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CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 60, p. 591-604, Set./Dez. 2010 591 Francisco Paulo Jamil Almeida Marques INTRODUÇÃO Uma das preocupações mais candentes dos estudiosos contemporâneos dedicados ao exame da teoria democrática se encontra no diagnósti- co de crise da relação entre esfera civil 1 e esfera dos representantes políticos, pois se considera haver um distanciamento incômodo na divisão do trabalho político desses agentes (Manin, 1997). Tal inquietação se revela desde a resignação de PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E EFICÁCIA DEMOCRÁTICA Francisco Paulo Jamil Almeida Marques * O presente trabalho constitui uma reflexão acerca da importância de se oferecerem oportuni- dades institucionais de participação política aos cidadãos a fim de se consolidar o regime democrático de governo. Argumenta-se que a participação é indispensável para a consecução de duas metas: a) Conferir maior legitimidade ao regime e às decisões elaboradas em seu âmbi- to. Discute-se o argumento sobre como a carência de oportunidades de participação acaba por tornar os cidadãos apáticos e insatisfeitos com a democracia. Considera-se, então, a necessida- de de promover mecanismos de intervenção mais fortes e frequentes para a esfera civil; b) Implementar as políticas públicas de maneira mais efetiva. A participação possui uma faceta instrumental, por possibilitar uma melhor qualidade na formulação, implementação e efetividade das decisões políticas e programas governamentais. Assim, no texto, defende-se a adoção de novos dispositivos participativos institucionais por meio da demonstração de suas vantagens. PALAVRAS-CHAVE: democracia, participação, legitimidade, instituições, políticas públicas. Habermas ([1962] 1984) atinente à decadência da esfera pública burguesa (já que a ênfase no estatuto da representação teria afastado a ativi- dade política dos cidadãos comuns e compro- metido a acessibilidade deles às arenas de deba- te e produção de decisões relacionadas à coisa pública) e chega até a algumas das produções mais recentes da área, de acordo com as quais, em diferentes ocasiões, testemunha-se o mero ajuntamento do substantivo “democracia” ao adjetivo “eleitoral” (Gastil, 2000; Miguel, 2003). Nesse sentido, determinados autores che- gam a indicar a existência de uma “crise da de- mocracia” in totum, uma vez que as promessas desse regime de governo atinentes à inclusão dos cidadãos nos debates destinados a tratar dos ne- gócios públicos, bem como aos mecanismos institucionais (ou seja, aqueles oferecidos pelas instituições do estado democrático) voltados para tal participação, ainda não se consolidaram da maneira e no ritmo esperado, limitando-se à in- tervenção mais relevante da esfera civil aos perí- odos eleitorais (Cohen; Arato, 1992; Galbraith, 1992; Giddens, 1994). Ou seja, se não há partici- * Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Pro- fessor de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará. Líder do Grupo de Pesquisa em Política e Novas Tecnologias (PONTE/UFC). Universidade Federal do Ceará, Instituto de Cultura e Arte – ICA, Departamento de Comunicação Social, Av. da Universidade, 2762, Benfica. Cep: 60020-180 – Fortaleza - Ceará – Brasil. [email protected] 1 Ao longo deste trabalho, existe a preferência pelo emprego dos termos “esfera civil” e “participação civil” em detri- mento de categorias como “sociedade civil” e “participação cívica” ou “popular”, na medida em que se considera que essas últimas expressões tendem a implicar comprometi- mento e mobilização mais efetivos dos cidadãos no que concerne à disposição para a prática política. Não por desa- creditar na importância de movimentos sociais e de sua influência, mas por enxergar que a maioria dos cidadãos, nas democracias contemporâneas, se encontra desorganiza- da ou mesmo indisposta a se intrometer nos negócios pú- blicos, entende-se, aqui, que as expressões “esfera civil” e “participação civil” podem, de maneira mais adequada, dar conta das realidades democráticas contemporâneas.

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E EFICÁCIA DEMOCRÁTICA

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O presente trabalho constitui uma reflexão acerca da importância de se oferecerem oportunidades institucionais de participação política aos cidadãos a fim de se consolidar o regime democrático de governo. Argumenta-se que a participação é indispensável para a consecução de duas metas: a) Conferir maior legitimidade ao regime e às decisões elaboradas em seu âmbito. Discute-se o argumento sobre como a carência de oportunidades de participação acaba por tornar os cidadãos apáticos e insatisfeitos com a democracia. Considera-se, então, a necessidade de promover mecanismos de intervenção mais fortes e frequentes para a esfera civil; b) Implementar as políticas públicas de maneira mais efetiva. A participação possui uma faceta instrumental, por possibilitar uma melhor qualidade na formulação, implementação e efetividade das decisões políticas e programas governamentais. Assim, no texto, defende-se a adoção de novos dispositivos participativos institucionais por meio da demonstração de suas vantagens.

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INTRODUÇÃO

Uma das preocupações mais candentes dosestudiosos contemporâneos dedicados ao exameda teoria democrática se encontra no diagnósti-co de crise da relação entre esfera civil1 e esferados representantes políticos, pois se considerahaver um distanciamento incômodo na divisãodo trabalho político desses agentes (Manin, 1997).Tal inquietação se revela desde a resignação de

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Francisco Paulo Jamil Almeida Marques*

O presente trabalho constitui uma reflexão acerca da importância de se oferecerem oportuni-dades institucionais de participação política aos cidadãos a fim de se consolidar o regimedemocrático de governo. Argumenta-se que a participação é indispensável para a consecuçãode duas metas: a) Conferir maior legitimidade ao regime e às decisões elaboradas em seu âmbi-to. Discute-se o argumento sobre como a carência de oportunidades de participação acaba portornar os cidadãos apáticos e insatisfeitos com a democracia. Considera-se, então, a necessida-de de promover mecanismos de intervenção mais fortes e frequentes para a esfera civil; b)Implementar as políticas públicas de maneira mais efetiva. A participação possui uma facetainstrumental, por possibilitar uma melhor qualidade na formulação, implementação eefetividade das decisões políticas e programas governamentais. Assim, no texto, defende-se aadoção de novos dispositivos participativos institucionais por meio da demonstração de suasvantagens.PALAVRAS-CHAVE: democracia, participação, legitimidade, instituições, políticas públicas.

Habermas ([1962] 1984) atinente à decadênciada esfera pública burguesa (já que a ênfase noestatuto da representação teria afastado a ativi-dade política dos cidadãos comuns e compro-metido a acessibilidade deles às arenas de deba-te e produção de decisões relacionadas à coisapública) e chega até a algumas das produçõesmais recentes da área, de acordo com as quais,em diferentes ocasiões, testemunha-se o meroajuntamento do substantivo “democracia” aoadjetivo “eleitoral” (Gastil, 2000; Miguel, 2003).

Nesse sentido, determinados autores che-gam a indicar a existência de uma “crise da de-mocracia” in totum, uma vez que as promessasdesse regime de governo atinentes à inclusão doscidadãos nos debates destinados a tratar dos ne-gócios públicos, bem como aos mecanismosinstitucionais (ou seja, aqueles oferecidos pelasinstituições do estado democrático) voltados paratal participação, ainda não se consolidaram damaneira e no ritmo esperado, limitando-se à in-tervenção mais relevante da esfera civil aos perí-odos eleitorais (Cohen; Arato, 1992; Galbraith,1992; Giddens, 1994). Ou seja, se não há partici-

* Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Pro-fessor de Comunicação Social da Universidade Federal doCeará. Líder do Grupo de Pesquisa em Política e NovasTecnologias (PONTE/UFC).Universidade Federal do Ceará, Instituto de Cultura e Arte– ICA, Departamento de Comunicação Social, Av. daUniversidade, 2762, Benfica. Cep: 60020-180 – Fortaleza -Ceará – Brasil. [email protected]

1 Ao longo deste trabalho, existe a preferência pelo empregodos termos “esfera civil” e “participação civil” em detri-mento de categorias como “sociedade civil” e “participaçãocívica” ou “popular”, na medida em que se considera queessas últimas expressões tendem a implicar comprometi-mento e mobilização mais efetivos dos cidadãos no queconcerne à disposição para a prática política. Não por desa-creditar na importância de movimentos sociais e de suainfluência, mas por enxergar que a maioria dos cidadãos,nas democracias contemporâneas, se encontra desorganiza-da ou mesmo indisposta a se intrometer nos negócios pú-blicos, entende-se, aqui, que as expressões “esfera civil” e“participação civil” podem, de maneira mais adequada, darconta das realidades democráticas contemporâneas.

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pação, segue o argumento, não haveria demo-cracia2 (Barber, 2004).

Neste trabalho, por outro lado, nãoobstante representar mais um esforço na defesae na consecução de artifícios participativos, com-preende-se a participação política dos cidadãoscomo apenas um dos valores atinentes à ideiageral de democracia.3 Em outras palavras, de-fende-se que a participação política dos cidadãosnão seria o único traço definidor das democraci-as e de suas práticas, devendo tal categoria sertomada em um quadro analítico mais amplo eque leve em conta dimensões distintas igualmen-te importantes para se afirmar a legitimidade e asuperioridade do regime de governo em questão.

Acredita-se, então, que, dentre os valoresa constituírem a ideia de democracia, podem serarrolados a transparência, a visibilidade, as li-berdades políticas e os direitos delas decorren-tes e, mais uma vez, a participação propriamen-te dita. À exceção desse último, é preciso admi-tir, nunca, ou, pelo menos, desde o advento dasdemocracias modernas, os outros valores ganha-ram uma configuração tão aperfeiçoada como aatual.4 Assim, em lugar de se afirmar o diagnós-

tico acerca da existência de uma crise generali-zada da democracia, parece mais razoável falarda dificuldade na consecução de um dos valoresespecíficos a integrarem a ideia conceitual desseregime de governo, a saber, a participação.

É com tal perspectiva que, neste trabalho,propõe-se pensar a importância da participaçãopolítica dos cidadãos para a ideia de democracia.

***

Se parece consenso a noção de que valo-res como a liberdade e a transparência são im-prescindíveis, ainda que em maior ou menormedida, a depender, por exemplo, do enfoqueteórico selecionado, o mesmo não pode ser ditoem relação à participação da esfera civil.5 A im-portância desse valor não é consensual e chega aconformar o traço por excelência a diferenciaros modelos de democracia mais proeminentes(Held, 1987).

Mas é preciso enxergar que, por trás dodebate teórico acerca da desejabilidade, da ex-

2 É importante ressaltar que este trabalho parte de uma pers-pectiva que trata da carência de oportunidades institucionaisde participação. Isto é, assume-se como premissa a falta deinstrumentos aprofundados e efetivos que sejam cunhadosou postos em prática pelo Estado com o intuito de operarintromissões e influências nos negócios públicos por partedos cidadãos. Dessa forma, não será considerada, com mai-or vigor, a participação política da esfera civil que se dá pormeio de associações e demais entidades da sociedade orga-nizada, cujas atividades políticas estão em plena ebulição,sobretudo após a redemocratização do país, nos anos 80(Coelho; Nobre, 2004).

3 A “ideia de democracia” é compreendida por Wilson Go-mes (2007) como um conjunto de valores essenciais a se-rem considerados quando da conceituação deste regimede governo. De acordo com o autor: “A ‘ideia de democra-cia’ pode ser materializada numa definição mínima, quese pode facilmente compartilhar e que, ao mesmo tempo,contenha o essencial da democracia” (Gomes, 2007). Emoutras palavras, defende-se que a ideia de democracia evocaum conjunto de valores que precisam ser compreendidosde forma complementar – ainda que determinados mode-los, tradições e ênfases em teoria democrática enfatizemum ou outro destes valores como sua pedra angular – paraque se disponha de uma concepção razoável de democra-cia que permita o incremento de determinados aspectosdas práticas políticas.

4 Não se quer dar a impressão de que todos os outros valoresse encontram em perfeita forma e aplicação, mas apenasfazer compreender que eles vivenciam uma fase especial deincremento. Tal diagnóstico é corroborado por instituiçõesindependentes de estados, tais como a Reporters WithoutBorders [Repórteres Sem Fronteiras] (2007), a Internacional

Transparency [Transparência Internacional] (2007) e aFreedom House (2000 e 2006), em relatórios que ressaltam,justamente, os valores de democracia acima referidos.

5 A questão da participação política dos cidadãos apetecede forma distinta pelo menos três grandes sistematizaçõesem teoria democrática. De uma maneira geral, a concepçãoliberal de democracia, das quais o elitismo competitivo deSchumpeter (1942) é um dos ramos de maior reverbera-ção, defende um papel limitado dos cidadãos no que serefere ao domínio da política. O argumento consiste nadefesa do estímulo ao indivíduo para que ele busque seuprogresso material, deixando os negócios políticos, assim,nas mãos de representantes experientes e versados na con-dução da coisa pública, sem se comprometer, adicional-mente, a estabilidade do sistema. Nessa tradição, o voto é oinstrumento por excelência (quiçá, o único) a permitir o con-trole e a participação política dos cidadãos. Há modelos, con-trariamente, que defendem a consecução de princípiosparticipativos mais fortes e apelam para a importância dopapel educacional na vida democrática, enfatizando, então, anecessidade de um maior envolvimento dos cidadãos. Osautores participativos, nestes termos, colocam-se em posiçãodiametralmente oposta aos liberais-elitistas, sustentando que,sem participação efetiva, não se pode, sequer, falar de demo-cracia (Pateman, 1992). Um terceiro modelo, de sedimenta-ção mais recente, é denominado “deliberativo”, e leva emboa conta a importância de ideais democráticos, a exemploda participação. Essa tradição, contudo, não deixa de atentarpara dificuldades práticas de se implementarem esses valo-res. Os autores deliberacionistas vão se preocupar, de ma-neira mais específica, com a preservação de direitos (tãodefendida pelos liberais) e do estatuto da representação po-lítica, ao mesmo tempo em que procuram pensar o proces-so de legitimação das decisões como necessariamentecatalisado pela possibilidade de intervenção contínua ediscursiva da esfera civil (Bohman, 1996; Gutmann;Thompson, 1996).

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tensão e da natureza que deve ter a participação,encontram-se duas outras questões fundamentaispara se compreender a relevância desse tema. Aprimeira se refere à importância da participaçãopara a manutenção, o aperfeiçoamento e a conso-lidação da democracia e de sua legitimidade; asegunda tem a ver com as utilidades empíricasque podem ser apontadas como argumentos fa-voráveis ao oferecimento oportunidades de par-ticipação aos cidadãos. O texto é estruturado demaneira a cobrir os fenômenos e categorias prin-cipais dessas duas dimensões.

Acredita-se que uma exploração mais cui-dadosa desses dois aspectos contribui para: (1)evidenciar o porquê da necessidade de se pro-mover a participação dos cidadãos como um dosvalores mais importantes da ideia de democra-cia e de suas práticas; (2) refutar determinadaspremissas adotadas por aqueles modelos de de-mocracia de base liberal-elitista; e para (3) am-parar, de forma adicional, aquelas vertentes, emteoria democrática, cujo interesse se encontrana defesa de mecanismos de participação efeti-vos. Esse é o empreendimento específico do pre-sente artigo.

***

PARTICIPAÇÃO E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA

Por quais motivos promover a participa-ção dos cidadãos agrega legitimidade ao regimedemocrático? Quais são os mecanismos e carac-terísticas da participação que podem ser toma-dos como elementos fundamentais para se ga-rantir a legitimidade?

Um aspecto precisa ser esclarecido a fimde se compreender melhor a questão da legiti-midade democrática. Ele se refere ao fato de quea democracia não mais parece sofrer concorrên-cia paritária de qualquer outro regime políticono mundo. A defesa de regimes democráticos setornou uma posição-padrão, estando as diver-gências fundamentadas na quantidade e quali-

dade desejável de democracia e de seus valores.Ou seja, do ponto de vista específico de princí-pios, e em oposição a regimes ditatoriais ou tirâ-nicos, a legitimidade atribuída ao regime demo-crático de governo é praticamente inquestionável.

Porém uma interpretação diferente danoção de legitimidade emerge dos debates maisrecentes em teoria política. A questão enfatizadapor essa acepção peculiar de legitimidade éconcernente não à disputa entre regimes (demo-cracias versus ditaduras), mas, na verdade, tema ver com o quão diferentemente legítimos po-dem ser interpretados os arranjos, as configura-ções e as práticas que distinguem as democraci-as. Quesitos de essências diversas podem ser ar-rolados para se aferir em que medida as práticasdemocráticas estão mais próximas ou afastadasde um ideal de legitimidade. Este trabalho res-salta a questão determinada da participação doscidadãos como um dos aspectos mais importan-tes a marcar o quão intensa pode ser a legitimi-dade de diferentes regimes democráticos.

Democracia e legitimidade: aspectos gerais

Todo regime político procura preservar suacondição hegemônica. Pode-se dizer que uma dasdiferenças entre a democracia e os regimes auto-ritários ou tirânicos se encontra na forma comoessa preservação se dá. Nas ditaduras, o empregoda força busca garantir alguma forma de estabili-dade ao governante, que, assim, obtém a prerro-gativa de impor normas e políticas. Nas democra-cias, a estabilidade tem muito de seu fundamen-to na legitimidade das decisões engendradas me-diante métodos e dispositivos característicos,como, por exemplo, a soberania dos cidadãos.

David Easton (1965) é um dos autores clás-sicos a tratar da questão da legitimidade gover-namental. O estudioso identifica duas dimen-sões que compreendem o apoio político a umdeterminado regime. A primeira dimensão é cha-mada de “apoio difuso” e se manifesta quandoos cidadãos argumentam a favor da manutenção

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das instituições e das práticas políticas que ca-racterizam a atuação de um regime ou governoparticular. Contam para a solidificação do apoiodessa natureza o caráter da socialização políticae os aspectos relativos ao perfil do comporta-mento político dos cidadãos, assim como ainternalização de valores específicos, a exemplodaqueles apontados por Almond e Verba (1963).

A segunda dimensão foi batizada de “apoioespecífico” e ganha expressão quando um grupoou personalidade determinada que esteja a vigo-rar no poder recebe a deferência dos cidadãosgraças a seu desempenho. Geralmente, o apoiopolítico específico se refere à conjuntura quemarca uma época ou às atitudes de quem estáno governo (Easton, 1965).

Essa diferenciação entre as formas de apoiopermite uma melhor distinção entre, de um lado,a rejeição a um determinado governo ou grupopolítico que se encontra no poder e, de outro, arejeição generalizada ao regime político em vi-gência. Em outras palavras, deve-se ressaltar ofato de que a recusa a um governo não necessa-riamente significa que um regime deixou de serlegítimo ou que, no caso da democracia, a esferacivil se encontra tensa a ponto de apoiar ou semobilizar pela promoção de modificações maisradicais em termos políticos.

Easton tem em conta, então, que o apoiodifuso é mais importante para a manutenção eestabilidade longeva de um regime do que o apoioespecífico e, por isso, a crença dos cidadãos nosvalores democráticos é uma fonte de reserva fun-damental de legitimidade para se manter o equi-líbrio do regime (Easton, 1965).

Em livro organizado por Pippa Norris(1999), a questão do apoio político difuso e es-pecífico pensada por Easton aparece ligada, demodo mais exato, com a legitimidade dos regi-mes democráticos. A autora propõe uma escalaque trata das duas modalidades de apoio a partirdo exame de cinco aspectos determinados: a)importância que os cidadãos particularmenteatribuem à comunidade política (sentimento queos liga uns aos outros no sentido de estarem dis-

postos a cooperar ou a se mobilizar politicamen-te); b) valores defendidos pelo regime em ques-tão, que são compartilhados pelos cidadãos (con-cordância com a desejabilidade na consecuçãode princípios tais como liberdade, participaçãoe tolerância); c) avaliação do desempenho do re-gime vigente (satisfação dos cidadãos com o de-sempenho do sistema em oposição àquilo pro-metido ou considerado ideal); d) apoio às pró-prias instituições existentes (parlamentos, gover-nos e demais órgãos integrantes da burocracia);e) satisfação com os agentes e elites que se en-contram no poder (Norris, 1999, p.9-13). Norris,assim, aprofunda a ideia de Easton de que a le-gitimidade deve ser compreendida a partir deuma multiplicidade de fatores, o que torna vari-ável a intensidade de apoio que os cidadãos po-dem prestar aos regimes democráticos.

Os aspectos apontados por Easton e Norriscomo fundamentais para o apoio político levamem conta, de forma singular, o suporte ofereci-do pela esfera civil para se averiguar a legitimi-dade e o quociente de estabilidade de determi-nado regime. Essa sustentação, conferida peloapego político dos cidadãos a instituições ou aalguns de seus agentes, é acentuada quando seestá referindo à democracia, visto que esse é oregime que mais se propõe a defender um idealde soberania popular.

O que um determinado grupo de autoresvem defendendo com vigor cada vez maior é aideia de que o regime democrático está a perderapoio, tanto difuso quanto específico e,consequentemente, legitimidade ante a esferacivil. A causa principal desse fenômeno se en-contraria, para os especialistas em pauta, na in-satisfação dos cidadãos com as práticas demo-cráticas, na medida em que se constata a persis-tência de problemas relativos à administraçãodo interesse público, à justiça social e a um ar-ranjo que pouco parece se interessar pelas dis-posições e contribuições da esfera civil em rela-ção à produção da decisão política (Bennett,1986; Eliasoph, 1998; Pharr, Putnam; Dalton,2000; Gastil, 2000; Nye, Zelikow; King, 1997;

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Eisenberg; Cepik, 2002).A inquietação mais candente desses estu-

diosos é relativa, assim, ao risco de serem cor-rompidas as bases da legitimidade do regimedemocrático, ao passo em que se aprofunda umasensação de instabilidade ou, conforme discuti-do no início deste artigo, de crise.

Legitimidade democrática e a carência de re-cursos participativos

Se o suporte oferecido pela esfera civil étão importante para se compreender de quantalegitimidade um dado regime dispõe, é certo afir-mar que algumas características que marcam aatuação política dos cidadãos nas democraciascontemporâneas merecem atenção. Muitos da-queles autores que apontam uma crise da demo-cracia, de acordo com o que foi exposto anteri-ormente, também insistem que tal crise se refle-te na carência de legitimidade desse regime, com-provada, segundo eles, por fenômenos crescen-tes como a apatia, o cinismo, a insatisfação e asensação de escasso poder político por parte daesfera civil.

John Gastil (2000), por exemplo, ao afir-mar que a falta de confiança dos cidadãos emseus representantes acaba por comprometer opróprio sentimento de legitimidade das institui-ções políticas, assegura que as práticas democrá-ticas atuais não podem, sequer, ser consideradasrepresentativas, pois (1) os cidadãos não sentemque os eleitos zelam por seus interesses, (2) nãose pode constatar a existência de um diálogo fran-co e aberto entre esfera civil e instituições políti-cas do estado democrático e (3) há dúvida acer-ca da integridade e do espírito responsável dosgovernantes (Gastil, 2000, p.4-5).

Para fundamentar sua ideia de que a de-mocracia enfrenta uma crise de legitimidade,dadas as condições inadequadas de relacionamen-to entre esfera civil e esfera política, Gastil fazuma analogia com a perspectiva de AlbertHirschman acerca das atitudes de consumidores

insatisfeitos com empresas prestadoras de servi-ços ou provedoras de bens. Hirschman conside-ra que os clientes, quando não se sentem con-templados por determinado produto, podem to-mar três diferentes atitudes em relação a seu for-necedor: voz (quando não gostam de algo, recla-mam), saída (procuram uma opção diferencia-da, isto é, outro provedor) e lealdade (mantêmsua fidelidade mesmo que estejam desgostososcom algo).

No caso dos sistemas políticos represen-tativos, o argumento de Gastil é o de que a esfe-ra da cidadania tem poucas oportunidades detornar sua voz política efetiva. Ao mesmo tem-po, ela quase nada pode fazer, estando seus inte-grantes dispostos isoladamente, para modificaras estruturas do contrato social no qual estáinserida, o que limita o emprego do recurso desaída do sistema. Tais condições acabam pondoem risco a lealdade dos cidadãos em relação aoregime democrático, na argumentação desse au-tor, uma vez que, ao não se sentirem contempla-dos, ou ao não reconhecerem traços de correçãono exercício das práticas representativas, pode-se deixar de acreditar na democracia a ponto denão mais se ver necessidade de defendê-la (Gastil,2000, p.176).

Dessa forma, ao avaliarem os mecanismosparticipativos existentes e perceberem que pos-suem pouca influência sobre as decisões toma-das, ou ao tomarem conhecimento de casos fre-quentes de corrupção e de denúncias, ou, ainda,ao perceberem escassos ganhos materiais e pro-gressos no que se refere à promoção de justiçasocial, os cidadãos acabariam se tornando apáti-cos ou, mesmo, cínicos em relação a temas deinteresse público.

De acordo com Luís Felipe Miguel, a cau-sa dessa apatia dos cidadãos não é, necessaria-mente, resultado da “alienação” civil. Ela éatinente, na verdade, aos aspectos problemáti-cos que caracterizam a relação entre instituiçõespolíticas e a esfera da cidadania. O autor aponta,por exemplo, a inexistência de mecanismos deinput que permitam que se fale em algo além de

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“democracia eleitoral”. Fatos como o compareci-mento declinante às urnas, a desconfiança cres-cente dos cidadãos e o esvaziamento de entida-des ligadas ao campo político, tais como os par-tidos, são resultantes da sensação de que os ci-dadãos não possuem espaço efetivo de influên-cia política (Miguel, 2003).

Em suma, as referências arregimentadasaté esse ponto vão se referir à ideia de que alegitimidade do regime democrático está cadavez mais em xeque na medida em que os cida-dãos não mais se sentem contemplados pelosdispositivos atualmente oferecidos a eles para seenvolverem na discussão da coisa pública. Mashá questionamentos a essa hipótese acerca darelação entre participação e legitimidade.

Seymour Lipset (1981) apresenta, em seulivro clássico Political Man, publicado original-mente em 1960, um estudo acerca das condi-ções mais favoráveis para se manter a estabilida-de das democracias. De acordo com esse autor,sistemas de partido único ou de vários partidostendem a ser mais turbulentos que regimesbipartidários; da mesma forma, estados unitári-os enfrentam mais resistências que suascontrapartes federativas. Lipset demonstra pre-ocupação especial com um fator de interesse paraeste artigo: para ele, o baixo comparecimentodos cidadãos às urnas, contrariamente ao diag-nóstico dos especialistas acima apresentados, nãodeve ser tomado como algo necessariamenteruim. A abstenção é fruto, afirma, não de umainsatisfação com a democracia ou a representa-ção, mas tem sua causa em três diferentes fato-res: estabilidade do sistema político; redução deconflitos sociais; maior compartilhamento devalores e diminuição de disputa ideológica. Ouseja, para tal estudioso, a apatia é um fenômenonatural, não havendo razões de maior impor-tância para os cidadãos estarem mobilizados.6

Lipset ressalta que os grandes momentosde efervescência e manifestação dos cidadãos,expressos no alto comparecimento às urnas, porexemplo, ocorre quando o sistema passa por ins-tabilidade ou enfrenta problemas de coesão so-cial. Dessa forma, Seymour Lipset reproduz aideia de Schumpeter (1942) de que, se não háquestionamentos por parte dos cidadãos, é por-que as instituições políticas e suas práticas vêmsendo adequadamente avaliadas do ponto de vis-ta da legitimidade.

A perspectiva exposta por Lipset parecedesprezar que há uma diferença fundamentalentre apatia e insatisfação. Ou seja, ao estabele-cer uma relação positiva entre o baixo compare-cimento dos cidadãos às urnas e a estabilidade ea legitimidade democrática, o argumento desseespecialista não se debruça sobre a hipótese deque tal afastamento pode ser resultado, na ver-dade, de um descontentamento com as estrutu-ras existentes e de uma falta de recursos parafazer valer a influência e o controle públicos noque concerne aos negócios de interesse da esferada cidadania.

O mais curioso é que Lipset não chega aconsiderar como preocupante nem mesmo oemprego deficiente do único mecanismo de par-ticipação que modelos, a exemplo do elitismo,propõem como fundamental: as eleições.7 Alémdisso, o comportamento dos cidadãos e a legiti-midade das práticas democráticas não podemser medidos apenas por meio do comparecimentoeleitoral, merecendo estima, assim, outras dimen-sões e índices, como a filiação partidária, amobilização cívica e o interesse por notícias re-lativas ao domínio da política. Ou seja, um úni-co índice, o número maior ou menor de eleito-res de uma eleição para outra, parece pouco parase aferir com precisão o apego da esfera da cida-dania às instituições que caracterizam o regimedemocrático.

6 Norberto Bobbio concorda com essa linha argumentativaao afirmar que “... a apatia política não é de forma algumaum sintoma de crise de um sistema democrático mas, comohabitualmente se observa, um sinal da sua perfeita saúde:basta interpretar a apatia política não como recusa ao sis-tema mas como benévola indiferença” (Bobbio, 2000, p.82).

7 A ideia de que a participação vem se tornando menos inten-sa é reforçada por pesquisas relativas ao comparecimentodos cidadãos às eleições em países onde votar é opcional,como aquelas realizadas por Cassell e Luskin (1988).

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Adicionalmente, a explicação de autorescomo Lipset não responde a uma simples ques-tão: Por que motivo o número de votos em bran-co e nulos, sobretudo em países onde o voto éobrigatório, vem insistindo em se manter em ta-xas incomodamente baixas a cada eleição? A hi-pótese mais consistente parece ser, de fato, aquelarelativa à insatisfação com as práticas democrá-ticas (reverberando-se sobre a legitimidade doregime), e não aquela que relaciona a apatia doscidadãos com a avaliação de que os negócios pú-blicos seguem um rumo adequado.

Mas suponha-se que, de fato, o não-com-parecimento dos cidadãos às eleições impliquedevoção, como quer Lipset, às regras da demo-cracia, garantindo-se, assim, nos termos apre-sentados por Easton (1965), uma reserva formi-dável de estabilidade. É de se duvidar, porém,que, em tal contexto, não houvesse uma ocasiãosequer na qual parte dos cidadãos se sentissedescontente, seja com uma política, seja comuma decisão particular, abalando-se, assim, ochamado “apoio específico”. Ora, nesse caso, quecanal ou que outros mecanismos políticos esta-riam à disposição dos cidadãos para manifesta-rem tal posicionamento?

O fato é que, praticamente, não há espaçopara esse tipo de recurso na montageminstitucional das democracias modernas. Dessaforma, como expôs Hirschman, uma vez que nãohá artifícios para se exercer a voz, por um lado, ese não existe opção plausível de ser consideradaalém do regime democrático, por outro, mostra-se consistente a tese de que a legitimidade do re-gime democrático passa a correr algum risco.

Em outras palavras, ainda que se diga dasargumentações céticas em relação à participaçãoe à legitimidade serem diagnósticos exageradosou que apontam para direções equivocadas, deve-se reconhecer a presença de um incômodo rela-tivo à inadequada disposição institucional emprocessar demandas caras à esfera civil. Não háoportunidades, sequer, de se discutir a próprialegitimidade do sistema político por parte da-queles que são por ele afetados. É nesse ponto

que reside o questionamento acerca do grau delegitimidade de regimes democráticos que nãomuniciam os cidadãos de dispositivos de input

de opinião e influência.Nesses termos, a questão de legitimidade

democrática associada à participação da esferacivil encontra sua preocupação mais especial naausência de artifícios que possam contemplar,de modo minimamente satisfatório, as manifes-tações daqueles que são os reais soberanos doregime de governo em questão. Assim, são co-muns perspectivas que vão defender a necessi-dade de modificações institucionais a fim de secorrigir tais deficiências na atual configuraçãodas democracias. Esses argumentos são susten-tados não apenas no plano teórico, mas já vêmsendo aceitos e apregoados, em alguma medida,por agentes internos ao campo político, o queculmina na realização de experimentos cujo in-tuito é favorecer uma maior parcela de interfe-rência e controle dos cidadãos sobre os negóciospúblicos, conforme será explorado adiante.

Da necessidade de mecanismos participativospara a manutenção da legitimidade democrática

Por mais controversa que seja a atribui-ção de importância e a desejabilidade de algunsdos valores integrantes da ideia de democracia,qualquer uma das concepções que lide com aconceituação desse regime de governo prevê umcomponente que confere aos cidadãos uma com-petência fundamental na vida política das socie-dades. O poder da esfera civil é a tradução doque se chama teoricamente de “soberania popu-lar”, segundo a qual o conjunto dos cidadãos é averdadeira e única autoridade especial, dispen-sando-se e rechaçando-se a necessidade, porexemplo, de um monarca.

O que se discute arduamente em teoriademocrática é a extensão e a natureza dessa so-berania popular. Alinhando-se, grosso modo,duas das diversas interpretações que lidam coma relação entre soberania e legitimidade, pode-

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se dizer que há quem afirme que a soberania sóexiste quando exercida de fato e continuamentepelo conjunto dos cidadãos, aproximando-se,assim, de uma perspectiva de democraciaparticipativa ou até mesmo direta. Por outro lado,existem estudiosos a reconhecerem a ideia desoberania popular como o poder de os cidadãosinstituírem as constituições – e não necessaria-mente de governar, uma vez que elas estejamaprovadas – que vão direcionar a vida políticade sociedades que optaram pelo regime demo-crático. Isto é, nessa última perspectiva, a sobe-rania dos cidadãos é demonstrada pela capaci-dade de eles serem partícipes da fundação domarco jurídico que rege a sociedade e em dele-gar mandatários. A pedra angular da divergên-cia desses dois pontos de vista, conforme é pos-sível perceber, encontra-se, na prática, na con-cepção de participação política que cada con-junto de autores considera mais adequada.

Andreas Kalyvas (2005) é um dos autoresque interpreta a ideia de esfera civil soberana comodetentora do poder de fundar constituições. “Osoberano é o autor original de uma nova ordemconstitucional …”, afirma (p.226) (Tradução pró-pria). Para o estudioso, é a participação dos cida-dãos nesse processo criador que reafirma a sobe-rania e sustenta a legitimidade do conjunto dedispositivos jurídicos mais fundamentais de umasociedade democrática. Uma vez aprovada a cons-tituição, os soberanos encontrariam, no poder dedelegação de cargos políticos aos representantes,a manifestação mais fiel de sua força.

De modo distinto, há uma interpretaçãoque considera insuficiente, para se garantir legi-timidade à democracia, a interferência dos cida-dãos que se limita à elaboração da Constituiçãoe à indicação de representantes.8 Seyla Benhabib(1996), por exemplo, reafirma a necessidade dese reforçar a legitimidade do regime democráti-

co como um bem público mediante a promoçãode espaços de deliberação que contem com aparticipação ativa da esfera civil. A autoraenfatiza que quanto mais discursivo, aberto ecoletivo for o processo de produção da decisãopolítica, mais se estará aproximando de um ide-al de legitimidade e racionalidade democráticas.

Como parte da empreitada deliberacionista,Jürgen Habermas (2003) afirma que a relaçãoentre soberania popular e legitimidade se revelana participação dos cidadãos na produção dasleis e regras a regerem a vida em sociedade. Issosignifica que apenas aquelas normas decorrentesde um processo discursivo e que contaram coma concordância de todos os cidadãos podem sertidas como legítimas. James Bohman (1996), porsua vez, está de acordo apenas parcialmente comHabermas, ao defender que nem todos os cida-dãos precisam concordar com o resultado finalpara se reputar uma decisão como legítima; naverdade, o necessário, além do próprio processode legitimação, encontra-se na abertura do pro-cesso a qualquer cidadão interessado; na dispo-nibilidade de razões publicamente acessíveis; eno consenso não acerca das decisões, mas sobreos métodos e substâncias indispensáveis que ser-vem de fundamento para essas decisões(Bohman, 1996, p.183-184).9

James Bohman sustenta que, para se con-tar com um mínimo de controle público e parase continuar mantendo apoio e garantindo legi-timidade às práticas democráticas, evitando-se,assim, a possibilidade de instalação de regimestirânicos ou autoritários, faz-se imprescindível aparticipação.10

8 Historicamente, essa concepção é defendida por Rousseau(2002), ao afirmar que nenhuma legitimidade pode serauferida a um regime que lança mão de representantes dopovo, alienando-se a verdadeira soberania dos cidadãos.Um governo tem sua legitimidade alcançada, afirmaRousseau, na medida em que obedece aos preceitos doque indica a “vontade geral”.

9 Em outras palavras, de acordo com Bohman, o sistemademocrático é legítimo na medida em que prevê uma deli-beração pública caracterizada pela intervenção contínuados cidadãos e de agentes políticos dispostos a colaborarna elaboração das decisões e a obedecer àquilo que foidecidido. “Porque a deliberação requer o exercício públi-co das capacidades para a autonomia, a legitimidade deri-va, em primeiro lugar, da participação dos cidadãos naprodução da decisão. Na deliberação, os cidadãos gover-nam a si mesmos e dão a si regras de vida comum.”(Bohman, 1996, p.151). Tradução própria.

10 Bohman deixa clara sua visão de que instituições que nãoprocuram levar em consideração as contribuições dos ci-dadãos e se mantêm afastadas da influência civil perdemsua legitimidade. “Certamente, instituições minimamentedemocráticas asseguram alguma estabilidade e continui-

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… as instituições e seus recursos não podempermanecer sob controle democrático sem algummecanismo para dar ao input público o papeldeterminante e último. [...] Assim, o estado re-quer um input público constante de modo a re-solver problemas e para ser legítimo; todavia,alguma estrutura institucional é necessária paracoletar os diversos inputs da sociedade civil.(Bohman, 1996, p.197-198). Tradução própria.

O incômodo mais visível desses especia-listas que defendem uma perspectiva forte desoberania popular se refere, fundamentalmen-te, à limitação da intervenção política dos cida-dãos às contendas eleitorais.11 Esses eventos, afir-mam tais estudiosos, são apenas um momentoespecífico do desenrolar da vida democrática dassociedades, chancelando a autorização para umarepresentatividade formal. É forçoso notar, se-gue o argumento, que mesmo ditaduras podemlançar mão de recursos eleitorais na tentativa deagregar legitimidade ao regime sem, contudo,atuar verdadeiramente de modo democrático.Daí se aponta a necessidade de pensar a demo-cracia com traços mais consistentes de partici-pação, inclusive institucionais.

Há alguma razão em se afirmar, assim, quea ligação entre soberania popular e legitimidadese traduz na ânsia desses autores pela promoçãode modificações institucionais a fim de se propi-ciarem mecanismos de participação mais ade-quados aos cidadãos. A intervenção por meiodesses mecanismos, todavia, não é justificadaapenas graças à filiação teórico-ideológica ou pelasimples convicção de que a participação é boapara a democracia, mas, também, por se confiarna ideia de que a introdução de artifícios dessa

natureza promove, na visão peculiar a esses es-tudiosos, bens empíricos importantes para seaperfeiçoarem as práticas do regime em pauta.Esses aspectos serão explorados de forma maisdetalhada no tópico a seguir.

A PARTICIPAÇÃO COMO INDUTORA DAEFICÁCIA DE DECISÕES E DE POLÍTICASPÚBLICAS

A ideia de que a participação da esferacivil nos negócios públicos é incompatível comuma gestão eficiente do estado – defendida porautores elitistas, a exemplo de Schumpeter (1942)–, conforme argumentavam os economistas eadministradores liberais de marcada influênciaapós a Segunda Guerra Mundial, vem sendo ques-tionada já há algum tempo.

Autores ligados à área de administraçãopública, como Leonardo Valles Bento (2003), re-forçam a ideia de que conceder oportunidades departicipação aos cidadãos traz benefícios práticosà execução de programas governamentais. Isto é,deve-se levar em consideração que determinadaspolíticas possuem uma eficácia reconhecidamen-te maior quando há um envolvimento direto dacomunidade na execução do projeto. Vera Coe-lho (2007), por exemplo, defende a ideia de queo sucesso das políticas públicas está condiciona-do à auscultação da população no que se refereàs suas necessidades. “Afinal, quem melhor doque a própria população para conhecer os pro-blemas que a afetam ou saber a qualidade dosserviços que está recebendo?”, pergunta a auto-ra (Coelho, 2007, p.78).

Dito de modo mais específico, ao defen-derem a adoção de mecanismos participativosmais efetivos, autores como James Creighton(2005), John Gastil (2000), Vera Coelho (2007) eCelina Souza (2001) buscam agregar os seguin-tes benefícios à elaboração e à execução de polí-ticas públicas:a) Lide com informações importantes para o

aperfeiçoamento de planejamentos e de polí-

dade; entretanto, quando um estado existente se distanciada dinâmica pública em sociedades complexas, ele não maispreenche ou expressa as necessidades públicas. [...] Insti-tuições que não permanecem responsáveis perante novospúblicos perdem sua legitimidade.” (Bohman, 1996, p.201-202). Tradução própria.

11 Denise Vitale (2007) concorda com essa perspectiva, confor-me expõe no trecho seguinte: “... as eleições não são ummecanismo suficiente para assegurar a realização da vontadepopular. Os mandatos, legislativo ou executivo, são perío-dos longos durante os quais os cidadãos ficam desprovidosde meios de avaliação, controle e sanção das ações de seusrepresentantes. Ao longo de cada mandato, enquanto os go-vernos tomam milhares de decisões que afetam a vida doscidadãos, estes não têm nenhuma forma de controlar os re-presentantes, restando apenas a possibilidade de não-reelei-ção e de alteração no próximo mandato.” (Vitale, 2007, p.149).

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ticas governamentais. Ao considerar critica-mente as demandas encaminhadas pelos cida-dãos e os arrazoados que as fundamentam, osagentes públicos têm a possibilidade de obter,daqueles atingidos pelos projetos, contribui-ções substantivas, conhecendo suas reais ne-cessidades e vislumbrando possíveis dificul-dades na implementação de programas ou po-líticas. Esses fatores acabam por colaborar nosucesso final dessas iniciativas.

b) Otimização dos prazos e custos quanto à

implementação de políticas. Mesmo que se possadizer que a previsão de mecanismos de participa-ção torna o processo decisivo mais lento, uma vezque diversos agentes terão de ser ouvidos e reivin-dicações cautelosamente avaliadas, Creighton(2005) argumenta que esse tempo pode ser com-pensado de duas formas: uma vez concluído oprocesso de elaboração de uma iniciativa específi-ca, sua implementação será, possivelmente, maisrápida, visto que não enfrentará dificuldades,como ações judiciais, por exemplo. Ou seja, reco-nhecendo que suas demandas foram efetivamen-te debatidas, aumenta-se a possibilidade de os ci-dadãos se portarem de maneira favorável ou me-nos opositora a determinado programa. Além dis-so, uma vez que os cidadãos forneçam informa-ções e opinem sobre quais políticas seriam as me-lhores ou como elas deveriam ser operaciona-lizadas, oferecendo motivos, os custos de talimplementação podem ser diminuídos.

c) Imposição de dificuldades à prática do

clientelismo e do patrimonialismo. Uma vez quemecanismos institucionais de participação efeti-va estejam disponíveis, e a depender da dimen-são decisória com a qual se lide, aponta-se a ten-dência de diminuição da necessidade de inter-mediários para se levar à frente reivindicaçõesde interesse dos cidadãos. Ou seja, a oferta decanais de input participativos não chega a dis-pensar a necessidade de representantes eleitos,mas diminui a dependência da esfera da cidada-nia no que concerne à disposição dos mandatári-os em encaminhar processos considerados im-portantes. A troca de favores e a perpetuação de

práticas clientelistas e patrimonialistas, identifi-cada historicamente nas instituições represen-tativas do estado brasileiro por autores comoRaymundo Faoro (1995), estão propensas, as-sim, a serem amenizadas com a adequação derecursos participativos.

d) Estímulo à atividade cívica e à aquisição de

repertório cognitivo sobre o funcionamento dos

processos políticos institucionais e não-

institucionais. A existência desses artifícios deinfluência e controle aumenta a competênciapolítica dos cidadãos mediante o desenvolvi-mento de habilidades, como o saber acerca deprocedimentos para encaminhar reivindica-ções, a sustentação de argumentos e razões emdebate, o contato com representantes, dentreoutras aptidões. Esses aspectos são enfatizadospor Almond e Verba (1963) como importantespara evitar que burocratas desconsiderem asrequisições da esfera civil. “The more politicallycompetent a population is, the more inhibitedis the bureaucracy in its ability to act arbitrarilyand without consideration of the individual”12

(Almond; Verba, 1963, p.171-172).e) Organização da sociedade para requisições de

cunho político. Jacobi e Barbi (2007) ressaltamque iniciativas dessa natureza, impetradas pe-las instituições do estado, podem ter o méritode provocar uma forma de envolvimento queleva em conta não só o emprego de recursos departicipação oferecidos, mas, também, a orga-nização e o uso de mecanismos de mobilizaçãointernos à sociedade civil e suas entidades.

f) Oportunidade de cidadãos de renda mais baixa

tomarem parte no processo de decisão política.

De acordo com Celina Souza (2001), a sensaçãode que as oportunidades de participaçãoinstitucionalmente oferecidas são eficazes dimi-nui o desequilíbrio do poder decisório e reforçaa ideia de que os cidadãos percebem a prestaçãode serviços e bens por parte do estado não comofavor, mas como direito. Isso não quer dizer que

12 Tradução própria: “Quanto mais politicamente compe-tente é uma população, mais constrangida está a burocra-cia no que concerne à sua habilidade de agir arbitraria-mente e sem consideração ao indivíduo”.

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grupos mais organizados ou de renda mais altaabram mão de participar de iniciativas como oorçamento participativo (OP). A diferença é queos cidadãos mais pobres, segue o argumento,passam a enxergar uma chance efetiva de apre-sentarem suas reivindicações, ainda que experi-ências como o OP se limitem à discussão sobre aalocação de recursos públicos.

g) Modificações na maneira como as institui-

ções políticas percebem as demandas do pú-

blico. Gastil (2000) argumenta que há experi-ências nas quais os agentes políticos modifica-ram sua impressão de que os cidadãos poucoteriam a contribuir, dada uma suposta falta decapacidade e conhecimento de aspectos técni-cos. Ou seja, a depender do caso, o ceticismodos governos em relação aos cidadãos podediminuir, caso a eles sejam oferecidas chancesde intervir politicamente no plano institucional.

h) Credibilidade das instituições que promovem

mecanismos de input participativos. Em geral,os cidadãos demonstram uma melhor impres-são no que se refere à transparência acerca daatuação das instituições políticas e conferemmaior credibilidade geral ao governo (fortale-cendo, por tabela, a legitimidade do regime de-mocrático), e não apenas às suas decisões e po-líticas. Tal argumento está em consonância como diagnóstico de Almond e Verba (1963), quedetectaram um crescimento na sensação de le-gitimidade do sistema uma vez que os cidadãosse sentem parceiros na produção da decisãopolítica e na implementação de políticas.

***

Algumas das iniciativas governamentaiscuja intenção é fomentar a participação da esfe-ra civil já demonstram ser possível alcançar, emmaior ou menor medida, esses benefícios. Umgrupo considerável de estudiosos, sobretudo bra-sileiros, sustenta que uma das experiências departicipação mais conhecidas no Brasil e nomundo, o Orçamento Participativo, vem obten-do êxito na consecução desses benefícios, citan-

do-se, sobretudo, o exemplo de cidades comoBelo Horizonte e Porto Alegre.13

Deve-se levar em consideração, porém, quenem todos os benefícios apontados na lista acimase manifestam da mesma maneira, dão-se na mes-ma intensidade ou ocorrem com a mesmafrequência nas diversas iniciativas de participa-ção que já vêm sendo empreendidas pelas insti-tuições democráticas. Isso se deve ao fato de quehá uma série de questões a serem estimadas quandose está pensando na dinâmica dos recursos departicipação a serem tornados disponíveis.

Uma participação mais ou menos alargadaestá condicionada por fatores como a disposiçãodos cidadãos e a cultura cívica que marca deter-minadas sociedades, bem como pela forma comoas instituições estão efetivamente comprometi-das em atuar de maneira favorável à participa-ção da esfera da cidadania.

Em algumas ocasiões, deve ser destacado,os resultados de uma maior participação dos ci-dadãos podem, inclusive, ir de encontro àquilosugerido pela lista de benefícios apresentada logoacima. Há possibilidades, por exemplo, de insti-tuições e organizações civis não chegarem a umacordo, mesmo quando se dispõem a discutir.Veja-se o caso de audiências públicas sobre de-terminadas questões polêmicas, como a trans-posição do Rio São Francisco.

Ademais, podem ser testemunhadas oca-siões em que os agentes públicos demonstram in-disposição em considerar os argumentos e reivin-dicações alheias, ou que, simplesmente, não con-ferem a devida atenção às informações providaspelos cidadãos, ainda que, institucionalmente, oprocesso tenha previsto tal fenômeno (é o casode determinadas audiências públicas). Há casos,ainda, em que males como o clientelismo e opatrimonialismo encontram formas de se per-petuar, ou nos quais aqueles mesmos líderes po-13 Celina Souza (2001) destaca como um dos principais

méritos destes programas a delegação de poder a grupossociais anteriormente excluídos do processo político. Diza autora: “... o mérito do OP parece não estar necessaria-mente nos ganhos materiais para segmentos de baixa ren-da, mas sim na ampliação da participação e do poder dedecisão para grupos anteriormente excluídos do processodecisório” (Souza, 2001, p.94).

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líticos e intermediários atuam de modo a coor-denar e manipular a forma como os cidadãosparticipam (Arnstein, 1969). Por último, con-forme John Dryzek (2000) salienta, deve estarno horizonte normativo a necessidade de se man-ter a autonomia da sociedade civil. Os cidadãos,argumenta o autor, precisam continuar a pos-suir suas arenas próprias de discussão e devemevitar voltar todas as suas demandas para as ins-tituições do estado. O receio de Dryzek é o deque uma postura ativa do estado, no que se refe-re à participação e ao engajamento, acabe porminar formas de organização própria da socie-dade, resultando, assim, em modalidades passi-vas de participação.

Nada garante, portanto, que o processode emprego das oportunidades de participação,uma vez que elas estejam disponíveis, vá se de-senvolver com esses resultados. Deve-se salien-tar que os benefícios apontados são apenas pos-sibilidades que dependem, em boa medida, (1)de uma elaboração cuidadosa dos mecanismosenvolvidos com a participação e (2) da conside-ração consistente de uma rede de fatores exter-nos. O importante, a partir dessas colocações, éque se avance na reflexão sobre como evitar queos problemas apontados se manifestem ou quefaçam fracassar as iniciativas de participação.

CONCLUSÃO

Neste trabalho, o esforço foi o de contri-buir no direcionamento de inovações institucionaispara o aperfeiçoamento das práticas democráti-cas, argumentando-se em favor do oferecimentode ferramentas participativas que permitam aoscidadãos uma intervenção política maisaprofundada do que aquela conferida pelo voto.

Pelo que foi exposto ao longo do texto, aque-les autores que defendem uma noção mais limita-da de soberania e de participação podem até ques-tionar a utilidade e a qualidade das decisões polí-ticas que envolvem os cidadãos, mas não apre-sentam elementos suficientes para refutar o be-

nefício fundamental de que uma participação maisalargada confere um caráter de maior legitimida-de às práticas democráticas. Isto é, ao lançar mãode autores relevantes no cenário nacional e inter-nacional, procurou-se arrolar, de forma circuns-tanciada, os prós e contras de se oferecer meca-nismos mais variados e eficazes de participaçãopolítica. Do lado positivo, as seguintes vantagensde se envolverem os cidadãos nas práticas políti-cas foram discutidas: lide com informações im-portantes para o aperfeiçoamento de planejamen-tos e de políticas governamentais; otimização dosprazos e custos quanto à implementação de polí-ticas; imposição de dificuldades à prática doclientelismo e do patrimonialismo; estímulo à ati-vidade cívica e à aquisição de repertório cognitivosobre o funcionamento dos processos políticosinstitucionais e não-institucionais; organização dasociedade para requisições de cunho político; opor-tunidade de cidadãos de renda mais baixa toma-rem parte no processo de decisão política; modi-ficações na maneira como as instituições políticaspercebem as demandas do público; credibilidadedas instituições que promovem mecanismos deinput participativos.

Há, por outro lado, ressalvas concernentesao aumento da participação que precisam estarno horizonte heurístico dos teóricos da Ciênciae da Filosofia Políticas e na agenda dos agentesresponsáveis pela gestão da coisa pública: porexemplo, a demora natural que tomam as con-sultas à esfera civil pode acabar comprometen-do a eficácia das ações do Estado, prejudicandoos próprios cidadãos.

Ainda assim, acredita-se que o texto de-monstrou haver uma vantagem teórica e umavantagem empírica em se oferecerem mecanis-mos de participação, não obstante ser necessá-rio se pensar em um cuidadoso redesenho deinstituições e das práticas que elas fomentam afim de se possibilitar uma participação produti-va que aponte na direção de se alcançarem osbenefícios acima listados com maior eficácia.

(Recebido para publicação em abril de 2009)

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(Aceito em fevereiro de 2010)

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E ...

Francisco Paulo Jamil Almeida Marques - Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas peloPósCom-UFBA. Professor do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará. Líder doGrupo de Pesquisa em Política e Novas Tecnologias (PONTE/UFC). Tem projeto de pesquisa financiadopelo CNPq (Edital 002/2010). Atua, especificamente, na área de Jornalismo, Comunicação, Política eTecnologia, examinando os seguintes temas: teoria democrática, deliberação pública, participação polí-tica, governo eletrônico, ciberdemocracia e demais aspectos relacionados aos new media.

POLITICAL PARTICIPATION, LEGITIMACYAND DEMOCRATIC EFFECTIVENESS

Francisco Paulo Jamil Almeida Marques

This paper is a reflection on theimportance of offering institutional opportunitiesfor political participation for the citizens, in orderto consolidate the democratic system ofgovernment. It is argued that participation isessential to achieve two goals: 1) Confer morelegitimacy to the regime and the decisionselaborated in its scope. An argument is madeabout how the lack of participation opportunitieseventually make citizens apathetic and dissatisfiedwith democracy. The need to promote for morefrequent and stronger intervention mechanismsto the civil sphere is considered. 2) Moreeffectively implement public policies.Participation has an instrumental facet, byproviding a better quality in the formulation,implementation and effectiveness of policydecisions and government programs. So, in thistext, the adoption of new participatoryinstitutional devices through the demonstrationof its advantages is defended.

KEYWORDS: democracy, participation, legitimacy,institutions, public policies.

PARTICIPATION POLITIQUE, LÉGITIMITÉET EFFICACITÉ DÉMOCRATIQUE

Francisco Paulo Jamil Almeida Marques

Ce travail présente une réflexion surl’importance d’offrir des opportunités institu-tionnelles de participation politique aux citoyensen vue de consolider le régime démocratique degouvernement. Il est estimé que la participationest indispensable pour atteindre deux objectifs: 1)Attribuer une plus grande légitimité au régime etaux décisions élaborées dans son champd’application. On y discute de l’argumentconcernant le manque d’opportunités departicipation qui rend les citoyens apathiques etinsatisfaits quant à la démocratie. C’est alors quel’on prend en considération la nécessité depromouvoir des mécanismes d’intervention plusforts et plus fréquents pour la sphère civile. 2)Mettre plus efficacement en œuvre des politiquespubliques. La participation a un aspect instrumen-tal, car elle permet une meilleure qualité deformulation, de mise en place et d’effectivité desdécisions politiques et des programmesgouvernementaux. On défend donc l’adoption denouveaux dispositifs institutionnels de participationgrâce à la démonstration de leurs avantages.

MOTS-CLÉS: démocratie, participation, légitimité,institutions, politiques publiques.