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Revista de Estudos Tributários

Revista de estudos tributários #85

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Revista de Estudos Tributários

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Revista de Estudos Tributários

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Carta do Editor

Prezado leitor,

Nesta edição da Revista de Estudos Tributários – RET, o tema escolhido para o Assunto Especial são os Tratados Internacionais aplicados em matéria tributária, e, para essa abordagem, contamos com o artigo do Professor Heleno Taveira Tôrres intitulado “Aplicação do Princípio da Não Discriminação Tribu-tária no STF e os Tratados para Evitar Dupla Tributação”; do Senior Level em Tratados Internacionais Marco Antônio Chazaine Pereira, intitulado “A Tributa-ção de Lucros Auferidos no Exterior e a Aplicação Individualizada dos Tratados Internacionais – Críticas ao Entendimento do CARF”; e, por último, do Advoga-do Demes Britto, com o artigo “Aplicabilidade dos Tratados Internacionais Tri-butários no Ordenamento Jurídico Interno á Luz da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Supremo Tribunal Federal – STF”.

Ainda no Assunto Especial, publicamos importante Acórdão na Íntegra exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, bem como Ementário sobre o tema com comentário à relevante decisão do Supremo Tribunal Federal que envolveu a discussão sobre obrigatoriedade, ou não, da retenção na fonte e do recolhi-mento de Imposto de Renda quanto a dividendos enviados por pessoa jurídica brasileira a sócio residente no exterior, em país signatário de convenção inter-nacional com o Brasil assegurando tratamento não discriminatório entre ambos os países.

Confira ainda, na Parte Geral da Revista, os artigos “O Lançamento do IPTU sobre as Garagens de Condomínio”, do Professor Kiyoshi Harada; “Tri-butação de Indenizações – IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, ISS, ICMS”, elaborado em co-autoria pelos Advogados Marcel Gulin Melhem e Michel Gulin Melhem; e, também, “O Pedágio sob o Regime de Concessão de Serviços: Incidência de Parâmetros Constitucionais Tributários para a Sua Devida Quantificação”, do Advogado Walter Alexandre Bussamara. Além dos Acórdãos na Íntegra dos principais Tribunais pátrios, que trazem o posicionamento de relevantes temas da área tributária, e do Ementário com Valor Agregado Editorial, com comentá-rios, remissões transcrições e destaques editoriais.

Não deixe de ler o Parecer redigido pelo Professor Ives Gandra da Silva Martins, intitulado “Empresa Sediada na Zona Franca de Manaus Que Usufrui Benefícios Fiscais da Lei Amazonense nº 2826/2003 – Autuação Indevida da Depositante de Mercadorias da Região, pelo Estado de São Paulo que, Inclusive, Estendeu a Responsabilidade Solidária à Controladora da Empresa Amazonense – Ilegalidades e Inconstitucionalidades do Auto Lavrado, à Luz do Artigo 40 do ADCT da Constituição Federal”.

Fique por dentro dos principais acontecimentos do período na seção “Clipping Jurídico”, bem como das normas que causam impacto na área tribu-tária, por meio da leitura da seção “Resenha Legislativa”.

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A IOB, juntamente com o IET, desejam que, você, leitor, aproveite este rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Elton José DonatoDiretor da IOB

Thales Michel StuckyPresidente do IET

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

TraTados InTernacIonaIs em maTérIa TrIbuTárIa

douTrInas

1. Aplicação do Princípio da Não Discriminação Tributária no STF e os Tratados para Evitar Dupla TributaçãoHeleno Taveira Tôrres ................................................................................9

2. A Tributação de Lucros Auferidos no Exterior e a Aplicação Indi- vidualizada dos Tratados Internacionais – Críticas ao Entendi- mento do CARFMarco Antônio Chazaine Pereira .............................................................23

3. Aplicabilidade dos Tratados Internacionais Tributários no Orde- namento Jurídico Interno à Luz da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Supremo Tribunal Federal – STFDemes Britto ............................................................................................57

JurIsprudêncIa

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................792. Ementário ...............................................................................................103

Parte Geral

douTrInas

1. O Lançamento do IPTU sobre as Garagens de CondomínioKiyoshi Harada .......................................................................................113

2. Tributação de Indenizações – IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, ISS, ICMSMarcel Gulin Melhem e Michel Gulin Melhem ......................................118

3. O Pedágio sob o Regime de Concessão de Serviços: Incidência de Parâmetros Constitucionais Tributários para a Sua Devida QuantificaçãoWalter Alexandre Bussamara..................................................................128

JurIsprudêncIa

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Supremo Tribunal Federal ......................................................................139

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2. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1423. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1474. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................1525. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1546. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1647. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................166

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................1742. Ementário de Jurisprudência Administrativa ...........................................215

Seção Especialparecer JurídIco

1. Empresa Sediada na Zona Franca de Manaus Que Usufrui Benefícios Fiscais da Lei Amazonense nº 2826/2003 – Autuação Indevida da Depositante de Mercadorias da Região, pelo Estado de São Paulo, Que, Inclusive, Estendeu a Responsabilidade Soli- dária à Controladora da Empresa Amazonense – Ilegalidades e Inconstitucionalidades do Auto Lavrado, à Luz do Artigo 40 do ADCT da Constituição Federal – ParecerIves Gandra da Silva Martins ..................................................................219

Clipping Jurídico ..............................................................................................246

Resenha Legislativa ..........................................................................................248

Bibliografia Complementar .................................................................................251

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................252

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publica-ções.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-

co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelos e-mails [email protected] e [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Tratados Internacionais em Matéria Tributária

Aplicação do Princípio da Não Discriminação Tributária no STF e os Tratados para Evitar Dupla Tributação

HELENO TAVEIRA TÔRRESProfessor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, Vice-Presidente da International Fiscal Association – IFA, da Direção Executiva do Instituto Latinoamericano de Derecho Tributario – ILADT, Membro do Conselho Superior de Assun-tos Jurídicos e Legislativos – Conjur-Fiesp e do Conselho Superior de Direito da Fecomércio, Advogado.

Tramita, no Supremo Tribunal Federal – STF, o RE 460320/PR, de relato-ria do Ministro Gilmar Mendes, no qual a legislação tributária do Imposto sobre a Renda é contestada por manter, entre 1994 e 1995, preferência de tratamento mais favorável para os residentes que possuíam investimentos societários, em relação aos não residentes que, no mesmo período, mantinham, na forma de capital estrangeiro, investimentos em sociedades constituídas no País, quanto à distribuição dos lucros, sob a forma de dividendos. O Relator, porém, em aper-tada síntese, afastou a possibilidade de aplicação do princípio de não discrimi-nação, ao entendimento de que o art. 150, II, da CF não se aplicaria à espécie, e o elemento de conexão adotado na convenção Brasil-Suécia (art. 24) seria a nacionalidade, e, na Lei nº 8.383/1991, o legislador usou a residência como critério de conexão, para empregar a alíquota de 15% sobre dividendos pagos a residentes ou domiciliados no exterior, ao tempo que os residentes no Brasil restavam isentos, logo, independentemente da nacionalidade do contribuinte. Na sequência, pediu vista o Ministro Dias Toffoli.

Com todo o acatamento à louvável decisão contida no voto do eminente Ministro Gilmar Mendes, orgulho da nossa magistratura, por quem nutrimos o mais elevado apreço e respeito intelectual, contudo, preferimos apresentar aqui alguns pontos de reflexão sobre a matéria.

A matéria posta ao exame do STF, à semelhança das grandes questões de Estado sobre as quais se debruça seu egrégio Plenário, terá repercussões das mais expressivas sobre a segurança jurídica dos investimentos internacionais no Brasil, pois seus reflexos irão orientar a hermenêutica futura das convenções para evitar a dupla tributação internacional sobre a renda, mormente quanto à aplicação do citado art. 24, quanto aos efeitos decorrentes do princípio de não discriminação.

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Assunto Especial – Doutrina

Tratados Internacionais em Matéria Tributária

A Tributação de Lucros Auferidos no Exterior e a Aplicação Individualizada dos Tratados Internacionais – Críticas ao Entendimento do CARF

MARcO ANTÔNIO cHAzAINE PEREIRASenior Level em Tratados Internacionais pela Akademie der Wirtschaftstreuhänder (Viena, Áustria), Especializado em Direito Internacional pela Universidade de Leiden (Holanda) e pela Universidade de Columbia (Nova Iorque), Gestão de Comércio Exterior e Negócios Internacio-nais pela FGV (GVPEC), LLM (Master of Laws) em Direito Tributário pelo Insper, LLM (Master of Laws) em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo Insper, Bacharel em Direito pela FMU, Membro da International Fiscal Associacion (IFA), Membro do Instituto Brasileiro de Direito Financeiro (IBDF). Autor do livro A tributação de lucros auferidos no exterior. Coor-denador e coautor do livro Direito tributário internacional – aspectos práticos (v. 1). Advogado em São Paulo.

RESUMO: O presente estudo tem como escopo analisar a aplicação individualizada dos Tratados internacionais para afastar a tributação ficta de lucros auferidos no exterior por sociedades controla-das ou coligadas de empresas brasileiras, em face de recente entendimento adotado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) sobre a matéria.

PALAVRAS-CHAVE: Tributação; lucros; auferidos. exterior; ficta; controladas; coligadas; indiretas; Tratados internacionais; individualizada; CARF.

ABSTRACT: The current study analyzes the recent interpretation of the Administrative Board of Tax Revenue (CARF) about the individual application of the international double tax treaties to avoid the taxation of profits earned abroad by indirect controlled foreign corporation of Brazilian entities in accordance to the Brazilian law.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Discussão judicial da Medida Provisória nº 2.158-35/2001; 2 Compatibilida-de da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 com os Tratados celebrados pelo Brasil para evitar a dupla tributação internacional; 3 A superioridade hierárquica do Tratado internacional em face da legislação tributária interna; 4 Entendimento do CARF: Caso Eagle; 5 Possíveis efeitos da manutenção do enten-dimento adotado pelo CARF no 2º julgamento do Caso Eagle; Conclusões.

INTRODUÇÃOA tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas

no Brasil é relativamente recente, e até hoje não há um posicionamento defini-tivo do Poder Judiciário sobre o assunto.

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Assunto Especial – Doutrina

Tratados Internacionais em Matéria Tributária

Aplicabilidade dos Tratados Internacionais Tributários no Ordenamento Jurídico Interno à Luz da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Supremo Tribunal Federal – STF

DEMES BRITTOAdvogado, Professor de Direito Tributário, Consultor Tributário em Madrid-Espanha, Doutoran-do em Direito Tributário em Salamanca, Pós-Graduado em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto de Estudos Tributários – IBET, Especialista em Processo Judicial Tributário pela Associação de Estudos Tributários – APET, Membro do Comitê Técnico da Revista de Estudos Tributários – RET (IOB/Síntese), Membro da Comissão de Direito Aduaneiro da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP, Diretor Tributário da Associação Nacional dos Executivos de Finanças e Contabilidade – Anefac.

RESUMO: O propósito do presente estudo é analisar a evolução dos institutos de Direito Tributário relativos à tributação internacional no Brasil até chegarmos ao debate sobre aplicabilidade das regras contidas nos Tratados Internacionais para evitar a bitributação frente ao direito interno. Como forma de estudar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF, e dar visibilidade à pesquisa, o estudo se propõe a contextualizar a análise de aplicação do direito uniforme e supralegal quando houver conflito entre Tratado Internacional e norma infraconstitucional.

PALAVRAS-CHAVE: Aplicabilidade; Tratados Internacionais Tributários; ordenamento jurídico interno.

ABSTRACT: This study is to analyze the evolution of the institutes of Tax Law relating to International Taxation in Brazil until we get to debate on the applicability of the rules contained in international treaties to avoid double taxation against the law. In order to study the jurisprudence of the Supreme Court (STF), and visibility of research, the study aims to contextualize the analysis of application of uniform law and above law when there is conflict between the International Treaty and standard infra.

KEYWORDS: Applicability of International; Tax Treaties; domestic law.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A problemática do conflito entre normas internas e Tratados ou Convenções Internacionais; 2 Do Direito internacional; 2.1 Notas sobre o Direito internacional: denominação e definição; 2.2 Tratados e Convenções internacionais; 2.3 Interpretação dos Tratados Internacionais; 2.4 Teorias da aplicação entre o Direito internacional e o direito interno – monismo e dualismo; 2.5 Interpretação dos Tratados Internacionais de matéria tributária à luz do artigo 98 do Código Tri-butário Nacional – CTN; 3 Tratados Internacionais tributários no ordenamento jurídico interno e a su-perioridade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos sobre as normas infraconstitucionais; 4 Do entendimento jurisprudencial em relação à aplicabilidade da norma internacional no ordenamento jurídico interno; 4.1 Tribunal Regional Federal da 3ª Região; 4.2 Superior Tribunal de Justiça – STJ; 4.3 Supremo Tribunal de Justiça – STF; Conclusão.

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INTRODUÇÃOA presente pesquisa tem por objetivo a realização de um estudo sobre o

entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF acerca do nível hierárquico em que os Tratados e as Convenções Internacionais são recepcionados pelo ordenamento jurídico interno brasileiro.

A questão ganha relevo na medida em que o nível hierárquico dos Trata-dos é o que vai determinar qual norma deve prevalecer na hipótese de conflito entre Tratado e lei ordinária, ou entre Tratado e a Constituição Federal. A ne-cessidade de um estudo aprofundado sobre o tema torna-se relevante quando se percebe o elevado nível de integração entre o Brasil e os principais atores do cenário econômico mundial é o que tem se demonstrado pelo crescente núme-ro de Tratados firmados com o Brasil a fim de se evitar a bitributação.

1 A PROBLEMÁTICA DO CONFLITO ENTRE NORMAS INTERNAS E TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

A problemática de conflito entre Tratados Internacionais e normas inter-nas se posterga desde a década de 1970. Segundo o entendimento do STF, até 1977 posicionava-se no sentido da primazia do Tratado Internacional quando em conflito com a norma infraconstitucional e, após 1977, foi modificado este entendimento. A Suprema Corte, após o julgamento do clássico RE 80.004/SE (Relator Ministro Cunha Peixoto), veio a modificar o ponto de vista anterior do STF. A partir de então, a Corte tem adotado o sistema paritário ou monismo moderado (aplicado nesta linha cronológica), o que se reflete na insegurança jurídica de que os Tratados Internacionais possuem status de lei ordinária.

A matéria julgada do Recurso Extraordinário nº 80.004/SE tratava-se do conflito envolvendo a Lei Uniforme de Genebra sobre as letras de Câmbio e Notas Promissórias, o que na época era regulado pelo Decreto-Lei nº 57.663, de 1966, e lei interna posterior, o Decreto-Lei nº 427/1969. A discussão relaciona-va-se à obrigatoriedade ou não da existência do aval posto na nota promissória, o que era uma exigência formal para validade jurídica do título, e o que não constava estava descrito na norma internacional1.

Ao fim do julgamento, prevaleceu o Decreto-Lei nº 457/1969 como nor-ma válida, valendo-se o STF da regra lex posterior derogat priori, assim passou a predominar que a hierarquia entre lei interna e tratado internacional seria aplicada a critério cronológico da regra lex posterior derogat priori, nos casos em que há conflito entre as normas internas e os Tratados Internacionais2.

Portanto, para o STF, após 1977 e antes da Emenda Constitucional nº 45 prevaleceu o entendimento de que todos os Tratados Internacionais, de Direitos

1 Recurso Extraordinário nº 80.0004/SE. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jan. 2010.

2 Recurso Extraordinário nº 80.0004/SE. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jan. 2010.

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Humanos ou não, sejam incorporados como lei ordinária, tese seguida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ.

Ao verificarmos os Tratados Internacionais celebrados pelo Brasil para evitar a dupla tributação se percebe a dificuldade de aplicação no ordenamento jurídico interno. Os Tribunais vêm enfrentando duas questões para julgar: a primeira é se há hierarquia ante as leis ordinárias e os Tratados Internacionais; a segunda é saber se o art. 983 do Código Tributário Nacional – CTN, de 1966, é valido em face da Constituição de 1988.

A discussão tem extrema relevância. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 460.320, que trata de um Tratado Internacional celebrado entre o Brasil e a Suécia a fim de evitar a bitributa-ção Internacional em matéria de Imposto de Renda, invocou a Lei Ordinária nº 8.383/1991, a qual prevê a incidência do Imposto de Renda em operações em que são remetidos dividendos a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.

O julgamento demonstra que o Supremo Tribunal Federal está mudando seu entendimento quanto à aplicação dos Tratados Internacionais no ordena-mento jurídico interno. Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes esclarece que

não se pode ignorar que os acordos internacionais demandam um extenso e cui-dadoso processo de negociação e que atinjam os objetivos de cada estado, com o menor custo, e parece evidente a possibilidade de afastar a aplicação de normas internacionais por meio de legislação ordinária, inclusive no âmbito estadual e municipal, e está defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual cenário internacional.4

Feito este introito inicial, partimos da análise das diversas teorias referen-tes à matéria e, então, ao final, vamos defender que as regras contidas nos Trata-dos Internacionais, que versam sobre matéria tributária, devem sobrepor à legis-lação interna brasileira. Para tanto, alicerçamo-nos no atual cenário do Supremo Tribunal Federal, que indica a mudança de entendimento sobre a matéria.

2 DO DIREITO INTERNACIONAL

2.1 Notas sobre o Direito iNterNacioNal: DeNomiNação e DefiNição

É imperioso destacar que, antes de dissertar sobre a definição propria-mente dita do Direito internacional, é necessário fazer breves considerações das relações internacionais ao longo da história.

3 Código Tributário Nacional – CTN: “Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

4 Recurso Extraordinário nº 460.320. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 7. mar. 2012.

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Desde a Antiguidade depreendem-se indícios de um Direito internacio-nal, seja pelos institutos da inviolabilidade dos embaixadores na Grécia ou pela aplicação do Direito da Roma antiga aos estrangeiros.

A Idade Média, marcada por guerras e pela forte influência da Igreja, contribuiu nas relações internacionais. Mas é na Idade Moderna que o Direito internacional ganhou seus contornos aos dias atuais, originando as nações de Estado-nação e de soberania. Neste cenário, a Europa adota uma organização política soberana, na qual cada nação corresponderia a um Estado.

Esta soberania é pautada na supremacia do Estado frente aos demais su-jeitos de direito, sendo reconhecida a igualdade jurídica entre os demais Esta-dos pertencentes à sociedade internacional.

A Idade Contemporânea, com os adventos da Revolução Francesa e a Unificação Italiana e Alemã, reforçou o conceito de nacionalidade, estabele-cendo direito à pessoa em face do Estado residente.

No século XX nascia a Sociedade das Nações, também conhecida por Liga das Nações, na qual as nações vencedoras da Primeira Guerra se reuniram para negociar um acordo de Paz, resultando na assinatura, em 28.06.1919, do Tratado de Versalhes.

Após a Segunda Guerra, com o fito de substituir a Sociedade das Nações, com a manutenção do objetivo de deter as guerras e estabilizar uma harmonia de comunicação, surgiu a Organização das Nações Unidas – ONU.

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, adotada em 22.05.1969, codificou o Direito internacional consuetudinário, aquele prati-cado ao longo dos anos, acerca dos tratados. Posteriormente se pode, ainda, destacar a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

A expressão direito internacional (international law) surge com Jeremias Bentham, em 1780, que a utilizou em oposição à national law e a municipal law. Trazida para o Francês e demais línguas latinas como direito internacional, a expressão tem sido criticada, visto que, para elas, a palavra nação não tem o mesmo significado de Estado, como em inglês. Para alguns juristas, o mais cor-reto seria falar em direito interestadual, mas, atualmente, a expressão se acha consagrada, e modificá-la já não se justifica5.

Para definição de Direito internacional, Alfred Verdross assinala que o melhor critério é o da “comunidade de que as normas emanam”, uma vez que ele “tem por objeto ordenações jurídicas concretas”. Partindo desta afirmação, define o Direito Internacional Público – DIP como o “conjunto de normas que regula as relações externas dos atores que compõem a sociedade internacional.

5 SILVA, Geraldo Eulalio do Nacimento. Manual de direito internacional público. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 5.

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Tais pessoas internacionais são as seguintes: Estados, organizações internacio-nais, o Homem, etc.”6

Para Celso Mello, o “Direito internacional como outros ramos da ciência jurídica consagra a soberania do Estado e ao mesmo tempo gera o dever de cooperação internacional para o próprio Estado”.

J. F. Rezek (1998, p. 3) define o Direito Internacional Público como

sistema jurídico autônomo, onde as relações entre Estados soberanos, o direito internacional público – ou direito das gentes – repousa sobre o consentimento. Os povos – assim compreendidas as comunidades nacionais, e acaso, ao sabor da história, conjuntos ou frações de tais comunidades. O consentimento, com efeito, não é necessário criativo (como quando se trata de estabelecer uma norma sobre a exata extensão do mar territorial, ou de especificar o aspecto fiscal dos privilégios diplomáticos).7

Embora as questões relativas ao Direito internacional tenham se torna-do frequentemente debatidas, qualquer discussão deverá ser procedida de uma análise mais aprofundada do sistema deste Direito e de seus princípios.

Não é objetivo do estudo aprofundar os conceitos e princípios do sistema normativo internacional, mas, em apertada síntese, podemos classificar o Direi-to Internacional Público como um conjunto de normas e princípios, pactuados entre os Estados soberanos, que devem ser obedecidos reciprocamente.

No que diz respeito à tributação, os Estados soberanos devem respeitar reciprocamente o que foi pactuado pelos Tratados Internacionais que afetam matéria tributária, a fim de evitar a bitributação, até porque um dos princí-pios basilares do Direito internacional, o pacta sunt servanda, é o principio que norteia a reciprocidade dos atores da relação internacional, ou seja, o que foi pactuado deve ser cumprido. A crítica que se faz ao ordenamento jurídico brasileiro é o entendimento defasado de que os Tribunais, quando chamados a decidir, fundamentam as decisões com fundamento em questões processuais e princípios da década de 1970.

2.2 trataDos e coNveNções iNterNacioNais

O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas, prevê como fontes do Direito internacional os tratados ou as convenções internacionais, os costumes, os prin-cípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas, as decisões judi-ciais, a doutrina e a equidade como instrumento de interpretação e integração.

6 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional. 13. ed. Renovar, v. I, 2001.

7 REZEK, F. J. Direito internacional público – Curso elementar. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 3

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Para J. F. Rezek (1988, p. 14), “o tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de Direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”8.

As Convenções de Viana de 1969 e de 1986 tiveram o grande mérito de estabe-lecer que o direito de firmar tratados deixou de ser atributo exclusivo dos Estados e pode ser exercido também pelas demais pessoas internacionais, sendo que em 1986 ficou ainda esclarecido que tal direito pode ser exercido por sujeitos do Direito internacional que não os Estados e organizações intergovernamentais.9

O alínea a do art. 2º da Convenção de Viana designa Tratado como um “acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular”.

Como conceituado no tópico mencionado, os Tratados Internacionais, por serem espécie do Direito internacional, possuem o mesmo status das rela-ções pactuadas entre os atores internacionais, ou seja, é o conjunto de normas e princípios que devem ser obedecidos reciprocamente.

Ainda sim, outras duas convenções consolidaram o uso da terminologia tratado, referindo-se a um acordo regido pelo Direito internacional, “qualquer que seja sua denominação”. Em outras palavras, tratado é a expressão genérica. São inúmeras as denominações utilizadas conforme a sua forma, seu conteúdo, o seu objeto ou o seu fim, citando-se as seguintes: convenção, protocolo, con-vênio, declaração, modus vivendi, ajuste, compromisso, etc., além das concor-datas, que são os atos sobre assuntos religiosos celebrados pela Santa Sé com os Estados que têm cidadãos católicos. Hoje em dia, o tipo de tratado hierarqui-camente mais importante é a Carta, expressão utilizada no tocante às Nações Unidas à Organização dos Estados Americanos. A palavra Estatuto, outrora sem maior expressão, é a que se nos depara em relação à Corte Internacional de Justiça. A palavra convenção tem sido utilizada nos principais tratados multila-terais, como os de codificação, assinados, entre outros, em Viena ou na Haia10.

Há diversos métodos de classificação dos tratados, seja no tocante à quantidade de partes envolvidas, ao procedimento a ser adotado para ingresso no sistema ou quanto à natureza do objeto.

Para melhor compreensão desta análise, cabe trazer a classificação dos tratados quanto à natureza do objeto, podendo ser tratados normativos ou con-tratuais.

8 Idem, p. 14.

9 SILVA, Geraldo Eulalio do Nacimento. Manual de direito internacional público. 15. ed. Saraiva, 2002. p. 29.

10 Idem, ibidem.

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Tratados normativos são aqueles que veiculam normas gerais e abstratas, em que as vontades se dirigem a uma finalidade comum a ser alcançada pela conduta idêntica de todas as partes11.

Rodrigo Maitto (2006, p. 75-76) se refere aos tratados normativos como tratados-lei. Segundo o autor, estes têm por finalidade o estabelecimento de normas jurídicas propriamente ditas, sem que haja uma relação sinalagmática previamente constituída12.

Os tratados-contratos possuem normas individuais e concretas, pelas quais as partes assumem direitos e deveres recíprocos. Segundo Maitto (2006, p. 75-76), os tratados-contratos impõem aos países signatários o dever de agir de um modo específico em situações determinadas, regulando interesses recí-procos mediante concessões mútuas. Neste sentido, talvez o principal exemplo de um tratado-contrato seja os acordos de bitributação13.

Segundo entendimento reiterado do STF, apenas os tratados-norma pode-riam ser contrariados por lei interna posterior. Os tratados, em matéria tributá-ria, prevalecem sobre a legislação interna que lhes sobrevenha14.

Com base neste posicionamento será defendido o posicionamento do STF no sentido de que o art. 98 do Código Tributário Nacional – CTN é aplicá-vel somente aos tratados-contrato, consagrando a primazia do Direito interna-cional sobre o Direito interno.

2.3 iNterpretação Dos trataDos iNterNacioNais

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 23 de maio de 1969, em sua Seção III, nos arts. 31 a 33, estabelece que um “tratado deve ser interpretado de boa fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respectivos objeto e fim”.

A Convenção ainda prevê que, para

efeitos de interpretação de um tratado, o contexto compreende, além do tex-to, preâmbulo e anexos incluídos: a) Qualquer acordo relativo ao tratado e que tenha sido celebrado entre todas as Partes quando da conclusão do tratado; b) Qualquer instrumento estabelecido por uma ou mais Partes quando da conclu-são do tratado e aceite pelas outras Partes como instrumento relativo ao tratado.

Com brilhantismo, Hildebrando Accioly (2002, p. 39) afirma que

11 PINTO, Gustavo Mathias Alves. Tratados internacionais em matéria tributária e sua relação com o direito interno no Brasil. Revista Direito GV, n. 7, p. 157, jan./jun. 2008.

12 Idem, p. 157 e 158.

13 Idem, p. 158.

14 Idem, p. 157.

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os tratados devem ser interpretados como um todo, cujas partes se completam umas às outras. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabe-lecido que essa era a intenção das partes. Neste particular, convém lembrar que, principalmente nos tratados de natureza específica, a praxe é incluir no início do glossário listando as expressões utilizadas e o sentido destas em relação ao tratado.15

2.4 teorias Da aplicação eNtre o Direito iNterNacioNal e o Direito iNterNo – moNismo e Dualismo

Há três teorias reconhecidas que estudam a relação de prevalência ou de independência entre o Direito internacional e o Direito interno. Vejamos:

i) Dualismo: o Direito internacional e o Direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona a sua sintonia com a ordem internacional16.

ii) Monismo com supremacia do Direito internacional: representado principalmente por Hans Kelsen, nesta corrente adota-se o enten-dimento de um sistema jurídico único, pautado na hierarquia das normas, considerando a primazia do Direito internacional face ao Direito interno.

iii) Monismo com supremacia do Direito interno: igualmente à corren-te mencionada, adota-se o entendimento de um ordenamento jurí-dico único. Entretanto, o Estado é detentor de soberania absoluta, sendo o Direito internacional extensão do Direito Interno.

No Brasil se aplica a corrente do monismo moderado: defendida por alguns autores no sentido de paridade hierárquica do Direito internacional e Di-reito interno, foi superada pelo posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal – STF em dois leading cases: a ADIn 1.480 e a CR 8.279.

Em ambas as oportunidades, a Suprema Corte se manifestou de forma uníssona, direta e precisa sobre o tema do monismo e do dualismo, acabando com as dúvidas antes existentes. Destaca-se a posição do Supremo na CR 279, nas passagens em que classifica o sistema brasileiro com dualismo moderado, com base, entre outros, no RE 71.15417.

15 SILVA, Geraldo Eulalio do Nacimento. Op. cit., p. 39.

16 REZEK, F. J. Op. cit., p. 4.

17 PINTO, Gustavo Mathias Alves. Op. cit., p. 147 e 148.

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2.5 iNterpretação Dos trataDos iNterNacioNais De matéria tributária à luz Do artigo 98 Do cóDigo tributário NacioNal – ctN

O art. 98 do CTN estabelece a superioridade dos tratados sobre a legisla-ção tributária interna, ou seja, prevalecem os tratados e as convenções interna-cionais, sendo observados pela legislação posterior que lhes sobrevenha, con-forme a seguinte dicção: “Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

Para balizar a constitucionalidade da norma em referência, vejamos a redação do art. 146 da Constituição Federal, a qual determina expressamente que cabe à lei complementar:

I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária [...].

Adotamos o posicionamento de que cabe à lei complementar não só tratar dos casos envolvendo conflito e limitações constitucionais ao poder de tributar, mas também das normas gerais de direito tributário.

Conforme defendido por grande parte dos doutrinadores, o Código Tri-butário Nacional – CTN, apesar de ser uma lei ordinária “formalmente”, foi recepcionado pela Constituição Federal, por força do art. 146, como lei “mate-rialmente” complementar.

Depreende-se da Constituição da Federal que o Congresso Nacional, por meio de maioria absoluta, outorgou a função de legislar sobre algumas maté-rias, entre elas normas gerais de Direito Tributário, conflito de competência e limitações constitucionais ao poder de tributar.

Ainda, a Constituição Federal foi publicada em 1988, recepcionando o Código Tributário Nacional de 1966 como lei complementar, por supedâneo do art. 146 da Lei Maior.

Neste sentido, o Professor Heleno Tôrres afirma que,

retomando o aspecto formal, no direito tributário brasileiro, por força superio-ridade hierárquica que a Constituição atribui às normas gerais em matéria de legislação tributária, conforme o art. 146, III, da CF, vigora o princípio de preva-lência de aplicabilidade das convenções internacionais, tendo em vista o art. 98 do Código Tributário Nacional, [...].18

18 TÔRRES, Heleno. O princípio da não discriminação tributária no STF. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-fev-01/consultor-tributario-principio-nao-discriminacao-tributaria-stf?pagina=3>. Acesso em: 6 maio 2012.

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Neste mesmo trabalho, o Brilhante Professor Heleno Tôrres destaca que são duas as funções do art. 98 do CTN:

(i) recepção sistêmica das normas convencionais e, quanto à (ii) execução destas, um comando comportamental – modalizado como “proibido” – destinado ao legislador ordinário, de veto a qualquer pretensão de alteração in fieri, por via unilateral, do quanto fora pactuado, nos termos do princípio pacta sunt servanda intra pars – o que confirma o princípio da prevalência de aplicabilidade de suas normas sobre o Direito interno, como decorrência da aplicação do art. 4º da CF.19

No entanto, a redação do art. 98 do CTN foi infeliz ao utilizar o termo “revogam”, devendo este ser interpretado como “prevalecem”.

Desta forma, os Tratados ou as Convenções internacionais celebrados voluntariamente com o Brasil e inseridos em nosso sistema nos termos dessa nossa Constituição Federal devem “prevalecer” sobre a legislação tributária in-terna.

3 TRATADOS INTERNACIONAIS TRIBUTÁRIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO E A SUPERIORIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS SOBRE AS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS

Consoante supramencionado, o sistema adotado no Brasil é dualista de forma mitigado, também conhecido como dualismo moderado. Desta forma, há dois ordenamentos jurídicos distintos e independentes, sendo aplicável o Direi-to internacional por meio da observância de determinados requisitos previstos na Constituição Federal de 1988.

Primeiramente, cabe-nos mencionar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 84, inciso VIII, estabelece competência privativa para o Presiden-te da República celebrar tratados, convenções a atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional20, sendo de competência exclusiva do Con-gresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos in-ternacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”21.

Portanto, depois de celebrado o Tratado ou a Convenção internacional pelo chefe do Executivo, seu texto é submetido à aprovação do Poder Legislati-vo, que, após aprová-lo por meio de Decreto Legislativo, o remete novamente ao Presidente da República para que o promulgue por meio de Decreto Executivo.

Como exposto, defendemos que os Tratados e as Convenções interna-cionais, em matéria tributária, devem sobrepor à legislação interna. Para tanto,

19 Idem.

20 Constituição Federal de 1988, art. 84, VIII.

21 Constituição Federal de 1988, art. 49, I.

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buscamos a interpretação dada pelo STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 466.343, que trata da prisão civil do depositário infiel. A questão da prisão civil foi extremamente debatida, entretanto houve questionamentos quanto à aplicação do Texto Constitucional ou da Convenção Americana de Direitos Hu-manos, de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que dispõe, em seu art. 7º, inciso 7º, que “ninguém será detido por dívidas”.

Neste mesmo sentido, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políti-cos, em seu art. 11º, dispõe que “ninguém será preso apenas por não cumprir com obrigação contratual”. Vale lembrar que o Pacto de San José da Costa Rica e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos foram ratificados pelo Brasil em 1992.

Em síntese, o Pacto de San José da Costa Rica, ao ingressar no ordena-mento jurídico brasileiro, não era compatível aos dispositivos do Código Civil de 1916, assim como aos do Código de Processo Civil de 1973. Deste modo, nasce uma inquietação: qual norma prevaleceu? Alguns são peremptórios no sentido de que não há discussão, sendo o Pacto uma norma de caráter consti-tucional, o que sobrepõe a qualquer disposição infraconstitucional anterior ou posterior a ele.

Em alguns julgados de 1º grau, é possível localizar o entendimento de que os tratados internacionais já ratificados ocupariam a mesma posição hierár-quica das leis ordinárias. É possível se afirmar que o Pacto de San José da Costa Rica, com sua promulgação em 1992, teria derrogado todas as normas ordiná-rias anteriores que permitiam a prisão civil do depositário infiel.

Como colocado pelo Ministro Gilmar Mendes, existem várias teses sobre o grau de hierarquia exercido pelos Tratados Internacionais de Direitos Huma-nos, após sua incorporação22:

a) a vertente que reconhece a natureza supraconstitucional dos trata-dos e das convenções em matéria de direitos humanos;

b) o posicionamento que atribui caráter constitucional a esses diplo-mas internacionais;

c) a tendência que reconhece o status de lei ordinária a esse tipo de documento internacional;

d) por fim, a interpretação que atribui caráter supralegal aos tratados e às convenções sobre os direitos humanos.

Isso nos leva à razão pela qual os Tratados de Direitos Humanos confor-mam a atuação estatal:

Ainda que não sejam tidos como constitucionais, seu status supralegal coloca suas normas de maneira integrada no rol de direitos e garantias fundamentais,

22 Brasil. Recurso Extraordinário nº 466.343. Disponível em www.stf.jus.br.

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funcionando como grau de concreção das normas formalmente constitucionais do art. 5º e demais.23

Vale anotar que o Estado brasileiro, ao incorporar recentemente ao seu Direito interno a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), internalizou um novo diploma legal que reforça a tarefa do Estado de tornar efetivas as normas de tratados internacionais na esfera interna – o que pode envolver até mesmo reformas legislativas.

Nesse sentido, a CVDT prevê, por exemplo, que, uma vez ratificado um tratado, o Estado é obrigado a abster-se da prática de atos que frustrariam o objeto e a finalidade de um tratado (art. 18) e a cumprir o tratado de boa-fé (art. 26), não podendo invocar disposições de seu Direito interno para justificar o inadimplemento do mesmo (art. 27)24.

Como colocado pelo Ministro Gilmar Mendes,

a discussão em torno do status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos foi, de certa forma, esvaziada pela promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, a Reforma do Judiciário, a qual trouxe como um de seus estandartes a incorporação do § 3º ao art. 5º, com a seguinte disciplina: os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprova-dos, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.25

Entretanto, ao considerar que os Tratados Internacionais de Direitos Hu-manos ratificados antes da Emenda Constitucional nº 45/2004 possuíam status de norma constitucional, só se pode concluir que a Emenda Constitucional nº 45/2004 se aplica apenas a Tratados de Direitos Humanos que ainda não foram ratificados, mantendo os anteriores a ela o status de norma constitucional.

Nesta direção, defendemos que este entendimento se componha no Di-reito Tributário, carente que é de estudos a respeito da influência das normas de direitos humanos sobre a tributação e a destinação da arrecadação estatal.

Dentro do conceito exposto, buscamos de alguma forma contribuir para a supressão dessa lacuna, por meio desse simples arrazoado que lograsse a inquietar um estudo mais aplicado para dirimir a correta aplicação do Direito internacional dos direitos humanos no ordenamento jurídico interno, nada obs-tante o entendimento diverso do STF em relação à matéria tributária.

23 8. RE 349.703/RS, Tribunal Pleno, Min. Rel. Carlos Britto, DJe 104, publ. 05.06.2009.

24 9. A CVDT aplica-se retroativamente aos tratados que foram incorporados ao Direito interno brasileiro antes de sua ratificação, porquanto é interpretativa, amplia o sistema protetivo de direitos, e mais, é expressão de uma norma de Direito internacional consuetudinário reconhecida pelo Brasil em décadas de prática internacional

25 9. Brasil. Recurso Extraordinário nº 466.343. Disponível em: www.stf.jus.br.

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4 DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL EM RELAÇÃO À APLICABILIDADE DA NORMA INTERNACIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO

4.1 tribuNal regioNal feDeral Da 3ª região

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região – TRF3 enfrentou um caso de uma empresa de turismo que remetia valores ao exterior para o pagamento aos prestadores de serviços. A discussão tratava-se da exigência do Imposto de Renda (IR) incidente sobre os serviços técnicos (alíquota 15%) e de serviços não técnicos (alíquota 25%).

Com base Ato Declaratório Cosit nº 01, de 5 de janeiro de 2000, o Fisco passou a exigir que os contribuintes fizessem a retenção do IR na fonte, nas remessas de pagamento por serviço prestado no exterior.

No caso em tela, a empresa atua em diversos países com os quais o Brasil é signatário de tratados internacionais para evitar a bitributação. Esses tratados preveem que lucros auferidos relativos à atividade prestada unicamente no exterior só são tributados no país da empresa que presta serviço no exterior. Portanto, não poderiam sofrer a retenção na fonte no Brasil.

Em brilhante voto, o Desembargador Carlos Muta entende que “ato nor-mativo da administração não cria hipótese de incidência fiscal e, além disso, a situação nela disciplinada refere-se apenas a serviços técnicos”. A Procuradoria da Fazenda Nacional sustenta contra a sentença de que a primeira instância alegou que a análise dos tratados firmados entre o Brasil e os países com os quais a empresa se relaciona revela que as remessas dos valores ao exterior são “rendimentos não expressamente mencionados”, o que geraria a incidência do imposto, nos termos do ato declaratório, e questionou quanto à hierarquia entre tratados e leis ordinárias.

DIREITO TRIBUTÁRIO – TRATADOS INTERNACIONAIS – IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE – ART. 7º DA LEI Nº 9.779/1999 – HONORÁRIOS – SERVI-ÇOS PRESTADOS NO EXTERIOR – EMPRESA ESTRANGEIRA – CONTRATANTE BRASILEIRA – REMESSA AO EXTERIOR – LEGISLAÇÃO APLICÁVEL – TRIBUTA-ÇÃO EXCLUSIVA NO PAÍS DE DESTINO

1. Consolidada a jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que tratados internacionais, regularmente incorporados ao direito nacional, não têm su-perioridade hierárquica sobre o direito interno, assim a definição da norma a prevalecer, em caso de antinomia, sujeita-se à verificação da efetiva revoga-ção, ou não, da anterior pela posterior. 2. Caso em que se postula a aplicação de acordos internacionais, destinados a evitar a dupla tributação, em matéria de Imposto de Renda e capital, firmados pelo Brasil com: Alemanha (Decreto Legislativo nº 92/1975, f. 84/102), Argentina (Decreto Legislativo nº 74/1981, f. 103/119v), Áustria (Decreto Legislativo nº 95/1975, f. 120/136), Bélgica (Decre-to Legislativo nº 76/1972, f. 137/154v), Canadá (Decreto Legislativo nº 28/1985, f. 155/164v), Chile (Decreto Legislativo nº 331/2003, f. 165/185), Espanha

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(Decreto Legislativo nº 76.975/1976, f. 185/201v), França (Decreto Legislativo nº 87/1971, f. 202/218), Itália (Decreto Legislativo nº 77/1979, f. 219/237), Ja-pão (Decreto Legislativo nº 43/1967, f. 238/252), Portugal (Decreto Legislativo nº 188/2001, f. 253v/271v), e República Tcheca e Eslováquia (Decreto Legislativo nº 11/1990, f. 272/280). 3. Os tratados internacionais dispõem, basicamente, que

“Os lucros de uma empresa de um Estado contratante só são tributáveis nesse Estado a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado con-tratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado. Se a em-presa exercer sua atividade na forma indicada, seus lucros serão tributáveis no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem atribuíveis a esse estabelecimento permanente.Quando uma empresa de um Estado contratante exercer sua atividade no outro Estado contratante através de um estabeleci-mento permanente aí situado, serão atribuídos em cada Estado contratante, a esse estabelecimento permanente, os lucros que obteria se constituísse uma empresa distinta e separada exercendo atividades idênticas ou similares, em condições idênticas ou similares, e transacionando com absoluta indepen-dência com a empresa de que é um estabelecimento permanente. No cálculo dos lucros de um estabelecimento permanente, é permitido deduzir as des-pesas que tiverem sido feitas para a consecução dos objetivos do estabeleci-mento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados. Nenhum lucro será atribuído a um estabele-cimento permanente pelo simples fato de comprar bens ou mercadorias para a empresa. Quando os lucros compreenderem elementos de rendimentos tra-tados separadamente nos outros artigos do presente acordo, as disposições desses artigos não serão afetadas pelo presente artigo.”

4. Para defender a incidência do Imposto de Renda, em casos que tais, a PFN invocou o Ato Declaratório Normativo Cosit nº 01/2000, e o art. 7º da Lei nº 9.779/1999. Dispõe o primeiro, no que ora releva:

“I – As remessas decorrentes de contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia sujeitam-se à tributa-ção de acordo com o art. 685, II, alínea a, do Decreto nº 3.000/1999; II – Nas convenções para eliminar a dupla tributação da renda das quais o Brasil é signatário, esses rendimentos classificam-se no artigo Rendimentos não Ex-pressamente Mencionados, e, conseqüentemente, são tributados na forma do item I, o que se dará também na hipótese de a convenção não contemplar esse artigo.”

5. Todavia, ato normativo da administração não cria hipótese de incidência fiscal e, além disso, a situação nela disciplinada refere-se apenas à serviços técnicos, não equivalentes aos que são discutidos na presente ação. Já o art. 7º da Lei nº 9.779/1999 estabelece que

“os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, e os da pres-tação de serviços, pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de vinte e cinco por cento.”

6. Não houve revogação dos tratados internacionais pelo art. 7º da Lei nº 9.779/1999, pois o tratamento tributário genérico, dado pela lei nacional, às re-messas a prestadores de serviços domiciliados no exterior, qualquer que seja o

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país em questão, não exclui o específico, contemplado em lei convencional, por acordos bilaterais. Embora a lei posterior possa revogar a anterior (lex posterior derogat priori), o princípio da especialidade (lex specialis derogat generalis) faz prevalecer a lei especial sobre a geral, ainda que esta seja posterior, como ocor-reu com a Lei nº 9.779/1999. 7. Acordos internacionais valem entre os respecti-vos subscritores e, assim, tem caráter de lei específica, que não é revogada por lei geral posterior, daí porque a solução do caso concreto encontra-se, efetivamente, em estabelecer e compreender o exato sentido, conteúdo e alcance da legislação convencional, a que se referiu a inicial. Esta interpretação privilegia, portanto, o entendimento de que, embora não haja hierarquia entre tratado e lei interna, não se pode revogar lei específica anterior com lei geral posterior. Ademais, estando circunscritos os efeitos de tratados às respectivas partes contratantes, possível e viável o convívio normativo da lei convencional com a lei geral, esta para todos os que não estejam atingidos pelos tratados, firmados com o objetivo de evitar a dupla tributação. Se isto fere a isonomia, a eventual inconstitucionalidade deve ser discutida por parte de quem foi afetado pela lei nova que, ao permitir a reten-ção pela fonte no Brasil, abriu caminho para a dupla oneração do prestador de serviço com domicílio no exterior. 8. Os tratados referem-se a “lucros”, porém resta claro, a partir dos textos respectivos, que a expressão remete, tecnicamente, ao conceito de que, na legislação interna, equivale a rendimento ou receita, tanto assim que as normas convencionais estipulam que

“no cálculo dos lucros de um estabelecimento permanente, é permitido de-duzir as despesas que tiverem sido feitas para a consecução dos objetivos do estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados”.

9. Despesas e encargos são deduzidos da receita ou rendimento a fim de permitir a apuração do lucro, logo o que os tratados excluíram da tributação, no Estado pagador, que contratou a prestação de serviços no exterior, não é tão-somente o lucro, até porque o respectivo valor não poderia ser avaliado por quem simples-mente faz a remessa do pagamento global. O que excluiu os tratados da tribu-tação no Brasil, para evitar a dupla incidência, foi o rendimento auferido com a prestação do serviço para que, no Estado de prestação, ou seja, no exterior, seja promovida a sua tributação, garantida ali, conforme a lei respectiva, a dedução de despesas e encargos, revelando, portanto, que não existe espaço válido para a prevalência da aplicação da lei interna, que prevê tributação, pela fonte pagado-ra no Brasil, de pagamentos, com remessa de valores a prestadoras de serviços, exclusivamente domiciliadas no exterior. 10. Apelação e remessa oficial despro-vidas. (Apelação/RN nº 0024461-74.2005.4.03.6100/SP; Rel. Des. Carlos Muta; Julgamento 21.01.2012)

A Procuradoria da Fazenda defende que há incidência do IR por estar regulamentado pelo Ato Declaratório Normativo Cosit nº 01/2000, e art. 7º da Lei nº 9.779/1999. Todavia, ato normativo da administração não cria hipótese de incidência fiscal e, além disso, a situação nela disciplinada refere-se apenas a serviços técnicos. Já o art. 7º da Lei nº 9.779/1999, estabelece que

os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, e os da prestação de serviços, pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes

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ou domiciliados no exterior, sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de vinte e cinco por cento.

Não houve revogação dos Tratados Internacionais pelo art. 7º da Lei nº 9.779/1999, pois o tratamento tributário genérico, dado pela lei nacional às remessas a prestadores de serviços domiciliados no exterior, qualquer que seja o país em questão, não exclui o específico, contemplado em lei convencional, por acordos bilaterais. Embora a lei posterior possa revogar a anterior (lex poste-rior derogat priori), o princípio da especialidade (lex specialis derogat generalis) faz prevalecer a lei especial sobre a geral, ainda que esta seja posterior, como ocorreu com a Lei nº 9.779/1999.

Os acordos internacionais valem entre os respectivos subscritores e, as-sim, tem caráter de lei específica, que não é revogada por lei geral posterior, daí por que a solução do caso concreto encontra-se, efetivamente, em estabelecer e compreender o exato sentido, conteúdo e alcance da legislação convencional. Esta interpretação privilegia, portanto, o entendimento de que, embora não haja hierarquia entre tratado e lei interna, não se pode revogar lei específica anterior com lei geral posterior.

Ademais, estando circunscritos os efeitos de tratados às respectivas partes contratantes, possível e viável o convívio normativo da lei convencional com a lei geral, esta para todos os que não estejam atingidos pelos tratados, firmados com o objetivo de evitar a dupla tributação. Se isto fere a isonomia, a eventual inconstitucionalidade deve ser discutida por parte de quem foi afetado pela lei nova, que, ao permitir a retenção pela fonte no Brasil, abriu caminho para a dupla oneração do prestador de serviço com domicílio no exterior26.

4.2 superior tribuNal De Justiça – stJConhecido como caso Volvo, a discussão envolve aplicação de uma

convenção firmada entre o Brasil e a Suécia (1975). A cláusula de não discrimi-nação, prevista na convenção, diz, em resumo, que os nacionais de um Estado não ficarão sujeitos em outro país à tributação diferenciada aplicada aos nacio-nais desse segundo país.

O processo envolve a remessa de lucros, de 1993, à empresa sócia na Suécia. A discussão surgiu porque a Lei nº 8.383/1991 isentou os lucros distri-buídos a residentes no Brasil (IR). Ocorre que o art. 77 da mesma Lei dispõe que, “a partir de 1º de janeiro de 1993, alíquota do IR incidente na fonte sobre os lucros e dividendos de que trata o art. 97 do Decreto-Lei nº 5.844/1943 pas-sará a ser de 15%”.

26 9. Apelação/Reexame Necessário nº 0024461-74.2005.4.03.6100/SP. Disponível em: www.trf3.jus.br.

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No Brasil, a legislação isenta 15% (IR), porém, quando for remetido para Suécia, incide os 15% de IR mais os impostos suecos. Caso a empresa exerça atividade na forma indicada, seus lucros serão tributados em outro estado, mas unicamente na medida em que forem atribuídos o estabelecimento permanente.

No julgamento do Recurso Especial, o placar de votação teve por fim 3 votos a 2. Na ocasião, os Ministros José Delgado, Francisco Falcão e Denise Arruda consideraram o princípio da isonomia prevista na Constituição Federal, que não poderia haver tratamento diferenciado ao capital estrangeiro – Teori Zavaski e Luiz Fux, atualmente no STF, seguiram o entendimento das instâncias inferiores.

A decisão foi fundamentada no aspecto de que o tratamento fiscal brasi-leiro foi anti-isonômico, com base na legislação vigente na época da apuração dos lucros de exigir a incidência de IR sobre esses negócios jurídicos e aplica-ção e interpretação sistêmica dos arts. 35 da Lei nº 7.713/1988, 75 e 77 da Lei nº 8.383/1991, e do art. 24 da Convenção Brasil-Suécia para evitar a bitribu-tação e homenagear o princípio da não discriminação aprovado pelo Decreto--Lei nº 77.053/1976. Apesar de o STJ não enfrentar explicitamente os tratados internacionais, demonstra avanço no entendimento da Corte.

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS – QUO-TISTAS DOMICILIADOS NO BRASIL E NA SUÉCIA – TRATAMENTO ISONÔ-MICO – ART. 24 DA CONVENÇÃO BRASIL E SUÉCIA PARA EVITAR DUPLA TRIBUTAÇÃO – FATO GERADOR – CONSUMAÇÃO

1. Apresenta-se harmônico com o art. 43 do CTN o Ato Declaratório nº 03, de 3 de janeiro de 1994 (Secretaria da Receita Federal), quando afirma que: “I – a incidência do Imposto de Renda, quando do pagamento ou crédito a pessoas fí-sicas ou jurídicas, residentes e domiciliadas no País, dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses, alcança exclusivamente os lucros apurados pela pessoa jurídica a partir de 1º de janeiro de 1994; II – por conseguinte, os lu-cros auferidos até 31 de dezembro de 1993 submetem-se às regras aplicáveis na época de sua formação”. 2. “Incide o Imposto de Renda sobre o lucro apurado, ainda que não distribuído, pois, o fato gerador do Imposto de Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” (Precedentes do STJ, REsp 412939, 1ª T., Min. Garcia Vieira, DJ 21.10.2002, p. 285; REsp 140917, 1ª T., Min. Milton Luiz Pereira, DJ 29.11.1993, p. 123). 3. “Os lucros apurados no ano-calendário de 1993, pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, não estão sujeitos à incidência do imposto na fonte quando distribuídos a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País (Lei nº 8.383, de 1991, art. 75)” (art. 659 do Decreto nº 3.000/1999). 4. “Os lucros apurados em período-base encer-rado entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1992, tributados na forma do art. 35 da Lei nº 7.713, de 1988, quando distribuídos, não estarão sujeitos à incidência do Imposto de Renda na fonte, ressalvado o disposto no inciso II do art. 693 (Lei nº 7.713, de 1988, art. 36 e parágrafo único)” (art. 660 do Decreto nº 3.000/1999). 5. O art. XXIV da Convenção assinada pelo Brasil e Suécia para evitar a dupla tributação, adotando o princípio da não-discriminação tributária, estabelece que “os nacionais de um Estado contratante não ficarão sujeitos no

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outro Estado contratante a nenhuma tributação ou obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que aquelas a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem na mesma situação”. Dispõe, ainda, que “as empresas de um Estado contratante, cujo capital pertencer ou for controlado, total ou parcialmente, direta ou indiretamente, por uma ou várias pessoas residentes do outro Estado contratante, não ficarão sujeitas, no primeiro Estado, a nenhuma tributação ou obrigação correspondente diversa ou mais onerosa de que aquelas a que estiverem ou puderem estar sujeitas as outras empresas da mesma natureza desse primeiro Estado”. 6. O princípio da não-discriminação tributária visa, uni-camente, a “eliminar desigualdades ante os nacionais dos Estados contratantes, que se agrega ao ordenamento interno por força de tratado internacional que o veicule” (TORRES, Heleno Taveira. Princípio da territorialidade e tributação dos não-residentes no Brasil. Prestações de serviços no exterior. Fonte de produção e fonte de pagamento. In: TORRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito tributário in-ternacional aplicado. Quartier Latin, p. 71/108). 7. Reconhecimento pela instân-cia a quo de que os lucros apurados pelos recorrentes ocorreram no período de 01.01.1989 a 31.12.1993. Fatos que não são contestados pelo Fisco. 8. Resulta tratamento fiscal brasileiro anti-isonômico, com base na legislação vigente à épo-ca da apuração dos lucros, exigir a incidência de Imposto de Renda sobre esses negócios jurídicos. 9. Aplicação e interpretação sistêmica dos arts. 35 da Lei nº 7.713/88, 75 e 77 da Lei nº 8.383/1991; do art. XXIV da Convenção assinada pelo Brasil e pela Suécia para evitar a dupla tributação e homenagear o princípio da não-discriminação, aprovado pelo Decreto nº 77.053, de 19.01.1976. 10. Re-curso conhecido e provido. (REsp 602.725/PR (2003/0195527-8), Rel. Min. José Delgado, Julgamento 03.08.2004)

4.3 supremo tribuNal De Justiça – stfTratando-se do mesmo caso (Volvo), o Plenário do Supremo Tribunal

Federal – STF iniciou julgamento dos recursos extraordinários em que se discuti a obrigatoriedade ou não da retenção na fonte e do recolhimento de Imposto de Renda, do ano-base de 1993, quanto aos dividendos enviados por pessoa jurídica brasileira a sócio residente na Suécia.

Não obstante a existência de convenção internacional firmada entre o Brasil e aquele Estado, a qual assegura tratamento não discriminatório entre ambos os países, adviera legislação infraconstitucional que permitira essa tri-butação (Lei nº 8.383/1991, art. 77 e Regulamento do Imposto de Renda de 1994 – RIR/94), isentando apenas os lucros recebidos por sócios residentes ou domiciliados no Brasil (Lei nº 8.383/1991, art. 75).

A empresa pleiteara, na origem, a concessão de tratamento isonômico entre os residentes ou domiciliados nos mencionados Estados, com a concessão da não tributação, ainda que, nos termos do art. 98 do CTN, o legislador interno não poderia revogar isonomia prevista em acordo internacional.

Ocorre que o pleito fora julgado improcedente, sentença esta mantida em sede recursal, o que ensejara a interposição de recursos especial e extraor-

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dinário. Com o provimento do recurso pelo STJ, a União também interpusera recurso extraordinário, em que defende a tributação dos contribuintes residen-tes ou domiciliados fora do Brasil. Sustenta, para tanto, ofensa ao art. 97 da CF, pois aquela Corte, ao afastar a aplicação dos preceitos legais referidos, teria declarado, por órgão fracionário, sua inconstitucionalidade.

Ainda, argumenta que a incidência do art. 98 do CTN, no caso concreto, ao conferir superioridade hierárquica aos tratados internacionais em relação à lei ordinária, transgredira os arts. 2º; 5º, II e § 2º; 49, I; 84, VIII, todos da CF. Por fim, aduz inexistir violação ao princípio da isonomia, dado que tanto o nacio-nal sueco quanto o brasileiro têm direito à isenção disposta no art. 75 da Lei nº 8.383/1991, desde que residentes ou domiciliados no Brasil, contribuintes residentes ou domiciliados no estrangeiro: tratado internacional e lei posterior.

O Relator Ministro Gilmar Mendes proveu o recurso extraordinário da União e afastou a concessão da isenção de Imposto de Renda retido na fonte para os não residentes, julgando improcedente o pedido formulado na ação declaratória, assentando o prejuízo do contribuinte. Inicialmente, apreciou re-curso interposto pela União, admitindo-o, e assinalou o cabimento de recur-so extraordinário contra decisão proferida pelo STJ apenas nas hipóteses de questões novas. Além disso, apontou que, em se tratando de recurso da parte vencedora (no segundo grau de jurisdição), a recorribilidade extraordinária, a partir do pronunciamento do STJ, seria ampla, observados os requisitos legais.

No tocante ao art. 97 da CF, consignou que o acórdão recorrido não afastara a aplicação do art. 77 da Lei nº 8.383/1991 em face de disposições constitucionais, mas sim de outras normas infraconstitucionais, sobretudo o art. 24 da Convenção entre o Brasil e a Suécia para evitar a dupla tributação em matéria de Impostos sobre a Renda e o art. 98 do CTN. Isso porque essa inaplicabilidade não equivaleria à declaração de inconstitucionalidade, nem demandaria reserva de Plenário. Quanto à suposta afronta aos arts. 2º; 5º, II e § 2º; 49, I; 84, VIII, todos da CF, após digressão evolutiva da jurisprudência do STF relativamente à aplicação de acordos internacionais em cotejo com a legislação interna infraconstitucional, asseverou que, recentemente, esta Corte afirmara que as convenções internacionais de direitos humanos têm status su-pralegal e que prevalecem sobre a legislação interna, submetendo-se somente à Constituição. Salientou que, no âmbito tributário, a cooperação internacional viabilizaria a expansão das operações transnacionais que impulsionam o desen-volvimento econômico, o combate à dupla tributação internacional e à evasão fiscal internacional, e contribuiria para o estreitamento das relações culturais, sociais e políticas entre as nações.

Em brilhante voto, o Ministro ressaltou as peculiaridades dos tratados internacionais em matéria tributária, que tocariam em pontos sensíveis da sobe-rania dos Estados e demandariam extenso e cuidadoso processo de negociação, com a participação de diplomatas e de funcionários das respectivas administra-ções tributárias, de modo a conciliar interesses e a permitir que esse instrumento

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atinja os objetivos de cada nação, com o menor custo possível para a receita tributária de cada qual. Pontuou que essa complexa cooperação internacional seria garantida essencialmente pelo pacta sunt servanda.

Nesse sentido, registrou que, tanto quanto possível, o Estado constitucio-nal cooperativo reivindica a manutenção da boa-fé e da segurança dos com-promissos internacionais, ainda que diante da legislação infraconstitucional, notadamente no que se refere ao Direito Tributário, que envolve garantias fun-damentais dos contribuintes e cujo descumprimento colocaria em risco os be-nefícios de cooperação cuidadosamente articulados no cenário internacional.

Reputou que a tese da legalidade ordinária, na medida em que permite às entidades Federativas internas do Estado brasileiro o descumprimento unilateral de acordo internacional, conflitaria com princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (art. 27). Dessa forma, reiterou que a possibilidade de afastamento da incidência de normas internacionais tri-butárias por meio de legislação ordinária (treaty override), inclusive em sede es-tadual e municipal, estaria defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual panorama internacional. Concluiu, então, que o entendimento de predomínio dos tratados internacionais não vulneraria os dispositivos tidos por violados.

Tudo indica que o STF avança o entendimento quanto à aplicabilidade dos tratados internacionais de matéria tributária no ordenamento jurídico inter-no, após o voto do Ministro Gilmar Mendes (Relator), que deu provimento ao recurso da União para julgar improcedente a ação, pedindo vista dos autos o Senhor Ministro Dias Toffoli, impedido o Senhor Ministro Luiz Fux e ausente o Ministro Joaquim Barbosa27.

Decisão: Trata-se de ação cautelar incidental ao Recurso Extraordinário nº 460.320, ajuizada pela Volvo do Brasil Veículos Ltda., com a finalidade de obter a suspensão da exigibilidade do crédito tributário objeto da Execução Fiscal nº 2005.70.00.011356-6 e, consequentemente, da própria ação executiva, até o julgamento do referido apelo extraordinário.

No julgamento dos Recursos Extraordinários nº 349.703, Relator Carlos Brito, Relator p/ Acórdão Ministro Gilmar Mendes, DJ 05.06.2009, e nº 466.343, Re-lator Cezar Peluso, DJ 05.06.2009, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal decidiu pela supralegalidade dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos.

Naquela oportunidade, conquanto a matéria debatida dissesse respeito apenas ao status dos mencionados tratados e convenções de direitos humanos, deixei assentado, em obiter dictum, o meu entendimento acerca da posição ostentada, em nosso ordenamento jurídico, pelos tratados e convenções internacionais que versam sobre tributação. Ao confirmar o voto que proferira na ocasião, manifes-tei-me nos seguintes termos:

27 9. Ação Cautelar nº 2436, Apenso Principal RE 460320. Disponível em: www.stf.jus.br.

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Não se pode ignorar que os acordos internacionais demandam um extenso e cuidadoso processo de negociação, de modo a conciliar interesses e concluir instrumento que atinja os objetivos de cada Estado, com o menor custo possível. Essa complexa cooperação internacional é garantida essencialmente pelo pacta sunt servanda. No atual contexto da globalização, o Professor Mosche Hirsch, empregando a célebre Teoria dos Jogos (Game Theory) e o modelo da Decisão Racional (Rational Choice), destaca que a crescente intensificação (i) das relações internacionais, (ii) da interdependência entre as nações, (iii) das alternativas de retaliação, (iv) da celeridade e acesso a informações confiáveis, inclusive sobre o cumprimento por cada Estado dos termos dos tratados, e (v) do retorno dos efeitos negativos (rebounded externalities) aumentam o impacto do desrespeito aos tratados e privilegiam o devido cumprimento de suas disposições (HIRSCH, Moshe. Compliance with international norms. In: HIRSCH, Moshe. The impact of international law on international cooperation. Cambridge: Cambridge Uni-versity Press, 2004. p. 184-188). Tanto quanto possível, o Estado Constitucional Cooperativo demanda a manutenção da boa-fé e da segurança dos compromis-sos internacionais, ainda que em face da legislação infraconstitucional, pois seu descumprimento coloca em risco os benefícios de cooperação cuidadosamente articulada no cenário internacional.

Importante deixar claro, também, que a tese da legalidade ordinária, na medida em que permite às entidades federativas internas do Estado brasileiro o descum-primento unilateral de acordo internacional, vai de encontro aos princípios in-ternacionais fixados pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, a qual, em seu art. 27, determina que nenhum Estado pactuante “pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Ainda que a mencionada convenção ainda não tenha sido ratificada pelo Brasil, é inegável que ela codificou princípios exigidos como costume inter-nacional, como decidiu a Corte Internacional de Justiça no caso Namíbia [Legal Consequences for States of the Continued Presence of South África in Namíbia (South West África) notwithstanding Security Council Resolution 276 (1970), First Advisory Opinion, ICJ Reports 1971, p. 16, §§ 94-95].

A propósito, defendendo a interpretação da Constituição alemã pela prevalência do Direito internacional sobre as normas infraconstitucionais, acentua o Profes-sor Klaus Vogel que, “de forma crescente, prevalece internacionalmente a noção de que as leis que contrariam tratados internacionais devem ser inconstitucionais e, consequentemente, nulas” (Zunehmend setzt sich international die Auffassung durch, dass Gesetze, die gegen völkerrechtliche Verträge verstoβen, verfassun-gswidrig und daher nichtig sein sollte) (VOGEL, Klaus. “Einleitung” Rz. 204-205. In: VOGEL, Klaus; LEHNER, Moris. Doppelbesteuerungsabkommen. 4. ed. Mün-chen: Beck, 2003. p. 137-138). Portanto, parece evidente que a possibilidade de afastar a aplicação de normas internacionais por meio de legislação ordinária (treaty override), inclusive no âmbito estadual e municipal, está defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual cenário in-ternacional e, sem sombra de dúvidas, precisa ser revista por essa Corte. O Texto Constitucional admite a preponderância das normas internacionais sobre normas infraconstitucionais e claramente remete o intérprete para realidades normativas diferenciadas em face da concepção tradicional do Direito internacional público. Refiro-me aos arts. 4º, parágrafo único, e 5º, §§ 2º, 3º e 4º, da Constituição Fede-

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78 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RET Nº 85 – Maio-Jun/2012 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

ral, que sinalizam para uma maior abertura constitucional ao Direito internacio-nal e, na visão de alguns, ao direito supranacional.

Demonstrada, pois, a plausibilidade da tese sustentada pela requerente no RE 460.320. Ademais, sabe-se que os recursos especial e extraordinário são, em re-gra, recebidos apenas no efeito devolutivo (art. 542, § 2º, do Código de Processo Civil). No caso, há decisão definitiva de mérito proferida por Tribunal Superior, contra a qual ainda pende de julgamento recurso extraordinário. Por conseguinte, considerando que, por força do art. 151, incisos IV e V, do Código Tributário Na-cional, liminares e antecipações de tutela são aptas a suspender a exigibilidade do crédito tributário, não é despropositado entender que decisões de mérito ainda não transitadas em julgado, contra as quais ainda pende de julgamento recurso rece-bido apenas no efeito devolutivo, também possam produzir esses efeitos. Cumpre registrar, também, que a própria União, em três ocasiões, postulou a suspensão da execução, enaltecendo, inclusive, a necessidade de se prestigiar, até a decisão de-finitiva do RE 460.320, o decidido no recurso especial. Não se pode olvidar que o Fisco deve sempre se conduzir com lealdade e boa-fé, sendo-lhe vedada a adoção de condutas contraditórias ou que atentem contra a confiança legítima dos con-tribuintes. No tocante ao periculum in mora, verifica-se que a requerente possui vultosos créditos a receber da Secretaria da Receita Federal do Brasil, decorrentes de sua adesão a regime especial aduaneiro (drawback – recof), os quais poderão ser penhorados, caso não seja suspensa a execução. Ante o exposto, defiro o pedido de liminar, ad referendum do Plenário, a fim de determinar a suspensão do curso da Execução Fiscal nº 2005.70.00.011356-6, em trâmite perante a 3ª Vara de Exe-cuções Fiscais de Curitiba, vedando-se, assim, a partir dessa decisão, a prática de quaisquer atos executórios constritivos. (Ação Cautelar nº 2436, Apenso Principal RE 460320, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julgamento 03.09.2009)

CONCLUSÃOConstatou-se que a legislação brasileira é obscura, não mostrando que

norma deve prevalecer quando forem contrárias, ficando a cargo da doutri-na e da jurisprudência estabelecer qual teoria melhor retrata a realidade bra-sileira, não sendo as posições pacíficas quanto a este ponto. Com base no RE 80.004/1977, entretanto, firmou-se no STF o entendimento de que a norma pos-terior derrogaria a anterior com ela conflitante, o que leva a crer que se estaria adotando um monismo moderado.

Quanto à possibilidade de prisão do depositário infiel e a constituciona-lidade do Pacto de San José da Costa Rica, foram focadas com maior atenção as posições adotadas pelo Supremo Tribunal Federal: “Os tratados internacionais em matéria tributária tocam em pontos sensíveis da soberania dos Estados e demandaria extenso e cuidadoso processo de negociação, afinal nenhum ente quer perder a parcela de sua arrecadação”28.

28 9. Ação Cautelar nº 2436, Apenso Principal RE nº 460320, Decisão Min. Gilmar Mendes. Disponível em: www.stf.jus.br.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 602.725/PR (2003/0195527-8)Relator: Ministro José DelgadoRecorrente: Gotaverken Energy do Brasil Representações Ltda. e outroAdvogado: Luiz Edmundo Cardoso Barbosa e outroRecorrido: Fazenda NacionalProcurador: Rômulo Ponticelli Giorgi Junior e outros

emeNta

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS – QUOTISTAS DOMICILIADOS NO BRASIL E NA SUÉCIA – TRATAMENTO ISONÔMICO – ART. 24 DA CONVENÇÃO BRASIL E SUÉCIA PARA EVITAR DUPLA TRIBUTAÇÃO – FATO GERADOR – CONSUMAÇÃO

1. Apresenta-se harmônico com o art. 43 do CTN o Ato Declaratório nº 03, de 3 de janeiro de 1994 (Secretaria da Receita Federal) quando afir-ma que: “I – a incidência do imposto de renda, quando do pagamento ou crédito a pessoas físicas ou jurídicas, residentes e domiciliadas no País, dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses, alcança exclusivamente os lucros apurados pela pessoa jurídica a partir de 01 de janeiro de 1994; II – por conseguinte, os lucros auferidos até 31 de dezembro de 1993 submetem-se às regras aplicáveis na época de sua formação.”

2. “Incide o imposto de renda sobre o lucro apurado, ainda que não distribuído, pois, o fato gerador do imposto de renda é a aquisição da dis-ponibilidade econômica ou jurídica” (Precedentes do STJ: REsp 412939, Min. Garcia Vieira – 1ª T., DJ 21.10.2002. p. 285; REsp 140917, Min. Milton Luiz Pereira, 1ª T., DJ de 29.11.1993, p. 123).

3. “Os lucros apurados no ano-calendário de 1993, pelas pessoas jurí-dicas tributadas com base no lucro real, não estão sujeitos à incidência do imposto na fonte quando distribuídos a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País (Lei nº 8.383, de 1991, art. 75)” (art. 659, do Decreto nº 3.000/1999).

4. “Os lucros apurados em período-base encerrado entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1992, tributados na forma do art. 35 da Lei nº 7.713, de 1988, quando distribuídos, não estarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, ressalvado o disposto no inciso II do art. 693

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(Lei nº 7.713, de 1988, art. 36 e parágrafo único)” (Art. 660, do Decreto nº 3000/1999).

5. O art. XXIV da Convenção assinada pelo Brasil e Suécia para evitar a dupla tributação, adotando o princípio da não-discriminação tributá-ria, estabelece que “os nacionais de um Estado contratante não ficarão sujeitos no outro Estado contratante a nenhuma tributação ou obriga-ção correspondente, diferente ou mais onerosa do que aquelas a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem na mesma situação”. Dispõe, ainda, que “as empresas de um Estado con-tratante, cujo capital pertencer ou for controlado, total ou parcialmente, direta ou indiretamente, por uma ou várias pessoas residentes do outro Estado Contratante, não ficarão sujeitas, no primeiro Estado, a nenhuma tributação ou obrigação correspondente diversa ou mais onerosa de que aquelas a que estiverem ou puderem estar sujeitas as outras empresas da mesma natureza desse primeiro Estado”.

6. O princípio da não discriminação tributária visa, unicamente, “eli-minar desigualdades ante os nacionais dos Estados contratantes, que se agrega ao ordenamento interno por força de tratado internacional que o veicule” (Heleno Taveira Tôrres, in “Princípio da Territorialidade e Tri-butação dos não-residentes no Brasil. Prestações de Serviços no Exterior. Fonte de Produção e Fonte de Pagamento”, in Direito Tributário Interna-cional Aplicado [obra coletiva], p. 71/108, Edit. Quartier Satin).

7. Reconhecimento pela instância a quo de que os lucros apurados pelos recorrentes ocorreram no período de 01.01.1989 a 31.12.1993. Fatos que não são contestados pelo Fisco.

8. Resulta tratamento fiscal brasileiro anti-isonômico, com base na le-gislação vigente à época da apuração dos lucros, exigir a incidência de imposto de renda sobre esses negócios jurídicos.

9. Aplicação e interpretação sistêmica dos arts. 35 da Lei nº 7.713/1988, 75 e 77 da Lei nº 8.383/1991; do art. XXIV da Convenção assinada pelo Brasil e pela Suécia para evitar a dupla tributação e homenagear o princípio da não discriminação, aprovado pelo Decreto nº 77.053, de 19.01.1976.

10. Recurso conhecido e provido.

acórDão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unani-midade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Re-lator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.

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RET Nº 85 – Maio-Jun/2012 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ������������������������������������������������������������������������������������� 81

Sustentou oralmente o Sr. Carlos André Ribas de Melo, pelas recorrentes.

Brasília (DF), 3 de agosto de 2004 (data do Julgamento).

Ministro José Delgado Relator

relatório

O Sr. Ministro José Delgado (Relator):

Cuidam os autos de Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica proposta por Gotaverken Energy do Brasil e Representações Ltda. e Brazil Trading AB com pedido de fl. 19:

“[...] ver declarada por sentença a inexistência de relação jurídica que obrigue a pri-meira autora ao recolhimento, e a segunda autora ao pagamento do imposto sobre a renda na fonte sobre valor dos dividendos distribuídos por fonte localizada no Brasil, relativamente a lucros gerados anteriormente a 1º de janeiro de 1994, como prevê o art. 77 da Lei nº 8383/1991”.

A demanda foi assim relatada pelo juízo singular (79/80):

“Gotaverken Energy do Brasil e Representações Ltda. e Brazil Trading AB qualificadas na inicial propuseram a presente ação declaratória contra a União Federal requerendo a declaração de inexistência de relação jurídica que obrigue a primeira autora ao re-colhimento, e a segunda ao pagamento, de imposto de renda sobre o valor dos lucros distribuídos pela primeira autora (domiciliada no Brasil) à segunda (domiciliada na Suécia), relativos ao período anterior a 01.01.1994.

Sustentam que a primeira autora, pessoa jurídica situada no Brasil, tem como sócia majoritária a segunda autora, empresa domiciliada na Suécia. A primeira empresa possui cláusula contratual determinando a distribuição dos lucros anuais proporcio-nalmente ou, por decisão dos sócios representando a maioria do capital social, a contabilização na conta de lucros acumulados. Em 21 de dezembro de 1994, houve aprovação dos sócios no sentido de serem distribuídos os lucros gerados nos anos de 1992 e 1993, bem como parte da Reserva de Lucros Complemento IPC/90.

Entretanto, na época da distribuição de lucros estava em vigor a Lei nº 8383/1991, a qual dispunha que, para a competência do ano de 1993, haveria a retenção de impos-to de renda sobre dividendos ou lucros remetidos à pessoa domiciliada no exterior à alíquota de 15% (art. 77). Na competência do mesmo ano, o art. 75 da citada lei pre-via a não incidência dos lucros e dividendos distribuídos aos beneficiários residentes ou domiciliados no Brasil.

Alegam que entre o Brasil e a Suécia existe convenção internacional com o fito de evitar a dupla tributação em matéria de imposto de renda, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 93/1975 e promulgada pelo Decreto nº 77.053/1976, o qual prevê o modo de distribuição de dividendos e lucro de sociedades residentes em um Estado Contratante a um residente em outro Estado Contratante. Também dispõe que entre os Estados Contratantes não haverá discriminação, no sentido de ser impingida aos nacionais do outro Estado tributação diferenciada ou mais onerosa.

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Sendo assim, com base em tal Convenção e nos arts. 5º, § 2º, da CF e 98 do CTN, sustentam a ilegalidade da cobrança da aludida exação à alíquota de 15% da sócia domiciliada na Suécia, na mesma competência em que foi prevista a não incidência para sócios domiciliados no país. Fundamentam também a irresignação alegando des-respeito ao princípio da isonomia, pois os sócios estavam em situação equivalente.

Aduzem, derradeiramente, que o critério no Direito Brasileiro para cobrança de im-posto de renda é o da renda percebida na acepção do princípio da fonte de produção da renda, ou seja, irrelevante o local de domicílio do receptor da renda. Desse modo demonstrada a discriminação com relação ao sócio residente no exterior, pois tanto este quanto o residente no país, em virtude da situação equivalente, deveriam receber o tratamento fiscal.

Foi depositado o valor controverso.

A União contestou, alegando, em síntese, que as autoras partem da premissa equi-vocada de estar ocorrendo discriminação entre nacionais do Brasil e nacionais da Suécia. Afirmam que um nacional do Brasil residente na Suécia receberá o mesmo tratamento dispensado ao nacional daquele país. Desta forma, inocorre a alegada ofensa ao princípio da isonomia. Assim, sustenta a legalidade da exação, pois em consonância com os critérios estabelecidos pela multicitada Convenção.

Houve impugnação à contestação, onde os autores repisaram os argumentos expen-didos na inicial.”

A sentença julgou procedente o pedido em dispositivo assim redigido (fls. 85/86):

“Isto posto, julgo procedente o pedido, a fim de declarar a inexistência da relação jurí-dica que obrigue a primeira autora ao recolhimento e a segunda autora ao pagamento do imposto sobre a renda na fonte sobre o valor dos lucros distribuídos pela primeira autora referentes ao ano base de 1993.

Condeno a ré no pagamento de honorários estipulados em dez por cento sobre o va-lor da causa atualizado, com base no art. 20, § 4º do CPC, e o reembolso das custas iniciais corrigidas.”

As autoras opuseram embargos de declaração às fls. 95/98 requerendo que fosse esclarecida a sentença que, ao julgar procedente o pedido, o fez apenas quan-to ao ano-base de 1993 enquanto que do pedido inicial constava “relativamente a lucros gerados anteriormente a 1º de janeiro de 1994, como prevê o art. 77 da Lei nº 8.383/1991”.

Os embargos declaratórios foram acolhidos para, corrigindo-se a omissão, retificar o dispositivo sentencial que ganhou a seguinte redação (fl. 97):

“Isto posto, julgo parcialmente a ação, a fim de declarar a inexistência da relação jurídica que obrigue a primeira autora ao recolhimento e a segunda autora ao paga-mento de imposto sobre a renda na fonte dos lucros distribuídos pela primeira autora referentes ao ano base de 1993; bem como para declarar a exigência de imposto de renda na fonte sobre os lucros auferidos no ano base 1992 e parte da Reserva de Lucro Complemento IPC/90, na alíquota de 8%, no momento da distribuição.

Considerando que houve sucumbência recíproca, na forma do art. 21, caput do CPC, condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais pro rata e honorários

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advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, com base no art. 20, § 4º, do CPC, os quais se compensarão mutuamente.”

A União apelou sustentando, em síntese, que (fl. 92):

“[...]

Como já exposto em contestação não há qualquer tratamento anti-isonômico pelo simples fato de que a tributação ocorre, seja aqui ou no Brasil. Aliás, frise-se que não há dupla tributação porquanto todo o valor pago no Brasil a título de IRRF ou ILL é de-duzido do montante a ser pago no exterior, de acordo com os arts. 23 e 24 do Decreto nº 77.053/1976. Outro fator que não ampara o discrimen argumentado pela parte deve-se ao fato que a isonomia deve ser vista entre aqueles que residentes no país ou entre aqueles residentes no exterior e não entre residentes no Brasil e residentes/domi-ciliados na Suécia. Assim não há como pretender ter o mesmo tratamento do Imposto de Renda para residentes no país e para aqueles domiciliados/residentes no exterior.”

O apelo logrou provimento em acórdão assim ementado (fls. 159/160):

“TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA FONTE – IRRF – DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS GERADOS ANTES DE 01.01.1994 A QUOTISTAS DOMICILIADOS NO BRASIL E SU-ÉCIA – TRATAMENTO ANTI-ISONÔMICO INCONFIGURADO – ART. 24 DA CON-VENÇÃO PARA EVITAR DUPLA TRIBUTAÇÃO – DECRETO Nº 77.053/1976 – MAL-TRATO INDEMONSTRADO

1. Em relação aos lucros apurados no período de 01.01.1989 a 31.12.1992, dispôs o RIR/94, aprovado pelo Decreto nº 1.041 de 11 de janeiro de 1994, em seu art. 723 que, tributados esses lucros na forma do art. 35 da Lei nº 7.713, quando distribuídos, não estarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, salvo quando perten-centes a residentes e domiciliados no exterior, caso em que incide imposto de renda na fonte, a teor do art. 725. Nesse toar, o art. 756 sujeita à incidência do imposto na fonte, à alíquota de quinze por cento, os lucros distribuídos por fonte localizados no País em benefício de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior.

2. Não restam dúvidas que prima facie ressai tratamento fiscal brasileiro anti-isonô-mico na medida em que os quinze por cento na fonte não recai sobre a distribuição feita a domiciliados no País no que atina aos lucros apurados até 12/92. Em relação ao lucro gerado em 1993, não há o ILL (art. 75 da Lei nº 8.383) tampouco o imposto de renda na fonte, mas em relação aos domiciliados no exterior continuou a incidência do imposto de renda na fonte, agora em quinze por cento (art. 77 da Lei nº 8.383).

3. Ocorre que a distribuição de lucros, objeto desta demanda, foi deliberada em 21 de dezembro de 1994 quando já vigorava o comando do art. 2º da Lei nº 8.849, de 28 de janeiro de 1994 (DOU 29.01.1994) que fazia incidir imposto na fonte também a beneficiários domiciliados no País, posto haver revogado o art. 36, caput, da Lei nº 7.713/1988 (art. 723, caput, do RIR/94) que garantia não incidência de IRRF aos domiciliados no País.

4. Em conseqüência, não restou maltratado art. XXIV da Convenção para evitar a du-pla tributação, firmada entre Brasil e Suécia, consubstanciada no Decreto nº 77.053 de 19 de janeiro de 1976 (DOU 20.01.1976) prorrogada por dez anos a partir de 01.01.1986 (DOU 03.01.1986) artigo esse que firma o princípio da não-discrimina-ção.

5. Apelação e remessa oficial providas com inversão do ônus sucumbencial.”

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As autoras opuseram novos embargos de declaração (fls. 162/170) alegando omissão no acórdão, pedindo fossem os mesmos conhecidos e providos na forma abaixo transcrita (fl. 170):

“[...]. ver sanada a omissão quanto à data de apuração dos lucros objeto de distribui-ção (1990, 1992 e 1993), questão de fato e de direito absolutamente relevante para a definição do fato gerador do Imposto de Renda e da legislação de regência que lhe é aplicável”.

Os embargos declaratórios foram desacolhidos ao pálio de argumentação assim sintetizada (fl. 175):

“Ocorre que o acórdão embargado valorou, para fins de tributação a data em que decidida a distribuição de lucros e não o momento em que os lucros foram gerados, como argumenta a recorrente.

Conclui-se que o acórdão embargado não carece de fundamentação, bem assim não possui omissões a serem sanadas.”

As autoras, inconformadas, apresentam recurso especial pela letra “a” do permissivo constitucional alegando contrariedade aos arts. 43, 98 e 114 do Código Tributário Nacional e 24 da Convenção Firmada entre o Brasil e a Suécia para evitar a bitributação em matéria de Imposto sobre a Renda.

Os artigos ditos violados preconizam que:

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qual-quer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”

“Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legisla-ção tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”

“Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como ne-cessária e suficiente à sua ocorrência.”

Argumentam às fls. 183/184 que:

“In casu, trata-se de verificar qual o direito aplicável aos lucros apurados nos anos de 1992, 1993 e no lucro complemento apurado no ano de 1990, considerando que quem o apurou foi uma pessoa jurídica de direito privado constituída através de sociedade por cotas de responsabilidade limitada – a recorrente Gotaverken, sendo relevante destacar que um dos sócios é uma sociedade estrangeira domiciliada na Suécia – a Recorrente Brazil Trading, e que a distribuição dos lucros foi determinada em assembleia realizada em 21 de dezembro de 1994 – tudo consignado na própria ementa do Acórdão recorrido.

A matéria foi assim pré-questionada, tendo se decidido de forma expressa pela não aplicação do dispositivo previsto no Tratado Internacional e pela aplicação da legis-lação vigente no momento da distribuição dos lucros e não de sua efetiva apuração.

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Destarte, pelo fato de que resta consignado na Ementa do Acórdão recorrido todo o suporte fático que permitiu ao Egrégio Tribunal Regional aplicar na hipótese Lei Tribu-tária vigente no momento da distribuição e não da apuração dos lucros, a Recorrente pede vênia para discordar deste entendimento porque o mesmo contraria os arts. 43, 98 e 114 do Código Tributário Nacional e o art. 24 de Convenção firmada entre o Bra-sil e a Suécia para evitar a bitributação em matéria de Imposto sobre a Renda aprovada pelo Decreto Legislativo nº 93 de 5 de novembro de 1975 e promulgada pelo Decreto nº 77.053 de 19 de janeiro de 1976.”

Aduzem que o aresto “valorou de forma equivocada o fato dos lucros distribuídos de fato em 1994 terem sido apurados em momento anterior, ou seja, nos exercícios de 1990, 1992 e 1993 sendo certo que em consonância com Ato Declaratório Norma-tivo dispõe que a Lei 8849/94 somente poderia ser aplicada para os lucros apurados a partir de 1994.”

São firmes em que:

“Há que se concluir, pois, que a manutenção da decisão recorrida importaria em negar a ocorrência do fato gerador do imposto sobre a renda no momento em que Lei Federal, in casu o art. 43 do Código Tributário Nacional, o estabelece, já que o indi-gitado dispositivo diz que considera-se aquisição de renda a disponibilidade jurídica sobre a mesma.

Portanto, a renda é auferida no momento em que os lucros são apurados, cabendo aos sócios quotistas lhe darem a destinação que lhes convier, tendo sido a renda apurada nos períodos de 1990, 1992 e 1993 e distribuída no ano de 1994 que faz com que, nos termos do art. 114 do Código Tributário Nacional, a legislação aplicável ao fato gerador seja a vigente no momento de sua ocorrência.

A se entender em sentido contrário, ficaria o Contribuinte possibilitado a eleger o mo-mento de ocorrência do fato gerador de determinado imposto, o que não é possível à luz da legislação de imposto de renda, que determina, quanto à incidência do imposto na distribuição de lucros, seja aplicável a lei vigente no momento de apuração dos lucros.” (fl. 190).

[...]

“Como se vê, o sócio-cotista estrangeiro, no momento da apuração dos lucros da so-ciedade respectiva, haveria de receber o mesmo tratamento fiscal que o sócio-cotista nacional, sob pena de malferimento das disposições contidas no parágrafo 1º e 4º do art. 24 do Tratado Internacional aprovado pelo Decreto Legislativo nº 93 de 5 de novembro de 1975 e promulgado pelo Decreto nº 77.053 de 19 de janeiro de 1976, firmado entre o Brasil e a Suécia.

Se o sócio-cotista brasileiro receber a distribuição de lucro apurado por pessoa jurídi-ca no ano-base de 1993, nenhum imposto de renda pagaria sobre esta renda auferida, em função de que dispunha a Lei nº 8.383/91 em seu art. 75 razão pela qual o sócio estrangeiro, ao receber a remessa correspondente a esta mesma distribuição de lucros, não deverá sofrer a incidência do imposto de renda, nos termos do dispositivo cons-tante no art. 24 do Tratado Internacional firmado entre Brasil e Suécia, como sói ser o caso da 2ª recorrente.

De acordo com o mesmo raciocínio, se em função do que dispõe o art. 35 da Lei nº 7.713/88, os lucros distribuídos ao sócio-cotista nacional ficaram sujeitos ao imposto de renda (retido na fonte pela pessoa jurídica que apurou o lucro e no momento em que o apurou) à alíquota de 8% (oito por cento), nenhum imposto de renda pode se

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exigir do sócio-cotista sueco quando da remessa dos lucros que recebeu porque estes já ficaram sujeitos à mesma tributação que sofrera o contribuinte nacional.

Diz o art. 98 do Código Tributário Nacional que o tratado revoga ou modifica a lei interna e será observado pela lei que lhe sobrevenha, e se o dispositivo prevê gene-ricamente imposto de renda retido na fonte (com as alterações posteriores) para as remessas feitas ao exterior a título de in casu, rendimentos percebidos pelos residentes no estrangeiro, é de se concluir que este dispositivo foi derrogado pelo Tratado firma-do entre o Brasil e a Suécia, consubstanciando-se tão somente numa regra geral para casos em que as partes envolvidas residam em Estados que mantêm Tratados desta natureza com o Brasil.

O que o Tratado-contrato firmado pelo Brasil e pela Suécia propugna diz respeito à equivalência de tratamento entre os contribuintes em situação idêntica e pode-se afir-mar com a mais absoluta certeza em função disto, que não poderá haver tributação diferenciada entre lucros remetidos ao sócio-cotista nacional e os remetidos ao sócio--cotista sueco (2ª Recorrente).” (fls. 192/193)

Apresenta pedido de reforma do acórdão e restabelecimento da sentença.

Em contrarrazões ofertadas à fl. 196, a Fazenda Nacional reporta-se integral-mente aos fundamentos do decisório recorrido.

Em juízo prelibatório, fl. 199v, o recurso logrou crivo positivo de admissibi-lidade.

É o relatório.

emeNta

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS – QUOTISTAS DOMICILIADOS NO BRASIL E NA SUÉCIA – TRATAMENTO ISONÔMICO – ART – 24 DA CONVENÇÃO BRASIL E SUÉCIA PARA EVITAR DUPLA TRIBUTAÇÃO – FATO GERADOR – CONSUMAÇÃO

1. Apresenta-se harmônico com o art. 43 do CTN o Ato Declaratório nº 03, de 03 de janeiro de 1994 (Secretaria da Receita Federal) quando afirma que: “I – a incidência do imposto de renda, quando do pagamento ou crédito a pessoas físicas ou jurídicas, residentes e domiciliadas no País, dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses, alcança exclusivamente os lucros apurados pela pessoa jurídica a partir de 01 de janeiro de 1994; II – por conseguinte, os lucros auferidos até 31 de dezembro de 1993 submetem-se às regras aplicáveis na época de sua formação.”

2. “Incide o imposto de renda sobre o lucro apurado, ainda que não distribuído, pois, o fato gerador do imposto de renda é a aquisição da dis-ponibilidade econômica ou jurídica” (Precedentes do STJ: REsp 412939, Min. Garcia Vieira – 1ª T., DJ 21.10.2002, p. 285; REsp 140917, Min. Milton Luiz Pereira, 1ª T., DJ de 29.11.1993, p. 123).

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3. “Os lucros apurados no ano-calendário de 1993, pelas pessoas jurí-dicas tributadas com base no lucro real, não estão sujeitos à incidência do imposto na fonte quando distribuídos a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País (Lei nº 8.383, de 1991, art. 75)” (art. 659, do Decreto nº 3.000/1999).

4. “Os lucros apurados em período-base encerrado entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1992, tributados na forma do art. 35 da Lei nº 7.713, de 1988, quando distribuídos, não estarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, ressalvado o disposto no inciso II do art. 693 (Lei nº 7.713, de 1988, art. 36 e parágrafo único)” (art. 660, do Decreto nº 3000/1999).

5. O art. XXIV da Convenção assinada pelo Brasil e Suécia para evitar a dupla tributação, adotando o princípio da não-discriminação tributá-ria, estabelece que “os nacionais de um Estado contratante não ficarão sujeitos no outro Estado contratante a nenhuma tributação ou obriga-ção correspondente, diferente ou mais onerosa do que aquelas a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem na mesma situação”. Dispõe, ainda, que “as empresas de um Estado con-tratante, cujo capital pertencer ou for controlado, total ou parcialmente, direta ou indiretamente, por uma ou várias pessoas residentes do outro Estado Contratante, não ficarão sujeitas, no primeiro Estado, a nenhuma tributação ou obrigação correspondente diversa ou mais onerosa de que aquelas a que estiverem ou puderem estar sujeitas as outras empresas da mesma natureza desse primeiro Estado”.

6. O princípio da não-discriminação tributária visa, unicamente, “eli-minar desigualdades ante os nacionais dos Estados contratantes, que se agrega ao ordenamento interno por força de tratado internacional que o veicule” (Heleno Taveira Tôrres, in “Princípio da Territorialidade e Tri-butação dos não-residentes no Brasil. Prestações de Serviços no Exterior. Fonte de Produção e Fonte de Pagamento”, in Direito Tributário Interna-cional Aplicado [obra coletiva], p. 71/108, Edit. Quartier Satin).

7. Reconhecimento pela instância a quo de que os lucros apurados pelos recorrentes ocorreram no período de 01.01.1989 a 31.12.1993. Fatos que não são contestados pelo Fisco.

8. Resulta tratamento fiscal brasileiro anti-isonômico, com base na le-gislação vigente à época da apuração dos lucros, exigir a incidência de imposto de renda sobre esses negócios jurídicos.

9. Aplicação e interpretação sistêmica dos artigos 35 da Lei nº 7.713/1988, 75 e 77 da Lei nº 8.383/1991; do art. XXIV da Convenção assinada pelo Brasil e pela Suécia para evitar a dupla tributação e homenagear o

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princípio da não-discriminação, aprovado pelo Decreto nº 77.053, de 19.01.1976.

10. Recurso conhecido e provido.

voto

O Sr. Ministro José Delgado (Relator): A pretensão recursal, conforme as-sinalada no relatório, repita-se, é ver declarada a inexistência de relação jurídica identificada nos autos, com dois efeitos:

a) de não ser, a primeira recorrente, obrigada ao recolhimento do imposto de renda sobre o valor dos dividendos distribuídos por fonte localizada no Brasil, relativamente a lucros gerados anteriormente a 1º de janeiro de 1994;

b) de não ser, a segunda recorrente, obrigada a pagar o imposto de renda na fonte sobre os fatos descritos na letra “a”.

Alegam que estão amparadas pelo art. 77 da Lei nº 8.383/1991. Este disposi-tivo tem a seguinte redação:

“Art. 77. A partir de 1º de janeiro de 1993, a alíquota do imposto sobre a renda in-cidente na fonte sobre lucros e dividendos de que trata o art. 97 do Decreto-Lei nº 5.844, de 23 de setembro de 1943, com as modificações posteriormente introduzidas, passará a ser de quinze por cento.”

O art. 97 do DL nº 5.844, de 23.09.1943, expressa:

“Art. 97. Sofrerão o desconto do imposto à razão da taxa de 10% os rendimentos percebidos:

a) pelas pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no estrangeiro;

b) pelos residentes no país que estiverem ausentes no exterior por mais de doze meses, salvo os referidos pelo art. 73.”

Acrescentam, no referente à legislação aplicável, que o art. 77, da Lei nº 8.383, de 30.12.91, foi regulamentado pelo art. 756, do DL 1.041, de 11.01.1994:

“Art. 756. Estão sujeitos à incidência do imposto na fonte, à alíquota de quinze por cento, os lucros ou dividendos, distribuídos por fonte localizada no País em benefício de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior. (Leis nºs 3.470/1958, art. 77, e 8.383/1991, art. 77).

Parágrafo único. A retenção do imposto é obrigatória na data do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa dos rendimentos (Decreto-Lei nº 5.844/1943, art. 100)”.

Afirmam, ainda, sobre a legislação aplicável aos fatos apontados (fls. 8/9):

“Sendo assim, o imposto sobre a renda de dividendos para os residentes e domicilia-dos no exterior é devido à base de 15% sobre os dividendos pagos ou distribuídos.

17. Relativamente ao imposto sobre a renda, de dividendos distribuídos a pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas no País, somente haverá incidência na fonte para os lucros gerados a partir de 1º de janeiro de 1994. Para a competência do ano de 1993, vigora o estabelecido no art. 75 da Lei nº 8.383/1991:

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Art. 75. Sobre os lucros apurados a partir de 1º de janeiro de 1.993, não incidirá imposto de renda na fonte sobre o líquido, de que trata o art. 35 da Lei nº 7.713, de 1988, permanecendo em vigor a não incidência do imposto sobre o que for distribuí-do a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País.

Anteriormente a 1993, a retenção do imposto de renda na fonte se dá, para os sócios quotistas ou acionistas residentes e domiciliados no exterior, à base de 15%, descon-tado o valor correspondente ao ILL, de 8% (oito por cento), enquanto que, para os residentes no País, aplica-se somente o percentual de 8% relativo ao ILL, nos termos do art. 35 da Lei nº 7.713/1988.”

Os fatos que se relacionam com a pretensão declaratória estão narrados pe-los recorrentes da forma que passo a registrar (fls. 2/3):

“1. A primeira autora é sociedade comercial, constituída sob a forma de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, registrada regularmente na Junta Comercial do Estado do Paraná, tendo como sócia quotista majoritária a segunda autora, que é sociedade estrangeira com sede em Gotemburgo, Suécia, e como sócia quotista minoritária empresa estabelecida nesta Capital, tudo nos termos dos instrumentos so-cietários que acompanham a presente petição inicial (Doc. 03).

2. Segundo estabelece o art. 7º do Contrato Social da primeira autora, os lucros anuais porventura apurados devem se distribuídos entre os sócios quotistas, na proporção das quotas possuídas, ou, por decisão dos sócios quotistas representando a maioria do capital social, serão contabilizados na conta de lucros acumulados.

3. Em 21 de dezembro de 1994, realizou-se Reunião de Quotistas da primeira autora, onde as quotistas decidiram aprovar, por unanimidade, a distribuição de lucros gera-dos no ano de 1992, 1993, bem como de parte da Reserva de Lucros Complemento IPC/1990 (Doc. 04). Sendo assim, nos termos do disposto no Contrato Social, confor-me citado acima, a distribuição dos lucros deu-se proporcionalmente entre as duas quotistas.”

Os recorrentes, embora vitoriosos em primeiro grau, não lograram êxito em segundo grau, resultando acórdão ementado conforme está no relatório.

O decisum recorrido repeliu a pretensão dos recorrentes com apoio no fun-damento de que a distribuição de lucros, objeto da demanda, foi deliberada em 21 de dezembro de 1994, portanto, em período que vigorava o art. 2º da Lei nº 8.849, de 22 de janeiro de 1994, cujo comando fazia incidir imposto na fonte também a beneficiários domiciliados no País, revogando, assim, o art. 36, caput, da Lei nº 7.713/1988, que garantiu não-incidência do IRRF às pessoas domiciliadas no País em situação como a descrita nos autos.

Concluiu o acórdão que, em face do aspecto temporal identificado nos fatos apontados pelo recorrente, “não restou maltratado o art. XXIV da Convenção para evitar a dupla tributação, firmada entre Brasil e Suécia, consubstanciada no Decreto nº 77.053, de 19.01.1976, prorrogada por dez anos, a partir de 01.01.1988 (DOU 03.01.1986), artigo esse que afirma o princípio da não discriminação”.

Diante do quadro acima descrito, os recorrentes entendem que o acórdão violou os arts. 43, 98 e 114, do CTN, bem como o art. 24 da Convenção mencio-nada.

Os referidos artigos dispõem:

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a) Art. 43, CTN: “O imposto, de competência da União, sobre a Renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos aos acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”

b) Art. 98, CTN: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”

c) Art. 114, CTN: “Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária a suficiente à sua ocorrência.”

d) Art. 24 da Convenção para evitar a dupla tributação, firmada entre Brasil e Suécia: “Art. XXIV – Não discriminação

1. Os nacionais de um Estado Contratante não ficarão sujeitos no outro Estado Contra-tante a nenhuma tributação ou obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que aquelas a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro Estado que se en-contrem na mesma situação.”

Tenho a matéria jurídica invocada pelos recorrentes como prequestionada. A controvérsia entre o acórdão e o recurso interposto abarca o fenômeno do instante do fato gerador do imposto de renda sobre lucros apurados e distribuídos por pes-soas jurídicas e os efeitos do art. XXIV da Convenção para evitar a dupla tributação, firmada entre Brasil e Suécia.

Conheço, em conseqüência, do presente recurso especial.

O acórdão recorrido, data vênia, contém conclusão equivocada.

O fato gerador do imposto de renda sobre lucros apurados por pessoas jurídi-cas não ocorre na data da sua distribuição. O momento consumativo é o da apura-ção, isto é, quando o balanço dispõe os valores que passam a pertencer aos sócios.

Esse entendimento resulta da disciplina legal sobre o tema, momento em que o fato gerador do imposto de renda ocorre com a aquisição da disponibilidade eco-nômica ou financeira de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos (art. 43, CTN).

Com razão, portanto, os recorrentes, quando, em sua peça recursal, afirmam (fls. 186/191):

“Resta incontroverso que os lucros objeto de distribuição foram apurados nos anos de 1990, 1992 e 1993, períodos nos quais a legislação tributária impunha tratamento fiscal diferenciado entre o sócio nacional e o estrangeiro, malferindo as disposições constantes em Tratado Internacional que propugna pela cláusula de não discrimina-ção por nacionalidade, conforme expressamente reconhecido pelo Acórdão recorri-do.

Ora, o próprio Ato Declaratório Normativo trazido junto com a exordial (fls. 3 – Ato Cosit nº 319/1994) dispõe que o diploma normativo citado pelo v. Acórdão como fun-damento para o provimento do recurso da ora Recorrida (a saber: a Lei nº 8.849/1994), somente poderia ser aplicado para os lucros apurados a partir de 1994:

“Ato Declaratório (Normativo) nº 03, de 3 de janeiro de 1994

(DOU de 14.01.1994)

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O disposto no art. 2º da Medida Provisória nº 402, de 29.12.1993, aplicar-se-á aos lucros apurados pela pessoa jurídica a partir de 1º de janeiro de 1994,

O Coordenador-Geral do Sistema de Tributação, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o disposto no art. 2º da Medida Provisória nº 402, de 29 de dezembro de 1993,

Declara, em caráter normativo, às Superintendências Regionais da Receita Federal e aos demais interessados, que:

I – a incidência do imposto de renda na fonte quando do pagamento ou crédito, a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País, de dividendos, bo-nificações em dinheiro, lucros e outros interesses, alcança exclusivamente os lucros apurados pela pessoa jurídica a partir de 1º de janeiro de 1994;

II – por conseguinte, os lucros auferidos até 31 de dezembro de 1993 submetem-se às regras aplicáveis na época de sua formação.

Aristofanes Fontoura de Holanda” (grifamos)

Este é o entendimento manifestado de forma expressa e oficial pela Própria Recorrida, sendo certo que nenhum outro entendimento sustentar-se-ia à luz das disposições infraconstitucionais que regulam o aspecto temporal do fato gerador do imposto sobre a renda.

Outrossim, é importante ressaltar que a Lei nº 8.849/1994 somente poderia ser apli-cada para o lucro auferido neste mesmo exercício (1994) sem ferir a regra de ante-rioridade inscrita no art. 150, III, a, porque esta Lei resulta de conversão da Medida Provisória nº 402 acima referida (p. 3 da inicial – histórico de tramitação das reedições da MP até a Lei nº 8.849/1994).

Desta forma, o acórdão recorrido feriu dispositivos de lei federal que normativizam o aspecto temporal do fato gerador, que disciplinam o momento em que o mesmo se deve considerar ocorrido, sendo de correntia sabença que o fato gerador incidente sobre o lucro ocorre no momento de sua apuração, nos exatos termos dos arts. 43 e 114 do Código Tributário Nacional, restando indene de dúvidas que isto é pacífico e tranquilo na Legislação de Imposto de renda, na qual estas disposições estão consig-nadas até mesmo no Regulamento Atual de Imposto de Renda, que veio trazido com o Decreto nº 3.000/1999:

Decreto nº 3.000/1999:

“Subseção II

Lucros Apurados nos Anos-calendário de 1994 e 1995

Art. 655. Os dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses, relativos aos lucros apurados nos anos-calendário de 1994 e 1995, quando pagos ou credita-dos a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País, estão sujeitos à incidência do imposto na fonte à alíquota de quinze por cento (Lei nº 8.849, de 1994, art. 2º, e Lei nº 9.064, de 1995, art. 1º).”

“Subseção III

Lucros Apurados no Ano-calendário de 1993

Art. 659. Os lucros apurados no ano-calendário de 1993, pelas pessoas jurídicas tri-butadas com base no lucro real, não estão sujeitos à incidência do imposto na fonte

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quando distribuídos a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País (Lei nº 8.383, de 1991, art. 75).”

“Subseção IV

Lucros Apurados no Período de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 1992

Lucros Distribuídos

Art. 660. Os lucros apurados em período-base encerrado entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1992, tributados na forma do art. 35 da Lei nº 7.713, de 1988, quando distribuídos, não estarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, ressalvado o disposto no inciso II do art. 693 (Lei nº 7.713, de 1988, art. 36 e parágrafo único).”

De toda sorte, a Jurisprudência desta Colenda Corte de Justiça considera que o mo-mento de apuração de lucros é fundamental para se definir com exatidão a legislação aplicável ao fato gerador, pois entende que a apuração dos lucros evidencia a dispo-nibilidade jurídica dos mesmos, subsumindo-se na hipótese de aquisição de renda descrita pelo art. 43 do Código Tributário Nacional:

‘Acórdão

REsp 204487/RJ, Recurso Especial nº 1999/0015513-0

DJ Data: 19.03.2001, p. 00097 Relator: Min. Francisco Peçanha Martins

EMENTA:

PROCESSO CIVIL – TRIBUTÁRIO – IRPJ – LUCRO NÃO DISTRIBUÍDO – INCIDÊN-CIA – LEI Nº 7713, ART 35. CTN, ART 43 – MATÉRIA CONSTITUCIONAL – PRECE-DENTES

1. O Imposto de Renda incide sobre o lucro apurado, ainda que não distribuído, pois o fato gerador do referido tributo é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurí-dica. Entendimento consagrado no STJ.

2. Eventual violação do art. 43, CTN pelo art. 35 da Lei nº 7.713/1988 envolve discus-são sobre o princípio da hierarquia das leis, matéria constitucional a ser dirimida no âmbito do Recurso Extraordinário.

3. Recurso Especial improvido.

Decisão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Votaram com o Relator os Ministros Eliana Calmon, Paulo Ga1lotti, Franciulli Netto e Castro Filho.’ (os grifos são nossos)

‘Acórdão

REsp 412939/SC; Recurso Especial nº 2002/0017583-0

DJ Data: 21.10.2002, p. 00285, Relator: Min. Garcia Vieira

EMENTA:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – FATO GERADOR – LUCRO PESSOA JURÍDICA – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – MANIFESTAÇÃO SA-

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TISFATÓRIA DO TRIBUNAL A QUO – INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC

Incide o imposto de renda sobre o lucro apurado, ainda que não distribuído, pois o fato gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica.

Não há como divisar violação ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem apreciar todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia.

Inexiste cerceamento de defesa quando o órgão julgador indefere pedido de produção de prova pericial e julga antecipadamente a lide com base em provas documentais apresentadas na tese postulatória, suficientes para o convencimento do julgador.

Recurso conhecido, mas improvido.

Decisão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, José Delgado, Francisco Falcão e Luiz Fux’ (os grifos são nossos)

‘Acórdão

REsp 140917/PB; Recurso Especial nº 1997/0050637-1

DJ Data: 29.11.1999, p. 00123, Relator: Min. Milton Luiz Pereira

Ementa:

Tributário. Imposto de Renda. Lucro não Distribuído. CTN, arts. 43. Lei nº 7.713/1988.

1. Independentemente de sua efetiva distribuição aos sócios ou acionistas, existente a disponibilidade jurídica, a alteração do momento da incidência do Imposto de Renda sobre o lucro líquido apurado, não causa alteração substancial no fato gerador ou à base de cálculo.

2. Precedentes iterativos.

3. Recurso provido.

Decisão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Rela-tor os Senhores Ministros José Delgado, Garcia Vieira e Humberto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira. Custas, como de lei.’ (os grifos são nossos)

Há que se concluir, pois, que a manutenção da decisão recorrida importaria em negar a ocorrência do fato gerador do imposto sobre a renda no momento em que a Lei Federal, in casu o art. 43 do Código Tributário Nacional, o estabelece, já que o indi-gitado dispositivo diz que se considera aquisição de renda a disponibilidade jurídica sobre a mesma.

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Portanto, a renda é auferida no momento em que os lucros são apurados, cabendo aos sócios quotistas lhe darem a destinação que lhes convier, tendo sido a renda apurada nos períodos de 1990, 1992 e 1993 e distribuída no ano de 1994 o que faz com que, nos termos do art. 114 do Código Tributário Nacional, a legislação aplicável ao fato gerador seja a vigente no momento de sua ocorrência.

A se entender em sentido contrário, ficaria o Contribuinte possibilitado a eleger o mo-mento de ocorrência do fato gerador de determinado imposto, o que não é possível à luz da legislação de imposto de renda, que determina, quanto à incidência do imposto na distribuição de lucros, seja aplicável a lei vigente no momento de apuração dos lucros.

Neste sentido, por exemplo, é o Voto que relata o v. Acórdão recorrido, quando utili-za o vocábulo “apurados” referindo-se à incidência do imposto de renda quanto aos lucros verificados em 1996:

“Por derradeiro, sinalo que os lucros apurados a partir de 01.01.1996, estão isentos (art. 10 da Lei nº 9.24919/95), distribuídos a domiciliados no País ou no Exterior.”’

Definido, portanto, o panorama fático e jurídico acima descrito, passo a exa-minar a pretensão dos recorrentes de verem aplicado, em seu favor, o art. XXIV da Convenção firmada entre o Brasil e a Suécia para evitar a dupla tributação.

Com razão o acórdão recorrido quando, na parte inicial do voto lavrado pelo eminente relator, anuncia (fls. 155/157):

“Cuida-se de isonomia tributária na distribuição de lucro pela autora Gotaverken Energy do Brasil Representações Ltda., deliberada por seus sócios-quotistas em 21 de dezembro de 1994, a sócios-quotistas pessoas jurídicas, uma domiciliada no Brasil (Kvaerner Pulping Tecnologia para Celulose Ltda.) e outra domiciliada na Suécia (Bra-zil Trading AB), oriundo dos resultados gerados nos anos de 1992 e 1993 e parte da Reserva de Lucros Complemento IPC/1990.

A legislação de regência, trazida à baila pela autora compreende os seguintes diplo-mas e dispositivos legais:

A) Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, art. 35:

‘Art. 35. O sócio-quotista, o acionista ou o titular da empresa individual ficará sujeito ao Imposto de Renda na fonte, à alíquota de 8% (oito por cento), calculado com base no lucro líquido apurado pelas pessoas jurídicas na data do encerramento do período--base.’

B) Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, arts. 75 e 77:

‘Art. 75. Sobre os lucros apurados a partir de 10 de janeiro de 1993 não incidirá o imposto de renda na fonte sobre o lucro líquido, de que trata o art. 35 da Lei nº 7.713, de 1998, permanecendo em vigor a não-incidência do imposto sobre o que for distri-buído a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País.

[...]

Art. 77. A partir de 1º de janeiro de 1993, a alíquota do imposto sobre a renda inci-dente na fonte sobre lucros e dividendos de que trata o artigo 97 do Decreto-Lei n. 5.844, de 23 de setembro de 1943, com as modificações posteriormente introduzidas, passará a ser de quinze por cento.’

C) Lei nº 5.844, de 23 de setembro de 1943, art. 97:

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‘Art. 97. Sofrerão desconto do imposto à razão da taxa de 10% os rendimentos per-cebidos:

a) pelas pessoas jurídicas residentes ou domiciliadas no estrangeiro.’

D) Lei nº 8.849, de 28 de janeiro de 1994, art. 2º:

‘Art. 2º Os dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses, quando pagos ou creditados a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País, estão sujeitos à incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento).’

Do conjunto normativo suso, concluiu a autora tratamento desigual entre domicilia-dos no Brasil e na Suécia porque:

‘a) para a competência do ano de 1993:

– Residente ou domiciliado no exterior: retenção do imposto de renda na fonte à alíquota de 15%;

– Residente ou domiciliado no País: não sujeito a retenção de imposto de renda na fonte.

b) para o período anterior a 1993:

– Residente ou domiciliado no exterior: retenção de imposto de renda na fonte à alí-quota de 15%, descontado valor correspondente a 8% do ILL;

– Residente ou domiciliado no País: somente 8% relativo ao ILL.’

Em consequência, entende maltratado art. XXIV da Convenção para evitar a dupla tributação, firmada entre Brasil e Suécia, consubstanciada no Decreto nº 77.053, de 19 de janeiro de 1976 (DOU 20.01.1976), prorrogada por dez anos a partir de 01.01.1986 (DOU 03.01.1986), artigo esse que firma o princípio da não discrimina-ção:

‘Art. XXIV – Não discriminação.

1. Os nacionais de um Estado Contratante não ficarão sujeitos no outro Estado Contra-tante a nenhuma tributação ou obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que aquelas a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro Estado que se en-contrem na mesma situação.’

A precitada Convenção, sobre dividendos dispõe:

‘Art. X

Dividendos

1. Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante são tributáveis nesse outro Estado.

2. Todavia, esses dividendos podem ser tributados no Estado Contratante onde reside a sociedade que os paga, e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não poderá exceder:

a) 15 por cento do montante bruto dos dividendos se o beneficiário for uma sociedade (excluindo-se as sociedades de pessoas);

b) 25 por cento do montante bruto dos dividendos em todos os demais casos.

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As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acor-do, a forma de aplicar esta limitação.

Este parágrafo não afetará a tributação da sociedade com referência aos lucros que deram origem aos dividendos pagos.’

Pois bem.

No dizente ao art. 35 da Lei nº 7.713/1988, sua aplicabilidade subordina-se ao que dispõe o contrato social e este soa no art. 7º que ‘os lucros porventura apurados serão distribuídos entre os sócios quotistas na proporção das quotas possuídas, ou, de acor-do com a deliberação de sócios-quotistas que representem a maioria do capital social, contabilizados na conta de lucros acumulados’ (fl. 32), o que equivale a dizer, a teor de pacífica jurisprudência do Alto Pretório, que não há automática incidência do ILL quando do levantamento das demonstrações financeiras.

Não há notícias nos autos tenha a autora tributado ILL quando do levantamento das demonstrações financeiras.

Em relação aos lucros apurados no período de 01.01.1989 a 31.12.1992, dispôs o RIR/1994, aprovado pelo Decreto nº 1.041, de 11 de janeiro de 1994, em seu art. 723 que, tributados esses lucros na forma do art. 35 da Lei nº 7.713, quando distribuídos, não estarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, salvo quando perten-centes a residentes e domiciliados no exterior, caso em que incide imposto de renda na fonte, a teor do art. 725. Nesse toar, o art. 756 sujeita à incidência do imposto na fonte, à alíquota de quinze por cento, os lucros distribuídos por fonte localizada no País em beneficio de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior.

Não restam dúvidas que, prima facie, ressai tratamento fiscal brasileiro anti-isonômico na medida em que os quinze por cento na fonte não recai sobre a distribuição feita a domiciliados no País, no que atina aos lucros apurados até 12/1992. Em relação ao lucro gerado em 1993, não há o ILL (art. 75 da Lei nº 8.383) tampouco o imposto de renda na fonte, mas em relação aos domiciliados no exterior continuou a incidência do imposto de renda na fonte, agora em quinze por cento (art. 77 da Lei nº 8.383).”

Há, no caso dos autos, diferença de tratamento tributário não apoiada pelo art. XXIV da Convenção discutida no curso da lide, conforme os recorrentes explicitam às fls. 3/7:

“4. A matéria relativa ao Imposto sobre a Renda incidente na fonte sobre os lucros ou dividendos distribuídos por fonte localizada no País em benefício de pessoa jurídica residente ou domiciliada no exterior estava, à época do pagamento em questão, regi-da pela Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, posteriormente regulamentada pelo art. 756 do Decreto nº 1.041, de 11 de janeiro de 1994. Segundo o estabelecido nos citados dispositivos, os lucros ou dividendos distribuídos por fonte localizada no País em benefício de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior ficam sujeitos à incidência do imposto na fonte, à alíquota de 15% (quinze por cento), sendo a retenção do imposto obrigatória na data do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa dos dividendos.

5. Para os beneficiários de lucros ou dividendos residentes e domiciliados no País, a matéria está regulamentada em legislação diversa: aplica-se o disposto na Lei nº 8.849 de 28 de janeiro de 1994, que sujeita estes beneficiários, a partir de 1º de janeiro de 1994, à incidência de imposto na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento).

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6. Ressalte-se, porém, que a citada Lei nº 8.849/1994 sujeitou à incidência do imposto na fonte somente os lucros gerados a partir de 1º de janeiro de 1994, conforme dei-xou claro o Ato Declaratório nº 3 do Coordenador Geral do sistema de Tributação, de janeiro de 1994, que estabeleceu que ‘a incidência do imposto de renda na fonte quando do pagamento ou crédito, a pessoas físicas residentes ou domiciliadas no País, de dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses, alcança exclusi-vamente os lucros apurados pela pessoa jurídica a partir de 1º de janeiro de 1994’.

Sendo assim, para a competência do ano de 1993, vigora o estabelecido no art. 75 da Lei nº 8.383/1991, que determina a não incidência do imposto sobre o que for distri-buído a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País.

7. Anteriormente a 1993, o beneficiário de lucros ou dividendos domiciliado ou resi-dente no País estava sujeito à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 8% (oito por cento) relativa ao lucro líquido (ILL), conforme estabelece o art. 35 da Lei nº 7.713/1988:

‘Art. 35. O sócio quotista, o acionista ou o titular de empresa individual ficará sujeito ao Imposto sobre a Renda na fonte, à alíquota de oito por cento, calculado com base no lucro líquido apurado pelas pessoas jurídicas na data do encerramento do período base.’

8. Do exposto acima, denota-se que existe diferenciação no tratamento dispensado entre os residentes ou domiciliados no exterior e os residentes ou domiciliados no País, com relação à incidência do Imposto sobre a Renda na fonte anteriormente a 1994. Tal diferenciação resume-se da seguinte forma:

a) para a competência do ano de 1993:

– Residente ou domiciliado no exterior: retenção do imposto de renda na fonte à alíquota de 15%

– Residente ou domiciliado no País: não sujeito à retenção de imposto de renda na fonte.

b) Para o período anterior a 1993:

– Residente ou domiciliado no exterior: retenção de imposto de renda na fonte à alí-quota de 15%, descontado valor correspondente a 8% do ILL.

– Residente ou domiciliado no País: somente 8% relativo ao ILL.

9. Ocorre, porém, que no quadro social da primeira autora (empresa brasileira que procedeu a distribuição dos dividendos), há participação acionária de pessoa jurídica domiciliada na Suécia (segunda autora). Por seu domicílio, sujeita-se ao Decreto nº 77.053, de 19 de janeiro de 1976, que promulgou convenção internacional assinada entre o Brasil e a Suécia para evitar a dupla tributação em matéria de imposto sobre a renda, convenção esta aprovada pelo Decreto Legislativo nº 93, de 24 de janeiro de 1975.

O referido Decreto assim estabelece sobre a questão da remessa de dividendos:

Artigo X Dividendos

1. Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante são tributáveis nesse outro Estado.

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2. Todavia, esses dividendos podem ser tributados no Estado Contratante onde reside a sociedade que os paga, e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não poderá exceder:

a) 15 por cento do montante bruto dos dividendos se o beneficiário for uma sociedade (excluindo-se as sociedades de pessoas);

b) 25 por cento do montante bruto dos dividendos em todos os demais casos.

As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acor-do, a forma de aplicar esta limitação.

Este parágrafo não afetará a tributação da sociedade com referência aos lucros que deram origem aos dividendos pagos.

Além disto, a referida Convenção Internacional, em seu art. XXIV, estabelece o prin-cípio da não discriminação no tratamento tributário dispensado entre nacionais dos dois países:

Artigo XXIV

Não discriminação

1. Os nacionais de um estado Contratante não ficarão sujeitos no outro Estado Contra-tante a nenhuma tributação ou obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que aquelas a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro Estado que se en-contrem na mesma situação.

[...] omissis [...]

4. As empresas de um Estado Contratante, cujo capital pertencer ou for controlado, total ou parcialmente, direta ou indiretamente, por uma ou várias pessoas residentes do outro Estado Contratante, não ficarão sujeitas, no primeiro Estado, a nenhuma tributação ou obrigação correspondente diversa ou mais onerosa do que aquelas a que estiverem ou puderem estar sujeitas as outras empresas da mesma natureza desse primeiro Estado.

10. Tendo-se em vista entenderem as autoras que a aplicação da norma de não dis-criminação prevista no referido tratado internacional está alicerçada, como direito e garantia na Constituição Federal, em seu art. 5º, § 2º, bem como pelo art. 98 do Código Tributário Nacional, e pelo Art. 1028 do Regulamento do Imposto sobre a Renda, instalou-se dúvida quanto ao adequado e correto procedimento tributário a ser adotado pelas autoras, que procederam à formulação de consulta à Receita Federal.

11. A apresentação da consulta deu-se em 29.12.1994, à Superintendência da Receita Federal em Resende, RJ, onde, à época, estava sediada a primeira autora. As então consulentes sustentavam lá, como agora, que a retenção do imposto de renda na fonte era inexigível para os países em que o Brasil tivesse firmado acordo para evitar dupla tributação.

Em decisão de nº 223/1995 (Doc. 05), aquela Superintendência entendeu correto o entendimento das consulentes, nos seguintes termos:

‘IRRF – Retenção na fonte na distribuição de lucros. À pessoa jurídica, domiciliada na Suécia, beneficiária na distribuição de lucros, dá-se o mesmo tratamento tributário dispensado às pessoas jurídicas domiciliadas no País, por força do art. 24 do Acordo Internacional aprovado pelo Decreto Legislativo nº 93, de 24.01.1975.’

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12. Da decisão prolatada, houve recurso de ofício ao Coordenador-Geral do sistema de Tributação. Entretanto, antes que houvesse decisão daquela Coordenadoria-Geral, houve a edição da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que estabeleceu, em seu art. 48, § 13º, a necessidade de renovação de consultas anteriormente formuladas, não solucionadas definitivamente, até o prazo de 31 de janeiro de 1997. Ademais, a refe-rida lei, regulamentada pela Instrução Normativa nº 2, de 9 de janeiro de 1997, deter-minou a solução de consultas em instância única pela Secretaria da Receita Federal.

13. Face à determinação legal supracitada, as autoras, defendendo o mesmo entendi-mento, reapresentaram a consulta, agora à Superintendência da Secretaria da Receita Federal de Curitiba, vez que a sede da primeira autora foi transferida de Resende, RJ, para esta Capital.

Todavia, a Superintendência da Receita Federal em Curitiba respondeu à consulta de forma oposta à Superintendência de Resende, entendendo que a cláusula de não discriminação prevista na Convenção Brasil-Suécia não afasta a tributação do imposto de renda na fonte sobre os lucros distribuídos a beneficiário domiciliado no exterior (Doc. 06).

Segundo o digníssimo Julgador, a tributação do imposto de renda na fonte não ofende a cláusula de não discriminação contida na Convenção Internacional, pois ‘não estão na mesma situação o sócio brasileiro e o sueco, por estar este domiciliado no exterior e aquele domiciliado no Brasil’.

14. Entretanto, da leitura desta decisão, fica claramente evidenciado o tratamento simplista à questão, em total desrespeito à Constituição Federal, ao art. 1.028 do RIR e ao art. 98 do Código Tributário Nacional.

Como se verá a seguir, o Sistema Tributário Nacional, conforme estabelecido na Cons-tituição Federal, em seu art. 150, II, fulmina de inconstitucionalidade qualquer preten-são do Estado em instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.

E mais, a regra de isonomia prescrita na Convenção Brasil-Suécia é, a rigor, corolário do art. 5º, § 2º da Constituição Federal, que estabelece a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, inclusive quanto aos direitos e as garantias decorrentes de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

15. Justifica-se, pois, a propositura da presente ação, que tem por finalidade ver decla-rado por sentença a inexistência de relação jurídica que obrigue a autora brasileira ao recolhimento e a autora sueca o pagamento do imposto sobre a renda na fonte sobre o valor dos dividendos distribuídos pela primeira autora.”

Os efeitos jurídicos das convenções firmadas pelos Estados (Nação) para que seja evitada a dupla tributação foram bem analisados por Heleno Taveira Tôrres, no artigo “Princípio da Territorialidade e Tributação de não-residentes no Brasil. Pres-tações de Serviços no Exterior. Fonte de Produção e Fonte de Pagamento”, publica-do na obra coletiva Direito Tributário Internacional Aplicado, Edit. Quartier Satin, p. 71/108. No trato da aplicação do “princípio de não-discriminação dos regimes de não-residentes nas convenções para evitar a dupla tributação”, o referido autor explicita:

“Quanto à sua finalidade, trata-se de um preceito exclusivamente destinado a eliminar desigualdades de tratamento tributário ante os nacionais dos Estados contratantes, que

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se agrega ao ordenamento interno por força de tratado internacional que o veicule. Desse modo, o princípio da não discriminação não é inerente apenas ao tratamento da dupla tributação internacional, como pensam muitos. Quando um Estado firma, por exemplo, uma convenção internacional para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal, em realidade compromete-se perante a outra nação não apenas para (i) reduzir ou eliminar hipóteses de dupla tributação e evitar a evasão fiscal, em ma-téria de impostos sobre a renda e o capital, nas relações entre os residentes de um e de outro Estado; mas também para (ii) garantir a aplicação do princípio da interdição de tratamento discriminatório sobre qualquer nacional (âmbito subjetivo), e qualquer espécie de tributo aplicável (âmbito objetivo). Essa circunstância evidencia a razoável autonomia que esse princípio goza no corpo da referida Convenção, ao estabelecer-se como o princípio-base de reciprocidade no relacionamento entre ambos os Estados, tal como se encontra no último parágrafo do art. 24, ao estatuir que as disposições do artigo aplicar-se-ão aos impostos de todo o tipo e descrição. E prova de que este princípio é autônomo em relação a essa modalidade de convenção, temos que ele aparece ainda em outras espécies de convenções em matéria tributária, com se vê no art. 3º do Acordo GATT, em matéria de tributação sobre o comércio internacional.

Sobre suas características, mostra-se, o princípio da não discriminação, como sendo um preceito vinculante para os Estados que o contemplem, quanto à criação ou apli-cação de normas que tenham por finalidade entabular restrições à natureza tributária para os nacionais de outro Estado. Descortina-se, assim, a natureza de instrumentali-dade do princípio da não discriminação, na garantia de aplicação de um tratamento fiscal equivalente para os nacionais de um e do outro Estado signatário. Sendo instru-mental, descabe falar de um valor absoluto que lhe possa servir como único conteúdo possível, porquanto o tratamento discriminatório praticado contra nacionais do outro Estado signatário pode manifestar-se por vários modos, pois tratar de maneira distinta situações similares ou situações diversas de modo igual, a partir de uma análise de comparabilidade, pode tanto demonstrar a presença de uma discriminação, como de uma restrição, ou mesmo de nenhuma das duas.

Considerando sua inegável importância, nos últimos anos, a doutrina mais relevante vem insistindo com a implantação de um modelo de tributação que respeite, o mais que possível, princípios consagrados pela ordem internacional, de modo a criar am-biente propício para a consecução de um sistema tributário equitativo e neutro quanto aos investimentos transnacionais. O fundamento é basicamente simples. Entendem seus arautos que uma vez aceito, quase que universalmente, o princípio de tratamento igualitário, aplicável aos sujeitos passivos que se encontrem em circunstâncias seme-lhantes, como está presente na maioria das constituições, este mesmo princípio há de informar também o tratamento sobre a tributação da renda transnacional, mormente quando em presença de específicas convenções internacionais (inter-nations equity) que o contemplem sob a forma de vedação ao tratamento discriminatório.

O art. 24 do Modelo OCDE, desse modo, dispõe o princípio da não discriminação, segundo o qual os nacionais de um Estado contratante não ficarão sujeitos no outro Estado contratante a quaisquer obrigações tributárias, relativas a estes, diversas ou mais onerosas daquelas que estejam ou possam vir a estar em vigor para os nacionais deste outro Estado, quando se encontrem nas mesmas circunstâncias.

Como já foi mencionado, uma Convenção para: i) evitar a dupla tributação inter-nacional; e ii) prevenir a evasão fiscal, além dessas duas funções, limitadas exclu-sivamente para aplicação quanto aos “residentes” de um e do outro Estado (âmbito subjetivo de aplicação, art. 1º), nos casos que envolvam impostos incidentes sobre a renda e o capital (âmbito objetivo de aplicação, art. 2º); tem consigo ainda uma outra

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função: iii) impedir a aplicação de tratamentos discriminatórios (art. 24) praticados contra “nacionais” (ou apátridas residentes) de um e do outro Estado (âmbito subje-tivo de aplicação, § 1º), nos casos que envolvam impostos de qualquer natureza ou denominação (âmbito objetivo de aplicação, § 6º). Vista nesses termos, a cláusula de nãodiscriminação assume uma razoável autonomia em relação às disposições sobre eliminação de dupla tributação, na medida em que pode ser reclamada e aplicada mesmo em casos que não envolvam hipóteses de dupla cobrança de tributos, por am-bos os Estados signatários, sobre o mesmo sujeito passivo. Para marcar melhor essas distinções, vale relacionar os campos de aplicação dos dispositivos, visando a uma melhor compreensão.

Feitas essas distinções no corpo da própria convenção internacional, ao projetarmos seus efeitos sobre o direito interno, reafirmamos, sob a égide da Constituição vigente nesta República, não ser absolutamente aceitável, à luz de todos os preceitos sobre as liberdades e garantias da ordem econômica, historicamente construídos sobre só-lidos fundamentos, a presença de quaisquer mecanismos discriminatórios sobre em-presas não residentes, quando estas se encontram em situações equivalentes, em vista de disposições de direito constitucional e considerando o efeito de prevalência de aplicabilidade que as convenções em matéria tributária possuem sobre a legislação infraconstitucional, conforme declara o art. 98, do Código Tributário Nacional, que é Lei Nacional, no papel de norma geral, com eficácia de Lei Complementar, como prescreve o art. 146, III, da Constituição.”

Isso posto, conheço e dou provimento ao recurso para restabelecer a decisão de primeiro grau em toda a sua expressão. Inverto os ônus sucumbenciais.

É como voto.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Francisco Falcão: Sr. Presidente, a matéria já foi tratada na Turma, inclusive naquela ocasião pedi vista dos autos e divergi do voto de V. Exa., acompanhando o voto já divergente do Sr. Ministro José Delgado no caso da Volvo.

Por essa razão, seguindo a jurisprudência, acompanho o voto do Sr. Minis-tro-Relator, dando provimento ao recurso especial.

certiDão De JulgameNto primeira turma

Número Registro: 2003/0195527-8 RESP 602725

Números Origem: 200004011366291 9700239489

Pauta: 03.08.2004 Julgado: 03.08.2004

Relator: Exmo. Sr. Ministro José Delgado

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Luiz Fux

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Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Célia Regina Souza Delgado

Secretária: Belª Maria do Socorro Melo

autuação

Recorrente: Gotaverken Energy do Brasil Representações Ltda. e outro

Advogado: Luiz Edmundo Cardoso Barbosa e outro

Recorrido: Fazenda Nacional

Procurador: Rômulo Ponticelli Giorgi Junior e outros

Assunto: Tributário – Imposto de Renda – Pessoa Jurídica

susteNtação oral

Sustentou oralmente o Sr. Carlos André Ribas de Melo, pelas recorrentes.

certiDão

Certifico que a egrégia Primeira Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 3 de agosto de 2004

Maria do Socorro Melo Secretária

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Assunto Especial – Ementário

Tratados Internacionais em Matéria Tributária

9908 – IRPJ – envio de dividendos a sócio no exterior – retenção na fonte – exegese

“Decisão. Trata-se de ação cautelar incidental ao Recurso Extraordinário nº 460.320, ajuizada pela Volvo do Brasil Veículos Ltda., com a finalidade de obter a suspensão da exigibilidade do crédito tributário objeto da Execução Fiscal nº 2005.70.00.011356-6 e, consequentemente, da própria ação executiva, até o julgamento do referido apelo extraordinário.” (STF – AC 2436 – Min. Gilmar Mendes – DJe 5/09/2009)

comentário RETPassamos a comentar um acórdão que envolveu a discussão sobre a obrigatoriedade, ou não, da retenção na fonte e do recolhimento de Imposto de Renda, no ano-base de 1993, quanto a dividendos enviados por pessoa jurídica brasileira a sócio residente na Suécia. Na espécie, não obstante a existência de convenção internacional firmada entre o Brasil e aquele Estado, a qual assegura tratamento não discriminatório entre ambos os países, ad-viera da legislação infraconstitucional que permitira essa tributação (Lei nº 8.383/1991, art. 77 e Regulamento do Imposto de Renda de 1994 – RIR/1994), isentando apenas os lucros recebidos por sócios residentes ou domiciliados no Brasil (Lei nº 8.383/1991, art. 75). Segundo o relato da petição inicial, em 22 de março de 1996, foi ajuizada ação decla-ratória de inexistência de relação jurídico-tributária (Processo nº 96.0003305-6), sob a alegação de que, em virtude da existência de tratado celebrado entre o Brasil e a Suécia, a fim de evitar a dupla tributação internacional em matéria de imposto de renda, não lhe seria aplicável o dispositivo da Lei nº 8.383/1991, que previra a incidência do mencio-nado tributo, à alíquota de 15% (quinze por cento), sobre os dividendos distribuídos a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior. Com o escopo de obter a suspensão da exigibilidade do crédito, a requerente efetuou o depósito do montante integral do tributo, nos termos do art. 150, II, do Código Tributário Nacional. Posteriormente, o pleito da requerente foi julgado improcedente pelo órgão jurisdicional de 1ª instância, decisão confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Em 22 de junho de 2004, o Superior Tribunal de Justiça, contudo, deu provimento ao recurso especial, acolhendo a tese sustentada pela requerente.Contra o mencionado acórdão foi ajuizado recurso extraordinário (RE 460.320, sob a minha relatoria), ainda pendente de decisão. Em 2 de maio de 2005, a União (Fazenda Nacional) ajuizou execução fiscal (Processo nº 2005.70.00.011356-6), que teria por objeto “(i) suposta diferença dos depósitos efetua-dos na ação pelo rito ordinário, decorrente da inclusão de acessórios e da multa regula-mentar, com lavratura de auto de infração durante o trâmite da ação de conhecimento; e (ii) não aplicação da taxa Selic (pelo banco depositário – CEF) na correção dos depósitos judiciais efetuados pelo autor também nos autos da ação pelo rito ordinário” (fl. 5). A requerente, executada naqueles autos, nomeou a penhora bens que oferecera em ga-rantia em ação cautelar que ajuizara anteriormente com a finalidade de obter Certidão Negativa de Débitos.Entre os meses de dezembro de 2005 e outubro de 2006, a União (Fazenda Nacional) formulou sucessivos pedidos de suspensão da execução fiscal, inicialmente apenas pelo prazo de noventa dias e, posteriormente, até o julgamento definitivo do RE 460.320. Todos os pedidos foram deferidos pelo juízo processante.Em 22 de dezembro de 2008, contudo, a União (Fazenda Nacional) requereu a subs-tituição parcial da garantia que fora ofertada ao juízo, a fim de que fossem penhorados créditos que a requerente possuía perante a Receita Federal do Brasil, relativos aos Pro-cessos Administrativos Fiscais nºs 15.165.000381/2005-34 e 15.165.001503/2005-18 (regime especial aduaneiro – drawback).

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Nesse contexto, afirma a requerente que, em virtude de o recurso extraordinário não possuir, em regra, efeito suspensivo, deve prevalecer, até o julgamento do RE 460.320, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, com a consequente suspensão da execução fiscal. Segundo a requerente, se a legislação (art. 151, IV e V, do CTN) prevê a suspensão da exigibilidade do crédito tributário nas hipóteses de concessão de provimento liminar ou antecipatório, com mais razão deveria ser suspensa a exigibilidade do crédito tributário objeto do mencionado recurso extraordinário, tendo em vista que estaria amparada por decisão de mérito do STJ, que declarou indevido o recolhimento do imposto de renda incidente sobre os dividendos distribuídos no ano base de 1993.Alega, também, que este Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 349.703, teria afirma-do a supralegalidade dos tratados internacionais, fato que corroboraria a tese sustentada no recurso extraordinário. Além disso, o Congresso Nacional teria aprovado a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados por meio do Decreto Legislativo nº 469/2009, segundo o qual “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado” (fl. 10). Por fim, sustenta restar caracterizado, no caso, o comportamento contraditório da União (Fazenda Nacional), haja vista ter formalizado requerimento de penhora de créditos da requerente, não obstante o longo prazo em que a execução ficara suspensa em virtude de pedido que também fora por ela formulado, no qual teria manifestado a necessidade de se aguardar o julgamento do RE 460.320.Em brilhante voto, o Ministro Gilmar Mendes sustenta que:“Em verdade, o comportamento da requerida constituiria abuso de direito, vedado pelo princípio da proibição do venire contra factum proprium. No tocante ao periculum in mora, a requerente afirma estar na iminência de receber a restituição de novos valores relativos ao regime especial aduaneiro (drawback-recof), os quais, segundo informações obtidas pela requerente, também serão objeto de penhora na execução fiscal.No julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 349.703, Rel. Carlos Brito, Rel. p/o Ac. Min. Gilmar Mendes, DJ 05.06.2009, e 466.343, Rel. Cezar Peluso, DJ 05.06.2009, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu pela supralegalidade dos tratados e conven-ções internacionais de direitos humanos. Naquela oportunidade, conquanto a matéria debatida dissesse respeito apenas ao status dos mencionados tratados e convenções de direitos humanos, deixei assentado, em obiter dictum, o meu entendimento acerca da posição ostentada, em nosso ordenamento jurídi-co, pelos tratados e convenções internacionais que versam sobre tributação. Ao confirmar o voto que proferira na ocasião, manifestei-me nos seguintes termos:Não se pode ignorar que os acordos internacionais demandam um extenso e cuidadoso processo de negociação, de modo a conciliar interesses e concluir instrumento que atinja os objetivos de cada Estado, com o menor custo possível. Essa complexa cooperação internacional é garantida essencialmente pelo pacta sunt ser-vanda. No atual contexto da globalização, o Professor Mosche Hirsch, empregando a céle-bre teoria dos jogos (game theory) e o modelo da decisão racional (rational choice), des-taca que a crescente intensificação (i) das relações internacionais; (ii) da interdependência entre as nações, (iii) das alternativas de retaliação; (iv) da celeridade e acesso a informa-ções confiáveis, inclusive sobre o cumprimento por cada Estado dos termos dos tratados; e (v) do retorno dos efeitos negativos (rebounded externalities) aumentam o impacto do desrespeito aos tratados e privilegiam o devido cumprimento de suas disposições (HIRS-CH, Moshe. Compliance with International Norms. In The Impact of International Law on International Cooperation, Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 184-188).Tanto quanto possível, o Estado Constitucional Cooperativo demanda a manutenção da boa-fé e da segurança dos compromissos internacionais, ainda que em face da legislação infraconstitucional, pois seu descumprimento coloca em risco os benefícios de cooperação cuidadosamente articulada no cenário internacional.Importante deixar claro, também, que a tese da legalidade ordinária, na medida em que permite às entidades federativas internas do Estado brasileiro o descumprimento unila-teral de acordo internacional, vai de encontro aos princípios internacionais fixados pela

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Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, a qual, em seu art. 27, de-termina que nenhum Estado pactuante ‘pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado’. Ainda que a mencionada convenção ainda não tenha sido ratificada pelo Brasil, é ine-gável que ela codificou princípios exigidos como costume internacional, como decidiu a Corte Internacional de Justiça no caso Namíbia [Legal Consequences for States of the Continued Presence os South África in Namíbia (South West África) notwithstan-ding Security Council Resolution 276 (1970), First Advisory Opinion, ICJ Reports 1971, p. 16, §§ 94-95].A propósito, defendendo a interpretação da constituição alemã pela prevalência do direito internacional sobre as normas infraconstitucionais, acentua o Professor Klaus Vogel que, ‘de forma crescente, prevalece internacionalmente a noção de que as leis que contrariam tratados internacionais devem ser inconstitucionais e, consequentemente, nulas’ (Zuneh-mend setzt sich international die Auffassung durch, dass Gesetze, die gegen völkerre-chtliche Verträge versto’en, verfassungswidrig und daher nichtig sein sollte) (VOGEL, Klaus. Einleitung Rz. 204-205 in VOGEL, Klaus & LEHNER, Moris. Doppelbesteuerung-sabkommen. 4. ed. München: Beck, 2003. p. 137-138) Portanto, parece evidente que a possibilidade de afastar a aplicação de normas internacio-nais por meio de legislação ordinária (treaty override), inclusive no âmbito estadual e mu-nicipal, está defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual cenário internacional e, sem sombra de dúvidas, precisa ser revista por essa Corte.O texto constitucional admite a preponderância das normas internacionais sobre normas infraconstitucionais e claramente remete o intérprete para realidades normativas diferen-ciadas em face da concepção tradicional do direito internacional público. Refiro-me aos arts. 4º, parágrafo único, e 5º, §§ 2º, 3º e 4º, da Constituição Federal, que sinalizam para uma maior abertura constitucional ao direito internacional e, na visão de alguns, ao direito supranacional.Demonstrada, pois, a plausibilidade da tese sustentada pela requerente no RE 460.320.Ademais, sabe-se que os recursos especial e extraordinário são, em regra, recebidos ape-nas no efeito devolutivo (art. 542, § 2º, do Código de Processo Civil). No caso, há decisão definitiva de mérito proferida por Tribunal Superior, contra a qual ainda pende de julgamento recurso extraordinário. Por conseguinte, considerando que, por força do art. 151, incisos IV e V, do Código Tribu-tário Nacional, liminares e antecipações de tutela são aptas a suspender a exigibilidade do crédito tributário, não é despropositado entender que decisões de mérito ainda não transi-tadas em julgado, contra as quais ainda pende de julgamento recurso recebido apenas no efeito devolutivo, também possam produzir esses efeitos.Cumpre registrar, também, que a própria União, em três ocasiões, postulou a suspensão da execução, enaltecendo, inclusive, a necessidade de se prestigiar, até a decisão definiti-va do RE 460.320, o decidido no recurso especial. Não se pode olvidar que o Fisco deve sempre se conduzir com lealdade e boa-fé, sendo--lhe vedada a adoção de condutas contraditórias ou que atentem contra a confiança legí-tima dos contribuintes. No tocante ao periculum in mora, verifica-se que a requerente possui vultosos créditos a receber da Secretaria da Receita Federal do Brasil, decorrentes de sua adesão a regime especial aduaneiro (drawback – recof), os quais poderão ser penhorados, caso não seja suspensa a execução. Ante o exposto, defiro o pedido de liminar, ad referendum do Plenário, a fim de determinar a suspensão do curso da Execução Fiscal nº 2005.70.00.011356-6, em trâmite perante a 3ª Vara de Execuções Fiscais de Curitiba, vedando-se, assim, a partir dessa decisão, a prática de quaisquer atos executórios constritivos.”

9909 – ISS – gasoduto – Isenção – concessão por acordo bilateral entre países – possibili-dade

“Recurso extraordinário. Gasoduto Brasil-Bolívia. Isenção de tributo municipal (ISS) concedi-da pela República Federativa do Brasil mediante acordo bilateral celebrado com a República

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da Bolívia. A questão da isenção de tributos estaduais e/ou municipais outorgada pelo Estado federal brasileiro em sede de convenção ou tratado internacional. Possibilidade constitucio-nal. Distinção necessária que se impõe, para esse efeito, entre o Estado federal brasileiro (expressão institucional da comunidade jurídica total), que detém ‘o monopólio da persona-lidade internacional’, e a União, pessoa jurídica de direito público interno (que se qualifica, nessa condição, como simples comunidade parcial de caráter central). Não incidência, em tal hipótese, da vedação estabelecida no art. 151, III, da Constituição Federal, cuja aplicabilidade restringe-se, tão somente, à União, na condição de pessoa jurídica de direito público interno. Recurso de agravo improvido. A cláusula de vedação inscrita no art. 151, inciso III, da Consti-tuição – que proíbe a concessão de isenções tributárias heterônomas – é inoponível ao Estado Federal brasileiro (vale dizer, à República Federativa do Brasil), incidindo, unicamente, no plano das relações institucionais domésticas que se estabelecem entre as pessoas políticas de direito público interno. Doutrina. Precedentes. Nada impede, portanto, que o Estado Federal brasileiro celebre tratados internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária em matéria de tributos locais (como o ISS, p. ex.), pois a República Federativa do Brasil, ao exer-cer o seu treaty-making power, estará praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa jurídica de direito internacional público, que detém – em face das unidades meramente federadas – o monopólio da soberania e da personalidade internacio-nal. Considerações em torno da natureza político-jurídico do Estado Federal. Complexidade estrutural do modelo federativo. Coexistência, nele, de comunidades jurídicas parciais rigoro-samente pacificadas e coordenadas entre si, porém subordinadas, constitucionalmente, a uma ordem jurídica total.” (STF – RE-AgRg 543943 – 2ª T. – Rel. Min. Celso Mello – 30.11.2010)

9910 – IR – isenção – cessão de redes de telefonia – remessas ao exterior – Convenção da União Internacional de Telecomunicações (UIT) – Regulamento de Melbourne – incorporação ao direito pátrio – efeitos

“Tributário e constitucional. Agravo regimental. Recurso especial. Convenção da União Inter-nacional de Telecomunicações (UIT). Regulamento de Melbourne. Isenção tributária. Imposto de renda. Processo de incorporação ao direito pátrio. Decreto Legislativo nº 67/1998. Funda-mento constitucional. Revisão. Impossibilidade. Alegada violação a dispositivos do CTN. Au-sência de prequestionamento. Súmula nº 211 do STJ. Incidência. 1. Cuida-se, originariamente, de mandado de segurança objetivando garantir alegado direito líquido e certo da empresa autora de realizar remessas ao exterior, como prestação por cessão de redes de telefonia de que se utiliza fora do território nacional, sem a incidência de IR retido na fonte, como exigido pelo art. 685, II, a, do Decreto nº 3.000/1999, com fulcro na Convenção da União Interna-cional de Telecomunicações – UIT (fl. 752). 2. O acórdão do TRF da 2ª Região, em síntese, decidiu: a) compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados,convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional, ao qual compete, exclu-sivamente, resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acar-retem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF/1988, arts. 84, VIII, e 49, I); b) a Constituição e a Convenção da União Internacional de Telecomunicações (UIT) foram incorporadas ao nosso ordenamento jurídico através do Decreto Legislativo nº 67, de 15.10.1998, e do Decreto Presidencial nº 2.962, de 23.02.1999; c) o Regulamento Adminis-trativo de Melbourne, de 1988, é parte integrante da UIT, o qual prevê em seu art. 45, item 6.1.3, isenção tributária no caso de contraprestação pela cessão de redes de telefonia de que se utiliza fora do território nacional, para completar as ligações efetuadas do Brasil para o exterior, não se tratando de ajuste complementar; d) o CTN prevê a primazia dos tratados e convenções internacionais sobre a legislação tributária interna, nos termos do seu art. 98. 3. Tem-se que a matéria dos arts. 97, II, VI e 176, do Código Tributário Nacional não foi deba-tida no acórdão recorrido, mesmo com a oposição de embargos de declaração. Incidência da Súmula nº 211 do STJ. 4. No que se refere à alegada violação do art. 1º, parágrafo único, do Decreto Legislativo nº 67/1998, relativa ao procedimento de incorporação em nosso direito

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interno da Convenção da União Internacional das Telecomunicações (UIT) e do Regulamento Administrativo de Melbourne, registre-se que o acórdão proferido pelo TRF da 2ª Região so-lucionou a questão com fundamento eminentemente constitucional, nos termos da interpreta-ção dos arts. 49, I, 84, VIII, da CF. 5. Frise-se que o recurso interposto pela Fazenda Nacional escora-se na alegação de que o Regulamento de Melbourne, parte integrante da Conven-ção da União Internacional de Telecomunicações – UIT, não teria força de lei porque não obedecido o procedimento constitucional previsto para sua incorporação no direito interno. 6. O fundamento constitucional assentado pelo acórdão recorrido, inclusive, corroborado pelas razões recursais desenvolvidas pela recorrente, afasta a possibilidade de revisão do jul-gado na via do recurso especial, por sua competência ser restrita à uniformização do direito infraconstitucional federal. 7. Agravo regimental não provido.” (STJ – AGREsp 200802553863 – REsp 1104543 – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 10.05.2010)

9911 – IRRF – prestação de serviços sem transferência de tecnologia – art. 98 do CTN – art. VII da Convenção Brasil-França – inaplicabilidade

“Agravo interno. Tributário. IRRF. Art. 98 do CTN. Prestação de serviços sem transferência de tecnologia. Inaplicabilidade do art. VII da Convenção Brasil-França. Ato Declaratório Cosit nº 01/2000. Ausência de argumentos a justificar a reforma da decisão agravada. I – A parte final do art. 98 do CTN, pela regra de interpretação das leis conforme a Constituição Federal, só alcança os tratados de natureza contratual, diante do princípio da intangibilidade, e não os de natureza normativa, como é o caso da Convenção Brasil-França, que podem ser afetados por legislação interna superveniente. II – Portanto, é perfeitamente revogável (critério crono-lógico) ou afastável (critério da especialidade) norma proveniente de tratado ou convenção internacional mediante lei ordinária. III – A controvérsia posta nos presentes autos e, mais uma vez levantada pela impetrante neste recurso, reside sobre o enquadramento das quantias en-viadas ao exterior para pagamento de contrato de prestação de serviços, sem transferência de tecnologia, como lucro ou como rendimentos a incidir a tributação questionada (IRRF). IV – A classificação do que consiste lucro somente pode ser feita segundo a lei interna do Estado que aplica o tratado, senão implicaria em verdadeira introdução de legislação alienígena. V – Não há como acolher a tese, no sentido de que a Convenção objetiva alcançar toda e qualquer re-ceita operacional da empresa, na medida em que integra o seu lucro global. Segundo a legis-lação brasileira do imposto de renda, os lucros incluem todos os rendimentos decorrentes da atividade da empresa, sejam provenientes da receita de bens e serviços ou de resultados não operacionais, mas não se confundem com estes. O lucro contábil, que corresponde ao lucro líquido, não equivale ao lucro real, esse sim representativo da base de cálculo do imposto de renda. Apura-se o lucro real procedendo a vários ajustes no lucro líquido, por meio de adi-ções, exclusões ou compensações previstas na lei. O próprio texto da Convenção corrobora a acepção de lucro como resultado de vários ajustes, consoante se depreende do § 3º do art. VII da Convenção Brasil-França. VI – Dessa forma, o que é pago pela prestação de um serviço não pode ser tido como lucro, porquanto se constitui em parcela da receita recebida que po-derá compor o lucro, após as operações de adições ou exclusões determinadas pela legislação pátria. VI – Ante a impossibilidade de caracterização dos rendimentos oriundos de prestação de serviços sem transferência de tecnologia como lucro, cumpre investigar se poderiam estar enquadrados em outra hipótese específica da Convenção. Não é necessário expender maio-res digressões para tanto, uma vez que os artigos especiais do Tratado preveem situações completamente diversas da que se configura nos autos, cuidando de rendimentos de bens imobiliários, transporte marítimo e aéreo, empresas associadas, dividendos, juros, royalties, ganhos de capital, profissões independentes e dependentes, remunerações de direção, artistas e desportistas, pensões e anuidades, pagamentos governamentais e estudantes. Por exclusão, portanto, classificam-se no art. XXI da Convenção Modelo da Organização para Coopera-ção e Desenvolvimento Econômico – OCDE, rendimentos não expressamente mencionados, conforme o critério da fonte pagadora, tributando-os no Estado contratante de onde provêm.

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VI – Por outro lado, o Ato Declaratório Cosit nº 01/2000, ao classificar as remessas decorren-tes de contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia como rendimentos não expressamente mencionados, na Convenção para Eliminar a Dupla Tributação da Renda, da qual o Brasil é signatário, mostra-se em perfeita consonân-cia com os Tratados internacionais e a legislação interna, conforme já assinalado na decisão, ora impugnada. VII – Imperativo consignar que deseja a agravante, na verdade, modificar a decisão agravada, não tendo trazido, entretanto, nenhum argumento que pudesse alterar as considerações acima esposadas. IX – Agravo interno improvido.” (TRF 2ª R. – Agravo Interno nº 200451010057952 em Apelação – 3ª T. Especializada – Relª Juíza Conv. Sandra Chalu Barbosa – E-DJF2R 18.03.2011 – p. 196/197)

9912 – IRRF – serviços prestados no exterior – empresa estrangeira – contratante brasi-leira – tratados internacionais – incorporação ao direito brasileiro – hierarquia – exegese – efeitos

“Direito tributário. Tratados internacionais. Imposto de renda retido na fonte. Art. 7º da Lei nº 9.779/1999. Honorários. Serviços prestados no exterior. Empresa estrangeira. Contratante brasileira. Remessa ao exterior. Legislação aplicável. Tributação exclusiva no país de destino. 1. Consolidada a jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que tratados internacionais, regularmente incorporados ao direito nacional, não têm superioridade hierárquica sobre o direito interno, assim a definição da norma a prevalecer, em caso de antinomia, sujeita-se à verificação da efetiva revogação, ou não, da anterior pela posterior. 2. Caso em que se postula a aplicação de acordos internacionais, destinados a evitar a dupla tributação, em ma-téria de imposto de renda e capital, firmados pelo Brasil com: Alemanha (Decreto Legislativo nº 92/1975 – fl. 84/102), Argentina (Decreto Legislativo nº 74/1981 – fl. 103/119v), Áustria (Decreto Legislativo nº 95/1975 – fl. 120/136), Bélgica (Decreto Legislativo nº 76/1972 – fl. 137/154-v.), Canadá (Decreto Legislativo nº 28/1985 – fl. 155/164-v.), Chile (Decre-to Legislativo nº 331/2003 – fl. 165/185), Espanha (Decreto Legislativo nº 76.975/1976 – fl. 185/201-v.), França (Decreto Legislativo nº 87/1971 – fl. 202/218), Itália (Decreto Legisla-tivo nº 77/1979 – fl. 219/237), Japão (Decreto Legislativo nº 43/1967 – fl. 238/252), Portugal (Decreto Legislativo nº 188/2001 – f. 253-v./271-v.) e República Tcheca e Eslováquia (Decreto Legislativo nº 11/1990 – fl. 272/280). 3. Os tratados internacionais dispõem, basicamente, que ‘os lucros de uma empresa de um Estado contratante só são tributáveis nesse Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabe-lecimento permanente aí situado. Se a empresa exercer sua atividade na forma indicada, seus lucros serão tributáveis no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem atribuíveis a esse estabelecimento permanente. Quando uma empresa de um Estado contratante exercer sua atividade no outro Estado contratante através de um estabelecimento permanente aí situa-do, serão atribuídos em cada Estado contratante, a esse estabelecimento permanente os lucros que obteria se constituísse uma empresa distinta e separada exercendo atividades idênticas ou similares, em condições idênticas ou similares, e transacionando com absoluta independên-cia com a empresa de que é um estabelecimento permanente. No cálculo dos lucros de um estabelecimento permanente, é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para a consecução dos objetivos do estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados. Nenhum lucro será atribuído a um estabelecimento permanente pelo simples fato de comprar bens ou mercadorias para a em-presa. Quando os lucros compreenderem elementos de rendimentos tratados separadamente nos outros artigos do presente acordo, as disposições desses artigos não serão afetadas pelo presente artigo’. 4. Para defender a incidência do imposto de renda, em casos que tais, a PFN invocou o Ato Declaratório Normativo Cosit nº 01/2000, e o art. 7º da Lei nº 9.779/1999. Dis-põe o primeiro, no que ora releva: ‘I – As remessas decorrentes de contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia sujeitam-se à tribu-tação de acordo com o art. 685, II, alínea a, do Decreto nº 3.000/1999; II – Nas Convenções

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para Eliminar a Dupla Tributação da Renda das quais o Brasil é signatário, esses rendimentos classificam-se no artigo Rendimentos não Expressamente Mencionados, e, consequentemen-te, são tributados na forma do item I, o que se dará também na hipótese de a convenção não contemplar esse artigo’. 5. Todavia, ato normativo da Administração não cria hipótese de in-cidência fiscal e, além disso, a situação nela disciplinada refere-se apenas à serviços técnicos, não equivalentes aos que são discutidos na presente ação. Já o art. 7º da Lei nº 9.779/1999 estabelece que ‘os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, e os da pres-tação de serviços, pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de vinte e cinco por cento’. 6. Não houve revogação dos tratados internacionais pelo art. 7º da Lei nº 9.779/1999, pois o tratamento tributário genérico, dado pela lei nacional, às remessas a prestadores de serviços domiciliados no exterior, qualquer que seja o país em questão, não exclui o específico, contemplado em lei convencional, por acordos bilaterais. Embora a lei posterior possa revogar a anterior (lex posterior derogat priori, o princípio da especialidade (lex specialis derogat generalis) faz prevalecer a lei especial sobre a geral, ainda que esta seja posterior, como ocorreu com a Lei nº 9.779/1999. 7. Acordos internacionais valem entre os respectivos subscritores e, assim, têm caráter de lei específica, que não é revogada por lei geral posterior, daí por que a solução do caso concreto encontra-se, efetivamente, em estabe-lecer e compreender o exato sentido, conteúdo e alcance da legislação convencional, a que se referiu a inicial. Esta interpretação privilegia, portanto, o entendimento de que, embora não haja hierarquia entre tratado e lei interna, não se pode revogar lei específica anterior com lei geral posterior. Ademais, estando circunscritos os efeitos de tratados às respectivas partes contratantes, possível e viável o convívio normativo da lei convencional com a lei geral, esta para todos os que não estejam atingidos pelos tratados, firmados com o objetivo de evitar a dupla tributação. Se isto fere a isonomia, a eventual inconstitucionalidade deve ser discutida por parte de quem foi afetado pela lei nova que, ao permitir a retenção pela fonte no Brasil, abriu caminho para a dupla oneração do prestador de serviço com domicílio no exterior. 8. Os tratados referem-se a ‘lucros’, porém resta claro, a partir dos textos respectivos, que a ex-pressão remete, tecnicamente, ao conceito que, na legislação interna, equivale a rendimento ou receita, tanto assim que as normas convencionais estipulam que, ‘no cálculo dos lucros de um estabelecimento permanente, é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para a consecução dos objetivos do estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados’. 9. Despesas e encargos são deduzidos da receita ou rendimento a fim de permitir a apuração do lucro, logo o que os tratados excluíram da tributação, no Estado pagador, que contratou a prestação de serviços no exterior, não é tão somente o lucro, até porque o respectivo valor não poderia ser avaliado por quem simplesmente faz a remessa do pagamento global. O que excluíram os tratados da tributação no Brasil, para evitar a dupla incidência, foi o rendimento auferido com a prestação do serviço para que, no Estado de prestação, ou seja, no exterior, seja promovida a sua tribu-tação, garantida ali, conforme a lei respectiva, a dedução de despesas e encargos, revelando, portanto, que não existe espaço válido para a prevalência da aplicação da lei interna, que prevê tributação, pela fonte pagadora no Brasil, de pagamentos, com remessa de valores a prestadoras de serviços, exclusivamente domiciliadas no exterior. 10. Apelação e remessa ofi-cial desprovidas.” (TRF 3ª R. – ApelReex 00244617420054036100 – (1119725) – 3ª T. – Des. Fed. Carlos Muta – CJ1 03.02.2012)

9913 – IOF – importação – tratados internacionais – Aladi e GATT

“Apelação cível. Embargos à execução fiscal. IOF. Importação. Tratados internacionais. Aladi e GATT. Sentença mantida. Recurso desprovido. 1. Trata-se de apelação cível interposta por Distribuidora de Combustíveis Disco S/A contra a sentença de fls. 238/243, prolatada em embargos à execução, que julgou improcedente o pedido da embargante, ora apelante, re-lativo à declaração de ilegalidade na cobrança de IOF em operações de câmbio decorrente

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de importação de mercadorias estrangeiras. 2. Inicialmente, em análise ao recurso interposto, verifico que a apelante pretende inovar em sede recursal, trazendo a apreciação deste Tribu-nal matérias que não foram veiculadas na petição inicial e nem na sentença recorrida, o que é inadmissível, sob pena de ofensa ao art. 264 do Código de Processo Civil e de suprimir uma instância. 3. Limito-me, pois, à análise discriminada das questões apontadas como causa de pedir na petição inicial e objeto da presente apelação. 4. Afirma a apelante que não poderia haver sido autuada, posto que a responsabilidade pelo recolhimento do tributo em questão e das instituições autorizadas a operar com o câmbio. De fato, as referidas instituições têm o dever de recolher o imposto, mas, quando muito, na qualidade de responsável; perma-necendo intocável a sujeição passiva do apelante, na qualidade de contribuinte do tributo, pelo que é inquestionável a possibilidade do credor direcionar a cobrança a ele. 5. Quanto à competência tributaria, esta é efetivamente indelegável; contudo, não é disto que se trata neste caso, mas de transferência da atribuição de arrecadar e de fiscalizar tributos, comumen-te denominada capacidade tributaria ativa. E tal se dá com suporte legal, previsto no art. 7º do CTN. Especificamente em relação ao IOF, instituído pela União, outorgou-se ao Bacen a competência administrativa para fiscalizar e cobrar o tributo. E o que se depreende dos arts. 1º e 8º da Lei nº 5.143/1966. 6. Por fim, no que tange à violação a tratados internacionais, também não assiste razão à apelante, pois a tributação efetivada por meio do IOF não tem por objeto o comercio exterior, mas operações de cambio que, ocorrendo em negócios nacionais ou internacionais, justificarão a incidência da norma impositiva. 7. Assim, a interpretação dada ao tratado é tendenciosa, pois não se vale o legislador ou o governo deste tributo para restringir o ingresso de produtos estrangeiros, neste caso, tampouco tem qualquer conotação de medida de segregação dos referidos produtos, ou de privilégio aquele aqui produzido e comercializado. Precedentes do próprio STF e copiosa jurisprudência dos TRFs. 8. Apelação da embargante desprovida.” (TRF 2ª R. – Apelação nº 200251015092684 – 4ª T. Especializa-da – Rel. Des. Fed. Ricardo Almagro Baptista Vitoriano Cunha – E-DJF2 16.03.2012 – p. 212)

9914 – Execução fiscal – IOF – importação de mercadorias – crédito tributário – Consti-tuição – legitimidade passiva – afronta ao GATT ou Aladi – inexistência

“Processual civil. Tributário. Execução fiscal. Embargos à execução. Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários. Importação de mer-cadorias estrangeiras. Legitimidade passiva do comprador da moeda estrangeira. Competência do Banco Central para a constituição do crédito tributário. Constitucionalidade do Decreto--Lei nº 1.783/1980. Ausência de afronta ao princípio da reserva legal. Inexistência de afronta aos Tratados GATT e Aladi. Discussão a respeito da inconstitucionalidade da taxa referencial e taxa Selic como fatores de correção monetária posta pela primeira vez no processo em sede de apelação. Vedação da inovação recursal. Inovação recursal. Impossibilidade do seu exame. 1. De acordo com o art. 2º do Decreto-Lei nº 1.783/1980, o contribuinte do IOF em operações de câmbio é o comprador de moeda estrangeira, que pode figurar no polo passivo de execução fiscal. 2. O Banco Central do Brasil, autarquia federal, tem competência para a fiscalização e constituição do crédito tributário. 4. Não resta configurada a violação ao princí-pio constitucional da reserva legal em virtude da instituição do IOF por meio do Decreto-Lei nº 1.783/1980, já que a Constituição da República anterior à Carta de 1988 admitia a criação de tributos através de decreto-lei. 5. É legítima a cobrança do IOF na importação de merca-dorias oriundas de países signatários dos tratados internacionais do GATT/Aladi, uma vez que o imposto incidiu sobre operações de câmbio e não sobre os bens ou produtos importados. 6. O apelante alega que é inconstitucional a inclusão da taxa referencial (TR e TRD), que os juros de mora cobrados pela Fazenda Nacional, a partir da Lei nº 8.212/1991, passaram a ser extorsivos e que é inconstitucional a inclusão da taxa Selic na correção monetária. Esses ar-gumentos não foram ventilados na petição inicial dos embargos, nem foi formulado qualquer pedido relativamente a eles (fls. 02/08). Por esse motivo, em conformidade com os arts. 128 e 460 do CPC, não integram o âmbito da cognição judicial neste processo, em qualquer grau de

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jurisdição. 7. Vedação da inovação recursal. Impossibilidade de exame da questão pelo órgão de 2º grau. 8. Apelação desprovida.” (TRF 2ª – AC 199251010783154 – (382414) – 4ª T. Espe-cializada – Rel. Des. Fed. Luiz Norton Baptista de Mattos – E-DJF2 04.04.2011 – p. 249/250)

9915 – IR – prestação de serviços sem transferência de tecnologia – remessa ao exterior – Convenção Internacional Brasil-Suécia – art. 7º do Decreto nº 77.053/1996 – aplicabilidade

“Tributário. Imposto de renda. Convenção Internacional Brasil-Suécia. Decreto nº 77.053/1996. Serviços prestados por empresa estrangeira sem transferência de tecnologia. Remuneração. Remessa ao exterior. Natureza jurídica. Art. 7º do Decreto nº 77.053/1996. Aplicabilidade. 1. Para evitar a bitributação do imposto sobre a renda, o Brasil celebrou diversas convenções internacionais com outros países, de acordo com o modelo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE; entre elas, a Convenção Brasil-Suécia, que foi incor-porada ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 77.053/1976. 2. Os lucros auferidos por empresa são tratados no art. 7º da Convenção Brasil-Suécia, que prevê a regra geral de que serão apenas tributados no Estado contratante que a sedia, salvo se também exercer sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento permanente, caso em que incidirá a tributação cumulativa. 3. Não se ignora que os valores recebidos pela impetran-te, em razão do contrato de prestação de serviços sem a transferência de tecnologia firmado com empresa brasileira, não se ajustam de forma perficiente ao conceito de lucro, conforme delineado pela legislação brasileira, já que o lucro, que abrange ainda os sub-conceitos de lucro operacional e lucro real (Decreto nº 1.598/1977, arts. 6º e 11), compõe-se da diferença entre a receita bruta operacional, no caso obtida pela impetrante com a prestação dos servi-ços, e os custos incorridos para sua realização. 4. Tendo em vista os objetivos que norteiam a Convenção Brasil-Suécia e analisando as disposições do art. 7º e parágrafos – não havendo divergência, no caso, de que a impetrante não mantém estabelecimento no Brasil – deve-se considerar que os valores pagos pela empresa brasileira à impetrante integram o lucro por ela auferido, cabendo o país em que se situa auferir a apuração do imposto sobre a renda em re-lação a tais rendimentos, estando tal entendimento em consonância com o art. 3º do aludido decreto. 5. Apelação provida.” (TRF 3ª R. – AMS 2002.61.00.001530 – 6ª T. – Relª Desª Fed. Consuelo Yoshida – E-DJF3 25.11.2010 – p. 1163)

9916 – PIS/Cofins – importação – equipamento médico – exigência – legalidade – tratado internacional incorporado ao direito interno – hierarquia – exegese

“Direito constitucional. Direito tributário. Importação de equipamento médico. PIS-Importa-ção. Cofins-Importação. Exigência das contribuições. Lei nº 10.865/2004. Legalidade. Trata-do internacional incorporado ao direito interno. Hierarquia de lei ordinária. Base de cálculo. Valor aduaneiro. Cobrança legítima. Ausência de ofensa aos princípios da reserva legal, segurança jurídica e isonomia. Arts. 98 e 110 do CTN. Denegação da ordem. Sentença man-tida. 1. Cuida-se de exigência de contribuições ao PIS e à Cofins, incidentes sobre a importa-ção de bens e serviços, nos termos da Medida Provisória nº 164/2004, convertida após na Lei nº 10.865/2004, cabendo anotar que a instituição de tais tributos mostra-se consentânea com a norma constitucional de regência, não sendo mesmo de se exigir, para tanto, a edição de lei complementar, pois, esta se faz necessária quando expressamente prevista e isso ocorre apenas nas hipóteses de instituição de tributos específicos. 2. A Constituição Federal, no seu art. 195, dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais, inclusive aquelas exigidas de importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. 3. Cabe exclusivamente à União, nos termos do art. 149 da Carta Republicana, instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, obser-

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vado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo, sendo certo que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços. 4. Portanto, a instituição e cobrança das contribuições ao PIS e à Cofins, incidentes sobre a importação do estrangeiro de bens e serviços, têm respaldo constitucional e não exigem lei complementar para tanto, de modo que se trata de exigência legítima, não ofendendo o princípio da reserva legal, nem tampouco a norma contida no art. 146 da Constituição Federal. 5. Quanto à aplicação das cláusulas do Tratado de Assunção, a que aderiu o Brasil em 1994, insta consignar que o colendo Supremo Tribunal Federal já decidiu que os tratados internacionais têm a mesma natureza de lei ordinária, conquanto estão no mesmo plano de validade e eficácia. 6. Assim sendo, os tratados internacionais, em matéria tributária, desde que ratificados e incorporados ao sistema jurídico interno, assumem, hierarquicamente, a mesma posição da lei ordinária, devendo haver compatibilidade entre as suas regras e as constantes do ordenamento jurí-dico pátrio, não se admitindo, no caso, a tese defendida pela impetrante, da supremacia do tratado internacional sobre a lei interna, prevalecendo os termos da legislação ordinária mais recente acerca da matéria, qual seja, o contido na Lei nº 10.865/2004, até porque, contrariamente ao afirmado pela apelante, não viola as disposições do referido Tratado de Assunção. 7. No tocante à base de cálculo das exações em comento, o art. 7º da Lei nº 10.865/2004 define que será o valor aduaneiro, assim entendido, para os efeitos desta lei, o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Pres-tação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3º da mesma lei. 8. Com efeito, é legítima a definição da base de cálculo e do valor aduaneiro para fins de tributação no caso de importação de mercadorias e serviços, conquanto a própria Constituição Federal, no art. 146-A, incluído pela Emenda Constitucional nº 42/2003, admite que a União, através de lei, pode estabelecer critérios especiais de tributação. 9. Na verdade, a Lei nº 10.865/2004, ao determinar a inclusão dos valores relativos ao ICMS ou ao ISS e também o valor das próprias contribuições na base de cálculo do PIS e da Cofins incidentes sobre a importação, apenas definiu o conceito de valor aduaneiro para efeitos da exigência dos mencionados tributos, não se verificando aí ofensa ao disposto no art. 110 do CTN, e muito menos violação ao contido no art. 149, § 2º, incisos II e III, da Constituição Federal. 10. Ademais, não há que se falar em ofen-sa ao princípio da isonomia, conquanto as contribuições para a Cofins e para o PIS sobre as importações instituídas pela Medida Provisória nº 164/2004, convertida posteriormente na Lei nº 10.865/2004, teve como objetivo dar justamente tratamento isonômico entre a tributação dos produtos e serviços prestados no Brasil e a tributação dos bens e serviços importados. 11. Enfim, conclui-se que são legítimas as contribuições ao PIS e à Cofins, in-cidentes sobre importações, exigidas nos termos da Lei nº 10.865/2004, restando claro que a definição da base de cálculo ali prevista não ofende aos princípios constitucionais da legalidade, da segurança jurídica e da isonomia tributária, não havendo distorção quan-to à definição do que seja valor aduaneiro a implicar ofensa aos arts. 98 e 110 do CTN. 12. Por fim, no caso dos autos, considerando a legitimidade da exigência das contribuições PIS-Importação e Cofins-Importação, não há que se falar em compensação de valores pa-gos, bem como em aproveitamento de créditos na apuração do PIS e da Cofins, restando descabidas tais pretensões. 13. Em suma, o ato da autoridade impetrada, de exigir as contri-buições a título de PIS-Importação e Cofins-Importação, nos termos da Lei nº 10.865/2004, não feriu direito líquido e certo da impetrante, impondo-se, pois, a manutenção da sen-tença que denegou a segurança. 14. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AMS 200561190046775 – (311068) – 3ª T. – Rel. Juiz Conv. Valdeci dos Santos – DJF3E 09.08.2010 – p. 321)

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Parte Geral – Doutrina

O Lançamento do IPTU sobre as Garagens de Condomínio

KIYOSHI HARADAJurista, com 23 obras publicadas, Acadêmico, Titular da Cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Acadêmico, Titular da Cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário, Acadêmico, Titular da Cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito, Sócio Fundador do Escritório Harada Advogados Associados, Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Garagens pertencentes aos proprietários de unidades autônomas; 2 Gara-gens pertencentes ao condomínio; 3 Garagens pertencentes a terceiros não condôminos.

INTRODUÇÃOInúmeras questões têm surgido, na prática, concernentes aos lançamen-

tos de IPTU em relação às garagens situadas nos subsolos de edifícios de alto luxo.

Sabemos que essas garagens ou vagas de estacionamento, como são co-nhecidas, usualmente apresentam características rústicas com dutos aparentes e instalações hidráulicas e elétricas à mostra, paredes sem acabamento, etc., contrastando com as características das unidades autônomas do condomínio residencial ou comercial.

Para fins didáticos, analisaremos o lançamento correto do IPTU tendo em vista três situações diversas: (a) garagens pertencentes aos proprietários de unidades autônomas; (b) garagens pertencentes ao condomínio; (c) garagens pertencentes a terceiros, não condôminos.

1 GARAGENS PERTENCENTES AOS PROPRIETÁRIOS DE UNIDADES AUTÔNOMASNos termos do art. 11 da Lei nº 4.591, de 16.12.1964, que dispõe sobre

o condomínio em edificações, cada unidade será tratada como prédio isolado:

Para os efeitos tributários, cada unidade autônoma será tratada como prédio iso-lado, contribuindo o respectivo condômino, diretamente, com as importâncias relativas aos impostos e taxas federais, estaduais e municipais, na forma dos res-pectivos lançamentos.

Para o lançamento do IPTU aplica-se a alíquota residencial ou comercial sobre a base de cálculo que é o valor venal.

No Município de São Paulo, o valor venal de cada unidade autônoma é calculado em função do enquadramento do imóvel (edifício) em um dos tipos

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Parte Geral – Doutrina

Tributação de Indenizações – IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, ISS, ICMS

MARcEL GULIN MELHEMAdvogado, magna cum laude, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Economista, summa cum laude, pela FAE Business School – PR, Contador, summa cum laude, pela FAE Business School – PR, Master of Laws in International Tax – Certificate of Merit for Outstan-ding Performance in International Tax, The University of Michigan Law School/USA, Professor de Legislação Tributária da FAE Business School – PR, Sócio do Melhem & Associados – Ad-vogados e Consultores Jurídicos – PR e SC.

MIcHEL GULIN MELHEMAdvogado, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Paraná, Sócio do Melhem & Associados – Advogados e Consul-tores Jurídicos – PR e SC.

SUMÁRIO: I – Caso concreto; II – Indenização; Conceito; IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, ISS e ICMS; Enten-dimento dos Tribunais; Entendimento da Receita Federal do Brasil; Multas, juros e correção mone-tária por atrasos no pagamento de remuneração conforme contratos comercias – recebidos como indenização contratual; Indenização por rescisões de contratos de trabalho; Indenização por bens do imobilizado; Conclusões.

I – CASO CONCRETO

Por vezes, discute-se se a indenização recebida por uma pessoa jurídica deve ser submetida à tributação ou não. Em muitos casos, chama-se de indeni-zação algo que efetivamente não o é.

Nesse sentido, o presente artigo dedica-se a esse tema, com o intuito de desenvolvê-lo e assim contribuir para a solução das discussões.

Em uma visão conservadora, verificam-se os reflexos fiscais desses valo-res, incluindo decisões administrativas e/ou judiciais, caso existam, para ao final concluir, constituindo-se em importante fonte de informação.

II – INDENIzAÇÃO

coNceito

Inicia-se o presente trabalho com a abordagem de seu tema principal, qual seja a indenização, para posteriormente analisar os acessórios que a acom-panham (multas, juros, correção monetária).

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Parte Geral – Doutrina

O Pedágio sob o Regime de Concessão de Serviços: Incidência de Parâmetros Constitucionais Tributários para a Sua Devida Quantificação

WALTER ALExANDRE BUSSAMARAMestre em Direito Tributário pela PUC-SP, Especialista em Direito Processual Tributário pela PUC-SP, Advogado em São Paulo.

RESUMO: A cobrança dos valores de pedágio, especialmente diante da concessão dos serviços de conservação de vias, tem sofrido reajustes por meio de índices econômicos inflacionários de mercado (IPCA, IGPM e TIR). Por sua vez, a natureza tributária do pedágio, sob a modalidade taxa de serviço (conforme arts. 145, II e 150, V, da CF), exige a sua sujeição ao regime jurídico público (tributário), em nada interferindo o fato de os serviços serem prestados sob um regime de concessão a terceiros, particulares. Desta forma, a quantificação do pedágio deverá realizar o sentido contido no princípio da retributividade, remunerando o custo, ainda que aproximado, dos serviços prestados, o que independe, porém, de qualquer referibilidade sua que se faça com singelos índices inflacionários.

PALAVRAS-CHAVE: Pedágio; serviço público; regime; natureza tributária; tributo; concessão; valor; quantificação; reajuste; índices; custo; retributividade.

ABSTRACT: The present toll charges especially under road maintenance services concession con-tracts have been indexed by market inflationary variables (IPCA, IGPM and TIR). However, the tribu-tary nature of the toll charges (articles 145, II and 150, V of the CF) demands their total submission to the public tributary regime no matter whether the services appear under the above-mentioned concession contracts or not. The mensuration of tolls values should correspond, though, to the ap-proximate amount of money spent on the roads maintenance as a result only faithfully achieved under one effective accounts settlement procedure and never under mere and individual market indexations patterns.

KEYWORDS: Toll; public service; regime; tributary nature; tribute; concession; value; mensuration; indexation; indexes; cost; correspondence.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A natureza jurídica tributária do pedágio, ainda que sob um regime de concessão de serviços de conservação de vias; 1.1 Sua natureza de taxa de serviço; 1.1.1 Questão conexa – A natureza do pedágio diante da concessão dos serviços de conservação de vias: taxa versus tarifa; 1.2 Os limites quantificadores do pedágio enquanto taxa de serviço: sua base de cálculo constitucional possível; À guisa de conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOMuito se tem ponderado acerca de uma eficaz fórmula aritmética que

viesse a corretamente equilibrar os reajustes dos valores cobrados em âmbito

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Seção Especial – Parecer Jurídico

Empresa Sediada na Zona Franca de Manaus Que Usufrui Benefícios Fiscais da Lei Amazonense nº 2826/2003 – Autuação Indevida da Depositante de Mercadorias da Região, pelo Estado de São Paulo, Que, Inclusive, Estendeu a Responsabilidade Solidária à Controladora da Empresa Amazonense – Ilegalidades e Inconstitucionalidades do Auto Lavrado, à Luz do Artigo 40 do ADCT da Constituição Federal – Parecer

IVES GANDRA DA SILVA MARTINSProfessor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército – Eceme, Superior de Guerra – ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, Catedrático da Universidade do Minho (Portugal).

CONSULTAFormula-me a consulente, por meio do Dr. XXXXXXXXXXXXX, a seguinte

consulta:

Trata-se de auto de infração de ICMS lavrado contra empresa de São Paulo, de-positante de mercadorias, figurando a consulente como responsável co-obrigada por solidariedade passiva, sob a alegação fiscal de ter intencionalmente praticado atos de gestão que teriam dado causa aos ilícitos fiscais contemplados na autua-ção, em face de controlar empresa em Manaus.

O referido auto de infração possui 5 itens, sendo que a empresa controladora da empresa de Manaus figura como responsável solidária nas infrações descritas nos itens 4 e 5, nos termos seguintes:

“4. Creditou-se indevidamente do ICMS no valor de R$ 121.058.092,71 (cento e vinte e um milhões, cinquenta e oito mil, noventa e dois reais e setenta e um centavos), no período de maio de 2006 a 18 de dezembro de 2009, nas datas e valores especificados na Planilha 03 de fls. 417 a 507, referente ao ICMS desta-cado nas notas fiscais de recebimento, em seu estabelecimento, de mercadorias para serem armazenadas em nome da empresa de Manaus, empresa que como a autuada faz parte do mesmo grupo empresarial. A empresa remetente está esta-belecida em Manaus e goza de 100% de isenção do ICMS devido ao Estado do Amazonas.

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