Upload
uneb
View
478
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Citation preview
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL - RADIALISMO
DOUGLAS SANTOS DE OLIVEIRA JUSSARA OLIVEIRA DE SOUZA
LUIS ANSELMO OLIVEIRA DA SILVA
VOZES LIBERTADORAS: MEMÓRIAS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO
TERRITÓRIO DO SISAL
CONCEIÇÃO DO COITÉ 2013
DOUGLAS SANTOS DE OLIVEIRA JUSSARA OLIVEIRA DE SOUZA
LUIS ANSELMO OLIVEIRA DA SILVA
VOZES LIBERTADORAS: MEMÓRIAS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO
TERRITÓRIO DO SISAL
Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Comunicação Social - Habilitação em Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial de obtenção do grau de bacharel em Comunicação, sob a orientação da Professora Me. Carolina Ruiz.
CONCEIÇÃO DO COITÉ 2013
Silva, Luis Anselmo Oliveira da
S586v Vozes libertadoras: memórias do processo de construção da
Comunicação comunitária no território do sisal.
-- / Luis A. O. da Silva; Douglas Santos de Oliveira e Jussara
Oliveira de Souza. Conceição do Coité: O autor, 2013.
621fl.; 30 cm.
Orientador: Profª. Ms. Carolina Ruiz Macedo .
Trabalho de Conclusão de curso - TCC (Graduação) –
Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Educação, Conceição do Coité, 2013
1. Comunicação - Comunitária. 2. Documentário
3. Memória. I. Carolina Ruiz Macedo. II. Universidade do
Estado da Bahia. Departamento de Educação – Campus XIV.
III. Título.
CDD 302.2 -- 20 ed.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Departamento de Educação – Campus XIV - UNEB
DOUGLAS SANTOS DE OLIVEIRA JUSSARA OLIVEIRA DE SOUZA
LUIS ANSELMO OLIVEIRA DA SILVA
VOZES LIBERTADORAS: MEMÓRIAS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO
TERRITÓRIO DO SISAL
Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Comunicação Social - Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, sob a orientação da Professora Me. Carolina Ruiz.
Data:__________________________________________
Resultado:______________________________________
BANCA EXAMINADORA
Professor Me. Carolina Ruiz de Macedo (orientador)
Assinatura______________________________________
Prof. Me. Marcos Cezar Botelho de Souza (UNEB)
Assinatura_____________________________________
Prof. Me. Tiago santos Sampaio (UNEB)
Assinatura_____________________________________
Dedicamos esta produção aos nossos pais e irmãos, e,
em especial, a Julieta Oliveira de Souza, Maria da Silva
Santos, Allan Lima e Edisvânio Nascimento, pelo carinho,
pelas preces, pelo apoio incondicional que ao longo dessa
jornada foram imprescindíveis.
AGRADECIMENTOS
A Deus e nossa mãe Maria...
É assim que propomos esse breve agradecimento, como algo que não
necessita de citações detalhadas. Então, nossa gratidão nos dá o direito de escrever
assim... Pois os sentimentos são os mais sinceros...
Um singelo, carinhoso e demorado abraço de agradecimento à nossa
família...
Um abraço de agradecimento a nossa orientadora, Carolina Ruiz, pela
construção de ideias e conhecimentos, pelo compartilhamento do saber.
Um profundo agradecimento à Edisvânio Nascimento, e a todos os
nossos entrevistados pela ajuda e atenção nos momentos em que os recorremos.
Um “viva” de agradecimento aos nossos amigos. Aos nossos
companheiros (amigos) de trabalho, pela flexibilidade e compreensão, sem queixas,
das ausências necessárias à conclusão deste trabalho. Amigos de uma vida, que
fazem a nossa ser bem mais colorida.
A todos aqueles que de alguma forma colaboraram durante o processo de
realização desse trabalho, nosso MUITO OBRIGADO(A)!
Recordar nunca é uma ação tranquila de introspecção ou de retrospecção. Esta é uma recordação dolorosa, o reagrupamento de um passado desmembrado para que o trauma do presente possa ter sentido.
Homi K. Bhabha. 1994
RESUMO
Por meio da produção de um documentário, o presente trabalho busca registrar as memórias individuais dos militantes que participaram do processo de luta e conquista da comunicação comunitária no Território do Sisal. O pressuposto teórico parte da ideia do documentário enquanto “lugar de memória”, buscando compreender, a partir das leituras e entrevistas, como o fenômeno das rádios comunitárias e a criação de entidades de comunicação fizeram com que os atores sociais instituíssem a comunicação como fundamental para a mobilização social no território. A fim de realizar o documentário, também nos debruçamos sobre pesquisas bibliográficas para entender as possibilidades criativas do documentário e então proceder às escolhas estéticas do produto final. Palavras-chave: Comunicação Comunitária; Território do Sisal; Documentário; Memória.
ABSTRACT
Through the production of a documentary, this present work seeks to register the individual memories of the activists who have been participating in the struggle process and achievement of the community communication in the Sisal Territory. The through them, build the idea of the documentary while “memory’s place”, waiting understand, through of the reads and interviewers, similar the community radios fenomeno and a create of entities of communication did with the social actors made a communication who social mobilization in the territory. In order to make a documentary, also went through the library research to understand the creative possibilities of the documentary and then proceed to the aesthetic choices of the final product. Key words: Community Communication, Sisal Territory, Documentary. Memory.
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Figura 1: Mapa do Território do Sisal ........................................................................ 17 Figura 2: Quadro do cronograma de atividades ........................................................ 36 Figura 3: Quadro do orçamento das despesas ......................................................... 37
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................. ..................................................................................... 10
2. COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA: CONCEITO E HISTÓRIA .............................. 13
2.1 A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO SISAL .................. 16
2.2 MUDANÇAS DE CENÁRIO ............................................................................. 20
3. MEMÓRIA E DOCUMENTÁRIO: O FLUXO DA ORDEM DO IMAGINÁRIO E DA
IMAGINAÇÃO................... ........................................................................................ 23
3.1 MEMÓRIA: DESEJO DE REGISTRO .............................................................. 23
3.2 DOCUMENTÁRIO: CONCEITOS E FORMAS ................................................. 26
4. UNIDADE, CONFRONTOS E DIVERSIDADE... O FAZER DOCUMENTÁRIO .... 33
4.1 PRÉ- PRODUÇÃO .......................................................................................... 33
4.2 PRODUÇÃO .................................................................................................... 37
4.2.1 DETALHAMENTO DAS GRAVAÇÕES ..................................................... 38
4.3 PÓS-PRODUÇÃO ............................................................................................ 41
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 43
REFERÊNCIAS............ ............................................................................................. 45
APÊNDICE....................... ......................................................................................... 48
ANEXOS.................................................................................................................... 54
10
1. INTRODUÇÃO
As rádios comunitárias surgiram no Território do Sisal na década de 1990,
como expressão dos movimentos sociais da região, dando início à luta pela
democratização da comunicação no território. Peruzzo (2007) diz que a democracia
no poder de comunicar é condição para a ampliação da cidadania. Mesmo ainda não
tendo alcançado todos os objetivos dos movimentos, as rádios comunitárias têm a
missão de mobilizar os interesses sociais da comunidade, desempenhando um
papel social fundamental para o fortalecimento da sociedade, através de seus
discursos e debates a respeito da cultura, educação, meio ambiente, saúde, políticas
públicas, entre outras questões.
Não há como falar em comunicação comunitária no Território do Sisal
sem citar o papel das rádios comunitárias. Foram elas instrumentos iniciais para a
comunicação comunitária no território e através delas a comunidade teve a
possibilidade de ter voz e de expressar suas opiniões. Ou seja, as rádios tornam a
comunidade não somente receptora da mensagem, mas também protagonista da
mensagem e de como ela é gestada. Para Peruzzo (2007), a comunicação
comunitária que vem sendo gestada dentro dos movimentos populares é produzida
no âmbito das comunidades e de agrupamentos sociais com identidades e
interesses comuns. Sendo assim, é uma comunicação que deve se comprometer
com os interesses da comunidade, visando seus direitos e deveres de cidadania.
A comunicação comunitária, quando desenvolvida em base democrática,
simboliza o acesso democrático e a partilha do poder de comunicar. É um processo
em que todo receptor de mensagens dos meios de comunicação tem o potencial de
se tornar sujeito de comunicação, um emissor (PERUZZO, 2003, p. 250). Mas,
considerando o processo de implantação da comunicação comunitária no Território
do Sisal, nos deparamos com um conquista árdua. Muitas lutas aconteceram para
que a comunicação deixasse de ser simplesmente um “sonho” e se tornasse uma
realidade no território. Para isso mobilizações, reuniões, plenárias, discussões
políticas e sociais, processos e repressões fizeram parte da construção da
comunicação comunitária na região.
Para a realização do projeto experimental, este trabalho se propôs a
produzir um documentário com a predominância da representação fílmica no modo
11
participativo, apresentando as memórias da construção da comunicação comunitária
no Território do Sisal. Tal abordagem busca ouvir os militantes que participaram do
processo de luta e conquista da comunicação comunitária no Território do Sisal;
aprender como se dá a construção das mobilizações sociais pelos movimentos, suas
articulações, e como se organizaram em prol da comunicação comunitária no
Território Sisaleiro.
Sendo assim, este trabalho propõe-se a registrar a memória de cada
entrevistado, entendendo que estes são fragmentos que compõem a memória
coletiva de uma comunidade no processo de sua identidade, servindo para uma
reflexão e entendimento do mundo ao qual pertencemos e atuamos.
Embora a discussão sobre a comunicação comunitária seja um tema
recorrente no contexto social e histórico do território (de grande importância para a
implantação do curso de Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV1 no
campus da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, em Conceição do Coité), até
o momento não há registro audiovisual sobre essa temática.
A produção em documentário diferencia-se de outros trabalhos já
apresentados relacionados a este tema, dando a possibilidade através da dinâmica
de inserção de imagens de arquivo, sons, materiais até então não vistos, e trazendo
ao tempo presente momentos que tenham sido esquecidos ou até então nunca
levantados ou questionados. Além disso, a partir de uma nova forma de
apresentação, novos públicos podem ser atingidos e outras ideias e conclusões a
serem suscitadas.
Assim, dar voz a este tema através do audiovisual pode ser uma
contribuição a mais que venha a favorecer a formação de políticas públicas de
comunicação para o Território do Sisal. Para Nichols (2005), a concepção de voz
está intimamente ligada à forma como o cineasta expressa uma perspectiva, como
ele transmite e representa sua visão sobre questões, problemas e características do
mundo histórico. Contudo, essa voz não está limitada apenas ao que é dito
verbalmente ou narrado, mas abrange todos os mecanismos que o cineasta dispõe
para criar seu argumento.
A voz está claramente relacionada ao estilo, a maneira pela qual um filme, de ficção ou não, molda seu tema e o desenrolar da trama ou
1 O curso de comunicação Social é uma demanda dos movimentos sociais da região.
12
do argumento de diferentes formas, mas o estilo funciona de modo diferente no documentário e na ficção. A ideia da voz do documentário representa alguma coisa como “estilo com algo mais”. [...] A voz do documentário releva uma forma distinta de envolvimento do mundo histórico (NICHOLS, 2005, p.74).
O primeiro capítulo deste memorial detém-se em um debate teórico do
conceito de Comunicação Comunitária, a necessidade de apropriação de uma
comunicação voltada para os interesses da comunidade e a atuação da
comunicação comunitária nesse ambiente social. Apresenta um apanhado histórico
da Comunicação Comunitária no Território do Sisal, pontuando os aspectos
econômicos, políticos, sociais e culturais do território, assim como o seu
fortalecimento através da organização popular.
O segundo capítulo é destinado a discussões acerca do conceito de
documentário e sobre as técnicas para a construção do vídeo, seguindo as teorias
de Nichols (2005), Lins (2004/2008), Ramos (2008), Penafria (1999) e Puccini
(2012). É nesse contexto que pretendemos discutir e entender como o documentário
se apropria da memória e a memória se apropria do documentário para a construção
de uma memória social. O documentário “diz respeito às nossas vidas, às nossas
memórias, ou seja, ao universo humano” (PENAFRIA, 1999, p. 6).
O terceiro capítulo descreve as fases de produção do documentário,
desde a construção da ideia, passando pela pesquisa de campo, gravações,
dificuldades enfrentadas, edição e conclusão do produto, seguindo a linha “pré-
produção, produção e pós-produção”.
13
2. COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA: CONCEITO E HISTÓRIA
A comunicação é um direito de todo cidadão, tendo ela abrangência em
todos os níveis sociais, com objetivo de informar e contribuir para a construção da
cultura social, educação e identidade de um povo (PERUZZO, 2004). Diversas
mudanças sociais acontecem mediante o contato entre os sujeitos e a informação.
Através do direito à comunicação, que por sinal é “garantido” pela constituição2, o
indivíduo tem acesso aos meios de comunicação na condição de emissor e difusor
de conteúdos. A participação ativa do cidadão, como protagonista da gestão e da
emissão de conteúdos, propicia a constituição de processos educomunicativos,
tornando-o protagonista da história da sociedade.
O conceito de comunicação comunitária está intimamente associado à
busca pela legitimação da cidadania, democracia e outros fatores que não
contemplam de fato os excluídos da sociedade. Na visão de Peruzzo (2003), revela-
se como um fenômeno complexo, pois não tem a viabilidade amplificada como no
caso da grande mídia, além de poder ser compreendida de diferentes maneiras3.
Contudo, são necessários alguns princípios fundamentais para a legitimação de uma
comunicação comunitária, ou seja, não basta que a mesma seja de baixo alcance e
que se destine a pequenas localidades.
Segundo Peruzzo (idem, p. 246):
A comunicação comunitária diz respeito a um processo de uma “comunidade”, não apenas como receptores de mensagens, mas como protagonistas dos conteúdos e da gestão dos meios de comunição. O que não quer dizer que outras formas não tão democráticas de fazer comunicação (por exemplo, aquelas centralizadas em pessoas ou em pequenas equipes, conteúdos produzidos fora por especialistas espaços para conteúdos de caráter público na programação de meios comerciais) possam ser prontamente descartadas como não comunitárias. Há que se observar cada caso, cada experiência, pois tudo depende das condições locais, das identificações que se consegue realizar, do significado dos “serviços” prestados em cada lugar.
2 Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) 3 Diferentes manifestações de comunicação que ocorrem em nível local são colocadas
indiscriminadamente sob o rótulo de comunitárias.
14
No Brasil a história da comunicação sempre esteve rodeada por grupos
políticos e interesses pessoais; suas programações tinham abrangência nacional,
privando o povo de uma programação regional. Diante desse cenário da
comunicação brasileira, na década 70, surgem os primeiros movimentos populares
em prol de uma comunicação feita pelo povo e para o povo, na qual participaram os
movimentos sociais, sindicatos, grupos de líderes comunitários que lutaram para que
a comunicação comunitária deixasse de ser um projeto e se tornasse uma realidade
em muitas comunidades no território nacional.
Movimentos populares são manifestações e organizações constituídas com objetivos explícitos de promover a conscientização, a organização e a ação de segmentos das classes subalternas visando satisfazer seus interesses, como os de melhorar o nível de vida, através do acesso às condições de produção e de consumo de bens de uso coletivo e individual; promover o desenvolvimento educativo-cultural da pessoa; contribuir para a preservação ou recuperação do meio ambiente; assegurar a garantia de poder exercitar os direitos de participação política na sociedade e assim por diante. (PERUZZO, 2004, p.3)
Para Peruzzo (2004, p. 2-3), a comunicação é mais que meios e
mensagens, pois se realiza como parte de uma dinâmica de organização e
mobilização social, marcada por uma proposta de transformação social e, ao mesmo
tempo, de construção de uma sociedade mais justa, abrindo possibilidades para a
participação ativa do cidadão comum como protagonista do processo. Deste modo,
diante da concentração dos canais de comunicação nas mãos de poucos, fato que
restringe a democratização, surge a Comunicação Comunitária– que tem o propósito
de viabilizar a todos o direito de comunicar-se – como meio alternativo para atender
aos interesses e necessidades coletivos.
A comunicação comunitária surge no âmbito dos movimentos populares,
sendo ela construída em comunidades, grupos sociais e organizações de interesses
comuns com a comunidade em que estão inseridos. Cada região produz sua
comunicação baseada na região e cultura de seu povo, valorizando suas crenças,
histórias e patrimônios locais. A linguagem e a programação devem estar em
sintonia com o contexto local, sempre valorizando sua cultura e apresentando de
15
forma educativa outras culturas e a luta pelos direitos, bem como o cumprimento dos
deveres.
A comunicação comunitária é entendida erroneamente por muitos como
uma comunicação feita para as pessoas de baixa renda, mas, para Deliberador e
Vieira (2005, p. 8), é o canal de expressão de uma comunidade independente do
seu nível socioeconômico e território, por meio do qual os próprios indivíduos podem
manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes. Por ser um
instrumento de prestação de serviços e formação do cidadão, deve ter sempre a
preocupação de estar em sintonia com os temas da realidade local.
A comunicação comunitária é, portanto, uma forma particular de
expressão da própria sociedade. Sendo assim, Peruzzo (2003) cita a valorização do
local na sociedade contemporânea. Mesmo no auge da globalização e em tempos
de comunicações de longas distâncias, as pessoas se interessam pelo que está
próximo, pelo que atinge diretamente suas vidas e demonstram valorizar as coisas
da comunidade, pois querem saber dos acontecimentos que ocorrem ao seu redor.
Ainda segundo Peruzzo (2011), é uma comunicação que se compromete, acima de
tudo, com os interesses das “comunidades” onde se localiza e visa contribuir na
ampliação dos direitos e deveres de cidadania. Sendo assim, a comunicação
comunitária está a serviço de todo um povo, visto que todos fazem parte de uma
mesma sociedade, mesmo estando em lugares diferentes.
Até os anos 1990, a comunicação comunitária era vista como um meio de
mobilização e expressão de movimentos sociais; após um amplo trabalho de
reflexão de seu real papel na sociedade, percebeu-se que a comunicação
comunitária é um direito de cidadania. A partir daí surgem as lutas pela
democratização da comunicação, políticas nacionais para a efetivação e legitimação
de meios e instrumentos de comunicação do povo, como rádios e TVs, jornais
locais/regionais e boletins informativos, meios de comunicação construídos a partir
das realidades das comunidades.
16
2.1 A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO SISAL
Localizado na região semiárida do País e no Nordeste do Estado da
Bahia, o Território do Sisal tem essa denominação por causa da planta que se
caracteriza como principal fonte de atividade econômica da região. O sisal, ou agave
sisalana perrine, é originário do México e foi introduzido na Bahia em 1903. Por ser
“uma planta rústica e suculenta, de cor verde, folhas lisas e com grande capacidade
de retenção de água da chuva e orvalho” (MARQUES, 2002, p. 15 apud MORAIS,
2011, p. 186), se adaptou ao clima da região e possibilitou grandes mudanças para
a vida da população, fornecendo subsídios para a permanência do homem no
campo continuando a ser uma das principais bases de apoio da economia regional.
O Território do Sisal é constituído por 20 (vinte) municípios e é habitado
por 582.329 pessoas numa extensão territorial de 20.154 km², o correspondente a
3,5% do Estado da Bahia (IBGE, 2010). A agricultura ocupa a grande maioria da
força de trabalho do território, contudo, o sisal é umas das atividades econômicas
mais importantes para a região. O Território do Sisal enfrenta muitos problemas
sociais. Um deles é a estiagem, por isso há uma grande atuação das organizações
sociais, incentivando técnicas de agricultura familiar e a utilização da água
corretamente. São sindicatos, associações, cooperativas, organizações de
mulheres, dentre outros, visando o desenvolvimento sustentável do meio rural e a
luta contra a exclusão social, cultural e política. Ou seja, "[...] contrastando com a
ideia de miserabilidade e inviabilidade, destaca-se por uma imagem de fibra e
resistência, pautada na forte mobilização da sociedade civil" (FERREIRA;
MOREIRA, 2005, p.2).
Discutir a comunicação enquanto direito, e mais especificamente a
comunicação comunitária, é apresentar às esferas da sociedade que todos podem
fazer parte da construção de uma comunicação que esteja voltada para as
pequenas comunidades. Quando a discussão está inteiramente condicionada ao
Território do Sisal, não se muda o discurso nem tampouco os objetivos, sendo eles
os mesmos, tornar a comunidade agente construtora da comunicação de sua
localidade, valorizando suas raízes sociais e democratizando os meios de
comunicação em que sua comunidade está inserida.
17
MAPA DO TERRITÓRIO DO SISAL4
Dessa forma, os movimentos sociais do Território do Sisal têm uma
história de muitas lutas, ganhando destaque no ambiente nacional pelo processo de
participação social e construção da cidadania para a transformação da realidade do
território. Como em toda América Latina, a cultura política e comunicacional da
região sisaleira é também marcada pelas relações autoritárias. Consequentemente,
o processo de participação social se mostra imprescindível na busca do bem comum
e a valorização do coletivo, ou seja, a construção da cidadania.
Em meio a esse cenário, os movimentos percebem a necessidade de
adotar instrumentos de comunicação mais massivos, capazes de difundir mais
rapidamente as reivindicações, informações e notícias sobre as condições vividas no
território. Neste período, mais especificamente no final dos anos 90, surgem as
primeiras experiências em rádios comunitárias, as quais vão dar o tom do novo
cenário comunicativo instalado na região (MOREIRA, 2007, p. 108).
4 Fonte: http://www.ebda.ba.gov.br/pactofederativo/index.php?id=territorio-sisal
Figura 1: Mapa do Território do Sisal
18
Começa assim a aplicação dos usos da comunicação como elemento
estratégico no território para juntar os esforços de indivíduos e grupos sociais em
forma de ação coletiva, garantindo uma reorganização do sistema comunicativo
local. Até então os movimentos só faziam uso da comunicação através de
encontros, seminários, cartilhas, informes e uso eventual da mídia para denúncias.
Baseados na necessidade e nas garantias constitucionais à liberdade de
expressão5, as rádios comunitárias foram implantadas em diversos municípios do
Território Sisaleiro. Segundo Ferreira e Moreira (2005, p. 06),
as rádios comunitárias [...] traduzem a fragmentação da comunicação na experiência dos movimentos, e também a apropriação destes dos novos cenários comunicativos como estratégia das lutas simbólicas locais. Essas rádios são fruto da necessidade de acesso, produção e difusão destas novas abordagens simbólicas.
As rádios foram apoiadas pelos movimentos sociais locais, como o
Movimento de Organização Comunitária (MOC), a Associação de Desenvolvimento
Sustentável Solidário da Região Sisaleira (APAEB), os Sindicatos de Trabalhadores
Rurais e Polos Sindicais e grupos ligados às Comunidades Eclesiais de Base da
Igreja Católica. Contaram também com o suporte financeiro de organismos
internacionais de cooperação como a CRS (Catholic Relief Services)6, entidade
europeia ligada á Igreja Católica (MOREIRA, 2007). As rádios comunitárias foram os
mais fortes mecanismos de utilização de estratégia, não apenas de acesso e difusão
de informações ligadas ao movimento, mas inovaram também ao refletir a ideia de
uma produção e gestão coletivas compartilhadas e voltadas ao desenvolvimento
local, pois
[...] foram os primeiros mecanismos de utilização das novas tecnologias na elaboração de contradiscursos. Elas traduzem a fragmentação da comunicação na experiência dos movimentos e a apropriação destes dos novos cenários comunicativos como
5 Artigo 5°, inciso IX, prescreve: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença”. No seu artigo 215° estabelece que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e difusão das manifestações culturais”. (A Constituição Federal de 1988). 6 É uma agencia internacional de ajuda humanitária e desenvolvimento sustentável da Conferencia
Episcopal dos Estados Unidos. Que foi fundado em 1943 pelos bispos católicos dos Estados Unidos para ajudar os pobres e grupos desfavorecidos em outros países. No Brasil, a CRS apoia parceiros locais no nordeste, que promovem a convivência com o semiárido e os direitos humanos, visando a participação de comunidades em seu próprio desenvolvimento.
19
estratégia das lutas simbólicas locais (FERREIRA E MOREIRA, 2005, p. 6).
A luta da sociedade civil se refletiu na reação agressiva das elites, ou
seja, na dura legislação que regulamenta o serviço de radiodifusão comunitária. De
acordo com Moreira (2007), a regulamentação das telecomunicações no Brasil se
mantém inalterada desde o período ditatorial, permitindo a concentração dos meios
em poucos conglomerados, praticamente eliminando as possibilidades de relação
midiatizada entre os movimentos sociais e grande parcela da população.
De acordo com Bahia (2008) se a obediência aos preceitos constitucionais
não se dá de maneira tão rigorosa, o mesmo não ocorre quanto à legislação que
rege o serviço de radiodifusão comunitária no Brasil. O movimento reclama da
rigorosa restrição imposta pela Lei n.º 9.612/98, que, ao estipular a potência
máxima, raio de alcance e limite de altura da antena, delimita o já pequeno espaço
físico de transmissão das emissoras comunitárias.
Lei essa (Lei 9.612/1998) que limita o alcance das emissoras a um quilômetro
de raio e a potência dos transmissores a um máximo de 25 watts. Ou seja, difusão
em frequência modulada (FM), de baixa potencia e cobertura restrita feita por meio
de uma antena transmissora. Dai não poderia se esperar grande avanço, dispõe de
uma única frequência no dial7 para as milhares de emissoras, proteção contra a
interferências de emissoras comerciais e serviços de telecomunicação a serem
criadas, e isto só é modificado quando a Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações, autarquia federal que regula e fiscaliza os serviços de
telecomunicações do Brasil) descobre algum impedimento local, proíbe a captação
de recursos de publicidade para a sustentação da emissora, e além de tudo, não
garante às emissoras comunitárias. Como pode observar, a Lei é restritiva. Porém,
representa um avanço no sentido de regulamentar um setor da radiodifusão de
demanda crescente, tendo em vista a necessidade de mídias comunitárias no
processo de mobilização em torno da ampliação da cidadania. (PERUZZO, 1999).
A sociedade civil do Território do Sisal sentiu na pele o efeito de tantos
entraves e processos à medida que criou as emissoras comunitárias: Santa Luz FM,
em Santaluz; São Domingos FM, em São Domingos; Quijingue FM, em Quijingue;
7 Dispositivo para girar o capacitor de sintonia num rádio receptor, e que é, por via de regra, associado a uma escala indicadora da frequência sintonizada.
20
Arcos FM, em Retirolândia; Cultura FM, em Araci; Cruzeiro FM, em Tucano; Coité
livre FM, em Conceição do Coité; Valente FM, em Valente; Queimadas FM, em
Queimadas; Nordestina FM, em Nordestina; Lamarão FM, em Lamarão; Liberdade
FM, em Serrinha e Independente FM, em Ichú, totalizando treze emissoras
comunitárias entre os anos de 1997 e 20008.
Em 1998, com o apoio da CRS, o MOC viabilizou a aquisição de cinco
transmissores em (Araci, Serrinha, Retirolândia, Coité e Ichú) que viabilizaram a
montagem das primeiras emissoras. Mas, essas iniciativas resultaram em problemas
jurídicos, processos para algumas pessoas, apreensão de equipamentos e a
repressão, iniciando assim uma grande luta para a legitimação e regulamentação
para as rádios comunitárias e em prol da democratização da comunicação (MOC,
2005 apud NASCIMENTO, 2005, p. 24-26).
2.2 MUDANÇAS DE CENÁRIO
Com a mobilização pela comunicação comunitária no território, diversas
modificações foram surgindo. A primeira foi a população entender que na
comunicação comunitária, além de mobilização social e conscientização, é
necessária a participação popular.
Refletindo sobre isso, Peruzzo (2007, p.46) afirma que:
a comunicação, por meio de seus variados processos, que incluem canais de expressão e o intercâmbio de informação e de saberes, bem como os mecanismos de relacionamento entre pessoas, públicos e instituições, desempenha papel central na construção da cidadania.
Nesse cenário, algumas instituições que já vinham trabalhando para “o
despertar” da população ganham destaque na construção de um discurso que afirma
o homem do campo como sujeito modificador de sua história, capaz de dar não um
final para ela, mas um recomeço (OLIVEIRA, 2011, p. 51) . Entre estas instituições,
8 Informação fornecida em entrevista pelo Diretor Executivo da Rádio Comunitária Santa Luz FM,
Radialista e Membro titular do primeiro Conselho Estadual de Comunicação, Edisvânio do Nascimento Pereira, em Novembro de 2013.
21
destacamos os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs), as Associações dos
Pequenos Agricultores do Estado da Bahia (APAEBs), o Movimento de Organização
Comunitária (MOC), as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), além de outras
organizações que foram aderindo ao movimento. Dentre os grandes feitos desse
movimento, institui-se a Associação Brasileira de Rádio e TVs Comunitária no
Território do Sisal (ABRAÇO-SISAL), que com ela, segundo Nascimento e Mota
(2012), “ajudam de forma decisiva nos debates provocativos em favor da aprovação
do Curso de Comunicação Social com ênfase em Rádio e TV no Campus XIV, da
Universidade do Estado da Bahia em Conceição do Coité”.
Toda a comunicação que se produzia nesse espaço contribuía para
aumentar o número de cidadãos e entidades que reivindicavam um território livre da
opressão, que garantisse os direitos básicos para sua população, não a posição “de
opressores”, mas a oportunidade de construir uma sociedade onde todas as classes
tivessem o direito de ouvir e falar.
A partir da comunicação comunitária houve uma eclosão de atividades
culturais no território, como sambas de roda, que por meio de transmissões
radiofônicas se tornaram mais conhecidas, bem mais ouvidas, e consequentemente
mais valorizadas por aqueles que até então não conheciam ou mesmo por aquelas
pessoasque apreciavam, mas não participavam mais dessas atividades.
O rádio também se tornou um veículo pelo qual a comunidade expressa
sua opinião mediante diversos assuntos que cercam a comunidade. Um exemplo
bastante comum nesse período foi a luta pela erradicação do trabalho infantil e pela
conscientização de que o lugar de criança e adolescente é a escola, tendo como
base legal o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Outra importante peça no cenário da comunicação social no Território foi
a inserção do item comunicação ao plano de desenvolvimento do CODES9, o que
caracteriza um diferencial do território. Com esses parceiros, o CODES busca
participar de espaços e redes de articulações e estratégias para o desenvolvimento
do Território do Sisal, incentivando e apoiando ações como o fortalecimento das
organizações da sociedade civil, realizando oficinas, debates, seminários, além de
contribuir para a implantação de projetos para a região.
9 Conselho Regional de Desenvolvimento Rural Sustentável da Região Sisaleira do Estado da Bahia
(CODES)
22
Outra conquista foi a inserção dos meios de comunicação como
conscientização do processo político democrático, quando, através de debates
político-partidários, a comunidade passou a conhecer os seus governantes, a
denunciar seus erros e a participar de forma ativa da caminhada política da região.
23
3. MEMÓRIA E DOCUMENTÁRIO: O FLUXO DA ORDEM DO IMAGINÁRIO E DA IMAGINAÇÃO
3.1 MEMÓRIA: DESEJO DE REGISTRO
A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e nesse sentido, ele está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconscientemente de suas deformações sucessivas, vulnerável e todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações (NORA, 1993, p. 9).
Neste sentido, a memória é um elemento presente nas sociedades e é
carregada pelos grupos de homens e mulheres que fundamentam ou afirmam sua
identidade. A memória pode ser evocada por estes grupos de acordo com seus
interesses, e em alguns casos pode ser suscetível à manipulação.
Partindo desse pressuposto, Pollak (1989) vem dizer que também
memória pode ser esquecida, dependendo do local e do que ela traz à tona. Porém,
o autor demonstra a força da memória silenciada.
O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes das redes familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas (POLLAK, 1989, p. 5).
Desta forma, a memória opera na esfera da lembrança e do
esquecimento, de acordo com os interesses das pessoas. Segundo Nora (1993), a
memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente. Assumindo
uma forma material, democratizando-se, como nos lembra o autor, hoje ela é
produzida por qualquer pessoa, já que “produzir arquivo é o imperativo da época”
(NORA, 1993, p. 16). Os “lugares de memória” procuram recuperar e manter vivo um
passado que se encontra ameaçado pela vivência do eterno presente, prolongado,
principalmente, pelos meios de comunicação.
24
[...] a razão fundamental de ser de um lugar de memória é parar o tempo, é bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial para [...] prender o máximo de sentido num mínimo de sinais, é claro, e é isso que os torna apaixonantes: que os lugares de memória só vivem de sua aptidão para a metamorfose, no incessante ressaltar de seus significados e no silvado imprevisível de suas ramificações (NORA, 1993, p. 22).
Assim, a memória atualiza o passado, sua leitura é sempre com bases
nas representações tanto por memórias coletivas quanto individuais. Para Nora
(1993), aceleração dos acontecimentos conduz a criação dos lugares de memória,
que definem a vontade de um determinado grupo em não perder a sua memória.
[...] presença do presente que se lembra do passado desaparecido, mas também presença do passado desaparecido que faz sua irrupção em um presente evanescente. Riqueza da memória, certamente, mas também fragilidade da memória e do rastro
(GAGNEBIN, 2006, p. 44).
No caso do Território do Sisal o que se percebe facilmente é a
necessidade constante de tematizar, lembrar, comentar e louvar a comunicação
comunitária em seu viés histórico – de implantação – assim como discutir as
nuances que assume atualmente. Diante do posicionamento dos autores
supracitados, pode-se interpretar essa tendência como uma estratégia de afirmação
e consolidação de um processo de reconstrução identitária. Muitas das memórias
trazidas à tona sobre esse processo são afetivas, se alimentam de lembranças que
fazem parte das concepções particulares ou simbólicas dos militantes entrevistados
(Edisvânio Nascimento, Camila Oliveira, Arlene Cristina Araújo, Paulo Marcos
Queiroz, Antonio Sampaio, Nayara Silva e Klaus Minihuber).
Pierre Nora (1993) também discute os limites conceituais da memória e
da história. Para o autor, a memória é um fenômeno puramente privado, é sempre
um processo vivido, conduzido por grupos vivos.
Segundo Halbwachs (2009, apud SANTOS, 2003), os indivíduos somente
se lembram do passado a partir do momento em que se colocam sob o ponto de
vista de uma ou mais correntes do pensamento coletivo. Para o autor, todas as
construções que fazemos sobre o passado fazem parte das construções sociais
existentes no presente. Para Halbwachs (2004), a memória partilhada por um grupo
não se confunde com a história. Ao contrário, a história começaria justamente onde
25
a memória acaba e a memória acaba quando não funciona mais como suporte em
um grupo. Em outras palavras, a memória é sempre vivida, física ou afetivamente.
Segundo a teoria da memória de Halbwachs, os indivíduos possuem imagens do
passado e por meio dessas imagens é que se identificam enquanto membros de
grupos sociais. Desse ponto de vista, esses indivíduos não se recordam sozinhos do
passado, e sim possuem referências enquanto grupo social, que vive pelas tradições
e diálogos que estabelecem enquanto grupo.
Não se trata mais de lidar os fatos sociais como coisas, mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas, como e por quem eles são solidificados e dotados de duração estabilidade. Aplicada à memória coletiva, essa abordagem irá se interessar portanto pelos processos e pelos atores que intervêm no trabalho de constituição e de formalização das memórias (POLLAK, 1989, p. 2).
A respeito dos dados constituintes da memória, Pollak (1989) mostra três
elementos que referendam a memória individual e coletiva. O primeiro elemento diz
respeito aos acontecimentos, pois eles podem tanto ser vividos pessoalmente, como
também vividos indiretamente, ou seja, vivenciados pela coletividade na qual o
sujeito sinta-se pertencente. O segundo elemento é constituído pelos personagens,
que podem ser as pessoas que aparecem no decorrer da vida, como também as
personagens encontradas indiretamente, mas que se tornaram conhecidas, mesmo
que tenham vivido em espaço e tempo diferentes. E, por último, são os lugares da
memória que servem de referência às lembranças pessoais ou grupais, mesmo que
direta ou indiretamente.
Mas como é difícil captar todas as lembranças para que elas não se
percam no tempo e no espaço, criam-se suportes que organizam e “enquadram” a
memória, possibilitando seu armazenamento por meio de um suporte exterior, algo
que fixe essa memória por meio de registro.
Dentro do campo do registro, pode-se dizer que o documentário também é percebido como uma forma “elevada”. Por lidar com imagens, esta produção fílmica garante para si grande credibilidade. As imagens de um filme, ficcionais ou não, existiram em algum momento da história, pois foram registradas por uma câmera. Muito mais do que um documento escrito sobre um fato, que pressupõe a interpretação daquele que o escreveu, o documentário se aproxima, ou parece se aproximar, da realidade por sugerir uma relação direta entre espectador e acontecimento. A única mediação existente aí
26
seria realizada pela câmera, instrumento mecânico, ou seja, sem opiniões ou subjetividades para “contaminar” o registro do real (LIMA, 2005, p. 04).
A respeito desta concepção, Stam (1981, apud LIMA, 2005, p. 4) reforça
ainda dizendo que
o filme nos chega com a força de documento autêntico, pois sabemos, pelas leis da reprodução mecânica, que o que vemos na tela aconteceu de fato, em certo sentido, diante da câmera (...), a impressão fílmica da realidade, por sua vez, beneficia-se, em sentido literal ou figurado, da expressão da ideologia do visível.
O filme torna-se um objeto que capta as sensações e revive as
“dores/alegrias” do passado, e impede o esquecimento dos acontecimentos. ”O
filme-testemunho e documentário tornou-se um instrumento poderoso para os
rearranjos sucessivos da memória coletiva” (POLLAK, 1989, p. 11).
Sendo assim, a construção de um documentário audiovisual para a
utilização da memória como fonte torna-se de grande valia. Pois, por meio da
memória, será possível “resgatar o passado”, considerando o presente, obtendo
assim uma investigação viva e dinâmica, que será proporcionada pelo cinema, sem
menosprezar outras fontes.
3.2 DOCUMENTÁRIO: CONCEITOS E FORMAS
O documentário é um gênero audiovisual utilizado como forma de registro
dos acontecimentos ou fatos e expressão da sociedade. Segundo John Grierson10
(apud NICHOLS, 2005, p. 51) o documentário é o “tratamento criativo da realidade”,
porém essa definição não é o bastante para descrever a complexidade e as
características dos filmes de não-ficção. Surgem então diversos outros autores que
se dedicam à compreensão deste gênero contribuem com as suas discussões para
a ampliação dessa definição.
10
John Grierson é considerado um dos principais nomes da história dos primórdios do documentário. Foi o fundador da escola inglesa de documentário, na época em que trabalhou no Empire Marketing Board, agência governamental. Tal escola foi responsável pela afirmação institucional do gênero ao lançar as bases para o que hoje se denomina documentário clássico.
27
Para Bill Nichols (2005), um dos principais estudiosos do gênero, o
documentário é definido como uma representação de uma determinada visão de
mundo:
[o documentário] não é uma reprodução da realidade, é uma representação do mundo em que vivemos. Representa uma determinada visão de mundo, uma visão com a qual talvez nunca tenhamos nos deparado antes, mesmo que os aspectos do mundo nela representados nos sejam familiares. Julgamos uma reprodução por sua fidelidade ao original – sua capacidade de se parecer com o original, de atuar como ele e de servir aos mesmos propósitos (idem, p. 47).
Já Ramos (2008, p. 22) afirma que
o documentário é uma narrativa basicamente composta por “imagens-câmeras”, acompanhadas muitas vezes de imagens de animação, carregadas de ruídos, música e fala (mas, no início de sua história, mudas), para as quais olhamos (nós, espectadores) em busca de asserções sobre o mundo que nos é exterior, seja esse
mundo coisa ou pessoa.
Ramos enfatiza outra questão importante, também profundamente
enraizada no conceito de documentário: o documentário tem a capacidade de nos
transmitir uma impressão de autenticidade, ou seja, “de verdade”. Para Ramos, a
“noção de verdade, muitas vezes, se aproxima de algo que definimos com
interpretação.” Assim, pode-se dizer que ainda que certas asserções feitas em
documentário não possam ser encaradas como verdadeiras, estas não
necessariamente enfraquecem o status de documentário desta obra. (RAMOS,
2008). Como destaca Bill Nichols (2005), encontramos nos documentários histórias
ou argumentos, evocações ou descrições, que nos permitem ver o mundo sob um
novo ponto de vista. Podemos, portanto, encontrar através do gênero documentário
um retrato ou uma representação reconhecível do mundo.
Sabe-se que, desde seu surgimento, o documentário trouxe a proposta de
reproduzir a realidade. Essa ideia eternizou-se de tal forma que alguns estudiosos e
profissionais contemporâneos da área ainda se dedicam a derrubar a ideia de
monopólio da “verdade” impregnada no conceito de documentário. Seguindo o
28
argumento do Cinema Verdade11, Eduardo Coutinho, cineasta brasileiro, não
garante uma verdade do que está sendo apresentado pelos personagens no
documentário e sim uma verdade do encontro com esses personagens.
Algumas discussões em torno do que seria de fato documentário foram
realizadas à exaustão ao longo da história do cinema. Uma delas foi a busca dessa
definição através da oposição entre documentário e ficção. A dificuldade em
encontrar uma definição satisfatória, consistente o suficiente para convencer e se
cristalizar. Segundo Nichols (2005), alguns documentários se utilizam de práticas e
convenções que estão associadas à ficção, como, por exemplo, a encenação, o
roteiro, a interpretação e os ensaios. Da mesma forma, na produção de ficcionais,
também se utilizam de práticas convencionalmente do não ficcional, como filmagens
externas, improviso, câmeras portáteis, a presença de não-atores e imagens de
arquivos.
A fim de desconstruir essa oposição que sempre gerou uma hierarquia na
qual o cinema documentário assumia uma posição marginal, Nichols (2005) diz que
“todo filme é um documentário”, pois todos eles representam uma contextual ização
social de pessoas/culturas. Assim, para ele os filmes podem ser classificados em
documentários de satisfação de desejos e documentários de representação social,
considerando que cada tipo conta uma história, sendo essas histórias/narrativas de
espécies diferentes. Sobre o documentário de satisfação, também chamados de
ficção, o autor diz que esses filmes expressam de forma tangível nossos desejos,
frutos de nossa imaginação, medos, pesadelos e terrores, que se tornam concretos,
visíveis e audíveis, frutos de nossa imaginação. Esses filmes podem transmitir
verdade se assim quisermos. Podem criar mundos a serem conhecidos, ou nos
conduzir ao prazer de passar do mundo atual a outros mundos infinitos. Já os
documentários de representação social, segundo Nichols (2005, p. 26) podem
“representar de forma tangível aspectos de um mundo que já ocupamos e
compartilhamos”. Nele o cineasta apresenta uma matéria, de que é feita a realidade
social, de acordo com a seleção e organização feita pelo mesmo, pois esta.
“Expressa nossa compreensão, o que a realidade foi e o que poderá vir a ser” (2005,
p.26). O filme transmite significados e valores, porém isso acontece mediante a
11 A tradição do documentário sofreu grandes transformações a partir da década de 60, quando a evolução técnica dos equipamento cinematográficos criou aos documentaristas novas condições de trabalho. Surgiram então, diversas vertentes de trabalho documental no mundo, destacando-se entre elas o cinema verdade francês e o cinema direto americano.
29
interpretação e compreensão das pessoas; pode ser que se acredite ou não no que
está sendo apresentado.
Ramos (2008) afirma que, em sua forma de estabelecer asserções sobre
o mundo, o documentário caracteriza-se pela presença de procedimentos que o
singularizam com relação ao campo ficcional e complementa dizendo “o
documentário, antes de tudo, é definido pela intenção de seu autor de fazer um
documentário (intenção social, manifesta na indexação da obra, conforme percebida
pelo espectador)”.
Assim como Nichols, Ramos (2008, p. 25) defende que “antes de tudo, o
documentário é definido pela intenção do seu autor de produzi-lo”. E assim, Nichols
por sua vez, identifica seis modos de representação que se tornaram mais comuns
dentro do campo do cinema documental, sendo eles o poético, o expositivo, o
observativo, o reflexivo, o performático e o participativo.
Dentre eles, o modo participativo é que mais nos chama atenção pois
este envolve uma interação do cineasta com o personagem, sendo em forma de
entrevista, ou outras formas de envolvimento mais diretas. No documentário
participativo segundo Rouch e Morin (apud NICHOLS, 2005, p. 155), a forma de
filmar se baseia na ideia do “Cinema verdade” enfatizando a ideia da verdade de um
encontro e não de uma verdade absoluta ou manipulada. É uma verdade de uma
forma de interação, que só é permitida pela câmera.
No modo participativo mais especificadamente a entrevista provoca uma
interação entre cineasta e o entrevistado, fazendo com que o assunto abordado
torne-se mais comum entre ambos, fazendo com que haja uma boa quantidade de
informações conquistadas por uma “conversa”, ou seja, é uma prática de interação
entre dois lados. Nessa perspectiva, pensamos em produzir um documentário de
não ficção para dar voz ao movimento das mídias comunitária do Território do Sisal,
seguindo as características do modo participativo.
O documentário se constitui principalmente como registro, um arquivo da
nossa memória, uma testemunha ocular da história. “As imagens documentam uma
época, um determinado acontecimento, uma pessoa ou um país e representam cada
vez mais a ‘memória’ [...]” (LANGMAN, 1986, p. 31).
O cinema criou possibilidade de poder arquivar registros. Assim, o
historiador ganhou novas ferramentas e as populações passaram a consultar
relatos.
30
A memória tem dois momentos: conservação de sensações (o arquivo) e reminiscência (o ato de lembrar). O cinema tem estes dois aspectos, ele conserva, enquanto imagem, o registro de um tempo e espaço, e a sua fruição nos induz a uma lembrança (MOURA, 1999, p. 02).
Sendo assim, compreende-se que o documentário como arquivo da
memória pode se tornar como uma fonte de pesquisa histórica, do imaginário e da
memória coletiva, podendo ser construído a partir de memórias individuais. Este
fator reafirma o uso dos depoimentos, pois o corpo da fonte primária se evidencia de
modo a construir um enredo, em que há participação das referências encontradas
em arquivo. E dessa maneira a memória é considerada como:
[...] uma manifestação da vida que funda a personalidade e o imaginário dos indivíduos e dos grupos. Sua força é, ao mesmo tempo, sua fraqueza, porque ela dinamiza a ação em detrimento da pesquisa ‘intratável’ da verdade. A história é conhecimento, o documentário é memória: o testemunho é raramente ausente de suas lembranças, e tentado o mais frequentemente de as revisitar (GAUTHIER, 1995 apud MOURA, 1999, p. 02 ).
Segundo Moura (1999), a memória oral é o maior trunfo dos
documentários, eles dão maior credibilidade ao registro quanto mais eloquente for o
testemunho. “O documentário, portanto, se caracteriza como narrativa que possui
vozes diversas que falam do mundo e de si” (RAMOS, 2008, p. 24). Segundo a
autora Lucia José (2013), cada voz relata uma experiência singular já mediada como
enredo; todas as vozes devem constituir relatos que documentam; e, ainda, na
aproximação dos relatos/enredos, é possível identificar pontos de aproximação e de
diversidade entre o gênero documentário e a história oral.
Afinal, ninguém fala só pelo aparelho fonador; no uso do código verbal-
oral, a fonação se realiza a partir de um “jogo” em que são inseridos os gestos, as
expressões faciais, os movimentos do corpo que fala, as pausas, os sussurros, os
embargos e os sorrisos da voz, em fim tudo isso é levado em conta no documentário
(JOSÉ, 2013).
As pessoas carregam dentro de si suas vivências, impressões,
acompanhadas de suas aprendizagens. “Não guardam ou muitas vezes não revelam
tudo, pois a memória é sempre seletiva” (MOURA, 1999). Pois antes mesmo de
31
serem pronunciadas, as memórias já realizam um diálogo entre si, porque como os
indivíduos, não pertencem apenas a um grupo, e se inserem em múltiplas relações
sociais. As diferenças individuais de cada memória expressam o resultado da
trajetória de cada um ao longo de sua vida. A memória individual revela apenas a
complexidade das interações sociais vivenciada por cada um.
Pollak (1989) evidencia que por trás da memória coletiva existe uma
negociação entre as memórias individuais, e nesse jogo de negociação e conflito,
algumas memórias deixam de fazer parte dos registros e funcionam simplesmente
como elementos subversivos à memória oficial.
A memória é palavra viva, da qual emana a coerência de uma escritura; a
coerência de uma inscrição do homem e da sua história, pessoal e coletiva, na
realidade do destino. Rumor (2010) vem dizer que a memória permite ainda uma
estreita relação do presente com o passado e, da mesma forma, interfere no
processo atual. Através dela, os fatos que aconteceram são retomados no presente,
misturando-se às percepções imediatas, como também faz deslocar o pensamento
para uma análise das relações do futuro.
No documentário a câmera pode fixar um momento, mas este momento já
passou, no fundo o que ele traz é um “fantasma” deste momento, que de acordo
com Moura (1999):
Cinema é um fantasma do vivido. [...] ele cria uma ilusão de movimento e de realidade como estivesse acontecendo aquele momento em algum lugar, talvez apenas em nossa imaginação. Mesmo que este cinema seja, como sabemos uma memória parada no tempo (MOURA, 1999, p.05).
A partir dessas abordagens, nota-se então como o gênero documentário,
suporte de memória oral também pode ser duplamente significativo; outro elemento
constituinte que aproxima os dois é a entrevista. Feres (1996, apud JOSÉ, 2013, p.
06) destaca duas considerações essenciais, quando se trata de documentário:
primeiro é necessário ressaltar que as próprias entrevistas já são realizadas, predominantemente, visando responder àquelas mesmas preocupações temáticas da pesquisa. Segundo, porque, quando transformadas em sonoras, a decupagem e a edição fabricam sínteses que contém o ponto singular do relato de cada voz e por isso o conjunto delas já vai expondo as possibilidades de rumos que os textos fragmentos podem assumir.
32
Essa organização do filme realizada pelo cineasta é chamada por Nichols
de voz do documentário. Para ele, “[...] é a maneira especial, porque singular, de
expressar um argumento ou uma perspectiva [...] perspectivas claramente diferente
com vozes claramente distintas” (NICHOLS, 2005, p. 73).
Pollak (1989, p. 9) considera o filme um instrumento capaz de realizar o
enquadramento12 de memória, de reconstruir os fatos e apreender as emoções
através da imagem e dos sons:
Ainda que seja tecnicamente difícil ou impossível captar todas essas lembranças em objetos de memória confeccionados hoje, o filme é o melhor suporte para fazê-lo: donde seu papel crescente na formação e reorganização, e, portanto, no enquadramento da memória (idem, 1989, p.9).
De acordo com Michael Pollack (1989) o documentário é “um instrumento
poderoso para os rearranjos sucessivos da memória coletiva”, e apesar de não
trabalhar a realidade com fidelidade, é capaz de resgatar, preservar, conservar,
registrar e arquivar algo da memória social que ficará para o futuro. Sendo assim,
ousamos em produzir o documentário “Vozes Libertadoras”, conscientes de que este
é um característico “lugar de memória”, de acordo com o pensamento de Nora
(1993).
12 De acordo Michel Pollak, enquadrar a memória significa “reinterpretar incessantemente o passado
em função dos combates do presente e do futuro”, no qual um grupo constrói uma narrativa que deve ser socialmente legitimada na construção de uma memória social (1989: 9) Sobre o conceito de “enquadramento”, ver POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos históricos, Rio de Janeiro, 1989.
33
4. UNIDADE, CONFRONTOS E DIVERSIDADE... O FAZER DOCUMENTÁRIO
4.1 PRÉ- PRODUÇÃO
O período de pré-produção, como o próprio nome já diz, é uma
preparação para o momento de ação, ou seja, o momento em que realizamos as
gravações. Neste momento, concentramos nossos esforços em definir qual seria o
foco do nosso documentário, qual a abordagem e os recortes feitos para o estudo e
a busca de fontes sobre a temática, esta já definida no momento de conclusão do
Projeto.
Com apoio da nossa orientadora, professora Carolina Ruiz, buscamos
construir a base do projeto: assistir documentários, ler as referências teóricas, refletir
sobre formas de organização de filmes, criar critérios para a escolha dos
personagens (aqui tivemos colaboração especial do nosso colega e amigo Edisvânio
Nascimento, que foi a nossa “fonte primeira”, a partir do qual pudemos identificar e ir
em busca dos demais personagens), e estabelecer os primeiros contatos com estes
por e-mail e ligações para apresentar a proposta e agendar visitas e gravações.
Sem roteiro pré-definido, simplesmente com um esboço da produção do
documentário, fizemos superficialmente o reconhecimento de campo, para verificar a
viabilidade das gravações. Começamos também a produção textual do memorial.
Lins (2004, p. 11) aponta que um dos grandes diferenciais do
documentarismo é não utilizar roteiro, pois este “desvirtua esforços e corrói o que
mais se preza neste tipo de produção: a possibilidade de criação de algo inesperado
no momento da filmagem”. Por isso, é com um misto de registros, pontos de vista e
criatividade do diretor que se pode apontar, assim, para a unidade do vídeo
documentário.
[...] Para o diretor, o crucial em um projeto de documentário é a criação de um dispositivo, e não o tema do filme ou elaboração de um roteiro, o que, aliás, Coutinho se recusa terminantemente a fazer. O dispositivo é criado antes do filme e pode ser: “Filmar dez anos, filmar só gente de costas, enfim, pode ser um dispositivo ruim, mas é o que importa em um documentário” (LINS, 2004, p. 101).
34
Assim também “criamos” o nosso procedimento de filmagem, ou seja, o
nosso dispositivo que foi o de acionar a memória dos personagens relacionadas ao
processo de implantação e consolidação da comunicação comunitária no território.
Esse dispositivo acabou por definir também um critério para seleção dos
personagens: poderiam ser apenas pessoas que vivenciaram esse processo.
O roteiro só foi desenvolvido após a gravação, servindo para direcionar a
edição do vídeo. Considerando a classificação do documentário em subgêneros, o
produto deste presente trabalho, se enquadra no modo participativo, privilegiando a
interação entre entrevistado e diretor e tendo como foco a entrevista como fonte
histórica de informação. O modo participativo, descrito por Nichols (2005), enfatiza a
interação de cineasta e tema, ou seja, sua participação e conscientização de sua
interferência na realidade dos atores sociais – pois também se torna um ator social –
ficam evidentes para o público. A filmagem acontece em entrevistas ou outras
formas de envolvimento ainda mais direto, moldado ou determinado por aquilo que
ela registra (NICHOLS, 2005, p. 63). Com isto, o ponto de vista do cineasta fica mais
evidente.
Como mencionado anteriormente, sendo o objetivo do vídeo registrar
memórias relacionadas ao processo de consolidação da comunicação comunitária
no território, esse aspecto determinou a escolha dos personagens, assim como a
ênfase na palavra, na narrativa oral dos envolvidos, por entender que esta é uma
das formas de manifestação legítimas da memória. A voz do entrevistado é
privilegiada, ficando livre para, através da lembrança, fruto de sua memória,
apresentar fatos importantes das movimentações e conceitos que os mesmos dão
para a comunicação comunitária, bem como suas participações nesse processo.
Os ambientes das gravações foram escolhidos a partir de sua interação
com entrevistado. Todos foram feitos em seus respectivos ambientes de trabalho,
rádios e sedes das organizações da qual faziam parte. Fotos das entrevistas
também foram coletadas, como também imagens de arquivos foram solicitadas pela
equipe para tornar o produto mais rico em informação, valorizando o material de
arquivos das organizações.
Definidas as “locações”, procedemos a seleção dos entrevistados, que
foram escolhidos a partir do seu envolvimento na militância em prol da comunicação
comunitária e também por representar algumas organizações como MOC, AMAC,
ABRAÇO SISAL e algumas rádios comunitárias de grande expressão no Território.
35
A partir dessa observação, identificamos como colaboradores os
seguintes entrevistados:
Edisvânio Nascimento, radialista e diretor Executivo da Rádio
Comunitária Santa Luz FM, estudante do curso de comunicação social
da UNEB e membro titular do Conselho Estadual de Comunicação;
Camila Oliveira, presidente da Agência Mandacaru de Comunicação –
AMAC, e estudante do curso de comunicação social da UNEB;
Antônio dos Santos Sampaio, radialista da Rádio Comunitária Valente
FM e estudante do curso de comunicação social da UNEB;
Arlene Cristina Freire Araújo, coordenadora da Associação de Rádios
e TV Comunitária (ABRAÇO-Sisal);
Nayara Santos, coordenadora do Movimento de Organização
Comunitária (MOC) do Território;
Klaus Minihuber, jornalista e historiador austríaco, que no período de
desenvolvimento do movimento de comunicação comunitária no
território, era coordenador do Programa de Comunicação do MOC e
coordenador do projeto Comunicação Pelos Direitos na Região
Sisaleira;
Paulo Marcos Queiroz, comunicólogo, com habilitação em Rádio & TV
(UNEB); trabalhou com comunicação digital junto a jovens e lideranças
do movimento social e atualmente é assessor de comunicação da
prefeitura de Conceição do Coité.
Acreditamos ter através destes personagens um painel amplo de micro-
histórias e vivências que contribuam para contar o processo de consolidação da
comunicação comunitária da região. De certo existem muitos outros personagens de
grande relevância na construção desse processo que poderiam narrar outros
aspectos a partir das suas experiências, mas toda construção/criação envolve
escolhas.
O roteiro das entrevistas foi elaborado com uma sequência de perguntas
que norteariam e organizariam a narrativa dos entrevistados. Porém, não deve ser
entendido como um questionário estruturado, com uma sequência uniforme de
perguntas, mas como uma entrevista semiestruturada, servindo de guia para “puxar
o fio da memória” dos entrevistados.
36
Definidos os aspectos supramencionados, tínhamos o cronograma abaixo
para seguir e uma previsão de orçamento do projeto “Vozes Libertadoras“.
Cronograma13
Representação gráfica da previsão da execução do trabalho, na qual se
indicam os prazos em que se deverão executar as suas diversas fases.
ATIVIDADES
2013
Ago Set Out Nov Dez
Levantamento bibliográfico
(leituras e fechamentos)
X
Elaboração do projeto
Revisão do projeto de pesquisa X
Pré- produção x
Produção x
Pós produção X
Escrita do Memorial
Orientação X x x X
Entrega do produto X
Defesa x
Figura 2: Quadro do cronograma de atividades
13 Fonte: Elaborado pelos autores
37
Orçamento14
Discrimina as despesas do projeto que não foram financiadas pela
estrutura oferecida pela Universidade.
ITEM QTD VALOR UN. VALOR
TOTAL
Transporte 03 129,75 389,25
Alimentação 12 7,50 90,00
Telefone 09 13,00 117,00
DVD 03 2,00 6,00
Impressão do Memorial 03 40,00 120,00
Edição do vídeo 01 50,00 50,00
TOTAL 772,25
Figura 3: Quadro do orçamento das despesas
4.2 PRODUÇÃO
Devido a nossa pouca experiência, um dos maiores desafios da produção
foi escolher o posicionamento dos entrevistados diante da câmera. Segundo Puccini,
essas escolhas são decisivas para a leitura do documentário, para sua carga de
informação visual e seu rigor gráfico na composição da imagem, qualidades que
ajudam a definir um estilo de direção.
Na maioria das imagens foi priorizado o plano médio e primeiro plano,
para mostrar com clareza as expressões, e fazer com que os entrevistados
ocupassem um espaço de destaque no enquadramento.
14 Fonte: Elaborado pelos autores.
38
Para a captação do material audiovisual necessário para a realização do
vídeo aqui descrito, fizemos entrevistas em datas previamente agendadas nas
seguintes locações: Rádio Santa Luz FM, em Santaluz-BA, com Edisvânio
Nascimento; Rádio Valente FM, em Valente-BA, com Antonio Sampaio e Arlene
Cristina Araújo; na Agência Mandacaru, em Retirolândia-BA, com Camila Oliveira e
Nayara Santos; no Centro Cultural Ana Rios, em Conceição do Coité–BA, com Paulo
Marcos Queiroz. Houve também o caso da entrevista com Klaus Minihuber,
entrevista esta que foi concedida via Skype15, pelo fato de o entrevistado residir
atualmente na Áustria.
Munidos de câmeras de filmagens e fotográficas a equipe se dirigiu para
as locações para captar as imagens necessárias para demonstrar as experiências
vividas pelos militantes que lutaram pela implantação da comunicação comunitária
no Território do Sisal, bem como compartilhá-las através das entrevistas que foram
realizadas.
A equipe cinematográfica foi composta por Rodrigo Carneiro, Jussara
Oliveira e Douglas Oliveira. As entrevistas foram realizadas por Luis Anselmo e
Douglas Oliveira.
4.2.1 DETALHAMENTO DAS GRAVAÇÕES
A primeira entrevista foi feita com Edisvânio Nascimento, militante do
movimento em prol da comunicação comunitária e estudante de Comunicação
Social da Universidade do Estado da Bahia.
Por ter sido a nossa primeira gravação, e estarmos preocupados com a
entrevista em si, não nos detivemos a muitos detalhes técnicos, tendo como
consequência a perda de algumas imagens por falta de foco e de um
enquadramento adequado, porém essas questões serviram de experiência para as
próximas gravações. A entrevista foi realizada em uma pequena sala onde funciona
a direção da rádio. A luz existente no ambiente favoreceu uma boa iluminação, 15 Skype é um software que possibilita comunicações de voz e vídeo via Internet, ou seja, troca de mensagens instantâneas pela internet, tendo como carro chefe seu sistema voip (voz sobre ip), sistema que possibilita utilizar a voz para conversar. entre usuários em qualquer parte do mundo.
39
sendo assim, não foi necessária a utilização de equipamentos de iluminação
artificial.
O segundo momento de gravação aconteceu na Agência Mandacaru em
Retirolândia, sendo a entrevistada Camila Oliveira. Nessa entrevista sentimos certa
segurança, pois nesse dia tivemos a presença da nossa orientadora, professora
Carolina Ruiz, que foi dando dicas para composição das nossas imagens. Foi um
momento de aula técnica, relembrando momentos em sala de aula e discussões
sobre o uso de equipamentos.
O terceiro dia de gravação foi o mais produtivo e desafiador.
Conseguimos gravar com dois entrevistados, porém, não foi uma gravação
despreocupada, visto que nesse dia estávamos com pouco tempo de fita para
gravação. No entanto, graças à capacidade de síntese dos entrevistados, o tempo
de fita que dispúnhamos foi suficiente para coletar as entrevistas. Foram gravadas
entrevistas com o radialista Antonio Sampaio e com a Coordenadora da Associação
de Rádios e TVs Comunitárias (ABRAÇO SISAL,) Arlene Cristina Freire Araújo, na
Rádio Valente FM, em Valente- BA.
Nas entrevistas, realizadas com duas câmeras profissionais e uma
semiprofissional, captamos imagens com enquadramentos e angulação diferentes,
com a predominância dos planos médios (PM) e o primeiro plano (PP), utilizando
sempre uma câmera no tripé, para garantir um enquadramento fixo e a estabilidade
necessária à câmera, para que assim fosse feito um melhor aproveitamento da
imagem, enquadrando o personagem, facilitando a visualização da movimentação e
reconhecimento dos entrevistados; a variação de enquadramentos cria também uma
maior dinâmica visual para o vídeo.
O nosso quarto momento de gravação foi feito no Centro Cultural Ana
Rios, em Conceição do Coité-BA, com Paulo Marcos Queiroz. Antes da gravação a
equipe estava preocupada, pois o único contato prévio feito com o entrevistado
havia sido por meio de telefone e e-mail, diferente dos outros entrevistados, que por
razões diversas, já havíamos tido contato direto. Porém tudo ocorreu muito bem.
Usamos a mesma estrutura de gravação que já vínhamos desenvolvendo com as
entrevistas anteriores, mas utilizamos mais recursos, totalizando seis câmeras,
incluindo smartphones e tablets. Porém, nesta entrevista perdemos quase tudo da
câmera principal por conta da fita.
40
No dia 8 de novembro foi realizada a quinta entrevista, que aconteceu na
AMAC, com Nayara Silva, representante do MOC. Neste dia não pudemos contar
com os equipamentos do campus, pois houve uma paralisação na universidade, por
esta razão tivemos que adquirir equipamento de baixa qualidade, comprometendo a
qualidade das imagens, houve uma dessincronia entre a imagem e o áudio, tendo
que serem sincronizados posteriormente para melhorar a qualidade do vídeo.
Porém, em razão de o conteúdo da entrevista ser indispensável para a construção
do documentário, pela profundidade do assunto abordado e a quantidade de
informações, e não termos mais tempo para repetir a entrevista, optamos por utilizar
as imagens mesmo com o problema de dessincronia de imagem e som.
A gravação com o entrevistado Klaus Minihuber foi feita à distância, via
Skype. Nossa primeira tentativa de gravação não deu certo em razão de problemas
na conexão da Internet. O que nos deixou bastante apreensivos foi o fato de o nosso
entrevistado estar se organizando para uma longa viagem e não ter muita
disponibilidade de tempo para fazer essa gravação em outro momento. Pesava
ainda a nosso desfavor a diferença do fuso horário, mas ele, generosamente, propôs
para o dia seguinte uma nova tentativa. Era um momento único para a equipe.
Preparamos “tudo”, ou seja, um plano A e B, para que essa entrevista acontecesse
nesta segunda tentativa. Foi um momento um pouco tenso por se tratar de uma
entrevista que dependia do perfeito funcionamento de diversos recursos
tecnológicos para seu sucesso. Como forma de evitar problemas, buscamos
adiantar uma hora o teste com os equipamentos e providenciamos mais
equipamentos para a captação de imagens de todos os momentos da entrevista:
utilizamos celulares, tablet e softwares de captação de imagens da tela para garantir
que a entrevista tivesse êxito.
O ambiente favoreceu bastante, mesmo tendo um pouco de ruído por
conta de carros de som que passaram no momento da entrevista, se fazendo
audíveis, mesmo com os cuidados de preparação acústica do ambiente tomados
pela equipe, foi um momento único, pois as informações do entrevistado eram muito
ricas e necessárias, tendo o mesmo participado da articulação da comunicação
comunitária no território. Foram quase quarenta minutos de entrevista, tendo por
final um bom material para a formação de nosso documentário.
41
4.3 PÓS-PRODUÇÃO
A pós-produção do documentário ocorreu na semana de 17 a 24 de
novembro de 2013. Nesta semana a equipe realizou 03 encontros com o editor de
imagens, Danilo Victor, na cidade Araci, no estúdio de vídeo para rever as cenas já
decupadas para organizar o documentário.
A etapa de montagem (ou edição) do filme documentário marca o momento em que o documentário adquire total controle do universo de representação do filme. Aqui, já não importa o estilo do documentário, toda a montagem implica um trabalho de roteirização que orienta a ordenação das sequências, define o texto do filme, dando forma final ao seu discurso (PUCCINI, 2012, p. 93).
Partimos para a montagem do documentário com o roteiro de edição em
mãos e começamos “esqueletando” o vídeo, ou seja, colocando na sequência as
entrevistas, os trechos que seriam utilizados e os inserts16 a serem feitos. Cabe
lembrar que fizemos o roteiro de edição obedecendo a uma sequência dos assuntos
tratados pelos entrevistados durante a condução das entrevistas (que emanam do
filme). A partir delas se tentou construir uma narrativa lógica e coerente, assim as
vozes e imagens dos entrevistados substituíram o papel de um narrador.
No segundo encontro, demos continuidade a edição e montagem. Neste
dia tivemos uma boa participação no que tange ao diálogo acerca de mudanças que
necessitariam ser feitas. Na montagem de um vídeo, não se limita só a escolha das
melhores imagens, mas, além disso, a ordenação das sequências, linha narrativa
que serve não só para orientar o espectador, como também para orientar o diretor e
editor do filme durante o processo de montagem.
No que se refere à escolha do título, a ideia seria intitular o trabalho com
duas palavras que estão em consonância na relação Comunicação Comunitária e
memória que foi o dispositivo usado para gravar o documentário. No meio dessa
indagação reflexiva, que paramos uma revisão minuciosa de todo conteúdo do vídeo
e dos efeitos utilizados, nasce o título “Vozes Libertadoras” em meio ao verso
narrado por Edisvânio Nascimento durante a entrevista que concedeu.
16
Permite que o operador acrescente uma nova imagem ou um novo áudio no meio de planos já
gravados na fita, ou seja, tomadas usadas para evitar “pulos” nos cortes (WATTS, 1999).
42
Embora tenha sido uma tarefa árdua e trabalhosa, que exigiu dedicação,
paciência, organização e articulação de atividades múltiplas, ainda tivemos que
conciliar esta com a finalização do memorial. O resultado da produção do vídeo é
satisfatório, pois contemplou o objetivo e expectativa da equipe.
Ficha Técnica
Produção: Douglas Santos de Oliveira
Jussara Oliveira de Souza
Luis Anselmo Oliveira
Roteiro: Luis Anselmo Oliveira
Imagens: Douglas Santos de Oliveira
Jussara Borges Alves
Jussara Oliveira de Souza
Luis Anselmo Oliveira
Rodrigo Carneiro
Edição de Imagens: Danilo Victor
Direção: Jussara Oliveira de Souza
Orientação: Carolina Ruiz de Macedo
43
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A comunicação comunitária nasce dentro do contexto social das
comunidades e organizações de pequenos grupos com o objetivo de construir uma
comunicação igualitária, próxima ao meio em que estão inseridas. No Território do
Sisal a comunicação comunitária surge da necessidade de inserir as pessoas de
suas comunidades, fazendo-os construtores de uma comunicação, como uma forma
estratégica para contribuir com o processo de desenvolvimento do território. Essa
comunicação nasce a partir do movimento de rádio comunitária, surgindo as
primeiras emissoras, sem dúvida os mais fortes instrumentos de comunicação que
deram possibilidades reais para a sociedade civil expressar seus pensamentos e
defenderem seus ideais em favor da comunidade, sobretudo em meados da década
de 90.
Discutir comunicação comunitária é discutir cidadania, direito de construir
uma voz que perdure pelas comunidades, que discutam assuntos de seus
interesses, que contribuam para a conscientização do processo político e
democrático de suas comunidades.
Partindo dessas discussões o documentário enquanto representação
social de um contexto local, buscou apresentar por meio do registro das memórias
em torno da comunicação comunitária no Território do Sisal dos militantes que
participaram e foram protagonistas deste processo.
O documentário traz em si uma riqueza de informações interessantes que
pode contribuir para a compreensão da importância que a comunicação comunitária
assume no território. Diversas respostas relacionadas ao processo de implantação
da Comunicação Comunitário no território foram apresentadas pelos entrevistados,
reconstituindo historicamente o começo desse fenômeno.
O propósito maior desse trabalho foi acionar a memória dos militantes, e,
reconhecendo o documentário como “lugar de memória”, contribuir para registrar os
relatos sobre um processo tão crucial para a configuração econômica e identitária
atual do território. O seu registro em audiovisual também pode ganhar maior espaço
e mais adeptos, principalmente quando pensamos no desenvolvimento tecnológico
que popularizou vários dispositivos de captação de som e imagem em movimento,
44
recursos esses que têm se tornado importantes ferramentas para a comunicação, no
sentido de transmissão de “herança” das comunidades.
Para que a pesquisa tomasse forma, recorremos à metodologia da
oralidade para que pudéssemos ter respaldo sobre as memórias individuais, que
posteriormente podem colaborar para constituir uma memória coletiva.
Sendo necessário, após a escolha do suporte teórico, um estudo
aprofundado sobre conceitos apresentados pelos teóricos relacionados à linha de
pesquisa. Nomes como, Pierre Nora, Michael Pollak, Maurice Howsbach entre
outros, balizaram nossos apontamentos e reflexões a respeito de conceitos de
memória bem como sua importância e justificativa de sua escolha como fonte.
Fizemos também um panorama do conceito de comunicação comunitária,
entendermos o contexto do surgimento das rádios comunitárias no Território do
Sisal.
De acordo com Michael Pollack (1989), o documentário é “um instrumento
poderoso para os rearranjos sucessivos da memória coletiva”. Sendo assim, o
documentário “Vozes Libertadoras” vem costurar diversas memórias particulares de
acontecimentos, dificuldades e conquistas da comunicação comunitária no Território
do Sisal, podendo ser utilizado como objeto de estudo desse fazer “comunicação
comunitária”.
Por fim, constatamos que a comunicação comunitária no Território do
Sisal nasce de um projeto que visava não só fazer comunicação, como também com
esta, enquanto direito de todos, contribuir assim para o fortalecimento político
democrático do território do sisal. Diante de tal relevância concluímos que os fatores
históricos, culturais e sociais da comunicação comunitária no Território do Sisal
devem ser documentados para que na construção de uma memória coletiva seja
configurada a identidade do território.
45
REFERÊNCIAS
DELIBERADOR, Luzia M. Y.; VIEIRA, Ana C. R. Comunicação e educação para a cidadania em uma Cooperativa de Assentamento do MST. Trabalho apresentado ao NP Comunicação para a Cidadania. XXVIII Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação, promovido pela INTERCOM e realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, de 5 a 9 de setembro 2005. BAHIA, Lílian Claret M. A reconfiguração da esfera pública local pelas rádios comunitárias Inter-FM e União na região metropolitana de Belo Horizonte. São Bernardo do Campo: UMESP, 2006. 189 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social). FERREIRA, Giovandro M; MOREIRA, Gislene. A construção da comunicação comunitária da região do Sisal: uma rede tecida com fibra e resistência. Salvador,
2005.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Verdade e memória do passado. In: Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006, p. 39-48.
JOSÉ, Carmen Lucia. Vozes da Voz do Documentário. Intercom 2013. Disponível
em: <http://www.bocc.ubi.pt.> Acesso em: 23 nov. 2013 LIMA, Julia Lemos. O Cinema Documentário como Documento-Verdade. 2005.
Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt.> Acesso em 21 nov. 2013. LINS, Consuelo. O cinema de Eduardo Coutinho: uma arte do presente. In TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org). Documentário no Brasil: tradição e
transformação. São Paulo: Summus, 2004. LINS, Consuelo. Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008. LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho- televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2004. MORAIS, Katia Santos de. A comunicação audiovisual no Território do Sisal: um olhar sobre a produção das instituições sociais In: CARVALHO, Cristina dos Santos; ROCHA, Flávia Aninger deBarros; PARCERO, Lúcia Maria de Jesus (Orgs.). Discurso e cultura: diálogos interdisciplinares. Salvador: EDUNEB, 2011. p.185-
196. MOREIRA, Gislene. Comunicação, cultura e participações, reflexões sobre a construção do desenvolvimento territorial na Região Sisaleira da Bahia. Bahia:
UNI revista – vol. 1, Nº3, 2006.
46
_______, Gislene. Cultura, Comunicação e Participação: um olhar sobre as inter-
relações entre cultura, política e desenvolvimento no sistema de comunicação do Território do Sisal. Salvador, 2006. MOURA, Hudson. Oralidade e Fabulação no Cinema Documentário. 1999.
Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt.> Acesso em 22 nov. 2013. NASCIMENTO, Antônio Dias (coord.). Rádios Comunitárias da Região Sisaleira da Bahia – Memória, conjuntura e perspectivas. Relatório de pesquisa. Salvador: MOC, 2005. NASCIMENTO, Edisvânio; MOTA, João Garcia da. (org). Rádio Santa Luz FM:
História e Práticas de um ser tão Comunitário. Santa Luz:Talismã, 2012. NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução de Yara Aun Lhaury. Projeto história, São Paulo, 1993.
OLIVEIRA, Juliana Costa. A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO SISAL. Conceição do Coité, 2010. PENAFRIA, Manuela. O filme documentário: história, identidade, tecnologia. Lisboa: Cosmos, 1999. PERUZZO, Cicília Maria Krohling; ALMEIDA, Fernando Ferreira de (orgs). Comunicação para a cidadania. São Paulo: Intercom; Salvador: UNEB, 2003. PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania. 2004. Disponível em:
<http://www.unifra.br/professores/rosana/Cicilia%2BPeruzzo%2B.pdf> Acesso em: 28 mai. 2013. PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Participação nas rádios comunitárias no Brasil. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt.> Acesso em 06 jul. 2013. PUCCINI, Sérgio. Roteiro de documentário: da pré-produção à pós-produção. São Paulo: Papirus, 2012. POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, vol. 2, 1989. RAMOS F. P. Mas afinal... O que é mesmo documentário? São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008. RUMOR, Vanessa. Nos Trilhos, a História do Paraná: Análise do Documentário de
TV como Registro Histórico da Ferrovia Curitiba – Paranaguá. Curitiba 2010. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt.> Acesso em 23 nov. 2013.
47
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Memória coletiva e teoria social. São Paulo:
Annablume. 2003. THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. WATTS, Harris. Direção de câmera: um manual de técnicas de vídeo e cinema.
Tradução: Eli Stern. São Paulo: Summus, 1999.
48
APÊNDICE
49
PERGUNTAS:
1. Como foi o início da comunicação comunitária no território do sisal?
2. Como se formaram a articulação para a comunicação no território?
3. Como foi a mobilização em prol das rádios comunitárias no território do sisal?
4. Quis os serviços prestados pela rádio comunitária no território?
5. Qual o papel das organizações sociais para a comunicação comunitária?
6. Quais as principais dificuldades em fazer comunicação comunitária no território do sisal?
7. Qual a sua avaliação da comunicação comunitária no território do sisal?
8. Quais as mudanças que podem ocorrer ou ocorrem nas comunidades a partir da
comunicação comunitária?
9. A participação da comunidade é importante para a comunicação comunitária?
10. Como foram as primeiras articulações e reuniões para as mobilizações em prol da
comunicação comunitária?
50
ROTEIRO DO VÍDEO “VOZES LIBERTADORAS”
IMAGEM
ÁUDIO
DOIS MEMBROS DA EQUIPE
SINTONIZANDO UM RÁDIO
ANTIGO.
RUÍDOS DA SINTONIZAÇÃO.
OFF - PROCESSO DE BUSCA DAS
INFORMAÇÕES E INTRODUÇÃO DO
TEMA.
IMAGENS DA PISTA - CARRO EM
MOVIMENTO.
OFF - PROCESSO DE BUSCA DAS
INFORMAÇÕES E INTRODUÇÃO DO
TEMA.
TÍTULO DO DOCUMENTÁRIO.
EDISVÂNIO NASCIMENTO.
APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.
ARLENE FREIRE.
APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.
NAYARA CUNHA.
APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.
ANTÔNIO SAMPAIO.
APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.
PAULO MARCOS.
APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.
51
CAMILA OLIVEIRA.
APRESENTAÇÃO DO PERSONAGEM.
INSERT - IMAGENS DE KLAUS
EM EVENTOS NO TERRITÓRIO DO
SISAL.
OFF- APRESENTAÇÃO
PERSONAGEM.
KLAUS MINIHUBER - VIA SKYPE.
INSERT- IMAGENS DO PROCESSO
DE FILMAGEM – ENTREVISTA.
ARTICULAÇÃO DOS MOVIMENTOS
SOCIAIS EM PROL DA
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA.
EDISVÂNIO NASCIMENTO.
INSERT – ESTÚDIO DA RÁDIO
SANTALUZ FM.
MOVIMENTO DE RADIODIFUSÃO
COMUNITÁRIA.
KLAUS MINIHUBER.
INSERT- IMAGENS DO PROCESSO
DE FILMAGEM – ENTREVISTA.
RÁDIOS COMUNITÁRIAS - HISTÓRIA
E DESENVOLVIMENTO.
EDISVÂNIO NASCIMENTO.
RÁDIOS COMUNITÁRIAS -
DENÚNCIAS DOS PROBLEMAS
SOCIAIS DA COMUNIDADE.
NAYARA CUNHA.
O INÍCIO DA COMUNICAÇÃO
COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO
52
SISAL - RÁDIO COMUNITÁRIA – MOC.
ARLENE FREIRE.
PARTICIPAÇÃO NAS MOBILIZAÇÕES
EM PROL DA COMUNICAÇÃO
COMUNITÁRIA.
CAMILA OLIVEIRA.
AGÊNCIA MANDACARÚ DE
COMUNICAÇÃO E CULTURA –
HISTÓRIA E SERVIÇO.
PAULO MARCOS.
INGRESSO NO MOVIMENTO DE
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA.
ANTÔNIO SAMPAIO
INSERT – FACHADA DA RÁDIO
VALENTE FM
RÁDIO COMUNITÁRIA – RETORNO
DA COMUNIDADE PELO SERVIÇO
PRESTADO.
EDISVÂNIO NASCIMENTO.
MUDANÇAS NO CENÁRIO DO
TERRITÓRIO DO SISAL.
CAMILA OLIVEIRA
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA –
PERSPECTIVAS
EDISVÂNIO NASCIMENTO.
CORDEL – COMUNICAÇÃO
COMUNITÁRIA
FICHA TÉCNICA
CORDEL – COMUNICAÇÃO
53
INSERT – IMAGENS DAS
GRAVAÇÕES.
COMUNITÁRIA
EDISVÂNIO NASCIMENTO.
CORDEL – COMUNICAÇÃO
COMUNITÁRIA.
APRESENTAÇÃO – INFORMAÇÕES
SOBRE O TRABALHO
54
ANEXOS
55
TRAÇOS DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DO SISAL17
Agora eu peço licença,
Para então me expressar,
Nestas breves palavras,
Pela arte de versejar,
Puxando pela memória,
Relembrando uma história,
Que vive a me apaixonar...
Essa história começa,
No final dos anos noventa,
O século foi o passado,
Quando tudo se movimenta,
Pois se sentia a necessidade,
De estabelecer a liberdade,
A comunidade estava atenta...
Quando falo de comunidade,
Refiro-me aos movimentos,
Sindicatos e Associações,
Todos lutando a contento,
Buscando a democracia,
Dizendo não a hipocrisia,
Foram partindo prá dentro...
Nesta mesma corrente,
Entraram as cooperativas,
Igrejas católica e evangélica,
Nas mesmas perspectiva,
Pela liberdade de expressão,
17
Cordel que está inserido no documentário, escrito por Edisvânio Nascimento, cordelista, estudante do 8º semestre de comunicação social – Radialismo da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e diretor executivo da rádio comunitária Santa Luz FM.
56
Sofreram perseguição,
Pelas forças impositivas...
Essas forças eram os governos
Que estavam incomodados,
Com o fortalecimento,
Dos segmentos organizados,
Que fundavam uma comunicação,
Que permitisse a participação,
Das pessoas postas de lado.
Essas pessoas postas de lado
Era sem dúvida a grande maioria,
Pois os meios de comunicação,
São era para a classe da burguesia,
Políticos e empresários aliados,
Decidiam o que ia ser veiculado,
Determinavam o que a gente ouvia...
Então essas organizações,
Logo se articularam na região,
E juntas em seus municípios
Puxavam a mais forte reflexão,
Decidiram que rádio comunitária,
Tinha que ser prioridade necessária
Para democratizar a comunicação.
E assim foram fundando as rádios,
Por quase todo o Território do Sisal
E junto a esta luta, estava outra,
Que era também justa e fundamental,
Combater e erradicar o trabalho infantil
Assegurar todo o direito juvenil
Era uma questão mais que justa e moral...
57
O PETI nasceu primeiro em Retirolandia,
E depois contagiou toda a região,
Já as rádios foram em Valente e Tucano
E deles e de lá começou a ploriferação
E as vozes logo se multiplicavam,
As Rádios Comunitárias chegavam,
Como instrumento de luta da população...
Neste contexto também,
Jamais podemos nos esquecer,
Das organizações parceiras,
Que fez esse movimento crescer,
O MOC foi fundamental,
E o UNICEF foi essencial
Para sonho se desenvolver.
Mesmo com esses apoios,
Enfrentamos dificuldades,
Com as perseguições da ANATEL
Que praticou barbaridades,
Junto com a Policia Federal,
Que foi monstruosa e brutal,
Ferindo a nossa dignidade...
Mas as lutas seguiam firmes
Em todo o Território sisaleiro,
Mesmo sofrendo as humilhações,
Neste pedaço de chão brasileiro,
Foram processos e apreensões,
Xingamentos e até agressões,
Fomos tratados como desordeiros.
As agressões que me referi
58
Não só foram as psicológicas,
Mas também as físicas,
Quero que entendam essa lógica,
Era o governo na democracia,
Mostrando a sua face sombria,
E as explicações demagógicas...
Era prefeito mandando fechar rádio,
E os empresários também,
Por outro lado os movimentos,
Mostrando as forças que tem,
Lutava e fazia a mobilização
MOC e UNICEF com capacitação,
Pois quem busca a vitória vem...
O movimento de rádios comunitárias
Foi crescendo apesar das dificuldades,
Quando chegamos no ano 2000,
Isso já era a mais bela das realidades,
As rádios se mobilizavam e se reuniam,
Juntas pensavam e também discutiam,
Por uma comunicação de qualidade...
Os reconhecimentos começaram
A surgir de todos os lados,
Pelos trabalhos desenvolvidos,
Deixando os governos incomodados,
Com isso aumentava a repressão,
Queriam calar a voz do sertão,
Usando o aparelhamento do Estado...
Assim as rádios comunitárias,
Eram duramente perseguidas,
Por querer dar voz ao povo,
59
Eram pelo Estado, reprimidas,
Mas mesmo sofrendo a repressão,
Fizeram uma forte mobilização,
Em prol das classes esquecidas.
As rádios comunitárias se uniram
Em todo o Território do Sisal,
Trazendo muitas conquistas,
E uma delas muito fundamental,
Junto com a UNEB discutiram,
Lutaram até quando conseguiram,
Trazer o curso de comunicação social.
A UNEB investiu neste sonho
E hoje já temos turmas formadas,
Cada um buscando se dedicar,
Seguindo a sua caminhada,
Exercendo a sua cidadania,
Em favor da nossa democracia,
Sonhando vê-la consolidada.
Sonhando em ver consolidada
A democracia da comunicação,
Pois ainda temos muito a fazer,
Para que haja esta consolidação,
Libertar as rádios comunitárias
Destas formas cruéis e arbitrárias,
Destes governos de opressão...
As Leis que dizem lhes regulamentam,
É uma mentira abusiva e imoral,
Que fere os princípios da democracia,
Para as rádios comunitárias é um mal,
Isso está no país inteiro,
60
E no Território Sisaleiro,
A perseguição ainda é real.
A comunicação comunitária
Tem contribuído intensamente,
Para o fortalecimento da democracia,
No Território do Sisal certamente,
Aqui ela já fortaleceu e contribuiu,
Quem prestou atenção já viu,
Eu digo isso alegremente.
Foram várias as contribuições,
Porém cabe uma exemplificação,
Falamos de cultura, lazer e esporte,
Saneamento, saúde e educação,
Política agricultura, Direitos e cidadania
Meio ambiente e moradia,
Isso é democratização...
Preservamos a memória e a história
Lutamos pela identidade regional,
Valorizamos nossas lutas,
No Território do Sisal,
Que a comunicação chegue um dia
A mais plena democracia,
Pois isso será sensacional.
61
A Constituição Federal de 1988
Titulo VIII Dá Ordem Social
CAPÍTULO V DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no
art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º - Compete à lei federal:
I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a
natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua
apresentação se mostre inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se
defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no
art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente.
§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e
terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e
conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de
monopólio ou oligopólio.
§ 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos
seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive
sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais
estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens
é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, aos quais caberá a
responsabilidade por sua administração e orientação intelectual.
§ 1º - É vedada a participação de pessoa jurídica no capital social de empresa jornalística
ou de radiodifusão, exceto a de partido político e de sociedades cujo capital pertença
exclusiva e nominalmente a brasileiros.
§ 2º - A participação referida no parágrafo anterior só se efetuará através de capital sem
direito a voto e não poderá exceder a trinta por cento do capital social.
Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens
é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 36, de 2002)
§ 1º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das
empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta
ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão
62
obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)
§ 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação
veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em
qualquer meio de comunicação social. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 36, de
2002)
§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada
para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma
de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução
de produções nacionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)
§ 4º Lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas empresas de que trata o § 1º.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)
§ 5º As alterações de controle societário das empresas de que trata o § 1º serão comunicadas
ao Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização
para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da
complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
§ 1º - O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a contar do
recebimento da mensagem.
§ 2º - A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo,
dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.
§ 3º - O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do
Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.
§ 4º - O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de
decisão judicial.
§ 5º - O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e de
quinze para as de televisão.
Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu
órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.