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CAPÍTULO II A NOVA MORADA DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ

Sc 2 de 8 capítulo ii

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CAPÍTULO II

A NOVA MORADA DO SENHOR BOM JESUS

DA CRUZ

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A igreja do século XVIII

____________________________________________________________

Corria ainda o século XVII quando a equipa dirigente dos destinos da irmandade

promoveu a ideia de se construir um templo junto à antiga capela do Santo Cristo, a

sudoeste do Campo da Feira. A comissão responsável pela dinamização do projecto foi

formalmente constituída em 21 de Maio de 1698, pelos barcelenses António de Faria

Machado, Manuel de Andrade e Almada e Domingos de Faria Leite e Cana, coadjuvados

pelos padres Manuel Garcia de Carvalho, Domingos Carvalho e José Ribeiro.

Nesta mesma data procedeu-se à abertura de um livro destinado ao registo das esmolas

para as obras do novo templo.

Livro que serve de assentarem os devotos as esmolas com que se oferecem

para o templo, que se quer dar princípio na capela do Santo Cristo no

Campo das Cruzes desta vila de Barcelos, o qual livro vai numerado, e

rubricado pelo padre Domingos Carvalho vigário de S. Martinho de Vila

Frescainha. Barcelos 21 de Maio de 1698.

O primeiro trabalho da comissão foi, naturalmente, promover uma subscrição pública que

contou, de imediato, com a participação da comarca de Viana, na pessoa do seu provedor,

o Dr. Luís da Costa e Faria que, com a “autoridade dos vereadores”, fez a entrega de

112.216 réis “para princípio desta obra”.

Verificando os registos do referido livro, a recolha de esmolas destinadas às principais

obras de arquitectura da actual igreja decorreu entre 1698 e 1715 e contou com a

participação de largas centenas de crentes, incluindo os da comunidade radicada no

Brasil. Desta antiga colónia portuguesa vieram, de facto, inúmeras esmolas, não apenas

em dinheiro, mas também em caixas de açúcar e madeira de jacarandá.

O donativo individual mais elevado veio do Rio de Janeiro, mandado por Inácio da Silva

Medela, um próspero homem de negócios que na década de 1720 instituirá um coro no

Senhor da Cruz (primeiro de 7 e depois de 9 capelães e 2 meninos) dotado do capital

necessário para a sua administração e financiando a instalação do cadeiral e do órgão, as

estantes e os livros necessários ao seu funcionamento (aspectos que desenvolveremos no

Capítulo IV deste livro).

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Por enquanto, Inácio Medela enviou 108.720 réis, que foram entregues em 30 de

Dezembro de 1706 pelo seu irmão José Coelho da Silva Medela (residente em Lisboa) ao

tesoureiro das obras iniciadas em 1705, Matias Lopes Ribeiro. Posteriormente, ainda no

decurso das obras, enviou mais 20.000 réis1.

Conforme pode ler-se no livro das esmolas para a construção do novo templo, no dia 2 do

mesmo mês de Dezembro de 1706 havia dado entrada nos cofres da irmandade uma letra

remetida da Baía, resultante de uma colecta entre os irmãos, no valor de 576.120 réis,

enviada por Domingos Luís da Costa de Faria e que foi entregue por José Fernandes

Braga, da então vila de Viana do Castelo.

Já em 1705 haviam chegado do Rio de Janeiro, despachadas por Manuel Leite Correia,

“duas caixas de açúcar, uma de doze arrobas, e outra de vinte e cinco”, que deram à costa

na barra do Porto e foram entregues a Francisco Machado, “as quais vieram na frota do

ano passado, de 704”.

ESMOLAS VINDAS DO BRASIL PARA AS OBRAS DO SENHOR DA CRUZ2

Veio do Rio de Janeiro que mandou Manuel Leite Correia duas caixas de açúcar, uma

de doze arrobas, e outra de vinte e cinco, as quais vieram à barra do Porto a entregar

a Francisco Machado, as quais vieram na frota do ano passado, de 704 vão adiante

carregadas.

1 AISC, Livro das esmolas para a construção do novo templo, fls. 25-25v.

2 Idem, fls. 24v, 25v, 26v-27.

Pintura a óleo sobre tela, do século XIX, figurando Inácio

da Silva Medela, um rico negociante barcelense radicado

no Brasil que se destacou como o mais importante

benfeitor da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz.

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Recebi por mão de José Fernandes Braga da vila de Viana que vieram por letra da

Baía que mandou o Domingos Luís da Costa de Faria de esmolas que lhe deram

quinhentos e setenta e seis cento e vinte réis. Barcelos 2 de Dezembro de 1706 –

576.120.

Recebi por mão de José Coelho da Silva Medela da cidade de Lisboa que lhe mandou

dar do Rio de Janeiro seu irmão Inácio da Silva Medela […] cento e oito mil

setecentos e vinte réis. Barcelos 30 de Dezembro de 1706 – 108.720. Recebi – Matias

Lopes Ribeiro.

Rendeu a caixa de açúcar que veio do Brasil noventa e sete mil e oitocentos réis –

97.800. Recebi – Lopes Ribeiro.

Rendeu o caixão de açúcar que veio do Brasil vinte e sete mil e novecentos e oitenta

réis – 27.980. Recebi – Lopes Ribeiro.

Rendeu a caixa que se vendeu a Bento Ferreira cinquenta e seis mil e duzentos e

cinquenta réis – 56.250. Recebi – Lopes Ribeiro.

Da esmola que deu João Gomes da Rocha por Francisco Gomes assistente na Baía

dois mil réis – 2.000. Recebi – Lopes Ribeiro.

Da esmola que mandou Inácio da Silva Medela do Rio de Janeiro vinte mil réis –

20.000. Recebi – Lopes Ribeiro.

Rendeu a caixa de açúcar que veio do Brasil sessenta e nove mil e oitenta réis –

69.080. Recebi – Lopes Ribeiro.

[Em anotação, na margem esquerda do livro, registou-se] – Mais duas caixas que

recebi o dinheiro do vidraceiro João 100 mil réis dos quais se hão de descontar os

seguintes 4.500 ficam 95.500.

Recebi do reverendo D. Prior desta vila que se lhe mandou dar de umas madeiras

que vieram do Brasil – 40.000. Recebi – Lopes Ribeiro.

[...] Aos 16 de Agosto de 1712 recebi que me mandou entregar o Dr. Luís da Costa

de Faria que lhe entregou João Anes Casão da Baía que vieram de esmola para as

obras trinta e nove mil seiscentos e cinquenta e cinco réis que recebi – 39.655.

Recebi – Matias Lopes Ribeiro.

[…] Recebi de Bernardo de Sousa de Miranda da cidade do Porto cinquenta e três

mil e seis centos e setenta e dois réis por cedidos de uma caixa de açúcar que veio do

Brasil de esmola para o Bom Jesus que conforme o rol que mandou o dito Bernardo

de Sousa de Miranda da importância do frete de direitos, como também pelos direitos

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que pagou de cinco dúzias de couçoeiras que diz vieram para o mesmo Bom Jesus de

esmola no tempo que foi tesoureiro Matias Lopes Ribeiro, o qual tinha também

aplicado este dinheiro para o pagamento das ferragens das três portas do templo do

Bom Jesus […] e de como os recebi me assino em Barcelos aos vinte e cinco dias do

mês de Julho do ano de sete centos e quatorze. Tesoureiro que de presente sirvo

Manuel Rodrigues Marques. São 53.672 réis.

Entretanto a colecta em Barcelos tinha seguido o seu curso a um ritmo satisfatório. Luís

da Costa de Faria entregou em 28 de Setembro de 1709, ao tesoureiro das obras Matias

Lopes Ribeiro, a quantia de 1.027.902 réis, “das esmolas que tinha para as obras do Bom

Jesus”.

Em 1714 continuava a recolha de fundos, agora destinados ao lajeado do interior e às

vidraças da igreja, demonstrando-nos que aquando da abertura da igreja ao culto em 1710

algumas importantes obras estavam por concluir.

Com efeito, em Junho de 1714, o abade de Alvelos entregou ao prior da colegiada 33.820

réis, “por ordem de um devoto que lhos mandou entregar de esmola para se fazer o

lajeamento da capela do Senhor Jesus da Cruz da mesma vila de Barcelos a qual obra está

dada por preço de cento e vinte mil réis e já se anda quebrando a pedra para a dita obra”,

verba recebida e registada pelo tesoureiro da mesa, Manuel Rodrigues Marques. Também

em 22 de Junho de 1714 foi registado um donativo de 27.000 réis entregue pelo mesmo

prior, oriundo de um devoto residente na cidade de Lisboa, e que se destinava ao referido

pavimento. No dia de Natal de 1714, Manuel de Faria de Eça entregou 4.800 réis,

respeitantes a uma esmola dada por Diogo da Cunha “para ajuda das vidraças” 3

.

Isto sem contarmos com as obras do telhado, a

balaustrada e as 12 elegantes pirâmides que repousam

sobre a platibanda, bem como o remate da fachada

norte encimado por uma cruz.

Enfim os arranjos da área envolvente, como a

pavimentação do adro, obra para a qual um devoto de

Guimarães entregou ao juiz da Irmandade do Senhor da

Cruz, em 1716, um donativo no valor de 200.000 réis.

3 Idem, fls. 26v-27v.

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De seguida há-de proceder-se à abertura e gradeamento

dos fossos em torno da igreja, à erecção dos 32 pilares

que suportam outras tantas esferas de granito, que

materializam simbolicamente a transição entre o espaço

profano e o espaço sagrado.

Já quanto aos bancos de pedra dispostos no adro, um dos quais pode ainda ver-se nas

traseiras da igreja, e os pequenos muros que ligam os pilares, são obras do século XIX.

O arranjo urbanístico operado a sudeste do templo, conhecido no passado como o Passeio

das Obras, e hoje o Passeio dos Assentos, indubitavelmente associado ao moderno

enquadramento urbano centrado no Senhor da Cruz, terá sido obra da edilidade da década

de 1780.

O projecto arquitectónico

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Para a edificação do novo templo desejava-se um projecto que respondesse às novas

necessidades do culto e que se inspirasse no mítico templo de Jerusalém, isto é, um

edifício de feição circular, de planta centrada, coberto por uma cúpula4.

O juiz de fora de Barcelos, Dr. Matias de Melo e Lima, interveio junto do arcebispo de

Braga, D. João de Sousa, prelado que parece ter tido um papel decisivo ao apresentar

vários desenhos de arquitectura dos quais um veio a ser escolhido.

Para além de exercer o cargo de juiz de fora, o Dr. Matias de Melo e Lima foi um dos

três juízes da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, entre 6 de Setembro de 1701 e

29 de Setembro de 1702, triunvirato que incluía o provedor da comarca de Viana, Dr.

Domingos Marques Cardoso e Belchior Machado de Figueiredo, conforme pode ver-se

no livro onde se registavam os termos ou actas das eleições da mesa5.

4 FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto – Barcelos, p. 66.

5 AISC, Caixa 1, Livro 3 de inventários e eleições, fls. 33-74v.

Extracto da escritura de doação feita

por Manuel da Costa Guimarães, da

antiga vila de Guimarães – 1716.

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Um manuscrito da Real Biblioteca da Ajuda, com documentos transcritos por Sousa

Viterbo, atesta o envolvimento do Dr. Matias de Melo e Lima como “protector para se

edificar a igreja do Bom Jesus” em Barcelos6. Juntamente com uma das cartas que lhe

foram dirigidas pelo arcebispo, datada de 15 de Setembro de 1701, D. João de Sousa

devolveu-lhe “a primeira planta que se tinha feito” – cuja autoria não foi mencionada e

que não deve ter recebido a aprovação do prelado – e remeteu-lhe mais 5 desenhos de

arquitectura, talvez todos de planta centrada: três do arquitecto bracarense Manuel

Fernandes da Silva e dois do arquitecto régio João Antunes7.

João Antunes ocupou o cargo de arquitecto régio entre 1699-1712, na sequência da

morte de Francisco da Silva Tinoco, que o havia ocupado sucessivamente desde 1634 e

que faleceu em 1699.

Segundo Sousa Viterbo, João Antunes teria exercido como aprendiz o ofício de

arquitectura durante cerca de 16 anos, até à sua nomeação como arquitecto da corte.

Para além de arquitecto da casa real, João Antunes trabalhou também como arquitecto

6 SOUSA VITERBO – Dicionário Histórico e Documentos dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores

Portugueses, Vol. III, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Reedição de 1988, p. 232. 7 Idem, Ibidem.

Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 64.

Desenho do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, publicado

por George Kubler, refazendo a planta do arquitecto João

Antunes, próxima de 1705.

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para as ordens militares, tendo sucedido neste cargo a Mateus do Couto, nomeado por

uma carta de 10 de Novembro de 1697 e na qual se referia a sua participação na

direcção das obras da igreja de Santa Engrácia, Lisboa8.

Este conceituado arquitecto estaria disponível para um outro risco, caso os dois

enviados não agradassem à irmandade. Todavia, o arcebispo chamou à atenção da

irmandade para o facto de qualquer das duas plantas comportar uma “despesa

considerável” pelo que, receava, “se o Senhor não fizer algum milagre” as obras

poderiam permanecer incompletas durante muitos anos9.

Numa outra missiva, datada de 3 de Setembro de 1702, D. João de Sousa remeteu ao

Dr. Matias de Melo e Lima o competente alvará régio, com validade por três anos, para

o arranque e desenvolvimento das obras de pedraria, alvará que seria renovado ao fim

de três anos, caso o andamento das obras o justificasse:

Sendo vossa mercê tão efectivo protector das obras do Bom Jesus, é razão

lhe remeta o alvará que sua majestade que Deus guarde mandou passar por

estes três anos, em que as obras crescerão em forma que mereçam que o

dito senhor mande passar segundo alvará; e se eu tiver vida não faltarei em

ser solicitador desta diligência. Deus guarde a vossa mercê. Braga 3 de

Setembro de 1702.

Desconhecem-se os subsequentes desenvolvimentos. Em 29 de Setembro de 1702 toda

a mesa administrativa foi substituída, na sequência da eleição anual que então se fazia,

permanecendo omissos os papéis desempenhados a partir desta data, quer pelo juiz de

fora Dr. Matias de Melo e Lima, quer pelo arcebispo de Braga D. João de Sousa.

As mudanças na administração da irmandade e a vinda do novo arcebispo para Braga –

D. Rodrigo de Moura Teles ocupou a prelatura da arquidiocese a partir de 1704 –

tiveram decerto implicações nos apoios, nas influências e nas posturas dos novos órgãos

decisores.

Lamentavelmente, desconhecem-se as plantas desenhadas pelo arquitecto e os

documentos relacionados com a que foi escolhida. Também não se conhece o contrato

do responsável pela execução do projecto, embora pela documentação posterior a 1710

8 Cf. SOUSA VITERBO, ob. cit., Vol. I, pp. 42 e 511.

9 Idem, Vol. III, p. 233.

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saibamos que a obra foi entregue ao mestre pedreiro barcelense Miguel Fernandes, da

freguesia de Cossourado10

.

Nenhum documento escrito existe, alusivo ao lançamento da primeira pedra (muito

provavelmente em 1705, a fazermos fé no registo epigráfico que se encontra junto da

portada principal da igreja), nem ao desenvolvimento das obras ocorridas entre 1705 e

1710. Nada sobre as vicissitudes que o processo construtivo sempre acarreta, enfim o

silêncio face à inauguração do novo santuário em 1710.

Terão desaparecido de vez, pela voragem do tempo e descuido dos homens? Pareceu

aos responsáveis da época que o majestoso templo e as inscrições nas tarjas pétreas

seriam suficientes para os vindouros?

Aconselham a verdade e o rigor históricos, que as próprias inscrições epigráficas

apresentam algo de enganador. A data de 1504, comemorativa da construção da

primeira capela, não pode evocar mais que o aparecimento da cruz ao sapateiro João

Pires, fixado numa escritura notarial que não foi datada e que logicamente se elaborou à

posteriori.

Quando muito, e a fazermos fé na total autenticidade do referido instrumento do

milagre, na tarde do dia 20 de Dezembro de 1504 ergueu-se uma cruz de madeira de

apreciáveis dimensões, cercada de pedras. Apenas depois, talvez no ano seguinte, foi

10

Embora a morada deste mestre pedreiro nunca apareça na documentação relativa ao templo do Senhor

da Cruz, deve tratar-se do mesmo mestre Miguel Fernandes cujo nome anda associado às obras de

arquitectura do Recolhimento do Menino Deus de Barcelos, na década de 1720 e que nos contratos que

assina aparece como residente na freguesia de Cossourado.

Fachada principal do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, uma obra

edificada, no essencial, em 1705-1710.

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edificada uma pequena ermida, com base em donativos dos crentes da vila e das

redondezas.

Segundo o mesmo documento religioso, que apenas conhecemos por via indirecta,

pouco tempo depois veio a ampliar-se o espaço da primitiva capela.

Quanto à outra inscrição, a de 1705, aquilo que podemos dizer com segurança é que ela

deve datar (a decisão da mesa da irmandade quanto à escolha do risco arquitectónico, a

contratação do mestre Miguel Fernandes e) o início das obras.

As principais obras de arquitectura: 1705-1710

____________________________________________________________

Resta-nos, por conseguinte, a interessante obra de arquitectura que é o templo do

Senhor Bom Jesus da Cruz e duas inscrições epigráficas de elevado significado, a

ladearem a portada principal: uma no lado esquerdo de quem entra, que assinala o

milagre do aparecimento da Santa Cruz e a decisão de ali se construir um abrigo em seu

louvor – EXTRUCTUM ANNO MDIV – e a outra, no lado direito, que evoca o

provável início das obras do templo setecentista – AMPLIATUM ANNO MDCCV.

Garante-nos o professor Carlos Alberto Ferreira de Almeida que o risco escolhido para

o templo do Senhor da Cruz foi, sem qualquer dúvida, o do arquitecto régio João

Antunes que “nos tempos sequentes terá desenhado, mais exaustivamente, plantas e

alçados”, inferência resultante da leitura da carta do arcebispo, de 15 de Setembro de

1701, quando este afirmou que “quando alguma delas [das duas plantas delineadas por

João Antunes e enviadas] contentar no risco em que vem, lhe possa fazer o perfil”11

.

11

FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto – Barcelos, p. 66.

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Na atribuição do desenho ou planta a João Antunes apontam-se dois factores decisivos:

por um lado, a leitura comparada dos edifícios por ele concebidos, ainda que neste caso

(o templo do Senhor da Cruz) tenha obedecido a uma concepção “sem o luxo das linhas

e de formas que vemos em Santa Engrácia ou na Casa do Tesouro da Sé de Braga”,

desenhadas por este arquitecto; por outro lado, a sua participação com uma planta para o

retábulo do altar do Senhor Bom Jesus da Cruz, referida aquando da contratação de

Miguel Coelho para entalhar os três retábulos, aspecto que dá solidez e validade à sua

atribuição.

Será lógico, sem dúvida, que o facto de João Antunes ser o responsável por um dos

riscos dos retábulos executados a partir de Dezembro de 1709, evidencie o seu

envolvimento mais amplo no projecto arquitectónico, com início em 1701, quando

desenhou as duas plantas que lhe foram encomendadas pelo arcebispo D. João de Sousa,

mas prolongando-se nos anos seguintes. Como atrás se disse, houve entretanto

mudanças no comando, tanto em Braga como na Irmandade do Senhor da Cruz.

Seja como for, trata-se de uma igreja com

uma elegante cúpula erguida sob um bem

proporcionado zimbório, num edifício

quase redondo, de traçado octogonal, com

a capela-mor voltada a norte e definido

interiormente por uma cruz grega onde

funcionam os espaços litúrgicos, que se

articulam através de segmentos semi-

circulares.

Garantiu-se, assim, um volume exterior de feição ovalado, numa composição baseada

em planos reentrantes rectilíneos e côncavos e um interior arredondado e quase

simétrico nas áreas que se destinam ao culto, com superfícies convexas a intercalar os

planos rectilíneos.

Aspecto da balaustrada e do

zimbório que coroa a cúpula.

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Duas estruturas semicirculares, com as quais

nos deparamos se entrarmos pelas portas

laterais do templo, funcionam como suportes

da cúpula (conjuntamente com os dois do

pólo oposto) e participam decisivamente na

organização das alas nascente e poente,

determinando corredores circulantes em

direcção às capelas onde se encontram as

imagens do Senhor da Cruz, à nossa

esquerda e da Senhora das Dores, no lado

oposto.

Ao interior destas estruturas arredondadas reservou-se uma função eminentemente

prática: uma escada helicoidal em cada uma permite o acesso aos púlpitos e aos espaços

que conduzem ao coro.

Nas estruturas do pólo contrário rasgaram-se as portas que dão acesso à sacristia e à

sala onde no passado reunia a mesa da irmandade; a partir desta, e através de sucessivos

lanços de escada, alcançam-se os patamares superiores onde vários aposentos guardam

alfaias, paramentos, telas de pintura e outras imagens, sacras, jarras, lanternas e o

arquivo da real irmandade.

Concebeu-se, pois, um edifício de planta centrada, com soluções volumétricas e

espaciais que só um bom arquitecto sabe conceber. E um bom mestre pedreiro executar.

Eixo central da planta.

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Alguns elementos decorativos – nomeadamente os balaústres, posteriormente

colocados, bem como um remate movimentado na fachada voltada a norte, encimado

por uma cruz, e as pirâmides que pontuam toda a balaustrada, que terão sido realizadas

em 1760 pelo mestre pedreiro António Gonçalves12

–, acrescentaram leveza e

monumentalidade ao edifício. Sobretudo ampliou-se a graciosidade barroca e garantiu-

se aos olhos do observador um notável equilíbrio arquitectónico.

Aquando da elaboração, em 1840, de um inventário dos “trastes”, paramentos e alfaias

do culto, pertencentes à Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, sendo provedor

Luís Tomás Veloso de Miranda, o escrevente apresentou a seguinte descrição do

edifício:

Consta este templo do Bom Jesus da Cruz, de um edifício material, com a

forma quase esférica, formado em abóbadas de pedra, sendo a principal

com volta de luneta, sobre que assenta uma clarabóia, e as outras de volta

em berço, e barrete: é circundado por um adro levantado em perpianho

com vários relevos sobre que descansam globos de pedra segundo o gosto

do tempo; e com quatro entradas por cima de fossos com grades de ferro. É

situado este edifício na parte mais baixa do Campo da Feira com três

portas tendo a principal virada a sul, e sobre esta uma torre com quatro

sinos denominados, o grande, que está na frente, o das onze, meão, e

garrida; e dos lados da torre continuam varandas formadas de balaústres

12

Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 67.

Remate da fachada voltada a norte.

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de pedra em torno do templo, que rematam com uma cruz na parte

posterior, e por baixo desta a inscrição = ECCE CRUCEM DOMONI.

Entre a capela-mor e o altar do Senhor da Cruz colocou-se a sacristia e entre a referida

capela maior e o altar da Senhora das Dores arrumou-se a sala das sessões da mesa da

irmandade, também designada no século XVIII como sacristia

No projecto, perspectivaram-se pois duas sacristias, embora com destinos diferentes,

mas muito claros e precisos. A do lado do Evangelho, para os sacerdotes se

paramentarem (por vezes referida como a sacristia do “vestidor”) e a do lado da

Epístola, para as reuniões da mesa administrativa, muitas vezes mencionada como “a

casa da mesa”.

Quer numa quer noutra guardam-se importantes espécimes patrimoniais e simbólicos.

Enquanto a primeira acolhe valiosas imagens sagradas, uma credência em estilo

joanino, um arcaz sob um retábulo neoclássico, um relógio do século XIX e as alfaias e

paramentos utilizados nas celebrações litúrgicas; a segunda, para além de guardar a

escultura italiana do Senhor da Cruz que sai nas procissões, dá abrigo aos retratos de

vários benfeitores, à documentação recente relacionada com a gestão do templo e,

firmada no seu centro, pode ver-se a mesa à volta da qual o juiz e restantes elementos da

direcção da irmandade reuniam. Outra interessante mesa, esta datável da segunda

Aspecto do retábulo marmoreado (madeira pintada a

imitar o mármore), de recorte neoclássico, colocado

sobre o arcaz da sacristia, cujas pegas recordam ainda o

estilo rocaille e que terão sido compradas em Braga,

juntamente com os espelhos, em 1752, segundo o

professor Ferreira de Almeida.

Num nicho do centro do retábulo, fechado com uma

porta envidraçada, guardam-se belas imagens dos

séculos XVII ao XIX.

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metade do século XVIII, bem como a poderosa imagem do Senhor Crucificado, apeada

do coro depois que este deixou de funcionar, completam o recheio que se encontra nesta

segunda “sacristia”. Seria excelente encontrar-se-lhe outro espaço!

Pela porta principal, voltada a sul, e pelas laterais, orientadas a sudeste e a sudoeste, têm

os crentes e os visitantes em geral acesso ao interior do templo do Senhor da Cruz.

Enquanto as portas laterais denunciam uma grande simplicidade formal (justificando a

designação de “estilo chão” enunciada por George Kubler no seu livro sobre

arquitectura portuguesa), a porta central obedeceu a um esquema mais movimentado.

A portada principal foi rematada por um frontão

curvo, interrompido pelo pedestal de uma inevitável

cruz, garantindo-se simbolismo, graça e harmonia, a

que a inclusão de duas pinhas no conjunto não são

alheias.

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As três notas vegetalistas do friso dão a esta entrada

axial um certo timbre classicizante; enquanto os

emblemas ou tarjas graníticas, e o óculo introduzido

para iluminar o coro, acrescentam dinamismo a toda

a frontaria, rematada pela torre sineira.

Duas pirâmides assentes nos seus pedestais enquadram e dão leveza a esta torre, de

cujas pilastras sobressaem pequenas volutas dos capitéis, insinuando um revivalismo

jónico da antiga Grécia. Por um lado, as pirâmides parecem acentuar a

monumentalidade das pilastras da frontaria, que se inspiraram na ordem toscana; por

outro, elas impedem um possível resultado esguio, que poderia ser dado pela torre

sineira.

Ou seja, um ligeiro mas oportuno toque decorativo – as pirâmides na fachada principal

e no remate da fachada norte, repetidas na balaustrada sobrepujada pela cornija, que,

com o friso e as pilastras toscanas, ligando todas as paredes – anulam possíveis

desequilíbrios e oferecem ao nosso olhar a harmonia de uma majestosa arquitectura.

No vértice de cada pirâmide, uma pequena

esfera participa deste movimento e desta

musicalidade redonda, concordante com o

cantochão e o órgão, que era cantado e

tocado pelos capelães do coro, desde os

inícios da década de 1730.

Grandiosidade arquitectónica, com alguma contenção decorativa, completada com um

exterior circundado por 32 pilares onde “descansam globos de pedras”.

Mas porque, em rigor, o desenho exterior da igreja representa oito lados, também a

cúpula da torre sineira deixa perceber uma pequena estrutura oitavada. Quanto aos

sinos (badalados pela tracção de cordas até ao último terço do século XX) que

pontuavam, no passado, a vida dos fiéis, foram fixados em vãos com arco de volta

inteira.

Dois janelões rectangulares gradeados,

ajudados por dois pequenos vãos,

quase quadrados, e pelas aberturas

circulares rasgadas na parede fundeira

do coro e no topo da cúpula (que se

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encarrega de receber a luz das oito

frestas do zimbório), fornecem a

luminosidade natural que se projecta

no centro da igreja e quebram a

monotonia dos muros, pintados de

branco.

Os restantes vãos, disseminados pelos restantes muros, iluminam a sacristia, a antiga

sala das sessões da mesa da irmandade, as traseiras do altar-mor e várias salas

arrumadas sobre as abóbadas das alas laterais.

A luz que ilumina o antigo espaço coral foi considerada insuficiente pelos capelães que

oficiavam no coro na década de 1770, chegando as suas reclamações a ter ressonância

junto da corte arquiepiscopal. Era então arcebispo D. Gaspar de Bragança.

Aquando da sua pesquisa no arquivo da irmandade, o tenente Francisco Cardoso e Silva

terá encontrado um “processo julgado na Câmara Eclesiástica de Braga” ocorrido entre

1774 e 1778, relacionado com uma visitação ao Senhor da Cruz que determinou se

abrissem “frestas que dessem luz para os capelães haverem de rezar no coro e mais

funções de sua obrigação”. Tudo indica que este era o desejo dos capelães, cujo pedido

nesse sentido figurava na folha 5 do referido processo.

Todavia, a mesa discordou frontalmente e pediu o embargo da decisão junto da Câmara

Eclesiástica “a fim de que se julgue não ter lugar a satisfação da obra capitulada”,

constituindo como advogado da sua causa, em Braga, o Dr. Francisco da Costa

Pimentel.

A 5 de Fevereiro de 1774 os capelães terão sido citados para uma audiência em Braga,

mas recusaram comparecer e tomar parte no processo, tendo a autoridade eclesiástica

decidido, em 19 de Março de 1774, mandar proceder a uma “vistoria no lugar da

contenda” 13

.

Auto de vistoria

Ano de nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e setenta e oito

anos aos vinte e um dias do mês de Maio do dito ano nesta vila de Barcelos e na igreja

do Bom Jesus da Cruz dela e aí onde eu escrivão fui vindo com o muito reverendo

13

BMB, Manuscrito do tenente Francisco Cardoso e Silva – Apontamentos para a História de Barcelos,

Vol. I, fl. 306v.

Page 18: Sc 2 de 8 capítulo ii

senhor Doutor José Joaquim Pereira desembargador na Relação primaz da corte e

cidade de Braga, e nela e sua câmara promotor dos resíduos por sua alteza real o

sereníssimo senhor D. Gaspar arcebispo e senhor de Braga e primaz das Espanhas

[…] e por ele senhor desembargador foi mandado fazer a vistoria ao diante escrita na

forma do doutíssimo acórdão […] e logo foi mandado vir à sua presença Manuel

Pereira, da freguesia de S. João de Vila Boa e Francisco Lourenço do arrabalde do

Senhor do Bonfim desta vila, ambos mestres pedreiros aos quais deu o juramento dos

Santos Evangelhos em um livro deles em que pus sua mão direita de que dou fé e lhes

encarregou que debaixo do dito juramento que tomado tinham vissem e examinassem a

obra do óculo desta igreja, e as obras que se necessitava neste óculo e recebido por

eles o dito juramento prometeram ver e examinar tudo na verdade e nela darem as suas

determinações do que dou fé, e para constar fiz este termo eu João da Silva Pereira,

escrivão que o escrevi. Manuel Pereira – Francisco Lourenço – Pereira14

A vistoria foi feita com a participação dos dois mestres pedreiros referidos no

documento, que se pronunciaram quanto à abertura do janelão, alegando as razões que

julgamos terem sido as defendidas pela mesa da irmandade.

Demos voz aos mestres pedreiros pela caneta do escrivão que compôs o discurso, talvez

com alguma ajuda do desembargador.

E vendo e examinando este acto [de visitação] e o óculo disseram que no

coro há bastante luz comunicada a ele por um grande óculo que está no

frontispício desta igreja de sorte que se vê perfeitamente no coro para rezar

ou para outro qualquer acto ou função que se queira fazer nele.

E outrossim examinando e averiguando se no lugar do óculo que está no

mesmo coro se podia fazer uma fresta até às cadeiras do mesmo coro sem

ruína máxima imediata de todo o frontispício da mesma igreja disseram eles

louvados que era quase impossível meter-se a dita fresta sem a ruína do dito

frontispício porque para se fazer esta obra é preciso que se lance abaixo

parte do mesmo frontispício do óculo para baixo […] também porque em

cima do mesmo frontispício está a torre dos sinos que é de abóbada feita

com pedras de esquadria tanto por dentro como por fora pelo que assentam

14

Documento transcrito por Francisco Cardoso e Silva, ob. cit., fl. 307.

Page 19: Sc 2 de 8 capítulo ii

que sem ruína grande se não pode fazer a dita obra capitulada e atendendo

à grandeza da obra desta igreja e nesta forma houveram eles louvados as

suas determinações por dadas e ele senhor doutor desembargador esta

vistoria proferida e acabada15

.

Assinaram os mestres pedreiros e assinou o escrivão. A mesa da irmandade sorriu pela

decisão que vai tomar-se em Braga a 4 de Agosto de 1778, uma decisão de sinal

contrário ao capítulo da visitação que impunha a substituição do óculo por uma janela

de maiores dimensões. Sorriu a mesa, sorriram os irmãos defensores da mesma causa,

sorrimos nós… com um graças ao bom senso que por vezes também reina, o alçado

principal do Senhor da Cruz não foi adulterado.

Mas a mesa da irmandade teve ainda de pagar as custas do processo. Leia-se a

sentença!

Sentença

Os embargos recebidos julgaram provados para o fim de não ter execução

o capítulo da visita copiado na certidão folhas cinco o qual se mandava aos

embargantes fizessem a obra expressada no mesmo pois como da fachada

dela se segue o inconveniente […] de arruinar-se a torre que fica por cima

do óculo no frontispício do templo e ainda a contingência de prejudicar as

abóbadas de que é formado o mesmo templo pelas convenientes razões que

lembram as testemunhas […] pelo que deixa de ter efeito o dito capítulo de

visita no qual se não cogitou das ditas ruínas, e se supôs ser a obra de

pouca consideração sendo aliás muito considerável e serem necessários

dinheiros mais avultados, especialmente não havendo falta de vista no coro

que foi o principal objecto do dito capítulo porque se mostra ter bastante

luz comunicada pelo dito óculo e mais frestas que lhe participam de todas

as partes […] e mandam fique sem efeito o capítulo de visita e paguem os

embargantes as custas […]. Braga quatro de Agosto de mil setecentos e

setenta e oito16

.

15

Idem, fls. 307-307v. 16

Idem, fls. 307v-308.

Page 20: Sc 2 de 8 capítulo ii

Ainda no século XVIII, na década de 1780, a edilidade barcelense procedeu ao

correcto enquadramento urbanístico que faltava, a sudeste da igreja, resolvendo

desníveis do espaço envolvente com a construção de uma estrutura de granito, no qual

sobressaem duas falsas fachadas arquitectónicas e duas imponentes pirâmides

terminadas em esfera.

Os bancos, as janelas, as fontes e os jardins, estes posteriormente associados ao arranjo

urbanístico, proporcionam um belo e refrescante passeio, justificando-se plenamente o

epíteto de Passeio dos Assentos.

O resultado global é sem dúvida soberbo e prepara-nos para um interior lindo. Por isso,

dê o visitante a volta ao templo, em jeito de cumprimento de alguma promessa feita, e

entre descontraído no templo do Senhor da Cruz, armado com o olhar do corpo e com a

sensibilidade da alma.

Observado do Passeio dos Assentos, do Campo da Feira, da Avenida da Liberdade, do

Largo da Porta Nova, o templo do Senhor da Cruz exibe uma espécie de grandiosidade

contida, uma força de atracção, quiçá o belo, que nos envolve e nos convida a entrar e a

descobrir o resto no interior.

Fonte, jardim e falsa

fachada arquitectónica.

Page 21: Sc 2 de 8 capítulo ii

Aqui, dentro do templo, a força do granito e os elementos arquitectónicos saídos da

mestria do arquitecto, impecavelmente aparelhados pelas mãos e pela técnica do mestre

pedreiro e dos seus oficiais, são um hino à arquitectura.

O dinamismo arquitectónico depende, antes de mais, dos seus próprios elementos: um

sistema de abobadamento curvilíneo a recobrir as alas laterais, o coro e a capela-mor

(bem como as capelas laterais, forradas pela talha dourada dos seus retábulos), uma

cúpula circular a pousar sobre uma estrutura arquitectónica definida por quatro

agigantados arcos, organizados a partir de oito poderosas pilastras, todos garantindo e

obrigando à circulação dos visitantes.

O único apontamento decorativo lavrado no granito encontra-se no frontão das quatro

portas de acesso à sacristia e às restantes dependências: um frontão interrompido,

enroscando-se num par de insinuantes volutas, deixando que uma pinha se abra

ligeiramente sobre o pedestal.

Elegância e contenção decorativa, para não

ofuscar o brilho da arquitectura.

Duas destas portas, uma vez transpostas, levam-

nos por escadas em caracol para os púlpitos, para

Acesso ao templo do Senhor da

Cruz pelo Jardim das Barrocas e

Passeio dos Assentos.

Page 22: Sc 2 de 8 capítulo ii

o coro e para pequenos espaços aproveitados pelo

arquitecto.

Mas o interior da casa de Deus é como na casa das

pessoas. Precisa de mobiliário e de decoração; de

outras formas de expressar a vida, o pensamento,

a técnica, os sentimentos e a criatividade

humanas; de fazer estancar e facilitar o

movimento.

Assim, no interior do templo do Senhor

da Cruz é necessário parar. Para ver,

sentir, pensar, aprender, talvez rezar.

Porém a circularidade é obrigatória, quer

porque a organização do espaço a isso

nos obriga – as duas alas laterais

facilitam e condicionam a movimentação

em direcção aos altares do Senhor Bom

Jesus da Cruz e da Nossa Senhora das

Dores –, quer porque o mobiliário

religioso e a rica ornamentação a isso

nos impelem (aspectos que serão

retomados no Capítulo III).

Aquando das obras de repavimentação do espaço interior, que se realizaram cerca de

dois séculos depois (em 1909-1910) seguindo-se parcialmente um parecer do arquitecto

Ernesto Korrodi, uma cruz de mármore com losangos pretos e brancos, e um círculo

rosado a ligar todas as hastes, veio acentuar definitivamente a simbologia da cruz e do

milagre que ali se crê ter sido operado há quinhentos anos.

Aspecto interior da entrada lateral, lado poente.

Page 23: Sc 2 de 8 capítulo ii

Sabe-se, pelo livro de receitas e despesas de 1706 a 1721, que o mestre pedreiro

contratado para erguer o templo do Senhor da Cruz foi Miguel Fernandes. Todavia, não

possuímos nenhum registo escrito do decurso das obras entre 1705 e 1710.

O mesmo acontece no que respeita à sua inauguração: um silencio incompreensível!

Com o desaparecimento das fontes escritas do período crucial das obras de pedraria –

designadamente o livro das obras e outros papéis que inevitavelmente existiram –, uma

parcela da memória do Senhor da Cruz foi mutilada.

O ano de 1710, claramente importante para a história da vila – com a inauguração do

novíssimo templo –, surge-nos envolto de silêncios no que ao Senhor da Cruz diz

respeito.

Tratou-se de uma efeméride festiva, com a presença do arcebispo e mais autoridades

eclesiásticas, civis e militares, com toda a população da vila e do concelho na

celebração de uma missa campal? Ou ocorreram vicissitudes que inviabilizaram uma

cerimónia festiva e de grande aparato? Andaria o arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles

de candeias às avessas com a irmandade, ou sentir-se-ia pouco comprometido com este

projecto, que havia recebido o empenho do seu antecessor D. João de Sousa?

Ao contrário do que aconteceu na igreja do mosteiro de S. Bento, onde o arcebispo foi

imortalizado, quer numa tarja junto à entrada desta igreja quer nas paredes laterais da

capela-mor, no templo do Senhor da Cruz nenhuma marca foi deixada que celebrasse D.

Rodrigo. E este aspecto, o da imortalização do prelado, não seria coisa de somenos.

Não podemos esquecer que três anos mais tarde, aquando da inauguração da igreja

beneditina de Barcelos, em 1713, D. Rodrigo de Moura Teles presidiu a uma enorme

procissão realizada entre Braga e Barcelos, abrindo caminho a 4 dias de festividades,

durante os quais aqui permaneceu, alojado na casa da quinta da Bagoeira17

; e que, antes

de entrarem no seu mosteiro e aí serem enclausuradas, as mais de 70 religiosas e suas 50

criadas puderam entrar no templo do Senhor da Cruz onde fizeram uma oração18

.

17

VINHAS, Joaquim Alves – A Igreja de Nossa Senhora do Terço de Barcelos, na História e na Arte dos

inícios do século XVIII. Iconografia dos seus emblemas, p. 49. 18

Idem, pp. 47-48.

Page 24: Sc 2 de 8 capítulo ii

Em 1706 o tesoureiro Manuel Luís Tamel registou como despesa da irmandade o azeite

consumido na velha capela. E pouco mais. Da análise das receitas deste ano, verifica-se

a realização da festividade da “Santa Cruz de Maio”, que rendeu 5.500 réis de esmolas,

verba a que teremos de juntar 5.760 réis pagos pelos mercadores, que pela ocasião da

Festa das Cruzes montaram a sua tenda nas imediações do templo pagando à irmandade

o correspondente aluguer do espaço.

As restantes rubricas que aparecem neste livro, relacionam-se com alguns enterramentos

e com a admissão de novos irmãos, alguns dos quais do sexo feminino, como foi o caso

de D. Leonor de Vilas Boas, que pagou 600 réis de jóia pela sua inscrição na irmandade.

Nos dois anos que se seguiram, nenhuma rubrica no campo das despesas foi

mencionada. Em 1707 as receitas são relativamente apreciáveis, oriundas das novas

admissões e da cobrança dos “anuais” dos irmãos de S. João da Foz, mas sobretudo das

esmolas recolhidas pela Invenção da Santa Cruz de 3 Maio (44.315 réis) e pela

Exaltação da Santa Cruz de 14 de Setembro (20.230 réis), conforme os registos de

Manuel Luís Tamel, que entregou um saldo positivo de 192.761 réis ao novo tesoureiro,

Bento Ferreira.

A igreja do antigo mosteiro de S. Bento, construída em

1707-1713, é hoje conhecida pela igreja de Nossa Senhora

do Terço de Barcelos.

Page 25: Sc 2 de 8 capítulo ii

Evidentemente que o movimento das despesas era avultado (sabendo nós que estavam a

decorrer as obras de pedraria) e que mereceu um livro próprio de registo mas que nos

foi sonegado, inadvertida ou propositadamente.

Timidamente, no ano de 1709 (para 1708 não há qualquer registo), aparece-nos a verba

de 1.970 réis relacionada com a compra de uma cruz nova para o Senhor dos Passos e

outra de 700 réis, gasta com o conserto de um andor. Neste mesmo ano gastaram-se

4.000 réis com o capelão das festas, 28.400 com os capelães que disseram a missa

quotidiana e as três do dia de Natal e 725 réis para o azeite que iluminou o templo.

Estas despesas, ainda que escassas, mostram que enquanto decorriam as obras da nova

igreja, o culto funcionou de forma mais ou menos regular na velha capela.

A apreciação das receitas permite-nos concluir da celebração das festividades de 3 de

Maio e 14 de Setembro e de uma pouco expressiva recolha de esmolas pela Quaresma.

Algumas rubricas de dinheiro a juros, totalizando perto de 20.000 réis, anunciam uma

situação que seguirá em crescimento até à segunda metade do século XIX.

Em 1710, ano da abertura das portas ao culto, nenhuma referência à nova igreja foi feita

pelo escrivão Manuel da Costa Lopes (Manuel Luís Tamel regressou ao cargo de

tesoureiro, desde 1709). Porém, alguma luz espreita do fundo do túnel documental:

gastaram-se 17.260 réis distribuídos pelo trono “em que está o Senhor”, o arco e as

sanefas pertencentes, presumivelmente, à nova capela-mor; fez-se o “conserto” da porta

principal, no qual se gastou, conjuntamente com as ferragens, a quantia de 1.280 réis;

limpou-se o lampadário de prata, o que pressupõe a reutilização do recheio antigo

aquando da inauguração do actual edifício.

No mesmo ano, e possivelmente

destinados aos três altares, compraram-se

três sacras, três evangelhos e outros tantos

lavabos, tudo no valor de 10.460 réis.

Compraram-se ainda trinta peças de fitas

para as “medidas do Senhor” e alguma

paramentaria nova.

As restantes rubricas relacionam-se com as missas celebradas, uma quotidiana, do

legado de Gaspar Pinheiro Lobo, outra semanal, dita à sexta-feira pelos irmãos

falecidos, e as três do dia de Natal, às quais se juntou uma pela alma da benfeitora

Exemplo de sacras existentes no templo.

Page 26: Sc 2 de 8 capítulo ii

Ângela Pereira. Finalmente, gastou-se em azeite 6.825 réis, o que representa uma subida

exponencial em relação ao ano anterior.

Mas o movimento das receitas não indicia grandes celebrações, tão-pouco se faz

referência à festa de Setembro, o que nos parece estranho tratando-se do ano da abertura

do novo templo ao culto. Tendo sido inaugurada a nova igreja, foi-o certamente sem

pompa e com pouca circunstância, pois o mais certo é que, embora o projecto de

arquitectura estivesse no essencial concretizado, algumas obras só vieram a realizar-se

alguns anos depois.

Em toda a década de 1710, e mesmo durante as décadas seguintes há-de assistir-se à

execução de importantes obras que vieram completar o conjunto harmonioso do Senhor

Bom Jesus da Cruz.

Obras depois da inauguração

____________________________________________________________

Nos anos seguintes ao da abertura do templo ao culto, muito se trabalhou no Senhor da

Cruz até que as obras ficassem de facto concluídas. Havia que pavimentar as áreas

destinadas ao culto, a sala do coro e o adro da igreja; havia que colocar o telhado,

proceder a obras de acabamento em vários áreas e dotar a capela da Senhora das Dores

com o seu retábulo, sem o qual ficaria o culto empobrecido e o espaço da capela pouco

dignificado.

Na sua traça, o novo templo deve ter previsto a inclusão do culto à Virgem, no seu

estado de Senhora das Dores, uma invocação associada ao carácter dramático da vida

de Cristo, ardentemente comemorado pela cristandade católica desde os fins da Idade

Média.

No altar-mor, outra invocação associada ao drama sagrado, apresenta-se desde a

primeira metade do século XVIII, do lado do Evangelho, à esquerda do visitante. Nossa

Page 27: Sc 2 de 8 capítulo ii

Senhora da Piedade segura a Cristo jacente. Pequena demais para o espaço em que se

encontra, esta imagem bem que merecia maior destaque.

Com a capela do lado do Evangelho reservada ao Bom Jesus, que também é o Senhor

dos Passos e/ou o Senhor da Cruz, nada melhor que destinar um espaço do lado da

Epístola, reservado à Sua mãe, na condição de Nossa Senhora das Dores. Ambos

sofredores, mãe e filho ostentam com dignidade, luxo e beleza, o alto sacrifício, o

martírio em nome da humanidade pecadora.

Quem encomendou o projecto – o arcebispo de Braga e a mesa da Irmandade do Senhor

Bom Jesus da Cruz –, pediu ao arquitecto um traçado que contemplasse duas capelas

colaterais, uma destinada ao patrono Senhor Cruz e a outra a Nossa Senhora. Estavam

assim abertas as portas a novas invocações, que virão a multiplicar-se até aos finais do

século XX.

Estando em 1709 as obras de arquitectura relativamente adiantadas, havia pois que

dotar os espaços sagrados de obras de arte vistosas e modernas. Os altares e retábulos

de talha dourada eram imprescindíveis no quadro da estética e da mentalidade da época.

O máximo de dignidade e o máximo de riqueza foram mobilizados na ornamentação

destes espaços, que se desejavam perfeitos para o acolhimento das imagens às quais se

dedica o culto, a reza, a oração.

Estava na moda o chamado estilo nacional na arte de entalhar, cujos retábulos

organizados a partir de colunas, pilastras e arcos de volta perfeita enquadravam o trono

eucarístico, tudo profundamente ornamentado, dourado e pintado.

Toda a emoção e espiritualidade dos crentes eram convocadas por esta forma de

expressão estética (onde o movimento, a ondulação e o exagero decorativo dominam),

Page 28: Sc 2 de 8 capítulo ii

que uma vez associada à pintura e aos painéis de azulejo produziam o arrebatamento da

alma e o correspondente fervor religioso. Em suma era a arte barroca, na sua expressão

luxuriante, aplicada aos trabalhos de marcenaria e de escultura.

Por isso, para engrandecer a Deus e encantar os fiéis, em 19 de Novembro de 1709 o

barcelense Miguel Coelho, morador no arrabalde da Porta do Vale, foi contratado para

a realização dos retábulos do altar-mor e dos dois altares colaterais, por Matias Lopes

Ribeiro, tesoureiro das obras do templo em construção.

O risco de um dos retábulos era da autoria do mestre entalhador que assinou o contrato,

enquanto outro pertencia ao arquitecto régio João Antunes, responsável pelo traçado de

arquitectura como atrás se referiu. O preço acordado com Miguel Coelho foi 320.000

réis, tendo-lhe sido entregue de imediato a quantia de 192.000 réis, em 40 moedas de

ouro. Eis algumas das condições fundamentais que deveriam ser cumpridas pelo mestre

entalhador:

Os retábulos serão bem entalhados de talha alta ao moderno com suas

tribunas conforme derem os sítios e, estas tribunas serão muito bem

entalhadas e repartidas, em painéis, em os espaldares serão os painéis lisos

em esta forma e que se obriga a fazer a dita obra, e correrá por conta da

confraria o sobrado da tribuna do altar-mor como também todos os altares

de pedra e cartelas, e pilares, e ferragem para segurança dos retábulos os

quais se obriga a fazer estando a igreja capaz19

.

Uma reflexão apressada, a partir deste documento de 1709, poderia levar-nos a pensar

que no ano seguinte estariam concluídos e colocados nos seus lugares os três retábulos.

Todavia, ou porque a igreja não reunia ainda as condições para receber os retábulos, ou

porque o escultor não pôde cumprir com o estabelecido no contrato, o certo é que

Miguel Coelho não tinha todos os retábulos colocados em 1710.

O mais provável é ter despachado o do altar-mor e talvez o do altar do Senhor da Cruz.

Ficamos com a impressão de que se trabalhou à pressa, nas últimas semanas (como

parece habitual no nosso país), para a abertura do templo ao culto com o mínimo de

dignidade.

19

AISC, Caixa 1, Contrato para a construção dos três retábulos.

Page 29: Sc 2 de 8 capítulo ii

Alguns anos depois, Miguel Coelho ainda recebe dinheiro das obras em andamento. Em

1714 é-lhe entregue a quantia de 30.000 réis relacionada com os retábulos e, conforme

pode ler-se no documento, em 1715 recebe 10.300 réis por conta da “sua obra” ficando,

porém, na posse do tesoureiro Manuel Ferreira 30.000 réis “para entregar ao dito

escultor assim que assentar o retábulo”.

Pode pois concluir-se que, em 1715, pelo menos um

dos retábulos – decerto o da Senhora das Dores –,

estava ainda por colocar.

A este propósito, convém referir que a imagem de

Nossa Senhora das Dores foi oferecida em 1717

pelo tio de Manuel de Matos, tesoureiro em

exercício, pelo que o culto mariano nesta igreja teve

início nesta data.

Entre 1715 e 1718, o referido mestre entalhador e escultor Miguel Coelho recebeu

várias quantias, uma das quais por “conta da obra que se lhe devia”. Em 1718 era-lhe

ainda entregue a quantia de 16.000 réis, desta vez pelo entalhamento do frontal do altar

do Senhor da Cruz (o que denota uma possível insatisfação quanto ao resultado final do

altar de 1710) e dos dois anjos lampadários que se encontram à entrada da capela-mor,

para além da moldura da “vidraça do Senhor” que também executa neste ano.

Anjo lampadário, uma escultura de 1718

da autoria do mestre barcelense Miguel

Coelho.

Page 30: Sc 2 de 8 capítulo ii

É pois de aceitar que a existência de uma vidraça a isolar a imagem dos fiéis e de um

frontal, num retábulo que certamente obedecia à estética do chamado estilo nacional,

denunciam uma enorme diferença entre o altar que hoje podemos observar (construído

em 1736) e aquele saído das mãos de Miguel Coelho.

O novo retábulo não terá a vidraça para proteger o Senhor da Cruz da irresistível

vontade dos fiéis de lhe tocar, participando do sagrado, mas há-de ter um poderoso e

belo frontal e um cortinado de damasco, que apenas se abrirá em certas celebrações e

solenidades. Em situações especiais, como sejam a passagem de alguns devotos por

Barcelos e o desejo ardente de verem o Senhor, em troca de esmola especial, podia o

sacristão ou o servo da igreja mostrar-lhe a imagem.

Mas não se pense que as obras a decorrer a partir de 1710 se limitavam ao

entalhamento dos altares.

Em 1711, o carpinteiro Manuel Pereira fez e pregou o soalho da sacristia, por 3.000 réis

e construiu um arcaz, por 18.000 réis, para se guardarem os paramentos dos sacerdotes.

Ao serralheiro Manuel Francisco coube fornecer as ferragens do referido arcaz, no

valor de 350 réis. No mesmo ano foram registadas despesas relacionadas com as grades

que “estão nos arcos”, colocadas por Domingos Pereira, que também consertou as

caixas das esmolas.

A referência às grades dos arcos tem o valor de nos elucidar que em 1711 já estariam os

retábulos mor e do Senhor da Cruz colocados nos seus respectivos lugares.

O ano de 1714 revela-se de particular importância, quer pelas obras identificadas nas

rubricas das despesas, quer pelo inventário então elaborado e que nos dá conta do

recheio então existente.

As rubricas inseridas no capítulo das despesas são bem expressivas da dinâmica

empreendida na igreja que assistiu nesse ano à colocação das vidraças nos oito vãos do

zimbório e ao primeiro conserto das janelas em geral, a diversas obras de acabamentos

e/ou arranjos no interior, à pavimentação do interior onde funciona o culto, enfim à

reforma dos estatutos da irmandade.

Page 31: Sc 2 de 8 capítulo ii

Nos anos subsequentes, variadíssimas despesas com obras ou arranjos no templo,

evidenciam uma forte dinâmica religiosa e artística em torno do Senhor da Cruz, ora

ampliando o recheio e o património artístico e religioso da irmandade, ora reformando

os espaços e enriquecendo-lhes o culto. Assim será, com toda a evidência, até finais da

década de 1730.

A título de exemplo, apresenta-se um quadro resumo das principais despesas de 1714,

registadas no livro das receitas e despesas de 1706 a 1721, que atestam o quanto se

trabalhava ainda no Senhor da Cruz, embora o templo estivesse aberto ao culto desde

1710.

Page 32: Sc 2 de 8 capítulo ii

DESPESAS RELACIONADAS COM OBRAS NO TEMPLO DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ – 171420

MESTRE, ARTISTA

OU ARTÍFICE

DESDRIÇÃO DA OBRA REALIZADA MONTANTE

(RÉIS)

Mestre escultor Miguel

Coelho, de Barcelos.

Despesa relacionada com a obra dos retábulos, iniciada nos finais de 1709. 30.000

Mestre pedreiro Miguel

Fernandes.

Verba que se lhe estava a dever da “obra do templo”. 100.000

Miguel Fernandes e mais

“consortes”.

Ainda por conta “do que se lhe estava devendo da obra do templo”. 100.000

Miguel Fernandes. Lajeamento do interior da igreja. Foi chamado este mestre “por não haver outro oficial, que com

mais cómodo quisesse fazer sendo rogados para fazer esta obra a seis oficiais”.

125.000

Despesa, em pão e vinho, com 265 carreteiros que transportaram a pedra para o lajeado da igreja –

“por se dar só a cada carreteiro dez réis de pão, e um quartilho de vinho”.

6.476

Um pedreiro. Gravação dos números das sepulturas (três dias de salário). 560

Carpinteiro Bento

Pereira.

No altar do Senhor da Cruz: portas novas de castanho para a tribuna, arranjo de uma grade para o

frontal, construção de uns degraus de acesso e entaipamento de um vão que existia.

Uma grade nova de castanho para o frontal de tela do altar-mor.

2.700

Oito almarazes, 6 para pregar a tela da grade da capela-mor e 2 para a do altar do Bom Jesus. 250

Armador Manuel

Nogueira.

Conserto do altar do Senhor da Cruz, aquando da visita a Barcelos do arcebispo de Braga, em 6 de

Julho.

200

Carpinteiro António

Simões.

Construção das três portas da entrada da igreja, a principal e as duas laterais, feitas de madeira

vinda do Brasil (já tinham sido pagos 24.000 réis).

23.000

Ferreiro Jerónimo

Francisco, de Braga.

Parte da ferragem que forneceu para as três portas da entrada da igreja. 36.000

20

AISC, Livro as receitas e despesas de 1706-1721.

Page 33: Sc 2 de 8 capítulo ii

Almofadas de “todas as portas”, 4 dobradiças, 25 parafusos, 10 chumbadouros e os pregos para as

ferragens.

9.700

Vidraceiro Jaquinha, de

Braga.

Colocação das oito vidraças do zimbório. 31.400

Vidraceiro Manuel

Ferreira de Sousa, de

Braga.

Conserto de todas as vidraças do templo, incluindo os materiais (vidro, redes, presilhas, cal) e a

caiação.

25.710

Matias Manuel

Fernandes.

Conserto de um missal, redacção da pauta de missas e “reforma dos estatutos”. 2.400

Imaginário Gualter de

Sousa, de Lijó.

Feitura das imagens de Nossa Senhora e de S. João Evangelista, ambas destinadas à tribuna do

altar-mor.

1.440

Pintor Luís de Oliveira,

de Barcelos.

Por “encarnar e pintar a pauta da sacristia” e pintar os ferros da referida pauta. (Tratava-se

certamente da relação das missas e demais ofícios a que os capelães tinham de dar cumprimento,

por força das obrigações constantes dos legados e de determinações estatutárias).

940

Luís de Oliveira. Pintura de letras de ouro “numas medidas” do Bom Jesus. 1.440

Luís de Oliveira. Pintura da imagem de Cristo Crucificado, colocada no altar-mor. 8.170

Deslocação do tesoureiro à cidade de Braga, para levar o projecto de estatutos (a ser confirmado

pelo arcebispo) e trazer uma carta de excomunhão destinada aos devedores do Senhor da Cruz.

1.377

Conserto, na cidade de Braga, de um missal.

Aquisição de um lavabo, um evangelho e uma salva para o altar do Senhor da Cruz.

1.080

Aquisição de duas tochas para a mesa da irmandade. 1.650

Aquisição de uma pedra de ara, vinda de Tibães, incluindo o seu transporte. 650

Colocação de um arco das cortinas na tribuna do altar do Senhor da Cruz.

Compra de uma chave nova para o levantamento das sepulturas.

380

Tingimento das cortinas de roxo “para a tribuna do Bom Jesus”, na cidade do Porto. 300

Compra do esguicho de bronze para o lavatório da sacristia. 240

Compra de dois livros, um para os inventários e outro para o registo das sepulturas. 520

Page 34: Sc 2 de 8 capítulo ii

Para fazer face às despesas, a irmandade socorria-se das receitas provenientes do

dinheiro a juro, das jóias de inscrição na irmandade e dos anuais dos irmãos, das rendas

e pensões, dos enterramentos e sobretudo das muitas esmolas que anualmente davam

entrada nos seus cofres.

Em 1714, ao falecer, o padre António Coelho deixou 100.000 réis para “ajudar a dourar

o retábulo” do altar-mor e, claro está, para a celebração de duas missas anuais pela sua

alma. Nesta mesma data, o juiz da irmandade D. Prior André de Sousa da Cunha,

aplicou no lajeamento da igreja 100.820 réis, dos quais 60.820 tinham vindo de um

devoto lisboeta e os restantes 40.000 tinha ele próprio prometido, havia anos, como

constava do livro das esmolas para a construção do novo templo.

Inácio da Silva Medela, como atrás se disse, enviou no mesmo ano, do Rio de Janeiro,

uma verba de 100.000 réis para as obras do Senhor da Cruz.

Ainda em 1714, chegou uma caixa de açúcar enviada por alguns devotos residentes no

Brasil, que foi vendida na cidade do Porto por Bernardo de Sousa de Miranda. O seu

rendimento líquido foi de 53.672 réis.

Diogo da Cunha entregou uma moeda de ouro e um devoto de S. Paio do Carvalhal

ofereceu outra, ambas no valor de 9.600 réis, destinadas ao conserto das vidraças.

Enfim, João Barbosa e Faria e sua mulher D. Luísa, moradores no Passo Velho,

deixaram em testamento ao Senhor da Cruz 10.000 réis.

Pormenor de receitas recebidas pelo tesoureiro da mesa da

irmandade, documento do século XVIII.

Page 35: Sc 2 de 8 capítulo ii

Evidentemente que os rendimentos não provinham apenas das esmolas e dos legados.

Numa época em que as instituições de crédito laicas não correspondiam às necessidades

da sociedade, e a prática da usura tinha deixado de ser considerada pecaminosa, pela

Igreja, a Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz (a exemplo de inúmeras instituições

religiosas e/ou associação de fiéis) investia os seus capitais em empréstimos a juros,

multiplicando os recursos financeiros disponíveis. Era assim, pelo menos, desde cerca

de 1650, década em que dera entrada no cofre da irmandade um legado no valor de

500.000 réis.

Nos séculos XVIII e XIX, a organização dos devotos do Senhor da Cruz transformar-se-

á numa importante instituição de crédito da vila. Por exemplo, em 1715 o dinheiro que

corria a juros rendeu à irmandade mais de 100.000 réis.

As pensões e rendas em dinheiro ou géneros de várias propriedades rústicas, entre as

quais as das freguesias de Moure e de Palme, contribuíam para as obras e para o

enriquecimento do Senhor da Cruz. Vendiam-se o vinho, o tremoço, o linho e o pão

oriundos das rendas e das esmolas que iam enchendo as caixas do templo. Em 1715

venderam-se 91 rasas e meia de cereais que renderam 21.960 réis.

O aluguer dos espaços à volta da igreja, nos dias festivos, também entrava nas contas do

Senhor da Cruz. O mercador Manuel Luís Tamel pagou em 1711-1714 pelo aluguer do

espaço onde armou a sua tenda “pegada ao templo do Bom Jesus” 2.880 réis; em 1714 o

mercador Jacinto Ferreira pagou 960 réis pelo sítio da sua tenda, mas em 1715 já pagou

1.920 réis “de pôr também a sua tenda junto do templo”; e a mesma quantia foi paga

pelo comerciante Manuel Pires, pelo aluguer “do posto em que punha a tenda”.

Como se percebe da leitura atenta da documentação,

eram várias as fontes de receitas para fazer face às

despesas crescentemente avultadas.

As bacias para a recolha de esmolas, estrategicamente

colocadas na igreja(distribuídas) (como hoje o são as

caixas das esmolas no interior de qualquer templo),

completavam os meios financeiros indispensáveis ao

regular funcionamento da vida sócio-religiosa

organizada em torno do Senhor dos Santos Passos e à

sombra dos milagres da Santa Cruz.

Page 36: Sc 2 de 8 capítulo ii

É de notar que estávamos numa época em que as despesas inerentes ao cargo de juiz da

irmandade corriam por conta da sua(própria)fazenda. Em 1714 o escrivão declarou que

foram entregues 18.600 réis pelo cónego Manuel Lopes da Costa, em nome de D.

Manuel de Azevedo e Ataíde, verba que havia sido gasta pela irmandade em 1711

quando este fora juiz, mas que “os gastos, que pertencem aos juízes são por sua conta

conforme os estatutos”.

No ano seguinte, em 1715, foram entregues 204.647 réis, produto de 82 rubricas

registadas no mencionado livro das esmolas, o que nos esclarece do alcance da

angariação de fundos para a construção da nova igreja, cuja campanha havia sido

iniciada em 1698.

Aliás, entre 1715 e 1718 assistimos ainda à liquidação de promessas que haviam sido

feitas naquele livro, nomeadamente a indicação de 57 verbas totalizando 156.950 réis

provenientes do “livro das promessas das esmolas”, e a quantia de 91.110 réis entregue

por Manuel Maciel Ferreira e seus filhos “como do livro das obras consta”21

.

Infelizmente, não há indícios deste “livro das obras”, que indiscutivelmente muito nos

esclareceria acerca dos protagonistas e das vicissitudes que um projecto de arquitectura

desta qualidade sempre implica.

As obras do adro e do telhado: 1717-1719

____________________________________________________________

Num primeiro olhar parecia-nos que em Setembro de 1715 as obras estariam dadas por

concluídas e todos os seus espaços devidamente asseados, incluindo a área em redor da

igreja, pois nessa data foi paga a quantia de 960 réis de “arrimar a pedra” e limpar o

“campo em redondo da capela do Senhor”. Depois das obras, embelezam-se os espaços

internos, organizam-se e limpam-se os acessos.

21

Idem, Ibidem.

Page 37: Sc 2 de 8 capítulo ii

Sabíamos que tinham sido utilizadas sete canadas de óleo e “mais ingrediente”, que

custaram à irmandade 4.020 réis e o pintor chamado recebeu 3.660 por “olear as portas

do templo”. Comprou-se uma imagem dos Santos Passos por 400 réis e despendeu-se

pelo feitio da sua cabeleira 570 réis. Mais caro o cabelo que o corpo, decerto por se

tratar de uma imagem em armação de roca. A túnica de tafetá roxo esconderá o vazio da

imagem.

O inventário elaborado em Fevereiro de 1714 é suficientemente claro quanto ao recheio

existente. Nele se refere uma imagem de Cristo Crucificado, colocada no retábulo da

sacristia e que tinha umas cortinas de chamelote tostado para a cobrir; a imagem de

Cristo Crucificado “ainda por incarnar”, que se encontrava na tribuna do altar-mor; a

imagem do Cristo dos Passos atrás referida, com duas túnicas de tafetá roxo, uma das

quais nova; a imagem do Bom Jesus da Cruz às Costas com seu “diadema, e cruz de

espinhos tudo de prata”; uma cruz de prata, com o Santo Lenho; três lampadários de

prata; cálices e outras alfaias litúrgicas, também em prata; um realejo, tocheiros e

castiçais, sacras, evangelhos, lavabos, jarras, toalhas dos altares, cortinados, vários

paramentos e missais, enfim todos os objectos inerentes à recriação da Procissão dos

Passos. Sem esquecermos os sete quadros já velhos que tinham saído, provavelmente,

do retábulo do século XVII.

Há que juntar ainda “seis couçoeiras de pau do Brasil, e nove paus roliços de

jacarandá”, matéria-prima para os gradeamentos que faltam. De resto, tudo parecia estar

em ordem. Sim, tudo composto, de portas adentro. A procissão, porém, ainda estava no

adro… Importantes obras se terão ainda de realizar!

Quando, em 17 de Março de 1718, o escrivão da irmandade lança as receitas e (as)

despesas que vinham desde Setembro de 1715 surpreende-nos com várias parcelas

directamente relacionadas com a pavimentação da área exterior.

Page 38: Sc 2 de 8 capítulo ii

Afinal, o homem que arrimou a pedra e limpou o “campo em redondo”, mais não tinha

feito que preparar o novo estaleiro. Até aos inícios de 1719, algumas rubricas andam

ligadas ao “pátio da igreja”, segundo pudemos apurar no livro das receitas e despesas da

irmandade.

O cruzamento desta fonte documental com uma outra dos finais de 1716 permitiu-nos

datar com bastante precisão a chamada obra do pátio, ou adro da igreja, que no entanto

virá a sofrer alterações no século XIX e inícios do século XX, até chegar ao aspecto que

hoje apresenta. Mas a primeira pavimentação do adro foi resolvida em 1717-1719.

Com efeito, no dia 15 de Dezembro de 1716 foi assinada uma escritura pública através

da qual Manuel da Costa Guimarães, da vila de Guimarães, fez um donativo ao Senhor

Bom Jesus da Cruz, na pessoa do prior da colegiada e juiz da irmandade, D. André de

Sousa da Cunha, esmola destinada a “se fazer um pátio na entrada da sua capela sita no

Campo da Feira”.

Manuel da Costa Guimarães apresenta dois motivos justificativos da doação: a devoção

que “sempre teve” ao Senhor Bom Jesus da Cruz e o cumprimento de uma “promessa

que lhe tinha feito se o ajudasse a certos negócios” que tivera.

Pormenor do adro do templo do Senhor da Cruz,

contíguo ao Largo da Porta Nova.

Page 39: Sc 2 de 8 capítulo ii

No cumprimento da promessa, uma boa parte foi entregue em papéis de dívidas que a

irmandade deveria cobrar ou executar juntos dos devedores deste devoto vimaranense.

DIVIDAS A MANUEL DA COSTA GUIMARÃES, QUE

INTEGRARAM A DOAÇÃO PARA AS OBRAS DO ADRO – 1716

NOME DO DEVEDOR MONTANTE

(em réis)

Gaspar Ribeiro Lopes, da vila de Barcelos. 4.800

Manuel Fiúza, da vila de Barcelos. 7.500

Rafael Carneiro, da freguesia de Barcelinhos. 18.040

António Barbosa da Cunha, da freguesia da Pousa. 7.200

Manuel Fernandes Tamel, da vila de Barcelos. 72.000

Tomás de Sousa, da vila de Barcelos. 3.910

Paulo da Rocha, da vila de Barcelos. 10.720

Manuel Ribeiro dos Santos, sapateiro de Barcelinhos. 4.660

João de Almeida e Faria, da vila de Barcelos. 4.800

Relativamente à dívida de João de Almeida e Faria, o doador já tinha obtido uma

sentença favorável, que era preciso executar. Manuel da Costa Guimarães entregava

também à irmandade os direitos e acções resultantes de uma sentença contra Lourenço

Maciel, de Darque, relativamente a umas casas térreas que houvera arrematado;

finalmente cedia os direitos e acções que detinha contra os moradores da freguesia de

Perelhal, de dívidas das rendas alusivas ao préstimo a pagar à “sereníssima casa de

Bragança”, referentes aos três anos em que Costa Guimarães havia sido rendeiro do

referido préstimo.

Todas estas dívidas ficava a mesa da irmandade obrigada a cobrar e a executar. Porém,

caso não fosse possível executar alguma delas, o devoto de Guimarães entregaria o

valor correspondente, até perfazer os 200.000 réis prometidos. Na data da assinatura do

contrato o doador entregou quatro moedas de ouro ao juiz da irmandade.

Esta escritura de doação foi exarada na nota do tabelião Simão Francisco de Abreu e

assinada pelos seguintes intervenientes: Manuel da Costa Guimarães e o juiz da

irmandade D. André de Sousa da Cunha; Luís Rodrigues Dias, Cristóvão, Manuel de

Matos, Manuel da Costa Azevedo (todos membros da mesa); o tabelião e as

Page 40: Sc 2 de 8 capítulo ii

testemunhas Luís Rodrigues Dias, assistente na casa do prior da colegiada e Cristóvão,

solteiro, natural da freguesia de Alheira e familiar da mesma casa.

Quanto às dívidas referidas sabemos pelas contas encerradas a 17 de Março de 1718 que

as mesmas foram em geral liquidadas, nomeadamente as de Gaspar Ribeiro Lopes,

Rafael Carneiro, Manuel Ribeiro dos Santos, Tomás de Sousa, António Barbosa da

freguesia da Pousa e a de Paulo da Rocha.

No respeitante às casas de Lourenço Manuel, da freguesia de Darque, Viana do Castelo,

o livro de receitas e despesas esclarece que a irmandade recebeu 22.500 réis, tendo no

entanto de gastar 1.120 réis com o “aluguer da besta”, o jantar e a ceia do escrivão e do

homem que o acompanhou a pé na deslocação a Darque para a tomada de posse das

mencionadas casas térreas, isto é, sem sobrado.

Entretanto somos informados pelo escrivão que o tesoureiro Manuel de Matos foi

obrigado a entregar 4.800 réis em nome de João de Almeida, relacionados com a doação

de Manuel da Costa Guimarães, “porquanto os oficiais da confraria o obrigaram a este

tesoureiro que o pagasse, visto se lhe não ter feito a execução por sua culpa, e lhe querer

esperar pela dita dívida sem ordem da confraria”.

Possivelmente para completar a promessa que havia feito, Manuel da Costa Guimarães

entregou ao juiz mais quatro moedas em ouro no valor de 19.200 réis, por “conta dos

duzentos mil”.

O mestre pedreiro contratado para o lajeamento do adro foi de novo Miguel Fernandes,

que por esta ocasião, cerca de 1717, ainda recebeu 51.893 réis “por uma paga de todo o

templo […] que se lhe estava a dever”, verba que devia estar relacionada com a

pavimentação do interior da igreja.

Vários pedreiros participaram, logicamente, na obra confiada ao mestre. É o caso de

Domingos Cardoso, de Cossourado, a quem a irmandade paga 35.000 réis em 1721,

“que lhe ficarão devendo os oficiais passados a saber do pátio das portas colaterais para

traz”. Para elaborar os indispensáveis apontamentos para a execução da obra, a

irmandade chamou o mestre Domingos Moreira a quem paga 2.400 réis.

O quadro resumo que a seguir se apresenta é suficientemente esclarecedor acerca dos

homens e dos meios envolvidos neste arranjo urbanístico, que veio acentuar a

importância do Largo da Porta Nova como o principal centro cívico dos barcelenses.

Page 41: Sc 2 de 8 capítulo ii

DESPESAS COM A PAVIMENTAÇÃO DO ADRO – 1717-171922

DESCRIÇÃO DA DESPESA MONTANTE

(em réis)

Dezanove carretos de pedra. 3.040

Com um homem de Abade do Neiva, por quatro carretos de pedra. 800

Cal para o lajeado, “por duas vezes”. 3.560

Mais cal. 2.400

Com um homem de Vilar do Monte, por um carreto (de pedra). 160

Pão e vinho para os carreteiros que trouxeram a pedra. 1.430

Completamento de um carreto de cal. 330

Com o mestre Miguel Fernandes. 9.600

Com Bento da Costa, para pagar aos carreteiros de pedra. 1.070

Com o mestre Miguel Fernandes, “para o lajeado do templo”. 68.000

Com o mestre pedreiro Domingos Moreira, “por vir fazer os

apontamentos do pátio”.

2.400

Sessenta e dois alqueires de cal e seu carreto. 4.960

Cal encomendada pelo prior da colegiada e juiz da irmandade. 1.440

Com quem acarretou a pedra para o lajeamento do adro. 4.800

A Bento da Costa pela condução da pedra para o adro. 1.800

Compra de mais cal. 1.500

Aluguer da “besta de ir à pedra”. 300

Trinta e cinco alqueires de cal. 2.470

Aos carreteiros de Vilar do Monte, “pelo ajuste dos 13.000 réis”. 8.200

Com Bento da Costa, pelo pão e vinho que gastou com os carreteiros. 14.060

Com o mestre pedreiro Miguel Fernandes. 33.600

Com o aluguer de uma mula, “de quando se foi à pedra”. 240

Com os pedreiros que andaram no lajeamento do adro da igreja. 233.400

Com os mencionados pedreiros. 57.062

Cal que “tinha vindo, e era o resto”. 180

Com Bento da Costa, das despesas com os carreteiros da pedra. 4.750

Com os pedreiros que concluíram as obras do pátio. 120

O adro, cuja pavimentação em granito estava concluída em 1719, não correspondia

exactamente ao que hoje podemos observar.

Conforme pode ler-se no livro das contas de 1721-1750, em 1723 deu entrada nos

cofres da irmandade uma esmola de 4.800 réis, que foi aplicada “para ajuda da faixa, e

assentos de pedra de esquadria ao redor do templo”.

Uma simples “faixa” e bancos de granito circundavam a igreja e não os muros que hoje

podemos ver, aspecto que, aliás, uma gravura talvez da primeira metade do século XIX,

permite claramente perceber.

22

Idem, Ibidem.

Page 42: Sc 2 de 8 capítulo ii

Os pilares toscanos que suportam as esferas são do século XVIII, sem dúvida, mas os

muros que os ligam uns aos outros em redor do templo e o assento de granito colocado

nas traseiras, que podemos hoje observar, resultaram de uma intervenção ocorrida entre

1868 e 1869.

De facto, de acordo com uma relação de

despesas registada entre Setembro 1868 e

Fevereiro de 1869, pode verificar-se a

compra de materiais e o pagamento de mão-

de-obra utilizada na construção dos muros e

nos assentos colocados no adro do Senhor

da Cruz.

Nesta obra participaram os pedreiros João

Manso, Domingos Gonçalves e Domingos

Alves da Costa, ambos(estes dois últimos) da

freguesia de Lijó, Francisco de Paula e Luís

Ferreira Peneda, residentes na vila.

Trabalharam ainda outros oficiais, ajudantes e jornaleiros, como pode ver-se no

documento onde se registou a “conta das despesas feitas com os paredãozinhos e

assentos em volta do adro do Senhor Bom Jesus da Cruz, de Barcelos”23

.

No dia 21 de Dezembro de 1868 pagou-se ao ferreiro Joaquim, de Barcelinhos, pelo

“importe de ferro e feitio do gradeamento que fez para o paredõezinho do adro, lado das

casas, a saber”: 65 quilos de ferro Escócia, no valor de 4.030 réis; 96 quilos de ferro

23

AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Relação de despesas de 1868-1870, fls.

1-2.

Reprodução de gravura, que deve datar da

primeira metade do século XIX, oferecida pelo

Dr. Lapa Carneiro ao Dr. Victor Pinho, que a

publicou com o seu artigo sobre A visita da

rainha D. Maria II a Barcelos, in Barcelos

Revista, N.ºs 9/10, 1998/1999, pp. 53-115.

Aspecto do acesso ao adro, lado sudeste.

Page 43: Sc 2 de 8 capítulo ii

redondo, pelo preço de 6.785 réis; 2 quilos de chumbo de barra, 260 réis; 3 quilos de

chumbo que custaram 390 réis e ainda a mão-de-obra que orçou em 5.000 réis24

. (Pode

consultar-se o quadro resumo relativo às obras efectuadas no adro em 1868-1869,

inserido no Capítulo VII).

A colocação de uma grade no muro do lado poente, acentua as diferenças daquilo que

foi o adro nos séculos XVIII e XIX, face ao que hoje podemos observar.

Porém, antes das obras de 1868-1869 já existiam um gradeamento a ligar os pilares da

frontaria, conforme uma imagem da época documenta. Posteriormente, as grades

abrangeram mesmo os quatro lados do adro, como pode verificar-se pelos vestígios

deixados nos 32 pilares e nas suas esferas.

Uma desta imagens do século XIX, a que retrata o templo do Senhor da Cruz e

arredores, permite-nos vislumbrar, e apenas, uma grade na frontaria e não ainda as dos

restantes lados do adro.

24

Idem, fl. 2.

Aspecto da imagem do século XIX alusiva ao templo do Senhor da Cruz,

colorida a aguarela da responsabilidade de José António Gomes de Faria,

funcionário da Biblioteca Municipal de Barcelos.

Montagem de dois postais, inserida nos Apontamentos para a História de Barcelos, do tenente Francisco

Cardoso e Silva, que nos dá uma vista panorâmica do templo do Senhor da Cruz e da sua área envolvente.

Page 44: Sc 2 de 8 capítulo ii

Regressando ao século XVIII, na chamada obra do primitivo lajeamento do pátio

previu-se um sistema de fossos dispostos à volta da igreja.

No início optou-se por grades de madeira para a cobertura dos ditos fossos, pois em

1721 o carpinteiro Domingos Pereira foi contratado para fazer as “grades do fosso

grande para trás”, isto é, do fosso da fachada voltada a norte, uma obra que orçou em

3.720 réis. Também nesta data se compraram pregos de “real e meio”, na casa de Diogo

da Cunha, para prender “a metade de um varão que se pôs de novo no fosso de diante”,

ou seja, o resguardo do(no fosso) fosso fronteiriço à fachada principal.

Mas as grades de madeira foram

uma solução de curto prazo, um

remedeio que em 1729 será

superado com a colocação de um

gradeamento de ferro. Hoje

estamos convictos de que, quer as

grades dos fossos à volta do adro,

quer o gradeamento sobre os seus

pequenos muros só terão sido

removidos aquando da intervenção

no pavimento interior e exterior,

em 1909-1910.

Conforme esclarece um documento “a obra das grades do fosso do frontispício”, e

também os “mais fossos que tem o pátio do mesmo templo”, foi dada a lanços em 7 de

Junho de 1729, depois de publicamente divulgada.

Concorreu à arrematação desta obra o mestre ferreiro da vila, António da Costa Leitão,

que se comprometeu a realizar as grades com os alçapões que fossem necessários para

permitirem a limpeza dos fossos e as faria em “vergalhão”, pelo preço de meio tostão

cada arrátel de ferro.

Outro concorrente, o ferreiro João Gonçalves, residente na freguesia de S. João de Vila

Boa, propôs-se arrematar a obra por 45 réis o arrátel, dando-se-lhe uma entrada inicial

para aquisição do ferro necessário; mais disse João Gonçalves que faria o gradeamento

de acordo com os apontamentos a serem fornecidos pela mesa da irmandade e que

começaria a obra pelo fosso da frontaria da igreja; e quando houvesse “mais dinheiro se

Aspecto do adro actual, lado poente.

Page 45: Sc 2 de 8 capítulo ii

continuará com os mais”, devendo o tesoureiro entregar-lhe oito moedas para o

arranque dos trabalhos.

A opção recaiu no mestre João Gonçalves, que trabalhou em parceria com Domingos

Ferreira, já que nas contas encerradas a 25 de Janeiro de 1730 aparecem duas verbas

relacionadas com o pagamento a estes dois ferreiros, uma de 73.980 réis, relacionada

com “ferro e mãos” e outra de 95.145 réis, por “conta das grades dos fossos que tem

para fazer”25

.

Também para nossa surpresa e espanto, as contas do Verão de 1719 tinham-nos

mostrado que o telhado foi colocado nas proximidades de 1720. As despesas

pormenorizadas relacionadas com os materiais e a mão-de-obra não deixam quaisquer

dúvidas.

RELAÇÃO DAS DESPESAS COM O TELHADO – 171926

MATERIAIS E MÃO-DE-OBRA MONTANTE

(em réis)

Sessenta e dois sacos de cal em pedra para a obra do telhado, para

cobrir a abóbada.

22.400

Com o transporte da cal em pedra. 6.400

Cento e vinte e dois alqueires de cal em pó. 6.710

Com o transporte da cal em pó. 2.440

Mais 2 sacos de cal em pedra. 1.440

Com o transporte dos 2 sacos de cal em pedra 400

Com as portagens do transporte da cal. 80

Noventa carros de areia. 5.400

Catorze carros de telha a 580 réis cada. 8.120

Mais 25,5 carros de telha a 600 réis cada. 15.300

Com o transporte de 12,5 carros de telha. 740

Com “mais carretos que trouxeram a telha de graça de vinho e pão e

sardinhas”.

194

Com Bento Pereira, despesa onde entram 4 tábuas para “pôr a cal”. 600

Dois cestos e duas cestas para a serventia da obra. 180

Seis cântaros de vinho. 220

Quatro alguidares. 110

Dois potes. 60

Um crivo. 60

Com um homem que foi chamado para “desentulhar terra por dentro

pelos corredores”.

495

“Despendeu para os mestres caiadores que andam no telhado da 29.250

25

AISC, Livro de receitas e despesas de 1721-1750, fl. 128v. 26

AISC, Livro de receitas e despesas de 1706-1721, fls. 57-57v.

Page 46: Sc 2 de 8 capítulo ii

abóbada”.

Com os “jornais dos moços que davam serventia aos mestres”. 16.300

Em Setembro a obra do telhado estava concluída, pois foram vendidas as telhas

sobrantes, nomeadamente um carro e um quarto ao pintor Manuel Ferreira, por 750 réis,

e um carro e meio “que ficou na telheira que estava paga e se vendeu” ao médico

Jacinto Vieira, por 900 réis.

Em Fevereiro de 1724 regista-se uma verba de 65 réis paga ao carpinteiro Domingos

Gomes, de uma um conserto no telhado “por chover pelas escadas que vão para as casas

de cima da sacristia da parte do souto”.

Entre 1720 e 1722 também decorreram ainda obras de acabamento no espaço destinado

ao coro e na sacristia.

Nas despesas de 1721 aparece uma rubrica de 445 réis entregue a Bento da Costa, pelos

gastos feitos com os homens que acarretaram a pedra para o lajeamento do coro. Nesta

data pagou-se também o aluguer da besta para o tesoureiro levar “as cartas” ao vigário

de Vilar do Monte e Santa Leocádia de Tamel, “para vir a pedra para o lajeamento do

coro”.

Em simultâneo decorriam obras de acabamentos nas sacristias. A Confraria de Nossa

Senhora da Graça cedeu areia e cal, talvez sobras de alguma obra empreendida;

comprou-se um pincel e pagaram-se seis jornais aos oficiais, no valor de 1.080 réis, que

fizeram os retoques finais e caiou-se a sacristia do “vestidor”, isto é, a sala onde os

sacerdotes se paramentam. (A outra sacristia estava destinada às reuniões da mesa da

irmandade).

O carpinteiro Domingos Pereira cobrou 10.500 réis pelo guarda-roupa de castanho “que

se meteu na parede” da referida sacristia e a casa de Agostinho Nogueira forneceu o

tijolo para “rebocar ao redor do guarda-roupa”.

Desta mesma loja vieram os pregos para

fixar as quatro chapas feitas pelo mestre

ferreiro António Leitão, para a mesa redonda

que entretanto havia sido construída pelo

carpinteiro de Barcelinhos, António Dinis,

Mesa/armário que se encontra na antiga sala

das reuniões, que poderá datar de 1721.

Page 47: Sc 2 de 8 capítulo ii

pelo preço de 4.500 réis, destinada,

aparentemente, à sacristia da mesa da

irmandade. Em 1722 continuaram as obras

nas referidas salas.

O vidraceiro Feliz Pereira da Cunha veio

consertar as vidraças partidas e “meter as das

sacristias e uma do zimbório nos caixilhos”;

pagou-se 1.420 réis a Manuel Pereira, de

Barcelinhos, pelos caixilhos de madeira “que

abrem”(?) das sacristias e do zimbório.

No mesmo ano de 1722, refere-se a

construção pelo carpinteiro António Simões

das duas portas das sacristias, sendo a madeira

fornecida pela mesa da irmandade. O

tesoureiro pagou 800 réis por pau do Brasil,

madeira que faltava para as ditas portas e que

comprou às sobrinhas de Domingos de Faria

Leite.

O serralheiro António Gonçalves, de Barcelinhos, forneceu antes de Fevereiro de 1723

as ferragens das mesmas portas das sacristias, pelo preço de 4.800 réis.

Fundição e instalação dos sinos

____________________________________________________________

O toque dos sinos era fundamental na regulação da vida dos fiéis. A chamada para a

missa e o dobre de finados requeriam sinos e braços capazes de, com a ajuda de cordas,

fazê-los vibrar, dobrando-os quando a isso obrigavam os ofícios da liturgia.

Page 48: Sc 2 de 8 capítulo ii

Sendo fundamental para a chamada dos crentes, sinal de vida e sinal de morte, os sinos

devem ter sido colocados logo que a torre se edificou. Foi uma tarefa árdua que

envolveu o sineiro, ferreiros, carpinteiros, pedreiros, carreteiros. Estamos em crer que,

sem pelo menos um sino, a igreja não foi aberta ao culto, a menos que se chamassem os

crentes pela sineta da velha capela, o que não será crível.

As fontes existentes nada dizem acerca deste aspecto tão importante, qual relógio

sonoro, estridente, audível na cercania da vila e dos arrabaldes, qual despique com o

fuso solar na marcação das horas e na convocação das gentes.

Sabemos, porém, quando um documento finalmente alumia a nossa mente, que em 1719

havia já um grave problema a resolver, relacionado com a torre sineira: o sino grande

não dobrava!

Tornara-se pois necessário consertá-lo. Por isso o mestre sineiro Domingos Pereira foi

chamado e comprou-se chumbo para robustecer e tornar mais pesada a porca do

mencionado sino – “para se dobrar pois o não fazia”.

Mas o mal deveria ser de raiz. Em 17 de Fevereiro de 1730 foi contratado o mestre

ferreiro da cidade de Braga, José Rodrigues, para a fundição do “sino grande”, cujo

contrato minuciosamente elaborado existe no arquivo da irmandade.

O contrato de obrigação para a fundição e colocação do sino, bem como os

apontamentos (onde todas as obrigações foram enunciadas até ao mais pequeno

pormenor), encontra-se registado em treze folhas manuscritas e foi assinado pelo mestre

sineiro, pelo procurador e tesoureiro Gervásio Barroso e Basto, pelo tabelião Amaro

Lopes de Azevedo e pelas testemunhas.

Como fiadores do mestre assinaram João de Arantes e Geraldo Barbosa, ambos também

de Braga.

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No dia 4 de Maio de 1730 o mestre José Rodrigues assinou, no verso da última folha do

contrato, que recebeu 69.350 réis, entregues por Gervásio Barroso e Basto “do ajuste do

sino que fiz para a capela do Senhor da Cruz como bem a saber cinquenta e sete mil e

seis centos reis, e mais nove mil e trezentos e cinquenta réis que importavam vinte e

sete arráteis e meio que cresceu e mais meia moeda que mandaram dar para ajuda dos

gastos, e por assim ser verdade fiz esta que assino hoje. Barcelos 4 de Maio de 1730

anos. José Rodrigues”27

.

Sete décadas depois, em 28 de Julho de 1803, José Feliz Pereira dos Santos assinou um

documento no qual declarou ter recebido do tesoureiro padre José Alves Redondo da

Cruz 55.290 réis, por conta do “importe do sino meão e seus aparelhos” pelo que a

irmandade apenas lhe ficou a dever 37.450 réis, que lhe seriam entregues quando o

mesmo fosse aprovado “pela presente mesa”.

Mais esclarece o mestre sineiro José dos Santos, na nota de despesa sobre o sino médio,

que, no caso do sino não ser aprovado “me obrigo a fundir-lhe outro, cujo contrato e

tempo da sua aprovação será feito em dois meses”.

Um documento sem data, mas que é desta fase, refere a conta “da sineta da capela do

Bom Jesus”, que custou 40.440 réis, mas como se descontaram 20.000 do valor da

velha, pagou-se apenas 20.440 réis. Este documento foi assinado pelo mesmo sineiro

José Feliz Pereira dos Santos, que indicou ter recebido esta quantia das mãos de Carlos

Luís de Sousa.

Outro documento foi ainda rubricado pelo mesmo autor, quando apresentou a conta do

“peso e importe do sino novo” que fundiu e “seus aparelhos”, tudo no valor de 156.740

réis; mas como descontou 64.000 do sino velho, ficou a despesa do dito sino em 92.740

réis.

27

AISC, Caixa 1, Contrato de fundição do sino grande.

Aspecto interior da torre sineira, onde pode ver-se o chamado

sino grande.

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Talvez da primeira metade do século XIX, um novo documento escrito dá-nos conta

dum registo de João Lima acerca do peso do sino novo (46 arrobas e 20 arráteis), que

correspondia a 447.600 réis. Na mesma nota refere-se que o sino velho há-de pesar-se

mas que andará pelo mesmo e valerá cerca de164.120 réis. Acrescenta o sineiro que

pesou o barro que pôde aproveitar e “que ainda tirei do sino depois de pesado”, o qual

poderia ser abatido caso a mesa da irmandade assim o entendesse28

.

Sob o toque do nosso olhar e sob debaixo do convite da nossa (e guiados pelos sons da

nossa sensibilidade), depois deste magro discurso sobre a sonoridade da torre sineira,

entremos respeitosamente no interior do templo.

28

Idem, Despesa com o sino meão.