamou nenhuma testemunha para fazê-lo, e, sem maiores considerações, o juiz Lawes dispensou as duas prisioneiras e o público do recinto para considerar as provas com seus companheiros comissários.

Na terceira e quarta acusações apresentadas contra elas — o ataque à escuna de Thomas Spenlow e o ataque à escuna de Thomas Dillon —, todos concordaram que Anne Bonny e Mary Read eram culpadas. Portanto, só restou uma opção ao juiz. Chamando as duas mulheres de volta à sala do tribunal, condenou as duas à morte por enforcamento. "Você, Mary Read", disse ele, "e Anne Bonny, aliás Boon, deverão ir agora para o lugar de onde vieram, e de lá para o local da execução, onde serão penduradas pelo pescoço até estarem respectivamente mortas. E que Deus em sua infinita misericórdia se compadeça de suas almas."

Alguns dias antes, a mesma sentença havia sido dada ao capitão John Rackham e aos membros da sua tripulação, cinco dos quais foram enforcados em Gallows Point, fora de Port Royal. O restante dos prisioneiros, incluindo o capitão, foi executado em Kingston no dia seguinte.

Mas Bonny e Read, ao contrário de seus comparsas, ainda tinham um truque em suas mangas. Apenas minutos depois de o juiz Lawes ter pronunciado a sentença de morte, as duas mulheres anunciaram que estavam grávidas. O furor que isso deve ter causado só pode ser imaginado, mas Lawes não teve outro remédio senão considerar seriamente suas declarações. Foi obrigado a adiar

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Anne Bonny

suas execuções para enviá-las a um exame médico — cujo resultado foi que as duas mulheres estavam realmente grávidas. Ninguém, nem mesmo os sanguinários tribunais britânicos, podia executar uma mulher grávida e, por isso, tanto Bonny quanto Read tiveram suas sentenças anuladas, mas, no caso de Read, a história não teve um final feliz.

Alguns meses depois do seu julgamento, consta que Mary Read contraiu uma febre e, após vários dias enferma, ela e seu bebê morreram na prisão. Registros paroquiais do distrito de St. Catherine, na Jamaica, mostram que ela foi enterrada (provavelmente em uma vala comum) em 28 de abril de 1721.9

Quanto a Bonny, pouca coisa mais se sabe a seu respeito, pois ela parece ter desaparecido de todos os registros públicos. Johnson, em um breve relato, diz apenas que "ela continuou na prisão, até a hora do seu parto, e posteriormente teve sua sentença várias vezes suspensa; mas o que foi feito dela a partir daí, não podemos dizer; só sabemos que não foi executada".10

9 Cordingly, op. cit.

10 Johnson, op. cit.

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WILLIAM LEWIS Fato e ficção

Ele era um homem bem-educado, Que jamais afundou um navio ou cortou uma garganta;

Com essa criação de um verdadeiro cavalheiro, Nunca se conseguia saber o que de fato estava pensando.

Lamentavelmente, adorava a vida aventurosa, Foi uma grande perda para a boa sociedade.

CHARLES ELLMS, The Pirates Own Book:

Authentic Narratives of the Lives, Exploits and Executions of the Most Celebrated Sea Robbers

Sempre houve confusão sobre a vida do capitão William Lewis, que pode ter sido originada com o livro de Charles Johnson, A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates. Ali, inserido entre as biografias factuais, está um capítulo ficcional sobre um certo capitão Lewis que foi aparentemente ativo no Caribe em torno de 1700. O capitão Lewis real era um ex-pugilista profissional que foi enforcado em 1718, com cerca de 34 anos, tendo vivido uma vida curta, porém aventurosa, atacando navios nas proximidades das Bahamas. Antes de morrer, esse capitão Lewis não demonstrou remorsos; ao contrário, fez um brinde aos seus companheiros de prisão e a todos aqueles que tinham ido vê-lo ser executado. Pouco mais se sabe sobre esse pirata, mas seu homônimo, o capitão Lewis que vive nas páginas do livro de Charles Johnson, compensa isso.

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Um dos livros mais autorizados sobre piratas, The General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates, foi publicado pela primeira vez na Inglaterra em 1724, mas pouco se sabe sobre seu autor, Charles Johnson. Uma das teorias a respeito é que ele tenha sido na verdade escrito pelo autor de Robinson Crusoé, Daniel Defoe (acima).

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William Lewis

Por que Johnson achou necessário inserir uma biografia ficcional em um livro concentrado na vida de piratas da vida real? A resposta que logo vem à mente é que, com uma biografia ficcional, Johnson poderia destacar as qualidades precisas que tornavam uma vida de pirata tão atraente para o público. Assim, a "vida" de Lewis é composta de uma série de aventuras em que os navios são capturados e depois saqueados, em que os prisioneiros são maltratados, em que se bebia rum e fazia pactos com o diabo. Na verdade, o capítulo sobre Lewis se torna mais interessante pelo fato de ser ficcional. É também irônico observar que houve muita discussão em torno da identidade do próprio Charles Johnson (ver Glossário), que a certa altura na história foi sugerido que seria, na verdade, Daniel Defoe, autor de, entre outras biografias ficcionais, Robinson Crusoé (publicado pela primeira vez em 1719). Se Charles Johnson foi Daniel Defoe, então faz absoluto sentido ele ter incluído uma vida ficcional em seu livro de não-ficção, mas se Defoe não foi o autor de A General History, talvez o Lewis de Johnson realmente tenha existido. Se existiu, estava certamente entre os mais perversos de todos os piratas.

William Lewis foi criado desde criança na companhia de piratas. Segundo Charles Ellms, que baseou muito de The Pirates Own Books no estudo de Johnson, ele foi primeiro descoberto, ainda menino, na companhia de um pirata chamado Banister (também ficcional), "que foi enforcado na ponta da verga de um navio de guerra, próximo a Port Royal, na Jamaica". Quando o jovem Lewis foi levado para terra firme, descobriu-se que tinha um grande talento para línguas, sendo capaz de conversar em vários idiomas, incluindo francês, espanhol, inglês e um dialeto indiano. Retornando ao mar, foi capturado por alguns espanhóis que o levaram de volta para Havana, onde passou os anos seguintes trabalhando em várias ocupações servis, até que, tendo ficado amigo de outros seis rapazes mais ou menos da idade dele, fugiu para o mar. Não muito depois, Lewis e seus novos companheiros deixaram o navio em que estavam a bordo e capturaram uma pequena embarcação pesqueira espanhola e convenceram três de seus tripulantes a se juntarem a eles em suas aventuras. Logo o grupo de nove estava

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atacando navios costeiros e caçadores de tartaruga e, pouco a pouco, mais e mais homens foram se unindo a eles, até que o grupo chegou a quarenta homens.

Lewis montou seu maior e mais sofisticado ataque até então a um grande navio pink (ver Glossário) que ia da Jamaica para Campeachy, na costa da América do Sul. Tendo capturado o navio, Lewis soube que não muito distante dali estava um bergantim construído nas Bermudas e montado com dez canhões, comandado pelo capitão Tucker. Lewis queria mais do que qualquer outra coisa capturá-lo, e por isso enviou o capitão do pink até o bergantim, com uma carta dizendo que ele daria ao capitão Tucker 10 mil pesos em troca do seu navio. Dizia também que, se Tucker não estivesse preparado para entregar seu navio, de qualquer modo iria perdê-lo, pois ele, Lewis, iria lutar contra ele e finalmente dominá-lo.

Não surpreendentemente, o capitão Tucker não se incomodou com essa ameaça e, em vez de entregar o bergantim, mandou chamar os capitães de todos os outros navios que estavam ancorados na baía. Disse-lhes que se lhe dessem 45 de seus melhores homens, ele combateria os piratas em nome deles. Mas os outros capitães não se interessaram pela proposta. O máximo que fariam seria sair navegando todos juntos em uma pequena frota, dizendo que podiam confiar em seu maior número e que Lewis jamais ousaria atacar tantos navios ao mesmo tempo.

Eles realmente saíram juntos, mas Lewis era um jovem inteligente e marinheiro brilhante e conseguiu deslizar seu navio entre os outros sem ser percebido. E, mesmo quando perceberam o que havia acontecido, suas ações foram inúteis — um deles, Joseph Dill, disparou um de seus canhões contra o navio de Lewis, mas, em vez de atingir seu alvo, o canhão rachou e matou três dos próprios homens de Dill. Enquanto isso, Tucker estava ainda tentando convencer o resto dos capitães a lhe emprestar mais tripulantes, mas eles se recusaram mais uma vez e, finalmente, sendo seu navio muito mais rápido que os outros, Tucker os deixou entregues a si mesmos e partiu.

Lewis podia agora escolher entre os navios remanescentes, e logo capturou um e ordenou a seu capitão que subisse a bordo do

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William Lewis

navio pirata. "Assim que estava a bordo, perguntou a razão de ele estar ali por perto, traindo a confiança que seus donos haviam depositado nele, que estava agindo como um patife e um covarde, e iria puni-lo por isso; mas, disse ele, você poderia escapar disso se tivesse um navio tão bom quanto o meu. Depois deste discurso, lançou-se sobre ele com a extremidade de uma corda e, agarrando sua bota, arrastou-o sem piedade pelo convés."1 Durante essa provação, o capitão teria oferecido a Lewis uma grande quantia em dinheiro que estava a bordo da sua chalupa, caso ele parasse de espancá-lo, mas a reação teve o efeito contrário — Lewis bateu duas vezes mais forte no homem. Depois, enviou um de seus homens até o navio do capitão, não só para pegar o dinheiro, mas também para oferecer um lugar a bordo do seu próprio navio para qualquer um que quisesse se juntar à sua tripulação de piratas. Vários homens aceitaram o convite — na verdade, no final dessa pequena aventura, a tripulação de Lewis aumentou para cerca de oitenta homens.

O capitão Lewis agora navegava rumo ao golfo da Flórida, onde ficou à espera dos navios que retornavam das Índias Ocidentais. Um pouco mais tarde, navegou para a costa da Carolina, onde limpou sua chalupa e a abasteceu com provisões frescas, antes de se dirigir para a costa da Virgínia. Aí retomou suas atividades de pirataria, não só saqueando vários navios mercantes, mas também obrigando vários membros da tripulação a trabalhar sob suas ordens. Nisso Lewis tomou conhecimento de uma conspiração contra ele: sua tripulação inglesa pretendia se livrar dele e de todos os companheiros franceses. Agindo imediatamente, o pirata prendeu os líderes do movimento e, junto com o resto dos marinheiros ingleses, colocou-os em um barco minúsculo com apenas dez pedaços de carne para alimentá-los. O barco foi colocado à deriva e, segundo Charles Ellms, aqueles que estavam a bordo provavelmente morreram. Como já vimos (no capítulo sobre Edward England), a prática do desterro — colocar as pessoas à deriva no meio do mar com pouca ou nenhuma comida ou água — era

1 Charles Ellms, The Pirates Own Book, Nova York, Dover, 1993.

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equivalente ao assassinato, e era usada com freqüência pelos piratas como punição.

Saindo da Virgínia, Lewis e sua tripulação — agora quase exclusivamente francesa — dirigiram-se para Newfoundland, onde aportaram em Conception Bay. Lá, capturaram uma galera de 24 canhões chamada Herman, comandada pelo capitão Beal. Este, que estava em terra firme por ocasião do ataque, mandou um recado a Lewis dizendo que, se o pirata enviasse seu mestre para o porto, ele lhe daria mais bens em troca do navio, pois o queria de volta. Mas, quando o mestre chegou à praia, foi imediatamente preso e levado até o capitão Rogers (ver Glossário), que fez o homem ser acorrentado a uma âncora enterrada na areia, à plena vista do navio de Lewis. Canhões foram então montados em torno do porto, na esperança de que Lewis tentasse salvar seu mestre, possibilitando a sua

Diz-se que William Lewis fez um pacto com o diabo quando estava sendo perseguido por outro navio. Seu mastro principal foi danificado, deixando o navio lento demais para escapar, e então ele subiu no mastro, arrancou um punhado do seu próprio cabelo e o lançou no ar como uma oferenda ao diabo, até que chegasse a hora de este reclamar o restante dele. O navio de Lewis adquiriu velocidade e escapou.

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William Lewis

captura. Mas o pirata decidiu que o melhor que teria a fazer seria deixar tranqüilamente o seu navio, subir numa chalupa e fazer seus homens remarem para fora do porto sob a cobertura da escuridão.

Uma vez longe do porto, jurou que se vingaria de Rogers e de Beal, e para isso interceptou dois pequenos navios pesqueiros cujos capitães ele seqüestrou, enviando um recado a Rogers que, se seu mestre não retornasse são e salvo, ele mataria seus prisioneiros. Assim que a mensagem foi recebida, o mestre foi solto. "Lewis e a tripulação perguntaram como ele havia sido tratado, ao que o mestre respondeu, 'Com muita civilidade'. 'É bom mesmo', disse o pirata, 'porque, se você tivesse sido maltratado, eu mataria todos com minha espada.'"2 Lewis resolveu enviar os prisioneiros de volta à praia, mas, quando chegaram, reuniram-se e mandaram uma mensagem para o capitão Tudor Trevor, que estava ancorado em St. John's, em um grande navio de guerra, para capturar os piratas. Ao receber a mensagem, Trevor partiu o mais rápido que pôde, mas perdeu Lewis por apenas quatro horas.

Lewis navegava ao longo da costa, capturando no caminho navios franceses e ingleses, até que se viu diante de um espécime particularmente raro — um navio corsário francês armado com 24 canhões. O capitão do navio saudou Lewis e perguntou de onde ele vinha, ao que Lewis respondeu que "da Jamaica, com rum e açúcar". Parecendo satisfeito com essa resposta, o capitão advertiu Lewis para chegar o mais rápido possível ao seu destino, pois havia uma chalupa pirata nas proximidades e, por tudo o que ele sabia, Lewis podia ser esse pirata. Se não partisse imediatamente, continuou o capitão, ele dispararia uma banda de artilharia. Lewis recuou, mas, em vez de navegar para longe, permaneceu a uma certa distância do navio francês, resolvendo tomá-lo na primeira oportunidade.

Enquanto isso, a chalupa francesa entrou no porto e, ainda sem ter certeza das intenções de Lewis, o capitão lançou o alarme e fez as autoridades do porto colocarem canhões em torno dos muros. Nas duas semanas seguintes, Lewis capturou outros navios de

2 Ibidem.

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pesca, que encheu de piratas, e navegou com eles em direção ao porto. Uma tripulação atacou a bateria de canhões, e outra atacou e abordou o navio francês. "Na batalha, foi morto o filho do proprietário, que havia feito a viagem apenas por curiosidade. Depois que o navio foi tomado, sete canhões foram disparados, sinalizando para a chalupa se aproximar e navegar ao lado do navio. O capitão disse-lhe que supunha que ele quisesse apenas sua bebida; mas Lewis respondeu-lhe que queria a embarcação, e então levou toda a sua munição e provisões."3 Lewis então deu ao capitão seu próprio navio, o que foi um gesto bastante generoso, visto que ele não precisava ter feito essa troca.

Lewis rumou para a costa da Guiné, onde capturou e saqueou mais navios, alguns ingleses, alguns holandeses e outros portugueses. Mas entre eles havia um que era comandado pelo capitão Smith, que começou a perseguir o navio de Lewis. Foi nessa altura — ou pelo menos é assim citado no relato de Johnson — que o pirata fez um pacto com o diabo. Vendo que o mastaréu da gávea maior havia sido removido violentamente, Lewis subiu as enxárcias (cordas que são estendidas do cabo do mastro às laterais do navio) até a gávea quebrada, onde arrancou um chumaço de cabelo e, atirando-o ao ar, gritou para o diabo ficar com ele "até eu chegar". Imediatamente foi observado que o navio começou a navegar duas vezes mais rápido do que antes, escapando assim daqueles que o estavam perseguindo.

Os piratas desceram a costa da Carolina, mas mais uma vez houve uma disputa entre as tripulações francesa e inglesa, até o momento em que acharam que era melhor dividirem a companhia. Os franceses escolheram uma grande chalupa que haviam recém-capturado e a encheram de provisões e munição e escolheram um novo capitão, um homem chamado Le Barre. Mas Lewis não pareceu nem um pouco satisfeito com esse arranjo e logo começou a perseguir o navio de Le Barre, finalmente abatendo-o e mandando toda a sua tripulação para a terra. Os franceses suplicaram a Lewis que não os abandonasse, ou que pelo menos lhes desse alguns

3 Ibidem.

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Lewis estava navegando pela costa da Carolina quando explodiram disputas violentas entre as tripulações inglesa e francesa. Embora ele tivesse pensado ter resolvido as disputas, o descontentamento gerado motivou seu assassinato.

canhões e provisões, mas ele se recusou. Após pegar todas as mercadorias que haviam sido colocadas na chalupa e colocá-las em seu próprio navio, afundou a chalupa.

Os franceses continuaram a implorar a Lewis que não os abandonasse, até que por fim ele cedeu e permitiu que alguns tripulantes e Le Barre subissem a bordo, onde todos começaram a beber muito. No meio da noite, alguns tripulantes de Lewis foram procurá-lo e o advertiram de que os franceses estavam conspirando para assassiná-lo. Diz-se que Lewis, obviamente bêbado, respondeu que não podia fugir ao seu destino e que o diabo já lhe havia dito que ele ia ser morto naquela noite. Um pouco mais tarde, os

William Lewis

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franceses, abandonados em terra, encontraram canoas e remaram até o navio, esgueiraram-se até a cabine de Lewis e o esfaquearam mortalmente. Mais tarde, eles tentaram subjugar o resto da tripulação inglesa, mas, após uma luta sangrenta em que foram mortos homens de ambos os lados, os ingleses venceram seus atacantes.

Fato ou ficção, as aventuras do capitão William Lewis constituem uma leitura fascinante até mesmo com sua morte violenta, encontrada enquanto estava dormindo bêbado, em vez de no calor da batalha, típica da morte nem um pouco heróica sofrida por tantos piratas.

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JEAN LAFITTE O Terror do Golfo

Lafitte era bonito; o ídolo das mulheres de Nova Orleans, sendo também popular entre os homens. [...]

Com seus piratas era um disciplinador rígido, a fraude e a desobediência eram punidas com severidade. Tinha

um patíbulo montado na ilha e as disputas entre os piratas eram resolvidas através de duelos.

CAPITÃO A. G. COURSE,

Pirates of the Western Seas

Conhecido como "O Corsário", "O Rei de Barataria", "O Herói de Nova Orleans", e também como "O Terror do Golfo", Jean Lafitte era um homem cujos muitos apelidos correspondiam a suas muitas personas. Muitas vezes considerado mais um negociante do que um marinheiro, aclamado por sua coragem durante a batalha de Nova Orleans, em que lutou ao lado dos americanos contra os britânicos, foi condenado pelos mesmos americanos por seus atos de pirataria no golfo do México. Um indivíduo encantador, mas complicado, Lafitte inspirou Lord Byron em um poema e, séculos mais tarde, foi imortalizado em um filme de ninguém menos do que Cecil B. DeMille. Um parque e reserva histórica nacional recebeu seu nome e há também uma aldeia de pescadores em Louisiana que tem seu nome.

Segundo Charles Ellms, em The Pirates Own Book, Jean Lafitte nasceu em Saint Malo, na França, em torno de 1781 (embora

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O filme The Buccaneer (O corsário) foi lançado em 1938, dirigido por Cecil B. DeMille e estrelado por Fredric March como o valentão Jean Lafitte.

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Jean Lafitte

outras fontes digam que ele nasceu no Haiti), e foi para o mar aos treze anos de idade. Tendo navegado durante vários anos em torno da Europa e da costa da África, Lafitte foi nomeado imediato de um navio mercante francês que se dirigia a Madras. Durante a viagem, o navio foi surpreendido por uma tempestade nas proximidades do cabo da Boa Esperança, e por isso o capitão mudou seu curso para Maurício. Chegando lá em segurança, Lafitte deixou o navio mercante francês (tinha se desentendido com o capitão) e começou a trabalhar como capitão de seu próprio navio corsário.

Ele logo estava atacando navios da Grã-Bretanha, da Espanha e também da França, mas enfrentou dificuldades quando um desses navios perseguiu e levou Lafitte até "bem o extremo norte do Equador". Sem provisões suficientes a bordo para voltar a Maurício, Lafitte decidiu dirigir-se à baía de Bengala, na esperança de poder saquear, em especial comida e água de alguns navios ingleses. Seu navio não era bem equipado, tendo apenas dois canhões e 26 homens a bordo, mesmo assim Lafitte conseguiu capturar a primeira embarcação inglesa que encontrou, uma escuna armada. Colocando dezenove de seus próprios homens a bordo desse navio, Lafitte prosseguiu navegando pela costa de Bengala, onde encontrou uma embarcação chamada Pagoda, que pertencia à Companhia das Índias Orientais Inglesas. Fingindo ser o tipo de barco-piloto que guiava navios maiores acima e abaixo do Ganges, Lafitte manobrou seu navio para perto do Pagoda, "e de repente voou com seus bravos seguidores para seu convés, onde dominaram todos os que se opuseram a eles e rapidamente tomaram o navio".1

Após este sucesso, Lafitte e sua tripulação navegaram de volta para Maurício, onde ele assumiu o comando de outro navio chamado La Confiance. Navegou pela costa da Índia Britânica, onde, em outubro de 1807, cobiçou um navio britânico, com uma tripulação de cerca de quatrocentos homens e quarenta canhões. O navio britânico era muitíssimo superior à chalupa corsária de Lafitte, mas, inspirado pelo tipo de confiança que só um homem como ele possui, os piratas atacaram o navio. Mesmo quando a

1 Charles Ellms, The Pirates Own Book, Nova York, Dover, 1993.

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Como francês, Lafitte não morria de amores pelos britânicos, demonstrando grande astúcia e coragem, não só na defesa de Nova Orleans contra os invasores britânicos, mas também combatendo navios de guerra britânicos no mar. Certa vez, capturou um navio de guerra britânico de quarenta canhões próximo à costa da Índia, apesar de possuir muito menos armamento e uma tripulação bem menor.

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tripulação do navio britânico disparou uma banda de artilharia, os piratas não interromperam sua missão. Lafitte ordenou que todos se deitassem no convés até o ataque terminar, para depois seus homens arremessarem granadas e bombas em seu alvo, um ataque que matou e mutilou muitos tripulantes britânicos — membros foram arrancados de corpos, as feridas sangravam profusamente, um marinheiro teve sua cabeça arrancada pela explosão de uma bomba. A tripulação sobrevivente ficou em absoluta confusão, muitos deles até abandonaram o navio.

Lafitte, percebendo a grande chance, ordenou que quarenta dos seus tripulantes abordassem o navio inimigo com pistolas e adagas. Enviou uma segunda divisão e logo depois o capitão do navio foi morto. Lafitte então ordenou a um grupo de piratas que carregasse um de seus canhões com metralhas (pequenas balas de ferro disparadas simultaneamente) e o apontasse na direção da embarcação inimiga. Este foi o limite para os marinheiros britânicos que, vendo a inutilidade de opor mais resistência, se renderam.

Da noite para o dia, o nome Lafitte tornou-se o terror do comércio britânico naquela região e qualquer navio inglês que tentasse cruzar o oceano Índico levava consigo uma guarda pesadamente armada. Na verdade, os britânicos eram tão bem defendidos nessa latitude que por fim Lafitte percebeu que saques mais promissores poderiam ser encontrados em outra parte. Subindo o golfo da Guiné rumo à enseada de Benin, ele capturou dois navios que carregavam grandes cargas de marfim, ouro em pó e óleo de palma. Navegou para Saint Malo, onde comprou um bergantim que armou com vinte canhões e uma tripulação de cerca de 150 homens, e depois foi para Guadalupe, nas Índias Ocidentais.

Depois de vários ataques bem-sucedidos, Lafitte decidiu ir para Nova Orleans, onde ele e seu irmão Pierre se estabeleceram ostensivamente como ferreiros na rua de Saint Philippe — na verdade, uma fachada para um negócio ilícito, comprando e vendendo produtos roubados por piratas em Louisiana. Também se acreditava que os irmãos negociavam escravos — vendendo-os para os donos de fazendas de algodão e açúcar na área do Mississippi bem mais barato do que os "comerciantes de carne" oficiais.

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Jean, em particular, era considerado não somente um negociante astuto, mas também um indivíduo muito bem-educado — alguns relatos contemporâneos dizem que ele era bastante instruído e falava quatro línguas fluentemente: inglês, francês, italiano e espanhol. Mas, apesar de seu aparente sucesso em Nova Orleans (ou talvez por causa dele), em 1809 os irmãos decidiram mudar da cidade para a baía de Barataria, no golfo do México, onde estavam situadas três ilhas: Grande Terre, Grande Isle e Chenière Caminada.

Nessa época, havia se estabelecido ali um bando de piratas que começaram como corsários comissionados e munidos de cartas de corso concedidas pelo governo de Cartagena, atualmente Colômbia — que no início do século XIX estava lutando por sua independência da Espanha. Quando Lafitte se tornou seu líder, ele tinha trinta anos de idade, era alto e forte. Seus piratas estavam atacando navios ingleses, franceses e americanos. Foi construído um forte na ilha e ele recebeu excelentes alojamentos dentro de seus muros, embora a maioria das casas dos piratas fossem pouco mais do que cabanas com tetos cobertos com folhas de palmeira. O porto era guardado por uma bateria de vinte canhões e foram construídos postos de observação que davam uma boa visão da aproximação de qualquer presa aparentemente promissora, as notícias sendo imediatamente transmitidas para o forte, de onde Lafitte raramente saía.2

Lafitte evidentemente construiu para si uma vida muito bem-sucedida em Barataria, um paraíso tropical, com longas praias arenosas e palmeiras crescendo ao longo de belas e profundas lagoas azuis. As ilhas estavam cheias de peixes — linguados, camarões e caranguejos eram abundantes — e ricas em frutas e vegetais tropicais. Lafitte estava em seu habitat: o rei de tudo o que havia a sua volta. Com quase mil piratas operando nas proximidades de Barataria, e recebendo uma parte de tudo o que esses homens

2 A. G. Course, Pirates of the Western Seas, Londres, F. Muller, 1969.

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saqueavam dos navios mercantes, chalupas e bergantins que passavam, ele logo se tornou um homem muito rico. A pilhagem incluía vinho e queijo, chocolate e conhaque, sedas e crinolinas, prataria, mobílias, roupas, bordados e ouro em pó, além de jóias e pesos — e de tudo isso ele podia dispor facilmente com os muitos contatos que tinha em Nova Orleans.

Lafitte construiu um sistema de transporte único através das baías pantanosas e dos molhes que cercavam Barataria e Nova Orleans — uma área que até hoje é quase intransponível devido a suas plantas emaranhadas, pântanos e animais perigosos. No entanto, um homem como Lafitte não se assustava com essa paisagem. Ele mandou seus homens construírem canoas e chatas de troncos de árvores caídas, e desenvolveu um sistema de canais nos quais podiam navegar diariamente entre Barataria e Nova Orleans, transportando seu contrabando. As mercadorias que não vendia para seus velhos amigos comerciantes da cidade eram leiloadas em um mercado especial em Grand Terre. "De todas as partes mais humildes de Lousiana vinham pessoas para Barrataria [sic], que não tinham a menor preocupação em esconder o objetivo da sua viagem. Os habitantes mais respeitáveis do estado, especialmente aqueles que moravam no campo, tinham o hábito de comprar mercadorias roubadas vindas de Barrataria."3

Mas a boa vida não iria durar muito. Em 1812, teve início uma disputa entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha sobre quem detinha a propriedade e controlava o acesso a vários canais marítimos na região da Louisiana — e ambos os lados tentaram bloquear as vias de navegação comercial do oponente. Quando o Congresso americano soube que os britânicos estavam usando índios nativos para lutar contra os americanos e os colonos americanos, o presidente James Madison declarou guerra à Grã-Bretanha. Esta foi uma má notícia para Lafitte, pois os americanos divulgaram o fato de que os britânicos estavam planejando tomar a parte inferior do rio Mississippi via o golfo do México e Nova Orleans — ambos territórios dominados por Lafitte — e temiam que o pirata ficasse do lado

3 Ellms, op. cit.

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dos britânicos. Com esse receio, o governador Claiborne, da Lousiana, lançou uma ordem de prisão contra Lafitte, colocando o capitão Andrew Holmes, da alfândega americana, a cargo da operação.

Lafitte, no entanto, conhecendo intimamente a geografia das baías pantanosas e dos pântanos, conseguiu durante meses escapar da perseguição. Mesmo quando foi finalmente capturado pelo capitão Holmes, e detido juntamente com seu irmão Pierre, sua prisão durou apenas uma noite, após a qual, devido a um erro de escrita, ele foi libertado. Em toda Nova Orleans foram colocados cartazes para a renovação da sua prisão, mas sem resultado. O governador Claiborne chegou a oferecer uma recompensa de 750 dólares pela prisão de Lafitte, mas logo depois novos cartazes apareceram oferecendo o dobro por Claiborne. Lafitte conseguiu escapar da captura e o jogo de gato e rato continuou — até que finalmente a questão da guerra com a Inglaterra tornou-se mais urgente.

Em 2 de setembro de 1814, um vigia na colônia de Lafitte descobriu um bergantim inglês, o Sophia, navegando próximo do porto. Comandado pelo capitão Lockyer, trazia uma carta do oficial britânico sênior no golfo, capitão William Henry Percy, oferecendo a Lafitte a chance de servir Sua Majestade, o rei. Lafitte teria o posto de capitão, estaria no comando de uma fragata de 44 canhões, e receberia 30 mil dólares caso pegasse em armas contra os americanos e ajudasse os britânicos a transpor os pântanos e as baías pantanosas da região, com o objetivo de atacar Nova Orleans.

Lafitte hesitou durante vários dias, durante os quais vários de seus homens prenderam o capitão Lockyer com a intenção de assassiná-lo. Mas Lafitte não aprovou essa insurreição e finalmente fez Lockyer ser devolvido a seu navio, juntamente com uma carta pedindo ainda mais tempo para considerar a oferta que estavam lhe fazendo.

AO CAPITÃO LOCKYER Barrataria, 4 de setembro de 1814. Senhor, a confusão que prevaleceu em nosso alojamento ontem e esta manhã, e da qual. o senhor tem completo conhecimento, me impediu de responder de maneira precisa o objetivo da sua missão;

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nem mesmo neste momento posso lhe dar toda a satisfação que o senhor deseja; no entanto, se puder me conceder uma quinzena, estarei a sua disposição no final desse tempo. Este adiamento é indispensável para me permitir deixar meus negócios em ordem. O senhor pode se comunicar comigo enviando um barco ao ponto leste do estreito, onde poderei ser encontrado. O senhor tem me inspirado mais confiança do que o almirante, seu superior; só quero tratar com o senhor, e do senhor vou reclamar, no devido momento, a recompensa dos serviços que posso vir a lhe prestar. Seu J. LAFITTE 4

O objetivo dessa carta era sugerir que Lafitte estava considerando seriamente a oferta de Lockyer, mas na verdade Lafitte estava ganhando tempo para se comunicar com seu arquiinimigo, o governador Claiborne, a quem também escreveu em 4 de setembro, pois ele e seus piratas — em vez de lutar ao lado dos britânicos contra os americanos — preferiam lutar ao lado dos americanos contra os britânicos. "O local da Louisiana por mim ocupado é de grande importância na presente crise. Ofereço meus serviços para defendê-lo; e a única recompensa que peço é que seja colocado um ponto final na proscrição contra mim e meus partidários, através de uma anistia geral, por tudo o que foi feito até agora."5

A carta foi uma manobra inteligente, que Lafitte esperava que persuadisse os americanos a aceitar um acordo. Alguns dias depois veio uma resposta — mas não aquela que Lafitte esperava.

No início da manhã de 16 de setembro de 1815, três grandes navios carregados não apenas de soldados, mas também de uma enorme quantidade de munição, além de seis canhoneiras e o navio de guerra Carolina, apareceram na baía de Barataria e imediatamente abriram fogo contra o forte de Lafitte e as casas adjacentes. Lafitte ficou aturdido diante do ataque. Balas de canhão eram atiradas uma após outra contra seu forte, explodindo em torno dele —

4 Ibidem.

5 Ibidem.

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tantas, na verdade, que, temendo por sua segurança, ele fugiu para a cidade e escapou mais uma vez pelos pântanos circundantes.

Enquanto isso, os americanos capturaram treze dos navios de Lafitte e cerca de cinqüenta piratas. Também confiscaram cerca de 50 mil dólares em mercadorias contrabandeadas. Era uma maravilhosa vitória para eles, embora Claiborne tenha ficado desapontado ao descobrir que Lafitte não estava entre os piratas.

Apesar de estar fugindo, nem tudo estava perdido para Lafitte. Com aqueles piratas que não foram mortos no ataque de Claiborne, ele se reagrupou em um ponto de encontro conhecido em Last Island, em Bayou Lafourche.6 Um dos muitos informantes de Lafitte disse-lhe que o general Andrew Jackson estava vindo defender Nova Orleans dos britânicos. Vendo nisso uma oportunidade de impressionar os americanos com suas boas intenções, Lafitte contratou os serviços de um advogado, John Randolph Grymes, para conseguir um encontro com o general quando ele chegasse.

Jackson realmente chegou a Nova Orleans em 2 de dezembro de 1814, e imediatamente bloqueou todas as baías pantanosas entre Nova Orleans e o golfo, preparando-se para a invasão dos britânicos. Quando soube da disposição de Lafitte de lutar do lado dos americanos, consta que Jackson apenas zombou da proposta. Ele não tinha a intenção de permitir que o "banditti" Lafitte unisse forças com ele. O pirata, no entanto, não iria desistir tão facilmente.

A história não conta exatamente como ele chegou até Jackson, mas o relato mais popular é que ele simplesmente entrou certo dia no quartel-general e, após meia hora de discussão, convenceu Jackson a permitir que ele e seus homens lutassem a seu lado. Afinal, como Lafitte estava ansioso para comunicar, os piratas tinham toneladas de munição à sua disposição, além de armas e pólvora — tudo o que o general tanto necessitava. Seria ridículo rejeitar a ajuda de Lafitte e, portanto, finalmente Jackson estabeleceu seus termos e depois fez uma petição ao governador Claiborne

6 www.crimelibrary.com

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para convidar Lafitte e seus piratas a se unirem aos Estados Unidos.

Em 8 de janeiro de 1815, os britânicos avançaram para Nova Orleans. Eles eram em muito maior número do que as forças de Jackson e Lafitte, e eram soldados profissionais — ou seja, homens bem treinados e bem armados que compreendiam "os Royal North Britain Fusiliers, o Old Fighting Third, os Royal Highlanders e outras famosas unidades britânicas que haviam lutado sob o comando do duque de Wellington".7 A medida que avançavam, mensagens com notícias do seu progresso eram enviadas aos governantes da cidade, que começaram a entrar em pânico e a falar em se render, antes mesmo de algum tiro ser disparado. No entanto, Clairborne e Jackson não aprovavam essa postura. Ao contrário, enviaram oficiais para tentar recrutar o máximo possível de civis para pegar em armas contra o inimigo. Várias centenas de novos recrutas foram finalmente reunidos e supridos com pederneiras e pólvora. Mesmo assim, os britânicos continuavam a superar em número os americanos.

Avançando com uma coluna de sessenta homens na frente — com mosquetes ao ombro e carregando escadas e feixes de ramos para encher as trincheiras —, os britânicos eram precedidos por uma salva de tiros e fogo de artilharia, cujo barulho parecia uma série interminável de trovões. Os americanos, por sua vez, junto com Lafitte, usavam um canhão de 24 libras que disparavam continuamente contra os britânicos e era, segundo Charles Ellms, "um dos pontos mais temidos pelo inimigo que avançava". Lafitte e seus homens estavam posicionados atrás desse canhão e se comportavam como se fossem soldados veteranos. Na verdade, diz-se que "combateram com uma incomparável coragem",8 fazendo o inimigo recuar não uma vez, mas duas. No primeiro ataque, Lafitte, vendo a onda de inimigos avançando entre o molhe e o rio, correu na sua direção, com o alfanje na mão. Impressionados com a sua bravura, os britânicos tentaram revidar, mas naquele ataque matou

7 Edwin Adams Davis, Louisiana, Baton Rouge, Claitors, 1965.

8 Ellms, op. cit.

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Lafitte e seu irmão, Pierre, montaram uma loja de ferragens nesta casa em New Orleans, onde vendiam mercadorias roubadas e contrabandeadas, e também negociavam escravos que vendiam aos fazendeiros do Mississipi.

dois oficiais ingleses. Lafitte não foi o único pirata que lutou bem naquele dia — centenas de seus homens montaram uma defesa tão eficiente que logo os britânicos, percebendo que seria impossível tomar Nova Orleans, recuaram, deixando o campo de batalha cheio de mortos e moribundos.

Mais tarde, o general Jackson escreveu sobre a vitória ao secretário da Guerra, declarando que a conduta dos "Corsários de Barrataria [sic]” foi exemplar. "Seu entusiasmo, sua coragem e sua habilidade foram notados por todo o exército, que não pode mais considerar como criminosos esses homens tão corajosos."9 Na verdade, Jackson estava tão grato a Lafitte que logo depois, em 6 de fevereiro de 1815, o presidente James Madison concedeu a Lafitte e a seus homens uma anistia ampla e irrestrita de seus crimes passados. A proclamação declarava que, tendo exibido rara coragem e

9 Ibidem.

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fidelidade na defesa de Nova Orleans, era justo que ele, James Madison, concedesse a Lafitte e seus seguidores um perdão inequívoco.

Lafitte e seus companheiros piratas ficaram exultantes com a notícia. Haviam servido bem o seu país e em troca tinham sido recompensados. Mas as comemorações duraram pouco, pois, tendo permitido que os americanos tivessem livre acesso a Barataria, não seria possível à comunidade de piratas continuar a viver ali sem a interferência do governo. Os piratas teriam que se mudar ou se estabelecer numa vida honesta e pacífica — algo que Lafitte não estava preparado para fazer. Então, ele e seu irmão Pierre, com um grande número de seguidores, viajaram para uma ilha na baía de Galveston (conhecida como Snake Island ou por seu antigo nome de Campeche), perto do Texas.

Galveston era posse da Espanha, mas o México — do qual o Texas era uma província — estava lutando por sua independência. Lafitte aceitou uma comissão de corsário dos mexicanos para capturar e saquear o máximo de navios possível em troca da permissão de ficar na ilha.

Logo Lafitte e seus piratas construíram um forte em Galveston, que ele batizou de Maison Rouge ou Casa Vermelha, em homenagem à cor com que foi pintada.

Mais bucaneiros chegaram, trazendo com eles suas mulheres; cada vez mais negociantes chegavam ao assentamento; e havia uma constante penetração de homens de todas as partes — jogadores, ladrões, assassinos e outros criminosos que se juntaram à colônia de Lafitte para escapar da punição por crimes cometidos dentro das fronteiras dos Estados Unidos. Trouxeram com eles muitos bens valiosos, incluindo vários navios negreiros capturados, carregados de africanos. Segundo um escritor, “os dobrões corriam soltos”.10

10 Lyle Saxon, Robert Tallant e Edward Dryer, A Collection of Louisiana Folk Tales, Nova York, Bonanza, 1975.

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Os cofres de Lafitte estavam cada vez mais cheios, mas isso atraía para ele e seus companheiros piratas a atenção das autoridades, que mais uma vez tentavam controlar suas atividades. Lafitte, acreditando que havia uma determinação recente de bani-lo e a seus navios da face da terra, tornou-se mais cruel no tratamento dos prisioneiros. Não tinha clemência com qualquer navio que resistisse aos avanços de seus piratas. Quando as tripulações eram capturadas, eram levadas para o continente, em vez de para Galveston, onde eram presas e freqüentemente mortas. Não só isso, mas Lafitte começou a tratar seu próprio pessoal com mão de ferro, entrevistando pessoalmente cada homem que empregava em sua frota. Os candidatos bem-sucedidos eram obrigados a fazer um juramento de fidelidade reconhecendo Lafitte como seu líder supremo e prometendo dividir tudo o que saqueassem com seus companheiros piratas. Durante essa época, Lafitte também insistia que só os navios espanhóis fossem atacados — de fato, quando seus homens começaram a enfrentar os navios americanos, ele colocou os ofensores sob corte marcial e os enforcou, mandando depois uma carta de desculpas para as autoridades navais americanas.

Mas a comunidade pirata em Galveston não ia durar para sempre, e isto principalmente por culpa do próprio Lafitte. Com o passar dos anos, ele permitiu que numerosos fugitivos se estabelecessem em Galveston, sendo finalmente impossível controlar seu comportamento. Vizinhos assassinavam e saqueavam um ao outro, ou estavam saindo para o mar e saqueando navios mercantes americanos e mexicanos, o que resultava em uma interferência constante das autoridades dessas duas nações. Não só isso, mas os índios nativos de Galveston — os Karankawa — estavam sempre atacando muitas propriedades de Lafitte e matando seus homens. No final de 1818, um enorme furacão passou pela ilha, devastando a grande maioria das propriedades. Isto poderia ter sido superado, se Lafitte assim o quisesse. Mas havia coisas que eram mais fortes do que ele. Lafitte havia passado a melhor parte da sua vida saqueando navios espanhóis para os mexicanos e, agora que os mexicanos haviam feito as pazes com a Espanha, não mais precisavam dos serviços dele. O presidente Madison o mesmo homem que anteriormente

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havia indultado Lafitte — agora declarava uma guerra total à pirataria.

Em novembro de 1820, um navio da marinha americana, o Enterprise, entrou na baía de Galveston. Estava a bordo o tenente Larry Kearney, que ordenou a Lafitte e a seus piratas que abandonassem Galveston imediatamente. O pirata não seria afastado de modo tão fácil; na verdade, durante meses ele se recusou a ir a qualquer lugar, até que, finalmente, Kearney voltou com uma frota de guerra e dessa vez lançou um ultimato: ou eles deixavam a ilha imediatamente ou seriam feitos em pedaços.

Lafitte escolheu a primeira opção, mas não antes de provocar a maior destruição possível. "Naquela noite, Lafitte incendiou Campeche. Os homens a bordo do U.S.S. Enterprise a viram irromper em chamas [...] Quando foram para a praia de madrugada, só encontraram cinzas e entulho. Os navios de Lafitte haviam partido."11

E parecem ter "partido" para sempre, pois o que aconteceu com Lafitte depois que ele e sua tripulação deixaram Galveston é incerto. Segundo o capitão A. G. Course, em seu livro Pirates of the Western Seas, tendo navegado para longe do Texas em seu brigue Pride, nada se soube de Lafitte até sua morte em torno de 1826, de peste, em uma pequena aldeia indígena perto de Mérida, no Yucatán. Outras histórias sugerem que ele se estabeleceu durante algum tempo em Charleston, na Carolina do Sul, enquanto outras dizem que lutou com os rebeldes de Bolívar contra os nacionalistas sul-americanos.

Charles Ellms, em seu relato de Lafitte, é o único a dizer que ele não fugiu de Galveston na escuridão da noite, mas conseguiu um grande bergantim que equipou com dezesseis canhões e, junto com uma tripulação de 150 homens, reiniciou sua carreira de pirata — só que então, em vez de capturar apenas navios espanhóis, passou a perseguir navios de todas as nacionalidades. Não demorou muito e um navio de guerra britânico avistou um "longo

11 Robert Tallant, The Pirate Lafitte and the Battle of New Orleans, Gretna (LA), Pelican, 1998.

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navio escuro, em águas profundas, com mastros muito altos e velas brancas como a neve". Logo o navio de guerra, que estava perseguindo Lafitte, se aproximou. Lafitte explodiu o mastro principal do navio britânico, mas em resposta os britânicos lançaram uma banda de artilharia que não apenas destruiu o mastro principal da embarcação de Lafitte como derrubou grande parte do cordame, matando dez piratas. Os marinheiros britânicos então pularam no convés do bergantim de Lafitte, iniciando o combate corpo-a-corpo.

"Lafitte desta vez teve dois ferimentos que o incapacitaram — uma metralha quebrou o osso de sua perna direita e ele recebeu um corte no abdômen —, mas os homens de sua tripulação lutaram como tigres e o convés ficou inundado de sangue; o capitão dos britânicos levou uma coronhada de mosquete na cabeça que o deixou sem sentidos no convés, próximo de Lafitte, que ergueu sua adaga para atingi-lo no coração." Mas, infelizmente para Lafitte, ele estava perdendo sangue tão rapidamente que, em vez de apunhalar o capitão no peito, errou o alvo e cortou sua coxa. Lafitte tentou de novo erguer sua arma para matar o capitão, mas dessa vez caiu derrotado e, tendo perdido muito sangue, morreu.

Logo depois, os britânicos declararam sua vitória. Todos os piratas que sobreviveram à carnificina foram levados para a Jamaica e julgados por um Tribunal do Almirantado. Dezesseis deles foram condenados à morte, embora só dez tenham sido executados; os outros seis foram perdoados e depois libertados.

"Assim", escreve Ellms em uma espécie de elegia em geral reservada para homens de grande valor, "morreu Lafitte, um homem superior em talento, em conhecimento da sua profissão, em coragem e, além de tudo, em força física; mas, infelizmente, sua carreira ousada foi marcada por crimes hediondos."

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CHENG I SAO Rainha dos Mares da China

E agora vem a passagem mais notável na história desses piratas [...] Após a morte de Ching-yih, sua

esposa legítima tinha suficiente influência sobre os piratas para induzi-los a reconhecer sua autoridade

no lugar de seu falecido marido [...] a viúva de Ching era tão inteligente quanto corajosa [...].

CHARLES ELLMS,

The Pirates Own Book: Authentic Narratives of the Lives, Exploits and Executions

of the Most Celebrated Robbers

Se alguém tem qualquer dúvida se uma mulher pode ser tão cruel quanto um homem, não precisa ir além da pirata chinesa Cheng I Sao (também escrito Ching Yih Saou). Casada com o famoso Cheng I (Ching Yih), um dos piratas mais famosos do século XIX, ela era igual ao seu marido, tanto na maneira de exercer sua liderança quanto em sua sede de sangue.

Pouco se sabe sobre a infância de Cheng I Sao; na verdade, ela não aparece nos livros de história, exceto por uma breve menção ao fato de ter trabalhado como prostituta em Cantão antes de se casar com Cheng I, em 1801, e ter se juntado a ele a bordo de seu navio, como esposa e como companheira pirata.

Cheng I, como define primorosamente Charles Ellms em seu estudo dos piratas, foi um dos notáveis rebeldes da China; "ao lado destes comandantes, um certo Ching-Yih tem sido o mais

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distinguido por seu valor e conduta". Nascido de uma longa linhagem de piratas, Cheng teria lutado com as forças rebeldes no Vietnã antes de voltar à China em torno de 1801, tornando-se o comandante supremo de toda a frota pirata chinesa na província de Kwangtung. Esta não era uma façanha pequena, visto que a frota de piratas contava com oitocentos navios grandes e mil menores; era dividida em seis esquadrões, cada um com uma bandeira de uma cor para distingui-lo do outro (vermelha, amarela, azul, verde, preta e branca). Cada esquadrão também patrulhava uma rota diferente, em geral localizada perto da base do líder do grupo.

Cheng I controlava a Frota da Bandeira Vermelha, que compreendia duzentos navios grandes e entre 20 mil e 40 mil homens. Na verdade, consta que o esquadrão de Cheng I era tão grande e eficiente que correspondia à Marinha Imperial da China, e em 1805 dominava de tal modo a costa de Cantão que nem mesmo quando chegaram as fragatas britânicas HMS Phaeton e HMS Bellona, em 1807, a frota de Cheng I se sentiu intimidada. Mas essa eficiência e resolução tinham um preço — e, no caso de Cheng I, esse preço era a brutalidade do seu regime.

John Turner, imediato a bordo do Tay, caiu nas mãos de Cheng I e seus piratas em torno de 1806, e durante cinco longos meses foi seu prisioneiro. A noite, ele era mantido abaixo do convés, em um espaço que media apenas 45 cm de largura x 1,20 m de comprimento, e durante o dia era regularmente espancado e ameaçado de morte. Sua alimentação consistia de porções minúsculas de arroz, a que ocasionalmente era acrescentado um pouco de peixe salgado. Mas, se suas condições eram ruins, não eram nada em comparação com as infligidas aos prisioneiros chineses de Cheng 1, a maioria deles oficiais da marinha chinesa. Barbarismo é a única palavra que descreve adequadamente o tratamento dado a essas pobres criaturas. Como escreveu Turner:

Eu vi um homem [...] preso pelos pés ao convés com grandes pregos, e depois espancado com quatro cordas trançadas juntas, até ele vomitar sangue; e, depois de permanecer algum tempo neste estado, foi levado à praia e esquartejado. [Enquanto um segundo

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Muitos dos navios piratas da frota de Cheng I Sao eram juncos rápidos, de dois mastros, como este aqui ilustrado. Nos juncos maiores, de três mastros, o capitão vivia em uma cabine no convés da popa, enquanto a tripulação e suas famílias viviam nos porões ou no convés de ré.

prisioneiro] foi colocado de pé e teve os intestinos abertos e o coração arrancado, que eles depois mergulharam em bebida alcoólica e comeram [...] O corpo morto eu mesmo vi.1

Além dessas cenas de violência de virar o estômago, o relato de Turner incluía detalhes de como operava a frota de Cheng I. O maior de seus navios estava armado com doze canhões e carregava vários barcos a remo que podiam acomodar até vinte homens cada. As embarcações menores estavam armadas com canhões giratórios e eram usadas para abordar navios o mais discretamente possível.

1 Sufferings of John Turner, chief mate of the ship Tay bound for China ... and their seizure and captivity among the Ladrones, Londres, 1809.

Cheng I Sao

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Quanto ao que acontecia quando os piratas abordavam um navio, havia regras estritas. De modo muito parecido com o de outros piratas, se o oponente se rendesse imediatamente e entregasse sua carga, a tripulação podia partir em liberdade, mas, se respondesse ao ataque, não haveria clemência. Os cativos seriam levados de volta aos navios piratas, onde seriam torturados e mortos. Pouco espanta que Cheng I fosse temido não apenas por seus inimigos, mas também por seus próprios homens. Ele comandava com mão de ferro seus feudos aquáticos, mas nem ele conseguiu superar aqueles elementos que eram mais poderosos do que ele — diz-se que Cheng I morreu em 1807, quando um furacão o atirou para fora do navio. Com uma frota sem comandante, a vaga tinha de ser rapidamente preenchida. A viúva de Cheng I, Cheng I Sao, ocupou seu lugar.

Não era incomum as mulheres atingirem posições de autoridade na China, particularmente em comunidades estreitamente ligadas, onde as divisões entre o trabalho dos homens e o das mulheres não eram muito rígidas. Ao longo de toda a costa sul da China, proliferavam as aldeias flutuantes, com comunidades inteiras vivendo a bordo de juncos e de outros navios pequenos. Os juncos eram os preferidos dos chineses, particularmente dos piratas. Os navios maiores normalmente ostentavam três mastros que tinham cerca de 25 metros de comprimento e 5,5 metros de largura, enquanto os juncos menores tinham apenas dois mastros e mais ou menos a metade do tamanho dos navios maiores. O capitão de cada navio vivia na popa com sua esposa e filhos, enquanto a tripulação e suas famílias se acomodavam em grandes dormitórios nos porões ou no convés de ré.2

As mulheres trabalhavam ao lado dos homens, freqüentemente saindo para o mar para pescar ou negociar com outros navios que passavam. Muitas mulheres podiam chegar a ocupar uma posição de dirigente de toda uma frota de navios — algumas das quais se engajavam em atividades de pirataria, o que necessariamente significava ir à batalha. Como relatou o historiador chinês Yuan

2 David Cordingly e John Falconer, Pirates: Fact and Fiction, Londres, Collins & Brown, 1992.

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Esta fotografia do porto em Cantão mostra mais ou menos como ele era quando Cheng I Sao dirigiu uma casa de jogo na região. A foto foi tirada menos de sessenta anos após sua morte.

Yun-lun: "Havia uma esposa de pirata em um dos barcos que segurava o leme com tanta firmeza que foi difícil tirá-la de lá. Ela se defendeu desesperadamente com dois alfanjes, e feriu alguns soldados; mas por fim, ferida por uma bala de mosquete, caiu e foi feita prisioneira".3

3 Karl F. Neumann, History of the Pirates Who Infested the China Sea from 1807 to 1810, Londres, 1831.

Cheng I Sao

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Embora as mulheres pudessem ser promovidas a comandante pirata, Cheng I Sao ainda assim teve de agir rápido após a morte de seu marido para garantir a posição que achava que lhe era devida. Garantiu-se levando para o seu lado o principal aliado remanescente de seu marido — um jovem de 21 anos chamado Chang Pao. Então indicou Pao como comandante do antigo esquadrão de seu marido, a Frota da Bandeira Vermelha, a unidade mais poderosa de toda a força-tarefa dos piratas. Esta foi uma ação bem pensada. Quando Chan Pao, que havia começado a sua vida como modesto pescador, foi capturado aos quinze anos de idade pelo marido de Cheng I Sao e obrigado a pegar em armas como pirata, provou ser um líder excepcional — tanto que, na verdade, "antes da morte desse pirata, ele havia sido nomeado capitão".4 Cheng I Sao rapidamente iniciou um relacionamento amoroso com ele, que vários anos depois terminou em casamento.

Cheng I Sao, juntamente com seu novo consorte, comandou a força-tarefa pirata com tanto sucesso quanto Cheng I, se não mais. Ambos defendiam as regras e regulamentos, e juntos criaram um sistema de punições que não permitia que ninguém ousasse sair da linha. Estavam entre as regras:

Nenhum pirata podia ir à terra sem permissão. A punição por uma primeira ofensa era a perfuração das orelhas; a repetição implicava a pena de morte. Todas as mercadorias saqueadas deviam ser registradas antes da distribuição. O navio responsável pelo saque de uma determinada carga recebia um quinto do seu valor, o restante tornando-se parte do fundo geral. O abuso das mulheres era proibido, embora estas fossem tomadas como escravas e concubinas. Aquelas não mantidas como reféns eram vendidas aos piratas como esposas por $40 cada. As pessoas do campo deveriam ser pagas por provisões e suprimentos delas retirados.5

4 Charles Ellms, The Pirates Own Book, Nova York, Dover, 1993.

5 Cordingly e Falconer, op. cit.

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Cheng I Sao

Outras punições incluíam a morte por decapitação para qualquer um que desobedecesse uma ordem direta ou fosse encontrado roubando do tesouro comum dos piratas. O pirata que retivesse propriedade roubada seria punido com o açoite. Se o mesmo pirata repetisse a ofensa, seria executado (em geral pela decapitação). O estupro também era punido com a morte, mas se depois se descobrisse que a vítima foi conivente, o homem seria decapitado e a mulher teria suas pernas amarradas com um peso e seria lançada ao mar.

Dessa maneira, Cheng I Sao, com Chang Pao a seu lado, dominou a frota pirata e durante três gloriosos anos impediu o governo de destruir o controle dos piratas nos mares do sul da China. Consta que Cheng I Sao era também uma negociante brilhante, tão arguta com os números quanto com as estratégias de batalha. E este não era um dom insignificante, pois, ao contrário de muitos piratas que capturavam navios em uma base ad hoc, a frota pirata de Cheng I Sao era extremamente organizada e enfatizava muito mais a venda de mercadorias saqueadas do que sua captura. A cobrança de resgates era também fundamental para o plano geral de negócios de Cheng I Sao, e para isso não apenas pessoas eram devolvidas por um preço, mas também embarcações e até comunidades inteiras. "Navios sem valia para os piratas eram resgatados por um preço padrão de cinqüenta yans de prata os juncos pesqueiros e 130 yans os juncos cargueiros. Os cativos humanos eram com freqüência resgatados por menos de noventa taels cada, ao passo que os estrangeiros podiam valer até 7 mil dólares espanhóis."6

A extorsão e a "proteção" eram também populares com Cheng I Sao. O comércio de sal era um desses negócios que rapidamente descobriram que era mais barato pagar pela proteção dos piratas do que ver seus navios saqueados e suas tripulações mortas. Em geral, o dinheiro da extorsão era pago uma vez por ano e o comerciante recebia um "passe" dos piratas. Depois disso, caso fosse detido por qualquer um deles, só tinha de apresentar esse

6 David Cordingly (ed.), Pirates, World Publications Group, 1998.

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documento aos piratas para poder passar. Um pagamento médio seria algo em torno de cinqüenta yuans de prata para cada cem fardos de sal — um preço muito alto, mesmo nessa época. Com o ingresso desses pagamentos regulares, é fácil ver como Cheng I Sao, lenta mas consistentemente, construiu seu império comercial. Mantendo os registros de cada transação feita, ela sabia exatamente quem lhe devia o quê, quando os pagamentos estavam vencidos, em quanto eles deveriam ser aumentados cada ano e muitos outros detalhes importantes. Na verdade, em comparação com os piratas ocidentais, Cheng I Sao era uma profissional, pois dirigia sua frota com um objetivo em mente: aumentar a cada ano sua margem de lucro.

Mas é claro que no cerne de todas as operações estavam os ataques aos navios comerciais e os contra-ataques das forças do governo. Em janeiro de 1808, por exemplo, o general Li-Ch'angkeng, comandante-em-chefe da província de Chekiang, montou uma ofensiva contra Cheng I Sao nas águas do Kwangtung. O conflito que se seguiu foi extremamente sangrento e no fim obrigou Li-Ch'angkeng a enviar navios de guerra,7 que tiveram pouco ou nenhum efeito. Os piratas saíram vitoriosos, com Li-Ch'angkeng sofrendo uma morte horrível, tendo sua garganta cortada por fogo de artilharia.

Mais tarde, naquele mesmo ano, Chang Pao decidiu subir o rio Pérola da China, não apenas para atacar Cantão, mas também para interceptar navios comerciais entre a cidade e Macau. Forças do governo cercaram por todos os lados os navios piratas, com a intenção de fazê-los se render pela fome. Mas Chang Pao não seria derrotado tão facilmente e logo encontrou maneiras de chegar à terra, onde ele e seus homens passaram a pilhar todas as aldeias e comunidades pelas quais passavam. Na verdade, as tripulações de piratas de Cheng I Sao eram tão astutas, e ela era tão bem-sucedida no planejamento dos ataques e das ações defensivas que, no final de 1808, as forças navais do governo haviam perdido cerca de 63 navios no enfrentamento com as frotas de Cheng I Sao.

7 David Cordingly, Life Among the Pirates, Londres, Little, Brown & Co.., 1995.

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Cheng I Sao

A população civil também não era poupada — embora muitas centenas de comunidades tenham tentado expulsar os invasores para impedi-los de saquear suas mercadorias, construindo barricadas e formando grupos de milícia, em geral essas medidas eram ineficazes. A força dos piratas superava largamente a de seus alvos civis, causando danos terríveis. Em agosto de 1809, a aldeia de Sanshan foi incendiada e oitenta de seus moradores decapitados. Suas cabeças foram penduradas em uma figueira-de-bengala como advertência às outras aldeias para não desobedecerem às ordens dos piratas. Está também documentado que, em setembro de 1809, Chang Pao atacou a ilha de Taochiao, e durante essa ação seus homens mataram mil civis da ilha e raptaram vinte de suas mulheres.8

O número de pessoas envolvidas nesses ataques é inacreditável, assim como o número de vítimas — uma das quais foi o sr. Glasspoole, tenente inglês que estava a bordo de um navio da Companhia das Índias Orientais, o Marquis of Ely, que foi atacado por Cheng I Sao. Segundo o relato de Charles Ellms, Glasspoole estava a bordo do Marquis of Ely quando lhe foi ordenado que seguisse para Macau em um navio armado. Levando com ele sete membros da tripulação, atingiu Macau em segurança e no dia seguinte se dispôs a voltar para o navio. Mas, durante a noite, o mau tempo obrigou o Marquis of Ely a levantar âncora e partir. Glasspoole não conseguiu alcançar o navio a tempo e foi deixado em alto-mar com pouca ou nenhuma proteção. Ele e seus homens sobreviveram durante três dias antes de atingir um canal estreito onde avistaram três grandes navios. Um deles parecia ser um navio inglês e eles navegaram em sua direção, mas descobriram se tratar de um navio pirata. Felizmente, Glasspoole e seus homens descobriram isto a tempo e conseguiram escapar, mas alguns dias depois foram capturados por outro navio pirata. '"Cerca de vinte vilões parecendo selvagens', disse Glasspoole, 'que estavam escondidos no fundo do barco, saltaram e nos abordaram. Estavam armados com uma espada curta em cada mão, uma das quais

8 Ibidem.

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Os juncos da armada de Cheng I Sao podiam atacar assentamentos flutuantes ou costeiros no momento que quisessem, tão numerosa era a sua frota. Os piratas chineses eram ainda mais corajosos quando jogavam sobre si água com alho, acreditando que isto os protegia de ser atingidos na batalha.

colocaram em nossos pescoços e a outra em nossos peitos, mantendo os olhos fixos em seu chefe, esperando seu sinal para cortar ou desistir.'"9

Felizmente para Glasspoole e os membros de sua tripulação, o chefe em questão, vendo que os cativos não estavam em posição de revidar, decidiu poupar suas vidas e tomá-los como prisioneiros. Os piratas arrastaram todos os ingleses, salvo Glasspoole e um outro homem que falava chinês, para seu barco e os acorrentaram ao convés. Enquanto isso, Glasspoole e seu intérprete explicaram que ele e seus homens eram ingleses que estavam "precisando de ajuda", pois estavam no mar havia quatro dias sem comida ou água. Mas o capitão dos piratas recusou-se a acreditar nessa história e

9 Ellms. op. cit.

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Cheng I Sao

disse a Glasspoole que ele seria executado. Não obstante, deram-lhe um pouco de arroz e depois lhe disseram que teria de escrever ao capitão do Marquis of Ely dizendo-lhe que, se não fosse pago um resgate de 100 mil libras dentro de dez dias, todos os homens capturados seriam executados.

Glasspoole fez o que lhe foi solicitado e a carta foi enviada, mas não veio resposta. Durante esse tempo, Glasspoole testemunhou vários ataques dos piratas a outros navios e comunidades. "Os ladrones”, escreveu ele, "então se prepararam para atacar uma aldeia com uma força formidável, reunidos em barcos a remo dos diferentes navios. Enviaram uma mensagem à aldeia, exigindo um tributo anual de dez mil dólares, dizendo que, se esses termos não fossem cumpridos, eles desembarcariam, destruiriam a aldeia e matariam todos os habitantes [...]"10 Mas as coisas não correram segundo os planos e, finalmente, os piratas retornaram para destruir tudo. "Os velhos e doentes, incapazes de correr ou de apresentar resistência, foram feitos prisioneiros ou brutalmente assassinados! Os barcos continuavam passando e tornando a passar dos juncos para a praia, em uma rápida sucessão, carregados de mercadorias saqueadas, e com homens sujos de sangue! Duzentas e cinqüenta mulheres e várias crianças foram feitas prisioneiras, e colocadas a bordo de diferentes navios. Esses infelizes foram mantidos como reféns e aqueles cujo resgate não foi pago foram então vendidos para a tripulação de piratas a $40 cada.

Finalmente, Glasspoole recebeu um recado do comandante do Marquis of Ely, capitão Kay, dizendo-lhe que ele pagaria aos piratas 3 mil dólares pelo resgate de seus homens. Mas essa oferta não satisfez a ganância dos piratas. Segundo Glasspoole, eles prosseguiram destruindo outra aldeia ao longo da costa, onde, para seu horror, observou que era uma regra entre eles que para cada cabeça de inimigo que trouxessem, recebiam um belo pagamento. "Os ladrones recebiam de seu chefe dez dólares por cabeça de chinês que traziam. Um dos meus homens que virava a esquina de uma

10 Richard Glasspoole, A Brief Narration of My Captivity and Treatment Amongst the Ladrones

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rua encontrou-se com um ladrone que corria furiosamente atrás de um chinês; ele tinha uma espada em sua mão, e duas cabeças que havia cortado, amarradas por suas tranças e penduradas em torno do seu pescoço. Eu mesmo testemunhei alguns deles cortando cinco ou seis para receber o pagamento!"

Repetidas vezes os piratas — sob o comando supremo de Cheng I Sao — saqueavam aldeias e matavam seus habitantes. Além disso, os piratas também atacavam qualquer navio mandarim que cruzasse com eles. Na verdade, devido a seu número esmagador, a frota dos piratas era praticamente invencível, excedendo forças navais inteiras de muitos países.

Em todo esse tempo, Glasspoole, prisioneiro a bordo de um dos maiores navios de Cheng I Sao, foi obrigado a operar um dos principais canhões. Como se sentia a respeito disso não é totalmente explorado em seus escritos. Ele ficava obviamente horrorizado por tudo o que via, mas há também uma nota de admiração em suas observações, talvez até de respeito, o que pode explicar como se tornou o favorito da chefe dos piratas. Como diz Glasspoole, Cheng I Sao tinha o hábito de borrifá-lo com água com alho — uma prática que os chineses acreditavam que os protegia contra ferimentos.

Em dezembro, as negociações para a libertação de Glasspoole estavam quase terminadas. Glasspoole recebeu uma carta do tenente Maughn, que estava no comando de um navio da Companhia das Índias Orientais chamado Antelope. A carta dizia que, de acordo com as exigências de Cheng I Sao e Chang Pao, o dinheiro do resgate estava à disposição e, em conseqüência, após muitas discussões e negociações, os piratas receberam o que queriam — embora a essa altura Glasspoole ainda não tivesse sido libertado. Cheng I Sao inspecionou o resgate, que compreendia "dois fardos de roupas finas; duas arcas de ópio; dois barris de pólvora e um telescópio; o restante em dólares".11 Os piratas aparentemente objetaram o fato de o telescópio ser de segunda mão, mas a questão logo foi resolvida, com Maughn dando um extra de cem dólares.

11 Ibidem.

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Cheng I Sao

Os prisioneiros, incluindo Glasspoole, foram devolvidos ao Antelope, após um cativeiro que durou onze semanas e três dias. Historicamente falando, sem o testemunho de Glasspoole nosso conhecimento de Cheng I Sao e da maneira como ela comandava sua frota seria bastante deficiente. Ele observou de perto tanto Cheng como seus piratas, e por isso seu relato é valioso. Relatou a atitude dos ladrones em relação às mulheres, e como eles consideravam os ratos uma iguaria:

Com respeito aos direitos conjugais, eles são religiosamente estritos; nenhuma pessoa pode ter uma mulher a bordo, a menos que seja casado com ela segundo suas leis. Todo homem tem o direito a um pequeno leito, com cerca de 1,20 metro quadrado, para alojar sua esposa e família. Devido ao número de pessoas amontoadas num espaço tão pequeno, deve-se naturalmente supor que elas sejam horrivelmente sujas, o que com certeza é verdade, e que seus navios estão cheios de todo tipo de animais peçonhentos — ratos, em particular, de que eles encorajam a criação, e comem como se fossem grandes iguarias.

Quando Glasspoole foi solto em dezembro de 1809, Cheng I Sao estava no auge do seu poder. Sua frota era enorme, a lealdade de sua tripulação inquestionável e o apoio de seu vice-comandante, Chang Pao, irrestrito. Mas, no início de 1810, o império náutico de Cheng I Sao correu um sério risco de ser destruído.

Os problemas começaram com dissensões entre os próprios piratas. Desde que Cheng I Sao promoveu Chang Pao a seu vice-comandante, houve um descontentamento geral entre os líderes dos outros esquadrões. Um deles em particular resistiu muito à promoção de Chang Pao, um homem chamado O-potae, "que comandava uma das bandeiras ou divisões da frota".12 Não irrompeu uma guerra mortal entre os dois homens apenas porque eles respeitavam muito Cheng I Sao; mesmo assim, as coisas chegaram a um ponto insuportável.

12 Ellms, op. cit.

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No início de 1810, Pao e sua frota foram bloqueados pelos navios do imperador. Sabendo que a situação era perigosa, Chen I Sao ordenou que O-potae fosse resgatá-lo, mas O-potae se recusou. Chang Pao, por fim, conseguiu romper o bloqueio e escapar, mas, sabendo da conduta de O-potae, saiu furioso, abordou o navio de O-potae e exigiu uma explicação. Segundo Ellms, O-potae disse que sua frota não era suficientemente forte para enfrentar os navios do imperador — uma explicação que enfureceu mais ainda Pao, que então declarou guerra ao seu oponente. Teve então início uma batalha, durante a qual Pao perdeu centenas de homens e finalmente teve de se retirar, derrotado. Mas a batalha não terminou aí. Sabendo que Pao uniria forças com Cheng I Sao e voltaria para matá-lo, O-potae e seus homens pediram indulto ao governo chinês caso se rendessem.

Na China do século XIX (assim como na Inglaterra da mesma época), não era incomum os criminosos pedirem indulto ao governo em troca do compromisso de adotar um estilo de vida honesto. Na maioria dos casos, esses indultos eram concedidos, e O-potae não foi uma exceção — o governo encarou com indulgência sua solicitação e, no devido momento, ele foi nomeado oficial imperial da marinha chinesa, com 8 mil de seus homens obtendo a liberdade.

Apesar de estar com suas forças muito reduzidas, Cheng I Sao continuou a saquear aldeias e a pilhar navios chineses e mandarins. No entanto, a situação estava ficando cada vez ma is difícil para ela — além da perda de O-potae e da sua tripulação de 8 mil homens, a marinha chinesa começou a convocar a ajuda dos britânicos e dos portugueses contra os piratas. Forças cada vez maiores estavam se unindo para lidar com os piratas, e Cheng I Sao começou a ponderar se não seria melhor seguir o exemplo de O-potae e pedir indulto ao governo. No entanto, ela não teve de tomar esta decisão, pois o governo se antecipou e ofereceu anistia a todos os piratas.

Tendo ponderado suas opções, Cheng I Sao decidiu ir para Cantão e conversar com o governador-geral. Em 18 de abril de 1810, chegou à cidade e se dirigiu à residência do governador com uma delegação de dezessete mulheres e crianças. Era uma atitude

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Cheng I Sao

corajosa e, para alguns, temerária, mas Cheng I Sao estava bem consciente de que o governador-geral queria dar um rápido fim à grande influência dos piratas nas águas chinesas — ele faria qualquer coisa para encontrar uma solução pacífica para o problema.

Após uma negociação de várias horas, foi acertado que os piratas entregariam seus navios e armas ao governo, embora lhes fosse permitido conservar parte do saque que haviam armazenado. Além disso, alguns homens de Cheng I Sao que queriam se unir ao exército imperial estavam livres para fazê-lo. Cheng I Sao também negociou um indulto total para seu parceiro Chang Pao, e solicitou para ele um posto de tenente na marinha imperial, além de poder manter uma frota privada de vinte juncos. Isto foi concedido em 20 de abril de 1810, e cerca de 17.400 piratas foram anistiados.

Mas nem todos os piratas se saíram assim tão bem. Sessenta deles foram banidos da China por um período de dois anos; 151 foram exilados indefinidamente; e 126 condenados à morte.13

Cheng I Sao e Chang Pao estabeleceram residência em Cantão, mas depois se transferiram para Fukien, onde Cheng I Sao deu à luz um menino. Chang Pao continuou a trabalhar para as forças armadas chinesas, atingindo o posto de coronel antes de morrer, em 1822, com 36 de idade. Após sua morte, Cheng I Sao voltou a Cantão, onde consta que comprou e dirigiu um estabelecimento de jogo antes de morrer, em 1844, aos 69 anos.

Lamentavelmente, apesar de todas as descrições detalhadas que Glasspoole deu em seu livro como um cativo a bordo de um navio de ladrones, ele não deu nenhuma descrição física de Cheng I Sao. Nem há nenhum documento dando uma descrição de seu parceiro, Chang Pao. O que se sabe é que ela comandou um dos maiores impérios piratas que o mundo já viu — se não o maior — e fez isto durante três longos anos, durante os quais jamais foi derrotada na batalha. O domínio de Cheng I Sao sobre os mistérios do mar e de sua frota jamais foi igualado por nenhum outro pirata.

13 Cordingly, op. cit.

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BENITO DE SOTO O Ultimo Pirata dos Mares do Ocidente

[...] quando o vi em sua cela e em seu julgamento, embora seu corpo tenha se reduzido a quase um

esqueleto, a cor de sua face a um amarelo pálido, seus olhos afundados e seu cabelo cortado muito curto, ele ainda mantinha seu porte ereto e audacioso, seu olhar

agudo, selvagem e malevolente, sua fala apressada e concisa, e seus comentários observadores e pertinentes.

CHARLES ELLMS,

The Pirates Own Book: Authentic Narratives of the Lives, Exploits and

Executions of the Most Celebrated Robbers

Segundo o capitão A. G. Course, Benito de Soto foi um dos últimos piratas a navegar os mares ocidentais. Homem com uma personalidade particularmente cruel, De Soto atualmente seria sem dúvida rotulado como um psicopata. Nascido em uma aldeia perto de La Coruña (uma cidade da Galiza localizada no noroeste da Espanha), filho de pais portugueses, pouco se sabe sobre sua infância. Começou sua carreira de pirata navegando principalmente nos mares do sul do Atlântico Norte, atacando as rotas comerciais entre a Grã-Bretanha e o cabo da Boa Esperança.

Em novembro de 1827, De Soto uniu-se a um bergantim português chamado Defensor de Pedro, encarregado de pegar e transportar escravos da costa da Guiné para a América. O capitão do navio era um oficial da marinha portuguesa chamado dom Pedro de Maria de Susa Sarmiento, que contratou a maior parte de sua

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tripulação em Buenos Aires, incluindo não apenas De Soto, mas também doze piratas cubanos.

Negociar escravos não era uma ocupação honrada e, como observa Charles Ellms em The Pirates Own Book (em um relato supostamente retirado de outro documento, escrito por alguém que conhecia bem De Soto), aqueles que se engajavam nela raramente eram justos ou virtuosos. O capitão dom Pedro não era exceção. "Aqueles que negociam com o mal", escreve Ellms, "levam consigo as fontes de sua própria destruição, sobre as quais vão trilhar, apesar de todo o cuidado, e sua pretensa segurança é apenas a beira do poço no qual vão cair". E assim aconteceu com o capitão dom Pedro, pois, logo após ter se juntado à tripulação do seu navio, De Soto fez amizade com o imediato, Miguel Mercuro e juntos montaram um plano em que iriam se amotinar e tomar o Defensor. Para isto, precisavam persuadir pelo menos metade da tripulação do navio a se juntar a eles, e por isso começaram rapidamente a sondar todos os que estavam a bordo.

Vinte e dois homens concordaram que estavam prontos para derrubar o capitão (incluindo um francês chamado Saint Cyr Barbazon), pois todos detestavam intensamente dom Pedro. Com o plano estabelecido e os homens prontos, De Soto esperou até que o navio estivesse ancorado a dez milhas da praia, na entrada do porto do rio Muni, perto da costa da Guiné. Quando o capitão foi levado para o porto pelo agente do navio, os amotinados rapidamente tomaram o Defensor de Pedro (renomeando-o de Black Joke) e expulsaram os dezoito marinheiros que não concordaram em participar do motim. Esses homens foram colocados em um pequeno barco sem provisões ou armas de fogo e, mais tarde, considerados desaparecidos, "presumivelmente mortos".

O recém-nomeado Black Joke partiu rumo às Índias Ocidentais, mas nem tudo estava calmo a bordo. Assim que ocorreu o motim, os piratas irromperam no suprimento de bebidas e rapidamente estavam bêbados. Nessa atmosfera, tentaram decidir quem seria seu novo capitão, um processo que Ellms descreve: "O alvoroço de bêbados que reinava aquela noite no navio pirata era um terrível uníssono com os furiosos elementos que o cercavam;

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Benito de Soto

Benito de Soto envolveu-se em um motim a bordo do navio negreiro Defensor de Pedro, após o capitão ter deixado o navio e ido para a praia. Dezoito de seus tripulantes foram colocados à deriva e os amotinados renomearam o navio de Black Joke, antes de se embriagarem e brigarem para escolher quem seria seu capitão. disputas e brigas seguiram a embriaguez brutal dos piratas; cada espírito mau buscava dominar os outros, e o de De Soto, que era o mais maligno de todos, começou a agarrar e lutar por seu próprio espaço, o comando dessa comunidade diabólica". Finalmente, Miguel Mercuro foi escolhido como líder, mas De Soto, insatisfeito com a decisão, esperou até o cair da noite, e quando Mercuro estava totalmente bêbado, se esgueirou até sua cabine com um homem chamado Antonio Biscayo. De Soto e Biscayo colocaram suas pistolas contra a cabeça de Mercuro e dispararam. Mais tarde, De Soto desculpou-se com a tripulação, dizendo que havia matado seu capitão porque era o melhor para eles, e que, como seu novo líder, ele, Benito de Soto, lhes proporcionaria indizíveis riquezas onde quer que fossem.

O primeiro ato de De Soto como comandante dos piratas não foi muito adequado, pois, logo depois de matar o imediato, ele e sua tripulação se voltaram para a carga de escravos. Agachados abaixo do convés, essas pobres e infelizes criaturas foram arrastadas para o convés principal, e a grande maioria foi lançada ao mar. Aqueles que sobreviveram não encontraram um destino melhor, pois foi proposto que no próximo porto eles fossem vendidos ao melhor preço. Assim que o navio de De Soto entrou no porto nas

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Em 1832, De Soto atacou o navio Morning Star, que ia do Ceilão para a Inglaterra. A imprensa inglesa relatou em grandes detalhes como as passageiras sofreram abusos cruéis e foram estupradas pelos piratas, enquanto seus maridos eram trancados no porão.

Índias Ocidentais, os escravos remanescentes (exceto um menino que De Soto manteve para atuar como seu criado) foram levados para o mercado e vendidos.

Depois, De Soto e sua tripulação de piratas "ingressaram livremente em sua perseguição selvagem e saquearam muitos navios".1 Um dos últimos foi um bergantim americano que, tendo caído nas mãos do pirata, teve seus pertences roubados. Os malfeitores então imaginaram um plano malévolo: trancaram toda a tripulação e os passageiros do navio sob o convés — exceto um negro que deixaram livre sobre o convés com o único propósito de se divertir — e o capitão incendiou o navio e se afastou para observá-lo queimar:

E enquanto o infeliz africano saltava de uma corda para outra, ora subindo até a ponta do mastro, ora pendurado na enxárcia,

1 Charles Ellms, The Pirates Own Book, Nova York, Dover, 1993.

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Benito de Soto

sua diversão parecia atingir seu ponto máximo. Finalmente as escotilhas se abriram ao elemento devorador, a vítima torturada de sua diabólica crueldade caída exausta nas chamas, e a cena terrível e revoltante se fechando em meio aos gritos dos canalhas que a provocaram.2

Após esse terrível ataque, De Soto continuou a capturar navios mercantes, saqueando qualquer um que atravessasse seu caminho. Em torno de 1832, seus homens avistaram um comboio de navios que estava navegando do Ceilão para a Inglaterra. O navio maior era um East Indiaman (ver Glossário) chamado Susan, pesando seiscentas toneladas, e o menor (e mais lento) navio do comboio era uma barca chamada Morning Star. Esta levava uma carga de canela e café (ambos produtos extremamente valiosos no século XIX), e também muitos passageiros, homens e mulheres, incluindo um cirurgião assistente, um major e sua esposa, 25 soldados incapacitados e dois comerciantes civis. No momento em que De Soto avistou esse navio, chamou todos os piratas ao convés e lhes ordenou que se preparassem para um ataque.

A bordo do Morning Star, um dos marinheiros avistou um grande bergantim, com um longo canhão, navegando em sua direção. Enquanto se aproximava, o Black Joke içou uma bandeira pirata. Assim que ela foi avistada, o Susan começou a preparar quatro dos oito canhões que levava, mas De Soto manobrou seu navio para ficar fora de seu alcance e do campo de visão, até que finalmente o Susan, acreditando que a ameaça estava terminada, voltou a proteger os outros navios do comboio.

Na manhã de 21 de fevereiro de 1832, o Morning Star avistou o Black Joke no horizonte. Achando que estavam suficientemente distantes para mantê-los em segurança, o capitão relaxou, mas, infelizmente, os ventos mudaram e sem aviso o Black Joke mudou sua direção e rumou diretamente para sua presa. O capitão do Morning Star, um homem chamado Souley, tentou fugir, mas sem êxito. Logo o Black Joke estava navegando ao lado deles. "O navio

2 Ibidem.

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pirata vistoriou rapidamente a barca britânica e disparou um canhão diante de uma ordem do capitão Souley para virar o navio contra o vento. Mas o Morning Star manobrou quando o Black Joke estava tão próximo que a tripulação de piratas podia ser vista em seu convés, com De Soto de pé ao lado do mastro principal, cabeça e ombros acima da sua 'companhia'. Então, de repente, o canhão longo disparou."3

De Soto conduziu o Black Joke a cerca de quarenta metros do Morning Star e ordenou a Souley que subisse a bordo, levando com ele os documentos do navio. Mas o capitão não estava disposto a fazê-lo e enviou seu imediato. De Soto espancou violentamente o imediato e o feriu com seu alfanje, dizendo que, se Souley não fosse até seu navio, ele afundaria o Morning Star. O imediato retornou ao navio com essa mensagem, e Souley, sem outra opção, encontrou-se com De Soto no convés do Black Joke. Assim que Souley chegou, De Soto, que ainda estava segurando um alfanje em sua mão, lançou um golpe na cabeça do capitão que o matou imediatamente. No mesmo instante, Saint Cyr Barbazon, que havia se juntado à tripulação de De Soto durante o motim do Defensor de Pedro, matou o segundo imediato do Morning Star e depois disparou uma série de metralhas contra os passageiros do navio que estavam de pé no convés olhando a carnificina. Vários deles morreram e outros correram em busca de cobertura, mas De Soto não parou por aí — enviou seis de seus homens (incluindo Barbazon) para bordo do Morning Star com instruções estritas não apenas de saqueá-lo, mas de matar todos e depois afundar o navio para que não restasse nenhuma testemunha ou evidência. "Os seis piratas, que foram executar sua ordem selvagem, estavam todos armados da mesma maneira: cada um portava um cinturão de pistolas, um alfanje e uma faca longa. Suas roupas eram compostas de uma espécie de jaqueta e calça de aniagem xadrez, camisas com o colarinho aberto, gorros de lã vermelha e largos cinturões de lona, com pistolas e facas."4

Ao ver os piratas se aproximando, consta que todas as

3 A. G. Course, Pirates of the Western Seas, Londres, F. Muller, 1969.

4 Ellms, op. cit.

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mulheres a bordo do Morning Star começaram a gritar e a se agarrar a seus maridos, que por sua vez tentavam acalmá-las dizendo que os piratas estavam interessados no dinheiro e nas jóias que havia a bordo, em nada mais. Infelizmente, isso estava bem longe da verdade. Assim que os homens de De Soto abordaram o navio, ordenaram que o major, juntamente com sua esposa e os 25 soldados incapacitados, se despissem, e ficassem apenas com suas roupas íntimas, e depois um a um foram atirados ao porão. As escotilhas foram firmemente fixadas e peças pesadas de equipamento arrastadas sobre elas para que nenhum pudesse escapar. Os homens que permaneceram no convés foram golpeados pelos piratas com seus alfanjes, e todas as mulheres remanescentes ficaram trancadas no convés superior.

Esses seis piratas fizeram tudo isso. Embora evidentemente fossem em maior número, os passageiros do Morning Star estavam desarmados e os 25 soldados estavam doentes ou feridos. Além disso, De Soto havia apontado o canhão longo para o navio, para que no momento exato pudesse afundá-lo. Pouco espanta que ninguém tivesse tentado enfrentar os piratas, que começaram a retirar do navio tudo o que ali houvesse de valor. Charles Ellms escreveu:

Todos os baús foram carregados, todo artigo de valor transportável foi saqueado: dinheiro, prataria, mapas, instrumentos náuticos e sete lotes de jóias valiosas, que faziam parte da carga; estes foram carregados do porão nas costas daqueles homens que os piratas selecionaram para ajudá-los, e durante duas horas foram assim empregados, com De Soto de pé em seu próprio convés dirigindo as operações.

Depois os piratas começaram a beber e abusar dos passageiros — um dos quais era um francês que os piratas obrigaram a lhes servir álcool. Esse homem fazia tudo o que lhe pediam, mas ainda assim era tratado abominavelmente, e a certa altura teve uma faca contra sua garganta após um dos piratas achar que ele tentava envenená-lo. Um pouco mais tarde, outro dos piratas perguntou ao francês onde o capitão Souley guardava o seu dinheiro, mas, como

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O porto de Cádiz, na Espanha, em torno da época em que De Soto e seus homens se apresentaram às autoridades, disfarçados de marinheiros honestos e arruinados. Finalmente, foram levantadas suspeitas, seis de seus homens foram presos e De Soto fugiu para Gibraltar.

ele não soube responder à pergunta, o pirata, irritado, sacou a pistola, apontou-a para o peito do francês e disparou. Milagrosamente, o tiro errou seu alvo. Não intimidado, o pirata recarregou a arma e mais uma vez apontou-a para o francês, que tinha a certeza de que estava prestes a morrer. Só sobreviveu por interferência de Barbazon, que o enviou para o porão junto com todos os outros prisioneiros.

Os piratas agora voltaram sua atenção para as mulheres que, uma a uma, foram arrastadas do convés superior para o convés principal. Ellms diz que seus gritos podiam ser ouvidos pelos maridos e outros passageiros que estavam sob o convés. O abuso durou horas, com muitas das mulheres sendo estupradas — ou assim foi relatado à imprensa na Inglaterra, onde as histórias sobre piratas eram freqüentemente tornadas mais obscenas para satisfazer às exigências do público leitor. Na verdade, muitos historiadores

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atualmente acreditam que, em vez de estuprar suas prisioneiras, em geral os piratas preferiam tratá-las, se não bem, pelo menos não de forma bárbara. "As mulheres eram quase invariavelmente bem tratadas", escreve Peter Earle em seu livro Corsairs of Malta and Barbary. "Qualquer um que tocasse uma mulher de maneira sensual corria um grande risco de ser bastonado [espancado nas solas dos pés]."

Na verdade, foi o capitão Charles Johnson — o homem que está por trás de tantos mitos de piratas — quem mais promoveu a idéia de que os piratas assediavam as prisioneiras, e provavelmente o fez para dar mais sabor a seu livro A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates. No entanto, em relação ao capitão Henry Morgan, ainda há dúvida quanto às suas afirmações de que tratava bem suas prisioneiras. Após o ataque de Morgan a Portobello, em 1668, houve vários relatos, do ponto de vista espanhol, sobre as torturas terríveis cometidas pelos piratas. "Uma mulher", diz um relato, "foi colocada nua em um forno e assada, porque não confessou onde estava o dinheiro que só existia em sua imaginação. Isto ele ouviu alguns se vangloriarem, e um que estava doente se confessar arrependido."5

Mas é extremamente discutível se os homens de De Soto tratavam suas prisioneiras de forma tão hedionda. Afinal, seu principal objetivo era transferir a carga do Morning Star para o Black Joke, além de estar ansioso para que seus homens começassem a fazer buracos no casco para que o Star afundasse. Isso feito, os piratas foram ordenados a deixar o navio entregue a seu destino. Sem dúvida, tanto ele quanto seus passageiros teriam afundado não fosse as mulheres que estavam a bordo conseguirem libertar os homens, que então rapidamente taparam os buracos. Mesmo assim, sua provação não estava terminada, pois os piratas haviam cortado todo o cordame do navio, impossibilitando assim ao Star alcançar sua frota ou navegar para terra firme. Foi por acaso que no dia seguinte uma embarcação que passava avistou o Star e, percebendo que ele estava em dificuldades, foi ajudá-lo.

5 Peter Earle, The Sack of Panama, Nova York, Viking, 1981.

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Enquanto isso, De Soto navegava a alguma distância da cena do seu crime quando foi notificado do fato de que seu plano de afundar o Morning Star havia fracassado e que todos a bordo haviam sobrevivido. Furioso com o que encarou como incompetência de seus homens, ele os fez manobrar o Black Joke para voltar ao local onde haviam deixado o Morning Star para afundá-lo devidamente. Mas era tarde demais, pois, quando eles chegaram ao local onde o haviam deixado, o Morning Star havia desaparecido sem deixar rastro, levando De Soto a acreditar que ele havia afundado e não havia motivo para se preocupar. O Almirantado não poderia procurar por ele se não houvesse testemunhas do seu crime e, assim, convencido de que havia escapado da justiça, De Soto continuou sua viagem, dessa vez dirigindo-se à Europa.

Durante a viagem, o Black Joke encontrou vários navios, incluindo um East Indiaman que rumava para o exterior. Havia duzentos passageiros a bordo, incluindo mulheres e crianças, e mais de cinqüenta soldados. Tendo deixado Londres logo depois de o Morning Star ter retornado com suas histórias de piratas e do terrível tratamento que deram a todos a bordo, o capitão do bergantim estava muito preocupado de que o seu navio tivesse o mesmo destino. Para evitar tal sina, no momento em que avistou o Black Joke, ordenou que todos os canhões se preparassem para atirar, e foi dito a todos os soldados a bordo que se reunissem no convés com suas armas carregadas e prontos para atacar. "O Black Joke aproximou-se deles rapidamente. Primeiro veio a barlavento, e depois De Soto decidiu se aproximar a sotavento. O capitão do Indiaman saudou-o com seu trompete e perguntou seu nome."6 Não obteve resposta. Mesmo após uma segunda solicitação, silêncio; conseqüentemente, ele disparou dois canhões sobre a proa do Black Joke, e então De Soto ordenou que seus canhões de estibordo também disparassem.

No mesmo instante começou uma tempestade, que obrigou os dois navios a se preocupar com o tempo em vez de um com o outro. O bergantim foi para uma direção e De Soto para outra.

6 Course, op. cit.

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O pirata escapou por pouco, mas logo tinha a sua vista outro bergantim, dessa vez um que não estava tão bem armado e que foi capturado pelos piratas.

Depois que o navio foi saqueado, De Soto, lembrando o fracasso com o Morning Star e não querendo deixar nenhuma testemunha viva, matou toda a tripulação, com exceção de um homem que ele manteve vivo por ter um conhecimento específico do curso que o Black Joke tinha de tomar para alcançar La Coruña. Mas o homem não sobreviveu por muito tempo. Ao atingirem o porto, diz-se que De Soto agradeceu a seu guia pela ajuda antes de sacar uma pistola e atingi-lo na testa e atirar seu corpo ao mar.

Em La Coruña, o Black Joke foi querenado e reabastecido, enquanto De Soto vendia grande parte do seu saque. Então partiu para Cádiz, onde queria vender o restante da pilhagem. Mas nem tudo seguiu de acordo com seus planos. Saindo do porto, o Black Joke enfrentou uma tempestade. "O vento forte aumentou, a noite ficou ainda mais escura, as ondas bateram furiosamente a sotavento, o navio à deriva ia e vinha nas ondas, o grito de horror soando através do cordame solto, e o desespero nos olhos da tripulação de demônios."7 Ao nascer do dia, o Black Joke era pouco mais que um destroço, e a tripulação pegou os barcos e remou até a praia.

De Soto imaginou um plano em que ele e o restante dos piratas retornariam a Cádiz, onde se apresentariam às autoridades de navegação como marinheiros cumpridores da lei e náufragos, que, para retornar ao mar, tinham de vender seu navio destruído para poder comprar outro. Durante alguns dias, tudo transcorreu segundo seu plano. As autoridades acreditaram na história de De Soto e ele recebeu uma oferta de $ 1750 pelo Black Joke, mas então surgiu uma desconfiança e seis dos tripulantes foram presos. Imediatamente, De Soto e outro pirata fugiram de Cádiz e se dirigiram para Gibraltar. Quando lá chegaram, ficaram sabendo que só aquelas pessoas que tinham permissão escrita do governador podiam entrar na fortaleza de Gibraltar. Não querendo despertar suspeitas, De Soto e seu companheiro se alojaram em Posade. Ali o

7 Ibidem.

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capitão pirata começou a planejar a entrada na guarnição e roubar parte do ouro guardado ali; com isso, poderia comprar um novo navio. Como seu companheiro achou a missão muito perigosa, De Soto teve que agir sozinho.

Tendo conseguido um passe falso para a guarnição, ele alugou um quarto em uma taverna localizada próximo à rua principal da cidade, de propriedade de um homem chamado Basso. Segundo Ellms, era um lugar muito escuro e sujo, freqüentado principalmente por "espanhóis, mouros e judeus, seus rostos pálidos ficando amarelos pela luz de fracos lampiões". De Soto ficou vários dias nessa taverna, aparentemente dizendo a Basso que estava em Gibraltar de passagem para Cádiz, e só permaneceria na cidade enquanto esperava um amigo que iria se juntar a ele. Mas a sorte não estava do lado de De Soto — na taverna ele foi reconhecido por alguns dos soldados que haviam estado no Morning Star quando ele havia sido tomado pelo pirata. Na verdade, apesar do seu disfarce (na época parece que De Soto havia aprimorado sua aparência, usando uma sobrecasaca azul, calças brancas, chapéu branco e meias de seda), ele era facilmente identificável. Não só isso; quando foi preso, ele estava com vários instrumentos náuticos e armas de fogo que haviam pertencido ao Morning Star. Além disso, uma arrumadeira da taverna apresentou outras evidências da identidade de De Soto, entregando às autoridades uma adaga, além de várias peças de roupa, todas parecendo ter pertencido aos passageiros que estavam a bordo do mesmo navio saqueado. Mas talvez a prova mais condenatória de todas fosse um caderno de anotações encontrado em seu quarto que pertencera ao capitão Souley e que tinha anotações feitas com sua própria letra.

Benito de Soto foi preso e imediatamente encarcerado, tendo permanecido na prisão durante dezenove meses, enquanto as autoridades reuniam o máximo de provas possível contra ele. Mais uma vez, é o relato apresentado no livro de Charles Ellms que apresenta a melhor descrição do pirata nessa altura da sua vida, o retrato mais vivo de um homem que está à beira da destruição. "Quando visitei o pirata no castelo mourisco, onde estava confinado, ele estava sentado em sua cela fria, estreita e miserável, sobre

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Benito de Soto

um catre de palha, comendo sua refeição ordinária em um prato de lata. Eu o achei mais objeto de piedade do que de vingança; parecia tão acabado e doente, tão alquebrado pelo sofrimento [...]."

Mas esse comportamento oprimido não iria durar muito, pois, ao se apresentar diante de Sir George Don no tribunal, em Cádiz, consta que De Soto mais uma vez parecia empertigado e orgulhoso. Na verdade, estava tão orgulhoso que falava com uma voz alta e dominadora, acompanhando de perto todas as provas contra ele, e ocasionalmente interrompendo os procedimentos para poder interrogar as testemunhas. Além disso, foi visto conversando e brincando com seus guardas, mesmo se esse comportamento fosse inapropriado, como quando as testemunhas estavam relatando os horrores que tiveram de suportar nas mãos dele. A promotoria convocou várias pessoas para testemunhar durante o julgamento, uma delas sendo Saint Cyr Barbazon, que depôs contra o cúmplice na esperança de ter sua sentença reduzida.

Em seu depoimento, declarou que, quando estava a bordo do Defensor de Pedro, sucumbiu ao fascínio de Benito de Soto, que sugeriu que ele e 21 outros marinheiros tomassem o navio. "Que, nos dois primeiros dias do motim, Miguel Mercuro comandou o navio juntamente com Benito e, parecendo a este que Mercuro queria mandar mais do que ele, disparou duas pistolas contra sua cabeça e Antonio Biscayo uma, ambas ao mesmo tempo, enquanto Miguel estava dormindo, deixando-o morto. Benito então permaneceu como o único comandante."8 Em seu depoimento, Barbazon também disse que depois capturaram o Morning Star, e não só o saquearam, mas, tendo fechado os homens embaixo dos convés, eles assaltaram as mulheres que estavam a bordo, e depois Benito de Soto lhe entregou (a Barbazon) uma pistola para matar dois tripulantes do navio.

8 PRO C091/94 José de Aymerich Y Vacas [Governador Militar e Civil de Cádiz], para Don [Governador de Gibraltar] 15 de maio de 1828, encerrando o depoimento de St. Cyr Barbazon (traduzido pelo tradutor britânico em Gibraltar). Public Record Office, Londres.

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[...] e depois ele [Barbazon] fez o mesmo com os dois marinheiros ingleses que vieram do porão, atingindo-os com duas outras pistolas que Benito teria lhe dado. Depois disso, dois outros marinheiros, que vieram ao barco e nele permaneceram entregues a própria sorte, atiraram-se ao mar temerosos de que o mesmo fosse feito com eles, e ele [Barbazon] não sabe se eles se afogaram, mas acredita que morreram, pois a distância era muito grande para lhes permitir chegarem em segurança a bordo do navio inglês.9

Como se esse testemunho não fosse suficientemente incriminador, a promotoria apresentou o punhal, o baú de roupas, o livro de anotações e as armas que haviam sido encontrados em posse de De Soto quando ele foi preso, e que o vinculavam diretamente ao ataque ao Morning Star. A criada da taverna declarou que toda manhã, quando arrumava a cama do pirata, encontrava o punhal sob seu travesseiro, e outra criada também testemunhou o fato de que ele tinha o hábito de usar roupas do baú.

Finalmente, chegou o dia do julgamento: o réu foi considerado culpado e sentenciado à morte. Não que as palavras de Sir George Don tenham intimidado De Soto; consta que o pirata "fuzilava todos com os olhos, e assumiu um terrível silêncio, mais eloqüente do que palavras".10

Durante várias semanas, De Soto insistiu em dizer, a qualquer um que estivesse interessado, não apenas que era inocente, mas que seu julgamento tinha sido uma absoluta farsa. Só quando se aproximava o dia da sua execução mudou de opinião e finalmente confessou seus crimes, pedindo perdão a Deus. De forma um tanto inusitada, dada sua situação difícil, o relato de Charles Ellms também fala que De Soto entregou aos guardas uma navalha que ele havia mantido escondida na sola de seu sapato porque, tendo encontrado Deus, não queria acrescentar o suicídio à lista de seus crimes. Não que isso importasse muito, pois alguns dias depois ele foi levado da sua cela da prisão para enfrentar o nó do seu carrasco.

9 Ibidem.

10 Ellms, op. cit.

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"Eu testemunhei sua execução", escreve o autor anônimo do relato de Charles Ellms, "e acredito que nunca houve um homem mais contrito do que ele parecia ser; mas não aparentava medos tolos, caminhou com firmeza até o cadafalso, olhando às vezes para seu caixão, às vezes para o crucifixo que levava em sua mão."

O patíbulo foi erguido em uma terra árida próxima a uma ampla extensão de água e, quando a pequena procissão finalmente o alcançou, De Soto teria subido com tanta coragem quanto tinha caminhado até ali. Mas mesmo então as coisas não correram como deviam, pois, quando ele subiu ao patíbulo, foi verificado que o nó estava alto demais para seu pescoço. De Soto, não querendo manter a multidão esperando, subiu em seu caixão (que também estava no patíbulo) e ele próprio colocou sua cabeça no nó. Assim que o fez, o patíbulo começou a se mover, e nesse momento consta que De Soto murmurou “Adios todos”, antes de se inclinar para a frente para facilitar sua própria morte.

Assim terminou a carreira de um dos mais perversos piratas que já navegou nos oceanos do mundo. A morte de De Soto não foi chorada nem a do resto de sua tripulação que foi capturado (mesmo aqueles que fugiram para Caracas) e depois julgado e enforcado. Mais tarde, os corpos foram esquartejados e seus membros pendurados em ganchos como uma advertência a outros.

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GLOSSÁRIO

ALFANJE Arma que foi originalmente usada pelos bucaneiros para abater animais e cortar carne, mas mais tarde evoluiu para a espada curta preferida pelos piratas de todas as nações.

BERGANTIM Navio de dois mastros que tinha um mastro dianteiro e um principal da proa à popa, com velas quadradas no mastro principal. Os bergantins eram os navios preferidos dos piratas do Mediterrâneo.

BUCANEIRO Originalmente, o termo "bucaneiro" referia-se aos caçadores de gado bovino e suíno selvagem que perambulava pelos pastos e florestas da ilha de Hispaniola (atualmente República Dominicana e Haiti). A palavra vem da palavra francesa para churrasco — boucan —, principalmente porque os bucaneiros assavam e/ou curavam sua carne diretamente sobre o fogo, algo que aprenderam com os índios arauaque. Com o crescente número de boucaniers, as autoridades espanholas ficaram alarmadas por suas maneiras desordeiras e hábitos desregrados e enviaram caçadores para exterminar a população animal da ilha. Sem alimento, os boucaniers não conseguiram sobreviver e, por isso, recorreram a um tipo diferente de presa — os navios mercantes e as aldeias das Índias Ocidentais situadas ao longo das costas das Américas do Sul e Central.

CARTA DE CORSO (OU CARTA DE MARCA) Documento oficial concedido pelo soberano ou pelo governo de uma nação, que autorizava seu portador a atacar legalmente um navio inimigo. As

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cartas de corso eram reconhecidas pelo direito internacional e, por isso, um corsário, de posse de uma delas, teoricamente, não podia ser acusado de pirataria. Uma das primeiras cartas foi concedida pelo rei Henrique III em 1243: "Saiba-se", dizia ela, "que concedemos licença e autorizamos Adam Robernolt e William le Sauvage [...] a atacar nossos inimigos no mar ou por terra para que eles compartilhem conosco metade de todo o seu ganho".1

CHALUPA Um navio pequeno, com um, dois ou três mastros — o preferido pelos bucaneiros do Caribe e pelos piratas do Atlântico.

CONFRADES DA COSTA Foi em torno de 1640 que os bucaneiros da ilha de Tortuga começaram a se chamar de Confrades da Costa. Para se unir a esse bando de irmãos de elite, os membros tinham de jurar seguir um código de conduta rígido, o Costume da Costa. Antes de sair em qualquer expedição, os membros tinham que comparecer a um conselho a bordo do navio para negociar o destino exato de sua próxima viagem, onde parar para pegar provisões, qual seria seu alvo exato e como o saque seria dividido entre eles. O pirata que virou escritor, Alexander Oliver Exquemelin, apresenta um relato fascinante das negociações em seu livro The Buccaneers of America:

Por isso, em primeiro lugar, eles mencionam quanto o capitão devia receber por seu navio. Em seguida, o salário do carpinteiro, ou construtor naval, que querenava, reparava e encordoava o navio [...] Posteriormente, as provisões e o abastecimento eles tiravam do mesmo estoque comum [...]. Também um salário competente para o cirurgião e sua caixa de medicamentos. Por fim, estipulavam por escrito que recompensa ou prêmio cada um deveria ganhar, se fosse ferido ou tivesse seu corpo mutilado, sofrendo a perda de um dos membros naquela viagem. Assim, eles estipulavam para a perda de um braço direito, 600 pesos, ou seis

1 Richard Platt, Pirate.

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escravos; para a perda de um braço esquerdo, 500 pesos, ou 5 escravos; para a perda de uma perna direita, 500 pesos ou 5 escravos; para a perda de uma perna esquerda, 400 pesos ou 4 escravos; para um dedo da mão, a mesma recompensa que para um olho.

Depois de toda a quantia acima ser paga, o que restasse era então dividido em partes. O líder dos piratas recebia cinco ou seis vezes a quantidade de um membro comum da tripulação, enquanto os oficiais de postos superiores recebiam porções correspondentes ao seu posto. Qualquer pirata encontrado roubando de outro membro da tripulação teria seu nariz e orelhas cortados. Se um homem repetisse a ofensa, seria desterrado em uma ilha ou em uma praia deserta com apenas um jarro de água, um mosquete e pólvora. O líder mais famoso dos Confrades da Costa foi Henry Morgan, que comandou o famoso ataque à cidade do Panamá em 1671.

CORES Bandeiras ostentadas por um navio para mostrar sua nacionalidade.

Glossário

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CORSÁRIOS A linha entre os piratas e os corsários era sempre tênue, mais freqüentemente delineada por uma "carta de corso", que era um documento de autorização dado por um soberano ou um governo que permitia a captura de navios mercantes inimigos sem correr o risco de se ser perseguido como pirata. Sir Francis Drake, Thomas Cavendish e John Hawkins eram todos corsários.

EAST INDIAMEN Estes navios mercantes eram a presa favorita entre os piratas, principalmente porque, em geral, carregavam carga de luxo que incluía ouro e prata, sedas, especiarias e jóias.

ELLMS, CHARLES Autor de The Pirates Own Book: Authentic Narratives of the Lives, Exploits, and Executions of the Most Celebrated Sea Robbers, publicado pela primeira vez em Boston, Massachusetts, em 1837. Em sua maior parte, Ellms (como Charles Johnson), baseou-se em relatos dos jornais contemporâneos e de transcrições de julgamentos para suas informações, assim como em documentos proporcionados pelo Almirantado. Uma observação interessante: Ellms é um dos poucos escritores que mencionaram a prática dos piratas de "caminhar na prancha", mas há poucas evidências que comprovem que esta punição tenha sido algum dia utilizada, quer pelos piratas quer por outros navegadores.

ESCUNA Navio de dois mastros; os dois mastros eram encordoados da proa à popa.

EXQUEMELIN, ALEXANDER OLIVIER Provavelmente um nativo de Harfleur, na Normandia, França, embora a data de seu nascimento seja desconhecida. Quando jovem, foi empregado pela Companhia das Índias Ocidentais Francesas e navegou na pequena ilha de Tortuga em torno de 1666. Serviu com a companhia durante três anos, e depois mudou seu rumo, decidindo se unir aos bucaneiros como barbeiro-cirurgião. Acredita-se que viajou para a Europa em 1674, mas voltou para o Caribe em 1697, novamente como cirurgião. Mais tarde, Exquemelin mudou de profissão pela terceira vez e se tornou escritor, escrevendo o extremamente

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Glossário

bem-sucedido (e incrivelmente horripilante) Buccaneers of America, publicado pela primeira vez em holandês em 1678 [De Americaensche Zee-Rovers), e em inglês em 1684. Na verdade, a edição em inglês obteve tanto sucesso que após poucos meses foi encomendada uma segunda edição, fazendo o editor escrever um texto no frontispício: "A primeira edição desta história dos bucaneiros foi recebida com tanto aplauso da maior parte das pessoas, mas especialmente das ilustradas, que me encorajou a publicar esta segunda edição".

HISPANIOLA Região atualmente conhecida como República Dominicana e Haiti.

JOHNSON, CHARLES Johnson foi o autor de um dos livros mais autorizados e citados sobre piratas, The General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates, publicado pela primeira vez na Inglaterra em 1724. Acredita-se, no entanto, que seu nome é um pseudônimo; em 1939, o acadêmico americano J. R. Moore anunciou que o homem real que está por trás do livro não era outro senão Daniel Defoe — autor de, entre outras obras, Robinson Crusoé, Moll Flanders, O diário do ano da peste e Roxanne. Durante quase cinqüenta anos, a teoria de Moore permaneceu incontestada até que, em 1988, P. N. Furbank e W. R. Owens a questionaram em seu livro The Canonization of Daniel Defoe. Atualmente, acredita-se que The General History foi escrita por um capitão Charles Johnson que realmente existiu — embora qualquer informação sobre ele ainda permaneça um mistério.

LADRONES O nome dado aos piratas e ladrões chineses. MADAGASCAR Ilha tropical da costa leste da África popular

com os piratas que visavam principalmente navios no oceano Índico. Segundo o capitão Johnson, os piratas que escolheram viver em Madagascar eram tratados como reis: "eles se casavam com as mais belas mulheres negras, não com uma ou duas, mas com quantas quisessem".

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NASSAU A capital da ilha de New Providence (também conhecida simplesmente como ilha de Providence) nas Bahamas.

NEW PROVIDENCE Em 1716, a ilha de New Providence (também chamada ilha de Providence), nas Bahamas, tornou-se tão famosa que era mais conhecida como o "Ninho dos Piratas". Abrigando um porto que podia acomodar até quinhentos navios piratas ao mesmo tempo (embora fosse muito raso para batalhas navais), era também o lugar perfeito para se conseguir provisões. Vários administradores foram enviados a New Providence para tentar colocar a ilha sob controle, mas a abundância de ladrões e vagabundos logo expulsou esses homens. Os piratas Benjamin Hornigold e Thomas Barrow declararam a ilha uma república pirata e eles próprios seus governantes. Logo juntaram-se a eles outros capitães, entre os quais homens como Calico Jack, Charles Vane e o famoso Barba Negra. Dizia-se que o desejo de todo pirata depois de morrer não era ir para o céu, mas para New Providence, cujos confortos recreativos, como lojas de bebida, bordéis e estabelecimentos de jogo não tinham paralelos.

PINK Um navio de popa extremamente estreita. PORT ROYAL Em meados do século XVII, a ilha da Jamaica foi

tomada dos espanhóis pelos ingleses, e depois disso adquiriu notoriedade, tornando-se uma importante base de bucaneiros. Port Royal, em particular, foi colonizado por bucaneiros da França, de Portugal, da Holanda e da Inglaterra, todos eles ativamente encorajados por seus governadores para ir para lá, com o propósito expresso de protegê-lo dos espanhóis e saquear o máximo possível de ouro. Era o local perfeito — ostentando um porto capaz de abrigar várias centenas de navios ao mesmo tempo, Port Royal estava também localizado no centro das principais rotas de navios do Caribe. Na verdade, em 1662, tanto ouro espanhol foi levado para Port Royal que houve uma proposta de construir uma casa da moeda na ilha. O saque era incalculável: "ouro e prata em lingotes e moedas. Barras e blocos de ouro,

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Glossário

cunhas e lingotes de prata, pistolas,* pesos e várias outras moedas de ambos os metais, com estoques de prataria, jóias, ricos colares de pérolas e uma enorme quantidade de pérolas não escolhidas e perfuradas [...]."2

Mas o porto não era famoso apenas pela quantidade de pilhagem que chegava até lá, pois, com a chegada dos bucaneiros, a cidade foi logo atraindo outros negociantes para suas ruas. Em seu apogeu, a cidade contava com treze médicos, dez alfaiates, quatro ourives, 25 carpinteiros e 125 comerciantes. Além disto, havia também os antros menos salubres: "bordéis, casas de jogo, tavernas e lojas de bebidas".3 A bebida favorita entre os bucaneiros era um tipo de ponche de rum chamado de "mata-diabo", que era tão forte que levou o governador Modyford a escrever que "os espanhóis se surpreendiam muito diante das doenças do nosso povo, até que conheceram a força de suas bebidas, mas então ficaram muito mais surpreendidos de não estarem todos mortos".

Não que fosse tudo bebida e farra, longe disso, pois nos seis anos depois de os britânicos terem tomado a ilha, os bucaneiros de Port Royal espalharam o terror entre as aldeias e cidades da região, saqueando muitos desses povoados repetidas vezes, até que, em 1692, Port Royal tornou-se sujeito a uma força ainda maior do que aquela que detinham os bucaneiros: uma visão apocalíptica de uma combinação de terremoto e maremoto que destruiu o que havia sido comumente conhecida como a "Sodoma do Novo Mundo".4 Port Royal jamais foi reconstruído.

PYLE, HOWARD Autor de Howard Pyle's Book of Pirates, ele é provavelmente mais lembrado por suas ilustrações das vidas

* Pistola: antiga moeda espanhola. (N. T.) 2 R. F. Marx, Pirate Port. 3 Angus Konstam, Buccaneers. 4 Ibidem.

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dos piratas que freqüentemente apareciam no Harper's Monthly Magazine na primeira parte do século XX.

QUERENAR Prática de inclinar o navio para limpar o limo e os crustáceos de seu casco.

ROGERS, WOODES Mais conhecido por sua viagem extremamente bem-sucedida de corsário ao redor do mundo, que ocorreu entre 1708 e 1711, e o cobriu não só de sedas e jóias, mas também de grande quantidade de ouro e prata em lingotes. Rogers escreveu um relato da sua viagem no livro A Cruising Voyage Round the World, que foi publicado pela primeira vez em 1712. Em 1718, Rogers tornou-se governador das Bahamas, com instruções estritas do governo britânico para acabar com a pirataria naquela região. Ele morreu em 1732.

ILHA DE SANTA MARIA Localizada na costa nordeste de Madagascar, essa ilha provou ser o ponto perfeito de parada dos piratas para querenar e reabastecer seus navios. Entre os piratas mais famosos a usar Santa Maria estavam Edward England e o capitão Kidd.

TORTUGA A ilha de Tortuga localiza-se na costa norte de Hispaniola e era um perfeito porto de piratas, possuindo uma boa ancoragem e um abrigo adequado para navios, ao mesmo tempo que estava posicionada na muito popular Windward Passage, entre Hispaniola e Cuba.

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BIBLIOGRAFIA

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CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES

© Corbis: p. 46, 180 © Bettman/Corbis: p. 119, 194, 254 Hulton Archive/Getty Images: pp. 60, 76, 84, 163, 198, 199, 210,

220, 239, 258 Time & Life Pictures/Getty Images: p. 64. Bill Manning/Istockphoto: p. 167 Klaas Lingbeck van Kranen/Istockphoto: p. 230. Mary Evans Picture Library: pp. 186, 237. North Wind Picture Archives: p. 244. Carol Gregory/ www.photographersdirect.com: p. 24. Amon Ayal/ www.shutterstock.com: p. 158. Randi Utnes/ www.shutterstock.com: p. 175. Steven Wright/ www.shutterstock.com: pp. 148, 217. The British

Library/HIP/TopFoto.co.uk: pp. 36, 130 TopFoto.co.uk: pp. 105, 222. As outras ilustrações são de coleções particulares.

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AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, gostaria de agradecer a Robert Bulgin por me emprestar vários livros que usei em minha pesquisa.

Gostaria também de agradecer a Rod Green e a toda a equipe editorial de Michael O'Mara Books

por toda a sua ajuda e apoio.

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Este livro foi composto em Apollo para a Editora Planeta do Brasil

em abril de 2007.

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As frotas das nações comerciantes do mundo sempre navegaram assombradas pelos ataques piratas. Do século 16 ao início do século 19, os piratas eram o flagelo das rotas comerciais, afundando navios e matando suas tripulações, seguros de que nenhum homem da lei conseguiria pegá-los em alto-mar.

Os riscos envolvidos em levar os piratas à justiça eram assustadores. François L'Ollonais capturou um grupo de espanhóis enviado para emboscá-lo e, quando os prisioneiros se recusaram a falar, pegou o seu alfanje, tirou com ele o coração de um deles e o comeu diante dos outros.

Entre os piratas mais conhecidos está o Barba Negra. Edward Teach ganhou esse apelido pois deixava crescer seu cabelo e sua barba e amarrava um rastilho de combustão lenta sob o seu chapéu e o acendia antes de invadir um navio. Ele aparecia então em meio a uma nuvem de fumaça, urrando como um maluco e brandindo a pistola e a espada.

Houve também piratas mulheres, das quais as mais famosas foram Anne Bonny e Mary Read. Mas Cheng I Sao, a líder chinesa da Frota da Bandeira Vermelha do século 19, foi a mais bem-sucedida. Ela chegou a comandar mais de 1.500 navios, saqueando embarcações ao longo da costa chinesa.

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Quando os novos, maiores e mais rápidos navios a vapor substituíram as frotas de embarcações à vela, as patrulhas tornaram-se mais efetivas, embora até hoje exista a pirataria. Entretanto, os piratas modernos tendem a ser oportunistas em lanchas a motor, prontos para uma fuga rápida, em vez dos antigos bucaneiros sanguinários que inundam as páginas deste Os Piratas Mais Perversos da História.

SHELLEY KLEIN ATUA COMO FREELANCE, ORGANIZANDO, COMPILANDO E ESCREVENDO TEXTOS. ENTRE SEUS TÍTULOS, DESTACAM-SE AS MULHERES MAIS PERVERSAS DA HISTÓRIA E AS SOCIEDADES SECRETAS MAIS PERVERSAS DA HISTÓRIA, AMBOS PUBLICADOS PELA PLANETA.

Capa Pimenta Design

Imagens da capa Primeira fila, centro: Sir Henry Morgan ("Bucaneers of America", de Alexander O. Exquemelin). Segunda fila, no meio: Benito de Soto (Bettman/Corbis). Terceira fila: à esquerda, Jean Lafitte (TopFoto.co.uk); à direita, Edward Teach (coleção particular). Quarta fila, centro: François L'OIIonais (coleção particular).

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CONHEÇA OS QUINZE DOS MAIS VIOLENTOS, SANGUINÁRIOS E BÁRBAROS PIRATAS QUE JÁ ATERRORIZARAM OS MARES

JOHN AVERY – TEMIDO DO MAR VERMELHO ATÉ O CARIBE

SIR HENRY MORGAN – INCENDIOU A CIDADE DO PANAMÁ CHENG ISAO – MULHER QUE COMANDOU UMA FROTA DE PIRATA CHINESA EDWARD LOW – COMETEU TERRÍVEIS ATROCIDADES CONTRA MARINHEIROS CAPTURADOS EDWARD TEACH – “BARBA NEGRA”, O MAIS FAMOSO DE TODOS OS PIRATAS BARTHOLOMEW ROBERTS – “BLACK BARTY”, SAQUEOU QUATROCENTOS NAVIOS FRANÇOIS L'OLLONAIS – TORUTRADOR QUE TEVE UM FIM TERRÍVEL BENITO DE SOTO – AFUNDOU NAVIOS COM TRIPULAÇÕES TRANCADAS SOB O CONVÉS ANNE BONNY - UMA MULHER TÃO HÁBIL QUANTO QUALQUER HOMEM COM A ESPADA E A PISTOLA EDWARD ENGLAND - ABANDONADO POR SUA TRIPULAÇÃO EM MAURITIUS JEAN LAFITTE - FUNDOU UMA COLÔNIA DE PIRATAS NO GOLFO DO MÉXICO JEAN RACKHAM - "CALICO JACK", PARCEIRO DE ANNE BONNY GRACE O’MALLEY - SAQUEADORA DA COSTA OESTE DA IRLANDA CAPITÃO KIDD - AMEALHOU UMA ENORME FORTUNA

WILLIAM LEWIS - DIZEM QUE FEZ UM PACTO COM O DIABO