69
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA Vanessa Souza Pereira A EMERGÊNCIA DE NOVIDADES METODOLÓGICAS NO CAMPO VIRTUAL: uma análise de estudos no ciberespaço. Porto Alegre 2012

TCC Vanessa Souza Pereira

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Bacharelado em Ciências Sociais - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Citation preview

Page 1: TCC Vanessa Souza Pereira

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULINSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

Vanessa Souza Pereira

A EMERGÊNCIA DE NOVIDADES METODOLÓGICAS NO CAMPO VIRTUAL: uma análise de estudos no

ciberespaço.

Porto Alegre2012

Page 2: TCC Vanessa Souza Pereira

Vanessa Souza Pereira

A EMERGÊNCIA DE NOVIDADES METODOLÓGICAS NO CAMPO VIRTUAL: uma análise de estudos no ciberespaço.

Trabalho de conclusão de curso apresentado como pré-requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Orientadora: Prof. Dra. Marilis Lemos de Almeida

Porto Alegre2012

Page 3: TCC Vanessa Souza Pereira

Imagine there's no countriesIt isn't hard to do

Nothing to kill or die forAnd no religion too

Imagine all the peopleLiving life in peace

John Lennon – Imagine

Page 4: TCC Vanessa Souza Pereira

AGRADECIMENTOS

Este trabalho de conclusão é o resultado de muitas combinações de

conhecimentos adquiridos ao longo de mais de cinco anos. Sem as pessoas com as

quais eu interagi e as experiências que eu tive na graduação em Ciências Sociais, o

resultado não seria o mesmo. O contexto no qual esse trabalho foi produzido remonta

um período marcado por emoções de grande intensidade. Nestes últimos meses, não

foram poucas as vezes em que li e escrevi em um hospital. Por outro lado, o apoio e a

amizade de muitas pessoas, aliados às boas memórias dos últimos 5 anos, pareceram

ser bons motivos pra continuar. A esses aqui eu agradeço. Ao Rafa, por uma

infinidade de motivos e circunstâncias, mas especialmente por ter a coragem de

enfrentar esse mundo comigo. Eu acho que estamos ficando bons nisso! Ao meu pai,

pela força e por estar sempre pensando em mim. Aos vizinhos da CEU, que

participaram do cotidiano de corredores, banheiros, terraço, cozinha, ônibus e RUs.

As trocas que tivemos - embora no "território" da Universidade - não contam crédito

em nenhum currículo, mas com certeza serão as coisas que eu ainda vou me lembrar

daqui a algumas décadas. Em especial, à Béthany e ao Ricardo, com quem dividi um

bom pedaço de vida; que a nossa amizade permaneça nessa vida louca. Aos amigos do

CEDOP, especialmente às companheiras Mara e Daiane, pela nossa ótima parceria. À

família que ganhei no último ano: Rô, Doda, Gerson, Marina, Zico e Mis. Aos colegas

da Sociais, que são muitos entre os poucos que aguentam os assuntos sobre política,

sociedade, universidade, teorias e conjecturas, principalmente aos que perguntaram

inúmeras vezes “e o TCC?” e ouviram muitas vezes sobre este trabalho: Duda, Prix,

Edu, Lucas, Rafael, Guilherme e Fellipe. Ao pessoal do núcleo de Sociologia da

ONGEP e do PVA, especialmente nas últimas semanas em que tive que me dedicar

exclusivamente ao trabalho. À professora Marilis, pela paciência, confiança e

dedicação, além do exemplo como pesquisadora e professora. E, finalmente, à minha

mãe, pela firmeza, coragem e por sempre acreditar que daria tudo certo.

Page 5: TCC Vanessa Souza Pereira

RESUMO

A proposta deste trabalho é analisar a emergência de novidades metodológicas na abordagem do campo virtual em uma amostra de estudos das ciências sociais que tiveram os ambientes virtuais como campo de pesquisa. O objetivo é conhecer as estrategias metodológicas desenvolvidas na pesquisa e observar o surgimento de novos conceitos. Para tanto, procurou-se tratar sobre a construção do conhecimento científico e a metodologia de pesquisa no contexto da sociedade da informação, focando as influências da internet na metodologia de pesquisa social. O ciberespaço, como uma dimensão da realidade social, tem sido objeto e campo de um número crescente de pesquisas na área de ciências sociais. Muitos desses estudos, em sua fase empírica, esbarraram nas diferenças que o ambiente virtual apresenta. Na análise, identifica-se essencialmente dois caminhos: os que empregam a mesma metodologia dos ambientes não-virtuais e os que, diante das peculiaridades do ambiente virtual, adaptam, criam ou recriam os métodos e técnicas de pesquisa. Não só a pesquisa empírica passa por transformações, como a abordagem teórica também sofre com a definição dos termos, uma vez que as transformações nas denominações estão associadas também com a dinâmica da tecnologia material. De forma geral, a análise apresenta que os estudos têm observado diferentes aspectos possíveis da pesquisa na internet, trazendo tanto novidades metodológicas quanto metodologias típicas de espaços não-virtuais. O ciberespaço como campo traz novas questões ao pesquisador social na construção de sua metodologia de pesquisa, como a possibilidade de acesso a dados primários, a presença e o anonimato do observador, além da própria visão do autor sobre o que é o ciberespaço e a internet.

Palavras-chave: metodologia de pesquisa, ciberespaço, internet, pesquisa social em ambientes virtuais.

Page 6: TCC Vanessa Souza Pereira

ABSTRACT

The purpose of this paper is to analyze the emergence of novelty methodological approach in the virtual field in a sample of social science studies that had virtual environments as a research field. The goal is to understand the methodological strategies developed in the research and observe the emergence of new concepts. For this purpose, we tried to deal on the construction of scientific knowledge and research methodology in the context of the information society, focusing on the influences of the Internet in social research methodology. Cyberspace, as a dimension of the social reality, has been the subject field and an increasing number of studies in social sciences. Many of these studies, in their empirical phase, foundered on differences in the virtual environment presents. The analysis identifies two main ways: those that employ the same methodology of non-virtual environments and that, considering the peculiarities of the virtual environment, adapt, create, or recreate the methods and research techniques. Not only empirical research goes through transformations, as the theoretical approach also suffers from the definition of terms, since the changes in the denominations are also associated with the dynamics of material technology. Overall, the analysis shows that studies have observed different possible aspects of the research on the Internet, bringing both methodological novelties and methodologies typical of non-virtual spaces. Cyberspace as a field brings new issues to the social construction of its research methodology, as the possibility of access to primary data, the presence and anonymity of the observer, plus the author's own view about what is cyberspace and the Internet.

Keywords: research methodology, cyberspace, internet, social research in virtual environments.

Page 7: TCC Vanessa Souza Pereira

LISTA DE ELEMENTOS

Figura 1: Nuvem de palavras com as palavras-chave dos estudos analisados ........... 21

Gráfico 1: Distribuição de estudos por área e universidade ….................................... 17

Gráfico 2: Posse de computador e acesso à internet. Percentual sobre o total de domicílios. .................................................................................................................... 31

Quadro 1: Dimensões e indicadores para análise dos estudos ................................... 18

Quadro 2: Distribuição dos estudos analisados por ano, área e universo do trabalho de campo ...................................................................................................................... 20

Quadro 3: Tendências dos estudos sobre internet ...................................................... 34

Quadro 4: Características metodológicas gerais dos estudos ..................................... 52

Quadro 5: Estudos componentes da amostra ............................................................. 68

Tabela 1: Frequência de referências e fontes dos autores mais citados pela amostra. 41

Page 8: TCC Vanessa Souza Pereira

SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA.........................................................9

2 METODOLOGIA E PROPOSTA DE ANÁLISE.......................................15

3 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO DO MUNDO E A METODOLOGIA DE PESQUISA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO......................................22

3.1 O CONHECIMENTO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO.................................22

3.2 A CONSTRUÇÃO DA METODOLOGIA NA PESQUISA SOCIAL........................26

4 O CIBERESPAÇO COMO CAMPO DE PESQUISA................................29

4.1 A ONTOLOGIA DO CIBERESPAÇO E A PESQUISA NA INTERNET.................29

4.2 O TRABALHO DE CAMPO EM AMBIENTES VIRTUAIS....................................35

5 A EMERGÊNCIA DE NOVIDADES METODOLÓGICAS EM ESTUDOS NO CAMPO VIRTUAL.............................................................................40

5.1 OBJETOS E PROPOSTAS DE TRABALHO...........................................................40

5.2 AS DEFINIÇÕES METODOLÓGICAS...................................................................46

5.2.1 Conceitualizações.................................................................................................47

5.2.2 Presença do pesquisador.....................................................................................50

5.3 O TRABALHO DE CAMPO VIRTUAL ...................................................................51

5.3.1 Métodos e técnicas...............................................................................................52

5.3.2 Especificidades dos métodos e questões éticas...................................................57

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................61

REFERÊNCIAS.......................................................................................65

APÊNDICE – ESTUDOS DA AMOSTRA..................................................68

Page 9: TCC Vanessa Souza Pereira

9

1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

O interesse sobre o tema deste trabalho surgiu no momento em que uma

amiga muito próxima construía o seu problema de pesquisa. Tratava-se de um

trabalho de conclusão de curso na área de Relações Públicas, cujo trabalho de campo

se daria em um espaço virtual1. Por algum tempo procuramos referências que a

fundamentassem na análise de seu objeto no campo virtual. Percebemos, porém, que

a exploração analítica do campo virtual carecia de fontes que tratassem das

consequências metodológicas ocasionadas por suas peculiaridades. Além disso,

descobri que outros pesquisadores também estavam observando essa questão.

É inegável que a sociedade contemporânea vive um momento de grandes

transformações tecnológicas e informacionais. A dimensão e as características dessas

mudanças estão em constante revolução. Além disso, diante das novas formas de

interação proporcionadas pelas tecnologias de informação e comunicação (TICs), as

relações com o tempo e o espaço têm se modificado (LÉVY, 1999), contexto que aos

poucos tem sido explorado pela comunidade científica.

De vários manuais de metodologia lançados na última década, os que

mencionam a internet tratam-na como um repositório ou fonte de busca para dados

secundários (IBGE, estatísticas e documento oficiais, bancos de teses etc)2. Porém,

essa se constitui como uma das dimensões da relação entre pesquisa social e internet.

A discussão sobre a pesquisa e internet onde esta seja assunto e campo é bastante

recente. Fragoso et al (2011) apontam que a pesquisa empírica na internet ainda seja

uma dificuldade para as ciências sociais.

1 MOURA, Cinara Martim de. Intersecções entre gestão do conhecimento, relações públicas e espaços virtuais de interação: a experiência da plataforma Fiat Mio. Trabalho de conclusão. Curso de Comunicação Social: Habilitação em Relações Públicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2010. Disponível em <http://hdl.handle.net/10183/28009>. Acesso em abril de 2012.

2 Por exemplo: BOOTH, W.; COLOMB, G.; WILLIAMS, J. A Arte da pesquisa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23ª ed. São Paulo: Cortez, 2007. RAMPAZZO, Lino. Metodologia Científica. 6ª ed. São Paulo: ed. Loyola, 2011.

Page 10: TCC Vanessa Souza Pereira

10

As mesmas autoras apresentaram contribuições para o esclarecimento da

noção de campo em pesquisas sobre ambientes virtuais. Segundo as mesmas, a

internet é um campo de análise em constante mudança, de natureza mutável,

efêmera e em desenvolvimento, com suas contradições e especificidades. O

pesquisador deve estar atento à complexidade do campo, por suas diferentes

apropriações e formatos, além dos suportes/estruturas de acesso. Portanto,

considera-se que no campo virtual há peculiaridades com relação aos ambientes não

mediados3, além de carecer de uma denominação própria. Tavares dos Santos (2001)

aponta que as plataformas computacionais impõe uma redefinição na linguagem

sociológica, assumindo relevância a elaboração dos conceitos, inclusive a

reconceitualização e a reformulação de protocolos de observação.

Guimarães Jr (1999) aponta uma importante distinção na abordagem analítica

de fenômenos no ciberespaço. Para o autor, há abordagens extrínsecas e intrínsecas.

A abordagem extrínseca faria uma ciência do Ciberespaço ao considerá-lo como mais

um dos aspectos de outras realidades, enquanto a abordagem intrínseca tentaria

estabelecer o estudo no local, a ciência no Ciberespaço. Este estudo tem como objeto

empírico uma amostra de estudos que se filiaram à abordagem intrínseca, ou seja,

cujo objeto empírico de investigação está no Ciberespaço.

Nesse mesmo sentido, Fragoso, Recuero e Amaral (2011) distinguem as

dimensões da pesquisa na internet, isto é, a diferenciação da noção de pesquisa sobre

a internet de pesquisa na internet. A internet tem a peculiaridade de atuar como

objeto (pesquisa sobre internet), local (pesquisa na internet) e/ou ainda instrumento

(pesquisa utilizando ferramentas de coleta/produção de dados na internet). Para dar

conta dessas três facetas, as autoras decidiram adotar a denominação “métodos de

pesquisa para internet” como título do livro.

Essas três dimensões da relação entre pesquisa e internet podem confundir o

pesquisador e o leitor menos habituados ao tema. Neste estudo, o interesse será pelos

estudos que tiveram a internet como local do trabalho de campo. O estudo de Bornia

3 No caso, trata-se de mediação por computador e, mais recentemente, também através de tablets e outros equipamentos que proporcionam o acesso à internet. Sobre interação mediada por computador, ver: PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 2. ed. Porto Alegre : Sulina, 2008.

Page 11: TCC Vanessa Souza Pereira

11

Junior (2009), por exemplo, tem como objeto as redes de interações sociais formadas

por usuários de telecentros comunitários, tanto presencialmente quanto no

ciberespaço. A pesquisa tem a internet como tema/objeto, porém, o autor não realiza

o trabalho de campo em um ambiente virtual, mas sim nos próprios telecentros. Isso

o diferencia dos estudos ambientados na internet, cujos objetos empíricos foram

analisados diretamente em um ambiente virtual. Essas duas faces da relação entre

pesquisa e internet ainda se diferenciam da terceira, que se refere à utilização de

suportes virtuais para coleta, produção, tabulação e análise de dados.

Tavares dos Santos (2001) afirma baseado em Lévy (1999) que estamos diante

de tecnologias intelectuais que implicam diversas modificações cognitivas humanas

no que se refere à memória, imaginação, percepção e raciocínio. Poder-se-ia dizer,

então, que além de possibilitar a aproximação do pesquisador ao ambiente virtual, a

internet e as tecnologias mediadoras do ciberespaço nos auxiliam também no avanço

das ideias por meio de suas ferramentas. É nesse sentido que as metodologias

informacionais, como uma terceira face da relação entre pesquisa e internet, trazem

novas possibilidades e padrões de trabalho para os cientistas sociais. Cabe destacar

que tais metodologias podem ser úteis para quaisquer pesquisadores, tanto para os

interessados em pesquisa sobre e na internet quanto para os mais diversos assuntos,

temas, objetos e campos.

Sendo um novo campo emergente, observa-se a convivência de uma polissemia

e de uma baixa precisão conceitual, uma vez que os termos ainda não estão definidos

com clareza e tampouco são consenso entre os pesquisadores. Neste estudo o

contexto virtual será denominado de ciberespaço, termo utilizado por diversos

autores (LEVY, 1999; CASTELLS, 2003; GUIMARÃES JR, 1999; LEWGOY, 2009;

FRAGOSO et al, 2011 entre outros) para designação dos ambientes virtuais de

interação. Correa (2010) considera o prefixo ciber como o elo etimológico entre a

técnica e os processos de sociabilidade virtuais, atuando como o operador da

experiência virtual ao substantivo vinculado.

Visando aproximar-se da construção das estratégias metodológicas em estudos

e pesquisas em ambientes virtuais (ou no ciberespaço), realizei em 2011 uma pesquisa

Page 12: TCC Vanessa Souza Pereira

12

exploratória4, na qual foi possível observar características em comum no que se refere

à abordagem metodológica de uma amostra estudos científicos que se deram no

campo virtual. Esses traços em comum tratavam do que chamei de inovações

metodológicas. A preocupação dos pesquisadores com as especificidades do trabalho

de campo no ambiente virtual seria um indício de que as estratégias para abordagem

do objeto precisariam ser repensadas e, talvez, recriadas. Uma das novidades seria -

diante de um escasso aparato teórico-metodológico - a experimentação de

ferramentas do próprio ambiente virtual para a produção e análise de dados

empíricos.

Apesar dessa importante ideia, o problema ainda se encontrava obscuro, pois a

utilização do termo “inovação” não parecia o mais adequado para tratar do assunto.

Inovação é um termo largamente utilizado para tratar de transformações sobretudo

de ordem econômica. Além disso, o conceito mais frequentemente refere-se à

introdução de processos, produtos, organizações e serviços novos ou

significativamente melhorados com vistas ao mercado. Para diferenciar o caráter de

novidade do objeto, pareceu-me mais prudente nomear as novas abordagens como

novidades metodológicas. Embora construído no contexto dos estudos sobre

produção agrícola, o conceito de novidade5 é útil pois representa o processo de

inovação na produção de conhecimentos como resultado de busca de soluções para

problemas técnicos do cotidiano (OLIVEIRA et al, 2011). Nesse sentido, o

conhecimento científico e o conhecimento técnico (também corriqueiro, quando se

fala em tecnologias de informação e comunicação) interagem em um ajuste de

condições. No caso das novidades metodológicas com relação ao campo virtual, os

conhecimentos sobre circunstâncias materiais e tecnológicas também fazem parte do

trabalho do pesquisador.

Este trabalho tem como objetivo principal analisar a emergência de novidades

metodológicas de estudos em ambientes virtuais e através disso conhecer as práticas

4 SOUZA PEREIRA, Vanessa. Metodologias de pesquisa em espaços virtuais de interação: análise da construção de instrumentos metodológicos em um novo campo de pesquisa. Trabalho apresentado no XXIII Salão de Iniciação Científica da UFRGS, outubro de 2011.

5 Novelty production approach - abordagem da produção de novidades. Aprofunda-se a discussão em: PLOEG, J. D. van der; WISKERKE, J. S. C. (Ed.). Seeds of transition: essays on novelty production, niches and regimes in agriculture. Assen: Van Gorcun, 2004.

Page 13: TCC Vanessa Souza Pereira

13

desses pesquisadores, discutindo os usos dos métodos de pesquisa no contexto do

ciberespaço em uma amostra de estudos. A ideia é examinar se novos métodos ou

adaptações estão sendo construídos para a abordagem dessa nova dimensão da

realidade ou se os métodos tradicionais/estabelecidos têm dado conta da pesquisa

empírica no ambiente virtual. Que metodologias têm sido utilizadas e/ou

desenvolvidas por pesquisadores envolvidos com o objeto em um ambiente virtual.

Para Boudon (1995), "quanto mais imprecisas forem as regras do jogo de uma

ciência, tanto mais legitimamente a sociologia se poderá interessar por ela" (p. 521).

As transformações nas metodologias de pesquisa, incluindo a abordagem teórica,

processos em corrente discussão e interpretação são, portanto, de interesse das

ciências sociais.

A leitura de Dornelles (2008) indicou que vários conceitos das Ciências Sociais

precisam ser repensados. Segundo o autor, seria necessária a desconstrução de

olhares tradicionais sobre a relação entre o online e o offline6. Embora essa dicotomia

seja evitada, Guimarães Jr (1999) aponta que a distinção entre a dimensão presencial

e não-presencial pode ser útil para tratar de peculiaridades da prática social no

ciberespaço. Manter as relações on e offline sempre em primeiro plano poderia

dificultar a reflexão e a observação empírica. Problematizações como essas são o foco

da análise. A ideia é acompanhar a construção metodológica dos estudos (tendo uma

série de indicadores em vista) e destacar as novidades metodológicas associadas ao

trabalho de campo virtual e mediado por computador. A metodologia para

abordagem desse problema é descrita ao longo do segundo capítulo.

Para tratar teoricamente do problema, proponho dois capítulos. O capítulo 3

faz uma discussão sobre o conhecimento científico (especialmente a pesquisa social)

no contexto da sociedade da informação, momento marcado pela emergência dos

espaços virtuais de interação. Também são feitas considerações sobre a construção da

metodologia em um projeto científico na área de ciências sociais. Já no capítulo 4, o

ciberespaço é tratado como campo de pesquisa das ciências sociais, tendo em vista as

6 A tensão entre o online e o offline é uma importante discussão trazida por vários autores. A diferenciação dos ambientes nessa dualidade é fortemente atacada por Levy (1999). Para diferenciar as dimensões com vistas à discussão da pesquisa social no ciberespaço, utilizo os termos presencial e virtual.

Page 14: TCC Vanessa Souza Pereira

14

suas características inerentes e as possibilidades relacionadas à interação social. O

capítulo também mostra como vários autores estão lidando com a corrente discussão

sobre as consequências das diferenças do ciberespaço (com relação ao offline) para o

trabalho de campo em ambientes virtuais.

No capítulo 5, por sua vez, faço a apreciação dos estudos da amostra com vistas

aos indicadores e ao referencial teórico que acompanha o problema. O objetivo da

análise é identificar as novidades metodológicas, contribuindo para a discussão sobre

os usos dessas na pesquisa social em ambientes virtuais.

Page 15: TCC Vanessa Souza Pereira

15

2 METODOLOGIA E PROPOSTA DE ANÁLISE

A fim de analisar a pesquisa na internet e identificar o surgimento de

novidades metodológicas no trabalho de campo virtual, é proposta uma análise das

estratégias metodológicas de trabalhos da área de Ciências Sociais. Junto a essa

pesquisa empírica, busco entender se a construção metodológica de estudos cujo

trabalho de campo se dá em ambientes virtuais apresenta modificações significativas

em relação às metodologias mais comuns dos trabalhos de campo não-virtuais.

Na fase exploratória, a intenção era analisar trabalhos de duas grandes áreas:

Ciências Sociais e Comunicação. O interesse nessas duas áreas veio de algumas

observações que demonstraram que os pesquisadores da área de Comunicação

apresentariam, no momento, uma maior preocupação com o estudo do/no

ciberespaço devido tanto às suas características epistemológicas quanto pela

demanda do mercado de trabalho da área. Entretanto, a discussão sobre os

obstáculos, as vantagens e as limitações da pesquisa cujo campo demanda a mediação

de um computador ainda é pouco problematizada, devido, talvez, a uma maior

familiaridade com as ferramentas virtuais e o próprio ciberespaço, que fazem parte

também do campo de trabalho técnico (ou de mercado) do profissional da

Comunicação na atualidade. Enquanto isso, as Ciências Sociais demonstrariam maior

interesse pelas implicações metodológicas no trabalho de pesquisa, praticando com

mais frequência o “estranhamento” desse novo campo. Contudo, ainda que as

abordagens da Sociologia e da Antropologia tenham se mostrado relativamente mais

preocupadas com as singularidades do trabalho de campo virtual, o número de

trabalhos dedicados ao tema na área ainda é bastante reduzido. A presença

majoritária de pesquisadores da área da Comunicação na amostra pode refletir um

ainda fraco engajamento de pesquisadores de Ciências Sociais na exploração do

campo virtual.

A possibilidade prática dessa análise, no entanto, era inviável tendo em vista o

tempo e o número adicional de questões e conceitos vindos das duas áreas, as quais

Page 16: TCC Vanessa Souza Pereira

16

possuem interesses tão distintos. Por isso, considerei mais proveitoso trabalhar

apenas com as questões de trabalhos das Ciências Sociais. Para construir o corpo

empírico, foi definida uma amostra de teses e dissertações de Programas de Pós-

Graduação (PPGs) registrados no banco de Teses da CAPES (Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Os trabalhos deveriam ser das áreas

de Antropologia, Sociologia ou Ciência Política de IFES7 brasileiras. Foram

selecionados trabalhos defendidos dos anos de 2005 a 2010 em PPGs com avaliação

trienal da CAPES igual ou maior a 5. O total de trabalhos após esses recortes foi de

onze dissertações e duas teses.

Devido à grande quantidade de dados8, utilizei o software Nvivo 9 como

ferramenta para a análise, tornando essencial o suporte digital. Contudo, embora se

tenha acesso à maioria dos trabalhos, nem todos estavam disponíveis na internet

para consulta e/ou download. Além dos recortes referidos, a amostra sofreu também

outros ajustes. Em primeiro lugar, a busca pela palavra-chave "ciberespaço" não

garantiria que as pesquisas provenientes tivessem o principal atributo de minha

análise: o trabalho de campo em um ambiente virtual. Portanto, após a leitura dos

resumos, alguns estudos foram excluídos da amostra. Além da necessidade do

arquivo digital para análise, em dois casos, a pesquisa não pôde fazer parte da

amostra por problemas técnicos do arquivo, mensagens de erro tanto no Adobe

Reader quanto no NVivo. Por esses motivos, seis estudos foram retirados da amostra,

totalizando sete trabalhos para análise (sendo uma tese e seis dissertações).

Sendo assim, os sete trabalhos são caracterizados por área e universidade de

origem através do gráfico a seguir:

7 IFES: Instituições Federais de Ensino Superior. Conjunto de 52 instituições criadas ou incorporadas e mantidas pela União, constituindo o Sistema de Instituições Federais de Ensino Superior e a Rede Pública de Ensino. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos.IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002, http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=352. Acesso em: 18/6/2012.

8 Cada dissertação possui, em média, cento e cinquenta páginas.

Page 17: TCC Vanessa Souza Pereira

17

Gráfico 1: Distribuição de estudos por área e universidade

Nota-se que a quantidade total de estudos é pequena. No mesmo período,

estão registrados 25 trabalhos com o mesmo recorte na área de comunicação. Essa

diferença corrobora com a afirmação de Jungblut (2009) de que as Ciências Sociais

ainda se mostram tímidas em investigar os múltiplos processos que acompanham as

tecnologias de informação e comunicação. Na dissertação de Amarante (2005) a

comunicação já apresentava maior evidência na quantidade de estudos sobre a

internet:

Recorremos à Internet para colher informações sobre a questão, já que em virtude de sua novidade não existia muito material escrito disponível sobre ela. No decorrer da pesquisa, encontramos algumas dissertações de mestrado tendo os blogs por tema. A coincidência entre elas era o fato de serem da área de comunicação (p. 16).

A mesma autora diz que construiu um breve histórico do surgimento dos blogs

(seu objeto de pesquisa) com base em uma ampla pesquisa pela internet "já que pela

incipiência do objeto pesquisado a bibliografia disponível a seu respeito é muito

reduzida." (p. 18).

Prudêncio (2006), relembra a origem dos estudos da área da comunicação,

Page 18: TCC Vanessa Souza Pereira

18

A pesquisa em comunicação, ao contrário das outras áreas do conhecimento, foi inicialmente estimulada não por um desenvolvimento científico, mas por uma demanda de mercado. Foi o desenvolvimento tecnológico que impulsionou a investigação da presença crescente dos meios de comunicação de massa no cotidiano. (p. 57)

Do mesmo modo relatado por May (2004), ao afastar-se do formato

estruturado, torna-se necessário realizar um esforço de codificação para que possa ser

construído um sentido analítico. Sendo assim, os nós9 de classificação dos elementos

de análise dividiram-se em três grandes grupos: (1) objeto/proposta do trabalho, (2)

definições metodológicas e (3) trabalho de campo virtual. Essa divisão não representa

uma disposição necessariamente conveniente, o que significa que nem todos os

trabalhos apresentaram esses elementos. Mesmo assim, os trabalhos apresentaram,

com diferentes intensidades, referências nesses grandes temas. Os indicadores

formaram "subnós" que especificavam os temas dos elementos de análise.

Quadro 1: Dimensões e indicadores para análise dos estudos

Objeto/proposta do trabalho

• tema e objetivos do trabalho

• recorte empírico

Definições metodológicas

• (novos) conceitos associados ao campo

• presença do pesquisador

Trabalho de campo virtual

• descrição e crítica dos métodos

• instrumentos de produção e análise de dados

No exame dos trabalhos selecionados procedeu-se da seguinte forma:

primeiramente foram lidos o sumário e a introdução, buscando identificar se o estudo

de fato correspondia a delimitação proposta; a seguir, na introdução, quando

possível, identificou-se o tema, os objetos da pesquisa e indícios sobre abordagem do

problema. Em grande parte dos casos esses elementos estavam contidos na

introdução, o que facilitou a minha leitura, visto que aspectos teóricos específicos do

9 O termo “nó” refere-se ao esquema de codificação de trechos através do software Nvivo 9.

Page 19: TCC Vanessa Souza Pereira

19

tema de análise dos estudos não se constituíam como meu objeto. Portanto, nem

todos os trabalhos precisaram ser lidos do início ao fim. Pensando em evitar possíveis

perdas nesse “pulo”, realizei uma busca complementar pelo NVivo buscando algumas

palavras-chave (como ciberespaço, metodologia, presença, etc) no texto não

categorizado para leitura.

É importante ressaltar que a intenção das análises não é dizer quantos estudos

referem quais parâmetros, mas sim trazer a reflexão sobre a emergência das

novidades metodológicas e verificar a ocorrência de mudanças na metodologia de

pesquisa ocasionadas experiências de campo no ciberespaço.

A respeito da construção metodológica, na visão de Feyerabend (1989), a

educação científica, como tem sido feita, leva a uma simplificação da ciência, pois

além de outros fatores, a imaginação do cientista é “restringida e até sua linguagem

deixa de ser própria” (p. 21), na tentativa de ser visto como neutro e isento de

opiniões prévias sobre o tema. Conforme o autor, “as regras metodológicas falam de

teorias, observações e resultados experimentais como se tratasse de objetos claros e

bem definidos, de propriedades fáceis de avaliar e entendidos da mesma forma por

todos os cientistas” (p. 88). Por isso, trago as contribuições desse autor para a

construção da minha proposta de análise, pois penso que o estudo das

transformações no trabalho científico no contexto do desenvolvimento de novos

modos de comunicação e interação precisa de olhares que ultrapassem e se

confrontem com o que já é familiar e estabelecido. Feyerabend faz essa crítica à

“condição de coerência”.

A primeira teoria adequada tem o direito de prioridade sobre teorias posteriores igualmente adequadas. Sob esse aspecto, o efeito da condição de coerência é similar ao efeito dos mais tradicionais métodos de dedução transcendental, de análise de essências, de análise fenomenológica, a análise linguística. Contribui para a preservação do que é antigo e familiar, não porque seja portador de qualquer inerente vantagem-não porque esteja melhor fundamentado na observação do que a alternativa de sugestão recente ou porque seja mais elegante – mas apenas por ser antigo e familiar (p. 48).

Page 20: TCC Vanessa Souza Pereira

20

Dessa forma, busco trazer na análise as diferentes visões dos autores e de suas

explicações para os objetos de estudo, não fazendo um julgamento sobre quais visões

seriam mais adequadas e condizentes com o contexto da virtualidade, mas

contrastando as diferentes abordagens e observando a emergência de novidades

metodológicas.

O local do trabalho de campo nesta análise será chamado de universo, uma vez

que, representando o ciberespaço, não possui as mesmas lógicas de tempo e espaço

que o vocábulo local remete. O quadro abaixo visa apresentar panoramicamente a

distribuição dos estudos por ano, área e universo do trabalho de campo.

Quadro 2: Distribuição dos estudos analisados por ano, área e universo do trabalho de campo

Autor/ano Área Universo do TC

AMARANTE, 2005 Sociologia Blogs e chats

PRUDÊNCIO, 2006 SociologiaSites e fóruns/listas de discussão

SEGATA, 2007 Antropologia Orkut

SILVA, 2008 Antropologia Orkut

CAVALCANTE, 2008 Sociologia Fórum/lista de discussão

BATALHA, 2010 Ciência Política Sites e listas de discussão

BATISTA, 2010 Sociologia Second Life, chats

A nuvem de palavras foi a forma escolhida para apresentar as palavra-chave

dos nove estudos analisados tendo em vista que ela permite apresentar a frequência

das mesmas diferenciando-as por cores e por tamanho segundo a frequência10.

10 A nuvem de palavras foi possível através da ferramenta disponível gratuitamente no site http://www.wordle.net. Acesso em junho de 2012.

Page 21: TCC Vanessa Souza Pereira

21

Nota-se que a palavra-chave mais comum é “ciberespaço”, devido ao foco da

seleção da amostra. Contudo, os outros vocábulos também são importantes pois

demonstram as áreas de interesse dos pesquisadores que trabalharam com o campo

virtual.

Figura 1: Nuvem de palavras com as palavras-chave dos estudos analisados

Page 22: TCC Vanessa Souza Pereira

22

3 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO DO MUNDO E A METODOLOGIA DE PESQUISA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

O objetivo deste capítulo é analisar o contexto da sociedade da informação no

qual emergem novos espaços, os quais são possíveis a partir de tecnologias que

mediam as relações sociais. Busco examinar as potencialidades e desafios que os

espaços virtuais trazem para a construção do conhecimento científico e para as

metodologias de pesquisa das ciências sociais

Na primeira seção proponho, inicialmente, discutir sobre a denominação de

sociedade da informação para designar o contexto da sociedade contemporânea que

envolve os avanços referentes às tecnologias de informação e comunicação. Nessa

direção, levanto algumas contribuições da sociologia do conhecimento para discussão

sobre pesquisa na internet. Na segunda seção do capítulo, retomo a reflexão sobre a

construção metodológica de um projeto científico nas ciências sociais, para no

próximo capítulo tratar sobre a construção metodológica da pesquisa no ciberespaço.

3.1 O CONHECIMENTO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

A sociedade contemporânea (considerada como o final do século XX e início

do século XXI) capitalista e informacional, ainda que apresentando consideráveis

variações em diferentes regiões do mundo, vivencia uma infinidade de processos e

transformações intensas. As transformações podem ser vistas como de ordem

econômica, tecnológica, política, informacional/comunicacional, entre outras. Para

designar a sociedade contemporânea em sua dimensão das relações sociais, utilizo o

termo “sociedade da informação”. Para Werthein (2000), a expressão "sociedade da

informação" começou a ser utilizada para substituir o conceito de "sociedade pós-

industrial".

Das propostas políticas oriundas dos países industrializados e das discussões acadêmicas, a expressão “sociedade de informação” transformou-se rapidamente em jargão nos meios de comunicação,

Page 23: TCC Vanessa Souza Pereira

23

alcançando, de forma conceitualmente imprecisa, o universo vocabular do cidadão (p.71).

Para o autor, as transformações em direção à sociedade da informação já

encontram-se em estágio avançado nos países do Norte11 e se constituem como

tendência dominante para o resto do mundo. Tais transformações têm “definido um

novo paradigma, o da tecnologia da informação, que expressa a essência da presente

transformação tecnológica em suas relações com a economia e a sociedade" (p. 72).

Embora sejam tantas as transformações sociais em curso, neste trabalho o

olhar será direcionado para as implicações das particularidades do campo virtual

(mediado por computador) na construção da metodologia de pesquisa social. Esse

direcionamento está relacionado com o que Suaiden (2007) aponta sobre a

importância dos estudos sobre a sociedade da informação:

Diante dos diferentes modos de pensar, interagir, produzir e consumir estimulados pelo computador e pela internet, a chamada sociedade ou era da informação e do conhecimento representa hoje um desafio à pesquisa acadêmica, sendo também objeto de interesse e atenção de formuladores de políticas públicas, agentes privados e sociedade em geral (p. 11).

Maria Alice Borges (2000) aponta algumas transformações contemporâneas

no setor informacional que se constituiriam em características próprias da sociedade

da informação. Através das novas tecnologias, a informação tem se tornado um

produto comercial, que carrega valor econômico. Além disso, a distância e o tempo da

fonte ao seu destinatário passaram a não ser mais determinantes para o acesso. As

novas tecnologias que possibilitaram o ciberespaço criaram também novos mercados,

serviços, empregos, empresas e, consequentemente, relações.

11 Martins (2010) considera Norte e Sul como divisões do planeta do ponto de visto poder econômico, onde o Sul seria uma espécie de "Terceiro Mundo" (expressão que o autor evita mencionar) e o Norte representaria os países dominantes. Para mais detalhes, ver: MARTINS, Paulo Henrique. Poscolonialidad y antiutilitarismo: desafíos de la teoría sociológica más alla de las fronteras Sur-Norte. Revista Colombiana de Sociología, v. 33, p. 15-43, 2010.

Page 24: TCC Vanessa Souza Pereira

24

Dentro desse contexto, considerarei mais especificamente a influência das

características do ciberespaço nos modos de fazer pesquisa, uma vez que esse

ambiente, possibilitado pelos avanços em tecnologia da informação, surge como mais

um campo de estudo das Ciências Sociais. Em virtude de suas grandes implicações na

economia, na política, na cultura e nas relações, além das profundas transformações

nas formas de expressão e no que Lévy (1999) chama de desterritorialização das

mídias, essa nova e emergente dimensão da realidade surge como mais um campo de

estudo para diversas áreas do conhecimento. Entretanto, para tratar sobre pesquisas

no ciberespaço, é necessário abordar antes a organização contemporânea da pesquisa

e do conhecimento científico.

O conhecimento científico ocidental tem se constituído como uma forma

hegemônica de construção da realidade, fundamentada em conceitos, métodos e

técnicas instituídos por uma comunidade que os administra e regula. Para Descartes,

“o cuidado metodológico encerrava-se na visão de que fazer ciência seria basicamente

questão de método e que este seria lógico-experimental” (DEMO, 2002). Embora

tivesse essa tendência à busca da “verdade”, o pensamento de Descartes auxiliou no

progressivo desprendimento entre ciência e religiosidade.

Segundo Demo (2002, p. 352) “conhecer é principalmente questionar e não

verificar, constatar, afirmar”. O objetivo do fazer científico, que é o conhecimento, é

sempre construído, aproximado e temporário, como já apontava Bachelard (1996) ao

tratar a atividade cientifica como uma retificação permanente do erro primeiro e ao

apontar os atos epistemológicos da ruptura, construção e constatação. A atividade

científica está em permanente busca, não por verdades absolutas, mas por

explicações mais adequadas aos objetos de estudo. Como não temos acesso à

“verdade” tampouco podemos explicar a realidade com “certeza”, temos que escolher

a versão que melhor nos convence (ou convém) para abordar, entender e/ou

problematizar um objeto. Além disso, a escolha de uma definição científica nunca é

ideologicamente neutra, pois está ligada a uma visão de mundo, um projeto e um

discurso ideológico (FOUREZ, 1995; MINAYO, 1994). As definições dos conceitos e

dos métodos são decisões teóricas, muitas vezes não intencionais ou não racionais,

mas nunca ao acaso. A cientificidade vai além de um padrão de modelos e normas,

Page 25: TCC Vanessa Souza Pereira

25

sendo mesmo diferentes as abordagens das ciências naturais e sociais.

Diferentemente do que se acreditou por muito tempo, “a cientificidade não pode ser

reduzida a uma forma determinada de conhecer; ela pode conter diversas maneiras

concretas e potenciais de realização (COTANDA et al, 2008).

Para Bachelard (1996), “o conhecimento do real é luz que sempre projeta

algumas sombras” (p. 17). Retoma-se um passado de erros e encontra-se a verdade

em um “arrependimento intelectual”. Contudo, sem uma pergunta/questão não há

conhecimento científico. Para o autor, o conhecimento é a resposta a uma dada

pergunta. Bourdieu et al (1973) também apontam a importância da formulação de um

problema. Para eles, a fronteira entre o saber comum e a sociologia é um

problema/pergunta cuja existência está condicionada à teria. Dessa forma, ir à campo

sem teoria seria como uma sociologia espontânea, baseada somente em pré-noções

do pesquisador. Todavia, os problemas não se formulam espontaneamente, são

criados pelos pesquisadores. "Tudo é construído"(BACHELARD, 1996).

A sociologia do conhecimento busca estudar as condições sociais de produção

do saber e a difusão das ideias, tanto do conhecimento comum quanto do

conhecimento científico. Na perspectiva desta, todo conhecimento seguro de sua

verdade despreza as condições de seu nascimento. Além disso, entende o

conhecimento enquanto produto e produtor de uma realidade histórica, social e

cultural (a sua versão da realidade).

Procurando organizar as diversas contribuições no campo da sociologia do

conhecimento, Boudon (1995) classifica duas grandes abordagens: as macroscópicas,

que tentam evidenciar tendências, ritmos na vida mental e determinar a influência

desses sobre os fenômenos do conhecimento; e as acionistas, às quais interessa

analisar as razões que levam os atores (em determinado contexto social) a

acreditarem em tal teoria ou enunciado. Essa distinção entre as duas abordagens

pode ser característica não só da sociologia como das ciências sociais em geral.

Segundo o autor,

qualquer que seja o campo considerado, certos estudos limitam-se a ressaltar tendências ou relações entre as variáveis, ao passo que

Page 26: TCC Vanessa Souza Pereira

26

outros procuram analisar as razões individuais (microscópicas) dessas relações agregadas. Utilizando o vocabulário vigente, os primeiros advêm de uma metodologia holista, os segundos de uma metodologia individualista. (p.523)

O problema da primeira categoria seria a fragilidade e o caráter provisório

desse conhecimento, pois não permite a identificação das reais causas das relações

observadas. Em contrapartida, hoje temos mais clara a visão de que o conhecimento é

temporário e inacabado, seja qual for a abordagem escolhida. Seria importante,

portanto, conhecer, em uma abordagem macroscópica, como as transformações

informacionais estão influenciando o trabalho de pesquisa e a produção de

conhecimento científico.

Segundo Morin (1989), a sociologia do conhecimento constitui-se como um

esforço de compreensão das condições socio-históricas de produção do conhecimento

e dos constrangimentos sócio-histórico aos quais o mesmo não pode escapar. Para o

autor, “o conhecimento científico não pode ser auto-suficiente, devendo submeter-se

a exame, não só epistemológico mas também sociológico” (p. 138). É nesse sentido

que considero essencial a discussão sobre como estão se estabelecendo as

metodologias de pesquisa em ambientes cujas características revolvem os modos de

se fazer sociologia (e ciências sociais).

3.2 A CONSTRUÇÃO DA METODOLOGIA NA PESQUISA SOCIAL

Distinguindo-se do conhecimento comum, o conhecimento científico se

concretiza na atividade de pesquisa, cuja fundamentação se dá através de teorias,

conceitos, métodos e técnicas. A pesquisa constitui-se como atividade básica da

ciência na sua indagação e construção da realidade.

Uma pesquisa inicia com um problema articulado a conhecimentos anteriores,

mas possíveis de demandar novos referenciais. Esses conhecimentos anteriores,

construídos por outros estudiosos, são um sistema organizado de proposições e são

chamados de teorias. Para Minayo (1994), as teorias são tentativas de aproximação e

explicação (parcial) da realidade, contextualizadas e compostas de conceitos. A

Page 27: TCC Vanessa Souza Pereira

27

metodologia de pesquisa seria o caminho do pensamento e a prática exercida na

abordagem da realidade. Ela reúne as concepções teóricas da abordagem de um

objeto, as técnicas de investigação, as quais encaminham os impasses teóricos para a

prática, e o potencial criativo do pesquisador (MINAYO, 1994). Sobre o trabalho de

campo, a autora defende que seja um recorte empírico da construção teórica e um

momento prático de confirmação ou refutação das hipóteses e construção de teorias.

A metodologia de pesquisa possui um sentido mais técnico dentro projeto

científico, no qual se constituem regras para definir um objeto e as escolhas

referentes ao trabalho de campo e aos instrumentos para investigação. Boudon e

Bourricaud salientam que a atitude crítica do pesquisador na análise do objeto

também constitui a ideia de metodologia de pesquisa

Contrariamente a uma confusão corrente, essa noção [metodologia de pesquisa] designa, não só as técnicas de investigação empírica e da análise de dados, mas a atividade crítica que se aplica aos diversos produtos da pesquisa (BOUDON e BOURRICAUD, 2000a, p. 336).

Assim, podemos entender que a abordagem metodológica de um estudo

científico visa sistematizar o modo como se estudará um objeto para alcançar os

objetivos propostos. Essa atividade engloba aspectos que devem ser explicitados ao

longo do trabalho científico: o tipo de estudo, qual será a população-alvo da pesquisa

empírica, como os dados serão coletados/produzidos, quais serão os procedimentos

para análise e interpretação dos dados, etc. Porém, sobretudo visa estudar e definir as

escolhas teóricas em busca da compreensão do objeto proposto. As técnicas de

produção e análise de dados são fruto de um processo de construção e constituem o

nível mais operacional das definições metodológicas (COTANDA et al, 2008).

Oliveira (1998) traz um bom exemplo sobre o lugar do método na pesquisa:

Ao se falar, por exemplo, em método Paulo Freire de aprendizagem, a discussão seria muito mais redutora se apenas aludisse aos recursos e instrumentos de que se vale para promover a alfabetização; seria necessário ir além para perceber o embasamento teórico, que dá suporte e consistência ao método. De que modo encara a educação?

Page 28: TCC Vanessa Souza Pereira

28

Quais os pressupostos da relação entre educador e educandos? Como tais questões podem interferir na produção do saber? (p. 21)

Para Bourdieu et al (1999), mesmo as técnicas mais empíricas não são

descoladas das opções teóricas. Os métodos seriam então construídos em função do

objeto. Para ele, são os pressupostos teóricos que fazem os dados empíricos

funcionarem como evidências científicas. Mesmo que os autores referidos defendam

a construção do método em função do objeto, considero que outros fatores também

podem influenciar a construção, entre eles as especificidades do local do trabalho de

campo, como no caso dos ambientes virtuais.

Considerar que a realidade é complexa e não-linear e que o conhecimento é

sempre provisório, não significa, contudo, que nenhum método será capaz de captá-la

satisfatoriamente (DEMO, 2002). Segundo o autor, “em parte, este reducionismo é

natural, inevitável” (p. 361). Ao fazer pesquisa buscamos ordenar e estruturar, o que

representa uma violência analítica, pois a força a caber em categorias estranhas a sua

dinâmica complexa e não-linear. Contudo, mesmo que consideremos que “explicar é

inapelavelmente também simplificar” (p. 361), a explicação teórica organizada se faz

necessária para delimitar/definir o objeto e os objetivos do trabalho científico, visto

que, sem esses, o trabalho do pesquisador seria um emaranhado confuso.

Page 29: TCC Vanessa Souza Pereira

29

4 O CIBERESPAÇO COMO CAMPO DE PESQUISA

Este capítulo tem por objetivo apresentar uma reflexão sobre as mudanças no

campo metodológico advindas da emergência do campo virtual. No primeiro

momento, apresento noções sobre o que alguns autores referência no tema tomam

como ciberespaço e suas características. A seguir, o capítulo traz novas contribuições

de autores sobre ferramentas e modos de pesquisa no contexto do ciberespaço,

importantes para o entendimento sobre as transformações nos métodos e técnicas de

pesquisa social.

Considerando que os fenômenos estão sempre em transformação, é possível

inferir que as questões teórico-metodológicas, bem como o conhecimento, são

também históricas e sociais. Os estudos sobre/na internet são exemplos de como

determinadas questões estão associadas com o momento histórico e até às condições

materiais (nesse caso possibilitadas pelas TICs). As problematizações sobre o

trabalho de campo mediado por computador, por exemplo, provavelmente não

existiriam em um contexto diferente da sociedade da informação. Portanto, com o

desenvolvimento de novas ferramentas de interação e dispositivos de comunicação

mediadores do ciberespaço, a pesquisa social na internet encontra novas questões

metodológicas.

4.1 A ONTOLOGIA DO CIBERESPAÇO E A PESQUISA NA INTERNET

O avanço e aperfeiçoamento das TICs viabilizaram o surgimento da internet e

dos ambientes virtuais, sendo atualmente utilizados para uma infinidade de

objetivos. A internet tem se consolidado como ferramenta de trabalho, comunicação e

interação, permeando a rotina de grande parte do mundo contemporâneo, mas

também tensionado as noções de espaço, tempo e lugar (GUTIERREZ, 2009). As

redes sociais virtuais passaram a fazer parte do cotidiano de milhões de pessoas. O

Twitter, por exemplo, apresentou 280% de crescimento no número de twitts entre

março de 2010 e fevereiro de 2011, além de superar a marca de 1 bilhão de twitts

Page 30: TCC Vanessa Souza Pereira

30

semanais em 201112. Redes sociais como o Facebook e o Orkut também demonstram

crescimento, sobretudo no Brasil. Tal crescimento se dá tanto em número de usuários

quanto em tempo de uso/permanência desses sites.

A primeira grande menção ao ciberespaço foi através de William Gibson,

famoso na literatura “Ciberpunk”, que no livro “Neuromancer” (1984) constrói uma

aventura que se passa em um espaço virtual (GUIMARÃES JR., 1999). Pierre Lévy,

um dos pioneiros nos estudos sobre as transformações sociais e culturais a partir das

evoluções técnicas e informacionais, interpretou o ciberespaço como sendo um “novo

espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transação, mas também

novo mercado da informação e do conhecimento” (LÉVY, 1999, p. 32).

A partir de contribuições de diferentes autores, Guimarães Jr (1999) define o

ciberespaço como um “locus virtual criado pela conjunção das diferentes tecnologias

de telecomunicação e telemática, em especial, mas não exclusivamente, as mediadas

por computador.” Este locus apresenta uma alta complexidade e heterogeneidade,

uma vez que é grande a variabilidade de ambientes de sociabilidade e plataformas de

interação, no interior das quais se estabelece uma infinidade de relações, que podem

ser de ordem acadêmica, profissional, pessoal etc.

De acordo com Lévy (1999), desde os anos 1980, a informática perdeu seu

status de técnica e setor industrial particular para começar a fundir-se com as

telecomunicações, a editoração, o cinema e a televisão. Surgiram os hipertextos e a

preocupação com as interfaces gráficas. O número de computadores conectados à

internet cresceu e cresce a cada dia. Como o autor defende, "uma corrente cultural

espontânea e imprevisível impôs um novo curso ao desenvolvimento técnico-

econômico" (p. 32). Em 1999, Lévy já apontava o ciberespaço como uma rede, cujo

ambiente proporcionaria o estabelecimento de arenas e espaços de sociabilidade

(CORREA, 2010). Essas arenas poderiam ser o que hoje chamamos de redes sociais

ou comunidades virtuais.

12 Twitter statistics. Kiss Metrics Blog. Disponível em <http://blog.kissmetrics.com/twitter-statistics/>. Acesso em dezembro de 2011.

Page 31: TCC Vanessa Souza Pereira

31

Sobre a difusão das transformações informacionais no contexto brasileiro, o

Comitê Gestor da Internet no Brasil13 (CGI.br) realiza uma pesquisa anual sobre a

utilização das TICs no país. É um mapeamento por amostra de domicílios que traz

diversas informações sobre as tecnologias de comunicação e a internet no Brasil. Os

dados do ano de 2009 demonstraram o maior aumento na posse de computador e no

acesso à internet desde 2005, em todas as regiões do país. Embora os números ainda

sejam modestos comparados aos de países desenvolvidos (36% dos brasileiros

possuem computador em casa e 27% têm acesso à internet), os números vêm

crescendo a cada ano. Esses dados podem representar uma popularização do acesso à

internet, que pode estar cada vez menos restrita às altas camadas sociais (CGI, 2010).

Dados do IBOPE/NetRatings14 apontam que em fevereiro de 2012 o número de

internautas ativos em residências e no trabalho foi de 48,6 milhões, um aumento de

32% com relação a fevereiro de 2010. Esses dados estão se modificando

13 O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) foi criado pela Portaria Interministerial nº 147, de 31 de maio de 1995 e alterada pelo Decreto Presidencial nº 4.829, de 3 de setembro de 2003, para coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços Internet no país, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados. É composto por membros do governo, do setor empresarial, do terceiro setor e da comunidade acadêmica. Fonte CGI.br - Quem Somos. Disponível em: <http://www.cgi.br/sobre-cg/definicao.htm>. Acesso em: junho de 2012.

14 CETIC.br - Painel IBOPE/NetRatings. Disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/ibope/w-tab02-01-2011.htm >. Acesso em: dezembro de 2011.

Gráfico 2: Posse de computador e acesso à internet. Percentual sobre o total de domicílios.

Fonte: CGI, 2010, p. 123.

Page 32: TCC Vanessa Souza Pereira

32

constantemente, tendendo a um crescimento ainda maior. Políticas públicas, como a

ampliação do crédito e a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)

de computadores e notebooks, têm sido criadas no sentido de viabilizar o acesso aos

meios digitais (o que inclui a posse de um computador e o acesso à internet) a

pessoas de baixa renda, buscando uma maior inclusão digital. A sociedade da

informação, portanto, embora amparada nas tecnologias informacionais, é

constituída também pelos que, por questões socioeconômicas, estão sem acesso às

tecnologias digitais. Esses também constituem a sociedade da informação porque são

parte do mundo e, participando deste, também relacionam-se com as transformações

sociais em curso.

O conjunto de dados apresentados mostra que, apesar de um longo caminho

até uma ampla inclusão digital, o ciberespaço tem se destacado como uma importante

esfera da realidade social, na qual diversos fenômenos e processos sociais são

produzidos (e reproduzidos).

O ciberespaço e as novas formas de interação e comunicação têm sido

interpretado de diversas formas por diferentes autores. Sobre a dificuldade de

definição do ciberespaço, Lewgoy (2009) diz que

A emergência da internet, desde que novas formas de sociabilidade e novos nexos entre o off e online são ali registrados, suscitou um movimento de interpretação que inicialmente tentou captar os traços do fenômeno a partir de antecedentes conhecidos numa narrativa evolucionista tecno-utópica, na qual o passado é uma tentativa imperfeita de constituição e liberação de potenciais apenas atualizados no presente (p. 193).

O estudo do virtual trouxe consigo a necessidade de novos termos para

caracterizá-lo. Em contrapartida, os novos termos são, muitas vezes, utilizados em

uma perspectiva evolucionista e de contraposição ao real.

A chave analítica da virtualização (Lévy, 1999), se afastada a pesada carga de evolucionismo a ela associada, permite visualizar-se a passagem para um outro momento no qual a internet e o ciberespaço

Page 33: TCC Vanessa Souza Pereira

33

passam a ser produtores de metáforas e conceitos que dimensionam as convenções culturais, os dispositivos de classificação do real off e online, quando, por exemplo passamos a falar em “ensino presencial” em oposição ao ensino à distancia, em “deletar” pessoas de nossa lista de amizades ou em fazer etnografias “offline” (LEWGOY, 2009, p. 193).

Por tratar-se de uma questão contemporânea, o contexto virtual ainda sofre

com o status de “não-real”. Os ambientes virtuais ainda recebem um estereótipo de

superficialidade, porém, como apontam Carvalho e Carvalho (2005), os blogs podem

ser "aliados na trajetória da escrita da memória da sociedade" (p. 63). Isso porque se

constituem como uma nova forma de registro de informação da memória

contemporânea. Aos poucos a tensão entre o online e o offline vai se desconstruindo,

considerando-se o virtual como uma dimensão da realidade (DORNELES, 2008).

Levy (1999) se coloca contra a oposição entre virtual e real. Para ele, o virtual é

real, ainda que não se possa fixá-lo em nenhuma coordenada espacial ou temporal.

Esse "existir sem estar presente", sem tempo ou lugar particular, é o que o autor

chama de desterritorialização.

Permeando o cotidiano, a internet propicia que criemos e recriemos fatos e

processos constantemente. Na maioria das vezes associadas à lógica de mercado, as

empresas precisam entender o que está acontecendo nesse contexto e,

principalmente, quais são as potencialidades do ambiente virtual para as suas

atividades, para a captação de clientes, aumento das vendas, engajamento dos

consumidores com a marca, etc. O mercado “solicita” essas informações de diversos

agentes (setor de marketing, empresas de pesquisa, agências de publicidade...). Por

outro lado, no âmbito acadêmico, embora com diferentes fins, também há interesse

em conhecer e teorizar a internet e as práticas dos ambientes virtuais. Considero,

portanto, conforme defende Minayo (1994), que o surgimento do interesse de

pesquisa por um objeto está profundamente ligado à vida prática. Contudo, como

interesse de pesquisa, o ambiente virtual traz também questionamentos sobre as

práticas de pesquisa científica.

Jones (1999 apud Fragoso et al., 2011) aponta diferentes fases dos estudos

científicos sobre internet na história recente, da “pesquisa profética” às preocupações

Page 34: TCC Vanessa Souza Pereira

34

contemporâneas sobre a metodologia. A primeira geração de estudos surgiu logo que

a internet passou a se constituir como uma importante dimensão da vida social. As

pesquisas centravam-se nos rumos desse desenvolvimento, no que a internet se

tornaria. Apesar de importantes, essas pesquisas se detinham no que a internet seria

e pouco se dedicavam a descrever e analisar o que ela era, essencialmente, no

momento.

Com a progressiva popularização da internet nos Estados Unidos na segunda

metade dos anos 1990, os estudos passaram a abordar a internet no cotidiano, porém

ainda com uma visão do ciberespaço como autônomo e deslocado da realidade. Na

primeira década do século XXI, os objetos dos estudos passaram a ser mais

recortados, com populações específicas, buscando uma compreensão dos processos

dentro de suas próprias dinâmicas. Wellman (2004 apud Fragoso et al., 2011)

também analisa a trajetória dos estudos sobre internet e identifica, num primeiro

momento, autores utópicos e distópicos, seguidos do uso de dados provenientes de

espaços virtuais para análises sobre usos e práticas sociais. Para este autor, o

momento atual seria de foco nas abordagens teórico-metodológicas, buscando uma

melhor compreensão dessa realidade.

Quadro 3: Tendências dos estudos sobre internet

Primeira geração

Início dos anos 1990

Rumos do desenvolvimento informacional e possibilidades da internet; dicotomia entre utópicos e distópicos

Segunda geração

Segunda metade dos anos 1990

Internet como parte do cotidiano; estudos dos usos da internet; comparações entre internet e outras mídias

Terceira geração

Primeira década do século XXI

Usos e apropriações da internet com recortes mais profundos

Momento atual Abordagens teórico-metodológicas

Fonte: elaboração própria com base em Fragoso et al (2011).

Em ambas as versões sobre a evolução da pesquisa em cibercultura, nota-se

que as questões mostram-se inicialmente vagas e confusas, fazendo com que os

cientistas busquem progressivamente novas formas de compreender e se apropriar

mais claramente de seu objeto. Na realização dos recortes e na análise empírica,

começaram a surgir as preocupações metodológicas com a pesquisa na internet.

Page 35: TCC Vanessa Souza Pereira

35

Portanto, conforme Postill (2010 apud Fragoso et al., 2011) observa, um ponto

importante das pesquisas atuais tem sido as abordagens teórico-metodológicas para

abordagem do problema.

4.2 O TRABALHO DE CAMPO EM AMBIENTES VIRTUAIS

A geografia, a arquitetura e os fluxos de informação do ciberespaço não

coincidem com o território físico. Apesar de estarmos longe de uma definição sobre a

abordagem de questões sociais no ambiente virtual, pesquisadores têm construído

suas abordagens diante do confronto com um campo diverso que apresenta questões

que exigem reformulações das práticas usuais.. Na rede emergem práticas sociais que

reproduzem formas de agir tradicionais, mas também criam novos modos de fazer

(GUTIERREZ, 2009). Portanto,

No caso da pesquisa em culturas tão novas, como as que estão se estabelecendo no ciberespaço, existe a necessidade de se ampliar o alcance das metodologias criadas e desenvolvidas na pesquisa de fenômenos anteriores a existência de uma dimensão cultural on-line. Por consequência, as metodologias podem se hibridizar, acolher métodos e técnicas umas das outras e receber influências de teorias diversas. (GUTIERREZ, 2009, p. 4)

A autora refere que as mudanças nas formas de se fazer pesquisa estão mais

associadas às novas culturas e não aos espaços novos, como defendo. Contudo,

considero sua contribuição importante, uma vez que os modos específicos de relações

de subculturas no ciberespaço também podem trazer desafios ao pesquisador.

A metodologia qualitativa foi muitas vezes questionada sobre sua validade

como argumento científico, uma vez que a influência pessoal do pesquisador tende a

estar mais presente na análise. Entretanto, especialmente para a sociologia do

conhecimento, quando estamos analisando um objeto, não deixamos de interpretá-lo

com o nosso repertório cultural. Conforme Chalmers (1993) coloca:

Page 36: TCC Vanessa Souza Pereira

36

O que os observadores vêem , as experiências subjetivas que eles vivenciam ao verem um objeto ou cena, não é determinado apenas pelas imagens sobre suas retinas, mas depende também da experiência, expectativas e estado geral interior do observador (p. 51).

Isso significa que mesmo a busca de uma visão objetiva não impede uma

interpretação subjetiva. A objetividade, que é o mais próximo que chegamos da

“neutralidade”, provém de critérios metodológicos definidos pelo pesquisador,

contudo, os procedimentos de produção e análise de dados também recebem

influências subjetivas da experiência do autor.

Gutierrez (2009) comenta iniciativas de pesquisadores na criação de métodos

para pesquisa no ciberespaço. A autora conta a experiência de Montardo e Passerino

(2006 apud Gutierrez, 2009), que utilizaram a netnografia em suas pesquisas. Elas

(…) chamam a atenção para a facilidade da coleta e para a diversidade dos tipos de dados: texto, áudio, vídeo, que podem ser coletados. Todavia alertam para as questões éticas que surgem quando o pesquisador se aproxima da comunidade pesquisada, principalmente em relação ao uso da informação e a identificação dos sujeitos pesquisados.

Além disso, Efimova (2005)15 e Amaral (2008)16 (apud Gutierrez, 2009)

discutem as implicações éticas da presença do pesquisador como membro da

comunidade estudada. As mesmas autoras citadas por Gutierrez propõem que o blog,

além de artefato cultural a ser investigado possa ser utilizado também como

ferramenta etnográfica, sendo empregado como diário de campo.

Outra novidade metodológica é proposta por Braga (2009), que afirmou ter

lido os comentários do livro de visitas do blog que de interesse empírico até o número

3000, operando como o que a autora chama de observação não-participante digital.

15 EFIMOVA, Lilia. Notes on my PhD methodology: introduction. In: Mathemagenic. Ensched (NL), 2005.

16 AMARAL, Adriana. Autoetnografia e inserção online. O papel do “pesquisadorinsider” nas práticas comunicacionais das subculturas da Web. XVII COMPÓS. São Paulo: Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2008.

Page 37: TCC Vanessa Souza Pereira

37

Gutierrez (2009), por sua vez, alia a abordagem netnográfica a uma

perspectiva dialética, como uma forma de estar presente no ambiente virtual com um

olhar crítico no movimento que é fundante da própria rede.

Amaral (2010) defende que as diferenças entre online e offline devem ser

mantidas nas descrições das práticas de pesquisa. “Por exemplo, a diferença entre

uma entrevista feita presencialmente e outra feita via MSN ou Skype deve ser incluída

na narrativa. O refinamento das análises sofrerá influências que podem ser

significativas" (p. 126).

Além das questões mencionadas, o cientista social que realiza o seu trabalho de

campo no espaço virtual depara-se com a controvérsia da mediação. Lewgoy (2009)

utiliza o conceito de aura de Walter Benjamin para tratar sobre a questão:

Nesse sentido o trabalho dos antropólogos em buscar compreender culturas alheias por uma metodologia que envolve co-presença fenomenológica (trabalho de campo) é uma espécie de profissão de fé no poder epistemológico do contato intersubjetivo primário (entendido como aquele que mobiliza o maior número de sentidos e o menor número de mediações na comunicação com o outro, oposto, portanto à comunicação mediada por computador). Diante da massiva evidência do virtual, o trabalho de campo presencial torna-se portador de uma espécie de aura metafórica que evidencia e traduz distâncias existenciais, diferenças e choques culturais e assim como irrepetíveis imersões iniciáticas, seguidas da aquisição de uma sabedoria para-esotérica que chamarei de “prática etnográfica tradicional”. (LEWGOY, 2009, p. 189).

Embora a etnografia virtual tenha ganhado muitos adeptos, ainda há

resistência de alguns pesquisadores na aceitação do computador como ferramenta

para incursão/inserção no campo, uma vez que o contato presencial é visto por esses

como elemento essencial. A essencialidade seria principalmente com relação à

qualidade da interpretação, posto que presencialmente utiliza-se uma maior

quantidade de sentidos ao mesmo tempo. É sabido que o trabalho de campo mediado

apresentará limitações, porém, como qualquer método, apresentará também

diferentes vantagens.

Page 38: TCC Vanessa Souza Pereira

38

May (2004), referindo-se mais especificamente à internet como instrumento

de pesquisa, observa que as inovações tecnológicas possibilitam oportunidades para

novas formas de entrevistas: por exemplo, as videoconferências e as entrevistas em

tempo real através da internet. Segundo o autor, essas técnicas apresentam vantagens

quanto ao tempo, custos e transcrição, contudo, como desvantagem há a necessidade

de um conhecimento especializado para o acesso e uso dessas ferramentas. O autor

frisa: “aqui, como sempre, um pesquisador tem que ser cauteloso ao abraçar

entusiasticamente as técnicas mais recentes sem uma conceitualização adequada das

questões que cercam e informam essas práticas” (p. 167).

Outra questão pertinente sobre a pesquisa no ciberespaço refere-se à

publicização dos dados primários. Recentemente em discussão, os conjuntos de

informações quantitativas ou qualitativas coletadas pelo Facebook, Google e

Microsoft, por exemplo, a partir das práticas de seus usuários online são chamados de

“big data”, um verdadeiro tesouro de dados para cientistas sociais. Cabe ressaltar que,

as redes sociais, como espaços de interação social, são também "propriedades" de

empresas (seguindo a lógica capitalista) e, portanto, não são livres e completamente

acessíveis para um cientista acadêmico comum.

De acordo com Markoff (2012), a questão tomou grandes proporções quando,

em uma conferência científica em Lyon (França), três cientistas da Google e da

Universidade de Cambridge se recusaram a liberar os dados utilizados para a

composição de um artigo sobre a popularidade dos vídeos do You Tube em diferentes

países. O presidente do painel de conferências, Bernardo Huberman, disse que no

futuro a conferência não aceitará trabalhos que não mostram os dados ao público.

Huberman, em fevereiro de 2012, publicou uma carta na revista Nature declarando

que os dados privados das empresas podem ameaçar a pesquisa científica sobre a

internet. Isso porque o controle corporativo de dados poderia dar acesso preferencial

a um grupo de elite de cientistas nas maiores corporações.

Se esta tendência continuar, vamos ver um pequeno grupo de cientistas com o acesso a repositórios de dados privados desfrutar de uma quantidade injusta de atenção na comunidade, em detrimento de pesquisadores igualmente talentosos cuja única falha é a falta de

Page 39: TCC Vanessa Souza Pereira

39

direito de acesso a dados privados. (Huberman apud Markoff, 2012. traduzido por mim)

O economista-chefe da Google, no entanto, declarou que a empresa tem a ideia

de abrir os dados, porém esbarram nas questões de privacidade. O artigo de Markoff

relata também que, embora cientistas sociais estejam de acordo sobre a replicação

dos dados, não há consenso sobre a privacidade. Segundo ele, as principais revistas

de ciências sociais não costumam fornecer orientações sobre o compartilhamento de

dados.

Essa questão tem relação com o que Bachelard (1996) defendeu sobre a

construção do conhecimento científico. Para ele, a pesquisa científica tem o objetivo

de cercar e retificar os erros. Porém, como contrapor a interpretação de outro autor

se os dados primários estiverem inacessíveis, como no caso supracitado? Para

Bachelard, a ciência é uma luta contínua contra o erro e as imagens enganosas,

progredindo ao se opor com as ideias em vigência. Como diz Demo (2002), para

Bachelard, a noção de qualidade do conhecimento depende da qualidade

metodológica.

Page 40: TCC Vanessa Souza Pereira

40

5 A EMERGÊNCIA DE NOVIDADES METODOLÓGICAS EM ESTUDOS NO CAMPO VIRTUAL

Este capítulo apresentará a análise dos sete estudos selecionados (dissertações

e teses das ciências sociais), cujo trabalho de campo se dá no espaço virtual. Foram

definidas três dimensões para a análise: (1) objeto/proposta do trabalho, (2)

definições metodológicas e (3) trabalho de campo virtual. Tratarei, na primeira seção,

sobre a caracterização do objeto e da proposta de cada estudo, trazendo os principais

objetivos e os temas. Na segunda seção, o foco será o que chamo de definições

metodológicas, cuja perspectiva engloba os conceitos associados ao campo e a

presença do pesquisador. Por último, abordarei o trabalho de campo no ambiente

virtual, trazendo a análise sobre as diferentes formas de se trabalhar no universo de

pesquisa, além dos métodos e as técnicas de investigação.

5.1 OBJETOS E PROPOSTAS DE TRABALHO

A seguir, apresento os objetos e as propostas de pesquisa, bem como o recorte

empírico dos trabalhos analisados. Para fazer um recorte da realidade que seja

empiricamente viável e verificável, os pesquisadores dos ambientes virtuais deparam-

se com o problema da composição de uma amostra ou da escolha do objeto empírico

em um universo de possibilidades. Cada autor faz uma escolha diferente, baseados

em características do local (site/rede social/blog) e/ou em decisões ligadas à vida

prática.

Quando se fala em estudos cujo campo são redes sociais virtuais, os objetos e

as teorias para abordá-los variam principalmente entre aspectos de interação,

identidade, representação e imaginário. Conforme mapeamento da produção

acadêmica em cibercultura (na área de Comunicação) de Amaral e Montardo (2011),

foram identificados 13 eixos temáticos principais e suas respectivas bases teóricas. No

que se refere à Sociologia, as autoras identificaram Crítica da Técnica/do Imaginário

Page 41: TCC Vanessa Souza Pereira

41

Tecnológico, Apropriação tecnológica, Ciberativismo, Inclusão Digital, Sociabilidade

Online e Entretenimento Digital como as principais categorias de estudo.

Nos estudos que foram objeto de análise deste trabalho os temas são bastante

distintos (até mesmo em virtude das diferentes áreas do conhecimento), contudo,

apresentam influências teóricas em comum. Fazendo um levantamento sobre os

autores mais presentes nos trabalhos analisados, o resultado é o seguinte:

Tabela 1: Frequência de referências e fontes dos autores mais citados pela amosta

Autor Referências Fontes

Manuel CASTELLS 12 6

Pierre LEVY 12 6

Anthony GIDDENS 15 4

Willian GIBSON 6 4

André LEMOS 6 4

Erving GOFFMAN 4 4

Zygmunt BAUMAN 6 3

Judith BUTLER 6 3

Mário GUIMARÃES JR 6 3

James CLIFFORD 5 3

Gilles LIPOVETSKY 5 3

Michel MAFFESOLI 5 3

Fonte: elaboração própria com base nas referências dos estudos da amostra

Entre os 12 autores mais citados, é interessante observar que há dois

pesquisadores brasileiros (Lemos da Comunicação e Guimarães Jr. da Antropologia),

o que considero como uma valorização da produção local sobre o tema. Nota-se

também que mesmo os dois autores mais frequentes (Castells e Levy) não são

unanimidade na amostra, podendo demonstrar que nem os autores mais

estabelecidos são consenso na comunidade científica.

Page 42: TCC Vanessa Souza Pereira

42

Fragoso et al (2011) consideram a internet como um universo de investigação

cujo recorte empírico é particularmente difícil de se realizar. A dificuldade se daria

em função da escala, heterogeneidade e dinamismo. Para os autores dos estudos

analisados, porém, a formação de uma amostra no ciberespaço não demonstrou ser

um problema, pois o objeto de interesse do estudo já trazia o recorte empírico

específico ou ainda o interesse em um objeto empírico trazia o interesse em uma

questão teórica.

A proposta da tese de Prudêncio (2006) tem como tema geral a ação política

na internet. Ela considera que a entrada dos atores sociais na rede oferece um

importante campo de investigação para a teoria social. O foco da autora é a ação

política desses atores no ciberespaço, representada pela presença de websites

dedicados à campanhas com interesses diferentes da grande imprensa. Fala sobre a

produção de informação no ciberespaço, cuja forma editorial se assemelha à

tradicional, porém com uma linguagem própria, adequada ao meio virtual. A autora

defende que "a partir desse 'duelo' simbólico, a internet pode ser pensada como

'ciberespaço público', sem, no entanto, atribuir à sua mera existência a promessa de

uma sociedade mais democrática." Pretende apresentar as formas de construção de

ação política na internet, analisando a trajetória de protestos através de websites

específicos. Prudêncio buscou analisar a trajetória de "protestos que ganharam

notoriedade a partir de Seattle até as duas primeiras edições do Fórum Social

Mundial" (p. 5). Para tanto, observou websites dos grupos ATTAC internacional e

Ação Global dos Povos, além dos serviços de informação a eles conectados

(Indymedia, Rebelion, Nodo50 e La Haine). O problema de pesquisa era como os

websites atribuíam significado aos temas em questão.

O objeto de estudo surgiu, portanto, de uma necessidade de investigar a ação coletiva na sua dimensão simbólica, marcada de forma importante pelo relacionamento com a mídia. Esse aspecto simbólico tem sido pouco valorizado nas análises, sendo considerado secundário. Quero afirmar que ele é fundamental na medida em que é por ele que um problema social é percebido como tal, ou seja, que o papel dos movimentos sociais contemporâneos é justamente revelar, ou re-significar, os problemas coletivos: atribuir novos significados a questões já existentes ou apresentar novas. (p. 3).

Page 43: TCC Vanessa Souza Pereira

43

Segata (2007) descreve o seu ambiente de pesquisa como o entrelaçamento de

espaços no Orkut, no MSN e a cidade de Lontras (interior de SC). O autor percebe a

cidade, situada em um ponto local, como parte de uma rede mais ampla, global, que

proporciona relações de interação diversas. Fala sobre um "movimento de ligação e

religação de amizades e antigas relações e, especialmente, um movimento de

ligação e religação ao local, à terra, especialmente possibilitados pela emergente

construção do ciberespaço no cotidiano das pessoas." O autor delineia como

problema de pesquisa as relações entre local e global, articuladas em espaços virtuais

e reais e mediadas por redes sociotécnicas. Ao longo do trabalho problematiza o

potencial interativo do que chama de “redes sociotécnicas", noções de sujeito,

subjetividade, identidade, corporalidade e fragilidade dos laços construídos no

ciberespaço. Como experiência de campo, escolheu comunidades específicas do orkut

- “Lontras”, “LONTRAS”, “Estudei Regente Feijó” e “E.E.B. Regente Feijó”, cujas

constituições estão associadas à cidade de Lontras.

Cavalcante (2008) tem como tema as mudanças na cultura de consumo

contemporânea decorrentes da interação entre os agentes sociais e a internet.

Investiga o impacto da internet na expansão da subcultura otaku17 e como os

membros vêm adaptando tecnologias digitais para seus propósitos de consumo. O

estudo iniciou com uma análise de um evento importante para os sujeitos da

pesquisa, a Super Amostra Nacional de Animes (S.A.N.A.) em 2006, a qual ele

retornou em 2007 para entrevistas e fotografias. O autor diz, contudo, que "o portal

animespirit.net (...) foi tão imprescindível quanto a S.A.N.A para a reflexão aqui

proposta. O referido portal, construído por jovens experts em design e

programação, fãs de animes e mangás, serviu também como “campo” (p. 26). O

pesquisador, então, criou um perfil no portal e disse ter registrado mais de 160

interações com mais de 60 otakus em aproximadamente seis meses.

Batalha (2010) analisa a relação entre movimentos sociais e mídia e a sua

problemática é se e como a internet pode operar como possibilitadora de uma nova

estrutura de comunicação, apropriada pelos ativistas. Tem como recorte o Centro de

17 Termo utilizado para designar apreciadores da cultura pop japonesa, animes e mangás em geral.

Page 44: TCC Vanessa Souza Pereira

44

Mídia Independente (CMI), uma rede de ativista que se organiza através da internet.

O autor teoriza sobre o conceito de cultura hacker e discorre sobre os fundamentos do

grupo, o qual possui orientações específicas quanto ao acesso, abertura e

compartilhamento coletivo do conhecimento e informação (baseados no movimento

do software livre).

Já Silva (2008), cujo objetivo central é discorrer a respeito de como os corpos e

sexualidades são construídos no contexto on-line, demonstrou grande preocupação

com a constituição do recorte empírico, registrando e detalhando os métodos

utilizados. A autora, descreve a constituição do recorte desde a primeira busca pela

sigla “GLS” (que resultou em mais de 11 milhões de resultados) até a escolha final de

cinco comunidades do Orkut. Ao escolher o Orkut como local para a investigação

empírica, Silva fez um levantamento das comunidades agrupadas na categoria “Gays,

Lésbicas e Bi”. O resultado foram centenas de comunidades para as quais ela

construiu tipologias para organização dos temas.

Ao selecionar as comunidades, busquei aquelas com maior quantidade de membros, as que apresentavam descrições mais detalhadas ou um fórum de discussões bem movimentado. Além disso, achei mais interessante centralizar a pesquisa em comunidades compostas somente por (ou prioritariamente por) homens, visto que eles representam a maior porcentagem de membros nas comunidades listadas como “Gays, Lésbicas e Bi”. Soma-se a isto o desafio de tentar, além de observar, participar - sendo mulher - de comunidades de homens. (p. 15).

A autora afirma que selecionou cinco comunidades, porém diz que a maior

parte da observação e dos contatos se restringiu a uma delas (“Eper”). No trabalho

trata também sobre as identidades on-line e as maneiras como se dá a virtualização

dos corpos e objetos, além de estudar as “relações interpessoais estabelecidas em

uma comunidade on-line (ou virtual) de um programa de relacionamentos (Orkut)

composta por homens que se relacionam afetiva e sexualmente com outros homens”.

No caso de Amarante (2005), a amostra é constituída com vistas à viabilidade

de encontros presenciais. A autora aborda blogs e blogueiros, estabelecendo,

Page 45: TCC Vanessa Souza Pereira

45

primeiramente um perfil dos mesmos, para a seguir analisar a privacidade, e a

tecnocracia, tendo por objetivo “investigar até que ponto seus interesses [dos

blogueiros] ficavam restritos ao ciberespaço e desligados do mundo presencial”. Seu

problema de pesquisa é compreender a sociabilidade no ciberespaço a partir de

conceitos como transformação da intimidade e democratização radical da esfera

pessoal de Anthony Giddens. Para formar a amostra, buscou blogueiros próximos de

sua cidade, pois imaginou que precisaria realizar também entrevistas presenciais.

A proposta era ainda entrevistar preferencialmente blogueiros de determinada idade, entre 25 e 35 anos, cujos blogs revelassem aspectos de sua vida privada, ou seja, que eles os utilizassem como diários e que fossem atualizados pelo menos semanalmente. No entanto, à medida que procurávamos os blogs, utilizando para isto os sítios www.google.com.br, www.blogs.com.br, www.catarinas.blogspot.com e www.kartoo.com tivemos que mudar de estratégia. O sítio mais utilizado passou a ser o www.blogs.com.br, já que este permitia que se fizesse a pesquisa por estado e cidade (embora o www.catarinas.blogspot.com também possibilitasse a pesquisa por cidades, ficamos mais circunscrita ao www.blogs.com.br, pela quantidade de blogs hospedados nele). Este sítio nos informava que em Balneário Camboriú existiam 51 blogs cadastrados; em Florianópolis eram 415 e em Blumenau 92. Em virtude da quantidade de blogs cadastrados, era preciso visitá-los, ler um pouco de seu conteúdo e conseguir formas de estabelecer contato, descobrir os e-mails dos autores. Muitos não deixam seus e-mails disponíveis, ou então estes estão quase que disfarçados, isto é, é preciso fazer um pequeno garimpo para encontrá-los. Alguns não disponibilizavam e-mails, mas tinham sistema de comentários após cada post; então, era por este meio que estabelecíamos contato. (p. 63).

Como veremos adiante, a autora julgou não serem necessários dados

complementares de encontros presenciais. Por fim, ela enviou por e-mail 60

questionários e obteve 27 respondentes, com os quais também entrou em contato

através de chats.

Batista (2010) tem por objetivo estudar as novas configurações que o corpo

humano assume no ciberespaço e compreender como os jogadores vêm projetando

seus corpos e traços identitários através de avatares. O local do trabalho de campo é o

Page 46: TCC Vanessa Souza Pereira

46

jogo Second Life18, o qual a autora também aborda como uma rede social19. Ela

realizou uma etnografia com observação participante junto a 16 indivíduos. A autora

refere que, ao mesmo tempo que traz fluidez nos contatos, a pesquisa no ciberespaço

tem um problema: "os informantes podem estar em qualquer lugar, de forma que a

única saída é perambular sem saber ao certo onde e quando vamos encontrá-los" (p.

28). Portanto, a autora decidiu que

Para acessar os informantes utilizei minha rede de contatos dentro do próprio jogo, construída desde 2007, esperando que os primeiros entrevistados pudessem indicar outros usuários, ou seja, por acessibilidade (snowball). E foi o que ocorreu em alguns casos. Em outros, fui realizando as entrevistas no decorrer do próprio jogo, na medida em que ia encontrando as pessoas. (p. 31).

Nota-se que os estudos possuem diferentes objetos e locais, portanto, não são

comparáveis entre si. A análise tem como foco a emergência de novidades

metodológicas relacionadas ao campo virtual.

5.2 AS DEFINIÇÕES METODOLÓGICAS

A definição de preocupação metodológica está associada à ideia de cuidado

metodológico de Demo (2002), que reconhece que os métodos de pesquisa são

instrumentos incompletos de captação da realidade. Considerar esse fato não

significa abandonar as técnicas, mas sim discutir e explicitar as controvérsias que

surgem na construção das estratégias metodológicas.

As conceitualizações, que aparecem como uma subseção deste item, fazem

menção à construção de novos conceitos concernentes à pesquisa no campo virtual.

Já a presença do pesquisador pode se referir tanto ao sentido de “estar lá” quanto ao

18 Second Life é um ambiente virtual que simula circunstâncias e características da vida social. Foi criado em 1999 e é mantido pela empresa Linden Lab. Para participar é preciso registrar-se. Disponível em: http://secondlife.com

19 “Elegi o SL como objeto empírico deste trabalho por abrigar uma particularidade: trata-se de um jogo diferente, sem objetivos pré-definidos nem missões, e isso tem levado alguns autores, como Pimenta e Varges (2007), a não considerá-lo um jogo, e sim uma rede social.” (p.18)

Page 47: TCC Vanessa Souza Pereira

47

sentido ideológico. As controvérsias do campo virtual, por sua vez, referem-se a

menções sobre o virtual como campo de pesquisa, no qual o pesquisador encontra

características diferentes dos ambientes não mediados.

5.2.1 Conceitualizações

Ao conceituar termos em um local de pesquisa ainda em recente exploração

como os ambientes virtuais, o pesquisador tem ao menos duas possibilidades: (a)

considerar a necessidade de criar novos conceitos, capazes de captar processos e

relações sociais que ocorreriam de forma diferenciada nestes espaços (b) ponderar

que o fato de ser um novo espaço empírico não apresenta a existência de novos

problemas teóricos que demandem a criação de novos conceitos.

Batalha (2010) utiliza o conceito de cultura hacker e esforça-se para que o

mesmo não apresente um sentido diferente do que ele busca tratar:

O conceito de cultura hacker que me refiro, e defendo nessa dissertação, é contrária ao senso comum que vincula o hacker à prática criminosa da quebra de segurança dos sistemas informáticos, invasão e disseminação de códigos maliciosos. […] O conceito hacker também enquadra os simples aficionados por computadores, usuários e simpatizantes do movimento do software livre, que apenas fazem o uso dos programas e produtos originários da cultura e prática hacker.

Segata (2007) e Silva (2008) elegeram o Orkut como campo e demonstraram

preocupação em defini-lo. Segundo os autores, sendo o Orkut em si uma novidade, a

definição depende de como o mesmo se apresenta e de como é experimentado pelos

usuários. Segata (2007) define-o das duas maneiras:

O Orkut, no ciberespaço, se auto-define como uma “comunidade on-line que conecta pessoas através de uma rede de amigos confiáveis”. Nele é possível a criação de uma espécie de “página pessoal”, constituída por perfis (social, pessoal e profissional), onde cada participante preenche uma série de questionários sobre as suas características e preferências (acadêmicas, profissionais, artísticas,

Page 48: TCC Vanessa Souza Pereira

48

esportivas, religiosas, culinárias, afetivas) e a resposta de uma pergunta mais ampla, quem eu sou, entre outras. (p. 19-20)

O autor detalha o campo com precisão, explicando as seções, propriedades e

termos próprios da rede social a partir de suas próprias experiências.

Silva (2008) também detalha o Orkut através de suas experiências e coloca-se

como usuária conhecedora do ambiente. Além disso, a autora traz também falas dos

sujeitos da pesquisa para caracterizar o Orkut. Interessante observar que ela escolhe

o termo programa (e não rede social) para denominá-lo:

O Orkut é um programa criado há cerca de quatro anos e que se tornou uma verdadeira mania entre os internautas brasileiros. (...) Sua proposta é simples: através de um cadastro e posterior abertura de uma conta de usuário, o internauta pode montar um perfil (profile), encontrar velhos amigos ou fazer novos e criar ou participar dos mais diversos tipos de comunidades. Por fazer parte do Orkut desde seus primeiros momentos, pude acompanhar as modificações realizadas e também o “boom” de usuários ocorrido em 2005. (p. 07).

Por outro lado, Amarante (2005) traz conceitos de autores das Ciências Sociais

que não referem-se diretamente a blogs, porém "seus conceitos nos ajudaram a

analisar o fenômeno, na medida em que se referem às características da sociedade

contemporânea" (p. 18). O principal autor que norteia suas considerações é Anthony

Giddens, que também examina as transformações pelas quais passa a intimidade na

modernidade. A autora traz também a ideia de modernidade líquida de Bauman e a

natureza da interação em Goffman. Ela compreende que as conceitualizações já

existentes nas Ciências Sociais podem dar conta do seu fenômeno de interesse.

A conceitualização que se refere à explicação sobre a internet e o virtual

apresenta as diferentes interpretações dos autores.

Amarante (2005) procura entender o virtual com relação ao ciberespaço:

Page 49: TCC Vanessa Souza Pereira

49

Procurar-se-á entender o virtual ligando-o com todas as formas de comunicação que sejam mediadas por computador; portanto, circunscreveremos o virtual ao ciberespaço. Compreendemos o virtual a partir da perspectiva de Castells (2000), pois não se pode delinear precisamente qual realidade não está inserida no virtual. No entanto, na prática, os indivíduos distinguem a comunicação virtual da presencial, esta abrangendo efetivamente a presença física dos indivíduos. Desta forma, para os fins do presente trabalho, esta oposição será mantida. (p. 43)

É interessante notar que pelo fato do virtual não ser claramente definido (ou

definível), a autora opta pelo termo que é utilizado na prática. A autora remonta um

pouco do histórico dos blogs e da internet, respectivamente:

Quando pensamos em pesquisar os blogs, nos deparamos com a questão de o tema ser algo novo, ou mesmo novíssimo em termos de tempo histórico, já que seu formato datava de 1998, ano em que existia apenas meia dúzia de sites que podiam ser descritos como weblogs. Para poder situar nosso objeto propriamente disto, convém antes fazer um pequeno histórico do meio onde ele acontece: a Internet. (p. 15).

A teorização dos autores sobre a internet e o ciberespaço tem admitido a falta

de precisão conceitual. Sendo assim, Segata (2007) vai construindo as suas próprias

visões:

Ao longo da dissertação, os termos “internet” e “ciberespaço” aparecem muitas vezes quase que de maneira sinonímica. Tal fato se dá por uma falta de precisão conceitual desses e de outros termos, como “comunidades virtuais”, presentes na maior parte da literatura especializada. Acredito que uma precisão conceitual é medida urgente para a consolidação do campo da Antropologia do Ciberespaço que vem se construindo e é parte do que proponho como projeto de continuação de pesquisas neste campo, no doutorado. (p. 13).

Bourdieu et al (1999) defendem a expressão do processo pelos quais os

conceitos foram estabelecidos, a fim de prestar assistência a outros pesquisadores

envolvidos no tema, pois do contrário acabam "relegando o desenrolar da intriga para

Page 50: TCC Vanessa Souza Pereira

50

os bastidores e colocando em cena somente os desfechos" (p. 18). De maneira geral,

os autores da amostra reconheceram e explicitaram a construção de novos termos

para abordagem do objeto no ciberespaço, podendo vir a servir de base para outros

pesquisadores no futuro.

5.2.2 Presença do pesquisador

O objetivo desta seção é apresentar as visões dos autores sobre a presença do

pesquisador no campo virtual, observando a ocorrência de novidades metodológicas.

Tanto no trabalho de campo, quanto na análise do objeto, quanto no texto final, o

pesquisador é interveniente. Porém, há diferentes formas de pensar essa presença.

Batalha (2010) diz que para a internet, sendo uma rede distribuída e difusa,

era preciso “estar lá” para uma melhor compreendê-la:

É impossível dar conta da sua complexidade apenas lendo os manuais e os livros que contam sua história, ou acompanhando as últimas notícias e campanhas ativistas ou publicitárias na rede mundial de computadores. Foi preciso navegar na rede, sempre em constante expansão, ir fundo para alcançar e entender os fluxos e os contatos que tornam o CMI um exemplo de uso político por ativistas dentro e fora da Internet. (p. 4).

Silva (2008) problematiza a fundo a questão do “estar lá” e descreve seu

trabalho de campo, que envolveu a participação em uma comunidade do Orkut. Toma

a decisão, enfim, pela postura a adotar como pesquisadora-participante:

Durante a pesquisa de campo, com a autorização para participar da Eper, minha postura foi de interferir o mínimo possível nas discussões, mas optei, como prova do meu compromisso com eles, escrever algumas vezes no fórum. (…) Cabe aqui pensar a respeito dos limites de envolvimento que o pesquisador deve estabelecer em campo: a meu ver, eles são maleáveis e só o acúmulo de experiências pode dizer até onde a participação deve sobrepujar a observação. E quanto aos sentimentos, acredito ser impossível mantê-los afastados da pesquisa e do fazer etnográfico. Afinidades se constroem, preferências também, posicionamentos são tomados todo o tempo.

Page 51: TCC Vanessa Souza Pereira

51

Naquela comunidade, eu era um perfil e o único modo de me fazer presente efetivamente, de marcar um território simbólico foi dialogando com eles, seja na própria comunidade, através de recados (scraps), por depoimentos (testimonials), por e-mail ou pelo messenger. (p. 18).

Mesmo que não demonstre a influência do campo virtual, a ideia de Batalha

(2010) sobre a questão é importante por considerar a observação como uma

intervenção no campo:

Essa relação entre o pesquisador e o objeto pressupõe a superação do limite e do controle dessa relação, reconhecendo que a observação é também uma intervenção no campo, modificando a relação estabelecida por ora entre o pesquisador e os informantes. (p. 11).

O autor também considera que, com as especificidades do campo, "não só a

metodologia precisou ser revisada, mas também uma reflexão crítica do papel do

pesquisador em campo, do pesquisador em relação (de poder) com o seu objeto."

além disso, com base em Melucci20, diz que na pesquisa social é improvável o

conhecimento que não envolva relação entre os pesquisadores e o objeto, seja porque

o foco da observação esteja nas práticas desses sujeitos ou porque esses são

detentores de informações importantes para a pesquisa. Corrobora, enfim, com a

ideia de Melucci de que toda observação (seja presencial ou virtual) é sempre uma

intervenção .

5.3 O TRABALHO DE CAMPO VIRTUAL

Esta seção visa apresentar os métodos e instrumentos utilizados pelos

pesquisadores na abordagem empírica do campo virtual, complementando com as

principais novidades metodológicas das técnicas. Os métodos e técnicas apresentados

a seguir referem-se às escolhas específicas dos pesquisadores dos estudos da amostra.

20 MELUCCI, Alberto. Por uma sociologia reflexiva – Pesquisa qualitativa e cultura. São Paulo: Vozes, 2005.

Page 52: TCC Vanessa Souza Pereira

52

5.3.1 Métodos e técnicas

Todos os estudos analisados optaram por realizar pesquisa qualitativa como

forma de obtenção dos dados e dois deles o fizeram de forma combinada com

pesquisa quantitativa. Mais da metade dos pesquisadores da amostra utilizou a

etnografia virtual como método de abordagem empírica. Os outros métodos

utilizados foram entrevistas por comunicadores instantâneos, e-mail e contatos

através de redes sociais. O quadro a seguir detalha as opções metodológicas adotadas

pelos autores.

Quadro 4: Características metodológicas gerais dos estudos

Autor Universo do trabalho de campo Métodos de pesquisa Trabalho de campo

Amarante, 2005

Blogs Qualitativa e Quantitativa

Virtual

Prudêncio, 2006

Websites dos grupos ATTAC internacional e Ação Global dos Povos e os serviços de informação a eles conectados (Indymedia, Rebelion, Nodo50 e La Haine)

Qualitativa Virtual

Segata, 2007 Comunidades do Orkut associadas à cidade de Lontras-SC

Qualitativa Virtual e presencial

Cavalcante, 2008 Portal animespirit.net e S.A.N.A. Qualitativa e

Quantitativa Virtual e presencial

Silva, 2008 Orkut - Comunidades selecionadas Qualitativa Virtual e presencial

Batalha, 2010 Site e listas de discussão - CMI Qualitativa Virtual

Batista, 2010 Second Life Qualitativa Virtual e presencial

A partir da análise do corpo empírico foi possível observar que alguns autores

já avançaram no desenvolvimento de abordagens metodológicas do ciberespaço. Uma

das metodologias mais difundida seria uma reformulação da etnografia com vistas às

propriedades do ciberespaço, chamada de etnografia virtual21 ou netnografia22

(embora atualmente se utilize mais o primeiro termo).

21 Sobre etnografia virtual, a referência mais comum (tendo como base as minhas leituras e a análise empírica) foi HINE, Christine (Org.).Virtual Methods. Issues in Social Research on the Internet. Oxford: Berg, 2005.

Page 53: TCC Vanessa Souza Pereira

53

Cavalcante (2008) fez uso de estratégias quali-quantitativas de pesquisa,

combinando os campos presencial e mediado Ainda na fase exploratória, realizou

uma enquete, entrevistas não estruturadas e utilizou fotografia em um evento (a

S.A.N.A.). Na internet, utilizou o que chama de “etnografia em ambientes virtuais”.

Cavalcante é um exemplo de como a internet pode proporcionar acesso a um maior

número de pessoas em menor tempo, uma vez que o autor disse ter registrado mais

de 160 interações com mais de 60 sujeitos do início do segundo semestre de 2007 até

janeiro de 2008. Apesar de executar trabalho de campo também presencialmente, o

autor defende os métodos que utilizam a interação por computador

Diferente das técnicas de coleta de dados na “pré-história” da correspondência, a interação via computador é como uma conversa textual, e permite uma relação mais tridimensional, com informações mais contextuais e com maior nível de empatia, uma vez que os indivíduos podem aprofundar-se mais no diálogo, revestido com o “casulo protetor” das telas de computadores. As desvantagens não estão ligadas ao fato de ser uma interação “virtual”, mas ao fato de não existir o feedback da comunicação não-verbal, presente em outras técnicas, embora as pessoas estejam criando formas de superar esta limitação da interação online23. (nota de rodapé que se refere a emoticons) (p. 26).

Segata (2007) também emprega a etnografia virtual e propõe uma reflexão

acerca das especificidades do ciberespaço na pesquisa etnográfica:

Certamente que as especificidades do ciberespaço nos faz também refletir sobre o próprio estatuto de pesquisador: quais as diferenças entre um encontro etnográfico face-a-face e um encontro etnográfico interface, ou, até que ponto um pode possuir melhores qualidades que outro? (p. 16) .

22 Nenhum dos estudos da amostra se referiu à netnografia, porém, há duas importantes publicações citadas por outras referências que utilizam o termo: KOZINETS, R. V. The Field Behind the Screen: Using Ne tnography for Marketing Research in Online Communities. 2002. e, no contexto brasileiro: SÁ, S. P. Netnografias nas redes digitais. In: PRADO, J.L. Crítica das práticas midiáticas. São Paulo: Hacker editores, 2002.

Page 54: TCC Vanessa Souza Pereira

54

Batalha (2010), que também emprega a etnografia virtual, informa sobre as

estratégias de uso do método

Se o grupo possui canais de comunicação, sejam as listas de e-mail ou um canal de bate-papo, os dados podem ser registrados automaticamente, contribuindo para o enredamento das hipóteses da pesquisa e para a análise posterior. O pesquisador pode participar ativamente e orientar discussões, não sendo necessário um encontro face-a-face para interagir ou realizar entrevistas. Porém, como adverte Hine, o desenho metodológico de pesquisa à distância ou mediada por computador pode trazer problemas à pesquisa: ora pela questão da legitimidade dos dados coletados e apresentados na análise, ora pelas questões éticas e de controle que pode haver com a relação face-a-face entre o pesquisador e os informantes. O problema da legitimidade dos dados tem a ver com a própria prática etnográfica tradicionalmente conceituada através da participação, aberta ou encoberta na vida diária do grupo por um longo período de tempo, observando o que acontece, escutando o que é dito, fazendo perguntas – de fato coletando qualquer tipo de dado disponível para jogar luz sobre as questões que orientam a pesquisa. (p. 22).

Batista (2010) realiza uma etnografia com observação participante e

entrevistas. A autora transformou seu avatar pessoal em um avatar-pesquisador e

participou do espaço como usuária. Contudo, as referências da autora sobre o método

não apresentam diferenças da observação presencial.

Além da observação participante, realizamos entrevistas em profundidade com 16 jogadores do SL, de ambos os sexos, com idade média de 30 anos e tempo de experiência no jogo que varia de dois meses a mais de dois anos. Os informantes foram selecionados por acessibilidade (snowball). Essa população está distribuída por algumas cidades do Brasil (Recife, Belém, Santo André, Santos, São Paulo e Porto Alegre), Argentina, Portugal e Estados Unidos. A caracterização dessa amostra é feita em um tópico à parte do primeiro capítulo. (p. 24).

Para as entrevistas, a autora utiliza diferentes recursos: nas virtuais, conversa

por chat diretamente no Second Life ou por texto e voz no Skype. Faz também cinco

Page 55: TCC Vanessa Souza Pereira

55

entrevistas presenciais, que foram gravadas e transcritas. A autora traz importantes

considerações sobre as diferenças encontradas nos dois tipos de entrevista:

Meu objetivo ao optar pelos dois tipos de entrevista – presencial e remota – foi verificar se haveria diferenças substanciais entre as respostas obtidas. É sabido que as entrevistas feitas pessoalmente têm o poder de captar elementos como expressão corporal, tonalidade da voz e a ênfase dada a determinadas respostas. A verdade simbólica do entrevistado, muitas vezes, pode ser apreendida durante uma pausa ou uma gargalhada, por exemplo, e nesse sentido pude desenvolver certa empatia com os entrevistados. Além desse importante elemento face a face, as entrevistas feitas de forma presencial também renderam mais porque pude obter respostas mais completas. Quando algo não ficava suficientemente claro, sempre era possível retornar àquela questão, enquanto que nos chats por vezes precisei abreviar a entrevista porque os informantes demonstravam uma inquietação para se dedicar a outras atividades, no jogo ou fora dele. Outra vantagem das entrevistas presenciais foi poder confrontar as respostas obtidas com a cena que eu estava presenciando, como, por exemplo, quando pedia para que o entrevistado descrevesse seu avatar e apontasse que semelhanças ele teria ou não com seu tipo físico. Nas entrevistas remotas, tive que confiar nas descrições, fossem reais ou fantasiosas, sem o benefício da visualização direta. Essa comparação me ajudou a identificar até que ponto os jogadores estavam levando características suas para seus avatares e vice-versa. (p. 32).

As entrevistas foram feitas a partir de um roteiro semiestruturado testado com

uma informante na fase exploratória do estudo.

Segata (2007) também realiza uma etnografia e faz uma série de

questionamentos sobre essa atividade no contexto virtual, empreendendo uma

discussão metodológica e problematizando a relação pesquisador-pesquisado e o

processo de pesquisa.

Certamente que as especificidades do ciberespaço nos faz também refletir sobre o próprio estatuto de pesquisador: quais as diferenças entre um encontro etnográfico face-a-face e um encontro etnográfico interface, ou, até que ponto um pode possuir melhores qualidades que outro? Até que ponto o pesquisador tem controle sobre as emoções, comportamentos, índices comunicativos – enfim, os dados de campo

Page 56: TCC Vanessa Souza Pereira

56

– em um trabalho, em um encontro face-a-face, onde ele supõe “ver”, “ouvir”, ou “interpretar” o outro, em detrimento à interface? (p. 17).

Além disso, o autor levanta a questão da mediação da comunicação por meio

de computadores e softwares, que suscitam novos códigos negociados, construídos e

compartilhados.

Amarante (2005) afirmou que, após realizar toda a pesquisa e constatar que

não haveria a necessidade de realizar entrevistas presenciais, compreendeu que

poderia ter formatado a amostra de outras formas que abrangessem uma maior

quantidade de dados. A autora, através de mecanismos de busca na internet,

procurou blogs de pessoas que

[…] residissem em Santa Catarina, ou mais precisamente em Florianópolis, Balneário Camboriú e Blumenau, cidades escolhidas devido à proximidade do local de nossa residência. Isto porque, inicialmente, a proposta era entrevistar também alguns blogueiros pessoal e presencialmente, ao invés de apenas por e-mail. Esta etapa, porém, não se realizou, pois não sentimos a necessidade de informações complementares. (p. 63).

A pesquisadora refere que dos 60 e-mails enviados, 27 retornaram com

respostas cuja qualidade foi satisfatória para os objetivos da pesquisa. A autora

também considerou que a quantidade questionários respondidos foi boa (45%) se

comparada com o retorno de correspondências, por exemplo23.

Dessa forma, a autora utilizou a internet como meio facilitador para difundir

as perguntas e receber as respostas dos sujeitos pelos quais tinha interesse.

Silva (2008) constrói sua etnografia através de observação, conversas via

comunicador instantâneo (MSN messenger), encontros offline (os quais chama de

orkontros) e discussões no fórum da comunidade. Na comunidade, decidiu restringir

23 Babbie (2003), no capítulo “Exemplos de desenhos de amostragem”, relata casos e explica as diferenças entre as possibilidades (da época) de envio de questionários, além de questões sobre o retorno e maior quantidade de respostas. Ver: BABBIE, Earl. Métodos de Pesquisas de Survey. 2ª ed. Belo Horizonte: ed. UFMG, 2003.

Page 57: TCC Vanessa Souza Pereira

57

a análise ao período em que estive na comunidade, em virtude da grande quantidade

de tópicos armazenados no arquivo. A autora problematiza as diferenças no trabalho

de campo virtual e suas visões são semelhantes às de Segata (2007) e Batalha (2010).

Já Prudêncio (2006) analisa determinados websites através da análise do

[...] processo de framing das informações, ou seja, como os grupos, nos websites, atribuem significado aos temas em questão. (...) os frames são constituídos na disputa com um outro frame adversário. Ou seja, procurar-se-á saber qual frame alternativo está sendo ofertado nesses websites. (p. 6).

O método de frame analysis foi desenvolvido originalmente por Erving

Goffman e não oferece indicativos de que tenha demandado adaptações significativas

nos métodos pelo fato de o objeto empírico estar em um ambiente virtual.

5.3.2 Especificidades dos métodos e questões éticas

Observei certas especificidades dos métodos e técnicas empregadas pelos

pesquisadores especialmente relacionadas com o campo virtual, das quais duas

abordarei em particular. A primeira diz respeito à forma de comunicação do

ambiente virtual que se vale de signos e símbolos específicos. Estes, dependendo do

objetivo do autor, podem aparecer no texto, porém, ainda que traduzidos,

representam a visão do pesquisador sobre o símbolo. Cavalcante (2008), por

exemplo, mantém a grafia dos entrevistados e explica entre colchetes o que significa

^^24. Ele considera importante manter a grafia dos entrevistados via internet para

“preservar ao máximo o hábito de interação presente nesta tecnologia” (p. 27).

Segata (2007) apresenta as falas dos sujeitos em formatação distinta (refere-se

a isso no corpo do trabalho) e ilustra as páginas através da ferramenta print screen.

24 “Indicativo de expressão facial para algo que gera prazer ou alegria” (p. 52).

Page 58: TCC Vanessa Souza Pereira

58

Durante o trabalho de campo, utilizei como ferramenta de coleta de dados, além do meu diário de campo – onde fazia anotações contextuais – o recurso “Print Screen”, que “congela” a interface do computador em forma de figura. Dessa forma, pude selecionar alguns dos diálogos que considerei emblemáticos às reflexões que fui levantando em minha descrição. (p. 23).

Batista (2010), que realizou observação participante e entrevistas virtuais,

conversa por chat tanto na plataforma de interesse da pesquisa (Second Life) quanto

por texto e voz no Skype. A autora descreve como tratou os dados resultantes dessa

produção:

Das 16 entrevistas, 11 foram feitas on-line, através de chats – Ally, Lipp3, Logan, Ricardoshow, AriadnaDragon, F.D.9, Misshotchilli, Nanda111, Roxeli, Sammi e Silvanaf. Os diálogos foram copiados e levados para um processador de textos (MS Word) e aparecem aqui em seu formato original, com muitas expressões em “internetês”, como vc (você), pq (porque), ñ (não), td (tudo), mt (muito), rsrsrsrs (risos), além de ícones como :), :( (smiley triste), entre outros. Também indicam a hora e o nome do jogador. Duas dessas abordagens foram realizadas com voz – Logan pelo Skype10 e F.D. pelo próprio SL – e foram posteriormente transcritas. (p. 31).

A autora também empregou o print screen para “fotografar” o ambiente:

Os registros fotográficos foram feitos no próprio ambiente do jogo mediante a utilização da tecla PrtScn (Print Screen) e salvas sem qualquer manipulação por meio de um editor de imagens (Photoshop), exceto alguns que foram feitos com o recurso de tirar fotografias que o jogo oferece, e por isso aparentam ser mais “limpas”, sem as caixas de ferramentas que geralmente ficam flutuando na tela. (p. 32-33).

A segunda especificidade diz respeito a ética, privacidade e à forma de

apresentar-se aos entrevistados. A riqueza de dados que a internet pode proporcionar

também conduzem a questões sobre ética em pesquisa. Para discutir essas questões,

May (2004) relata algumas experiências de observação participante oculta, na qual o

Page 59: TCC Vanessa Souza Pereira

59

pesquisador observa sem que os sujeitos saibam que estão fazendo parte de uma

pesquisa. Mesmo que boa parte dos pesquisadores considere que os fins não

justificam os meios, os que utilizaram esse método o justificaram com a natureza de

suas evidências empíricas ou com relações de poder relacionadas a essas.

Para tratar sobre a ética da pesquisa em internet, Fragoso et al (2011) indicam

o documento “Ethical decision-making and internet research: recommendations from

the AOIR ethics working committee”25 produzido pela AOIR (Association of Internet

Researchers). Sobre as premissas éticas iniciais para os autores, o documento

questiona se os participantes sabem que a relação/comunicação entre eles e o

pesquisador é privada. Em caso positivo, os dados são de responsabilidade do

pesquisador e devem ser utilizados pseudônimos nas publicações da pesquisa. Em

caso negativo, como no caso de perfis públicos em redes sociais, considera-se que os

dados são públicos e podem ser monitorados com vistas aos objetivos de pesquisa.

Contribuindo para discussão sobre privacidade na análise de ambientes online,

Elm (2009, p. 75, apud Amaral, 2010) estipula quatro níveis de privacidade a serem

observados: 1) público – aberto e disponível a todos; 2) semipúblico – disponível a

quase todos. Requer ser membro e/ou ter cadastro; 3) semiprivado – requer

pertencer à organização de forma mais profunda; 4) privado – indisponível e fechado.

Batista levanta uma importante questão sobre a ética e a privacidade dos

sujeitos envolvidos na pesquisa:

Todos os entrevistados estavam cientes de que participavam de uma pesquisa e permitiram o registro fotográfico de seus avatares. Para preservar a identidade dos usuários, utilizamos apenas o primeiro nome do avatar na identificação dos depoimentos. (p. 31).

Sobre a autorização para observar e participar da comunidade de interesse

como pesquisadora, Silva (2008) conta que

25 Disponível em: http://aoir.org/reports/ethics.pdf

Page 60: TCC Vanessa Souza Pereira

60

Quando ainda estava no processo de seleção das comunidades e apenas as observava, decidi entrar em contato com os donos, falar da pesquisa e pedir autorização para acompanhar e participar das discussões. De alguns não obtive qualquer resposta, outros autorizaram minha participação e, no caso da Eper, meu pedido de participação foi negado. Apesar da rejeição, neste momento eu já mantinha contato com membros da comunidade, entre eles, Garçon, um dos moderadores. Em uma conversa por e-mail, perguntei a ele por que não havia sido aceita na Eper e, ao que parece, um dos moderadores havia rejeitado meu pedido por pensar que eu fosse um perfil fake. Como Garçon estava devidamente informado sobre a pesquisa, logo depois deste e-mail fui aceita, não apenas como pesquisadora que observa a comunidade e conversa fora dela com os membros, mas também como membro, teoricamente em situação igual a de todos os outros.(p. 41).

Além da questão sobre a presença do pesquisador no campo, tratada

anteriormente e da preocupação ética do pesquisador, há também a desconfiança dos

sujeitos para abrirem-se em um ambiente onde existe vulnerabilidade quanto à

certeza das informações, tanto do sujeito/entrevistado sobre o pesquisador quanto o

contrário.

Page 61: TCC Vanessa Souza Pereira

61

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O campo virtual faz uma provocação ao pesquisador, fazendo-o questionar as

formas de observação, participação, inquirição e análise. A forma como os cientistas

reagem a isso, contudo, é diversa. Este trabalho teve como objetivo destacar questões

acerca das especificidades da pesquisa social no campo virtual, as quais foram

suscitadas através da análise de sete estudos no ciberespaço. Mesmo que a

metodologia de uma pesquisa seja definido pelo seu objeto, as condições específicas

dos ambientes virtuais trazem aos pesquisadores a necessidade de uma reflexão sobre

os usos e os resultados dos dados produzidos pelo métodos.

O estatuto científico das ciências sociais esteve por muito tempo sob suspeita.

Talvez por essa razão haja autores que preferem estudar os fenômenos

contemporâneos com a visão de uma abordagem já estabelecida. Mesmo que boa

parte dos pesquisadores sobre/na internet admita que o campo traz implicações para

a construção do método, não há unanimidade sobre a importância desse

questionamento tampouco sobre quais metodologias seriam mais adequadas às

especificidades do universo de pesquisa.

As hipóteses que guiaram este estudo apontavam que a pesquisa social

demandaria adaptações ou reformulações das metodologias para abordagem do

campo virtual. Essas adaptações/criações foram denominadas como novidades

metodológicas, trazendo a ideia da busca de soluções relacionadas a questões

próprias do ambiente virtual. Para analisar as novidades metodológicas foram

examinadas nos estudos as dimensões do objeto, das definições metodológicas e do

trabalho em campo no ambiente virtual.

Em relação aos conceitos, observou-se que os mesmos foram construídos com

base em referências oriundas de diferentes áreas (como a informática, comunicação e

ciências sociais), mas também através da experiência nesse novo campo de pesquisa.

A questão sobre a trajetória da definição dos conceitos é especialmente útil no

contexto dos estudos em ambientes virtuais em virtude da dinâmica da tecnologia

Page 62: TCC Vanessa Souza Pereira

62

material, que constantemente cria novos dispositivos e possibilidades que precisam

ser denominados.

Sobre o recorte empírico, a composição da amostra foi uma questão pertinente

em alguns dos trabalhos analisados. Resultados de pesquisas em mecanismos de

busca na internet foram a principal forma de compor uma análise preliminar, para

depois se realizar um levantamento sobre a qualidade dessa amostra e fazer os

recortes pertinentes. Por outro lado, quando a pesquisa combinou métodos em

ambientes virtuais e presenciais, o recorte empírico no ciberespaço se deu também

por proximidade espacial, em função da possibilidade física de encontro.

A definição do desenho metodológico e a questão da presença do pesquisador

como observador no campo virtual passaram pelo reposicionamento dos autores,

inclusive quanto a constante atualização para acompanhamento do objeto em um

campo cuja mediação se dá por tecnologias e plataformas dinâmicas, as quais

também demandam certo conhecimento técnico.

Sobre a presença do pesquisador há, além da questão ética da

confidencialidade dos dados, a possível interferência no comportamento dos agentes.

A possibilidade de dispersão ou desencorajamento de um grupo ou comunidade ao

saber que está sendo estudada por um cientista social, porém, não é uma questão

particularmente associada ao campo virtual, uma vez que também acontece em

situações presenciais. A permissão de acesso a dados pessoais, por sua vez, pode ser

concedida tanto por escrito (através de termo de consentimento ou declaração)

quanto de forma previamente controlada/informada pelo próprio usuário, por

exemplo, quando marca determinados álbuns no Facebook como privativos. Em

contrapartida, a questão da privacidade dos dados no ciberespaço ainda está longe de

ser esclarecida. Embora controlados pelo usuário, os dados são de posse de uma

empresa, que os registra e armazena. O uso de dados primários não disponibilizáveis

foi duramente atacado, pois criam desigualdades entre os pesquisadores (associados

e não associados a empresas) e impedem a refutação dos resultados.

A etnografia, bastante utilizada como metodologia de estudos em ambientes

presenciais, apareceu em vários dos estudos da amostra na forma de etnografia

Page 63: TCC Vanessa Souza Pereira

63

virtual, na qual há adaptações associadas às peculiaridades ambiente virtual. As

técnicas como entrevistas e observação, típicas da etnografia, também foram

utilizadas, contudo, através ferramentas do próprio ambiente virtual, como chats e

softwares específicos, ou ainda através de scraps no Orkut e e-mails. Os métodos e as

técnicas aplicados com adaptações e novidades no ambiente virtual, como qualquer

método, apresentam vantagens e desvantagens. Foi interessante perceber que os

métodos escolhidos, adaptados e construídos não variaram significativamente de

acordo com a áreas, representantes tanto da antropologia, quanto da sociologia

quanto da ciência política empregaram a etnografia em seus estudos.

Os autores trataram as problemáticas destacadas neste trabalho de diferentes

maneiras: combinadas ou não com outros métodos, a partir de sua própria

experiência como usuário da internet e/ou com base em métodos típicos da pesquisa

no campo presencial. De forma geral os autores problematizaram a mediação do

computador (e de outras tecnologias) como característica que requer novas reflexões

sobre a abordagem empírica. Eles, portanto, demonstraram que o campo virtual tem

demandado novidades metodológicas. A intensidade e relevância dessas novidades

seriam análises complementares importantes que poderiam contribuir para obter-se

uma maior clareza sobre a influência do campo virtual na construção da metodologia

de pesquisa social.

Embora os autores levantem questões pertinentes suscitadas por seus objetos

empíricos no campo virtual, a discussão sobre as metodologias de pesquisa social no

ciberespaço ainda são pouco estudadas pelas ciências sociais. Como um processo que

leva tempo, as problematizações sobre o campo virtual no futuro provavelmente

serão diferentes com relação às que os autores dos estudos analisados e eu

levantamos, especialmente em virtude do aperfeiçoamento tecnológico das TICs.

Contudo, as discussões, mesmo referindo-se a suportes ultrapassados, podem servir

de base para as novas controvérsias do mundo virtual.

Em virtude do volume e da dimensão que este trabalho pode ter, nem todas as

questões puderam ser tratadas de forma extensiva. Mesmo assim, pude levantar as

controvérsias que pretendia, trazendo a ideia de novidade metodológica como

Page 64: TCC Vanessa Souza Pereira

64

criações e recriações dos pesquisadores com vistas às características específicas do

ciberespaço.

As novidades metodológicas associadas ao campo virtual constituem-se como

um exemplo típico de como as problematizações também são históricas e sociais.

Essa questão não surgiria para os pesquisadores anteriores ao surgimento da

informática, bem como possivelmente não existiria se a internet não tivesse o alcance

que atualmente tem, pois é uma questão própria do nosso tempo e decorre das

condições sociais e materiais da sociedade contemporânea.

Page 65: TCC Vanessa Souza Pereira

65

REFERÊNCIAS

AMARAL, Adriana. Etnografia e pesquisa em cibercultura: limites e insuficiências metodológicas. Rev. USP, n.86, 2010, pp. 122-135 .

AMARAL, Adriana; MONTARDO, Sandra. Pesquisa em Cibercultura: análise da produção brasileira da Intercom. In: XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, setembro de 2011. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-3058-1.pdf>. Acesso em setembro de 2011.

BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

BORGES, Maria Alice Guimarães Borges. A compreensão da sociedade da informação. Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 3, p. 25-32, set./dez. 2000.

BORNIA JUNIOR, Dardo Lourenço. Telecentros comunitários e ciberespaço: redes de interações sociais na encruzilhada entre o local e o global. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.

BOUDON e BOURRICAUD. Metodologia. In: _________. Dicionário crítico de sociologia. 2ª ed. São Paulo:Ática; 2000a.

BOUDON e BOURRICAUD. Objetividade. In: _________. Dicionário crítico de sociologia. 2ª ed. São Paulo:Ática; 2000b.

BOUDON, Raymond. Conhecimento. In: ________. (org.) Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995.

BOURDIEU, Pierre, CHAMBOREDON, J.C; PASSERON, J.C. Ofício de Sociólogo. Metodologia da pesquisa na sociologia. Petrópolis, Rio de Janeiro, 1999.

BRAGA, Adriana. Teoria e método na análise de um blog: o caso Mothern. In: AMARAL, Adriana; RECUERO, Raquel e MONTARDO, Sandra (orgs.). Blogs.Com: estudos sobre blogs e comunicação. São Paulo: Momento Editorial, 2009. p. 75-92.

CARVALHO, Luciana Moreira; CARVALHO, Monica Marques. O registro da memória através dos diários virtuais: o caso dos blogs. Em Questão, Porto Alegre, v. 11, n. 1, p. 53-66, jan./jun. 2005.

Page 66: TCC Vanessa Souza Pereira

66

CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

CHALMERS, Alan. O que é ciência, afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993.

COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL - CGI. Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e TIC Empresas 2009. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2010.

COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR - CAPES. Banco de Teses. Disponível em: <www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses>. Acesso em: mai. 2012.

CORREA, Elizabeth Saad. Fragmentos da cena cibercultural: transdisciplinaridade e o "não conceito". Revista USP, São Paulo, n. 86, ago. 2010 .

COTANDA, SILVA, ALMEIDA, ALVES. Processos de Pesquisa nas Ciências Sociais: uma introdução. In: PINTO, GUAZZELLI. Ciências Humanas: pesquisa e método. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2008.

DEMO, Pedro. Cuidado Metodológico: signo crucial da qualidade. Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, jul/dez, 2002. p. 349-373.

DORNELLES, Jonatas. Vida na rede: uma análise antropológica da virtualidade. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, UFRGS, 2008.

FEYERABEND, Paul. Contra o Método. 3ª edição. Rio de Janeiro: F. Aves, 1989.

FOUREZ, G. O método científico: a ciência como disciplina intelectual. In:_____. A construção das ciências. São Paulo: UNESP, 1995.

FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre : Sulina, 2011.

GUIMARÃES JR. Mário. O ciberespaço como cenário para as Ciências Sociais. Trabalho apresentado no Grupo Temático "A sociedade da informação e a transformação da sociologia". IX Congresso Brasileiro de Sociologia, Porto Alegre, setembro de 1999.

GUTIERREZ, Suzana de Souza. A etnografia virtual na pesquisa de abordagem dialética em redes sociais on-line. 32ª Reunião da ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação, GT Educação e Comunicação. 2009.

Page 67: TCC Vanessa Souza Pereira

67

JUNGBLUT, Airton. Apresentação. Ciberespaço – Contribuições das Ciências Sociais Brasileiras. Civitas, v. 9, n. 2, mai-ago, 2009.

LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

LEWGOY, Bernardo. A invernção da (ciber)cultura: virtualização, aura e práticas etnográficas pós-tradicionais no ciberespaço. Civitas, v. 9, n. 2, mai-ago, 2009, p. 185-196.

MAY, Tim. Pesquisa social: questões, métodos e processos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.

MARKOFF, John. Troves of Personal Data, Forbidden to Researchers. The New York Times. 21 de maio de 2012. Disponível em <http://www.nytimes.com/2012/05/22/science/big-data-troves-stay-forbidden-to-social-scientists.html?_r=2&ref=science>. Acesso em: junho de 2012.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, Técnica e Arte: o desafio da pesquisa social. In: _____. (org.) Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 18ª ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

MORIN, Edgar. Para uma sociologia do conhecimento. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 6, Lisboa, 1989, p. 135-146.

OLIVEIRA, Daniela, GAZOLLA, Marcio, SCHNEIDER, Sergio. Produzindo novidades na agricultura familiar: agregação de valor e agroecologia para o desenvolvimento rural. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 28, n. 1, p. 17-49, jan./abr. 2011.

OLIVEIRA, Paulo de Salles. Caminhos de construção da pesquisa em Ciências Humanas. In: _________. Metodologia das Ciências Humanas. São Paulo: Hucitec, Unesp, 1998, p. 17-26.

SUAIDEN, Emir. Prefácio. In: MACIEL, Maria Lucia; ALBAGLI, Sarita. (Orgs.) Informação e Desenvolvimento: conhecimento, inovação e apropriação social. Brasília: IBCT, UNESCO, 2007.

TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. As possibilidades das Metodologias Informacionais nas práticas sociológicas: por um novo padrão de trabalho para os sociólogos do Século XXI. Sociologias, n. 5, Porto Alegre, jan/jun, 2001.

WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 2, p. 71-77, maio/ago. 2000.

Page 68: TCC Vanessa Souza Pereira

68

APÊNDICE – ESTUDOS DA AMOSTRA

Quadro 5: Estudos componentes da amostra

Ano Autor Autor/Título PPG IFES

2005Maria Tereza Teixeira Amarante

Os blogs e os blogueiros: entendendo as transformações da intimidade nas casas digitais. Sociologia Política UFSC

2006 Kelly Cristina de Souza Prudêncio

Mídia ATIVISTA: a comunicação dos movimentos por justiça global na internet. Sociologia Política UFSC

2007 Jean Segata Lontras e a Construção de Laços no Orkut Antropologia Social UFSC

2008Carolina Parreiras Silva

Sexualidades no ponto.com: espaços e homossexualidades a partir de uma comunidade on-line.

Antropologia UNICAMP

2008João Paulo Braga Cavalcante

Conexões entre o Mundo On-line e a “Vida Off-Line”: Otakus e Cultura de Consumo na Era da Internet

Sociologia UFC

2010Marcelo da Luz Batalha

Novas fronteiras para a comunicação ativista em rede: um olhar sobre o centro de mídia independente

Ciência Política UNICAMP

2010 Micheline Gomes Batista

Second Life: corpo e identidade no mundo virtual Sociologia UFPE

Os estudos listados a seguir não foram encontrados em formato virtual:

ELIAS JUNIOR, Alberto Calil. O mundo espírita virtual: navegando pelas malhas da ciência, da tecnologia e da religião. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universidade Do Estado Do Rio De Janeiro, 2009.

FERNANDES, Magda Fernanda Medeiros. "Alguém a fim de tc comigo?" A construção social da sexualidade virtual. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Universidade Federal de Pernambuco, 2006.

Os seguintes trabalhos apareceram na busca no Banco de Teses, porém não realizavam o trabalho de campo em um ambiente virtual:

BORNIA JUNIOR, Dardo Lourenço. Telecentros comunitários e ciberespaço: redes de interações sociais na encruzilhada entre o local e o global. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.

Page 69: TCC Vanessa Souza Pereira

69

KIM, Joon Ho. Imagens da cibercultura: as figurações do ciberespaço e do ciborgue no cinema. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Universidade de São Paulo, 2005.

QUEIROZ, Gustavo Morais. Uma poética do Ciberespaço: Um olhar mitocrítico sobre o clan x Tm e o Game Strike. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Universidade Federal de Pernambuco, 2006.

TONHOZI, Telia Negrão. Ciberespaço, via de empoderamento de gênero e formação de capital social. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006.