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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL - RADIALISMO DOUGLAS SANTOS DE OLIVEIRA JUSSARA OLIVEIRA DE SOUZA LUIS ANSELMO OLIVEIRA DA SILVA VOZES LIBERTADORAS: MEMÓRIAS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO SISAL CONCEIÇÃO DO COITÉ 2013

TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

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Page 1: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV

GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL - RADIALISMO

DOUGLAS SANTOS DE OLIVEIRA JUSSARA OLIVEIRA DE SOUZA

LUIS ANSELMO OLIVEIRA DA SILVA

VOZES LIBERTADORAS: MEMÓRIAS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO

TERRITÓRIO DO SISAL

CONCEIÇÃO DO COITÉ 2013

Page 2: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

DOUGLAS SANTOS DE OLIVEIRA JUSSARA OLIVEIRA DE SOUZA

LUIS ANSELMO OLIVEIRA DA SILVA

VOZES LIBERTADORAS: MEMÓRIAS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO

TERRITÓRIO DO SISAL

Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Comunicação Social - Habilitação em Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial de obtenção do grau de bacharel em Comunicação, sob a orientação da Professora Me. Carolina Ruiz.

CONCEIÇÃO DO COITÉ 2013

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Silva, Luis Anselmo Oliveira da

S586v Vozes libertadoras: memórias do processo de construção da

Comunicação comunitária no território do sisal.

-- / Luis A. O. da Silva; Douglas Santos de Oliveira e Jussara

Oliveira de Souza. Conceição do Coité: O autor, 2013.

621fl.; 30 cm.

Orientador: Profª. Ms. Carolina Ruiz Macedo .

Trabalho de Conclusão de curso - TCC (Graduação) –

Universidade do Estado da Bahia,

Departamento de Educação, Conceição do Coité, 2013

1. Comunicação - Comunitária. 2. Documentário

3. Memória. I. Carolina Ruiz Macedo. II. Universidade do

Estado da Bahia. Departamento de Educação – Campus XIV.

III. Título.

CDD 302.2 -- 20 ed.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Departamento de Educação – Campus XIV - UNEB

Page 4: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

DOUGLAS SANTOS DE OLIVEIRA JUSSARA OLIVEIRA DE SOUZA

LUIS ANSELMO OLIVEIRA DA SILVA

VOZES LIBERTADORAS: MEMÓRIAS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO

TERRITÓRIO DO SISAL

Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Comunicação Social - Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, sob a orientação da Professora Me. Carolina Ruiz.

Data:__________________________________________

Resultado:______________________________________

BANCA EXAMINADORA

Professor Me. Carolina Ruiz de Macedo (orientador)

Assinatura______________________________________

Prof. Me. Marcos Cezar Botelho de Souza (UNEB)

Assinatura_____________________________________

Prof. Me. Tiago santos Sampaio (UNEB)

Assinatura_____________________________________

Page 5: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

Dedicamos esta produção aos nossos pais e irmãos, e,

em especial, a Julieta Oliveira de Souza, Maria da Silva

Santos, Allan Lima e Edisvânio Nascimento, pelo carinho,

pelas preces, pelo apoio incondicional que ao longo dessa

jornada foram imprescindíveis.

Page 6: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

AGRADECIMENTOS

A Deus e nossa mãe Maria...

É assim que propomos esse breve agradecimento, como algo que não

necessita de citações detalhadas. Então, nossa gratidão nos dá o direito de escrever

assim... Pois os sentimentos são os mais sinceros...

Um singelo, carinhoso e demorado abraço de agradecimento à nossa

família...

Um abraço de agradecimento a nossa orientadora, Carolina Ruiz, pela

construção de ideias e conhecimentos, pelo compartilhamento do saber.

Um profundo agradecimento à Edisvânio Nascimento, e a todos os

nossos entrevistados pela ajuda e atenção nos momentos em que os recorremos.

Um “viva” de agradecimento aos nossos amigos. Aos nossos

companheiros (amigos) de trabalho, pela flexibilidade e compreensão, sem queixas,

das ausências necessárias à conclusão deste trabalho. Amigos de uma vida, que

fazem a nossa ser bem mais colorida.

A todos aqueles que de alguma forma colaboraram durante o processo de

realização desse trabalho, nosso MUITO OBRIGADO(A)!

Page 7: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

Recordar nunca é uma ação tranquila de introspecção ou de retrospecção. Esta é uma recordação dolorosa, o reagrupamento de um passado desmembrado para que o trauma do presente possa ter sentido.

Homi K. Bhabha. 1994

Page 8: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

RESUMO

Por meio da produção de um documentário, o presente trabalho busca registrar as memórias individuais dos militantes que participaram do processo de luta e conquista da comunicação comunitária no Território do Sisal. O pressuposto teórico parte da ideia do documentário enquanto “lugar de memória”, buscando compreender, a partir das leituras e entrevistas, como o fenômeno das rádios comunitárias e a criação de entidades de comunicação fizeram com que os atores sociais instituíssem a comunicação como fundamental para a mobilização social no território. A fim de realizar o documentário, também nos debruçamos sobre pesquisas bibliográficas para entender as possibilidades criativas do documentário e então proceder às escolhas estéticas do produto final. Palavras-chave: Comunicação Comunitária; Território do Sisal; Documentário; Memória.

Page 9: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

ABSTRACT

Through the production of a documentary, this present work seeks to register the individual memories of the activists who have been participating in the struggle process and achievement of the community communication in the Sisal Territory. The through them, build the idea of the documentary while “memory’s place”, waiting understand, through of the reads and interviewers, similar the community radios fenomeno and a create of entities of communication did with the social actors made a communication who social mobilization in the territory. In order to make a documentary, also went through the library research to understand the creative possibilities of the documentary and then proceed to the aesthetic choices of the final product. Key words: Community Communication, Sisal Territory, Documentary. Memory.

Page 10: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Figura 1: Mapa do Território do Sisal ........................................................................ 17 Figura 2: Quadro do cronograma de atividades ........................................................ 36 Figura 3: Quadro do orçamento das despesas ......................................................... 37

Page 11: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................. ..................................................................................... 10

2. COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA: CONCEITO E HISTÓRIA .............................. 13

2.1 A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO SISAL .................. 16

2.2 MUDANÇAS DE CENÁRIO ............................................................................. 20

3. MEMÓRIA E DOCUMENTÁRIO: O FLUXO DA ORDEM DO IMAGINÁRIO E DA

IMAGINAÇÃO................... ........................................................................................ 23

3.1 MEMÓRIA: DESEJO DE REGISTRO .............................................................. 23

3.2 DOCUMENTÁRIO: CONCEITOS E FORMAS ................................................. 26

4. UNIDADE, CONFRONTOS E DIVERSIDADE... O FAZER DOCUMENTÁRIO .... 33

4.1 PRÉ- PRODUÇÃO .......................................................................................... 33

4.2 PRODUÇÃO .................................................................................................... 37

4.2.1 DETALHAMENTO DAS GRAVAÇÕES ..................................................... 38

4.3 PÓS-PRODUÇÃO ............................................................................................ 41

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 43

REFERÊNCIAS............ ............................................................................................. 45

APÊNDICE....................... ......................................................................................... 48

ANEXOS.................................................................................................................... 54

Page 12: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

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1. INTRODUÇÃO

As rádios comunitárias surgiram no Território do Sisal na década de 1990,

como expressão dos movimentos sociais da região, dando início à luta pela

democratização da comunicação no território. Peruzzo (2007) diz que a democracia

no poder de comunicar é condição para a ampliação da cidadania. Mesmo ainda não

tendo alcançado todos os objetivos dos movimentos, as rádios comunitárias têm a

missão de mobilizar os interesses sociais da comunidade, desempenhando um

papel social fundamental para o fortalecimento da sociedade, através de seus

discursos e debates a respeito da cultura, educação, meio ambiente, saúde, políticas

públicas, entre outras questões.

Não há como falar em comunicação comunitária no Território do Sisal

sem citar o papel das rádios comunitárias. Foram elas instrumentos iniciais para a

comunicação comunitária no território e através delas a comunidade teve a

possibilidade de ter voz e de expressar suas opiniões. Ou seja, as rádios tornam a

comunidade não somente receptora da mensagem, mas também protagonista da

mensagem e de como ela é gestada. Para Peruzzo (2007), a comunicação

comunitária que vem sendo gestada dentro dos movimentos populares é produzida

no âmbito das comunidades e de agrupamentos sociais com identidades e

interesses comuns. Sendo assim, é uma comunicação que deve se comprometer

com os interesses da comunidade, visando seus direitos e deveres de cidadania.

A comunicação comunitária, quando desenvolvida em base democrática,

simboliza o acesso democrático e a partilha do poder de comunicar. É um processo

em que todo receptor de mensagens dos meios de comunicação tem o potencial de

se tornar sujeito de comunicação, um emissor (PERUZZO, 2003, p. 250). Mas,

considerando o processo de implantação da comunicação comunitária no Território

do Sisal, nos deparamos com um conquista árdua. Muitas lutas aconteceram para

que a comunicação deixasse de ser simplesmente um “sonho” e se tornasse uma

realidade no território. Para isso mobilizações, reuniões, plenárias, discussões

políticas e sociais, processos e repressões fizeram parte da construção da

comunicação comunitária na região.

Para a realização do projeto experimental, este trabalho se propôs a

produzir um documentário com a predominância da representação fílmica no modo

Page 13: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

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participativo, apresentando as memórias da construção da comunicação comunitária

no Território do Sisal. Tal abordagem busca ouvir os militantes que participaram do

processo de luta e conquista da comunicação comunitária no Território do Sisal;

aprender como se dá a construção das mobilizações sociais pelos movimentos, suas

articulações, e como se organizaram em prol da comunicação comunitária no

Território Sisaleiro.

Sendo assim, este trabalho propõe-se a registrar a memória de cada

entrevistado, entendendo que estes são fragmentos que compõem a memória

coletiva de uma comunidade no processo de sua identidade, servindo para uma

reflexão e entendimento do mundo ao qual pertencemos e atuamos.

Embora a discussão sobre a comunicação comunitária seja um tema

recorrente no contexto social e histórico do território (de grande importância para a

implantação do curso de Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV1 no

campus da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, em Conceição do Coité), até

o momento não há registro audiovisual sobre essa temática.

A produção em documentário diferencia-se de outros trabalhos já

apresentados relacionados a este tema, dando a possibilidade através da dinâmica

de inserção de imagens de arquivo, sons, materiais até então não vistos, e trazendo

ao tempo presente momentos que tenham sido esquecidos ou até então nunca

levantados ou questionados. Além disso, a partir de uma nova forma de

apresentação, novos públicos podem ser atingidos e outras ideias e conclusões a

serem suscitadas.

Assim, dar voz a este tema através do audiovisual pode ser uma

contribuição a mais que venha a favorecer a formação de políticas públicas de

comunicação para o Território do Sisal. Para Nichols (2005), a concepção de voz

está intimamente ligada à forma como o cineasta expressa uma perspectiva, como

ele transmite e representa sua visão sobre questões, problemas e características do

mundo histórico. Contudo, essa voz não está limitada apenas ao que é dito

verbalmente ou narrado, mas abrange todos os mecanismos que o cineasta dispõe

para criar seu argumento.

A voz está claramente relacionada ao estilo, a maneira pela qual um filme, de ficção ou não, molda seu tema e o desenrolar da trama ou

1 O curso de comunicação Social é uma demanda dos movimentos sociais da região.

Page 14: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

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do argumento de diferentes formas, mas o estilo funciona de modo diferente no documentário e na ficção. A ideia da voz do documentário representa alguma coisa como “estilo com algo mais”. [...] A voz do documentário releva uma forma distinta de envolvimento do mundo histórico (NICHOLS, 2005, p.74).

O primeiro capítulo deste memorial detém-se em um debate teórico do

conceito de Comunicação Comunitária, a necessidade de apropriação de uma

comunicação voltada para os interesses da comunidade e a atuação da

comunicação comunitária nesse ambiente social. Apresenta um apanhado histórico

da Comunicação Comunitária no Território do Sisal, pontuando os aspectos

econômicos, políticos, sociais e culturais do território, assim como o seu

fortalecimento através da organização popular.

O segundo capítulo é destinado a discussões acerca do conceito de

documentário e sobre as técnicas para a construção do vídeo, seguindo as teorias

de Nichols (2005), Lins (2004/2008), Ramos (2008), Penafria (1999) e Puccini

(2012). É nesse contexto que pretendemos discutir e entender como o documentário

se apropria da memória e a memória se apropria do documentário para a construção

de uma memória social. O documentário “diz respeito às nossas vidas, às nossas

memórias, ou seja, ao universo humano” (PENAFRIA, 1999, p. 6).

O terceiro capítulo descreve as fases de produção do documentário,

desde a construção da ideia, passando pela pesquisa de campo, gravações,

dificuldades enfrentadas, edição e conclusão do produto, seguindo a linha “pré-

produção, produção e pós-produção”.

Page 15: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

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2. COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA: CONCEITO E HISTÓRIA

A comunicação é um direito de todo cidadão, tendo ela abrangência em

todos os níveis sociais, com objetivo de informar e contribuir para a construção da

cultura social, educação e identidade de um povo (PERUZZO, 2004). Diversas

mudanças sociais acontecem mediante o contato entre os sujeitos e a informação.

Através do direito à comunicação, que por sinal é “garantido” pela constituição2, o

indivíduo tem acesso aos meios de comunicação na condição de emissor e difusor

de conteúdos. A participação ativa do cidadão, como protagonista da gestão e da

emissão de conteúdos, propicia a constituição de processos educomunicativos,

tornando-o protagonista da história da sociedade.

O conceito de comunicação comunitária está intimamente associado à

busca pela legitimação da cidadania, democracia e outros fatores que não

contemplam de fato os excluídos da sociedade. Na visão de Peruzzo (2003), revela-

se como um fenômeno complexo, pois não tem a viabilidade amplificada como no

caso da grande mídia, além de poder ser compreendida de diferentes maneiras3.

Contudo, são necessários alguns princípios fundamentais para a legitimação de uma

comunicação comunitária, ou seja, não basta que a mesma seja de baixo alcance e

que se destine a pequenas localidades.

Segundo Peruzzo (idem, p. 246):

A comunicação comunitária diz respeito a um processo de uma “comunidade”, não apenas como receptores de mensagens, mas como protagonistas dos conteúdos e da gestão dos meios de comunição. O que não quer dizer que outras formas não tão democráticas de fazer comunicação (por exemplo, aquelas centralizadas em pessoas ou em pequenas equipes, conteúdos produzidos fora por especialistas espaços para conteúdos de caráter público na programação de meios comerciais) possam ser prontamente descartadas como não comunitárias. Há que se observar cada caso, cada experiência, pois tudo depende das condições locais, das identificações que se consegue realizar, do significado dos “serviços” prestados em cada lugar.

2 Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer

forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) 3 Diferentes manifestações de comunicação que ocorrem em nível local são colocadas

indiscriminadamente sob o rótulo de comunitárias.

Page 16: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

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No Brasil a história da comunicação sempre esteve rodeada por grupos

políticos e interesses pessoais; suas programações tinham abrangência nacional,

privando o povo de uma programação regional. Diante desse cenário da

comunicação brasileira, na década 70, surgem os primeiros movimentos populares

em prol de uma comunicação feita pelo povo e para o povo, na qual participaram os

movimentos sociais, sindicatos, grupos de líderes comunitários que lutaram para que

a comunicação comunitária deixasse de ser um projeto e se tornasse uma realidade

em muitas comunidades no território nacional.

Movimentos populares são manifestações e organizações constituídas com objetivos explícitos de promover a conscientização, a organização e a ação de segmentos das classes subalternas visando satisfazer seus interesses, como os de melhorar o nível de vida, através do acesso às condições de produção e de consumo de bens de uso coletivo e individual; promover o desenvolvimento educativo-cultural da pessoa; contribuir para a preservação ou recuperação do meio ambiente; assegurar a garantia de poder exercitar os direitos de participação política na sociedade e assim por diante. (PERUZZO, 2004, p.3)

Para Peruzzo (2004, p. 2-3), a comunicação é mais que meios e

mensagens, pois se realiza como parte de uma dinâmica de organização e

mobilização social, marcada por uma proposta de transformação social e, ao mesmo

tempo, de construção de uma sociedade mais justa, abrindo possibilidades para a

participação ativa do cidadão comum como protagonista do processo. Deste modo,

diante da concentração dos canais de comunicação nas mãos de poucos, fato que

restringe a democratização, surge a Comunicação Comunitária– que tem o propósito

de viabilizar a todos o direito de comunicar-se – como meio alternativo para atender

aos interesses e necessidades coletivos.

A comunicação comunitária surge no âmbito dos movimentos populares,

sendo ela construída em comunidades, grupos sociais e organizações de interesses

comuns com a comunidade em que estão inseridos. Cada região produz sua

comunicação baseada na região e cultura de seu povo, valorizando suas crenças,

histórias e patrimônios locais. A linguagem e a programação devem estar em

sintonia com o contexto local, sempre valorizando sua cultura e apresentando de

Page 17: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

15

forma educativa outras culturas e a luta pelos direitos, bem como o cumprimento dos

deveres.

A comunicação comunitária é entendida erroneamente por muitos como

uma comunicação feita para as pessoas de baixa renda, mas, para Deliberador e

Vieira (2005, p. 8), é o canal de expressão de uma comunidade independente do

seu nível socioeconômico e território, por meio do qual os próprios indivíduos podem

manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes. Por ser um

instrumento de prestação de serviços e formação do cidadão, deve ter sempre a

preocupação de estar em sintonia com os temas da realidade local.

A comunicação comunitária é, portanto, uma forma particular de

expressão da própria sociedade. Sendo assim, Peruzzo (2003) cita a valorização do

local na sociedade contemporânea. Mesmo no auge da globalização e em tempos

de comunicações de longas distâncias, as pessoas se interessam pelo que está

próximo, pelo que atinge diretamente suas vidas e demonstram valorizar as coisas

da comunidade, pois querem saber dos acontecimentos que ocorrem ao seu redor.

Ainda segundo Peruzzo (2011), é uma comunicação que se compromete, acima de

tudo, com os interesses das “comunidades” onde se localiza e visa contribuir na

ampliação dos direitos e deveres de cidadania. Sendo assim, a comunicação

comunitária está a serviço de todo um povo, visto que todos fazem parte de uma

mesma sociedade, mesmo estando em lugares diferentes.

Até os anos 1990, a comunicação comunitária era vista como um meio de

mobilização e expressão de movimentos sociais; após um amplo trabalho de

reflexão de seu real papel na sociedade, percebeu-se que a comunicação

comunitária é um direito de cidadania. A partir daí surgem as lutas pela

democratização da comunicação, políticas nacionais para a efetivação e legitimação

de meios e instrumentos de comunicação do povo, como rádios e TVs, jornais

locais/regionais e boletins informativos, meios de comunicação construídos a partir

das realidades das comunidades.

Page 18: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

16

2.1 A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO SISAL

Localizado na região semiárida do País e no Nordeste do Estado da

Bahia, o Território do Sisal tem essa denominação por causa da planta que se

caracteriza como principal fonte de atividade econômica da região. O sisal, ou agave

sisalana perrine, é originário do México e foi introduzido na Bahia em 1903. Por ser

“uma planta rústica e suculenta, de cor verde, folhas lisas e com grande capacidade

de retenção de água da chuva e orvalho” (MARQUES, 2002, p. 15 apud MORAIS,

2011, p. 186), se adaptou ao clima da região e possibilitou grandes mudanças para

a vida da população, fornecendo subsídios para a permanência do homem no

campo continuando a ser uma das principais bases de apoio da economia regional.

O Território do Sisal é constituído por 20 (vinte) municípios e é habitado

por 582.329 pessoas numa extensão territorial de 20.154 km², o correspondente a

3,5% do Estado da Bahia (IBGE, 2010). A agricultura ocupa a grande maioria da

força de trabalho do território, contudo, o sisal é umas das atividades econômicas

mais importantes para a região. O Território do Sisal enfrenta muitos problemas

sociais. Um deles é a estiagem, por isso há uma grande atuação das organizações

sociais, incentivando técnicas de agricultura familiar e a utilização da água

corretamente. São sindicatos, associações, cooperativas, organizações de

mulheres, dentre outros, visando o desenvolvimento sustentável do meio rural e a

luta contra a exclusão social, cultural e política. Ou seja, "[...] contrastando com a

ideia de miserabilidade e inviabilidade, destaca-se por uma imagem de fibra e

resistência, pautada na forte mobilização da sociedade civil" (FERREIRA;

MOREIRA, 2005, p.2).

Discutir a comunicação enquanto direito, e mais especificamente a

comunicação comunitária, é apresentar às esferas da sociedade que todos podem

fazer parte da construção de uma comunicação que esteja voltada para as

pequenas comunidades. Quando a discussão está inteiramente condicionada ao

Território do Sisal, não se muda o discurso nem tampouco os objetivos, sendo eles

os mesmos, tornar a comunidade agente construtora da comunicação de sua

localidade, valorizando suas raízes sociais e democratizando os meios de

comunicação em que sua comunidade está inserida.

Page 19: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

17

MAPA DO TERRITÓRIO DO SISAL4

Dessa forma, os movimentos sociais do Território do Sisal têm uma

história de muitas lutas, ganhando destaque no ambiente nacional pelo processo de

participação social e construção da cidadania para a transformação da realidade do

território. Como em toda América Latina, a cultura política e comunicacional da

região sisaleira é também marcada pelas relações autoritárias. Consequentemente,

o processo de participação social se mostra imprescindível na busca do bem comum

e a valorização do coletivo, ou seja, a construção da cidadania.

Em meio a esse cenário, os movimentos percebem a necessidade de

adotar instrumentos de comunicação mais massivos, capazes de difundir mais

rapidamente as reivindicações, informações e notícias sobre as condições vividas no

território. Neste período, mais especificamente no final dos anos 90, surgem as

primeiras experiências em rádios comunitárias, as quais vão dar o tom do novo

cenário comunicativo instalado na região (MOREIRA, 2007, p. 108).

4 Fonte: http://www.ebda.ba.gov.br/pactofederativo/index.php?id=territorio-sisal

Figura 1: Mapa do Território do Sisal

Page 20: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

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Começa assim a aplicação dos usos da comunicação como elemento

estratégico no território para juntar os esforços de indivíduos e grupos sociais em

forma de ação coletiva, garantindo uma reorganização do sistema comunicativo

local. Até então os movimentos só faziam uso da comunicação através de

encontros, seminários, cartilhas, informes e uso eventual da mídia para denúncias.

Baseados na necessidade e nas garantias constitucionais à liberdade de

expressão5, as rádios comunitárias foram implantadas em diversos municípios do

Território Sisaleiro. Segundo Ferreira e Moreira (2005, p. 06),

as rádios comunitárias [...] traduzem a fragmentação da comunicação na experiência dos movimentos, e também a apropriação destes dos novos cenários comunicativos como estratégia das lutas simbólicas locais. Essas rádios são fruto da necessidade de acesso, produção e difusão destas novas abordagens simbólicas.

As rádios foram apoiadas pelos movimentos sociais locais, como o

Movimento de Organização Comunitária (MOC), a Associação de Desenvolvimento

Sustentável Solidário da Região Sisaleira (APAEB), os Sindicatos de Trabalhadores

Rurais e Polos Sindicais e grupos ligados às Comunidades Eclesiais de Base da

Igreja Católica. Contaram também com o suporte financeiro de organismos

internacionais de cooperação como a CRS (Catholic Relief Services)6, entidade

europeia ligada á Igreja Católica (MOREIRA, 2007). As rádios comunitárias foram os

mais fortes mecanismos de utilização de estratégia, não apenas de acesso e difusão

de informações ligadas ao movimento, mas inovaram também ao refletir a ideia de

uma produção e gestão coletivas compartilhadas e voltadas ao desenvolvimento

local, pois

[...] foram os primeiros mecanismos de utilização das novas tecnologias na elaboração de contradiscursos. Elas traduzem a fragmentação da comunicação na experiência dos movimentos e a apropriação destes dos novos cenários comunicativos como

5 Artigo 5°, inciso IX, prescreve: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação, independentemente de censura ou licença”. No seu artigo 215° estabelece que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e difusão das manifestações culturais”. (A Constituição Federal de 1988). 6 É uma agencia internacional de ajuda humanitária e desenvolvimento sustentável da Conferencia

Episcopal dos Estados Unidos. Que foi fundado em 1943 pelos bispos católicos dos Estados Unidos para ajudar os pobres e grupos desfavorecidos em outros países. No Brasil, a CRS apoia parceiros locais no nordeste, que promovem a convivência com o semiárido e os direitos humanos, visando a participação de comunidades em seu próprio desenvolvimento.

Page 21: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

19

estratégia das lutas simbólicas locais (FERREIRA E MOREIRA, 2005, p. 6).

A luta da sociedade civil se refletiu na reação agressiva das elites, ou

seja, na dura legislação que regulamenta o serviço de radiodifusão comunitária. De

acordo com Moreira (2007), a regulamentação das telecomunicações no Brasil se

mantém inalterada desde o período ditatorial, permitindo a concentração dos meios

em poucos conglomerados, praticamente eliminando as possibilidades de relação

midiatizada entre os movimentos sociais e grande parcela da população.

De acordo com Bahia (2008) se a obediência aos preceitos constitucionais

não se dá de maneira tão rigorosa, o mesmo não ocorre quanto à legislação que

rege o serviço de radiodifusão comunitária no Brasil. O movimento reclama da

rigorosa restrição imposta pela Lei n.º 9.612/98, que, ao estipular a potência

máxima, raio de alcance e limite de altura da antena, delimita o já pequeno espaço

físico de transmissão das emissoras comunitárias.

Lei essa (Lei 9.612/1998) que limita o alcance das emissoras a um quilômetro

de raio e a potência dos transmissores a um máximo de 25 watts. Ou seja, difusão

em frequência modulada (FM), de baixa potencia e cobertura restrita feita por meio

de uma antena transmissora. Dai não poderia se esperar grande avanço, dispõe de

uma única frequência no dial7 para as milhares de emissoras, proteção contra a

interferências de emissoras comerciais e serviços de telecomunicação a serem

criadas, e isto só é modificado quando a Anatel (Agência Nacional de

Telecomunicações, autarquia federal que regula e fiscaliza os serviços de

telecomunicações do Brasil) descobre algum impedimento local, proíbe a captação

de recursos de publicidade para a sustentação da emissora, e além de tudo, não

garante às emissoras comunitárias. Como pode observar, a Lei é restritiva. Porém,

representa um avanço no sentido de regulamentar um setor da radiodifusão de

demanda crescente, tendo em vista a necessidade de mídias comunitárias no

processo de mobilização em torno da ampliação da cidadania. (PERUZZO, 1999).

A sociedade civil do Território do Sisal sentiu na pele o efeito de tantos

entraves e processos à medida que criou as emissoras comunitárias: Santa Luz FM,

em Santaluz; São Domingos FM, em São Domingos; Quijingue FM, em Quijingue;

7 Dispositivo para girar o capacitor de sintonia num rádio receptor, e que é, por via de regra, associado a uma escala indicadora da frequência sintonizada.

Page 22: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

20

Arcos FM, em Retirolândia; Cultura FM, em Araci; Cruzeiro FM, em Tucano; Coité

livre FM, em Conceição do Coité; Valente FM, em Valente; Queimadas FM, em

Queimadas; Nordestina FM, em Nordestina; Lamarão FM, em Lamarão; Liberdade

FM, em Serrinha e Independente FM, em Ichú, totalizando treze emissoras

comunitárias entre os anos de 1997 e 20008.

Em 1998, com o apoio da CRS, o MOC viabilizou a aquisição de cinco

transmissores em (Araci, Serrinha, Retirolândia, Coité e Ichú) que viabilizaram a

montagem das primeiras emissoras. Mas, essas iniciativas resultaram em problemas

jurídicos, processos para algumas pessoas, apreensão de equipamentos e a

repressão, iniciando assim uma grande luta para a legitimação e regulamentação

para as rádios comunitárias e em prol da democratização da comunicação (MOC,

2005 apud NASCIMENTO, 2005, p. 24-26).

2.2 MUDANÇAS DE CENÁRIO

Com a mobilização pela comunicação comunitária no território, diversas

modificações foram surgindo. A primeira foi a população entender que na

comunicação comunitária, além de mobilização social e conscientização, é

necessária a participação popular.

Refletindo sobre isso, Peruzzo (2007, p.46) afirma que:

a comunicação, por meio de seus variados processos, que incluem canais de expressão e o intercâmbio de informação e de saberes, bem como os mecanismos de relacionamento entre pessoas, públicos e instituições, desempenha papel central na construção da cidadania.

Nesse cenário, algumas instituições que já vinham trabalhando para “o

despertar” da população ganham destaque na construção de um discurso que afirma

o homem do campo como sujeito modificador de sua história, capaz de dar não um

final para ela, mas um recomeço (OLIVEIRA, 2011, p. 51) . Entre estas instituições,

8 Informação fornecida em entrevista pelo Diretor Executivo da Rádio Comunitária Santa Luz FM,

Radialista e Membro titular do primeiro Conselho Estadual de Comunicação, Edisvânio do Nascimento Pereira, em Novembro de 2013.

Page 23: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

21

destacamos os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs), as Associações dos

Pequenos Agricultores do Estado da Bahia (APAEBs), o Movimento de Organização

Comunitária (MOC), as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), além de outras

organizações que foram aderindo ao movimento. Dentre os grandes feitos desse

movimento, institui-se a Associação Brasileira de Rádio e TVs Comunitária no

Território do Sisal (ABRAÇO-SISAL), que com ela, segundo Nascimento e Mota

(2012), “ajudam de forma decisiva nos debates provocativos em favor da aprovação

do Curso de Comunicação Social com ênfase em Rádio e TV no Campus XIV, da

Universidade do Estado da Bahia em Conceição do Coité”.

Toda a comunicação que se produzia nesse espaço contribuía para

aumentar o número de cidadãos e entidades que reivindicavam um território livre da

opressão, que garantisse os direitos básicos para sua população, não a posição “de

opressores”, mas a oportunidade de construir uma sociedade onde todas as classes

tivessem o direito de ouvir e falar.

A partir da comunicação comunitária houve uma eclosão de atividades

culturais no território, como sambas de roda, que por meio de transmissões

radiofônicas se tornaram mais conhecidas, bem mais ouvidas, e consequentemente

mais valorizadas por aqueles que até então não conheciam ou mesmo por aquelas

pessoasque apreciavam, mas não participavam mais dessas atividades.

O rádio também se tornou um veículo pelo qual a comunidade expressa

sua opinião mediante diversos assuntos que cercam a comunidade. Um exemplo

bastante comum nesse período foi a luta pela erradicação do trabalho infantil e pela

conscientização de que o lugar de criança e adolescente é a escola, tendo como

base legal o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Outra importante peça no cenário da comunicação social no Território foi

a inserção do item comunicação ao plano de desenvolvimento do CODES9, o que

caracteriza um diferencial do território. Com esses parceiros, o CODES busca

participar de espaços e redes de articulações e estratégias para o desenvolvimento

do Território do Sisal, incentivando e apoiando ações como o fortalecimento das

organizações da sociedade civil, realizando oficinas, debates, seminários, além de

contribuir para a implantação de projetos para a região.

9 Conselho Regional de Desenvolvimento Rural Sustentável da Região Sisaleira do Estado da Bahia

(CODES)

Page 24: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

22

Outra conquista foi a inserção dos meios de comunicação como

conscientização do processo político democrático, quando, através de debates

político-partidários, a comunidade passou a conhecer os seus governantes, a

denunciar seus erros e a participar de forma ativa da caminhada política da região.

Page 25: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

23

3. MEMÓRIA E DOCUMENTÁRIO: O FLUXO DA ORDEM DO IMAGINÁRIO E DA IMAGINAÇÃO

3.1 MEMÓRIA: DESEJO DE REGISTRO

A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e nesse sentido, ele está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconscientemente de suas deformações sucessivas, vulnerável e todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações (NORA, 1993, p. 9).

Neste sentido, a memória é um elemento presente nas sociedades e é

carregada pelos grupos de homens e mulheres que fundamentam ou afirmam sua

identidade. A memória pode ser evocada por estes grupos de acordo com seus

interesses, e em alguns casos pode ser suscetível à manipulação.

Partindo desse pressuposto, Pollak (1989) vem dizer que também

memória pode ser esquecida, dependendo do local e do que ela traz à tona. Porém,

o autor demonstra a força da memória silenciada.

O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes das redes familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas (POLLAK, 1989, p. 5).

Desta forma, a memória opera na esfera da lembrança e do

esquecimento, de acordo com os interesses das pessoas. Segundo Nora (1993), a

memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente. Assumindo

uma forma material, democratizando-se, como nos lembra o autor, hoje ela é

produzida por qualquer pessoa, já que “produzir arquivo é o imperativo da época”

(NORA, 1993, p. 16). Os “lugares de memória” procuram recuperar e manter vivo um

passado que se encontra ameaçado pela vivência do eterno presente, prolongado,

principalmente, pelos meios de comunicação.

Page 26: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

24

[...] a razão fundamental de ser de um lugar de memória é parar o tempo, é bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial para [...] prender o máximo de sentido num mínimo de sinais, é claro, e é isso que os torna apaixonantes: que os lugares de memória só vivem de sua aptidão para a metamorfose, no incessante ressaltar de seus significados e no silvado imprevisível de suas ramificações (NORA, 1993, p. 22).

Assim, a memória atualiza o passado, sua leitura é sempre com bases

nas representações tanto por memórias coletivas quanto individuais. Para Nora

(1993), aceleração dos acontecimentos conduz a criação dos lugares de memória,

que definem a vontade de um determinado grupo em não perder a sua memória.

[...] presença do presente que se lembra do passado desaparecido, mas também presença do passado desaparecido que faz sua irrupção em um presente evanescente. Riqueza da memória, certamente, mas também fragilidade da memória e do rastro

(GAGNEBIN, 2006, p. 44).

No caso do Território do Sisal o que se percebe facilmente é a

necessidade constante de tematizar, lembrar, comentar e louvar a comunicação

comunitária em seu viés histórico – de implantação – assim como discutir as

nuances que assume atualmente. Diante do posicionamento dos autores

supracitados, pode-se interpretar essa tendência como uma estratégia de afirmação

e consolidação de um processo de reconstrução identitária. Muitas das memórias

trazidas à tona sobre esse processo são afetivas, se alimentam de lembranças que

fazem parte das concepções particulares ou simbólicas dos militantes entrevistados

(Edisvânio Nascimento, Camila Oliveira, Arlene Cristina Araújo, Paulo Marcos

Queiroz, Antonio Sampaio, Nayara Silva e Klaus Minihuber).

Pierre Nora (1993) também discute os limites conceituais da memória e

da história. Para o autor, a memória é um fenômeno puramente privado, é sempre

um processo vivido, conduzido por grupos vivos.

Segundo Halbwachs (2009, apud SANTOS, 2003), os indivíduos somente

se lembram do passado a partir do momento em que se colocam sob o ponto de

vista de uma ou mais correntes do pensamento coletivo. Para o autor, todas as

construções que fazemos sobre o passado fazem parte das construções sociais

existentes no presente. Para Halbwachs (2004), a memória partilhada por um grupo

não se confunde com a história. Ao contrário, a história começaria justamente onde

Page 27: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

25

a memória acaba e a memória acaba quando não funciona mais como suporte em

um grupo. Em outras palavras, a memória é sempre vivida, física ou afetivamente.

Segundo a teoria da memória de Halbwachs, os indivíduos possuem imagens do

passado e por meio dessas imagens é que se identificam enquanto membros de

grupos sociais. Desse ponto de vista, esses indivíduos não se recordam sozinhos do

passado, e sim possuem referências enquanto grupo social, que vive pelas tradições

e diálogos que estabelecem enquanto grupo.

Não se trata mais de lidar os fatos sociais como coisas, mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas, como e por quem eles são solidificados e dotados de duração estabilidade. Aplicada à memória coletiva, essa abordagem irá se interessar portanto pelos processos e pelos atores que intervêm no trabalho de constituição e de formalização das memórias (POLLAK, 1989, p. 2).

A respeito dos dados constituintes da memória, Pollak (1989) mostra três

elementos que referendam a memória individual e coletiva. O primeiro elemento diz

respeito aos acontecimentos, pois eles podem tanto ser vividos pessoalmente, como

também vividos indiretamente, ou seja, vivenciados pela coletividade na qual o

sujeito sinta-se pertencente. O segundo elemento é constituído pelos personagens,

que podem ser as pessoas que aparecem no decorrer da vida, como também as

personagens encontradas indiretamente, mas que se tornaram conhecidas, mesmo

que tenham vivido em espaço e tempo diferentes. E, por último, são os lugares da

memória que servem de referência às lembranças pessoais ou grupais, mesmo que

direta ou indiretamente.

Mas como é difícil captar todas as lembranças para que elas não se

percam no tempo e no espaço, criam-se suportes que organizam e “enquadram” a

memória, possibilitando seu armazenamento por meio de um suporte exterior, algo

que fixe essa memória por meio de registro.

Dentro do campo do registro, pode-se dizer que o documentário também é percebido como uma forma “elevada”. Por lidar com imagens, esta produção fílmica garante para si grande credibilidade. As imagens de um filme, ficcionais ou não, existiram em algum momento da história, pois foram registradas por uma câmera. Muito mais do que um documento escrito sobre um fato, que pressupõe a interpretação daquele que o escreveu, o documentário se aproxima, ou parece se aproximar, da realidade por sugerir uma relação direta entre espectador e acontecimento. A única mediação existente aí

Page 28: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

26

seria realizada pela câmera, instrumento mecânico, ou seja, sem opiniões ou subjetividades para “contaminar” o registro do real (LIMA, 2005, p. 04).

A respeito desta concepção, Stam (1981, apud LIMA, 2005, p. 4) reforça

ainda dizendo que

o filme nos chega com a força de documento autêntico, pois sabemos, pelas leis da reprodução mecânica, que o que vemos na tela aconteceu de fato, em certo sentido, diante da câmera (...), a impressão fílmica da realidade, por sua vez, beneficia-se, em sentido literal ou figurado, da expressão da ideologia do visível.

O filme torna-se um objeto que capta as sensações e revive as

“dores/alegrias” do passado, e impede o esquecimento dos acontecimentos. ”O

filme-testemunho e documentário tornou-se um instrumento poderoso para os

rearranjos sucessivos da memória coletiva” (POLLAK, 1989, p. 11).

Sendo assim, a construção de um documentário audiovisual para a

utilização da memória como fonte torna-se de grande valia. Pois, por meio da

memória, será possível “resgatar o passado”, considerando o presente, obtendo

assim uma investigação viva e dinâmica, que será proporcionada pelo cinema, sem

menosprezar outras fontes.

3.2 DOCUMENTÁRIO: CONCEITOS E FORMAS

O documentário é um gênero audiovisual utilizado como forma de registro

dos acontecimentos ou fatos e expressão da sociedade. Segundo John Grierson10

(apud NICHOLS, 2005, p. 51) o documentário é o “tratamento criativo da realidade”,

porém essa definição não é o bastante para descrever a complexidade e as

características dos filmes de não-ficção. Surgem então diversos outros autores que

se dedicam à compreensão deste gênero contribuem com as suas discussões para

a ampliação dessa definição.

10

John Grierson é considerado um dos principais nomes da história dos primórdios do documentário. Foi o fundador da escola inglesa de documentário, na época em que trabalhou no Empire Marketing Board, agência governamental. Tal escola foi responsável pela afirmação institucional do gênero ao lançar as bases para o que hoje se denomina documentário clássico.

Page 29: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

27

Para Bill Nichols (2005), um dos principais estudiosos do gênero, o

documentário é definido como uma representação de uma determinada visão de

mundo:

[o documentário] não é uma reprodução da realidade, é uma representação do mundo em que vivemos. Representa uma determinada visão de mundo, uma visão com a qual talvez nunca tenhamos nos deparado antes, mesmo que os aspectos do mundo nela representados nos sejam familiares. Julgamos uma reprodução por sua fidelidade ao original – sua capacidade de se parecer com o original, de atuar como ele e de servir aos mesmos propósitos (idem, p. 47).

Já Ramos (2008, p. 22) afirma que

o documentário é uma narrativa basicamente composta por “imagens-câmeras”, acompanhadas muitas vezes de imagens de animação, carregadas de ruídos, música e fala (mas, no início de sua história, mudas), para as quais olhamos (nós, espectadores) em busca de asserções sobre o mundo que nos é exterior, seja esse

mundo coisa ou pessoa.

Ramos enfatiza outra questão importante, também profundamente

enraizada no conceito de documentário: o documentário tem a capacidade de nos

transmitir uma impressão de autenticidade, ou seja, “de verdade”. Para Ramos, a

“noção de verdade, muitas vezes, se aproxima de algo que definimos com

interpretação.” Assim, pode-se dizer que ainda que certas asserções feitas em

documentário não possam ser encaradas como verdadeiras, estas não

necessariamente enfraquecem o status de documentário desta obra. (RAMOS,

2008). Como destaca Bill Nichols (2005), encontramos nos documentários histórias

ou argumentos, evocações ou descrições, que nos permitem ver o mundo sob um

novo ponto de vista. Podemos, portanto, encontrar através do gênero documentário

um retrato ou uma representação reconhecível do mundo.

Sabe-se que, desde seu surgimento, o documentário trouxe a proposta de

reproduzir a realidade. Essa ideia eternizou-se de tal forma que alguns estudiosos e

profissionais contemporâneos da área ainda se dedicam a derrubar a ideia de

monopólio da “verdade” impregnada no conceito de documentário. Seguindo o

Page 30: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

28

argumento do Cinema Verdade11, Eduardo Coutinho, cineasta brasileiro, não

garante uma verdade do que está sendo apresentado pelos personagens no

documentário e sim uma verdade do encontro com esses personagens.

Algumas discussões em torno do que seria de fato documentário foram

realizadas à exaustão ao longo da história do cinema. Uma delas foi a busca dessa

definição através da oposição entre documentário e ficção. A dificuldade em

encontrar uma definição satisfatória, consistente o suficiente para convencer e se

cristalizar. Segundo Nichols (2005), alguns documentários se utilizam de práticas e

convenções que estão associadas à ficção, como, por exemplo, a encenação, o

roteiro, a interpretação e os ensaios. Da mesma forma, na produção de ficcionais,

também se utilizam de práticas convencionalmente do não ficcional, como filmagens

externas, improviso, câmeras portáteis, a presença de não-atores e imagens de

arquivos.

A fim de desconstruir essa oposição que sempre gerou uma hierarquia na

qual o cinema documentário assumia uma posição marginal, Nichols (2005) diz que

“todo filme é um documentário”, pois todos eles representam uma contextual ização

social de pessoas/culturas. Assim, para ele os filmes podem ser classificados em

documentários de satisfação de desejos e documentários de representação social,

considerando que cada tipo conta uma história, sendo essas histórias/narrativas de

espécies diferentes. Sobre o documentário de satisfação, também chamados de

ficção, o autor diz que esses filmes expressam de forma tangível nossos desejos,

frutos de nossa imaginação, medos, pesadelos e terrores, que se tornam concretos,

visíveis e audíveis, frutos de nossa imaginação. Esses filmes podem transmitir

verdade se assim quisermos. Podem criar mundos a serem conhecidos, ou nos

conduzir ao prazer de passar do mundo atual a outros mundos infinitos. Já os

documentários de representação social, segundo Nichols (2005, p. 26) podem

“representar de forma tangível aspectos de um mundo que já ocupamos e

compartilhamos”. Nele o cineasta apresenta uma matéria, de que é feita a realidade

social, de acordo com a seleção e organização feita pelo mesmo, pois esta.

“Expressa nossa compreensão, o que a realidade foi e o que poderá vir a ser” (2005,

p.26). O filme transmite significados e valores, porém isso acontece mediante a

11 A tradição do documentário sofreu grandes transformações a partir da década de 60, quando a evolução técnica dos equipamento cinematográficos criou aos documentaristas novas condições de trabalho. Surgiram então, diversas vertentes de trabalho documental no mundo, destacando-se entre elas o cinema verdade francês e o cinema direto americano.

Page 31: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

29

interpretação e compreensão das pessoas; pode ser que se acredite ou não no que

está sendo apresentado.

Ramos (2008) afirma que, em sua forma de estabelecer asserções sobre

o mundo, o documentário caracteriza-se pela presença de procedimentos que o

singularizam com relação ao campo ficcional e complementa dizendo “o

documentário, antes de tudo, é definido pela intenção de seu autor de fazer um

documentário (intenção social, manifesta na indexação da obra, conforme percebida

pelo espectador)”.

Assim como Nichols, Ramos (2008, p. 25) defende que “antes de tudo, o

documentário é definido pela intenção do seu autor de produzi-lo”. E assim, Nichols

por sua vez, identifica seis modos de representação que se tornaram mais comuns

dentro do campo do cinema documental, sendo eles o poético, o expositivo, o

observativo, o reflexivo, o performático e o participativo.

Dentre eles, o modo participativo é que mais nos chama atenção pois

este envolve uma interação do cineasta com o personagem, sendo em forma de

entrevista, ou outras formas de envolvimento mais diretas. No documentário

participativo segundo Rouch e Morin (apud NICHOLS, 2005, p. 155), a forma de

filmar se baseia na ideia do “Cinema verdade” enfatizando a ideia da verdade de um

encontro e não de uma verdade absoluta ou manipulada. É uma verdade de uma

forma de interação, que só é permitida pela câmera.

No modo participativo mais especificadamente a entrevista provoca uma

interação entre cineasta e o entrevistado, fazendo com que o assunto abordado

torne-se mais comum entre ambos, fazendo com que haja uma boa quantidade de

informações conquistadas por uma “conversa”, ou seja, é uma prática de interação

entre dois lados. Nessa perspectiva, pensamos em produzir um documentário de

não ficção para dar voz ao movimento das mídias comunitária do Território do Sisal,

seguindo as características do modo participativo.

O documentário se constitui principalmente como registro, um arquivo da

nossa memória, uma testemunha ocular da história. “As imagens documentam uma

época, um determinado acontecimento, uma pessoa ou um país e representam cada

vez mais a ‘memória’ [...]” (LANGMAN, 1986, p. 31).

O cinema criou possibilidade de poder arquivar registros. Assim, o

historiador ganhou novas ferramentas e as populações passaram a consultar

relatos.

Page 32: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

30

A memória tem dois momentos: conservação de sensações (o arquivo) e reminiscência (o ato de lembrar). O cinema tem estes dois aspectos, ele conserva, enquanto imagem, o registro de um tempo e espaço, e a sua fruição nos induz a uma lembrança (MOURA, 1999, p. 02).

Sendo assim, compreende-se que o documentário como arquivo da

memória pode se tornar como uma fonte de pesquisa histórica, do imaginário e da

memória coletiva, podendo ser construído a partir de memórias individuais. Este

fator reafirma o uso dos depoimentos, pois o corpo da fonte primária se evidencia de

modo a construir um enredo, em que há participação das referências encontradas

em arquivo. E dessa maneira a memória é considerada como:

[...] uma manifestação da vida que funda a personalidade e o imaginário dos indivíduos e dos grupos. Sua força é, ao mesmo tempo, sua fraqueza, porque ela dinamiza a ação em detrimento da pesquisa ‘intratável’ da verdade. A história é conhecimento, o documentário é memória: o testemunho é raramente ausente de suas lembranças, e tentado o mais frequentemente de as revisitar (GAUTHIER, 1995 apud MOURA, 1999, p. 02 ).

Segundo Moura (1999), a memória oral é o maior trunfo dos

documentários, eles dão maior credibilidade ao registro quanto mais eloquente for o

testemunho. “O documentário, portanto, se caracteriza como narrativa que possui

vozes diversas que falam do mundo e de si” (RAMOS, 2008, p. 24). Segundo a

autora Lucia José (2013), cada voz relata uma experiência singular já mediada como

enredo; todas as vozes devem constituir relatos que documentam; e, ainda, na

aproximação dos relatos/enredos, é possível identificar pontos de aproximação e de

diversidade entre o gênero documentário e a história oral.

Afinal, ninguém fala só pelo aparelho fonador; no uso do código verbal-

oral, a fonação se realiza a partir de um “jogo” em que são inseridos os gestos, as

expressões faciais, os movimentos do corpo que fala, as pausas, os sussurros, os

embargos e os sorrisos da voz, em fim tudo isso é levado em conta no documentário

(JOSÉ, 2013).

As pessoas carregam dentro de si suas vivências, impressões,

acompanhadas de suas aprendizagens. “Não guardam ou muitas vezes não revelam

tudo, pois a memória é sempre seletiva” (MOURA, 1999). Pois antes mesmo de

Page 33: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

31

serem pronunciadas, as memórias já realizam um diálogo entre si, porque como os

indivíduos, não pertencem apenas a um grupo, e se inserem em múltiplas relações

sociais. As diferenças individuais de cada memória expressam o resultado da

trajetória de cada um ao longo de sua vida. A memória individual revela apenas a

complexidade das interações sociais vivenciada por cada um.

Pollak (1989) evidencia que por trás da memória coletiva existe uma

negociação entre as memórias individuais, e nesse jogo de negociação e conflito,

algumas memórias deixam de fazer parte dos registros e funcionam simplesmente

como elementos subversivos à memória oficial.

A memória é palavra viva, da qual emana a coerência de uma escritura; a

coerência de uma inscrição do homem e da sua história, pessoal e coletiva, na

realidade do destino. Rumor (2010) vem dizer que a memória permite ainda uma

estreita relação do presente com o passado e, da mesma forma, interfere no

processo atual. Através dela, os fatos que aconteceram são retomados no presente,

misturando-se às percepções imediatas, como também faz deslocar o pensamento

para uma análise das relações do futuro.

No documentário a câmera pode fixar um momento, mas este momento já

passou, no fundo o que ele traz é um “fantasma” deste momento, que de acordo

com Moura (1999):

Cinema é um fantasma do vivido. [...] ele cria uma ilusão de movimento e de realidade como estivesse acontecendo aquele momento em algum lugar, talvez apenas em nossa imaginação. Mesmo que este cinema seja, como sabemos uma memória parada no tempo (MOURA, 1999, p.05).

A partir dessas abordagens, nota-se então como o gênero documentário,

suporte de memória oral também pode ser duplamente significativo; outro elemento

constituinte que aproxima os dois é a entrevista. Feres (1996, apud JOSÉ, 2013, p.

06) destaca duas considerações essenciais, quando se trata de documentário:

primeiro é necessário ressaltar que as próprias entrevistas já são realizadas, predominantemente, visando responder àquelas mesmas preocupações temáticas da pesquisa. Segundo, porque, quando transformadas em sonoras, a decupagem e a edição fabricam sínteses que contém o ponto singular do relato de cada voz e por isso o conjunto delas já vai expondo as possibilidades de rumos que os textos fragmentos podem assumir.

Page 34: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

32

Essa organização do filme realizada pelo cineasta é chamada por Nichols

de voz do documentário. Para ele, “[...] é a maneira especial, porque singular, de

expressar um argumento ou uma perspectiva [...] perspectivas claramente diferente

com vozes claramente distintas” (NICHOLS, 2005, p. 73).

Pollak (1989, p. 9) considera o filme um instrumento capaz de realizar o

enquadramento12 de memória, de reconstruir os fatos e apreender as emoções

através da imagem e dos sons:

Ainda que seja tecnicamente difícil ou impossível captar todas essas lembranças em objetos de memória confeccionados hoje, o filme é o melhor suporte para fazê-lo: donde seu papel crescente na formação e reorganização, e, portanto, no enquadramento da memória (idem, 1989, p.9).

De acordo com Michael Pollack (1989) o documentário é “um instrumento

poderoso para os rearranjos sucessivos da memória coletiva”, e apesar de não

trabalhar a realidade com fidelidade, é capaz de resgatar, preservar, conservar,

registrar e arquivar algo da memória social que ficará para o futuro. Sendo assim,

ousamos em produzir o documentário “Vozes Libertadoras”, conscientes de que este

é um característico “lugar de memória”, de acordo com o pensamento de Nora

(1993).

12 De acordo Michel Pollak, enquadrar a memória significa “reinterpretar incessantemente o passado

em função dos combates do presente e do futuro”, no qual um grupo constrói uma narrativa que deve ser socialmente legitimada na construção de uma memória social (1989: 9) Sobre o conceito de “enquadramento”, ver POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos históricos, Rio de Janeiro, 1989.

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33

4. UNIDADE, CONFRONTOS E DIVERSIDADE... O FAZER DOCUMENTÁRIO

4.1 PRÉ- PRODUÇÃO

O período de pré-produção, como o próprio nome já diz, é uma

preparação para o momento de ação, ou seja, o momento em que realizamos as

gravações. Neste momento, concentramos nossos esforços em definir qual seria o

foco do nosso documentário, qual a abordagem e os recortes feitos para o estudo e

a busca de fontes sobre a temática, esta já definida no momento de conclusão do

Projeto.

Com apoio da nossa orientadora, professora Carolina Ruiz, buscamos

construir a base do projeto: assistir documentários, ler as referências teóricas, refletir

sobre formas de organização de filmes, criar critérios para a escolha dos

personagens (aqui tivemos colaboração especial do nosso colega e amigo Edisvânio

Nascimento, que foi a nossa “fonte primeira”, a partir do qual pudemos identificar e ir

em busca dos demais personagens), e estabelecer os primeiros contatos com estes

por e-mail e ligações para apresentar a proposta e agendar visitas e gravações.

Sem roteiro pré-definido, simplesmente com um esboço da produção do

documentário, fizemos superficialmente o reconhecimento de campo, para verificar a

viabilidade das gravações. Começamos também a produção textual do memorial.

Lins (2004, p. 11) aponta que um dos grandes diferenciais do

documentarismo é não utilizar roteiro, pois este “desvirtua esforços e corrói o que

mais se preza neste tipo de produção: a possibilidade de criação de algo inesperado

no momento da filmagem”. Por isso, é com um misto de registros, pontos de vista e

criatividade do diretor que se pode apontar, assim, para a unidade do vídeo

documentário.

[...] Para o diretor, o crucial em um projeto de documentário é a criação de um dispositivo, e não o tema do filme ou elaboração de um roteiro, o que, aliás, Coutinho se recusa terminantemente a fazer. O dispositivo é criado antes do filme e pode ser: “Filmar dez anos, filmar só gente de costas, enfim, pode ser um dispositivo ruim, mas é o que importa em um documentário” (LINS, 2004, p. 101).

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34

Assim também “criamos” o nosso procedimento de filmagem, ou seja, o

nosso dispositivo que foi o de acionar a memória dos personagens relacionadas ao

processo de implantação e consolidação da comunicação comunitária no território.

Esse dispositivo acabou por definir também um critério para seleção dos

personagens: poderiam ser apenas pessoas que vivenciaram esse processo.

O roteiro só foi desenvolvido após a gravação, servindo para direcionar a

edição do vídeo. Considerando a classificação do documentário em subgêneros, o

produto deste presente trabalho, se enquadra no modo participativo, privilegiando a

interação entre entrevistado e diretor e tendo como foco a entrevista como fonte

histórica de informação. O modo participativo, descrito por Nichols (2005), enfatiza a

interação de cineasta e tema, ou seja, sua participação e conscientização de sua

interferência na realidade dos atores sociais – pois também se torna um ator social –

ficam evidentes para o público. A filmagem acontece em entrevistas ou outras

formas de envolvimento ainda mais direto, moldado ou determinado por aquilo que

ela registra (NICHOLS, 2005, p. 63). Com isto, o ponto de vista do cineasta fica mais

evidente.

Como mencionado anteriormente, sendo o objetivo do vídeo registrar

memórias relacionadas ao processo de consolidação da comunicação comunitária

no território, esse aspecto determinou a escolha dos personagens, assim como a

ênfase na palavra, na narrativa oral dos envolvidos, por entender que esta é uma

das formas de manifestação legítimas da memória. A voz do entrevistado é

privilegiada, ficando livre para, através da lembrança, fruto de sua memória,

apresentar fatos importantes das movimentações e conceitos que os mesmos dão

para a comunicação comunitária, bem como suas participações nesse processo.

Os ambientes das gravações foram escolhidos a partir de sua interação

com entrevistado. Todos foram feitos em seus respectivos ambientes de trabalho,

rádios e sedes das organizações da qual faziam parte. Fotos das entrevistas

também foram coletadas, como também imagens de arquivos foram solicitadas pela

equipe para tornar o produto mais rico em informação, valorizando o material de

arquivos das organizações.

Definidas as “locações”, procedemos a seleção dos entrevistados, que

foram escolhidos a partir do seu envolvimento na militância em prol da comunicação

comunitária e também por representar algumas organizações como MOC, AMAC,

ABRAÇO SISAL e algumas rádios comunitárias de grande expressão no Território.

Page 37: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

35

A partir dessa observação, identificamos como colaboradores os

seguintes entrevistados:

Edisvânio Nascimento, radialista e diretor Executivo da Rádio

Comunitária Santa Luz FM, estudante do curso de comunicação social

da UNEB e membro titular do Conselho Estadual de Comunicação;

Camila Oliveira, presidente da Agência Mandacaru de Comunicação –

AMAC, e estudante do curso de comunicação social da UNEB;

Antônio dos Santos Sampaio, radialista da Rádio Comunitária Valente

FM e estudante do curso de comunicação social da UNEB;

Arlene Cristina Freire Araújo, coordenadora da Associação de Rádios

e TV Comunitária (ABRAÇO-Sisal);

Nayara Santos, coordenadora do Movimento de Organização

Comunitária (MOC) do Território;

Klaus Minihuber, jornalista e historiador austríaco, que no período de

desenvolvimento do movimento de comunicação comunitária no

território, era coordenador do Programa de Comunicação do MOC e

coordenador do projeto Comunicação Pelos Direitos na Região

Sisaleira;

Paulo Marcos Queiroz, comunicólogo, com habilitação em Rádio & TV

(UNEB); trabalhou com comunicação digital junto a jovens e lideranças

do movimento social e atualmente é assessor de comunicação da

prefeitura de Conceição do Coité.

Acreditamos ter através destes personagens um painel amplo de micro-

histórias e vivências que contribuam para contar o processo de consolidação da

comunicação comunitária da região. De certo existem muitos outros personagens de

grande relevância na construção desse processo que poderiam narrar outros

aspectos a partir das suas experiências, mas toda construção/criação envolve

escolhas.

O roteiro das entrevistas foi elaborado com uma sequência de perguntas

que norteariam e organizariam a narrativa dos entrevistados. Porém, não deve ser

entendido como um questionário estruturado, com uma sequência uniforme de

perguntas, mas como uma entrevista semiestruturada, servindo de guia para “puxar

o fio da memória” dos entrevistados.

Page 38: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

36

Definidos os aspectos supramencionados, tínhamos o cronograma abaixo

para seguir e uma previsão de orçamento do projeto “Vozes Libertadoras“.

Cronograma13

Representação gráfica da previsão da execução do trabalho, na qual se

indicam os prazos em que se deverão executar as suas diversas fases.

ATIVIDADES

2013

Ago Set Out Nov Dez

Levantamento bibliográfico

(leituras e fechamentos)

X

Elaboração do projeto

Revisão do projeto de pesquisa X

Pré- produção x

Produção x

Pós produção X

Escrita do Memorial

Orientação X x x X

Entrega do produto X

Defesa x

Figura 2: Quadro do cronograma de atividades

13 Fonte: Elaborado pelos autores

Page 39: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

37

Orçamento14

Discrimina as despesas do projeto que não foram financiadas pela

estrutura oferecida pela Universidade.

ITEM QTD VALOR UN. VALOR

TOTAL

Transporte 03 129,75 389,25

Alimentação 12 7,50 90,00

Telefone 09 13,00 117,00

DVD 03 2,00 6,00

Impressão do Memorial 03 40,00 120,00

Edição do vídeo 01 50,00 50,00

TOTAL 772,25

Figura 3: Quadro do orçamento das despesas

4.2 PRODUÇÃO

Devido a nossa pouca experiência, um dos maiores desafios da produção

foi escolher o posicionamento dos entrevistados diante da câmera. Segundo Puccini,

essas escolhas são decisivas para a leitura do documentário, para sua carga de

informação visual e seu rigor gráfico na composição da imagem, qualidades que

ajudam a definir um estilo de direção.

Na maioria das imagens foi priorizado o plano médio e primeiro plano,

para mostrar com clareza as expressões, e fazer com que os entrevistados

ocupassem um espaço de destaque no enquadramento.

14 Fonte: Elaborado pelos autores.

Page 40: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

38

Para a captação do material audiovisual necessário para a realização do

vídeo aqui descrito, fizemos entrevistas em datas previamente agendadas nas

seguintes locações: Rádio Santa Luz FM, em Santaluz-BA, com Edisvânio

Nascimento; Rádio Valente FM, em Valente-BA, com Antonio Sampaio e Arlene

Cristina Araújo; na Agência Mandacaru, em Retirolândia-BA, com Camila Oliveira e

Nayara Santos; no Centro Cultural Ana Rios, em Conceição do Coité–BA, com Paulo

Marcos Queiroz. Houve também o caso da entrevista com Klaus Minihuber,

entrevista esta que foi concedida via Skype15, pelo fato de o entrevistado residir

atualmente na Áustria.

Munidos de câmeras de filmagens e fotográficas a equipe se dirigiu para

as locações para captar as imagens necessárias para demonstrar as experiências

vividas pelos militantes que lutaram pela implantação da comunicação comunitária

no Território do Sisal, bem como compartilhá-las através das entrevistas que foram

realizadas.

A equipe cinematográfica foi composta por Rodrigo Carneiro, Jussara

Oliveira e Douglas Oliveira. As entrevistas foram realizadas por Luis Anselmo e

Douglas Oliveira.

4.2.1 DETALHAMENTO DAS GRAVAÇÕES

A primeira entrevista foi feita com Edisvânio Nascimento, militante do

movimento em prol da comunicação comunitária e estudante de Comunicação

Social da Universidade do Estado da Bahia.

Por ter sido a nossa primeira gravação, e estarmos preocupados com a

entrevista em si, não nos detivemos a muitos detalhes técnicos, tendo como

consequência a perda de algumas imagens por falta de foco e de um

enquadramento adequado, porém essas questões serviram de experiência para as

próximas gravações. A entrevista foi realizada em uma pequena sala onde funciona

a direção da rádio. A luz existente no ambiente favoreceu uma boa iluminação, 15 Skype é um software que possibilita comunicações de voz e vídeo via Internet, ou seja, troca de mensagens instantâneas pela internet, tendo como carro chefe seu sistema voip (voz sobre ip), sistema que possibilita utilizar a voz para conversar. entre usuários em qualquer parte do mundo.

Page 41: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

39

sendo assim, não foi necessária a utilização de equipamentos de iluminação

artificial.

O segundo momento de gravação aconteceu na Agência Mandacaru em

Retirolândia, sendo a entrevistada Camila Oliveira. Nessa entrevista sentimos certa

segurança, pois nesse dia tivemos a presença da nossa orientadora, professora

Carolina Ruiz, que foi dando dicas para composição das nossas imagens. Foi um

momento de aula técnica, relembrando momentos em sala de aula e discussões

sobre o uso de equipamentos.

O terceiro dia de gravação foi o mais produtivo e desafiador.

Conseguimos gravar com dois entrevistados, porém, não foi uma gravação

despreocupada, visto que nesse dia estávamos com pouco tempo de fita para

gravação. No entanto, graças à capacidade de síntese dos entrevistados, o tempo

de fita que dispúnhamos foi suficiente para coletar as entrevistas. Foram gravadas

entrevistas com o radialista Antonio Sampaio e com a Coordenadora da Associação

de Rádios e TVs Comunitárias (ABRAÇO SISAL,) Arlene Cristina Freire Araújo, na

Rádio Valente FM, em Valente- BA.

Nas entrevistas, realizadas com duas câmeras profissionais e uma

semiprofissional, captamos imagens com enquadramentos e angulação diferentes,

com a predominância dos planos médios (PM) e o primeiro plano (PP), utilizando

sempre uma câmera no tripé, para garantir um enquadramento fixo e a estabilidade

necessária à câmera, para que assim fosse feito um melhor aproveitamento da

imagem, enquadrando o personagem, facilitando a visualização da movimentação e

reconhecimento dos entrevistados; a variação de enquadramentos cria também uma

maior dinâmica visual para o vídeo.

O nosso quarto momento de gravação foi feito no Centro Cultural Ana

Rios, em Conceição do Coité-BA, com Paulo Marcos Queiroz. Antes da gravação a

equipe estava preocupada, pois o único contato prévio feito com o entrevistado

havia sido por meio de telefone e e-mail, diferente dos outros entrevistados, que por

razões diversas, já havíamos tido contato direto. Porém tudo ocorreu muito bem.

Usamos a mesma estrutura de gravação que já vínhamos desenvolvendo com as

entrevistas anteriores, mas utilizamos mais recursos, totalizando seis câmeras,

incluindo smartphones e tablets. Porém, nesta entrevista perdemos quase tudo da

câmera principal por conta da fita.

Page 42: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

40

No dia 8 de novembro foi realizada a quinta entrevista, que aconteceu na

AMAC, com Nayara Silva, representante do MOC. Neste dia não pudemos contar

com os equipamentos do campus, pois houve uma paralisação na universidade, por

esta razão tivemos que adquirir equipamento de baixa qualidade, comprometendo a

qualidade das imagens, houve uma dessincronia entre a imagem e o áudio, tendo

que serem sincronizados posteriormente para melhorar a qualidade do vídeo.

Porém, em razão de o conteúdo da entrevista ser indispensável para a construção

do documentário, pela profundidade do assunto abordado e a quantidade de

informações, e não termos mais tempo para repetir a entrevista, optamos por utilizar

as imagens mesmo com o problema de dessincronia de imagem e som.

A gravação com o entrevistado Klaus Minihuber foi feita à distância, via

Skype. Nossa primeira tentativa de gravação não deu certo em razão de problemas

na conexão da Internet. O que nos deixou bastante apreensivos foi o fato de o nosso

entrevistado estar se organizando para uma longa viagem e não ter muita

disponibilidade de tempo para fazer essa gravação em outro momento. Pesava

ainda a nosso desfavor a diferença do fuso horário, mas ele, generosamente, propôs

para o dia seguinte uma nova tentativa. Era um momento único para a equipe.

Preparamos “tudo”, ou seja, um plano A e B, para que essa entrevista acontecesse

nesta segunda tentativa. Foi um momento um pouco tenso por se tratar de uma

entrevista que dependia do perfeito funcionamento de diversos recursos

tecnológicos para seu sucesso. Como forma de evitar problemas, buscamos

adiantar uma hora o teste com os equipamentos e providenciamos mais

equipamentos para a captação de imagens de todos os momentos da entrevista:

utilizamos celulares, tablet e softwares de captação de imagens da tela para garantir

que a entrevista tivesse êxito.

O ambiente favoreceu bastante, mesmo tendo um pouco de ruído por

conta de carros de som que passaram no momento da entrevista, se fazendo

audíveis, mesmo com os cuidados de preparação acústica do ambiente tomados

pela equipe, foi um momento único, pois as informações do entrevistado eram muito

ricas e necessárias, tendo o mesmo participado da articulação da comunicação

comunitária no território. Foram quase quarenta minutos de entrevista, tendo por

final um bom material para a formação de nosso documentário.

Page 43: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

41

4.3 PÓS-PRODUÇÃO

A pós-produção do documentário ocorreu na semana de 17 a 24 de

novembro de 2013. Nesta semana a equipe realizou 03 encontros com o editor de

imagens, Danilo Victor, na cidade Araci, no estúdio de vídeo para rever as cenas já

decupadas para organizar o documentário.

A etapa de montagem (ou edição) do filme documentário marca o momento em que o documentário adquire total controle do universo de representação do filme. Aqui, já não importa o estilo do documentário, toda a montagem implica um trabalho de roteirização que orienta a ordenação das sequências, define o texto do filme, dando forma final ao seu discurso (PUCCINI, 2012, p. 93).

Partimos para a montagem do documentário com o roteiro de edição em

mãos e começamos “esqueletando” o vídeo, ou seja, colocando na sequência as

entrevistas, os trechos que seriam utilizados e os inserts16 a serem feitos. Cabe

lembrar que fizemos o roteiro de edição obedecendo a uma sequência dos assuntos

tratados pelos entrevistados durante a condução das entrevistas (que emanam do

filme). A partir delas se tentou construir uma narrativa lógica e coerente, assim as

vozes e imagens dos entrevistados substituíram o papel de um narrador.

No segundo encontro, demos continuidade a edição e montagem. Neste

dia tivemos uma boa participação no que tange ao diálogo acerca de mudanças que

necessitariam ser feitas. Na montagem de um vídeo, não se limita só a escolha das

melhores imagens, mas, além disso, a ordenação das sequências, linha narrativa

que serve não só para orientar o espectador, como também para orientar o diretor e

editor do filme durante o processo de montagem.

No que se refere à escolha do título, a ideia seria intitular o trabalho com

duas palavras que estão em consonância na relação Comunicação Comunitária e

memória que foi o dispositivo usado para gravar o documentário. No meio dessa

indagação reflexiva, que paramos uma revisão minuciosa de todo conteúdo do vídeo

e dos efeitos utilizados, nasce o título “Vozes Libertadoras” em meio ao verso

narrado por Edisvânio Nascimento durante a entrevista que concedeu.

16

Permite que o operador acrescente uma nova imagem ou um novo áudio no meio de planos já

gravados na fita, ou seja, tomadas usadas para evitar “pulos” nos cortes (WATTS, 1999).

Page 44: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

42

Embora tenha sido uma tarefa árdua e trabalhosa, que exigiu dedicação,

paciência, organização e articulação de atividades múltiplas, ainda tivemos que

conciliar esta com a finalização do memorial. O resultado da produção do vídeo é

satisfatório, pois contemplou o objetivo e expectativa da equipe.

Ficha Técnica

Produção: Douglas Santos de Oliveira

Jussara Oliveira de Souza

Luis Anselmo Oliveira

Roteiro: Luis Anselmo Oliveira

Imagens: Douglas Santos de Oliveira

Jussara Borges Alves

Jussara Oliveira de Souza

Luis Anselmo Oliveira

Rodrigo Carneiro

Edição de Imagens: Danilo Victor

Direção: Jussara Oliveira de Souza

Orientação: Carolina Ruiz de Macedo

Page 45: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

43

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comunicação comunitária nasce dentro do contexto social das

comunidades e organizações de pequenos grupos com o objetivo de construir uma

comunicação igualitária, próxima ao meio em que estão inseridas. No Território do

Sisal a comunicação comunitária surge da necessidade de inserir as pessoas de

suas comunidades, fazendo-os construtores de uma comunicação, como uma forma

estratégica para contribuir com o processo de desenvolvimento do território. Essa

comunicação nasce a partir do movimento de rádio comunitária, surgindo as

primeiras emissoras, sem dúvida os mais fortes instrumentos de comunicação que

deram possibilidades reais para a sociedade civil expressar seus pensamentos e

defenderem seus ideais em favor da comunidade, sobretudo em meados da década

de 90.

Discutir comunicação comunitária é discutir cidadania, direito de construir

uma voz que perdure pelas comunidades, que discutam assuntos de seus

interesses, que contribuam para a conscientização do processo político e

democrático de suas comunidades.

Partindo dessas discussões o documentário enquanto representação

social de um contexto local, buscou apresentar por meio do registro das memórias

em torno da comunicação comunitária no Território do Sisal dos militantes que

participaram e foram protagonistas deste processo.

O documentário traz em si uma riqueza de informações interessantes que

pode contribuir para a compreensão da importância que a comunicação comunitária

assume no território. Diversas respostas relacionadas ao processo de implantação

da Comunicação Comunitário no território foram apresentadas pelos entrevistados,

reconstituindo historicamente o começo desse fenômeno.

O propósito maior desse trabalho foi acionar a memória dos militantes, e,

reconhecendo o documentário como “lugar de memória”, contribuir para registrar os

relatos sobre um processo tão crucial para a configuração econômica e identitária

atual do território. O seu registro em audiovisual também pode ganhar maior espaço

e mais adeptos, principalmente quando pensamos no desenvolvimento tecnológico

que popularizou vários dispositivos de captação de som e imagem em movimento,

Page 46: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

44

recursos esses que têm se tornado importantes ferramentas para a comunicação, no

sentido de transmissão de “herança” das comunidades.

Para que a pesquisa tomasse forma, recorremos à metodologia da

oralidade para que pudéssemos ter respaldo sobre as memórias individuais, que

posteriormente podem colaborar para constituir uma memória coletiva.

Sendo necessário, após a escolha do suporte teórico, um estudo

aprofundado sobre conceitos apresentados pelos teóricos relacionados à linha de

pesquisa. Nomes como, Pierre Nora, Michael Pollak, Maurice Howsbach entre

outros, balizaram nossos apontamentos e reflexões a respeito de conceitos de

memória bem como sua importância e justificativa de sua escolha como fonte.

Fizemos também um panorama do conceito de comunicação comunitária,

entendermos o contexto do surgimento das rádios comunitárias no Território do

Sisal.

De acordo com Michael Pollack (1989), o documentário é “um instrumento

poderoso para os rearranjos sucessivos da memória coletiva”. Sendo assim, o

documentário “Vozes Libertadoras” vem costurar diversas memórias particulares de

acontecimentos, dificuldades e conquistas da comunicação comunitária no Território

do Sisal, podendo ser utilizado como objeto de estudo desse fazer “comunicação

comunitária”.

Por fim, constatamos que a comunicação comunitária no Território do

Sisal nasce de um projeto que visava não só fazer comunicação, como também com

esta, enquanto direito de todos, contribuir assim para o fortalecimento político

democrático do território do sisal. Diante de tal relevância concluímos que os fatores

históricos, culturais e sociais da comunicação comunitária no Território do Sisal

devem ser documentados para que na construção de uma memória coletiva seja

configurada a identidade do território.

Page 47: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

45

REFERÊNCIAS

DELIBERADOR, Luzia M. Y.; VIEIRA, Ana C. R. Comunicação e educação para a cidadania em uma Cooperativa de Assentamento do MST. Trabalho apresentado ao NP Comunicação para a Cidadania. XXVIII Congresso Brasileiro de

Ciências da Comunicação, promovido pela INTERCOM e realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, de 5 a 9 de setembro 2005. BAHIA, Lílian Claret M. A reconfiguração da esfera pública local pelas rádios comunitárias Inter-FM e União na região metropolitana de Belo Horizonte. São Bernardo do Campo: UMESP, 2006. 189 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social). FERREIRA, Giovandro M; MOREIRA, Gislene. A construção da comunicação comunitária da região do Sisal: uma rede tecida com fibra e resistência. Salvador,

2005.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. Verdade e memória do passado. In: Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006, p. 39-48.

JOSÉ, Carmen Lucia. Vozes da Voz do Documentário. Intercom 2013. Disponível

em: <http://www.bocc.ubi.pt.> Acesso em: 23 nov. 2013 LIMA, Julia Lemos. O Cinema Documentário como Documento-Verdade. 2005.

Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt.> Acesso em 21 nov. 2013. LINS, Consuelo. O cinema de Eduardo Coutinho: uma arte do presente. In TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org). Documentário no Brasil: tradição e

transformação. São Paulo: Summus, 2004. LINS, Consuelo. Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008. LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho- televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2004. MORAIS, Katia Santos de. A comunicação audiovisual no Território do Sisal: um olhar sobre a produção das instituições sociais In: CARVALHO, Cristina dos Santos; ROCHA, Flávia Aninger deBarros; PARCERO, Lúcia Maria de Jesus (Orgs.). Discurso e cultura: diálogos interdisciplinares. Salvador: EDUNEB, 2011. p.185-

196. MOREIRA, Gislene. Comunicação, cultura e participações, reflexões sobre a construção do desenvolvimento territorial na Região Sisaleira da Bahia. Bahia:

UNI revista – vol. 1, Nº3, 2006.

Page 48: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

46

_______, Gislene. Cultura, Comunicação e Participação: um olhar sobre as inter-

relações entre cultura, política e desenvolvimento no sistema de comunicação do Território do Sisal. Salvador, 2006. MOURA, Hudson. Oralidade e Fabulação no Cinema Documentário. 1999.

Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt.> Acesso em 22 nov. 2013. NASCIMENTO, Antônio Dias (coord.). Rádios Comunitárias da Região Sisaleira da Bahia – Memória, conjuntura e perspectivas. Relatório de pesquisa. Salvador: MOC, 2005. NASCIMENTO, Edisvânio; MOTA, João Garcia da. (org). Rádio Santa Luz FM:

História e Práticas de um ser tão Comunitário. Santa Luz:Talismã, 2012. NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução de Yara Aun Lhaury. Projeto história, São Paulo, 1993.

OLIVEIRA, Juliana Costa. A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO SISAL. Conceição do Coité, 2010. PENAFRIA, Manuela. O filme documentário: história, identidade, tecnologia. Lisboa: Cosmos, 1999. PERUZZO, Cicília Maria Krohling; ALMEIDA, Fernando Ferreira de (orgs). Comunicação para a cidadania. São Paulo: Intercom; Salvador: UNEB, 2003. PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania. 2004. Disponível em:

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TV como Registro Histórico da Ferrovia Curitiba – Paranaguá. Curitiba 2010. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt.> Acesso em 23 nov. 2013.

Page 49: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

47

SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Memória coletiva e teoria social. São Paulo:

Annablume. 2003. THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. WATTS, Harris. Direção de câmera: um manual de técnicas de vídeo e cinema.

Tradução: Eli Stern. São Paulo: Summus, 1999.

Page 50: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

48

APÊNDICE

Page 51: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

49

PERGUNTAS:

1. Como foi o início da comunicação comunitária no território do sisal?

2. Como se formaram a articulação para a comunicação no território?

3. Como foi a mobilização em prol das rádios comunitárias no território do sisal?

4. Quis os serviços prestados pela rádio comunitária no território?

5. Qual o papel das organizações sociais para a comunicação comunitária?

6. Quais as principais dificuldades em fazer comunicação comunitária no território do sisal?

7. Qual a sua avaliação da comunicação comunitária no território do sisal?

8. Quais as mudanças que podem ocorrer ou ocorrem nas comunidades a partir da

comunicação comunitária?

9. A participação da comunidade é importante para a comunicação comunitária?

10. Como foram as primeiras articulações e reuniões para as mobilizações em prol da

comunicação comunitária?

Page 52: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

50

ROTEIRO DO VÍDEO “VOZES LIBERTADORAS”

IMAGEM

ÁUDIO

DOIS MEMBROS DA EQUIPE

SINTONIZANDO UM RÁDIO

ANTIGO.

RUÍDOS DA SINTONIZAÇÃO.

OFF - PROCESSO DE BUSCA DAS

INFORMAÇÕES E INTRODUÇÃO DO

TEMA.

IMAGENS DA PISTA - CARRO EM

MOVIMENTO.

OFF - PROCESSO DE BUSCA DAS

INFORMAÇÕES E INTRODUÇÃO DO

TEMA.

TÍTULO DO DOCUMENTÁRIO.

EDISVÂNIO NASCIMENTO.

APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.

ARLENE FREIRE.

APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.

NAYARA CUNHA.

APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.

ANTÔNIO SAMPAIO.

APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.

PAULO MARCOS.

APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.

Page 53: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

51

CAMILA OLIVEIRA.

APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.

INSERT - IMAGENS DE KLAUS

EM EVENTOS NO TERRITÓRIO DO

SISAL.

OFF- APRESENTAÇÃO

PERSONAGEM.

KLAUS MINIHUBER - VIA SKYPE.

INSERT- IMAGENS DO PROCESSO

DE FILMAGEM – ENTREVISTA.

ARTICULAÇÃO DOS MOVIMENTOS

SOCIAIS EM PROL DA

COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA.

EDISVÂNIO NASCIMENTO.

INSERT – ESTÚDIO DA RÁDIO

SANTALUZ FM.

MOVIMENTO DE RADIODIFUSÃO

COMUNITÁRIA.

KLAUS MINIHUBER.

INSERT- IMAGENS DO PROCESSO

DE FILMAGEM – ENTREVISTA.

RÁDIOS COMUNITÁRIAS - HISTÓRIA

E DESENVOLVIMENTO.

EDISVÂNIO NASCIMENTO.

RÁDIOS COMUNITÁRIAS -

DENÚNCIAS DOS PROBLEMAS

SOCIAIS DA COMUNIDADE.

NAYARA CUNHA.

O INÍCIO DA COMUNICAÇÃO

COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO

Page 54: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

52

SISAL - RÁDIO COMUNITÁRIA – MOC.

ARLENE FREIRE.

PARTICIPAÇÃO NAS MOBILIZAÇÕES

EM PROL DA COMUNICAÇÃO

COMUNITÁRIA.

CAMILA OLIVEIRA.

AGÊNCIA MANDACARÚ DE

COMUNICAÇÃO E CULTURA –

HISTÓRIA E SERVIÇO.

PAULO MARCOS.

INGRESSO NO MOVIMENTO DE

COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA.

ANTÔNIO SAMPAIO

INSERT – FACHADA DA RÁDIO

VALENTE FM

RÁDIO COMUNITÁRIA – RETORNO

DA COMUNIDADE PELO SERVIÇO

PRESTADO.

EDISVÂNIO NASCIMENTO.

MUDANÇAS NO CENÁRIO DO

TERRITÓRIO DO SISAL.

CAMILA OLIVEIRA

COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA –

PERSPECTIVAS

EDISVÂNIO NASCIMENTO.

CORDEL – COMUNICAÇÃO

COMUNITÁRIA

FICHA TÉCNICA

CORDEL – COMUNICAÇÃO

Page 55: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

53

INSERT – IMAGENS DAS

GRAVAÇÕES.

COMUNITÁRIA

EDISVÂNIO NASCIMENTO.

CORDEL – COMUNICAÇÃO

COMUNITÁRIA.

APRESENTAÇÃO – INFORMAÇÕES

SOBRE O TRABALHO

Page 56: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

54

ANEXOS

Page 57: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

55

TRAÇOS DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO SISAL17

Agora eu peço licença,

Para então me expressar,

Nestas breves palavras,

Pela arte de versejar,

Puxando pela memória,

Relembrando uma história,

Que vive a me apaixonar...

Essa história começa,

No final dos anos noventa,

O século foi o passado,

Quando tudo se movimenta,

Pois se sentia a necessidade,

De estabelecer a liberdade,

A comunidade estava atenta...

Quando falo de comunidade,

Refiro-me aos movimentos,

Sindicatos e Associações,

Todos lutando a contento,

Buscando a democracia,

Dizendo não a hipocrisia,

Foram partindo prá dentro...

Nesta mesma corrente,

Entraram as cooperativas,

Igrejas católica e evangélica,

Nas mesmas perspectiva,

Pela liberdade de expressão,

17

Cordel que está inserido no documentário, escrito por Edisvânio Nascimento, cordelista, estudante do 8º semestre de comunicação social – Radialismo da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e diretor executivo da rádio comunitária Santa Luz FM.

Page 58: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

56

Sofreram perseguição,

Pelas forças impositivas...

Essas forças eram os governos

Que estavam incomodados,

Com o fortalecimento,

Dos segmentos organizados,

Que fundavam uma comunicação,

Que permitisse a participação,

Das pessoas postas de lado.

Essas pessoas postas de lado

Era sem dúvida a grande maioria,

Pois os meios de comunicação,

São era para a classe da burguesia,

Políticos e empresários aliados,

Decidiam o que ia ser veiculado,

Determinavam o que a gente ouvia...

Então essas organizações,

Logo se articularam na região,

E juntas em seus municípios

Puxavam a mais forte reflexão,

Decidiram que rádio comunitária,

Tinha que ser prioridade necessária

Para democratizar a comunicação.

E assim foram fundando as rádios,

Por quase todo o Território do Sisal

E junto a esta luta, estava outra,

Que era também justa e fundamental,

Combater e erradicar o trabalho infantil

Assegurar todo o direito juvenil

Era uma questão mais que justa e moral...

Page 59: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

57

O PETI nasceu primeiro em Retirolandia,

E depois contagiou toda a região,

Já as rádios foram em Valente e Tucano

E deles e de lá começou a ploriferação

E as vozes logo se multiplicavam,

As Rádios Comunitárias chegavam,

Como instrumento de luta da população...

Neste contexto também,

Jamais podemos nos esquecer,

Das organizações parceiras,

Que fez esse movimento crescer,

O MOC foi fundamental,

E o UNICEF foi essencial

Para sonho se desenvolver.

Mesmo com esses apoios,

Enfrentamos dificuldades,

Com as perseguições da ANATEL

Que praticou barbaridades,

Junto com a Policia Federal,

Que foi monstruosa e brutal,

Ferindo a nossa dignidade...

Mas as lutas seguiam firmes

Em todo o Território sisaleiro,

Mesmo sofrendo as humilhações,

Neste pedaço de chão brasileiro,

Foram processos e apreensões,

Xingamentos e até agressões,

Fomos tratados como desordeiros.

As agressões que me referi

Page 60: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

58

Não só foram as psicológicas,

Mas também as físicas,

Quero que entendam essa lógica,

Era o governo na democracia,

Mostrando a sua face sombria,

E as explicações demagógicas...

Era prefeito mandando fechar rádio,

E os empresários também,

Por outro lado os movimentos,

Mostrando as forças que tem,

Lutava e fazia a mobilização

MOC e UNICEF com capacitação,

Pois quem busca a vitória vem...

O movimento de rádios comunitárias

Foi crescendo apesar das dificuldades,

Quando chegamos no ano 2000,

Isso já era a mais bela das realidades,

As rádios se mobilizavam e se reuniam,

Juntas pensavam e também discutiam,

Por uma comunicação de qualidade...

Os reconhecimentos começaram

A surgir de todos os lados,

Pelos trabalhos desenvolvidos,

Deixando os governos incomodados,

Com isso aumentava a repressão,

Queriam calar a voz do sertão,

Usando o aparelhamento do Estado...

Assim as rádios comunitárias,

Eram duramente perseguidas,

Por querer dar voz ao povo,

Page 61: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

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Eram pelo Estado, reprimidas,

Mas mesmo sofrendo a repressão,

Fizeram uma forte mobilização,

Em prol das classes esquecidas.

As rádios comunitárias se uniram

Em todo o Território do Sisal,

Trazendo muitas conquistas,

E uma delas muito fundamental,

Junto com a UNEB discutiram,

Lutaram até quando conseguiram,

Trazer o curso de comunicação social.

A UNEB investiu neste sonho

E hoje já temos turmas formadas,

Cada um buscando se dedicar,

Seguindo a sua caminhada,

Exercendo a sua cidadania,

Em favor da nossa democracia,

Sonhando vê-la consolidada.

Sonhando em ver consolidada

A democracia da comunicação,

Pois ainda temos muito a fazer,

Para que haja esta consolidação,

Libertar as rádios comunitárias

Destas formas cruéis e arbitrárias,

Destes governos de opressão...

As Leis que dizem lhes regulamentam,

É uma mentira abusiva e imoral,

Que fere os princípios da democracia,

Para as rádios comunitárias é um mal,

Isso está no país inteiro,

Page 62: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

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E no Território Sisaleiro,

A perseguição ainda é real.

A comunicação comunitária

Tem contribuído intensamente,

Para o fortalecimento da democracia,

No Território do Sisal certamente,

Aqui ela já fortaleceu e contribuiu,

Quem prestou atenção já viu,

Eu digo isso alegremente.

Foram várias as contribuições,

Porém cabe uma exemplificação,

Falamos de cultura, lazer e esporte,

Saneamento, saúde e educação,

Política agricultura, Direitos e cidadania

Meio ambiente e moradia,

Isso é democratização...

Preservamos a memória e a história

Lutamos pela identidade regional,

Valorizamos nossas lutas,

No Território do Sisal,

Que a comunicação chegue um dia

A mais plena democracia,

Pois isso será sensacional.

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A Constituição Federal de 1988

Titulo VIII Dá Ordem Social

CAPÍTULO V DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer

forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta

Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de

informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no

art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

§ 3º - Compete à lei federal:

I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a

natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua

apresentação se mostre inadequada;

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se

defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no

art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à

saúde e ao meio ambiente.

§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e

terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e

conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

§ 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de

monopólio ou oligopólio.

§ 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos

seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive

sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais

estabelecidos em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens

é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, aos quais caberá a

responsabilidade por sua administração e orientação intelectual.

§ 1º - É vedada a participação de pessoa jurídica no capital social de empresa jornalística

ou de radiodifusão, exceto a de partido político e de sociedades cujo capital pertença

exclusiva e nominalmente a brasileiros.

§ 2º - A participação referida no parágrafo anterior só se efetuará através de capital sem

direito a voto e não poderá exceder a trinta por cento do capital social.

Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens

é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas

constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 36, de 2002)

§ 1º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das

empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta

ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão

Page 64: TCC de Douglas Santos, Jussara Oliveira e Luís Aselmo

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obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)

§ 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação

veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em

qualquer meio de comunicação social. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 36, de

2002)

§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada

para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma

de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução

de produções nacionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)

§ 4º Lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas empresas de que trata o § 1º.

(Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)

§ 5º As alterações de controle societário das empresas de que trata o § 1º serão comunicadas

ao Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização

para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da

complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

§ 1º - O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a contar do

recebimento da mensagem.

§ 2º - A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo,

dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.

§ 3º - O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do

Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.

§ 4º - O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de

decisão judicial.

§ 5º - O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e de

quinze para as de televisão.

Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu

órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.