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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PROPAGANDA E TURISMO FILOSOFIA DA COMUNICAÇÃO PROF. VINÍCIUS ROMANINI REDES SOCIAIS, PRAGMATISMO E O MAIOR VIRAL DO MUNDO Jean Michel Gallo Soldatelli 1 1 Graduando em Comunicação Social da Escola de Comunicações e Artes da USP, trabalha na área de planejamento na Router, agência de comunicação especializada na união entre o BTL e o digital.

Redes sociais, pragmatismo e o maior viral do mundo

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Uma análise sobre o papel das redes sociais na sociedade, com influência do trabalho de Charles Pierce, culminando no estudo do caso Kony 2012.

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Page 1: Redes sociais, pragmatismo e o maior viral do mundo

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PROPAGANDA E TURISMO

FILOSOFIA DA COMUNICAÇÃO

PROF. VINÍCIUS ROMANINI

REDES SOCIAIS, PRAGMATISMO E O MAIOR VIRAL DO

MUNDO

Jean Michel Gallo Soldatelli1

SÃO PAULO, MAIO/2012

1 Graduando em Comunicação Social da Escola de Comunicações e Artes da USP, trabalha na área de planejamento na Router, agência de comunicação especializada na união entre o BTL e o digital.

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INTRODUÇÃO

A massificação da internet trouxe com ela vários benefícios. Hoje, cerca de 80 milhões2

de brasileiros tem acesso aberto a informações variadas, não mais totalmente

dependentes dos grandes conglomerados de mídia que concentram as informações em

seus canais. Porém, com a informação ao alcance de todos, a quantidade de informação

é absurda, levando o público em geral a busca pelos serviços de curadoria de

informação. Desta forma retorna-se ao início do ciclo, já que os portais de curadoria

mais procurados são aqueles “confiáveis” por sua tradição nos antigos meios de

comunicação. Ou seja, a informação continua de certa forma controlada.

Entretanto é importante entendermos o que podemos considerar como os três processos

básicos de comunicação3 na atualidade para darmos um passo além e vermos o porquê

das afirmações acima não refletirem a realidade por completo. São eles: interpessoal -

pessoas que se comunicam presencialmente, interagem; massa - pressupõe transmissão

e recepção de produtos a distância, com uma interatividade simulada; e ciberespacial -

a modalidade mais avançada, mediada pelo computador e feita através de redes

interativas.

As redes sociais tem um papel essencial no fluxo de informações quando encaramos

este cenário: elas são os meios por onde as pessoas se informam por fontes

independentes, sejam seus amigos ou não. No processo de informação atual da

sociedade as redes sociais tem o papel de curadoria da informação, onde através de seus

amigos você fica sabendo dos conteúdos mais relevantes para eles, e desta forma pode

ficar sabendo de coisas que não saberia por qualquer outro local. Por outro lado, aqueles

que não tinham como se comunicarem, utilizam as redes sociais para disseminarem

fatos ocorridos, experiências vividas, causas que acredita, entre outras coisas.

O reflexo de tudo isso é a mudança da forma que se comunica hoje em dia. Para que se

tenha atenção em meio a tantas informações você precisa mostrar seu conteúdo de uma

forma diferente. Palavras e gestos dão lugar a manifestos em vídeos, pedidos de doação

em imagens e a tentativa de conscientização em formato de infográfico.

2 Fonte: IBOPE/NetRatings – Abril/2012

3 MARQUES, 2002

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Portanto, se trouxermos os atos da fala determinados por Austin4 para este cenário

podemos entender que apesar da mudança no ato ilocucionário, o perlocucionário se

mantém, porém muda de forma. Se fisicamente, quando conta algo a alguém, você

deseja que essa pessoa sorria, pergunte sobre ou dissemine a informação para as outras

pessoas, no Facebook, por exemplo, isso foi transformado em like, comments e share.

Claro que não podemos comparar o nível das duas interações, afinal a lembrança e a

importância das interações físicas é biologicamente maior, por todos os sentidos que as

envolve.

A DUALIDADE DAS REDES SOCIAIS

Apesar do universo online geralmente ser visto como libertador pelas possibilidades

democráticas que proporciona, temos que ficar atentos a todas consequências possíveis

dessa revolução digital na sociedade. Ao mesmo tempo em que você tem a voz para

passar sua mensagem, o local onde você a publica e o perfil das pessoas que irão ler

suas mensagens são modelos automáticos que definem seu tom e sua mensagem.

O dilema também está presente quando começamos a nos questionar se as redes sociais

estão nos deixando mais solitários ou mais sociáveis5. Usuários destes canais possuem

um comportamento altamente narcisista, exibicionista, incentivados pelas próprias redes

– você precisa mostrar o local onde está, registrar esse momento em fotos ou vídeos,

divulgar as pessoas que te acompanham – e isso acaba fazendo o usuário muitas vezes

ter uma vida digital completamente da vida real. Isso cria uma pressão gigantesca nas

pessoas, afinal a percepção de falha, medos e problemas não vão para as timelines, por

mais que sejam muito mais corriqueiras que qualquer viagem ou evento. A frase que

direciona a postagem do consumidor na rede de Mark Zuckerberg é “No que você está

pensando”, mas é interpretada como “O que você quer que as pessoas pensem de

você?”.

4 AUSTIN, 1990

5 MARCHE, 2012

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O vício em canais como o Facebook, onde os brasileiros passam em média 4,8 horas por

dia6, aliado ao aumento da conectividade móvel, têm transformado o nosso

relacionamento físico. Um bom exemplo é como sociabilidade digital afeta talvez um

dos maiores ícones do relacionamento entre os brasileiros, os bares. Foi criado um jogo

chamado Phone Stacking7, onde todos da mesa são obrigados a deixar seus celulares

empilhados em cima da mesa e são proibidos de interagir de qualquer forma com os

aparelhos até que todos vão embora. Caso alguém desrespeite a regra, paga a conta. Um

movimento social tentando combater a sociabilidade digital pode parecer, e até ser,

extremo, mas o fato é que, até que consigamos conciliar nossas duas vidas em uma só.

Diante dessas informações também é cômodo crucificar tais redes. Porém, precisamos

sempre lembrar que, fisicamente ou não, quem fala e quem posta é a mesma pessoa.

Portanto, segundo Marche, “não é o Facebook que está nos tornando mais solitários.

Nós é que estamos”. Como qualquer ferramenta, podemos usá-la bem ou mal.

Esta dualidade se resume na conclusão de Romanini sobre a obra Simulacros e

Simulações de Baudrillard8: “A pergunta que se coloca, então, é se a visão de mundo

que as redes sociais oferecerão será uma construção coletiva pautada numa

razoabilidade crítica e libertadora ou uma nova forma de simulacro” (Romanini, 2011-

2012).

O CASO KONY

6 SBARAI, Rafael. Tempo gasto por brasileiros no Facebook cresce 8 vezes

http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/tempo-gasto-por-brasileiros-no-facebook-

cresce-8-vezes. Acessado em 28/06/2012

7 HA, Anthony. The Phone Stacking Game: Let’s Make This a Thing

http://techcrunch.com/2012/02/04/the-phone-stacking-game-lets-make-this-a-thing/.

Acessado em 28/06/2012

8 BAUDRILLARD, J. Simulacros e simulações. Lisboa: Relógio d`Água, 1991.

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Kony é o chefe de uma guerrilha ugandense que forçou um número estimado de 66 mil

crianças a lutarem em massacres visando o poder do país. As disputas começaram em

1986, mas o caso veio à tona apenas em 2012 com um vídeo feito pela ONG Invisible

Children, denunciando os massacres.

Com 32 milhões de visualizações em três dias, Kony 2012 tornou-se o maior viral da

história9. É um ótimo exemplo de como é impossível prever as ações desta nova

sociedade, afinal por que esse vídeo não foi mais um vídeo no limbo dos “vídeos que

foram criados para viralizar, mas não atingiram seu objetivo”?

O vídeo contrariou qualquer “guia” de viralização de um vídeo na internet: ao invés da

duração média de 2 minutos o vídeo tem 30 minutos, não é engraçado, não têm

famosos, nem gatos. Porém ele é uma superprodução que, de maneira didática e

envolvente, te faz abraçar uma causa complexa e, principalmente, "desconhecida". O

fato de ser uma causa desconhecida é o potencializador da sua divulgação nas redes

sociais, afinal após se envolver com a história você sente-se obrigado a angariar o

máximo de pessoas que compartilhem da sua opinião. Além disso, o vídeo o incentivava

a disseminar essa informação, seja comprando camisetas, canecas ou adesivos que

mostravam a causa, seja aderindo ao Kony Day, um dia onde todos aqueles que

aderiram à causa deveriam marcar os locais em que vive para abrir os olhos do mundo.

A questão é que Kony tornou-se um fenômeno, porém não teve um bom timing. Foi

lançado no dia 5 de março, com o objetivo de mobilizar o mundo no dia 20 de abril, dia

onde todos chamariam a atenção para esta causa. Porém ascensão meteorológica acabou

9 Kony 2012 se torna maior viral da história http://blogs.estadao.com.br/link/kony-

2012-se-torna-maior-viral-da-historia/. Acessado em 06/05/2012

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prejudicial para seu objetivo final, e já na segunda semana ele caiu no esquecimento do

público em geral. Para contribuir com a queda (ou voltar a colocar o assunto em pauta)

surgiram denúncias contra a ONG produtora do vídeo, vindas até do próprio povo de

Uganda. Por fim, 15 dias antes do grande dia eles fizeram outro vídeo, se explicando

das acusações e tentando reacender a chama. Não funcionou, o assunto já tinha passado

e este segundo vídeo teve apenas 2 milhões de visualizações até hoje, pouco mais de 2%

do vídeo inicial.

O PRAGMATISMO DE PIERCE

Uma vez com estes exemplos em mente, conseguimos entender melhor os conceitos

criados pelo filósofo americano. A principal base do método criado por Pierce é a

concepção de que ideias e conceitos que não tem efeitos práticos são esquecidos10.

Pierce acreditava que devíamos “deslocar da origem à finalidade”, deixando em

segundo plano as origens e analisando as consequências. O caso de Kony 2012 é um

claro exemplo de algo que caiu no esquecimento pois aquilo não teve um efeito prático

na vida das pessoas. Por mais que a interação online seja uma ação, dificilmente

poderemos comparar o impacto que aquilo causa no dia-a-dia das pessoas.

O Ativismo Virtual, nome dado a prática de apoiar causas sociais pelas redes sociais, é

um bom meio de propagação, mas ele não faz sozinho a revolução. Leila Nachawati,

espanhola de ascendência síria e ativista pelos direitos de liberdade de expressão, disse

em sua palestra na Campus Party de 201211: “É ofensivo dizer que a tecnologia é que

permite uma revolução, quando temos pessoas morrendo por causa disso”. No mesmo

debate, Charles Lenchner, representante do movimento Occupy Wall Street, proferiu

outra emblemática frase que nos ajuda nesta análise: “Mudar o mundo é muito mais

legal que ficar jogando online. Quantas pessoas passam o tempo atirando em coisas que

simplesmente não existem”.

10 SILVEIRA, 200711 IKEDA,2012

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O Ativismo Virtual é um dos melhores exemplos para entendermos o conceito de

pragmatismo aplicado por Pierce, afinal para ele, não interessa sua representação, sim

sua ação. Portanto o grande diferencial não é o fato de ter se envolvido

momentaneamente e nem compartilhado o conteúdo, mas sim as consequências práticas

e o efeitos que aquele conteúdo causaram em você.

A partir deste ponto seria interessante reanalisarmos o conceito de ação, determinando

diferentes pesos para diferentes contextos e níveis de envolvimento daquela ação, afinal

dar um like é muito mais banal do que qualquer sorriso dado a partir de um vídeo.

Um desdobramento diferente do ativismo social que pode demonstrar a diferença que os

efeitos fazem é a plataforma Catarse12, site onde as pessoas podem colocar projetos e

pedir doações. Se acabasse por aí seria algo comum, mas em troca da doação o projeto

oferece benefícios exclusivos como workshops ou exemplares únicos. Ou seja, desta

forma os projetos tem alguma interação maior com as pessoas, causando assim efeitos

mais duradouros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em uma sociedade conectada, as pessoas tem necessidade da troca de conteúdos tanto

pela informação em si quanto pela questão do status, é interessante mostrar aos outros

que você é uma pessoa informada e socialmente ativa. O entendimento do seu público é

essencial para a eficiência da sua mensagem, afinal se não souber como ele fala, por

onde, com quem, e qual a vida útil daquela mensagem, ela pode não chegar no receptor

ou não causar nenhuma ação significante.

As mudanças nas formas de comunicação hoje acarretaram em um excesso de

informação aliado a uma longevidade mínima do conteúdo – o tempo nas redes é

contado em feeds, não em segundos (Romanini, 2011-2012). Estas mesmas mudanças

são tão rápidas que podem até mesmo atrapalhar a comunicação entre a sociedade como

um todo. Dentro da cibercultura existem milhares de línguas, com diferentes signos,

12 Catarse <http://catarse.me>

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significados e significantes, que, assim como os regionalismos, podem dificultar a

apreensão da informação.

O pragmatismo de Pierce nos ensina a entender as características desta sociedade, onde

a volatilidade pode ser combatida pela ação que o seu público irá tomar relativa ao seu

conteúdo. Com isso podemos também interpretar a diferença entre as interações físicas

e virtuais: o relacionamento físico demanda uma ação do seu interlocutor, portanto torna

aquela interação mais relativa para a pessoa.

Por fim, podemos concluir que por mais que o ciberespaço seja importante no

relacionamento interpessoal, porém é sempre importante lembrar que é o mundo real

que alimenta o virtual, portanto, por mais importante que seja o papel da internet, uma

revolução não irá acontecer apenas em bytes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Page 9: Redes sociais, pragmatismo e o maior viral do mundo

AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad.: Danilo

Marcondes de Souza filho. Porto Alegre: Artes Médicas,1990.

CARROL, ROY. Kony 2012 Cover the Night fails to move from the internet to the

streets. http://www.guardian.co.uk/world/2012/apr/21/kony-2012-campaign-uganda-

warlord. Acessado em 06/05/2012

IKEDA, ANA. Militantes dão dicas de ‘ativismo digital’ e diminuem papel das redes

sociais em revoluções http://uoltecnologia.blogosfera.uol.com.br/2012/02/10/militantes-

dao-dicas-sobre-ativismo-digital-e-falam-do-papel-das-redes-sociais-em-movimentos-

como-o-ocupe-wall-street/. Acessado em 06/05/2012

MARCHE, Stephen. Is Facebook Making Us Lonely?

http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2012/05/is-facebook-making-us-lonely/8930/#

Acessado em 26/06/2012

MARQUES, Franscisco Paula Jamil de Almeida. “Cidadania Digital: A Internet como

ferramenta social”. INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da

Comunicação – XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Salvador/BA

– Set/2002

ROMANINI, Vinicius. Tudo azul no universo das redes. Revista USP, n. 92, 2011-

2012.

SILVEIRA, Lauro F. Barbosa. Curso de Semiótica Geral. São Paulo: Quartier Latin,

2007

ANEXOS

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KONY 2012 –

http://www.youtube.com/watch?v=Y4MnpzG5Sqc

KONY 2012: Part II - Beyond Famous - http://www.youtube.com/watch?

v=Y4MnpzG5Sqc