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POETAS MALDITOS - resumo da segunda sessão Casa das Rosas, 19/10/2010 1. A propósito da pergunta suscitada pelo artigo de Olgária Matos sobre Um obscuro encanto, relativa à ambivalência e ao ‘elitismo’ gnóstico como rebelião, focalizei a crítica dessa autora ao cartesianismo: a lógica cartesiana, a imagem de um mundo racional e organizado, legitima uma hierarquia, um sistema de dominação. 2. A crítica vale para todos os sistemas que postulam uma organização racional do mundo. O “Jovis omnia plena”, a defesa da monarquia e a crítica de William Blake (citação de Um obscuro encanto a seguir) 3. Ambivalência em místicos doutrinas religiosas: oscilação do ‘otimismo’ ao ‘pessimismo’, monismo e dualismo. Gnósticos, rebelião religiosa; hermetismo e seus paradoxos: a duplicidade no Asclépio, do Corpus hermeticum. A influência do hermetismo na Renascença. 4. Gnosticismo: dualismo extremo, o mito do mau demiurgo, de um mau criador e regente do mundo, a identificação da salvação ao conhecimento e o conseqüente individualismo e inconformismo (citação de Hans Jonas, estudioso do gnosticismo, a seguir): poetas malditos são, de algum modo, gnósticos. 5. Paradoxos e ambivalência em poetas malditos: comparei dois poemas de Nerval com sentido oposto, “Cristo no Horto das Oliveiras”, sobre a morte de Deus e o universo como caos, com sincretismo Júpiter-Jeová, e “Versos dourados”, proclamação monista e panteísta. 6. Paradoxos e ambivalência em poetas malditos, II: de Baudelaire, li e comentei “Caim e Abel”, a favor de Caim, “A tampa” e “O abismo”, dualistas e equiparando Deus ao demiurgo gnóstico; e “Correspondências”, monista, visão de um mundo harmonioso, regido pela analogia, pelas correspondências entre todas as cosias. 7. Paradoxos e ambivalência em místicos e antigas doutrinas religiosas. Li e comentei trechos de “O trovão – Intelecto perfeito”, uma “escritura” gnóstica, todo feito de antinomias. Misticismo como rebelião religiosa. 8. Próxima sessão: pretendo avançar em Rimbaud.

Poetas malditos02

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POETAS MALDITOS - resumo da segunda sessão

Casa das Rosas, 19/10/2010

1. A propósito da pergunta suscitada pelo artigo de Olgária Matos sobre Um

obscuro encanto, relativa à ambivalência e ao ‘elitismo’ gnóstico como rebelião,

focalizei a crítica dessa autora ao cartesianismo: a lógica cartesiana, a imagem

de um mundo racional e organizado, legitima uma hierarquia, um sistema de

dominação.

2. A crítica vale para todos os sistemas que postulam uma organização racional do

mundo. O “Jovis omnia plena”, a defesa da monarquia e a crítica de William

Blake (citação de Um obscuro encanto a seguir)

3. Ambivalência em místicos doutrinas religiosas: oscilação do ‘otimismo’ ao

‘pessimismo’, monismo e dualismo. Gnósticos, rebelião religiosa; hermetismo e

seus paradoxos: a duplicidade no Asclépio, do Corpus hermeticum. A influência

do hermetismo na Renascença.

4. Gnosticismo: dualismo extremo, o mito do mau demiurgo, de um mau criador e

regente do mundo, a identificação da salvação ao conhecimento e o conseqüente

individualismo e inconformismo (citação de Hans Jonas, estudioso do

gnosticismo, a seguir): poetas malditos são, de algum modo, gnósticos.

5. Paradoxos e ambivalência em poetas malditos: comparei dois poemas de Nerval

com sentido oposto, “Cristo no Horto das Oliveiras”, sobre a morte de Deus e o

universo como caos, com sincretismo Júpiter-Jeová, e “Versos dourados”,

proclamação monista e panteísta.

6. Paradoxos e ambivalência em poetas malditos, II: de Baudelaire, li e comentei

“Caim e Abel”, a favor de Caim, “A tampa” e “O abismo”, dualistas e

equiparando Deus ao demiurgo gnóstico; e “Correspondências”, monista, visão

de um mundo harmonioso, regido pela analogia, pelas correspondências entre

todas as cosias.

7. Paradoxos e ambivalência em místicos e antigas doutrinas religiosas. Li e

comentei trechos de “O trovão – Intelecto perfeito”, uma “escritura” gnóstica,

todo feito de antinomias. Misticismo como rebelião religiosa.

8. Próxima sessão: pretendo avançar em Rimbaud.

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CITAÇÕES:

1.

A esses pares – otimismo e pessimismo, monismo e dualismo – podem ser acrescentadas interpretações políticas. Quando Virgílio afirmou que Joves omnia plena, Júpiter em todo lugar, identificando a divindade à totalidade do universo, enunciava, evidentemente, uma profissão de fé monista. E um pensamento político: naquele momento, Júpiter era pleno e, além disso, tinha um representante terrestre na pessoa de Augusto César, o imperador. À crença em uma ordem cósmica e natural corresponde há milênios a defesa de uma ordem política como sua conseqüência, bem resumida, vinte séculos depois da República de Platão, por Francis Bacon: Um rei é um deus mortal na terra, a quem o Deus vivo cedeu seu próprio nome como uma grande honra – em uma frase anotada por Blake como manifestação de um detestável e abjeto escravo.1

2.

Conhecimento é algo pessoal, da esfera da experiência individual,

enquanto a observância de normas, distinguindo o pecado daquilo que seria

lícito, é forçosamente coletiva. Daí o individualismo gnóstico, associado por

Jonas ao inconformismo:

Os expoentes gnósticos exibiam um pronunciado individualismo intelectual, e a imaginação mitológica do movimento como um todo era incessantemente fértil. Não-conformismo era quase um princípio da mente gnóstica, intimamente ligado à doutrina do “espírito” soberano como fonte de conhecimento direto e iluminação.2

A divergência entre o modo gnóstico de valorizar o conhecimento e a

ortodoxia cristã é acentuada por Pagels:

Os cristãos, diz Tertuliano, citando Paulo, deveriam, todos, falar e pensar as mesmas coisas. Quem quer que se afastasse do consenso era, por definição, um herege, porque, como observa ele, a palavra grega traduzida como “heresia” (hairesis) significa literalmente “opção”. Logo, o “herege” era um indivíduo que faz uma opção. [...] Tertuliano, porém, reafirma que fazer opções era um mal, porque elas destroem a unidade do grupo. A fim de erradicar a heresia, continua, os líderes da Igreja em hipótese alguma deviam permitir que as pessoas fizessem perguntas, porque as perguntas é que as tornam heréticas – acima de tudo, aquelas como as seguintes: de onde vem o mal? Por que o mal é permitido? Qual a origem dos seres humanos? Tertuliano quer colocar um ponto final

1 Blake, William, Complete Writings, editado por Geoffrey Keynes, Oxford University Press, London, 1972, pg. 401.2 Jonas, The Gnostic Religion, pg. 42.

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nessas questões e impor a todos os crentes a mesma regula fidei, ”regra da fé”, ou crença. [...] O verdadeiro cristão, diz Tertuliano, apenas resolveu nada saber ... que divirja da fé.3

BIBLIOGRAFIA:

Baudelaire, Charles, Charles Baudelaire, Poesia e Prosa, organizada por Ivo Barroso, diversos tradutores, Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1995;

Layton, Bentley, organização, introdução, notas, As Escrituras Gnósticas, tradução de Margarida Oliva, Edições Loyola, São Paulo, 2002

Matos, Olgária, “Poética contra a lógica”, O Estado de S. Paulo, Caderno Sabático, p. S7, 16/10/2010, http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101016/not_imp625525,0.php

Matos, Olgária, Discretas esperanças, São Paulo: Nova Alexandria, 2006.Nerval, Gérard de, As Quimeras, tradução de Alexei Bueno, Topbooks, Rio de

Janeiro, 1996;Willer, Claudio, Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e a poesia moderna,

Civilização Brasileira, 2010.

3 Pagels, Elaine, As Origens de Satanás: um estudo sobre o poder que as forças irracionais exercem na sociedade moderna, tradução de Ruy Jungman, Ediouro, Rio de Janeiro, 1996, pg. 210.