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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL RADIALISMO EDISVÂNIO DO NASCIMENTO PEREIRA A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA EM SANTA LUZ-BA: TRAJETÓRIAS E PAPÉIS DA RÁDIO SANTA LUZ FM NA PERSPECTIVA DA COMUNIDADE CONCEIÇÃO DO COITÉ 2013

TCC de Edisvânio do Nascimento Pereira

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  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAO CAMPUS XIV GRADUAO EM COMUNICAO SOCIAL RADIALISMO EDISVNIO DO NASCIMENTO PEREIRA A COMUNICAO COMUNITRIA EM SANTA LUZ-BA: TRAJETRIAS E PAPIS DA RDIO SANTA LUZ FM NA PERSPECTIVA DA COMUNIDADE CONCEIO DO COIT 2013
  • 2. EDISVNIO DO NASCIMENTO PEREIRA A COMUNICAO COMUNITRIA EM SANTA LUZ-BA: TRAJETRIAS E PAPIS DA RDIO SANTA LUZ FM NA PERSPECTIVA DA COMUNIDADE Trabalho de concluso apresentado ao curso de Comunicao Social Habilitao em Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial de obteno do grau de bacharel em Comunicao sob a orientao do Prof. Me. Tiago Santos Sampaio. CONCEIO DO COIT 2013
  • 3. Pereira, Edisvnio do Nascimento P436c A comunicao comunitria em Santa Luz/BA: trajetrias: E papeis da rdioSanta Luz FM na perspectiva da comunidade. -- / Edisvnio do Nascimento Pereira. Conceio do Coit: O autor, 2013. 117fl.; 30 cm. Orientador: Prof. Ms. Tiago dos Santos Sampaio. Trabalho de Concluso de curso - TCC (Graduao) Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educao, Conceio do Coit, 2013 1. Cooperativismo. 2. Comunicao. 3. Identidade-imagem. I. Tiago dos Santos Sampaio. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educao Campus XIV. III. Ttulo. CDD 302.2 -- 20 ed. Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Departamento de Educao Campus XIV - UNEB
  • 4. EDISVNIO DO NASCIMENTO PEREIRA A COMUNICAO COMUNITRIA EM SANTA LUZ-BA: TRAJETRIAS E PAPIS DA RDIO SANTA LUZ FM NA PERSPECTIVA DA COMUNIDADE Trabalho de concluso apresentado ao curso de Comunicao Social Habilitao em Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial de obteno do grau de bacharel em Comunicao sob a orientao do Prof. Me. Tiago Santos Sampaio. Data _________ / ________ / __________ Resultado __________________________ BANCA EXAMINADORA _______________________________________________ Prof. Me. Tiago Santos Sampaio (Orientador) UNEB _______________________________________________ Prof. Ma. Vilbgina Monteiro dos Santos UNEB _______________________________________________ Prof. Ma. Nisia Rizzo de Azevedo UNEB
  • 5. Josefa e Marcelino, meus pais, que sempre dedicaram de maneira inenarrvel as suas vidas minha vida. Pelas suas simplicidades e gestos de amor incondicional, me ensinando que eu no precisava ter medo de ser honesto, do obstculo, de ser filho de famlia humilde, de ser nascido na zona rural, de ser vtima de baixa viso... Sempre me conduziram a amar e me incentivaram buscar a realizao dos meus sonhos. Meus cinco irmos, minha famlia, meus amores, amados da minha alma. Ao meu amado av Jos Pereira de Matos (Zuquinha, in memoriam) que sempre em suas palavras singelas e amveis embalava meus sonhos me colocando altura de um ser mais importante deste pas.
  • 6. AGRADECIMENTOS Rdio Comunitria Santa Luz FM, atravs de toda a sua equipe de diretores, secretrias e locutores, pela confiana e compreenso nas minhas ausncias principalmente na reta final deste estudo. Por me permitir adentrar na sua intimidade, facilitando o acesso a todas as informaes documentais e exp-las. Aos movimentos sociais, em especial, os de Santa Luz, por fazerem com que hoje esta cidade tenha um canal que permite a livre expresso. E eu sou fruto dessa abertura. Ao meu orientador Tiago Santos Sampaio pela leitura criteriosa e exaustiva dos textos e, principalmente, pela pacincia, dedicao, zelo e compreenso durante todo o percurso deste trabalho, desde a fase embrionria ao seu nascimento, me encorajando e me animando quando percebia que eu estava mostrando sinais de cansao da jornada, muitas vezes causado pela limitao da minha viso. s professoras Ktia Morais e Nisia Rizzo pelas contribuies valiosas na banca do SIT1 . Vilbgina Monteiro que, mesmo estando gozando de sua merecida licena prmio, atendeu ao convite para contribuir grandemente fazendo parte da banca examinadora. A todos os professores, colegas e amigos que fizeram parte dessa caminhada. E os que tentaram ao menos compreender as minhas ausncias e o meu distanciamento, quando optei por me isolar nos momentos de leituras mais acuradas e da solido dos processos de produo. Especialmente minha noiva Deise, sem voc certamente as luzes que me inspiram e iluminam, principalmente nas horas da escrita, no brilhariam com tamanha grandeza e generosidade. Concluo dizendo o meu muito obrigado aos sujeitos que fizeram parte deste estudo pela disponibilidade em responder com pacincia e pelo carinho com o qual me receberam para as entrevistas. 1 Seminrios Internos de Trabalhos de Concluso de Curso.
  • 7. A liberdade um dos dons mais preciosos que o cu deu aos homens. Nada a igualam, os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida. (Miguel de Cervantes)
  • 8. RESUMO A dedicao empreendida durante o percurso deste estudo foi com a perspectiva de tentar trazer elementos tericos e bases conceituais. A fim de buscar uma compreenso histrica da comunicao comunitria no municpio de Santa Luz, atravs da perspectiva da comunidade. Antes, trago a compreenso de como se do as polticas de comunicao no Brasil: da comunicao hegemnica comunicao comunitria, perpassando pela concentrao miditica e a Constituio de 1988. Neste mesmo caminho, aponto para o cenrio da comunicao na redemocratizao e a lei que institui o servio de radiodifuso comunitria, dialogando sobre a mesma, cidadania e mobilizao, sem perder de vista a legislao vigente. Por meio destes esforos procuro abordar sobre radiodifuso comunitria: do cenrio nacional ao Territrio do Sisal, abordando a rdio comunitria com focos no Territrio do Sisal: sua trajetria, conceitos e caractersticas e a Rdio Santa Luz FM: histrico e atuao. Como fator combinante para que haja a compreenso, trago as tcnicas de pesquisa documental, reviso bibliogrfica e entrevistas semi-abertas, a partir das quais descrevo o cenrio da comunicao comunitria em Santa Luz: trajetrias e papis da rdio Santa Luz FM na perspectiva da comunidade. Como resultado alcanado, percebe-se que na viso dos entrevistados a rdio tem cumprido o seu papel enquanto comunitria, porm ainda h lacunas que precisam ser preenchidas em relao natureza da rdio comunitria. PALAVRAS-CHAVE: comunicao comunitria; Santa Luz FM; movimentos sociais, democratizao; cidadania.
  • 9. ABSTRACT The dedication undertaken during the course of this study was to try to bring the perspective of theoretical elements and conceptual bases. In order to seek a historical understanding of community communication in Santa Luz, from the perspective of the community. Before, I bring an understanding of how to provide communication policies in Brazil: the hegemonic communication community communication, passing through the media concentration and the 1988 Constitution. In this same way, I point to the scenario of communication in democracy and law establishing a community broadcasting service, talking about it, and mobilizing citizens, without losing sight of the legislation. Through these efforts seek to address community broadcasting: the National Territory Sisal scenario, addressing community radio with outbreaks in Sisal Territory: its history, characteristics and concepts and FM Radio Santa Luz: history and performance. How combinante so there is understanding factor, bring the techniques of documentary research, literature review and semi-open interviews, from which I describe the scenario of community communication in Santa Luz: trajectories and papers of FM radio Holy Light from the perspective of community. As result achieved, it is noticed that in the view of respondents radio has fulfilled its role as a community, but there are still gaps that need to be met in relation to the nature of community radio. KEYWORDS: community communication; Holy Light FM, social movements, democratization, citizenship.
  • 10. LISTA DE SIGLAS ABERT- Associao Brasileira de Empresas de Rdio e Televiso ABRAO - Associao de Rdios Comunitrias ABRACO - SISAL - Associao de Rdios Comunitrias do Territrio do Sisal Sisal AM - Amplitude Modulada AMAC - Agencia Mandacaru de Comunicao e Cultura AMARC Brasil - Associao Mundial de Rdios Comunitrias AMIRT - Associao Mineira de Rdio e televiso ANATEL - Agencia Nacional de Telecomunicaes ANDI - Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia APAE - Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais APAEB - Associao dos Pequenos Produtores do Estado da Bahia APLB - Sindicato dos Trabalhadores em Educao do Estado da Bahia ASA - Articulao do Semi-rido BA - Bahia BF - BrazilFoundation BPM - Batalho de Polcia Militar CBT - Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes CDL - Cmara de Dirigentes Lojistas CEAIC - Centro de Apoio aos Interesses Comunitrios CEB - Comunidade Eclesial de Base CEEP - Centro Estadual de Educao Profissional do Campo Paulo Freire CF - Constituio Federal CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente CODES SISAL - Conselho Regional de Desenvolvimento Rural Sustentvel da Regio Sisaleira do Estado da Bahia CP - Cooperativa da Pedra CT - Conselho Tutelar ECA - Estatuto da Criana e do Adolescente FATRES - Fundao de Apoio aos Trabalhadores Rurais da Regio do Sisal FM - Freqncia Modulada
  • 11. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IMAQ - Instituto Maria Quitria INCRA - Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria KW - Kilowatt (mil watts) LIDER - Liga Desportiva e Cultural dos Assentamentos da Regio Sisaleira MC - Ministrio das Comunicaes MDA - Ministrio do Desenvolvimento Agrrio MiniCom - Ministrio das Comunicaes MOC - Movimento de Organizao Comunitria MP - Ministrio Pblico MST - Movimento dos Sem-Terra ONG - Organizao No Governamental PDT - Partido Democrtico Trabalhista PETI - Programa de Erradicao do Trabalho Infantil PMDB - Partido do Movimento Democrtico Brasileiro PRONAF - Programa Nacional de Agricultura Familiar PT - Partido dos Trabalhadores Rad.Com - Rdio Comunitria RC - Rdio Comunitria S.A. - Sociedade Annima SDT - Secretaria de Desenvolvimento Territorial STP - Sindicatos dos Trabalhadores das Pedras STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais STRAF - Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana UFBA - Universidade Federal da Bahia UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UnB - Universidade de Braslia UNEB - Universidade do Estado da Bahia UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia UNIP - Universidade Paulista
  • 12. SUMRIO APRESENTAO.....................................................................................................12 1. INTRODUO....................................................................................................15 2. POLTICAS DE COMUNICAO NO BRASIL: da comunicao hegemnica comunicao comunitria..........................................................................................20 2.1 A concentrao miditica e a Constituio de 1988.........................................20 2.2 O cenrio da comunicao na redemocratizao e a Lei 9612/98...................23 2.3 Comunicao comunitria, cidadania e mobilizao........................................29 3. RDIO COMUNITRIA: do cenrio nacional ao Territrio do Sisal ......................35 3.1 Rdio Comunitria: Trajetria, Conceitos e caractersticas..............................35 3.2 Radiodifuso Comunitria no Territrio Do Sisal .............................................38 3.3 Rdio Santa Luz FM: histrico e atuao ........................................................49 4. RDIO SANTA LUZ FM: o percurso de uma comunicao comunitria...............62 4.1 Aportes metodolgicos da pesquisa ................................................................62 4.2 Santa Luz FM: uma trajetria reconhecida e documentada.............................63 4.3 O papel da Rdio Santa Luz FM: perspectivas da comunidade.......................68 CONSIDERAES FINAIS ......................................................................................91 REFERNCIAS.........................................................................................................98 APNDICES............................................................................................................103 ANEXOS .................................................................................................................112
  • 13. 12 APRESENTAO Ainda criana eu gritava, al, al minha gente! Meus amores do rdio! Isso porque dedicava a minha vida a ouvir os comunicadores das rdios AM2 que, atravs de suas ondas sonoras, chegavam aos meus ouvidos e assim, procurava imit-los. Alis, cabe aqui mencionar que, por ser vtima de baixa viso e ter sofrido problemas de sade na minha infncia, meus pais sempre preferiram que ficasse em casa, estudando e com os irmos menores. Assim, quase que no ia para o trabalho na lavoura da roa. Logo preenchia muito do meu tempo, ouvindo rdio. Comunicao sempre foi a base para a minha caminhada e o rdio, a razo dos meus sonhos, das minhas realidades e dos meus projetos de vida. Desse modo, ainda quando criana, residindo na Fazenda Boa Vista, no municpio de Quijingue3 , o rdio j se tornava o meu maior encantamento. Talvez pelo fato de apreciar muito o processo de escuta, isso em decorrncia da minha baixa viso. Depois, porque sempre fui fascinado desde os primeiros passos da minha infncia sobre o quo fascinante e mgico o rdio, que ao ouvi-lo eu construa imagens, projetava sonhos e esse sentimento de afetividade s cresceu com o passar dos anos. Essa relao de paixo, amor e fascnio pelo rdio cresceu ainda mais a partir de 1994, quando vim para Santa Luz morar com meus tios e cursar a quinta srie do ensino fundamental e posteriormente, o ensino mdio, ambos no CENOS (Centro Educacional Nilton Oliveira Santos). Poder ingressar no rdio, em 1998, foi para mim, sem dvidas, poder ter a magia da minha infncia, dos meus sonhos e das minhas caminhadas ainda quando criana. Porm, no imaginava que ao andar neste caminho, teria que enfrentar tantos obstculos e, mesmo assim, os enfrentei e ouso dizer aqui, creio que os venci, ou melhor, estou os vencendo. Eis, portanto, o motivo pelo qual, me proponho a discutir sobre o tema, o qual eu no posso considerar aqui que este estudo pretenda esgotar o debate em torno da comunicao comunitria no municpio de Santa Luz, a partir da Rdio Santa Luz 2 Amplitude modulada. 3 Palavra de origem indgena, do tupy-guarany, que significa Mata Fechada. Cidade do interior da Bahia, localizada a 333 km da capital Salvador.
  • 14. 13 FM, mas, sobretudo, trata-se de comear uma nova fase dele. Desta vez, enveredando pelos caminhos da teoria e do fazer cincia. Dessa forma, analiso que se faz necessrio lhes apresentar a partir de agora os motivos que me conduzem a trazer baila o presente trabalho, o qual sem dvidas, parte do resultado da minha implicao no trajeto da comunicao comunitria em Santa Luz. Neste sentido, vejo a necessidade de trazer tona esse tema, pois durante a minha caminhada constatei atravs do senso comum que o rdio comunitrio em Santa Luz est possibilitando e dando oportunidade comunidade, para que esta oua a sua prpria voz, conhea a sua prpria histria e no apenas oua as vozes e as histrias que os Coronis latifundirios da Comunicao e de terras querem que ela escute. Ainda atravs do senso comum, vi tambm durante a caminhada que a rdio comunitria oferecia oportunidade de o sujeito se tornar mais humano, porque ali ele pode sentir o cheiro de gente que to simples quanto a gente, que desabafa, chora, lamenta, reivindica, mas que tambm sugere, sonha e divide sonhos conosco. Posso dizer ainda que, sendo sujeito desta histria, tambm pude ver que a comunidade sorri nas conquistas e ainda nos tem como amigos, companheiros de caminhada e do dia-a-dia, pois esse o rdio que acredito ser comunitrio de verdade e, como tenho dito o que chamo de rdio humanizado. Sinto-me realizado por j dedicar 15 anos da minha vida fazendo parte da rdio comunitria e suas mobilizaes em favor da democratizao da comunicao e, conseqentemente da informao. Outro fator motivacional que me leva a essa tomada de deciso para discutir o tema que nestes anos vi que a rdio de alguma forma contribui e facilita para que haja a insero das comunidades carentes, da periferia de Santa Luz, que passam a ter um maior acesso s ferramentas radiofnicas. A minha vida tem sido de dedicao a este instrumento de comunicao mesmo entendendo que daqui a pouco terei que me despir dessas paixes e realmente tentar trabalhar com a realidade. Assim, chegada a hora de no apenas falar dos meus sentimentos, da minha ligao afetiva, mas principalmente de trazer tona outras situaes que at ento no eram tratadas por mim.
  • 15. 14 Desse modo, vejo que me sinto amadurecido para tratar do tema e assim procurar analisar de forma coerente e cuidadosa a comunicao comunitria em Santa Luz-BA: trajetrias e papis da rdio Santa Luz FM na perspectiva da comunidade. Para isso, preciso me afastar da paixo e do apego ao que vi e ao que vivi durante estes quinze anos e, ao mesmo tempo, viajar cientificamente, para assim qui contribuir com as discusses acadmicas e cientficas acerca do tema comunicao comunitria e com embasamento terico discutir se de fato existem contribuies para a comunicao de Santa Luz.
  • 16. 15 1. INTRODUO H dezenove anos residindo em Santa Luz, posso afirmar que pude vivenciar de perto diversos momentos marcantes naquela cidade, sobretudo no que se refere a mobilizaes sociais. Ali descobri o prazer pelos movimentos sociais, sejam eles estudantis, sindicais, cooperativistas ou associativistas. Ora atuando na condio de ator e sujeito destes, ora como simpatizante e ora como reprter dos eventos e mobilizaes que aconteciam em suas trajetrias. Mas importante dizer que um deles se tornou parte da minha vida e me conduziu a fazer descobertas, inclusive a minha vocao acadmica. Refiro-me ao movimento de radiodifuso comunitria, especialmente a comunicao comunitria em Santa Luz. Partindo desse pressuposto, coloco-me na condio de fonte, por me sentir sujeito legtimo dessa ao investigada e ao mesmo tempo pesquisador para tratar sobre o assunto o qual me proponho a partir de agora. Este estudo mostra que a histria da Comunicao do municpio de Santa Luz no diferente das demais conhecidas nas cidades interioranas do Nordeste brasileiro. Trata-se de uma trajetria marcada pela dominao das oligarquias e monopolizada pelas elites, latifundirios polticos e empresrios, detentores da grande maioria dos canais de comunicao. Esse fenmeno percebido nas palavras de Peruzzo; Cogo; Kapln (2002.p.73), ao dizerem que as cercas do latifndio so as mesmas que impedem o acesso sade, escola, ao trabalho, ao lazer e a certos espaos de produo culturais, sociais e religiosas. Neste contexto, o meu objeto de estudo a comunicao comunitria em Santa Luz-BA a partir das trajetrias e papis da Rdio Santa Luz FM apresentadas na perspectiva da comunidade. A histria da comunicao em Santa Luz est dividida em duas fases: a primeira, at maio de 1998, quando a comunicao era realizada atravs das ondas sonoras de emissoras comerciais que penetravam no municpio, dos servios de alto-falantes e carros de som, alm das reunies nas associaes comunitrias, sindicatos, igrejas e por meio de folhetos que alguns estudantes faziam circular de
  • 17. 16 forma espordica na cidade, conforme os entrevistados Givaldo do Carmo Souza4 e Jakson da Silva Avelino5 , quando dizem: [...] era um cenrio marcado pela presena constante, massificada de rdios comerciais [...] existia a comunicao mvel onde no era um servio de comunicao comunitrio. (GIVALDO DO CARMO SOUZA, ENTREVISTADO, 2013) bom se dizer isso, onde as pessoas tinham que contratar para estarem anunciando, ou a no ser que pudesse conseguir atravs de carros de som do municpio e dos servios de alto-falante [...] (JAKSON DA SILVA AVELINO, ENTREVISTADO, 2013) J a segunda fase comea a partir do dia 21 do ms cinco daquele ano, quando as organizaes da sociedade civil, com lideranas comunitrias e igrejas, objetivaram criar e dar vida a um instrumento que pudesse ser um meio de comunicao confivel, responsvel e transformador. Nasce, portanto, a Rdio Comunitria Santa Luz FM. Este mesmo meio certamente possibilitou que os parceiros e demais organismos sociais e a sociedade organizada conseguissem externar seus anseios, suas aes, seus projetos, suas dificuldades e cobrar dos rgos competentes mais respeito e seriedade. Ou seja, tudo aquilo que se refere aplicao do dinheiro pblico, bem como a elaborao e execuo das polticas pblicas, ao encontro do desenvolvimento local. Desse modo, devo dizer que certamente o mesmo grito que ecoava da sala de reunies da sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais naquela noite de 21 de maio era para solidificar a comunicao comunitria de forma interativa, crtica e democratizada, possibilitando uma melhor qualidade de vida para a populao de Santa Luz. Frente a esse contexto, posso perceber que essa resposta emerge, quando surge a percepo de que toda a comunicao comunitria nascera quando a sociedade civil vivenciou que o monoplio da terra e da gua estava umbilicalmente ligado ao monoplio da mdia. (MOREIRA, 2007, p.101). Diante desses aspectos, posso dizer seguramente que a relevncia social desse trabalho est presente nas caractersticas que marcam o processo de 4 Diretor cultural e de comunicao social da Rdio Comunitria Santa Luz FM. 5 Jakson da Silva Avelino Membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente.
  • 18. 17 fundao da Rdio Comunitria Santa Luz FM e no propsito com o qual as Organizaes Sociais decidiram optar por sua implantao. Isso me torna mais seguro do quanto importante tambm fazer essa abordagem no meio acadmico, para perceber atravs da investigao como acontece a comunicao comunitria em Santa Luz-BA trajetrias e papis da rdio Santa Luz FM na perspectiva da comunidade. Para tanto, posso destacar que este contexto, cientificamente, poder trazer contribuies que serviro de legado para reflexes tericas futuras, no apenas para a Universidade do Estado da Bahia, mas tambm para outros meios acadmicos. Contudo, almejo que essas reflexes no fiquem trancafiadas entre os muros da Universidade, mas que possam ser reverberadas nos movimentos sociais e especialmente entre aqueles que lutam pela democratizao da comunicao. Desse modo, o objetivo geral desse estudo foi repertoriar a trajetria da comunicao comunitria em Santa Luz a partir da Rdio Comunitria Santa Luz FM, investigando as contribuies desta para o desenvolvimento da comunicao do municpio na perspectiva de membros da comunidade. Para isso, tenho trs objetivos especficos em vista: debater o desenvolvimento das polticas de comunicao a partir dos seus dispositivos legais nos mbitos nacional e territorial, com vistas a perceber a emergncia da regulao sobre a comunicao comunitria; discutir os conceitos de Comunicao Comunitria e desenvolvimento local, Comunicao Comunitria e mobilizao social, enfatizando o papel da rdio comunitria como agente de democratizao da comunicao e repertoriar as contribuies, desafios, entraves e proposies relacionados trajetria da Rdio Santa Luz FM, discutindo-a luz dos pressupostos tericos discutidos e das contribuies da comunidade. No percurso desse estudo, abordo as contribuies da Rdio Santa Luz FM na narrao e registro de acontecimentos histricos locais, discutindo se a rdio consolida a comunicao comunitria em Santa Luz e verifico se a emissora promove a participao popular atravs da comunicao, e ainda se ela pauta reivindicaes populares, bem como medidas de aproximao entre poder pblico e comunidade. Neste estudo, aponto tambm se a Santa Luz FM gera a identificao e promoo da cultura local, analiso se ela incentiva a mobilizao local em torno de causas populares e se utiliza prticas e conceitos como cidadania e
  • 19. 18 desenvolvimento local via comunicao comunitria. Abordo ainda se a emissora projeta a imagem da cidade e apresento proposies de melhoria na atuao da Rdio Santa Luz FM no municpio. Todos estes aspectos tratados a partir das seguintes fontes: a perspectiva de membros da comunidade; a minha participao no processo de construo da rdio Santa Luz FM e escritos sobre a emissora encontrados em documentos, cartas, trabalhos acadmicos, dentre outros. Para este estudo, trago as contribuies de vrios autores, como Ciclia Peruzzo (1998, 2002, 2003, 2004, 2006, 2007 e 2009), Dioclcio Luz (2004, 2007, 2008, 2011 e 2013) e Lilian Mouro Bahia (2008) dentre outros que tratam de comunicao comunitria, cidadania, mobilizao social e desenvolvimento local e radiodifuso comunitria. Ainda trago as contribuies de Gislene Moreira (2005, 2006, 2007 e 2008) e Antonio Dias do Nascimento (2005) e outros que discutem Comunicao comunitria e o Territrio do Sisal, alm de Octavio Penna Pieranti (2007) e outros que apresentam o percurso histrico da comunicao no Brasil e a sua legislao. Dentro desse cenrio, utilizo como percurso metodolgico e instrumentos de coleta a reviso bibliogrfica, pesquisa documental, entrevista semi-aberta e a observao participante. Fundamentalmente, mergulho com a maturidade adquirida ao longo destes quase quatro anos de curso e, para isso, necessrio que eu faa uma viagem em trs captulos e estas trs paradas so fundamentais para que possa lhes trazer uma leitura prazerosa. A primeira parada na estao Polticas de comunicao no Brasil: da comunicao hegemnica comunicao comunitria. Nela discuto a concentrao miditica e a Constituio de 1988. Nela tambm discuto o cenrio da comunicao na redemocratizao e a Lei 9612/19986 e Comunicao comunitria, Cidadania e mobilizao. Trazendo na bagagem um breve relato sobre o contexto histrico nacional, com focos na legislao vigente. No segundo captulo, trato da Radiodifuso comunitria: do cenrio nacional ao Territrio do Sisal, abordando a rdio comunitria: sua trajetria, conceitos e caractersticas e o tpico Rdio Comunitria no Territrio do Sisal Rdio Santa Luz FM Histrico e atuao. Descrevo o cenrio da comunicao comunitria em 6 Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9612.htm.
  • 20. 19 Santa Luz-BA: trajetrias e papis da rdio Santa Luz FM na perspectiva da comunidade. Para isso, buscarei fazer um apanhado histrico da situao da comunicao em Santa Luz, as inquietaes das organizaes sociais acerca da ausncia de um instrumento que pudesse dar vez e voz ao povo. Neste mesmo contexto direi que a poca vivia o apogeu das discusses e denncias sobre a explorao do trabalho infantil no Territrio do Sisal, especificamente em Santa Luz, no trabalho das pedreiras e no Sisal e, paralelo a ele, estava implantado o Programa de Erradicao do Trabalho Infantil (PETI). De modo que trago na bagagem como surgem as primeiras ideias de fundao da rdio, que nasce dos fruns diocesanos, das reunies dos sindicatos, associaes, cooperativas e igrejas, ambas preocupadas com a situao, at chegar noite de 21 de maio de 1998, na sala de reunies do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Nessa ocasio, ecoou o grito pela democratizao da comunicao no municpio e, a partir daquela noite, certamente a comunicao no seria mais a mesma em Santa Luz. Assim, abordo como a Santa Luz FM vem contribuindo para a democratizao da comunicao no municpio. Partindo dos aspectos colocados nos dois primeiros captulos, os quais me norteiam a trazer algumas proposies, nasce o terceiro, que se intitula Rdio Santa Luz FM: o percurso de uma comunicao comunitria. Nele pontuo o papel da Rdio Santa Luz FM: perspectivas da comunidade, onde tento problematiz-los e assim trago algumas proposies que possam qui provocar reflexes que possibilitem ampliar a discusso sobre o tema comunicao comunitria. Essa a estrada que os convido a percorrer, mas devo dizer-lhes que ela continua e a minha vontade que voc possa fazer uma boa viagem rumo aos caminhos da democratizao da comunicao.
  • 21. 20 2. POLTICAS DE COMUNICAO NO BRASIL: da comunicao hegemnica comunicao comunitria 2.1 A concentrao miditica e a Constituio de 1988 A rdio, especialmente a comunitria, uma ferramenta de comunicao que tem feito parte de minha vida h mais de quinze anos e, por essa razo, pretendo abord-la na perspectiva de ampliar os debates em torno do potencial desse instrumento de comunicao popular. Antes, entretanto, de discutir a radiodifuso comunitria, suas caractersticas e modos de atuao, proponho uma incurso sobre a trajetria das polticas de comunicao no Brasil, por entender que os mecanismos de regulamentao forjados ao longo de anos determinaram uma poltica excludente no que diz respeito ao usufruto da comunicao como direito pblico. Delimito alguns pontos marcantes da trajetria das polticas de comunicao: a Constituio brasileira de 1988 e a Lei 9612/98, por se tratar da regulamentao da radiodifuso comunitria. A histria da Comunicao Social no Brasil, conforme uma publicao que realizei juntamente com Garcia, em 2012, j nascera desde o seu principio, controversa e com graves problemas, os quais com o decorrer dos anos foram ficando ainda mais sintomticos e acentuados, no que se diz respeito democratizao das mdias. (NASCIMENTO e GARCIA, 2012, p.13) Nas palavras de Pieranti (2007), esse fenmeno acontece justamente em funo de que os meios de comunicao, desde o incio, foram passados para as mos de uma minoria poltica e econmica. Neste contexto, Pieranti (2007) chama a concentrao miditica de monoplio e oligoplio das redes e sistemas de comunicao, o que fatalmente se constitui em uma espcie de latifndio da comunicao. A concentrao miditica acaba dificultando ou mesmo impedindo o acesso aos veculos de comunicao social, o que certamente provoca a restrio da liberdade de expresso garantida na Constituio Federal de 1988 e, o que pior, trava o avano da diversidade e do pluralismo que so necessrios ao fortalecimento e crescimento da democracia brasileira.
  • 22. 21 Frente a esse cenrio, noto tambm que essa concentrao realiza a excluso da grande maioria da populao brasileira desses meios de comunicao, limitando-a ao trabalho de acordo com a lgica do capitalismo e dos lucros e tomando como base seguir sempre ao ritmo de mercado, conforme Brittos e Bolno, quando dizem que [...] milhares de coronis eletrnicos, ou seja, empresrios que sempre confundiram a comunicao, que representa a pluralidade de opinies com seus interesses estreitos de poltica partidria. Cerca de 25% das emissoras de rdio e televiso pertencem a esses polticos que exercem ou exerceram mandato, geralmente representando os partidos mais democrticos. (2005, p.50) importante salientar que os processos de regulamentao dos meios de comunicao no Brasil conferem facilidades para que acontea a histrica concentrao desses veculos de comunicao nas mos de uma minoria de pessoas que se tornam por sua vez detentoras desses instrumentos e os utilizam em favor de seus benefcios. Isso posto por Guareschi, ao dizer que Os servios da radiodifuso so regulamentados atravs do cdigo nacional de telecomunicaes editado sob o n 4.117, de 1962. Este cdigo sofre alteraes a partir do regime militar (1964-1985), quando o decreto-lei 236 de 1967, modifica o cdigo anterior. A legislao estabelece que nenhuma entidade ou pessoa pode ter participao em mais de 10 emissoras de televiso em todo pais, das quais 5 em VHF e, duas por estado, seja VHF ou UHF e uma por municpio. (2005, p. 36) Para Pieranti (2007), no Brasil esse monoplio no pode ser visto de forma explcita, porm a presena de um oligoplio algo bastante evidente sobre o qual cabe uma ampla discusso. Conforme o autor, o artigo 220 da Constituio Brasileira visa portanto, impedir [...] a formao de monoplios e oligoplios no mbito da comunicao social. Monoplio, no plano nacional, por certo, no h no Brasil, considerando-se que diferentes grupos privados operam os meios de comunicao. A formao de possveis oligoplios, porm passvel de maior discusso. (PIERANTI, 2007, p.77). Esse fenmeno decorre de a legislao no permitir a uma entidade ou mesmo pessoa ser detentora de outorga de mais de uma dezena de emissoras no Brasil. Entretanto, as leis so burladas uma vez que se permitem registros de vrios
  • 23. 22 canais em nomes de empresas diferentes, ainda que estejam ligadas mesma famlia. Pieranti (2007) enfatiza que no Brasil existe uma poltica extremamente voltada para as relaes de interesses e poderes que permeiam a poltica nacional. Isso faz com que as concesses das emissoras sejam produtos de barganhas como moedas de troca por polticos que tm representaes significativas tanto nas esferas federal, estadual e municipal. preciso lembrar, nesses casos, as relaes que permeiam a poltica nacional. Prefeitos e governadores tm influencia no plano federal, e as entidades religiosas no raro esto ligadas a polticos. Assim, a anlise da distribuio de concesses no pode se restringir ao plano federal, onde o poder Executivo consegue, de fato, fazer uso das emissoras como moeda de troca. Os efeitos dessa poltica estendem-se por estados e municpios, dela tirando proveito os interessados nas diversas esferas. (PIERANTI, 2007, p.757) O autor (2007) deixa ainda mais clara essa relao de interesses com base no perodo dos governos militares ao afirmar Por outro lado, adotando uma poltica de fomento radiodifuso, calcada em investimentos e empresas privadas e vendo-se distante da necessidade de levar os meios de comunicao ao interior do pas, os governos militares contriburam para o fortalecimento de oligarquias regionais afeitas s comunicaes e cientes de benficos de que delas poderiam obter. Trata-se em regra, de pequenos e mdios investidores ligados ao empresariado ou elite poltica locais (quando no aos dois). (PIERANTI. 2007.p.71) O ponto de vista de Pieranti reforado por Guareschi, quando afirma que democracia na comunicao [...] representa na contemporaneidade, uma instancia de discusso anloga praa onde os antigos gregos debatiam seus problemas e decidiam sobre o projeto de sociedade que queriam. A mdia deve ser a porta voz de todos os grupos organizados da sociedade. (2005, p. 80). Para Pieranti (2007, p.76), est Consagrada como direito fundamental no Artigo 5 da Constituio Brasileira e a liberdade de expresso foi reafirmada no Art. 220, o primeiro do Capitulo V do Ttulo III referente comunicao social. Neste sentido, o Art. 220 no s reafirma a garantia das liberdades de expresso e de difuso de informaes, como tambm impede o estabelecimento de mecanismos legais que possam restringi-las. (PIERANTI, 2007, p.76).
  • 24. 23 No entanto, no Brasil, os meios de comunicao no so usados como instrumentos fortalecedores da democracia, mas, principalmente, para assegurar a legitimidade do poder de uma minoria, conforme Guareschi (2005, p.80), quando afirma que: a constatao a que se chega que a voz da maioria dos cidados silenciada, pois no tem a oportunidade de poder interferir democraticamente no projeto de construo de sua cidade. Sendo assim, podemos verificar que o Artigo 220, 5, da Carta Magna de 1988, que preconiza que Os meios de comunicao social no podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monoplio ou oligoplio no est sendo cumprido no pas, o que, acaba ferindo os princpios da democracia. preciso, portanto, que esta normatizao saia do papel e seja posta em prtica. 2.2 O cenrio da comunicao na redemocratizao e a Lei 9612/98 A partir dos anos 1980, caminhando paralelo com o enfraquecimento do regime de exceo, a poltica de concesses de outorgas em favor das velhas prticas ditatoriais no conseguiu conter mais, como antes, as mudanas no ambiente poltico. Conforme Pieranti: Ainda na dcada de 1980, os meios de comunicao dividiam-se entre conservadores, reticentes e progressistas, no que se refere a uma transio para a democracia. Nem a poltica de distribuio de concesses em favor de antigos aliados conseguiu conter as mudanas no ambiente poltico, aos poucos corroborados pelos principais meios de comunicao do pas, muitos dos quais nascidos sob o gide do regime autoritrio. (2007.p.75). Mas importante lembrar que mesmo com o enfraquecimento do regime de exceo e com o alvorecer da Nova Repblica brasileira, as prticas de distribuio de outorgas de rdios e TVs continuavam sendo as de favorecimentos aos aliados do governo. Por fim, a atitude assumida pelo governo da Nova Repblica ao adotar a distribuio de concesses de emissoras de radiodifuso como poltica de Estado, pouco difere da prtica nascida durante o regime militar (PIERANTI, 2007, p.83). Desse modo, essa forma de distribuio de outorgas j nos remete ao pessimismo quanto s possveis mudanas no cenrio no que se refere a uma possvel democratizao dos meios de comunicao, no romper da aurora da Constituio de 1988. Pessimismo que Pieranti (2007) refora ao dizer que apenas
  • 25. 24 esse fato em si j demonstra a pouca possibilidade de promover mudanas nos paradigmas das comunicaes sociais no Brasil, visto que se ope fortemente democratizao dos meios de comunicao. Pieranti conclui afirmando que A poltica de distribuio de emissoras de radiodifuso com base em critrios polticos posta em prtica pelo Estado fere, por fim, o principio da democratizao das comunicaes, tal qual definido no relatrio da UNESCO. Ela no s dificulta a participao da sociedade civil nos processos de discusso e de elaborao de polticas pblicas, como tambm evita que pequenos grupos distantes da lgica legislativa tenham acesso aos meios de comunicao de massa que dependam de concesses de freqncia por parte do Estado. (PIERANTI, 2007, p. 89) importante dizer que essa conjuntura individualista e letal democracia brasileira tem por sua vez estimulado em carter urgente o desenvolvimento da comunicao alternativa ou comunitria. Esta pode dar vida a um cenrio resistente ao modelo de comunicao ainda anacrnico e homogneo no qual tem prevalecido um discurso nico, ou seja, o das minorias detentoras do poder seja poltico, religioso ou financeiro. Comeam, ento, a efervescncia e as mobilizaes sociais em prol da democratizao da informao. Neste sentido, a sociedade civil teve um papel muito importante, conforme Gohn (2003, p.187), quando afirma que [...] a importncia da participao da sociedade civil, neste novo contexto, se faz para democratizar a gesto da coisa pblica. claro, podemos avaliar que, mesmo com esses gargalos ainda atrofiando os princpios democrticos, podem ser vistos avanos do ponto de vista das articulaes sociais. Para tal, basta que faamos uma reflexo em torno da recente democratizao do pas, a partir de 1985, como afirma Meksenas: A recente redemocratizao do Estado brasileiro na segunda metade da dcada de 1980 foi, em grande parte, o resultado da politizao da dimenso do domstico na sociedade civil. A sua expresso mais articulada evoluiu sob a forma da ao popular e precedeu a redemocratizao. A partir das fraturas que essa ao produziu no consenso instaurado pelo regime militar, vrias instituies da sociedade civil puderam defender temas e desenvolver um conjunto de prticas que incrementaram o empenho pela participao poltica democrtica. (2002, p.178). possvel perceber Meksenas (2002), que as lutas travadas em favor dos direitos sociais, bem como a redefinio das polticas que eram desencadeadas por
  • 26. 25 elas na poca, detiveram uma importante contribuio para os processos efetivamente afirmativos da cidadania dos trabalhadores. Um fator considerado bastante significativo aps esses processos de lutas a possibilidade de grande nmero de movimentos sociais se institucionalizarem. Esse fenmeno ocorreu j nos primeiros anos da dcada de 1990. Conforme atenta Meksenas: Esse processo implicou a possibilidade de vrios movimentos sociais institucionalizarem-se na dcada de 90 e serem responsveis pelo surgimento de uma nova qualidade de organizaes no- governamentais (ONGs): aquelas voltadas construo de espaos de participao poltica e institucional de segmentos de classes trabalhadoras (2002, p.178). O autor afirma tambm que no comeo da dcada acima citada, as organizaes que nasceram originariamente dos movimentos sociais se tornaram instrumentos bastante importantes para o aperfeioamento da potncia institucional da sociedade civil brasileira. Ciclia Peruzzo (2007, p.247) sinaliza que estas transformaes acontecem num contexto poltico marcado pelo descontentamento da sociedade em relao a toda uma situao de desigualdade social e de negao da participao poltica gerados pela ditadura militar em mais de duas dcadas. Para Meksenas, contraditoriamente, a redemocratizao do Estado e a renovao da sociedade civil no Brasil de 1985 a 2000 no acarretaram na consolidao da democracia com maior grau de participao poltica, equidade econmica e social. (2002, p.180). Desse modo, as foras das mobilizaes sociais se fortaleceram e foram ganhando corpo nas lutas pela garantia dos seus direitos de comunicar e de ter acesso a uma comunicao verdadeiramente democratizada, sonho esse fortalecido a partir das rdios comunitrias. As rdios comunitrias foram durante um longo perodo tratadas pelas elites como ilegais, ou mesmo muitas vezes usando termos como rdios piratas, numa tentativa de por freios mobilizao que ganhava fora em todo o pas. J no ano de 1996, surge a ideia de fundar uma instituio que pudesse representar o movimento de rdios comunitrias de forma legalmente constituda e assim nasce a (ABRAO) Associao de Radiodifuso Comunitria.
  • 27. 26 Entretanto, rdio comunitria Santa Luz FM s vai nascer pouco mais tarde, em 1998. O objetivo da ABRAO era ocasionar uma presso perante as autoridades do pas, para que estas assinassem uma lei que desse legitimidade s emissoras comunitrias, as quais at aquele perodo ainda eram consideradas como ilegais perante os rgos fiscalizadores e a prpria esfera do governo. importante salientar que enquanto os movimentos sociais se articulavam e se mobilizavam visando criar uma legislao que pudesse regulamentar o funcionamento da radiodifuso comunitria levantavam-se tambm vozes contrrias s emissoras de baixa potncia, conforme atenta Peruzzo As vozes mais ferrenhas, contrrias s emissoras de baixa potencia, provem de rgos do Governo e dos donos das emissoras convencionais, de forma isolada ou atravs de suas associaes, entre elas a ABERT - Associao Brasileira das Empresa de Rdio e Televiso. (1998, p.8) A autora ainda chama ateno para o que era narrado pelo presidente da AMIRT7 a respeito das rdios comunitrias Segundo Eurico Gode presidente da AMIRT - Associao Mineira de Rdio e Televiso, as rdios piratas causam interferncia no sinal das estaes legalmente constitudas e perpetram uma concorrncia desleal com empresas idneas, que recolhem impostos e cumprem suas responsabilidades sociais. (PERUZZO, 1998, p.8) Como se no bastasse, alm do forte lobby das associaes ligadas s oligarquias, contrrias s rdios comunitrias, naquela mesma poca ainda havia a forte represso por setores ligados ao governo, como atenta Peruzzo: O Ministrio das Comunicaes, por sua vez, tem determinado o combate a tais transmisses, e atravs de suas Delegacias Regionais, em conjunto com a Policia Federal, vem apreendendo equipamentos e fechando muitas emissoras no pas. (1998,p.8) Finalmente, em 19 de fevereiro de 1998 foi sancionada pelo ento Presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso, a Lei 9.612, que institui os servios de radiodifuso comunitria sonora em freqncia modulada (FM), permitindo que estas 7 Associao Mineira de Rdio e televiso.
  • 28. 27 funcionem com um transmissor de 25 Watts e com uma antena de no mximo trinta metros de altura. Segundo a Lei 9.612 uma rdio comunitria deve trazer como princpios fundamentais: Art. 3 O Servio de Radiodifuso Comunitria tem por finalidade o atendimento comunidade beneficiada, com vistas a: I - dar oportunidade difuso de idias, elementos de cultura, tradies e hbitos sociais da comunidade; (LEI N 9.612/1998) Para Dioclcio Luz (2007), na rdio comunitria que as pessoas podem expressar as suas ideias originais, diferentes, criativas. O autor ainda afirma que [...] na RC8 que as pessoas mostram que so diferentes, embora elas no expressem necessariamente os mesmos gostos pelas mesmas coisas. (2007.p.16- 17). A rdio comunitria ainda conforme a Lei 9.612 tem por finalidade II - oferecer mecanismos formao e integrao da comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convvio social; III - prestar servios de utilidade pblica, integrando-se aos servios de defesa civil, sempre que necessrio; IV - contribuir para o aperfeioamento profissional nas reas de atuao dos jornalistas e radialistas, de conformidade com a legislao profissional vigente; V - permitir a capacitao dos cidados no exerccio do direito de expresso da forma mais acessvel possvel. Art. 4 As emissoras do Servio de Radiodifuso Comunitria atendero, em sua programao, aos seguintes princpios: I - preferncia a finalidades educativas, artsticas, culturais e informativas em benefcio do desenvolvimento geral da comunidade; II - promoo das atividades artsticas e jornalsticas na comunidade e da integrao dos membros da comunidade atendida; III - respeito aos valores ticos e sociais da pessoa e da famlia, favorecendo a integrao dos membros da comunidade atendida; IV - no discriminao de raa, religio, sexo, preferncias sexuais, convices poltico-ideolgico-partidrias e condio social nas relaes comunitrias. (LEI N 9.612/1998) Neste sentido, a Lei ainda aponta alguns aspectos interessantes que devem ser levados em considerao no que se refere a assegurar a igualdade de opinio e a liberdade de expresso, sem restrio a nenhum tipo de credo ou corrente ideolgica, vedando todo tipo se proselitismo e abrindo espao para a diversidade 8 Rdio Comunitria.
  • 29. 28 1 vedado o proselitismo de qualquer natureza na programao das emissoras de radiodifuso comunitria. 2 As programaes opinativa e informativa observaro os princpios da pluralidade de opinio e de verso simultneas em matrias polmicas, divulgando, sempre, as diferentes interpretaes relativas aos fatos noticiados. 3 Qualquer cidado da comunidade beneficiada ter direito a emitir opinies sobre quaisquer assuntos abordados na programao da emissora, bem como manifestar idias, propostas, sugestes, reclamaes ou reivindicaes, devendo observar apenas o momento adequado da programao para faz-lo, mediante pedido encaminhado Direo responsvel pela Rdio Comunitria. (LEI N 9.612/1998) Mas a Lei 9.612/98 comea a se mostrar como um instrumento que acaba ferindo a prpria Constituio Federal. Isso pode ser visto no captulo que trata da Liberdade de Expresso, no Artigo 5 da lei, que dispe da existncia de um canal disposio da rdio comunitria, ressalvando apenas nos locais onde h impossibilidade tcnica, enquanto as concesses de rdio e TV podem somar at 10 em nome de um mesmo grupo. Art. 5 O Poder Concedente designar, em nvel nacional, para utilizao do Servio de Radiodifuso Comunitria, um nico e especfico canal na faixa de freqncia do servio de radiodifuso sonora em freqncia modulada. Pargrafo nico. Em caso de manifesta impossibilidade tcnica quanto ao uso desse canal em determinada regio, ser indicado, em substituio, canal alternativo, para utilizao exclusiva nessa regio. (LEI N 9.612/1998) Outro absurdo que pode ser visto e no Art. 16 da mesma Lei. vedada a formao de redes na explorao do Servio de Radiodifuso Comunitria, excetuadas as situaes de guerra, calamidade pblica e epidemias, bem como as transmisses obrigatrias dos Poderes Executivo, Judicirio e Legislativo definidas em leis. Ou seja, mais uma vez o governo, alm de limitar a rea de abrangncia de uma rdio comunitria e de limit-la a apenas um canal, probe a formao de uma rede, impossibilitando que haja o processo de interao com as comunidades vizinhas, mesmo compreendendo que hoje existem outras ferramentas como a internet, mas esse instrumento ainda no uma realidade presente em na maioria das comunidades rurais de Santa Luz. Posso avaliar que conforme definido na Lei 9.612/98, pode ser aplicado tambm o termo desigualdade liberdade de expresso, basta que vejamos o que dizem os Artigos 22 e 23:
  • 30. 29 Art. 22. As emissoras do Servio de Radiodifuso Comunitria operaro sem direito a proteo contra eventuais interferncias causadas por emissoras de quaisquer Servios de Telecomunicaes e Radiodifuso regularmente instaladas, condies estas que constaro do seu certificado de licena de funcionamento. Art. 23. Estando em funcionamento a emissora do Servio de Radiodifuso Comunitria, em conformidade com as prescries desta Lei, e constatando-se interferncias indesejveis nos demais Servios regulares de Telecomunicaes e Radiodifuso, o Poder Concedente determinar a correo da operao e, se a interferncia no for eliminada, no prazo estipulado, determinar a interrupo do servio. (LEI N 9.612/1998) Contudo, mesmo diante desses entraves colocados pela legislao que a regulamenta, as rdios comunitrias vm se firmando como uma mola precursora dos debates em prol da liberdade de expresso e em favor da democratizao da informao. 2.3 Comunicao comunitria, cidadania e mobilizao O crescimento das mobilizaes sociais, sobretudo no final dos anos 1980 e incio dos anos 1990, est inserido em um contexto de participao poltica mais ampliado que passa a realizar cobranas ao indagar ao Estado, a rever posies enquanto o seu papel de interlocutor entre trabalhadores e empresrios, conforme afirma Meksenas: Um bom exemplo foi a presso que obrigou o governo federal no inicio da dcada em questo, a rever sua posio de interlocutor entre trabalhadores e empresrios para captar as cmaras empresariais na gesto de ramos importantes da economia brasileira. (2002, p.179). Assim nasceu a possibilidade de esses conflitos serem negociados de acordo com os interesses das classes, tornando possvel compreender que as cidadanias de classe, no final dos anos de 1980 e na dcada de 1990 at chegar em 2000, foram o resultado do confronto entre sociedade civil e Estado. Para isso, era preciso que as pessoas tivessem acesso a essas informaes. Temos ento que a informao e a persuaso antecedem todo e qualquer processo de mudana, j que somente a partir delas pode a comunidade dar o passo inicial
  • 31. 30 deste processo, a saber, a deciso de mudar. (JAMBEIRO, 2007, p.224). Neste mesmo caminho, Ciclia Peruzzo sinaliza que [...] s pessoas no interessam somente as questes de mbito universal e nacional, mas tambm os acontecimentos, as organizaes e as relaes sociais que lhe esto prximas. Interessam-lhes os assuntos que dizem respeito vida do bairro, da vila, da cidade ou do municpio onde vivem. (2007.p. 245) No decorrer de sua histria, principalmente nas duas ltimas dcadas do sculo XX, a comunicao comunitria em nosso pas teve como caracterstica peculiar a sua organizao e, sobretudo, aliada ao amplo crescimento dos movimentos sociais, no se pautou apenas em discutir a ideia de comunidade conforme ressalta Peruzzo: No se tratava to-somente da comunicao de comunidade, mas de todos aqueles processos comunicativos realizado no mbito de movimentos e organizaes populares que lutavam para a consecuo dos direitos de participao cidad e melhoria nas condies de existncia dos excludos. (2007, p.247) Frente a esse contexto, foram surgindo novos espaos e instituies e coube sociedade civil desenvolver esse papel, como atenta Gohn: Esses novos atores foram criando, tambm, espaos, instituies prprias para participarem dos novos pactos polticos que dem sustentao ao modelo poltico vigente. Coube, portanto, sociedade civil, um papel central nesse requacionamento. (2003, p. 187). Nesta mesma perspectiva, Peruzzo (2007) diz que a comunicao popular, que hoje chamamos de comunitria, surge e se desenvolve articulada aos movimentos sociais, como canal de expresso e meio de mobilizao e conscientizao das populaes. Neste mesmo contexto, Jambeiro (2007, p. 225) diz que os meios de comunicao comunitria [...] funcionam como plataforma para troca de informao e experincia entre pessoas e grupos de comunidade, ao invs de serem instrumentos verticais de persuaso. Jambeiro argumenta ainda que Em qualquer hiptese h consenso em que a mdia comunitria e seus produtores, independentemente do tipo de mdia e de pessoas
  • 32. 31 envolvidas, no so programadores annimos e sim entes reais que conhecem a comunidade... (2007, p.225) Ainda conforme Ciclia Peruzzo: no se pode, porm, abrir mo de que, para dizer-se comunitrio, um meio de comunicao deve abrir-se ao controle e gesto autnoma da prpria comunidade. (2007, p. 250). Ela defende ainda que, do [...] ponto de vista do direito social, todo cidado tem direito aos canais de expresso, portanto, isonomia comunicacional igualdade no poder de comunicar conduz a um outro: o de isegoria o direito do cidado de se manifestar e de ser ouvido. (2007, p. 251). Ciclia Peruzzo alerta que conquistar a cidadania [...] significa a passagem de sditos para cidado, cujo arcabouo social requer o envolvimento das pessoas condicionando-se seu status de cidado qualidade da participao (2002, p. 3). Ainda no que se refere concepo de cidadania, a autora enfatiza que A participao na comunicao um mecanismo facilitador da ampliao da cidadania, uma vez que possibilita a pessoa tornar-se sujeito de atividades de ao comunitria e dos meios de comunicao al forjados, o que resulta num processo educativo, sem se estar nos bancos escolares. (2002, p. 10) A autora define ainda que A pessoa inserida nesse processo tende a mudar o seu modo de ver o mundo e de relacionar-se com ele. Tende a agregar novos elementos sua cultura. (2002, p, 10). Portanto, a comunicao comunitria nasce numa perspectiva de colocar o cidado luz do exerccio dos seus direitos de liberdade de expresso e assim contribuir para o exerccio da cidadania, como diz Peruzzo. Os meios de comunicao comunitrios/populares - nem todos obviamente tm assim o potencial de serem, ao mesmo tempo, parte de um processo de organizao popular e canais carregados de contedos informacionais e culturais, alm de possibilitarem prtica de participao direta nos mecanismos de planejamento, produo e gesto, contribuem, portanto, duplamente, para a construo da cidadania. (2002, p. 11-12) A comunicao comunitria possibilita que haja a participao cidad, ao abrir espao para que as pessoas possam fazer parte dos processos de planejamento, gesto e mesmo emisso da informao, no apenas sendo meros receptores, mas tambm emissores
  • 33. 32 Pela produo das pessoas na produo e transmisso das mensagens, nos mecanismos de planejamento e na gesto do veculo de comunicao comunitria contribui para que elas se tornem sujeitos, se sintam capazes de fazer aquilo que esto acostumadas a receber pronto, se fazem protagonistas da comunicao e no somente receptores. (PERUZZO, 2002, p. 11) Assim, possvel perceber o quanto a comunicao comunitria possibilita a participao do sujeito da comunidade, no apenas na condio de ouvintes, ou dos que reivindicam, ou mesmo fazem denncia, mas principalmente, como cidados capazes de contribuir com sugestes, na conduo dos trabalhos e mesmo na estruturao do canal de comunicao. A comunicao comunitria , portanto, resultado das mobilizaes sociais e por meio dela podemos perceber que existe a possibilidade da insero dos sujeitos at ento postos margem dos canais de comunicao existentes anteriormente no Brasil. Para Jambeiro (2007, p, 221), as polticas so determinadas na forma e no contedo pela mobilizao, articulao e confrontao de grupos de interesse. Ainda segundo o autor, A partir do movimento local, atingiremos as leis que ainda no provm recursos democratizadores e estimulam privilgios rev-los (ou redirecion-los) o caminho para no criarmos novas fices de desenvolvimento (2007, p. 215). Neste mesmo sentido, ainda de acordo com o autor Isso significa que o processo de mudana deve resultar de um processo anterior de decises individuais. E mais que essas decises individuais sejam tomadas a partir de um conjunto de informaes que oferea mais diversas alternativas com cada um dos objetivos a atingir. (JAMBEIRO, 2007, p. 224) Nas palavras de Peruzzo, A comunicao comunitria se revela como uma realizao coletiva e a gerao de contedos voltados para o desenvolvimento comunitrio local (2007, p. 250) Assim pode-se dizer que a comunicao comunitria surge para trabalhar em favor das mobilizaes sociais e do desenvolvimento, mas em um sentido bem mais amplo do que o que se pensa como local. A noo de comunicao para um desenvolvimento sustentvel e participativo a nica aceitvel na atual conjuntura brasileira, embora sob outras denominaes tais como comunicao e mudana social, comunicao para a cidadania j que a expresso
  • 34. 33 comunicao para o desenvolvimento h muito tempo caiu em desuso no pas. (PERUZZO, 2007, p. 256) A autora (2007) continua chamando a ateno de que Havendo cidadania, haver desenvolvimento social. Mas como nos lembra Alves (2003) A descrio da comunicao comunitria conectada ao desenvolvimento e tendo como bases o acesso e a participao popular, como nos apresentada a parir de estmulos da UNESCO e outras organizaes internacionais, exige crtica. (ALVES, 2003, p. 207) Neste contexto, percebe-se em Alves e Jambeiro ao dizer que a partir do movimento local, atingiremos as leis que ainda no provem recursos democratizadores e estimulam privilgios. Rev-los (ou redirecion-los) o caminho para no criarmos novas fices de desenvolvimento. (ALVES, 2007, p. 215). Para Jambeiro (2007, p. 221) As polticas so determinadas, na forma e no contedo, pela mobilizao, articulao e confrontao de grupos de interesse. Uma forma importante de promoo do desenvolvimento local a realizao de coberturas jornalsticas nos mais diversos campos, no que concerne historicidade e aos acontecimentos de fatos que envolvem o interesse popular, inserindo em sua grade de programao temas que so do interesse da comunidade. Desse modo, uma ao comunicacional prvia e indispensvel aquela que estabelece a conversao pblica em torno dos fins da cidade nova ou renovada e sugere metodologia de acompanhamento das aes (ALVES, 2007, p.213) O autor atenta ainda que Somente no seio dessas definies que programas de educao tecnolgica podem servir como expresso cidad diferentemente do que j o fizeram na histria. (ALVES, 2007, p.213) Um aspecto que pode ser levado em considerao como fator muito interessante neste contexto a presena da comunicao comunitria inserida e conectada aos processos de desenvolvimento local, uma vez que esta possibilita uma abertura para a participao da comunidade e assim pode contribuir para a democratizao da informao e o desenvolvimento da sociedade, conforme atenta Bahia:
  • 35. 34 Dessa forma, a mdia comunitria mantm-se aberta participao da comunidade em todo o processo de criao, produo e divulgao da mensagem, assim como na gesto da prpria mdia, entre outras caractersticas. (2008.p.73) possvel perceber, desse modo, que uma vez implantada em uma determinada comunidade, a comunicao comunitria pode contribuir para que o desenvolvimento acontea, havendo abertura para a participao popular.
  • 36. 35 3. RDIO COMUNITRIA: do cenrio nacional ao Territrio do Sisal 3.1 Rdio Comunitria: Trajetria, Conceitos e caractersticas Diante de todo um cenrio montado pelos governos que perpassam a era Vargas nos anos 1930, o perodo em que se configurou o regime militar, at chegar Nova Repblica, os movimentos sociais entenderam que era preciso fazer o contraponto e andar na contramo do oligoplio dos meios de comunicao, por meio das [...] primeiras transmisses radiofnicas comunitrias entre os anos de 1970 e 1980, oriundas dos movimentos sociais populares. (BAHIA, 2008, p.32). Desse modo, as Rdios Comunitrias nascem como uma ferramenta de comunicao alternativa. So elas que surgem como veculos que vm com o ousado propsito de fazer a inverso da lgica capitalista, a qual prevalece sempre o lucro individual ou de uma minoria, seja ela poltica ou financeira. A diferena fundamental de uma rdio comunitria est em pertencer comunidade, ser organizada, dirigida, pautada e operada pela comunidade. Quem fala e quem ouve a comunidade, sem os mediadores diplomados [...] E saber no mercado os profissionais, quando deles sentir necessidade. (PERUZZO, 1998, p.11) As rdios comunitrias tm em seu surgimento o grande propsito de mobilizar, articular e recuperar o esprito coletivo e comunitrio da comunicao no Brasil, por meio da organizao de uma camada da sociedade que se sente oprimida, mas que se fundamenta nas lutas de uma coletividade em busca de objetivos que so comuns a todos. A sua grande vantagem sobre as rdios comerciais justamente a possibilidade de qualquer pessoa da comunidade participar. Alm disso, so mais especficas, falam sobre assuntos locais, que dizem respeito comunidade e que normalmente no so noticiados em emissoras comerciais. Assim, so capazes de mobilizar a populao a buscar melhorias na qualidade de vida, formando identidade coletiva, abrindo espaos para a exigncia de direitos e mudanas no que no est sendo cumprido nem atendido. Atravs das rdios comunitrias, pessoas e vozes que dificilmente so ouvidas nas redes comerciais tem espao para as suas manifestaes. (GIRARD e JACOBUS, 2009, p. 10)
  • 37. 36 No Brasil, historicamente, conforme Luz (2007), as elites sempre foram favorecidas, sobretudo no que diz respeito ao acesso aos meios de comunicao, privando os cidados de um dos direitos consagrados previstos na Constituio Federal: a liberdade de expresso e o acesso informao. [...] foi tirado do brasileiro o seu direito de se expressar. No Brasil sempre falaram os mesmos a elite nacional. dela 98% dos canais de rdio e televiso. Por isso, uma das funes da rdio comunitria fomentar a cidadania, ensinando as pessoas sobre os seus direitos. E, entre eles, o direito liberdade de expresso. (LUZ, 2007, p.17) Luz (2007) ainda enfatiza a importncia do papel de uma rdio comunitria na divulgao desses direitos, por isso a programao de uma emissora deve insistir na divulgao desse direito. O autor ainda atenta que a rdio existe por conta desse direito, mas preciso divulgar isso para a populao. (LUZ, 2007, p. 17) Desse modo, Ciclia Peruzzo traz contribuies no que se refere a aspectos que caracterizam uma rdio propriamente comunitria, ao observar experincias que vem sendo desenvolvidas. Eis as caractersticas delas: a) Sem fins lucrativos. Comercializar espao publicitrio para patrocnio na forma de apoio cultural, ou at presta servios, de udio a terceiros, mas os recursos arrecadados so canalizados para custeio e manuteno e/ou reinvestimento, e no para o lucro particular. b) produto da comunidade. Sob o ponto de vista da programao, que tende a ter um vinculo orgnico com a realidade local., tratando de seus problemas, suas festas, suas necessidades, seus interesses e sua cultura. E ainda por possuir sistemas de gesto partilhado, ou seja, funciona na base de rgos deliberativos coletivos, tais como conselhos e assembleia. c) Favorece uma programao interativa com a participao direta da populao ao microfone e at produzindo e transmitindo seus prprios programas, atravs de suas entidades e associaes. Portanto, garantido o acesso pblico ao veculo de comunicao. Alis, nesse tipo de experincia de comunicao, desde os alto- falantes e outros veculos, nos anos recentes, que tem sido concretizados as mais completas formas de interatividade nos meios de comunicao, recentemente descoberta e ensaiada, com grandes limitaes, pela grande mdia. d) Valoriza e incentiva a produo e transmisso das manifestaes culturais local. e) Tem compromisso com a educao para a cidadania no conjunto da programao e no apenas em algum programa especfico.
  • 38. 37 f) Democratiza o poder de comunicar proporcionando o treinamento de pessoas da prpria comunidade para que adquiram conhecimentos e noes tcnicas de como falar no rdio, produzir programas etc. (1998, p.11-12) Fazendo, portanto, desse canal de comunicao um veculo, acima de tudo democratizado, informativo e participativo, de acordo com Jambeiro (2007, p. 216) ao dizer que Este tipo de poltica de informao e comunicao atendem aos preceitos do direito de acesso informao, geralmente se prope a abranger tambm o direito de acesso aos meios. Na viso do autor (2007), isto tornar possvel que pessoas e organizaes sociais utilizem espaos e tempos da mdia para expor seus pontos de vista sobre a realidade em que vivem. Nesta perspectiva e comungando com o que diz Bahia (2008, p. 31), tais veculos tm estreita relao com os movimentos sociais organizados da sociedade civil e podem atuar como agendadores do debate pblico, assim como contribuir pra formar uma cultura democrtica nos espaos em que esto inseridos. As rdios comunitrias so, de fato, o canal que possibilita o acesso e o dilogo da comunidade com a prpria comunidade. Segundo Bahia (2008), Cicilia Peruzzo define as rdios comunitrias como aquelas que tm gesto pblica, operam sem fins lucrativos e tem programao plural. Elas encaixam-se no perfil das rdios de baixa potncia. (BAHIA, 2008 apud Peruzzo). Entretanto, nas palavras de Bahia (2008), Peruzzo nos chama a ateno que nem toda rdio de baixa potncia deve ser vista como comunitria. Essa posio da autora notada medida que ela [...] chama a ateno para o fato de que nem todas as rdios de baixa potncia, devem ser vistas como comunitrias, sendo necessrio distinguir as que realmente desempenham papel comunitrio daquelas que empenham essa bandeira, mas que, de fato, so comerciais. (BAHIA, 2008, p. 33). Esse fenmeno acaba, por sua vez, forando que haja uma certa generalizao que acaba desqualificando as rdios comunitrias que assumem o compromisso com a comunidade. Bahia (2008) ainda caracteriza as rdios comunitrias como que [...] aquelas que, tendo como finalidade primordial servir comunidade podem contribuir
  • 39. 38 efetivamente para o desenvolvimento social e a construo da cidadania. (BAHIA, 2008 apud Peruzzo, p.31). Dessa forma, nas palavras de Bahia (2008), a programao comunitria est definida no foco de uma realidade local e efetivamente com um processo de gesto coletiva, em que deve haver a participao da comunidade. A programao comunitria se define a partir do foco centrado na realidade local, e a gesto deve ser coletiva, contando com a participao direta da comunidade a partir da deliberao de conselhos e assemblias. (BAHIA, 2008, p. 33). Rdio comunitria, nas palavras de Denize Cogo (1995, p. 75), visa Democratizar a palavra que est concentrada em poucas bocas e em pouqussimas mos para que nossa sociedade seja mais democrtica. Frente a este mesmo contexto, o pesquisador Dioclcio Luz (2007, p. 17), diz que a gesto de uma rdio comunitria precisa ser de controle social. Visto que se trata de um instrumento que resulta de um forte enfrentamento para que se chegue a essa conquista. Cogo (1995, p.75), ainda traz outras contribuies dizendo que [...] a rdio comunitria deve ser, portanto, um instrumento, em que vrias mos devem abra-la e gest-la, afim de que haja o sentimento de pertena pelos diversos segmentos inseridos na comunidade onde ela est implantada. O que caracteriza em uma ideia de construo coletiva. 3.2 Radiodifuso Comunitria no Territrio Do Sisal Antes de tratar do tema em questo, preciso dizer que o Territrio da Cidadania do Sisal est localizado no semirido nordestino, distante pouco mais de 200 quilmetros de Salvador, capital do Estado da Bahia. Conforme o sistema de Informaes Portal da Cidadania, a sua populao est estimada em um total de 582.331 habitantes, dos quais 333.149 vivem na rea rural, o que corresponde a 57,21%, e possuindo cerca de 58.238 agricultores familiares, 2.482 famlias assentadas, duas comunidades quilombolas e uma terra indgena. (HTTP://SIT.MDA.GOV.BR). Presenciei a efervescncia das discusses sobre a ideia de Territrio que comea a ser discutida j no inicio dos anos 2000, pela forte mobilizao das lideranas da sociedade civil organizada, visto que estas compreendiam ser de
  • 40. 39 extrema necessidade um debate das questes e demandas sociais, numa perspectiva territorializada como afirma Santos No esforo de pensar o seu lugar, a partir de sua heterogeneidade, e de suas demandas diversas e comuns, a sociedade civil comea a discutir suas questes numa perspectiva de territrio, e no mais de regio, o que resultou no Conselho de Desenvolvimento Territorial do Sisal. (CODES) (2011, p. 51) Criado em 2002, o Territrio do Sisal detentor de uma rea territorial de 21.256,50 quilmetros quadrados e composto pelos municpios de Araci, Barrocas, Biritinga, Candeal, Cansano, Conceio do Coit, Ich Itiba, Lamaro, Monte Santo, Nordestina, Queimadas, Quijingue, Retirolndia, Santa Luz, Serrinha, So Domingos, Teofilndia, Tucano e Valente. (NASCIMENTO e GARCIA, 2012, p.15) Na estruturao diretiva do CODES, a sua diretoria fora composta por 14 membros ligados sociedade civil e 14 ao poder pblico. A entidade responsvel por desenvolver as polticas de desenvolvimento local e administrar territorialmente as prticas e recursos do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. (MOREIRA, 2006, p.1-2) Logo aps a sua criao, segundo Moreira (2006, p.2), o CODES, em se tratando de polticas de infra-estrutura, passou a coordenar as aplicaes dos recursos oriundos do PRONAF (Programa Nacional de Agricultura Familiar) que era apoiado pelo Governo Federal, por meio do MDA (Ministrio do Desenvolvimento Agrrio) e da SDT (Secretaria de Desenvolvimento Territorial). Somente em 2004, a Espacialidade Territrio do Sisal, passa a ser reconhecida oficialmente no mapa da Bahia. A diviso dos Territrios um acontecimento recente, fruto da Poltica Territorial criada no primeiro mandato do Governo Lula, o Territrio da Cidadania9 uma estratgia de desenvolvimento regional sustentvel e garantia de direitos sociais voltados s regies do pas que mais precisam, com o objetivo de levar o desenvolvimento econmico e universalizar os programas bsicos de cidadania. (OLIVEIRA, 2010, p. 33) Para chegarmos rdio comunitria, entretanto, preciso dizer que foi a partir do final dos anos setenta, caminhando pelos anos oitenta e principalmente na dcada de 1990 do sculo passado, no qual o Territrio do Sisal passa a trazer consigo de forma ainda mais emblemtica uma histria de organizao e 9 http://www.territoriosdacidadania.gov.br
  • 41. 40 mobilizao dos movimentos sociais e de articulao de aes visando implantao de um processo de desenvolvimento, como atenta Moreira: Dessa conjuntura, se consolidou um dos resultados mais significativos deste processo no municpio de Valente. A APAEB10 Valente, criada em 1979, atua no mbito scio-poltico e na defesa econmica construindo alternativas produtivas inovadoras. (2007, p. 104) E foi exatamente a APAEB Valente, nas palavras de Gislene Moreira (2007, p.104), a pioneira em 1993, na criao de uma rdio comunitria local. A ideia da criao da rdio Valente FM nasce justamente resultante do objetivo de fortalecer a visibilidade das aes da instituio, mas tambm difundir a poltica de mobilizao das organizaes parceiras. [...] pensar a poltica a partir da comunicao significa por em primeiro plano os ingredientes simblicos e imaginrios presentes nos processos de formao de poder. O que leva a democratizao da sociedade em direo a um trabalho na prpria trama cultural e comunicativa da poltica. Pois nem a produtividade social da poltica e separvel das batalhas que se travam no terreno simblico, nem o carter participativo da democracia e hoje real fora da cena publica que constri a comunicao massiva. (BARBERO 2006 apud SANTOS, 2011, p. 23-34) Nascimento e Garcia (2012, p.15) chamam a ateno que a histria da radiodifuso comunitria no Territrio Sisaleiro da Bahia nasce fundamentalmente, como uma forma estratgica para contribuir com o desenvolvimento local. Isso ocorreu pela carncia de instrumentos de comunicao que fossem comprometidos com a divulgao das aes e projetos defendidos pelos organismos da sociedade civil e acabavam ficando invisveis, pois as mdias existentes na regio no abriam espaos para os debates provocados pelos movimentos sociais e que eram de demandas do interesse coletivo. Neste mesmo contexto, Antonio Dias do Nascimento aponta que A partir dos ltimos meses de 1996 e, da pelos anos seguintes, essa necessidade de comunicao, intensificou-se dramaticamente. (2005, p. 21). Desse modo, possvel notar que os movimentos sociais compreendiam a necessidade de acelerar o passo, seguir em frente e acompanhar o surgimento das novas tecnologias. 10 Associao de Desenvolvimento Sustentvel e Solidrio da Regio Sisaleira.
  • 42. 41 Eles viam que precisavam buscar mecanismos e trazer meios de comunicao que possibilitassem a abordagem de temas e informaes, que dessem visibilidade aos seus projetos e s demandas sociais de interesse das famlias inseridas nas comunidades. Era necessrio, a todo momento, convocar os chefes de famlias ou mesmo as mes para se habilitarem ao recebimento tanto da bolsa escola, como para serem includos em outros programas de apoio produo da agricultura familiar que foram sendo criados, no sentido de erradicar tambm as condies de pobreza que obrigavam as crianas ao trabalho precoce e ao abandono da escola, alm de danos irreparveis sua sade fsica e psquica. (NASCIMENTO, 2005, p. 21) Neste sentido, importante salientar que as aes dos movimentos sociais no se atentavam to somente para as lutas em favor das mudanas pretendidas, ou seja, no focando apenas em um tema. Ciclia Peruzzo chama a ateno que essas tentativas de mudanas estavam pautadas tambm na [...] prestao de servios, participao plural de varias organizaes (cada uma falando o que quer, embora respeitando os princpios ticos e normas de programao) e divulgao das manifestaes culturais locais. (1998, p.152). De acordo com Antonio Dias do Nascimento, a histria social da regio registra que esses movimentos nasceram do enfrentamento dos setores populares s situaes de opresso s quais sempre estiveram submetidos (NASCIMENTO, 2005, p. 18). Nesta mesma perspectiva, o autor (2005, p. 19) continua acrescentando com suas contribuies, ao dizer que Esse processo de mobilizao e de organizao popular tem sido estimulado pelas conquistas que vo sendo obtidas em diferentes setores, mas cujos efeitos tendem a convergir para o objetivo comum. Caminhando paralelamente a este perodo, fortemente debatido pelos movimentos sociais, especificamente em Retirolndia, pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, contando com o amplo apoio do MOC Movimento de Organizao Comunitria11 e da OIT12 Organizao Internacional do Trabalho, o problema da explorao do trabalho infantil e assim nasce o projeto piloto naquele municpio chamado Bode Escola, conforme destaca Moreira: 11 Movimento de Organizao Comunitria. 12 Organizao Internacional do Trabalho.
  • 43. 42 Em 1995, o STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais 13 de Retirolndia em parceria com o MOC e a OIT, iniciou uma experincia-piloto que ficaria conhecida como Bode Escola. Trinta famlias receberam caprinos em troca de que seus filhos fossem para escola o invs dos campos de sisal. (MOREIRA, 2007, p. 108) A partir dessa experincia, finalmente foi criado o Programa de Erradicao do Trabalho Infantil (PETI)14 , em 1996, e iniciado em 1997, em quatro municpios do Territrio do Sisal: Retirolndia, Santa Luz, Valente e Conceio do Coit, um no Territrio Bacia do Jacupe: Riacho do Jacupe. Neste cenrio em que estavam postos em pauta os graves problemas identificados pelos movimentos sociais em torno da explorao da mo-de-obra infantil, algo precisava ser feito para divulgar e denunciar essa situao de abuso e violao dos direitos de crianas e adolescentes, visto que as emissoras existentes na regio no abriam espaos para este tipo de debate. Entretanto, a difuso das informaes referentes ao andamento do PETI esbarram localmente na tutoria dos meios de comunicao regionais pelas oligarquias, que monopolizavam a produo, o acesso e a circulao de informao local. As freqentes denncias de mau uso do dinheiro pblico, bem como iniciativas de mobilizao popular eram sistematicamente manipuladas, ou simplesmente vetadas da programao. (MOREIRA, 2006, p. 6) Assim, desencadeou-se a necessidade de uma forte mobilizao social atravs dos meios de comunicao de massa, que deveriam ser utilizados como estratgia de mobilizao porque os movimentos sociais entendiam que aquele momento requeria uma boa articulao na tentativa de atender quela demanda considerada emergencial, conforme atenta Moreira: A problemtica do trabalho infantil deveria tambm ser alvo da mobilizao atravs dos meios de comunicao de massa. Como estratgia de mobilizao de veculos de maior impacto nacional e internacional, investiu-se, principalmente via o Unicef Fundo das Naes Unidas para Infncia, na sensibilizao, atendimento e acompanhamento da grande mdia na cobertura sobre as questes do trabalho infantil. (MOREIRA, 2006, p. 6) Com a implantao do PETI e todo o esforo dos movimentos sociais na tentativa de fazer ecoar as vozes daqueles que precisavam ser ouvidos, estava 13 Sindicato dos Trabalhadores Rurais. 14 Programa de Erradicao do Trabalho Infantil.
  • 44. 43 acontecendo no Brasil uma grande movimentao em favor da implantao de rdios comunitrias, conforme nos traz Nascimento Assim como a mobilizao da regio sisaleira em torno do Peti, coincidiu com a mobilizao nacional pela implantao de rdios comunitrias, no tardaram, portanto, a serem implantadas as primeiras rdios comunitrias, algumas delas antes mesmo da criao de uma lei especfica, diante do estado de necessidade que se estava vivendo em relao comunicao em toda a Regio Sisaleira. Baseadas no estado de necessidade e nas garantias institucionais liberdade de expresso, uma a uma, as rdios foram sendo implantadas nos diversos municpios. (NASCIMENTO, 2005, p. 22) De sorte que em 1996, foi implantada a primeira rdio comunitria no Territrio do Sisal, esta sendo a Valente FM e posteriormente, em 1997, na Cidade de Tucano, Cruzeiro FM. Um ano mais tarde, tive a oportunidade de testemunhar o eco de vrias vozes, que atravs das articulaes dos movimentos sociais ecoavam, se organizavam e ocasionaram em quase todos os municpios do territrio sisaleiro a instalao de rdios comunitrias. Nesta mesma caminhada, diversas organizaes da sociedade civil, empenhadas em mudar a situao de dominao, davam o tom do grito em favor da liberdade de expresso: Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Apaebs (Associaes de Pequenos Agricultores do Estado da Bahia), Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais, conselhos, igrejas e o MOC (Movimento de Organizao Comunitria) so algumas das entidades responsveis pela mudana. A nfase so os meios de comunicao popular, em especial o rdio que encontra fcil acolhida em uma populao de cultura prioritariamente oral e semi-alfabetizada (MOREIRA, 2006, p. 5) Inserido neste mesmo contexto, falar de rdio comunitria no Territrio do Sisal, bem como de seus comunicadores, remete a reconhecer os significados do MOC e do UNICEF15 Fundo das Naes Unidas para a Infncia nos processos de organizao e capacitaes para comunicadores comunitrios. Essa afirmao se encontra em uma publicao que realizei com Garcia Dentro desse contexto, uma entidade teve papel fundamental, para a organizao, mobilizao e consolidao das Rdios Comunitrias sisaleiras. Trata-se do Movimento de Organizao Comunitria 15 Fundo das Naes Unidas para a Infncia.
  • 45. 44 (MOC), que aliado ao UNICEF estava travando uma batalha pela Erradicao do Trabalho Infantil na regio e, o MOC junto ao UNICEF foram as primeiras Organizaes a realizarem oficinas de capacitao para Comunicadores Comunitrios e as primeiras a darem assessoria a estes segmentos de radiodifuso da Regio Sisaleira, hoje Territrio do Sisal. O que hoje, credencia-nos a afirmar que no possvel falar em Movimento de Rdios Comunitrias no Territrio do Sisal, sem citar essas duas Organizaes, as quais foram grandes aliadas dos Movimentos Populares do Sisal e mais que isso, da Comunicao Comunitria em favor de um Serto mais Justo. (NASCIMENTO e GARCIA, 2012, p. 17) Frente a essa realidade, as rdios comunitrias no Territrio do Sisal so, sem dvida, os mais fortes e eficazes instrumentos de comunicao que deram possibilidades reais de a Sociedade Civil expressar seus pensamentos e defenderem seus ideais em favor das comunidades, o que antes lhes era negado pelas rdios comerciais. Desse modo, os movimentos sociais entendiam que atravs de uma comunicao comunitria seria possvel debater temas e apontar ideias e solues para seus problemas, uma vez que esta se prope a se ocupar de contedos ligados comunidade, como sinaliza Peruzzo: A comunicao comunitria por natureza se ocupa de contedos aderentes s realidades sociais concretas de cada comunidade ou lugar. (PERUZZO, 2007, p. 248) Seguindo na mesma direo, Nascimento (2005, p. 22) destaca que as rdios comunitrias So, portanto, de histria recente, mas desde o inicio expressam os anseios da comunicao social sonegados aos trabalhadores pelo sistema de radiodifuso comercial. As rdios comunitrias, por serem criadas por pessoas da comunidade e pelos movimentos sociais contribuem para que haja por estas o sentimento de pertena conforme atenta Antonio Dias do Nascimento quando diz que, Alm do mais, servem de reforo ao sentimento de pertena dos seus ouvintes, na medida em que lhes ajudam a superar as barreiras de comunicao, tornando-as cada vez mais prximos entre si. (2005, p. 23) Na mesma linha de pensamento, Juliana Costa Oliveira (2010) fala da concentrao dos canais de comunicao no Territrio do Sisal, o que segundo a autora decreta restries democratizao.
  • 46. 45 Desse modo, diante da concentrao dos canais de comunicao que decretam restries a democratizao, a Comunicao Comunitria surge como meio alternativo para atender aos interesses e necessidades coletivos. (OLIVEIRA, 2010, p. 17) A autora atenta para uma viso mais ampla, no se atendo to somente rdio, mas defendendo a comunicao comunitria, que segundo ela [...] uma comunicao que tem o propsito de viabilizar a todos o direito de comunicar-se e conclui seu pensamento definindo-a como [...] um espao plural e acessvel, onde a comunidade tem o poder de informar, reivindicar e denunciar, exercendo assim o papel de cidado. (OLIVEIRA, 2010, p. 17). Assim as rdios comunitrias do Territrio do Sisal caminham em direo ao que diz Jambeiro (2007, p. 230), tratando-se de um direito de informao e comunicao que no se traduza no direito de proprietrios ou concessionrios das mdias de reproduzir s ao que convm aos seus interesses. Nesta mesma perspectiva, o autor prossegue com a sua linha de raciocnio dizendo que, alm disso, [...] funcionam como plataformas para troca de informao e experincia entre pessoas e grupos de comunidade, ao invs de serem instrumentos verticais de persuaso. (JAMBEIRO, 2007, p. 225). Neste sentido, Bahia (2008, p.33) traz uma reflexo sobre como se d o papel de uma rdio comunitria. A autora define que a [...] interatividade, nessa modalidade de emissora, se d na medida em que o microfone acessvel para que a comunidade possa se manifestar. Para Cogo (apud Bahia 2008, p.33), Democratizar, a palavra que est encontrada em poucas bocas, e em pouqussimas mos, para que nossa sociedade seja mais democrtica. As dificuldades financeiras para a estruturao dessas emissoras e assim lutar pela realizao do sonho de democratizar a palavra, tambm foram fatores preponderantes. Mas, um deles se destacava de forma ainda mais emblemtica: o regime de perseguio imposto s lideranas da sociedade civil e demais atores sociais envolvidos nos processos de implantao e manuteno da radiodifuso comunitria no Territrio do Sisal, culminando com as fortes represses impostas pelas ol