UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL – RADIALISMO EDISVÂNIO DO NASCIMENTO PEREIRA A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA EM SANTA LUZ-BA: TRAJETÓRIAS E PAPÉIS DA RÁDIO SANTA LUZ FM NA PERSPECTIVA DA COMUNIDADE CONCEIÇÃO DO COITÉ 2013
1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAO
CAMPUS XIV GRADUAO EM COMUNICAO SOCIAL RADIALISMO EDISVNIO DO
NASCIMENTO PEREIRA A COMUNICAO COMUNITRIA EM SANTA LUZ-BA:
TRAJETRIAS E PAPIS DA RDIO SANTA LUZ FM NA PERSPECTIVA DA
COMUNIDADE CONCEIO DO COIT 2013
2. EDISVNIO DO NASCIMENTO PEREIRA A COMUNICAO COMUNITRIA EM
SANTA LUZ-BA: TRAJETRIAS E PAPIS DA RDIO SANTA LUZ FM NA
PERSPECTIVA DA COMUNIDADE Trabalho de concluso apresentado ao curso
de Comunicao Social Habilitao em Radialismo, da Universidade do
Estado da Bahia, como requisito parcial de obteno do grau de
bacharel em Comunicao sob a orientao do Prof. Me. Tiago Santos
Sampaio. CONCEIO DO COIT 2013
3. Pereira, Edisvnio do Nascimento P436c A comunicao comunitria
em Santa Luz/BA: trajetrias: E papeis da rdioSanta Luz FM na
perspectiva da comunidade. -- / Edisvnio do Nascimento Pereira.
Conceio do Coit: O autor, 2013. 117fl.; 30 cm. Orientador: Prof.
Ms. Tiago dos Santos Sampaio. Trabalho de Concluso de curso - TCC
(Graduao) Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educao,
Conceio do Coit, 2013 1. Cooperativismo. 2. Comunicao. 3.
Identidade-imagem. I. Tiago dos Santos Sampaio. II. Universidade do
Estado da Bahia. Departamento de Educao Campus XIV. III. Ttulo. CDD
302.2 -- 20 ed. Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca
Departamento de Educao Campus XIV - UNEB
4. EDISVNIO DO NASCIMENTO PEREIRA A COMUNICAO COMUNITRIA EM
SANTA LUZ-BA: TRAJETRIAS E PAPIS DA RDIO SANTA LUZ FM NA
PERSPECTIVA DA COMUNIDADE Trabalho de concluso apresentado ao curso
de Comunicao Social Habilitao em Radialismo, da Universidade do
Estado da Bahia, como requisito parcial de obteno do grau de
bacharel em Comunicao sob a orientao do Prof. Me. Tiago Santos
Sampaio. Data _________ / ________ / __________ Resultado
__________________________ BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________ Prof. Me. Tiago
Santos Sampaio (Orientador) UNEB
_______________________________________________ Prof. Ma. Vilbgina
Monteiro dos Santos UNEB
_______________________________________________ Prof. Ma. Nisia
Rizzo de Azevedo UNEB
5. Josefa e Marcelino, meus pais, que sempre dedicaram de
maneira inenarrvel as suas vidas minha vida. Pelas suas
simplicidades e gestos de amor incondicional, me ensinando que eu
no precisava ter medo de ser honesto, do obstculo, de ser filho de
famlia humilde, de ser nascido na zona rural, de ser vtima de baixa
viso... Sempre me conduziram a amar e me incentivaram buscar a
realizao dos meus sonhos. Meus cinco irmos, minha famlia, meus
amores, amados da minha alma. Ao meu amado av Jos Pereira de Matos
(Zuquinha, in memoriam) que sempre em suas palavras singelas e
amveis embalava meus sonhos me colocando altura de um ser mais
importante deste pas.
6. AGRADECIMENTOS Rdio Comunitria Santa Luz FM, atravs de toda
a sua equipe de diretores, secretrias e locutores, pela confiana e
compreenso nas minhas ausncias principalmente na reta final deste
estudo. Por me permitir adentrar na sua intimidade, facilitando o
acesso a todas as informaes documentais e exp-las. Aos movimentos
sociais, em especial, os de Santa Luz, por fazerem com que hoje
esta cidade tenha um canal que permite a livre expresso. E eu sou
fruto dessa abertura. Ao meu orientador Tiago Santos Sampaio pela
leitura criteriosa e exaustiva dos textos e, principalmente, pela
pacincia, dedicao, zelo e compreenso durante todo o percurso deste
trabalho, desde a fase embrionria ao seu nascimento, me encorajando
e me animando quando percebia que eu estava mostrando sinais de
cansao da jornada, muitas vezes causado pela limitao da minha viso.
s professoras Ktia Morais e Nisia Rizzo pelas contribuies valiosas
na banca do SIT1 . Vilbgina Monteiro que, mesmo estando gozando de
sua merecida licena prmio, atendeu ao convite para contribuir
grandemente fazendo parte da banca examinadora. A todos os
professores, colegas e amigos que fizeram parte dessa caminhada. E
os que tentaram ao menos compreender as minhas ausncias e o meu
distanciamento, quando optei por me isolar nos momentos de leituras
mais acuradas e da solido dos processos de produo. Especialmente
minha noiva Deise, sem voc certamente as luzes que me inspiram e
iluminam, principalmente nas horas da escrita, no brilhariam com
tamanha grandeza e generosidade. Concluo dizendo o meu muito
obrigado aos sujeitos que fizeram parte deste estudo pela
disponibilidade em responder com pacincia e pelo carinho com o qual
me receberam para as entrevistas. 1 Seminrios Internos de Trabalhos
de Concluso de Curso.
7. A liberdade um dos dons mais preciosos que o cu deu aos
homens. Nada a igualam, os tesouros que a terra encerra no seu
seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade,
tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida.
(Miguel de Cervantes)
8. RESUMO A dedicao empreendida durante o percurso deste estudo
foi com a perspectiva de tentar trazer elementos tericos e bases
conceituais. A fim de buscar uma compreenso histrica da comunicao
comunitria no municpio de Santa Luz, atravs da perspectiva da
comunidade. Antes, trago a compreenso de como se do as polticas de
comunicao no Brasil: da comunicao hegemnica comunicao comunitria,
perpassando pela concentrao miditica e a Constituio de 1988. Neste
mesmo caminho, aponto para o cenrio da comunicao na redemocratizao
e a lei que institui o servio de radiodifuso comunitria, dialogando
sobre a mesma, cidadania e mobilizao, sem perder de vista a
legislao vigente. Por meio destes esforos procuro abordar sobre
radiodifuso comunitria: do cenrio nacional ao Territrio do Sisal,
abordando a rdio comunitria com focos no Territrio do Sisal: sua
trajetria, conceitos e caractersticas e a Rdio Santa Luz FM:
histrico e atuao. Como fator combinante para que haja a compreenso,
trago as tcnicas de pesquisa documental, reviso bibliogrfica e
entrevistas semi-abertas, a partir das quais descrevo o cenrio da
comunicao comunitria em Santa Luz: trajetrias e papis da rdio Santa
Luz FM na perspectiva da comunidade. Como resultado alcanado,
percebe-se que na viso dos entrevistados a rdio tem cumprido o seu
papel enquanto comunitria, porm ainda h lacunas que precisam ser
preenchidas em relao natureza da rdio comunitria. PALAVRAS-CHAVE:
comunicao comunitria; Santa Luz FM; movimentos sociais,
democratizao; cidadania.
9. ABSTRACT The dedication undertaken during the course of this
study was to try to bring the perspective of theoretical elements
and conceptual bases. In order to seek a historical understanding
of community communication in Santa Luz, from the perspective of
the community. Before, I bring an understanding of how to provide
communication policies in Brazil: the hegemonic communication
community communication, passing through the media concentration
and the 1988 Constitution. In this same way, I point to the
scenario of communication in democracy and law establishing a
community broadcasting service, talking about it, and mobilizing
citizens, without losing sight of the legislation. Through these
efforts seek to address community broadcasting: the National
Territory Sisal scenario, addressing community radio with outbreaks
in Sisal Territory: its history, characteristics and concepts and
FM Radio Santa Luz: history and performance. How combinante so
there is understanding factor, bring the techniques of documentary
research, literature review and semi-open interviews, from which I
describe the scenario of community communication in Santa Luz:
trajectories and papers of FM radio Holy Light from the perspective
of community. As result achieved, it is noticed that in the view of
respondents radio has fulfilled its role as a community, but there
are still gaps that need to be met in relation to the nature of
community radio. KEYWORDS: community communication; Holy Light FM,
social movements, democratization, citizenship.
10. LISTA DE SIGLAS ABERT- Associao Brasileira de Empresas de
Rdio e Televiso ABRAO - Associao de Rdios Comunitrias ABRACO -
SISAL - Associao de Rdios Comunitrias do Territrio do Sisal Sisal
AM - Amplitude Modulada AMAC - Agencia Mandacaru de Comunicao e
Cultura AMARC Brasil - Associao Mundial de Rdios Comunitrias AMIRT
- Associao Mineira de Rdio e televiso ANATEL - Agencia Nacional de
Telecomunicaes ANDI - Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia
APAE - Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais APAEB - Associao
dos Pequenos Produtores do Estado da Bahia APLB - Sindicato dos
Trabalhadores em Educao do Estado da Bahia ASA - Articulao do
Semi-rido BA - Bahia BF - BrazilFoundation BPM - Batalho de Polcia
Militar CBT - Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes CDL - Cmara de
Dirigentes Lojistas CEAIC - Centro de Apoio aos Interesses
Comunitrios CEB - Comunidade Eclesial de Base CEEP - Centro
Estadual de Educao Profissional do Campo Paulo Freire CF -
Constituio Federal CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da
Criana e do Adolescente CODES SISAL - Conselho Regional de
Desenvolvimento Rural Sustentvel da Regio Sisaleira do Estado da
Bahia CP - Cooperativa da Pedra CT - Conselho Tutelar ECA -
Estatuto da Criana e do Adolescente FATRES - Fundao de Apoio aos
Trabalhadores Rurais da Regio do Sisal FM - Freqncia Modulada
11. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IMAQ
- Instituto Maria Quitria INCRA - Instituto Nacional de Colonizao e
Reforma Agrria KW - Kilowatt (mil watts) LIDER - Liga Desportiva e
Cultural dos Assentamentos da Regio Sisaleira MC - Ministrio das
Comunicaes MDA - Ministrio do Desenvolvimento Agrrio MiniCom -
Ministrio das Comunicaes MOC - Movimento de Organizao Comunitria MP
- Ministrio Pblico MST - Movimento dos Sem-Terra ONG - Organizao No
Governamental PDT - Partido Democrtico Trabalhista PETI - Programa
de Erradicao do Trabalho Infantil PMDB - Partido do Movimento
Democrtico Brasileiro PRONAF - Programa Nacional de Agricultura
Familiar PT - Partido dos Trabalhadores Rad.Com - Rdio Comunitria
RC - Rdio Comunitria S.A. - Sociedade Annima SDT - Secretaria de
Desenvolvimento Territorial STP - Sindicatos dos Trabalhadores das
Pedras STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais STRAF - Sindicato
dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares UEFS -
Universidade Estadual de Feira de Santana UFBA - Universidade
Federal da Bahia UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UnB -
Universidade de Braslia UNEB - Universidade do Estado da Bahia
UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia UNIP - Universidade
Paulista
12. SUMRIO
APRESENTAO.....................................................................................................12
1.
INTRODUO....................................................................................................15
2. POLTICAS DE COMUNICAO NO BRASIL: da comunicao hegemnica
comunicao
comunitria..........................................................................................20
2.1 A concentrao miditica e a Constituio de
1988.........................................20 2.2 O cenrio da
comunicao na redemocratizao e a Lei 9612/98...................23
2.3 Comunicao comunitria, cidadania e
mobilizao........................................29 3. RDIO
COMUNITRIA: do cenrio nacional ao Territrio do Sisal
......................35 3.1 Rdio Comunitria: Trajetria, Conceitos
e caractersticas..............................35 3.2 Radiodifuso
Comunitria no Territrio Do Sisal
.............................................38 3.3 Rdio Santa Luz
FM: histrico e atuao
........................................................49 4. RDIO
SANTA LUZ FM: o percurso de uma comunicao
comunitria...............62 4.1 Aportes metodolgicos da pesquisa
................................................................62
4.2 Santa Luz FM: uma trajetria reconhecida e
documentada.............................63 4.3 O papel da Rdio
Santa Luz FM: perspectivas da comunidade.......................68
CONSIDERAES FINAIS
......................................................................................91
REFERNCIAS.........................................................................................................98
APNDICES............................................................................................................103
ANEXOS
.................................................................................................................112
13. 12 APRESENTAO Ainda criana eu gritava, al, al minha gente!
Meus amores do rdio! Isso porque dedicava a minha vida a ouvir os
comunicadores das rdios AM2 que, atravs de suas ondas sonoras,
chegavam aos meus ouvidos e assim, procurava imit-los. Alis, cabe
aqui mencionar que, por ser vtima de baixa viso e ter sofrido
problemas de sade na minha infncia, meus pais sempre preferiram que
ficasse em casa, estudando e com os irmos menores. Assim, quase que
no ia para o trabalho na lavoura da roa. Logo preenchia muito do
meu tempo, ouvindo rdio. Comunicao sempre foi a base para a minha
caminhada e o rdio, a razo dos meus sonhos, das minhas realidades e
dos meus projetos de vida. Desse modo, ainda quando criana,
residindo na Fazenda Boa Vista, no municpio de Quijingue3 , o rdio
j se tornava o meu maior encantamento. Talvez pelo fato de apreciar
muito o processo de escuta, isso em decorrncia da minha baixa viso.
Depois, porque sempre fui fascinado desde os primeiros passos da
minha infncia sobre o quo fascinante e mgico o rdio, que ao ouvi-lo
eu construa imagens, projetava sonhos e esse sentimento de
afetividade s cresceu com o passar dos anos. Essa relao de paixo,
amor e fascnio pelo rdio cresceu ainda mais a partir de 1994,
quando vim para Santa Luz morar com meus tios e cursar a quinta
srie do ensino fundamental e posteriormente, o ensino mdio, ambos
no CENOS (Centro Educacional Nilton Oliveira Santos). Poder
ingressar no rdio, em 1998, foi para mim, sem dvidas, poder ter a
magia da minha infncia, dos meus sonhos e das minhas caminhadas
ainda quando criana. Porm, no imaginava que ao andar neste caminho,
teria que enfrentar tantos obstculos e, mesmo assim, os enfrentei e
ouso dizer aqui, creio que os venci, ou melhor, estou os vencendo.
Eis, portanto, o motivo pelo qual, me proponho a discutir sobre o
tema, o qual eu no posso considerar aqui que este estudo pretenda
esgotar o debate em torno da comunicao comunitria no municpio de
Santa Luz, a partir da Rdio Santa Luz 2 Amplitude modulada. 3
Palavra de origem indgena, do tupy-guarany, que significa Mata
Fechada. Cidade do interior da Bahia, localizada a 333 km da
capital Salvador.
14. 13 FM, mas, sobretudo, trata-se de comear uma nova fase
dele. Desta vez, enveredando pelos caminhos da teoria e do fazer
cincia. Dessa forma, analiso que se faz necessrio lhes apresentar a
partir de agora os motivos que me conduzem a trazer baila o
presente trabalho, o qual sem dvidas, parte do resultado da minha
implicao no trajeto da comunicao comunitria em Santa Luz. Neste
sentido, vejo a necessidade de trazer tona esse tema, pois durante
a minha caminhada constatei atravs do senso comum que o rdio
comunitrio em Santa Luz est possibilitando e dando oportunidade
comunidade, para que esta oua a sua prpria voz, conhea a sua prpria
histria e no apenas oua as vozes e as histrias que os Coronis
latifundirios da Comunicao e de terras querem que ela escute. Ainda
atravs do senso comum, vi tambm durante a caminhada que a rdio
comunitria oferecia oportunidade de o sujeito se tornar mais
humano, porque ali ele pode sentir o cheiro de gente que to simples
quanto a gente, que desabafa, chora, lamenta, reivindica, mas que
tambm sugere, sonha e divide sonhos conosco. Posso dizer ainda que,
sendo sujeito desta histria, tambm pude ver que a comunidade sorri
nas conquistas e ainda nos tem como amigos, companheiros de
caminhada e do dia-a-dia, pois esse o rdio que acredito ser
comunitrio de verdade e, como tenho dito o que chamo de rdio
humanizado. Sinto-me realizado por j dedicar 15 anos da minha vida
fazendo parte da rdio comunitria e suas mobilizaes em favor da
democratizao da comunicao e, conseqentemente da informao. Outro
fator motivacional que me leva a essa tomada de deciso para
discutir o tema que nestes anos vi que a rdio de alguma forma
contribui e facilita para que haja a insero das comunidades
carentes, da periferia de Santa Luz, que passam a ter um maior
acesso s ferramentas radiofnicas. A minha vida tem sido de dedicao
a este instrumento de comunicao mesmo entendendo que daqui a pouco
terei que me despir dessas paixes e realmente tentar trabalhar com
a realidade. Assim, chegada a hora de no apenas falar dos meus
sentimentos, da minha ligao afetiva, mas principalmente de trazer
tona outras situaes que at ento no eram tratadas por mim.
15. 14 Desse modo, vejo que me sinto amadurecido para tratar do
tema e assim procurar analisar de forma coerente e cuidadosa a
comunicao comunitria em Santa Luz-BA: trajetrias e papis da rdio
Santa Luz FM na perspectiva da comunidade. Para isso, preciso me
afastar da paixo e do apego ao que vi e ao que vivi durante estes
quinze anos e, ao mesmo tempo, viajar cientificamente, para assim
qui contribuir com as discusses acadmicas e cientficas acerca do
tema comunicao comunitria e com embasamento terico discutir se de
fato existem contribuies para a comunicao de Santa Luz.
16. 15 1. INTRODUO H dezenove anos residindo em Santa Luz,
posso afirmar que pude vivenciar de perto diversos momentos
marcantes naquela cidade, sobretudo no que se refere a mobilizaes
sociais. Ali descobri o prazer pelos movimentos sociais, sejam eles
estudantis, sindicais, cooperativistas ou associativistas. Ora
atuando na condio de ator e sujeito destes, ora como simpatizante e
ora como reprter dos eventos e mobilizaes que aconteciam em suas
trajetrias. Mas importante dizer que um deles se tornou parte da
minha vida e me conduziu a fazer descobertas, inclusive a minha
vocao acadmica. Refiro-me ao movimento de radiodifuso comunitria,
especialmente a comunicao comunitria em Santa Luz. Partindo desse
pressuposto, coloco-me na condio de fonte, por me sentir sujeito
legtimo dessa ao investigada e ao mesmo tempo pesquisador para
tratar sobre o assunto o qual me proponho a partir de agora. Este
estudo mostra que a histria da Comunicao do municpio de Santa Luz
no diferente das demais conhecidas nas cidades interioranas do
Nordeste brasileiro. Trata-se de uma trajetria marcada pela dominao
das oligarquias e monopolizada pelas elites, latifundirios polticos
e empresrios, detentores da grande maioria dos canais de comunicao.
Esse fenmeno percebido nas palavras de Peruzzo; Cogo; Kapln
(2002.p.73), ao dizerem que as cercas do latifndio so as mesmas que
impedem o acesso sade, escola, ao trabalho, ao lazer e a certos
espaos de produo culturais, sociais e religiosas. Neste contexto, o
meu objeto de estudo a comunicao comunitria em Santa Luz-BA a
partir das trajetrias e papis da Rdio Santa Luz FM apresentadas na
perspectiva da comunidade. A histria da comunicao em Santa Luz est
dividida em duas fases: a primeira, at maio de 1998, quando a
comunicao era realizada atravs das ondas sonoras de emissoras
comerciais que penetravam no municpio, dos servios de alto-falantes
e carros de som, alm das reunies nas associaes comunitrias,
sindicatos, igrejas e por meio de folhetos que alguns estudantes
faziam circular de
17. 16 forma espordica na cidade, conforme os entrevistados
Givaldo do Carmo Souza4 e Jakson da Silva Avelino5 , quando dizem:
[...] era um cenrio marcado pela presena constante, massificada de
rdios comerciais [...] existia a comunicao mvel onde no era um
servio de comunicao comunitrio. (GIVALDO DO CARMO SOUZA,
ENTREVISTADO, 2013) bom se dizer isso, onde as pessoas tinham que
contratar para estarem anunciando, ou a no ser que pudesse
conseguir atravs de carros de som do municpio e dos servios de
alto-falante [...] (JAKSON DA SILVA AVELINO, ENTREVISTADO, 2013) J
a segunda fase comea a partir do dia 21 do ms cinco daquele ano,
quando as organizaes da sociedade civil, com lideranas comunitrias
e igrejas, objetivaram criar e dar vida a um instrumento que
pudesse ser um meio de comunicao confivel, responsvel e
transformador. Nasce, portanto, a Rdio Comunitria Santa Luz FM.
Este mesmo meio certamente possibilitou que os parceiros e demais
organismos sociais e a sociedade organizada conseguissem externar
seus anseios, suas aes, seus projetos, suas dificuldades e cobrar
dos rgos competentes mais respeito e seriedade. Ou seja, tudo
aquilo que se refere aplicao do dinheiro pblico, bem como a
elaborao e execuo das polticas pblicas, ao encontro do
desenvolvimento local. Desse modo, devo dizer que certamente o
mesmo grito que ecoava da sala de reunies da sede do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais naquela noite de 21 de maio era para
solidificar a comunicao comunitria de forma interativa, crtica e
democratizada, possibilitando uma melhor qualidade de vida para a
populao de Santa Luz. Frente a esse contexto, posso perceber que
essa resposta emerge, quando surge a percepo de que toda a
comunicao comunitria nascera quando a sociedade civil vivenciou que
o monoplio da terra e da gua estava umbilicalmente ligado ao
monoplio da mdia. (MOREIRA, 2007, p.101). Diante desses aspectos,
posso dizer seguramente que a relevncia social desse trabalho est
presente nas caractersticas que marcam o processo de 4 Diretor
cultural e de comunicao social da Rdio Comunitria Santa Luz FM. 5
Jakson da Silva Avelino Membro do Conselho Municipal de Meio
Ambiente.
18. 17 fundao da Rdio Comunitria Santa Luz FM e no propsito com
o qual as Organizaes Sociais decidiram optar por sua implantao.
Isso me torna mais seguro do quanto importante tambm fazer essa
abordagem no meio acadmico, para perceber atravs da investigao como
acontece a comunicao comunitria em Santa Luz-BA trajetrias e papis
da rdio Santa Luz FM na perspectiva da comunidade. Para tanto,
posso destacar que este contexto, cientificamente, poder trazer
contribuies que serviro de legado para reflexes tericas futuras, no
apenas para a Universidade do Estado da Bahia, mas tambm para
outros meios acadmicos. Contudo, almejo que essas reflexes no
fiquem trancafiadas entre os muros da Universidade, mas que possam
ser reverberadas nos movimentos sociais e especialmente entre
aqueles que lutam pela democratizao da comunicao. Desse modo, o
objetivo geral desse estudo foi repertoriar a trajetria da
comunicao comunitria em Santa Luz a partir da Rdio Comunitria Santa
Luz FM, investigando as contribuies desta para o desenvolvimento da
comunicao do municpio na perspectiva de membros da comunidade. Para
isso, tenho trs objetivos especficos em vista: debater o
desenvolvimento das polticas de comunicao a partir dos seus
dispositivos legais nos mbitos nacional e territorial, com vistas a
perceber a emergncia da regulao sobre a comunicao comunitria;
discutir os conceitos de Comunicao Comunitria e desenvolvimento
local, Comunicao Comunitria e mobilizao social, enfatizando o papel
da rdio comunitria como agente de democratizao da comunicao e
repertoriar as contribuies, desafios, entraves e proposies
relacionados trajetria da Rdio Santa Luz FM, discutindo-a luz dos
pressupostos tericos discutidos e das contribuies da comunidade. No
percurso desse estudo, abordo as contribuies da Rdio Santa Luz FM
na narrao e registro de acontecimentos histricos locais, discutindo
se a rdio consolida a comunicao comunitria em Santa Luz e verifico
se a emissora promove a participao popular atravs da comunicao, e
ainda se ela pauta reivindicaes populares, bem como medidas de
aproximao entre poder pblico e comunidade. Neste estudo, aponto
tambm se a Santa Luz FM gera a identificao e promoo da cultura
local, analiso se ela incentiva a mobilizao local em torno de
causas populares e se utiliza prticas e conceitos como cidadania
e
19. 18 desenvolvimento local via comunicao comunitria. Abordo
ainda se a emissora projeta a imagem da cidade e apresento
proposies de melhoria na atuao da Rdio Santa Luz FM no municpio.
Todos estes aspectos tratados a partir das seguintes fontes: a
perspectiva de membros da comunidade; a minha participao no
processo de construo da rdio Santa Luz FM e escritos sobre a
emissora encontrados em documentos, cartas, trabalhos acadmicos,
dentre outros. Para este estudo, trago as contribuies de vrios
autores, como Ciclia Peruzzo (1998, 2002, 2003, 2004, 2006, 2007 e
2009), Dioclcio Luz (2004, 2007, 2008, 2011 e 2013) e Lilian Mouro
Bahia (2008) dentre outros que tratam de comunicao comunitria,
cidadania, mobilizao social e desenvolvimento local e radiodifuso
comunitria. Ainda trago as contribuies de Gislene Moreira (2005,
2006, 2007 e 2008) e Antonio Dias do Nascimento (2005) e outros que
discutem Comunicao comunitria e o Territrio do Sisal, alm de
Octavio Penna Pieranti (2007) e outros que apresentam o percurso
histrico da comunicao no Brasil e a sua legislao. Dentro desse
cenrio, utilizo como percurso metodolgico e instrumentos de coleta
a reviso bibliogrfica, pesquisa documental, entrevista semi-aberta
e a observao participante. Fundamentalmente, mergulho com a
maturidade adquirida ao longo destes quase quatro anos de curso e,
para isso, necessrio que eu faa uma viagem em trs captulos e estas
trs paradas so fundamentais para que possa lhes trazer uma leitura
prazerosa. A primeira parada na estao Polticas de comunicao no
Brasil: da comunicao hegemnica comunicao comunitria. Nela discuto a
concentrao miditica e a Constituio de 1988. Nela tambm discuto o
cenrio da comunicao na redemocratizao e a Lei 9612/19986 e
Comunicao comunitria, Cidadania e mobilizao. Trazendo na bagagem um
breve relato sobre o contexto histrico nacional, com focos na
legislao vigente. No segundo captulo, trato da Radiodifuso
comunitria: do cenrio nacional ao Territrio do Sisal, abordando a
rdio comunitria: sua trajetria, conceitos e caractersticas e o
tpico Rdio Comunitria no Territrio do Sisal Rdio Santa Luz FM
Histrico e atuao. Descrevo o cenrio da comunicao comunitria em 6
Disponvel em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9612.htm.
20. 19 Santa Luz-BA: trajetrias e papis da rdio Santa Luz FM na
perspectiva da comunidade. Para isso, buscarei fazer um apanhado
histrico da situao da comunicao em Santa Luz, as inquietaes das
organizaes sociais acerca da ausncia de um instrumento que pudesse
dar vez e voz ao povo. Neste mesmo contexto direi que a poca vivia
o apogeu das discusses e denncias sobre a explorao do trabalho
infantil no Territrio do Sisal, especificamente em Santa Luz, no
trabalho das pedreiras e no Sisal e, paralelo a ele, estava
implantado o Programa de Erradicao do Trabalho Infantil (PETI). De
modo que trago na bagagem como surgem as primeiras ideias de fundao
da rdio, que nasce dos fruns diocesanos, das reunies dos
sindicatos, associaes, cooperativas e igrejas, ambas preocupadas
com a situao, at chegar noite de 21 de maio de 1998, na sala de
reunies do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Nessa ocasio, ecoou
o grito pela democratizao da comunicao no municpio e, a partir
daquela noite, certamente a comunicao no seria mais a mesma em
Santa Luz. Assim, abordo como a Santa Luz FM vem contribuindo para
a democratizao da comunicao no municpio. Partindo dos aspectos
colocados nos dois primeiros captulos, os quais me norteiam a
trazer algumas proposies, nasce o terceiro, que se intitula Rdio
Santa Luz FM: o percurso de uma comunicao comunitria. Nele pontuo o
papel da Rdio Santa Luz FM: perspectivas da comunidade, onde tento
problematiz-los e assim trago algumas proposies que possam qui
provocar reflexes que possibilitem ampliar a discusso sobre o tema
comunicao comunitria. Essa a estrada que os convido a percorrer,
mas devo dizer-lhes que ela continua e a minha vontade que voc
possa fazer uma boa viagem rumo aos caminhos da democratizao da
comunicao.
21. 20 2. POLTICAS DE COMUNICAO NO BRASIL: da comunicao
hegemnica comunicao comunitria 2.1 A concentrao miditica e a
Constituio de 1988 A rdio, especialmente a comunitria, uma
ferramenta de comunicao que tem feito parte de minha vida h mais de
quinze anos e, por essa razo, pretendo abord-la na perspectiva de
ampliar os debates em torno do potencial desse instrumento de
comunicao popular. Antes, entretanto, de discutir a radiodifuso
comunitria, suas caractersticas e modos de atuao, proponho uma
incurso sobre a trajetria das polticas de comunicao no Brasil, por
entender que os mecanismos de regulamentao forjados ao longo de
anos determinaram uma poltica excludente no que diz respeito ao
usufruto da comunicao como direito pblico. Delimito alguns pontos
marcantes da trajetria das polticas de comunicao: a Constituio
brasileira de 1988 e a Lei 9612/98, por se tratar da regulamentao
da radiodifuso comunitria. A histria da Comunicao Social no Brasil,
conforme uma publicao que realizei juntamente com Garcia, em 2012,
j nascera desde o seu principio, controversa e com graves
problemas, os quais com o decorrer dos anos foram ficando ainda
mais sintomticos e acentuados, no que se diz respeito democratizao
das mdias. (NASCIMENTO e GARCIA, 2012, p.13) Nas palavras de
Pieranti (2007), esse fenmeno acontece justamente em funo de que os
meios de comunicao, desde o incio, foram passados para as mos de
uma minoria poltica e econmica. Neste contexto, Pieranti (2007)
chama a concentrao miditica de monoplio e oligoplio das redes e
sistemas de comunicao, o que fatalmente se constitui em uma espcie
de latifndio da comunicao. A concentrao miditica acaba dificultando
ou mesmo impedindo o acesso aos veculos de comunicao social, o que
certamente provoca a restrio da liberdade de expresso garantida na
Constituio Federal de 1988 e, o que pior, trava o avano da
diversidade e do pluralismo que so necessrios ao fortalecimento e
crescimento da democracia brasileira.
22. 21 Frente a esse cenrio, noto tambm que essa concentrao
realiza a excluso da grande maioria da populao brasileira desses
meios de comunicao, limitando-a ao trabalho de acordo com a lgica
do capitalismo e dos lucros e tomando como base seguir sempre ao
ritmo de mercado, conforme Brittos e Bolno, quando dizem que [...]
milhares de coronis eletrnicos, ou seja, empresrios que sempre
confundiram a comunicao, que representa a pluralidade de opinies
com seus interesses estreitos de poltica partidria. Cerca de 25%
das emissoras de rdio e televiso pertencem a esses polticos que
exercem ou exerceram mandato, geralmente representando os partidos
mais democrticos. (2005, p.50) importante salientar que os
processos de regulamentao dos meios de comunicao no Brasil conferem
facilidades para que acontea a histrica concentrao desses veculos
de comunicao nas mos de uma minoria de pessoas que se tornam por
sua vez detentoras desses instrumentos e os utilizam em favor de
seus benefcios. Isso posto por Guareschi, ao dizer que Os servios
da radiodifuso so regulamentados atravs do cdigo nacional de
telecomunicaes editado sob o n 4.117, de 1962. Este cdigo sofre
alteraes a partir do regime militar (1964-1985), quando o
decreto-lei 236 de 1967, modifica o cdigo anterior. A legislao
estabelece que nenhuma entidade ou pessoa pode ter participao em
mais de 10 emissoras de televiso em todo pais, das quais 5 em VHF
e, duas por estado, seja VHF ou UHF e uma por municpio. (2005, p.
36) Para Pieranti (2007), no Brasil esse monoplio no pode ser visto
de forma explcita, porm a presena de um oligoplio algo bastante
evidente sobre o qual cabe uma ampla discusso. Conforme o autor, o
artigo 220 da Constituio Brasileira visa portanto, impedir [...] a
formao de monoplios e oligoplios no mbito da comunicao social.
Monoplio, no plano nacional, por certo, no h no Brasil,
considerando-se que diferentes grupos privados operam os meios de
comunicao. A formao de possveis oligoplios, porm passvel de maior
discusso. (PIERANTI, 2007, p.77). Esse fenmeno decorre de a
legislao no permitir a uma entidade ou mesmo pessoa ser detentora
de outorga de mais de uma dezena de emissoras no Brasil.
Entretanto, as leis so burladas uma vez que se permitem registros
de vrios
23. 22 canais em nomes de empresas diferentes, ainda que
estejam ligadas mesma famlia. Pieranti (2007) enfatiza que no
Brasil existe uma poltica extremamente voltada para as relaes de
interesses e poderes que permeiam a poltica nacional. Isso faz com
que as concesses das emissoras sejam produtos de barganhas como
moedas de troca por polticos que tm representaes significativas
tanto nas esferas federal, estadual e municipal. preciso lembrar,
nesses casos, as relaes que permeiam a poltica nacional. Prefeitos
e governadores tm influencia no plano federal, e as entidades
religiosas no raro esto ligadas a polticos. Assim, a anlise da
distribuio de concesses no pode se restringir ao plano federal,
onde o poder Executivo consegue, de fato, fazer uso das emissoras
como moeda de troca. Os efeitos dessa poltica estendem-se por
estados e municpios, dela tirando proveito os interessados nas
diversas esferas. (PIERANTI, 2007, p.757) O autor (2007) deixa
ainda mais clara essa relao de interesses com base no perodo dos
governos militares ao afirmar Por outro lado, adotando uma poltica
de fomento radiodifuso, calcada em investimentos e empresas
privadas e vendo-se distante da necessidade de levar os meios de
comunicao ao interior do pas, os governos militares contriburam
para o fortalecimento de oligarquias regionais afeitas s comunicaes
e cientes de benficos de que delas poderiam obter. Trata-se em
regra, de pequenos e mdios investidores ligados ao empresariado ou
elite poltica locais (quando no aos dois). (PIERANTI. 2007.p.71) O
ponto de vista de Pieranti reforado por Guareschi, quando afirma
que democracia na comunicao [...] representa na contemporaneidade,
uma instancia de discusso anloga praa onde os antigos gregos
debatiam seus problemas e decidiam sobre o projeto de sociedade que
queriam. A mdia deve ser a porta voz de todos os grupos organizados
da sociedade. (2005, p. 80). Para Pieranti (2007, p.76), est
Consagrada como direito fundamental no Artigo 5 da Constituio
Brasileira e a liberdade de expresso foi reafirmada no Art. 220, o
primeiro do Capitulo V do Ttulo III referente comunicao social.
Neste sentido, o Art. 220 no s reafirma a garantia das liberdades
de expresso e de difuso de informaes, como tambm impede o
estabelecimento de mecanismos legais que possam restringi-las.
(PIERANTI, 2007, p.76).
24. 23 No entanto, no Brasil, os meios de comunicao no so
usados como instrumentos fortalecedores da democracia, mas,
principalmente, para assegurar a legitimidade do poder de uma
minoria, conforme Guareschi (2005, p.80), quando afirma que: a
constatao a que se chega que a voz da maioria dos cidados
silenciada, pois no tem a oportunidade de poder interferir
democraticamente no projeto de construo de sua cidade. Sendo assim,
podemos verificar que o Artigo 220, 5, da Carta Magna de 1988, que
preconiza que Os meios de comunicao social no podem, direta ou
indiretamente, ser objeto de monoplio ou oligoplio no est sendo
cumprido no pas, o que, acaba ferindo os princpios da democracia.
preciso, portanto, que esta normatizao saia do papel e seja posta
em prtica. 2.2 O cenrio da comunicao na redemocratizao e a Lei
9612/98 A partir dos anos 1980, caminhando paralelo com o
enfraquecimento do regime de exceo, a poltica de concesses de
outorgas em favor das velhas prticas ditatoriais no conseguiu
conter mais, como antes, as mudanas no ambiente poltico. Conforme
Pieranti: Ainda na dcada de 1980, os meios de comunicao dividiam-se
entre conservadores, reticentes e progressistas, no que se refere a
uma transio para a democracia. Nem a poltica de distribuio de
concesses em favor de antigos aliados conseguiu conter as mudanas
no ambiente poltico, aos poucos corroborados pelos principais meios
de comunicao do pas, muitos dos quais nascidos sob o gide do regime
autoritrio. (2007.p.75). Mas importante lembrar que mesmo com o
enfraquecimento do regime de exceo e com o alvorecer da Nova
Repblica brasileira, as prticas de distribuio de outorgas de rdios
e TVs continuavam sendo as de favorecimentos aos aliados do
governo. Por fim, a atitude assumida pelo governo da Nova Repblica
ao adotar a distribuio de concesses de emissoras de radiodifuso
como poltica de Estado, pouco difere da prtica nascida durante o
regime militar (PIERANTI, 2007, p.83). Desse modo, essa forma de
distribuio de outorgas j nos remete ao pessimismo quanto s possveis
mudanas no cenrio no que se refere a uma possvel democratizao dos
meios de comunicao, no romper da aurora da Constituio de 1988.
Pessimismo que Pieranti (2007) refora ao dizer que apenas
25. 24 esse fato em si j demonstra a pouca possibilidade de
promover mudanas nos paradigmas das comunicaes sociais no Brasil,
visto que se ope fortemente democratizao dos meios de comunicao.
Pieranti conclui afirmando que A poltica de distribuio de emissoras
de radiodifuso com base em critrios polticos posta em prtica pelo
Estado fere, por fim, o principio da democratizao das comunicaes,
tal qual definido no relatrio da UNESCO. Ela no s dificulta a
participao da sociedade civil nos processos de discusso e de
elaborao de polticas pblicas, como tambm evita que pequenos grupos
distantes da lgica legislativa tenham acesso aos meios de comunicao
de massa que dependam de concesses de freqncia por parte do Estado.
(PIERANTI, 2007, p. 89) importante dizer que essa conjuntura
individualista e letal democracia brasileira tem por sua vez
estimulado em carter urgente o desenvolvimento da comunicao
alternativa ou comunitria. Esta pode dar vida a um cenrio
resistente ao modelo de comunicao ainda anacrnico e homogneo no
qual tem prevalecido um discurso nico, ou seja, o das minorias
detentoras do poder seja poltico, religioso ou financeiro. Comeam,
ento, a efervescncia e as mobilizaes sociais em prol da
democratizao da informao. Neste sentido, a sociedade civil teve um
papel muito importante, conforme Gohn (2003, p.187), quando afirma
que [...] a importncia da participao da sociedade civil, neste novo
contexto, se faz para democratizar a gesto da coisa pblica. claro,
podemos avaliar que, mesmo com esses gargalos ainda atrofiando os
princpios democrticos, podem ser vistos avanos do ponto de vista
das articulaes sociais. Para tal, basta que faamos uma reflexo em
torno da recente democratizao do pas, a partir de 1985, como afirma
Meksenas: A recente redemocratizao do Estado brasileiro na segunda
metade da dcada de 1980 foi, em grande parte, o resultado da
politizao da dimenso do domstico na sociedade civil. A sua expresso
mais articulada evoluiu sob a forma da ao popular e precedeu a
redemocratizao. A partir das fraturas que essa ao produziu no
consenso instaurado pelo regime militar, vrias instituies da
sociedade civil puderam defender temas e desenvolver um conjunto de
prticas que incrementaram o empenho pela participao poltica
democrtica. (2002, p.178). possvel perceber Meksenas (2002), que as
lutas travadas em favor dos direitos sociais, bem como a redefinio
das polticas que eram desencadeadas por
26. 25 elas na poca, detiveram uma importante contribuio para
os processos efetivamente afirmativos da cidadania dos
trabalhadores. Um fator considerado bastante significativo aps
esses processos de lutas a possibilidade de grande nmero de
movimentos sociais se institucionalizarem. Esse fenmeno ocorreu j
nos primeiros anos da dcada de 1990. Conforme atenta Meksenas: Esse
processo implicou a possibilidade de vrios movimentos sociais
institucionalizarem-se na dcada de 90 e serem responsveis pelo
surgimento de uma nova qualidade de organizaes no- governamentais
(ONGs): aquelas voltadas construo de espaos de participao poltica e
institucional de segmentos de classes trabalhadoras (2002, p.178).
O autor afirma tambm que no comeo da dcada acima citada, as
organizaes que nasceram originariamente dos movimentos sociais se
tornaram instrumentos bastante importantes para o aperfeioamento da
potncia institucional da sociedade civil brasileira. Ciclia Peruzzo
(2007, p.247) sinaliza que estas transformaes acontecem num
contexto poltico marcado pelo descontentamento da sociedade em
relao a toda uma situao de desigualdade social e de negao da
participao poltica gerados pela ditadura militar em mais de duas
dcadas. Para Meksenas, contraditoriamente, a redemocratizao do
Estado e a renovao da sociedade civil no Brasil de 1985 a 2000 no
acarretaram na consolidao da democracia com maior grau de
participao poltica, equidade econmica e social. (2002, p.180).
Desse modo, as foras das mobilizaes sociais se fortaleceram e foram
ganhando corpo nas lutas pela garantia dos seus direitos de
comunicar e de ter acesso a uma comunicao verdadeiramente
democratizada, sonho esse fortalecido a partir das rdios
comunitrias. As rdios comunitrias foram durante um longo perodo
tratadas pelas elites como ilegais, ou mesmo muitas vezes usando
termos como rdios piratas, numa tentativa de por freios mobilizao
que ganhava fora em todo o pas. J no ano de 1996, surge a ideia de
fundar uma instituio que pudesse representar o movimento de rdios
comunitrias de forma legalmente constituda e assim nasce a (ABRAO)
Associao de Radiodifuso Comunitria.
27. 26 Entretanto, rdio comunitria Santa Luz FM s vai nascer
pouco mais tarde, em 1998. O objetivo da ABRAO era ocasionar uma
presso perante as autoridades do pas, para que estas assinassem uma
lei que desse legitimidade s emissoras comunitrias, as quais at
aquele perodo ainda eram consideradas como ilegais perante os rgos
fiscalizadores e a prpria esfera do governo. importante salientar
que enquanto os movimentos sociais se articulavam e se mobilizavam
visando criar uma legislao que pudesse regulamentar o funcionamento
da radiodifuso comunitria levantavam-se tambm vozes contrrias s
emissoras de baixa potncia, conforme atenta Peruzzo As vozes mais
ferrenhas, contrrias s emissoras de baixa potencia, provem de rgos
do Governo e dos donos das emissoras convencionais, de forma
isolada ou atravs de suas associaes, entre elas a ABERT - Associao
Brasileira das Empresa de Rdio e Televiso. (1998, p.8) A autora
ainda chama ateno para o que era narrado pelo presidente da AMIRT7
a respeito das rdios comunitrias Segundo Eurico Gode presidente da
AMIRT - Associao Mineira de Rdio e Televiso, as rdios piratas
causam interferncia no sinal das estaes legalmente constitudas e
perpetram uma concorrncia desleal com empresas idneas, que recolhem
impostos e cumprem suas responsabilidades sociais. (PERUZZO, 1998,
p.8) Como se no bastasse, alm do forte lobby das associaes ligadas
s oligarquias, contrrias s rdios comunitrias, naquela mesma poca
ainda havia a forte represso por setores ligados ao governo, como
atenta Peruzzo: O Ministrio das Comunicaes, por sua vez, tem
determinado o combate a tais transmisses, e atravs de suas
Delegacias Regionais, em conjunto com a Policia Federal, vem
apreendendo equipamentos e fechando muitas emissoras no pas.
(1998,p.8) Finalmente, em 19 de fevereiro de 1998 foi sancionada
pelo ento Presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso, a Lei
9.612, que institui os servios de radiodifuso comunitria sonora em
freqncia modulada (FM), permitindo que estas 7 Associao Mineira de
Rdio e televiso.
28. 27 funcionem com um transmissor de 25 Watts e com uma
antena de no mximo trinta metros de altura. Segundo a Lei 9.612 uma
rdio comunitria deve trazer como princpios fundamentais: Art. 3 O
Servio de Radiodifuso Comunitria tem por finalidade o atendimento
comunidade beneficiada, com vistas a: I - dar oportunidade difuso
de idias, elementos de cultura, tradies e hbitos sociais da
comunidade; (LEI N 9.612/1998) Para Dioclcio Luz (2007), na rdio
comunitria que as pessoas podem expressar as suas ideias originais,
diferentes, criativas. O autor ainda afirma que [...] na RC8 que as
pessoas mostram que so diferentes, embora elas no expressem
necessariamente os mesmos gostos pelas mesmas coisas. (2007.p.16-
17). A rdio comunitria ainda conforme a Lei 9.612 tem por
finalidade II - oferecer mecanismos formao e integrao da
comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convvio social; III
- prestar servios de utilidade pblica, integrando-se aos servios de
defesa civil, sempre que necessrio; IV - contribuir para o
aperfeioamento profissional nas reas de atuao dos jornalistas e
radialistas, de conformidade com a legislao profissional vigente; V
- permitir a capacitao dos cidados no exerccio do direito de
expresso da forma mais acessvel possvel. Art. 4 As emissoras do
Servio de Radiodifuso Comunitria atendero, em sua programao, aos
seguintes princpios: I - preferncia a finalidades educativas,
artsticas, culturais e informativas em benefcio do desenvolvimento
geral da comunidade; II - promoo das atividades artsticas e
jornalsticas na comunidade e da integrao dos membros da comunidade
atendida; III - respeito aos valores ticos e sociais da pessoa e da
famlia, favorecendo a integrao dos membros da comunidade atendida;
IV - no discriminao de raa, religio, sexo, preferncias sexuais,
convices poltico-ideolgico-partidrias e condio social nas relaes
comunitrias. (LEI N 9.612/1998) Neste sentido, a Lei ainda aponta
alguns aspectos interessantes que devem ser levados em considerao
no que se refere a assegurar a igualdade de opinio e a liberdade de
expresso, sem restrio a nenhum tipo de credo ou corrente ideolgica,
vedando todo tipo se proselitismo e abrindo espao para a
diversidade 8 Rdio Comunitria.
29. 28 1 vedado o proselitismo de qualquer natureza na
programao das emissoras de radiodifuso comunitria. 2 As programaes
opinativa e informativa observaro os princpios da pluralidade de
opinio e de verso simultneas em matrias polmicas, divulgando,
sempre, as diferentes interpretaes relativas aos fatos noticiados.
3 Qualquer cidado da comunidade beneficiada ter direito a emitir
opinies sobre quaisquer assuntos abordados na programao da
emissora, bem como manifestar idias, propostas, sugestes, reclamaes
ou reivindicaes, devendo observar apenas o momento adequado da
programao para faz-lo, mediante pedido encaminhado Direo responsvel
pela Rdio Comunitria. (LEI N 9.612/1998) Mas a Lei 9.612/98 comea a
se mostrar como um instrumento que acaba ferindo a prpria
Constituio Federal. Isso pode ser visto no captulo que trata da
Liberdade de Expresso, no Artigo 5 da lei, que dispe da existncia
de um canal disposio da rdio comunitria, ressalvando apenas nos
locais onde h impossibilidade tcnica, enquanto as concesses de rdio
e TV podem somar at 10 em nome de um mesmo grupo. Art. 5 O Poder
Concedente designar, em nvel nacional, para utilizao do Servio de
Radiodifuso Comunitria, um nico e especfico canal na faixa de
freqncia do servio de radiodifuso sonora em freqncia modulada.
Pargrafo nico. Em caso de manifesta impossibilidade tcnica quanto
ao uso desse canal em determinada regio, ser indicado, em
substituio, canal alternativo, para utilizao exclusiva nessa regio.
(LEI N 9.612/1998) Outro absurdo que pode ser visto e no Art. 16 da
mesma Lei. vedada a formao de redes na explorao do Servio de
Radiodifuso Comunitria, excetuadas as situaes de guerra, calamidade
pblica e epidemias, bem como as transmisses obrigatrias dos Poderes
Executivo, Judicirio e Legislativo definidas em leis. Ou seja, mais
uma vez o governo, alm de limitar a rea de abrangncia de uma rdio
comunitria e de limit-la a apenas um canal, probe a formao de uma
rede, impossibilitando que haja o processo de interao com as
comunidades vizinhas, mesmo compreendendo que hoje existem outras
ferramentas como a internet, mas esse instrumento ainda no uma
realidade presente em na maioria das comunidades rurais de Santa
Luz. Posso avaliar que conforme definido na Lei 9.612/98, pode ser
aplicado tambm o termo desigualdade liberdade de expresso, basta
que vejamos o que dizem os Artigos 22 e 23:
30. 29 Art. 22. As emissoras do Servio de Radiodifuso
Comunitria operaro sem direito a proteo contra eventuais
interferncias causadas por emissoras de quaisquer Servios de
Telecomunicaes e Radiodifuso regularmente instaladas, condies estas
que constaro do seu certificado de licena de funcionamento. Art.
23. Estando em funcionamento a emissora do Servio de Radiodifuso
Comunitria, em conformidade com as prescries desta Lei, e
constatando-se interferncias indesejveis nos demais Servios
regulares de Telecomunicaes e Radiodifuso, o Poder Concedente
determinar a correo da operao e, se a interferncia no for
eliminada, no prazo estipulado, determinar a interrupo do servio.
(LEI N 9.612/1998) Contudo, mesmo diante desses entraves colocados
pela legislao que a regulamenta, as rdios comunitrias vm se
firmando como uma mola precursora dos debates em prol da liberdade
de expresso e em favor da democratizao da informao. 2.3 Comunicao
comunitria, cidadania e mobilizao O crescimento das mobilizaes
sociais, sobretudo no final dos anos 1980 e incio dos anos 1990,
est inserido em um contexto de participao poltica mais ampliado que
passa a realizar cobranas ao indagar ao Estado, a rever posies
enquanto o seu papel de interlocutor entre trabalhadores e
empresrios, conforme afirma Meksenas: Um bom exemplo foi a presso
que obrigou o governo federal no inicio da dcada em questo, a rever
sua posio de interlocutor entre trabalhadores e empresrios para
captar as cmaras empresariais na gesto de ramos importantes da
economia brasileira. (2002, p.179). Assim nasceu a possibilidade de
esses conflitos serem negociados de acordo com os interesses das
classes, tornando possvel compreender que as cidadanias de classe,
no final dos anos de 1980 e na dcada de 1990 at chegar em 2000,
foram o resultado do confronto entre sociedade civil e Estado. Para
isso, era preciso que as pessoas tivessem acesso a essas informaes.
Temos ento que a informao e a persuaso antecedem todo e qualquer
processo de mudana, j que somente a partir delas pode a comunidade
dar o passo inicial
31. 30 deste processo, a saber, a deciso de mudar. (JAMBEIRO,
2007, p.224). Neste mesmo caminho, Ciclia Peruzzo sinaliza que
[...] s pessoas no interessam somente as questes de mbito universal
e nacional, mas tambm os acontecimentos, as organizaes e as relaes
sociais que lhe esto prximas. Interessam-lhes os assuntos que dizem
respeito vida do bairro, da vila, da cidade ou do municpio onde
vivem. (2007.p. 245) No decorrer de sua histria, principalmente nas
duas ltimas dcadas do sculo XX, a comunicao comunitria em nosso pas
teve como caracterstica peculiar a sua organizao e, sobretudo,
aliada ao amplo crescimento dos movimentos sociais, no se pautou
apenas em discutir a ideia de comunidade conforme ressalta Peruzzo:
No se tratava to-somente da comunicao de comunidade, mas de todos
aqueles processos comunicativos realizado no mbito de movimentos e
organizaes populares que lutavam para a consecuo dos direitos de
participao cidad e melhoria nas condies de existncia dos excludos.
(2007, p.247) Frente a esse contexto, foram surgindo novos espaos e
instituies e coube sociedade civil desenvolver esse papel, como
atenta Gohn: Esses novos atores foram criando, tambm, espaos,
instituies prprias para participarem dos novos pactos polticos que
dem sustentao ao modelo poltico vigente. Coube, portanto, sociedade
civil, um papel central nesse requacionamento. (2003, p. 187).
Nesta mesma perspectiva, Peruzzo (2007) diz que a comunicao
popular, que hoje chamamos de comunitria, surge e se desenvolve
articulada aos movimentos sociais, como canal de expresso e meio de
mobilizao e conscientizao das populaes. Neste mesmo contexto,
Jambeiro (2007, p. 225) diz que os meios de comunicao comunitria
[...] funcionam como plataforma para troca de informao e experincia
entre pessoas e grupos de comunidade, ao invs de serem instrumentos
verticais de persuaso. Jambeiro argumenta ainda que Em qualquer
hiptese h consenso em que a mdia comunitria e seus produtores,
independentemente do tipo de mdia e de pessoas
32. 31 envolvidas, no so programadores annimos e sim entes
reais que conhecem a comunidade... (2007, p.225) Ainda conforme
Ciclia Peruzzo: no se pode, porm, abrir mo de que, para dizer-se
comunitrio, um meio de comunicao deve abrir-se ao controle e gesto
autnoma da prpria comunidade. (2007, p. 250). Ela defende ainda
que, do [...] ponto de vista do direito social, todo cidado tem
direito aos canais de expresso, portanto, isonomia comunicacional
igualdade no poder de comunicar conduz a um outro: o de isegoria o
direito do cidado de se manifestar e de ser ouvido. (2007, p. 251).
Ciclia Peruzzo alerta que conquistar a cidadania [...] significa a
passagem de sditos para cidado, cujo arcabouo social requer o
envolvimento das pessoas condicionando-se seu status de cidado
qualidade da participao (2002, p. 3). Ainda no que se refere
concepo de cidadania, a autora enfatiza que A participao na
comunicao um mecanismo facilitador da ampliao da cidadania, uma vez
que possibilita a pessoa tornar-se sujeito de atividades de ao
comunitria e dos meios de comunicao al forjados, o que resulta num
processo educativo, sem se estar nos bancos escolares. (2002, p.
10) A autora define ainda que A pessoa inserida nesse processo
tende a mudar o seu modo de ver o mundo e de relacionar-se com ele.
Tende a agregar novos elementos sua cultura. (2002, p, 10).
Portanto, a comunicao comunitria nasce numa perspectiva de colocar
o cidado luz do exerccio dos seus direitos de liberdade de expresso
e assim contribuir para o exerccio da cidadania, como diz Peruzzo.
Os meios de comunicao comunitrios/populares - nem todos obviamente
tm assim o potencial de serem, ao mesmo tempo, parte de um processo
de organizao popular e canais carregados de contedos informacionais
e culturais, alm de possibilitarem prtica de participao direta nos
mecanismos de planejamento, produo e gesto, contribuem, portanto,
duplamente, para a construo da cidadania. (2002, p. 11-12) A
comunicao comunitria possibilita que haja a participao cidad, ao
abrir espao para que as pessoas possam fazer parte dos processos de
planejamento, gesto e mesmo emisso da informao, no apenas sendo
meros receptores, mas tambm emissores
33. 32 Pela produo das pessoas na produo e transmisso das
mensagens, nos mecanismos de planejamento e na gesto do veculo de
comunicao comunitria contribui para que elas se tornem sujeitos, se
sintam capazes de fazer aquilo que esto acostumadas a receber
pronto, se fazem protagonistas da comunicao e no somente
receptores. (PERUZZO, 2002, p. 11) Assim, possvel perceber o quanto
a comunicao comunitria possibilita a participao do sujeito da
comunidade, no apenas na condio de ouvintes, ou dos que
reivindicam, ou mesmo fazem denncia, mas principalmente, como
cidados capazes de contribuir com sugestes, na conduo dos trabalhos
e mesmo na estruturao do canal de comunicao. A comunicao comunitria
, portanto, resultado das mobilizaes sociais e por meio dela
podemos perceber que existe a possibilidade da insero dos sujeitos
at ento postos margem dos canais de comunicao existentes
anteriormente no Brasil. Para Jambeiro (2007, p, 221), as polticas
so determinadas na forma e no contedo pela mobilizao, articulao e
confrontao de grupos de interesse. Ainda segundo o autor, A partir
do movimento local, atingiremos as leis que ainda no provm recursos
democratizadores e estimulam privilgios rev-los (ou redirecion-los)
o caminho para no criarmos novas fices de desenvolvimento (2007, p.
215). Neste mesmo sentido, ainda de acordo com o autor Isso
significa que o processo de mudana deve resultar de um processo
anterior de decises individuais. E mais que essas decises
individuais sejam tomadas a partir de um conjunto de informaes que
oferea mais diversas alternativas com cada um dos objetivos a
atingir. (JAMBEIRO, 2007, p. 224) Nas palavras de Peruzzo, A
comunicao comunitria se revela como uma realizao coletiva e a gerao
de contedos voltados para o desenvolvimento comunitrio local (2007,
p. 250) Assim pode-se dizer que a comunicao comunitria surge para
trabalhar em favor das mobilizaes sociais e do desenvolvimento, mas
em um sentido bem mais amplo do que o que se pensa como local. A
noo de comunicao para um desenvolvimento sustentvel e participativo
a nica aceitvel na atual conjuntura brasileira, embora sob outras
denominaes tais como comunicao e mudana social, comunicao para a
cidadania j que a expresso
34. 33 comunicao para o desenvolvimento h muito tempo caiu em
desuso no pas. (PERUZZO, 2007, p. 256) A autora (2007) continua
chamando a ateno de que Havendo cidadania, haver desenvolvimento
social. Mas como nos lembra Alves (2003) A descrio da comunicao
comunitria conectada ao desenvolvimento e tendo como bases o acesso
e a participao popular, como nos apresentada a parir de estmulos da
UNESCO e outras organizaes internacionais, exige crtica. (ALVES,
2003, p. 207) Neste contexto, percebe-se em Alves e Jambeiro ao
dizer que a partir do movimento local, atingiremos as leis que
ainda no provem recursos democratizadores e estimulam privilgios.
Rev-los (ou redirecion-los) o caminho para no criarmos novas fices
de desenvolvimento. (ALVES, 2007, p. 215). Para Jambeiro (2007, p.
221) As polticas so determinadas, na forma e no contedo, pela
mobilizao, articulao e confrontao de grupos de interesse. Uma forma
importante de promoo do desenvolvimento local a realizao de
coberturas jornalsticas nos mais diversos campos, no que concerne
historicidade e aos acontecimentos de fatos que envolvem o
interesse popular, inserindo em sua grade de programao temas que so
do interesse da comunidade. Desse modo, uma ao comunicacional prvia
e indispensvel aquela que estabelece a conversao pblica em torno
dos fins da cidade nova ou renovada e sugere metodologia de
acompanhamento das aes (ALVES, 2007, p.213) O autor atenta ainda
que Somente no seio dessas definies que programas de educao
tecnolgica podem servir como expresso cidad diferentemente do que j
o fizeram na histria. (ALVES, 2007, p.213) Um aspecto que pode ser
levado em considerao como fator muito interessante neste contexto a
presena da comunicao comunitria inserida e conectada aos processos
de desenvolvimento local, uma vez que esta possibilita uma abertura
para a participao da comunidade e assim pode contribuir para a
democratizao da informao e o desenvolvimento da sociedade, conforme
atenta Bahia:
35. 34 Dessa forma, a mdia comunitria mantm-se aberta
participao da comunidade em todo o processo de criao, produo e
divulgao da mensagem, assim como na gesto da prpria mdia, entre
outras caractersticas. (2008.p.73) possvel perceber, desse modo,
que uma vez implantada em uma determinada comunidade, a comunicao
comunitria pode contribuir para que o desenvolvimento acontea,
havendo abertura para a participao popular.
36. 35 3. RDIO COMUNITRIA: do cenrio nacional ao Territrio do
Sisal 3.1 Rdio Comunitria: Trajetria, Conceitos e caractersticas
Diante de todo um cenrio montado pelos governos que perpassam a era
Vargas nos anos 1930, o perodo em que se configurou o regime
militar, at chegar Nova Repblica, os movimentos sociais entenderam
que era preciso fazer o contraponto e andar na contramo do
oligoplio dos meios de comunicao, por meio das [...] primeiras
transmisses radiofnicas comunitrias entre os anos de 1970 e 1980,
oriundas dos movimentos sociais populares. (BAHIA, 2008, p.32).
Desse modo, as Rdios Comunitrias nascem como uma ferramenta de
comunicao alternativa. So elas que surgem como veculos que vm com o
ousado propsito de fazer a inverso da lgica capitalista, a qual
prevalece sempre o lucro individual ou de uma minoria, seja ela
poltica ou financeira. A diferena fundamental de uma rdio
comunitria est em pertencer comunidade, ser organizada, dirigida,
pautada e operada pela comunidade. Quem fala e quem ouve a
comunidade, sem os mediadores diplomados [...] E saber no mercado
os profissionais, quando deles sentir necessidade. (PERUZZO, 1998,
p.11) As rdios comunitrias tm em seu surgimento o grande propsito
de mobilizar, articular e recuperar o esprito coletivo e comunitrio
da comunicao no Brasil, por meio da organizao de uma camada da
sociedade que se sente oprimida, mas que se fundamenta nas lutas de
uma coletividade em busca de objetivos que so comuns a todos. A sua
grande vantagem sobre as rdios comerciais justamente a
possibilidade de qualquer pessoa da comunidade participar. Alm
disso, so mais especficas, falam sobre assuntos locais, que dizem
respeito comunidade e que normalmente no so noticiados em emissoras
comerciais. Assim, so capazes de mobilizar a populao a buscar
melhorias na qualidade de vida, formando identidade coletiva,
abrindo espaos para a exigncia de direitos e mudanas no que no est
sendo cumprido nem atendido. Atravs das rdios comunitrias, pessoas
e vozes que dificilmente so ouvidas nas redes comerciais tem espao
para as suas manifestaes. (GIRARD e JACOBUS, 2009, p. 10)
37. 36 No Brasil, historicamente, conforme Luz (2007), as
elites sempre foram favorecidas, sobretudo no que diz respeito ao
acesso aos meios de comunicao, privando os cidados de um dos
direitos consagrados previstos na Constituio Federal: a liberdade
de expresso e o acesso informao. [...] foi tirado do brasileiro o
seu direito de se expressar. No Brasil sempre falaram os mesmos a
elite nacional. dela 98% dos canais de rdio e televiso. Por isso,
uma das funes da rdio comunitria fomentar a cidadania, ensinando as
pessoas sobre os seus direitos. E, entre eles, o direito liberdade
de expresso. (LUZ, 2007, p.17) Luz (2007) ainda enfatiza a
importncia do papel de uma rdio comunitria na divulgao desses
direitos, por isso a programao de uma emissora deve insistir na
divulgao desse direito. O autor ainda atenta que a rdio existe por
conta desse direito, mas preciso divulgar isso para a populao.
(LUZ, 2007, p. 17) Desse modo, Ciclia Peruzzo traz contribuies no
que se refere a aspectos que caracterizam uma rdio propriamente
comunitria, ao observar experincias que vem sendo desenvolvidas.
Eis as caractersticas delas: a) Sem fins lucrativos. Comercializar
espao publicitrio para patrocnio na forma de apoio cultural, ou at
presta servios, de udio a terceiros, mas os recursos arrecadados so
canalizados para custeio e manuteno e/ou reinvestimento, e no para
o lucro particular. b) produto da comunidade. Sob o ponto de vista
da programao, que tende a ter um vinculo orgnico com a realidade
local., tratando de seus problemas, suas festas, suas necessidades,
seus interesses e sua cultura. E ainda por possuir sistemas de
gesto partilhado, ou seja, funciona na base de rgos deliberativos
coletivos, tais como conselhos e assembleia. c) Favorece uma
programao interativa com a participao direta da populao ao
microfone e at produzindo e transmitindo seus prprios programas,
atravs de suas entidades e associaes. Portanto, garantido o acesso
pblico ao veculo de comunicao. Alis, nesse tipo de experincia de
comunicao, desde os alto- falantes e outros veculos, nos anos
recentes, que tem sido concretizados as mais completas formas de
interatividade nos meios de comunicao, recentemente descoberta e
ensaiada, com grandes limitaes, pela grande mdia. d) Valoriza e
incentiva a produo e transmisso das manifestaes culturais local. e)
Tem compromisso com a educao para a cidadania no conjunto da
programao e no apenas em algum programa especfico.
38. 37 f) Democratiza o poder de comunicar proporcionando o
treinamento de pessoas da prpria comunidade para que adquiram
conhecimentos e noes tcnicas de como falar no rdio, produzir
programas etc. (1998, p.11-12) Fazendo, portanto, desse canal de
comunicao um veculo, acima de tudo democratizado, informativo e
participativo, de acordo com Jambeiro (2007, p. 216) ao dizer que
Este tipo de poltica de informao e comunicao atendem aos preceitos
do direito de acesso informao, geralmente se prope a abranger tambm
o direito de acesso aos meios. Na viso do autor (2007), isto tornar
possvel que pessoas e organizaes sociais utilizem espaos e tempos
da mdia para expor seus pontos de vista sobre a realidade em que
vivem. Nesta perspectiva e comungando com o que diz Bahia (2008, p.
31), tais veculos tm estreita relao com os movimentos sociais
organizados da sociedade civil e podem atuar como agendadores do
debate pblico, assim como contribuir pra formar uma cultura
democrtica nos espaos em que esto inseridos. As rdios comunitrias
so, de fato, o canal que possibilita o acesso e o dilogo da
comunidade com a prpria comunidade. Segundo Bahia (2008), Cicilia
Peruzzo define as rdios comunitrias como aquelas que tm gesto
pblica, operam sem fins lucrativos e tem programao plural. Elas
encaixam-se no perfil das rdios de baixa potncia. (BAHIA, 2008 apud
Peruzzo). Entretanto, nas palavras de Bahia (2008), Peruzzo nos
chama a ateno que nem toda rdio de baixa potncia deve ser vista
como comunitria. Essa posio da autora notada medida que ela [...]
chama a ateno para o fato de que nem todas as rdios de baixa
potncia, devem ser vistas como comunitrias, sendo necessrio
distinguir as que realmente desempenham papel comunitrio daquelas
que empenham essa bandeira, mas que, de fato, so comerciais.
(BAHIA, 2008, p. 33). Esse fenmeno acaba, por sua vez, forando que
haja uma certa generalizao que acaba desqualificando as rdios
comunitrias que assumem o compromisso com a comunidade. Bahia
(2008) ainda caracteriza as rdios comunitrias como que [...]
aquelas que, tendo como finalidade primordial servir comunidade
podem contribuir
39. 38 efetivamente para o desenvolvimento social e a construo
da cidadania. (BAHIA, 2008 apud Peruzzo, p.31). Dessa forma, nas
palavras de Bahia (2008), a programao comunitria est definida no
foco de uma realidade local e efetivamente com um processo de gesto
coletiva, em que deve haver a participao da comunidade. A programao
comunitria se define a partir do foco centrado na realidade local,
e a gesto deve ser coletiva, contando com a participao direta da
comunidade a partir da deliberao de conselhos e assemblias. (BAHIA,
2008, p. 33). Rdio comunitria, nas palavras de Denize Cogo (1995,
p. 75), visa Democratizar a palavra que est concentrada em poucas
bocas e em pouqussimas mos para que nossa sociedade seja mais
democrtica. Frente a este mesmo contexto, o pesquisador Dioclcio
Luz (2007, p. 17), diz que a gesto de uma rdio comunitria precisa
ser de controle social. Visto que se trata de um instrumento que
resulta de um forte enfrentamento para que se chegue a essa
conquista. Cogo (1995, p.75), ainda traz outras contribuies dizendo
que [...] a rdio comunitria deve ser, portanto, um instrumento, em
que vrias mos devem abra-la e gest-la, afim de que haja o
sentimento de pertena pelos diversos segmentos inseridos na
comunidade onde ela est implantada. O que caracteriza em uma ideia
de construo coletiva. 3.2 Radiodifuso Comunitria no Territrio Do
Sisal Antes de tratar do tema em questo, preciso dizer que o
Territrio da Cidadania do Sisal est localizado no semirido
nordestino, distante pouco mais de 200 quilmetros de Salvador,
capital do Estado da Bahia. Conforme o sistema de Informaes Portal
da Cidadania, a sua populao est estimada em um total de 582.331
habitantes, dos quais 333.149 vivem na rea rural, o que corresponde
a 57,21%, e possuindo cerca de 58.238 agricultores familiares,
2.482 famlias assentadas, duas comunidades quilombolas e uma terra
indgena. (HTTP://SIT.MDA.GOV.BR). Presenciei a efervescncia das
discusses sobre a ideia de Territrio que comea a ser discutida j no
inicio dos anos 2000, pela forte mobilizao das lideranas da
sociedade civil organizada, visto que estas compreendiam ser
de
40. 39 extrema necessidade um debate das questes e demandas
sociais, numa perspectiva territorializada como afirma Santos No
esforo de pensar o seu lugar, a partir de sua heterogeneidade, e de
suas demandas diversas e comuns, a sociedade civil comea a discutir
suas questes numa perspectiva de territrio, e no mais de regio, o
que resultou no Conselho de Desenvolvimento Territorial do Sisal.
(CODES) (2011, p. 51) Criado em 2002, o Territrio do Sisal detentor
de uma rea territorial de 21.256,50 quilmetros quadrados e composto
pelos municpios de Araci, Barrocas, Biritinga, Candeal, Cansano,
Conceio do Coit, Ich Itiba, Lamaro, Monte Santo, Nordestina,
Queimadas, Quijingue, Retirolndia, Santa Luz, Serrinha, So
Domingos, Teofilndia, Tucano e Valente. (NASCIMENTO e GARCIA, 2012,
p.15) Na estruturao diretiva do CODES, a sua diretoria fora
composta por 14 membros ligados sociedade civil e 14 ao poder
pblico. A entidade responsvel por desenvolver as polticas de
desenvolvimento local e administrar territorialmente as prticas e
recursos do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. (MOREIRA, 2006,
p.1-2) Logo aps a sua criao, segundo Moreira (2006, p.2), o CODES,
em se tratando de polticas de infra-estrutura, passou a coordenar
as aplicaes dos recursos oriundos do PRONAF (Programa Nacional de
Agricultura Familiar) que era apoiado pelo Governo Federal, por
meio do MDA (Ministrio do Desenvolvimento Agrrio) e da SDT
(Secretaria de Desenvolvimento Territorial). Somente em 2004, a
Espacialidade Territrio do Sisal, passa a ser reconhecida
oficialmente no mapa da Bahia. A diviso dos Territrios um
acontecimento recente, fruto da Poltica Territorial criada no
primeiro mandato do Governo Lula, o Territrio da Cidadania9 uma
estratgia de desenvolvimento regional sustentvel e garantia de
direitos sociais voltados s regies do pas que mais precisam, com o
objetivo de levar o desenvolvimento econmico e universalizar os
programas bsicos de cidadania. (OLIVEIRA, 2010, p. 33) Para
chegarmos rdio comunitria, entretanto, preciso dizer que foi a
partir do final dos anos setenta, caminhando pelos anos oitenta e
principalmente na dcada de 1990 do sculo passado, no qual o
Territrio do Sisal passa a trazer consigo de forma ainda mais
emblemtica uma histria de organizao e 9
http://www.territoriosdacidadania.gov.br
41. 40 mobilizao dos movimentos sociais e de articulao de aes
visando implantao de um processo de desenvolvimento, como atenta
Moreira: Dessa conjuntura, se consolidou um dos resultados mais
significativos deste processo no municpio de Valente. A APAEB10
Valente, criada em 1979, atua no mbito scio-poltico e na defesa
econmica construindo alternativas produtivas inovadoras. (2007, p.
104) E foi exatamente a APAEB Valente, nas palavras de Gislene
Moreira (2007, p.104), a pioneira em 1993, na criao de uma rdio
comunitria local. A ideia da criao da rdio Valente FM nasce
justamente resultante do objetivo de fortalecer a visibilidade das
aes da instituio, mas tambm difundir a poltica de mobilizao das
organizaes parceiras. [...] pensar a poltica a partir da comunicao
significa por em primeiro plano os ingredientes simblicos e
imaginrios presentes nos processos de formao de poder. O que leva a
democratizao da sociedade em direo a um trabalho na prpria trama
cultural e comunicativa da poltica. Pois nem a produtividade social
da poltica e separvel das batalhas que se travam no terreno
simblico, nem o carter participativo da democracia e hoje real fora
da cena publica que constri a comunicao massiva. (BARBERO 2006 apud
SANTOS, 2011, p. 23-34) Nascimento e Garcia (2012, p.15) chamam a
ateno que a histria da radiodifuso comunitria no Territrio
Sisaleiro da Bahia nasce fundamentalmente, como uma forma
estratgica para contribuir com o desenvolvimento local. Isso
ocorreu pela carncia de instrumentos de comunicao que fossem
comprometidos com a divulgao das aes e projetos defendidos pelos
organismos da sociedade civil e acabavam ficando invisveis, pois as
mdias existentes na regio no abriam espaos para os debates
provocados pelos movimentos sociais e que eram de demandas do
interesse coletivo. Neste mesmo contexto, Antonio Dias do
Nascimento aponta que A partir dos ltimos meses de 1996 e, da pelos
anos seguintes, essa necessidade de comunicao, intensificou-se
dramaticamente. (2005, p. 21). Desse modo, possvel notar que os
movimentos sociais compreendiam a necessidade de acelerar o passo,
seguir em frente e acompanhar o surgimento das novas tecnologias.
10 Associao de Desenvolvimento Sustentvel e Solidrio da Regio
Sisaleira.
42. 41 Eles viam que precisavam buscar mecanismos e trazer
meios de comunicao que possibilitassem a abordagem de temas e
informaes, que dessem visibilidade aos seus projetos e s demandas
sociais de interesse das famlias inseridas nas comunidades. Era
necessrio, a todo momento, convocar os chefes de famlias ou mesmo
as mes para se habilitarem ao recebimento tanto da bolsa escola,
como para serem includos em outros programas de apoio produo da
agricultura familiar que foram sendo criados, no sentido de
erradicar tambm as condies de pobreza que obrigavam as crianas ao
trabalho precoce e ao abandono da escola, alm de danos irreparveis
sua sade fsica e psquica. (NASCIMENTO, 2005, p. 21) Neste sentido,
importante salientar que as aes dos movimentos sociais no se
atentavam to somente para as lutas em favor das mudanas
pretendidas, ou seja, no focando apenas em um tema. Ciclia Peruzzo
chama a ateno que essas tentativas de mudanas estavam pautadas
tambm na [...] prestao de servios, participao plural de varias
organizaes (cada uma falando o que quer, embora respeitando os
princpios ticos e normas de programao) e divulgao das manifestaes
culturais locais. (1998, p.152). De acordo com Antonio Dias do
Nascimento, a histria social da regio registra que esses movimentos
nasceram do enfrentamento dos setores populares s situaes de
opresso s quais sempre estiveram submetidos (NASCIMENTO, 2005, p.
18). Nesta mesma perspectiva, o autor (2005, p. 19) continua
acrescentando com suas contribuies, ao dizer que Esse processo de
mobilizao e de organizao popular tem sido estimulado pelas
conquistas que vo sendo obtidas em diferentes setores, mas cujos
efeitos tendem a convergir para o objetivo comum. Caminhando
paralelamente a este perodo, fortemente debatido pelos movimentos
sociais, especificamente em Retirolndia, pelo Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, contando com o amplo apoio do MOC Movimento
de Organizao Comunitria11 e da OIT12 Organizao Internacional do
Trabalho, o problema da explorao do trabalho infantil e assim nasce
o projeto piloto naquele municpio chamado Bode Escola, conforme
destaca Moreira: 11 Movimento de Organizao Comunitria. 12 Organizao
Internacional do Trabalho.
43. 42 Em 1995, o STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais 13 de
Retirolndia em parceria com o MOC e a OIT, iniciou uma
experincia-piloto que ficaria conhecida como Bode Escola. Trinta
famlias receberam caprinos em troca de que seus filhos fossem para
escola o invs dos campos de sisal. (MOREIRA, 2007, p. 108) A partir
dessa experincia, finalmente foi criado o Programa de Erradicao do
Trabalho Infantil (PETI)14 , em 1996, e iniciado em 1997, em quatro
municpios do Territrio do Sisal: Retirolndia, Santa Luz, Valente e
Conceio do Coit, um no Territrio Bacia do Jacupe: Riacho do Jacupe.
Neste cenrio em que estavam postos em pauta os graves problemas
identificados pelos movimentos sociais em torno da explorao da
mo-de-obra infantil, algo precisava ser feito para divulgar e
denunciar essa situao de abuso e violao dos direitos de crianas e
adolescentes, visto que as emissoras existentes na regio no abriam
espaos para este tipo de debate. Entretanto, a difuso das informaes
referentes ao andamento do PETI esbarram localmente na tutoria dos
meios de comunicao regionais pelas oligarquias, que monopolizavam a
produo, o acesso e a circulao de informao local. As freqentes
denncias de mau uso do dinheiro pblico, bem como iniciativas de
mobilizao popular eram sistematicamente manipuladas, ou
simplesmente vetadas da programao. (MOREIRA, 2006, p. 6) Assim,
desencadeou-se a necessidade de uma forte mobilizao social atravs
dos meios de comunicao de massa, que deveriam ser utilizados como
estratgia de mobilizao porque os movimentos sociais entendiam que
aquele momento requeria uma boa articulao na tentativa de atender
quela demanda considerada emergencial, conforme atenta Moreira: A
problemtica do trabalho infantil deveria tambm ser alvo da
mobilizao atravs dos meios de comunicao de massa. Como estratgia de
mobilizao de veculos de maior impacto nacional e internacional,
investiu-se, principalmente via o Unicef Fundo das Naes Unidas para
Infncia, na sensibilizao, atendimento e acompanhamento da grande
mdia na cobertura sobre as questes do trabalho infantil. (MOREIRA,
2006, p. 6) Com a implantao do PETI e todo o esforo dos movimentos
sociais na tentativa de fazer ecoar as vozes daqueles que
precisavam ser ouvidos, estava 13 Sindicato dos Trabalhadores
Rurais. 14 Programa de Erradicao do Trabalho Infantil.
44. 43 acontecendo no Brasil uma grande movimentao em favor da
implantao de rdios comunitrias, conforme nos traz Nascimento Assim
como a mobilizao da regio sisaleira em torno do Peti, coincidiu com
a mobilizao nacional pela implantao de rdios comunitrias, no
tardaram, portanto, a serem implantadas as primeiras rdios
comunitrias, algumas delas antes mesmo da criao de uma lei
especfica, diante do estado de necessidade que se estava vivendo em
relao comunicao em toda a Regio Sisaleira. Baseadas no estado de
necessidade e nas garantias institucionais liberdade de expresso,
uma a uma, as rdios foram sendo implantadas nos diversos municpios.
(NASCIMENTO, 2005, p. 22) De sorte que em 1996, foi implantada a
primeira rdio comunitria no Territrio do Sisal, esta sendo a
Valente FM e posteriormente, em 1997, na Cidade de Tucano, Cruzeiro
FM. Um ano mais tarde, tive a oportunidade de testemunhar o eco de
vrias vozes, que atravs das articulaes dos movimentos sociais
ecoavam, se organizavam e ocasionaram em quase todos os municpios
do territrio sisaleiro a instalao de rdios comunitrias. Nesta mesma
caminhada, diversas organizaes da sociedade civil, empenhadas em
mudar a situao de dominao, davam o tom do grito em favor da
liberdade de expresso: Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Apaebs
(Associaes de Pequenos Agricultores do Estado da Bahia), Movimento
de Mulheres Trabalhadoras Rurais, conselhos, igrejas e o MOC
(Movimento de Organizao Comunitria) so algumas das entidades
responsveis pela mudana. A nfase so os meios de comunicao popular,
em especial o rdio que encontra fcil acolhida em uma populao de
cultura prioritariamente oral e semi-alfabetizada (MOREIRA, 2006,
p. 5) Inserido neste mesmo contexto, falar de rdio comunitria no
Territrio do Sisal, bem como de seus comunicadores, remete a
reconhecer os significados do MOC e do UNICEF15 Fundo das Naes
Unidas para a Infncia nos processos de organizao e capacitaes para
comunicadores comunitrios. Essa afirmao se encontra em uma publicao
que realizei com Garcia Dentro desse contexto, uma entidade teve
papel fundamental, para a organizao, mobilizao e consolidao das
Rdios Comunitrias sisaleiras. Trata-se do Movimento de Organizao
Comunitria 15 Fundo das Naes Unidas para a Infncia.
45. 44 (MOC), que aliado ao UNICEF estava travando uma batalha
pela Erradicao do Trabalho Infantil na regio e, o MOC junto ao
UNICEF foram as primeiras Organizaes a realizarem oficinas de
capacitao para Comunicadores Comunitrios e as primeiras a darem
assessoria a estes segmentos de radiodifuso da Regio Sisaleira,
hoje Territrio do Sisal. O que hoje, credencia-nos a afirmar que no
possvel falar em Movimento de Rdios Comunitrias no Territrio do
Sisal, sem citar essas duas Organizaes, as quais foram grandes
aliadas dos Movimentos Populares do Sisal e mais que isso, da
Comunicao Comunitria em favor de um Serto mais Justo. (NASCIMENTO e
GARCIA, 2012, p. 17) Frente a essa realidade, as rdios comunitrias
no Territrio do Sisal so, sem dvida, os mais fortes e eficazes
instrumentos de comunicao que deram possibilidades reais de a
Sociedade Civil expressar seus pensamentos e defenderem seus ideais
em favor das comunidades, o que antes lhes era negado pelas rdios
comerciais. Desse modo, os movimentos sociais entendiam que atravs
de uma comunicao comunitria seria possvel debater temas e apontar
ideias e solues para seus problemas, uma vez que esta se prope a se
ocupar de contedos ligados comunidade, como sinaliza Peruzzo: A
comunicao comunitria por natureza se ocupa de contedos aderentes s
realidades sociais concretas de cada comunidade ou lugar. (PERUZZO,
2007, p. 248) Seguindo na mesma direo, Nascimento (2005, p. 22)
destaca que as rdios comunitrias So, portanto, de histria recente,
mas desde o inicio expressam os anseios da comunicao social
sonegados aos trabalhadores pelo sistema de radiodifuso comercial.
As rdios comunitrias, por serem criadas por pessoas da comunidade e
pelos movimentos sociais contribuem para que haja por estas o
sentimento de pertena conforme atenta Antonio Dias do Nascimento
quando diz que, Alm do mais, servem de reforo ao sentimento de
pertena dos seus ouvintes, na medida em que lhes ajudam a superar
as barreiras de comunicao, tornando-as cada vez mais prximos entre
si. (2005, p. 23) Na mesma linha de pensamento, Juliana Costa
Oliveira (2010) fala da concentrao dos canais de comunicao no
Territrio do Sisal, o que segundo a autora decreta restries
democratizao.
46. 45 Desse modo, diante da concentrao dos canais de comunicao
que decretam restries a democratizao, a Comunicao Comunitria surge
como meio alternativo para atender aos interesses e necessidades
coletivos. (OLIVEIRA, 2010, p. 17) A autora atenta para uma viso
mais ampla, no se atendo to somente rdio, mas defendendo a
comunicao comunitria, que segundo ela [...] uma comunicao que tem o
propsito de viabilizar a todos o direito de comunicar-se e conclui
seu pensamento definindo-a como [...] um espao plural e acessvel,
onde a comunidade tem o poder de informar, reivindicar e denunciar,
exercendo assim o papel de cidado. (OLIVEIRA, 2010, p. 17). Assim
as rdios comunitrias do Territrio do Sisal caminham em direo ao que
diz Jambeiro (2007, p. 230), tratando-se de um direito de informao
e comunicao que no se traduza no direito de proprietrios ou
concessionrios das mdias de reproduzir s ao que convm aos seus
interesses. Nesta mesma perspectiva, o autor prossegue com a sua
linha de raciocnio dizendo que, alm disso, [...] funcionam como
plataformas para troca de informao e experincia entre pessoas e
grupos de comunidade, ao invs de serem instrumentos verticais de
persuaso. (JAMBEIRO, 2007, p. 225). Neste sentido, Bahia (2008,
p.33) traz uma reflexo sobre como se d o papel de uma rdio
comunitria. A autora define que a [...] interatividade, nessa
modalidade de emissora, se d na medida em que o microfone acessvel
para que a comunidade possa se manifestar. Para Cogo (apud Bahia
2008, p.33), Democratizar, a palavra que est encontrada em poucas
bocas, e em pouqussimas mos, para que nossa sociedade seja mais
democrtica. As dificuldades financeiras para a estruturao dessas
emissoras e assim lutar pela realizao do sonho de democratizar a
palavra, tambm foram fatores preponderantes. Mas, um deles se
destacava de forma ainda mais emblemtica: o regime de perseguio
imposto s lideranas da sociedade civil e demais atores sociais
envolvidos nos processos de implantao e manuteno da radiodifuso
comunitria no Territrio do Sisal, culminando com as fortes
represses impostas pelas ol