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Bacharelado em Ciências Sociais - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULINSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
Vanessa Souza Pereira
A EMERGÊNCIA DE NOVIDADES METODOLÓGICAS NO CAMPO VIRTUAL: uma análise de estudos no
ciberespaço.
Porto Alegre2012
Vanessa Souza Pereira
A EMERGÊNCIA DE NOVIDADES METODOLÓGICAS NO CAMPO VIRTUAL: uma análise de estudos no ciberespaço.
Trabalho de conclusão de curso apresentado como pré-requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Orientadora: Prof. Dra. Marilis Lemos de Almeida
Porto Alegre2012
Imagine there's no countriesIt isn't hard to do
Nothing to kill or die forAnd no religion too
Imagine all the peopleLiving life in peace
John Lennon – Imagine
AGRADECIMENTOS
Este trabalho de conclusão é o resultado de muitas combinações de
conhecimentos adquiridos ao longo de mais de cinco anos. Sem as pessoas com as
quais eu interagi e as experiências que eu tive na graduação em Ciências Sociais, o
resultado não seria o mesmo. O contexto no qual esse trabalho foi produzido remonta
um período marcado por emoções de grande intensidade. Nestes últimos meses, não
foram poucas as vezes em que li e escrevi em um hospital. Por outro lado, o apoio e a
amizade de muitas pessoas, aliados às boas memórias dos últimos 5 anos, pareceram
ser bons motivos pra continuar. A esses aqui eu agradeço. Ao Rafa, por uma
infinidade de motivos e circunstâncias, mas especialmente por ter a coragem de
enfrentar esse mundo comigo. Eu acho que estamos ficando bons nisso! Ao meu pai,
pela força e por estar sempre pensando em mim. Aos vizinhos da CEU, que
participaram do cotidiano de corredores, banheiros, terraço, cozinha, ônibus e RUs.
As trocas que tivemos - embora no "território" da Universidade - não contam crédito
em nenhum currículo, mas com certeza serão as coisas que eu ainda vou me lembrar
daqui a algumas décadas. Em especial, à Béthany e ao Ricardo, com quem dividi um
bom pedaço de vida; que a nossa amizade permaneça nessa vida louca. Aos amigos do
CEDOP, especialmente às companheiras Mara e Daiane, pela nossa ótima parceria. À
família que ganhei no último ano: Rô, Doda, Gerson, Marina, Zico e Mis. Aos colegas
da Sociais, que são muitos entre os poucos que aguentam os assuntos sobre política,
sociedade, universidade, teorias e conjecturas, principalmente aos que perguntaram
inúmeras vezes “e o TCC?” e ouviram muitas vezes sobre este trabalho: Duda, Prix,
Edu, Lucas, Rafael, Guilherme e Fellipe. Ao pessoal do núcleo de Sociologia da
ONGEP e do PVA, especialmente nas últimas semanas em que tive que me dedicar
exclusivamente ao trabalho. À professora Marilis, pela paciência, confiança e
dedicação, além do exemplo como pesquisadora e professora. E, finalmente, à minha
mãe, pela firmeza, coragem e por sempre acreditar que daria tudo certo.
RESUMO
A proposta deste trabalho é analisar a emergência de novidades metodológicas na abordagem do campo virtual em uma amostra de estudos das ciências sociais que tiveram os ambientes virtuais como campo de pesquisa. O objetivo é conhecer as estrategias metodológicas desenvolvidas na pesquisa e observar o surgimento de novos conceitos. Para tanto, procurou-se tratar sobre a construção do conhecimento científico e a metodologia de pesquisa no contexto da sociedade da informação, focando as influências da internet na metodologia de pesquisa social. O ciberespaço, como uma dimensão da realidade social, tem sido objeto e campo de um número crescente de pesquisas na área de ciências sociais. Muitos desses estudos, em sua fase empírica, esbarraram nas diferenças que o ambiente virtual apresenta. Na análise, identifica-se essencialmente dois caminhos: os que empregam a mesma metodologia dos ambientes não-virtuais e os que, diante das peculiaridades do ambiente virtual, adaptam, criam ou recriam os métodos e técnicas de pesquisa. Não só a pesquisa empírica passa por transformações, como a abordagem teórica também sofre com a definição dos termos, uma vez que as transformações nas denominações estão associadas também com a dinâmica da tecnologia material. De forma geral, a análise apresenta que os estudos têm observado diferentes aspectos possíveis da pesquisa na internet, trazendo tanto novidades metodológicas quanto metodologias típicas de espaços não-virtuais. O ciberespaço como campo traz novas questões ao pesquisador social na construção de sua metodologia de pesquisa, como a possibilidade de acesso a dados primários, a presença e o anonimato do observador, além da própria visão do autor sobre o que é o ciberespaço e a internet.
Palavras-chave: metodologia de pesquisa, ciberespaço, internet, pesquisa social em ambientes virtuais.
ABSTRACT
The purpose of this paper is to analyze the emergence of novelty methodological approach in the virtual field in a sample of social science studies that had virtual environments as a research field. The goal is to understand the methodological strategies developed in the research and observe the emergence of new concepts. For this purpose, we tried to deal on the construction of scientific knowledge and research methodology in the context of the information society, focusing on the influences of the Internet in social research methodology. Cyberspace, as a dimension of the social reality, has been the subject field and an increasing number of studies in social sciences. Many of these studies, in their empirical phase, foundered on differences in the virtual environment presents. The analysis identifies two main ways: those that employ the same methodology of non-virtual environments and that, considering the peculiarities of the virtual environment, adapt, create, or recreate the methods and research techniques. Not only empirical research goes through transformations, as the theoretical approach also suffers from the definition of terms, since the changes in the denominations are also associated with the dynamics of material technology. Overall, the analysis shows that studies have observed different possible aspects of the research on the Internet, bringing both methodological novelties and methodologies typical of non-virtual spaces. Cyberspace as a field brings new issues to the social construction of its research methodology, as the possibility of access to primary data, the presence and anonymity of the observer, plus the author's own view about what is cyberspace and the Internet.
Keywords: research methodology, cyberspace, internet, social research in virtual environments.
LISTA DE ELEMENTOS
Figura 1: Nuvem de palavras com as palavras-chave dos estudos analisados ........... 21
Gráfico 1: Distribuição de estudos por área e universidade ….................................... 17
Gráfico 2: Posse de computador e acesso à internet. Percentual sobre o total de domicílios. .................................................................................................................... 31
Quadro 1: Dimensões e indicadores para análise dos estudos ................................... 18
Quadro 2: Distribuição dos estudos analisados por ano, área e universo do trabalho de campo ...................................................................................................................... 20
Quadro 3: Tendências dos estudos sobre internet ...................................................... 34
Quadro 4: Características metodológicas gerais dos estudos ..................................... 52
Quadro 5: Estudos componentes da amostra ............................................................. 68
Tabela 1: Frequência de referências e fontes dos autores mais citados pela amostra. 41
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA.........................................................9
2 METODOLOGIA E PROPOSTA DE ANÁLISE.......................................15
3 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO DO MUNDO E A METODOLOGIA DE PESQUISA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO......................................22
3.1 O CONHECIMENTO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO.................................22
3.2 A CONSTRUÇÃO DA METODOLOGIA NA PESQUISA SOCIAL........................26
4 O CIBERESPAÇO COMO CAMPO DE PESQUISA................................29
4.1 A ONTOLOGIA DO CIBERESPAÇO E A PESQUISA NA INTERNET.................29
4.2 O TRABALHO DE CAMPO EM AMBIENTES VIRTUAIS....................................35
5 A EMERGÊNCIA DE NOVIDADES METODOLÓGICAS EM ESTUDOS NO CAMPO VIRTUAL.............................................................................40
5.1 OBJETOS E PROPOSTAS DE TRABALHO...........................................................40
5.2 AS DEFINIÇÕES METODOLÓGICAS...................................................................46
5.2.1 Conceitualizações.................................................................................................47
5.2.2 Presença do pesquisador.....................................................................................50
5.3 O TRABALHO DE CAMPO VIRTUAL ...................................................................51
5.3.1 Métodos e técnicas...............................................................................................52
5.3.2 Especificidades dos métodos e questões éticas...................................................57
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................61
REFERÊNCIAS.......................................................................................65
APÊNDICE – ESTUDOS DA AMOSTRA..................................................68
9
1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
O interesse sobre o tema deste trabalho surgiu no momento em que uma
amiga muito próxima construía o seu problema de pesquisa. Tratava-se de um
trabalho de conclusão de curso na área de Relações Públicas, cujo trabalho de campo
se daria em um espaço virtual1. Por algum tempo procuramos referências que a
fundamentassem na análise de seu objeto no campo virtual. Percebemos, porém, que
a exploração analítica do campo virtual carecia de fontes que tratassem das
consequências metodológicas ocasionadas por suas peculiaridades. Além disso,
descobri que outros pesquisadores também estavam observando essa questão.
É inegável que a sociedade contemporânea vive um momento de grandes
transformações tecnológicas e informacionais. A dimensão e as características dessas
mudanças estão em constante revolução. Além disso, diante das novas formas de
interação proporcionadas pelas tecnologias de informação e comunicação (TICs), as
relações com o tempo e o espaço têm se modificado (LÉVY, 1999), contexto que aos
poucos tem sido explorado pela comunidade científica.
De vários manuais de metodologia lançados na última década, os que
mencionam a internet tratam-na como um repositório ou fonte de busca para dados
secundários (IBGE, estatísticas e documento oficiais, bancos de teses etc)2. Porém,
essa se constitui como uma das dimensões da relação entre pesquisa social e internet.
A discussão sobre a pesquisa e internet onde esta seja assunto e campo é bastante
recente. Fragoso et al (2011) apontam que a pesquisa empírica na internet ainda seja
uma dificuldade para as ciências sociais.
1 MOURA, Cinara Martim de. Intersecções entre gestão do conhecimento, relações públicas e espaços virtuais de interação: a experiência da plataforma Fiat Mio. Trabalho de conclusão. Curso de Comunicação Social: Habilitação em Relações Públicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2010. Disponível em <http://hdl.handle.net/10183/28009>. Acesso em abril de 2012.
2 Por exemplo: BOOTH, W.; COLOMB, G.; WILLIAMS, J. A Arte da pesquisa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23ª ed. São Paulo: Cortez, 2007. RAMPAZZO, Lino. Metodologia Científica. 6ª ed. São Paulo: ed. Loyola, 2011.
10
As mesmas autoras apresentaram contribuições para o esclarecimento da
noção de campo em pesquisas sobre ambientes virtuais. Segundo as mesmas, a
internet é um campo de análise em constante mudança, de natureza mutável,
efêmera e em desenvolvimento, com suas contradições e especificidades. O
pesquisador deve estar atento à complexidade do campo, por suas diferentes
apropriações e formatos, além dos suportes/estruturas de acesso. Portanto,
considera-se que no campo virtual há peculiaridades com relação aos ambientes não
mediados3, além de carecer de uma denominação própria. Tavares dos Santos (2001)
aponta que as plataformas computacionais impõe uma redefinição na linguagem
sociológica, assumindo relevância a elaboração dos conceitos, inclusive a
reconceitualização e a reformulação de protocolos de observação.
Guimarães Jr (1999) aponta uma importante distinção na abordagem analítica
de fenômenos no ciberespaço. Para o autor, há abordagens extrínsecas e intrínsecas.
A abordagem extrínseca faria uma ciência do Ciberespaço ao considerá-lo como mais
um dos aspectos de outras realidades, enquanto a abordagem intrínseca tentaria
estabelecer o estudo no local, a ciência no Ciberespaço. Este estudo tem como objeto
empírico uma amostra de estudos que se filiaram à abordagem intrínseca, ou seja,
cujo objeto empírico de investigação está no Ciberespaço.
Nesse mesmo sentido, Fragoso, Recuero e Amaral (2011) distinguem as
dimensões da pesquisa na internet, isto é, a diferenciação da noção de pesquisa sobre
a internet de pesquisa na internet. A internet tem a peculiaridade de atuar como
objeto (pesquisa sobre internet), local (pesquisa na internet) e/ou ainda instrumento
(pesquisa utilizando ferramentas de coleta/produção de dados na internet). Para dar
conta dessas três facetas, as autoras decidiram adotar a denominação “métodos de
pesquisa para internet” como título do livro.
Essas três dimensões da relação entre pesquisa e internet podem confundir o
pesquisador e o leitor menos habituados ao tema. Neste estudo, o interesse será pelos
estudos que tiveram a internet como local do trabalho de campo. O estudo de Bornia
3 No caso, trata-se de mediação por computador e, mais recentemente, também através de tablets e outros equipamentos que proporcionam o acesso à internet. Sobre interação mediada por computador, ver: PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 2. ed. Porto Alegre : Sulina, 2008.
11
Junior (2009), por exemplo, tem como objeto as redes de interações sociais formadas
por usuários de telecentros comunitários, tanto presencialmente quanto no
ciberespaço. A pesquisa tem a internet como tema/objeto, porém, o autor não realiza
o trabalho de campo em um ambiente virtual, mas sim nos próprios telecentros. Isso
o diferencia dos estudos ambientados na internet, cujos objetos empíricos foram
analisados diretamente em um ambiente virtual. Essas duas faces da relação entre
pesquisa e internet ainda se diferenciam da terceira, que se refere à utilização de
suportes virtuais para coleta, produção, tabulação e análise de dados.
Tavares dos Santos (2001) afirma baseado em Lévy (1999) que estamos diante
de tecnologias intelectuais que implicam diversas modificações cognitivas humanas
no que se refere à memória, imaginação, percepção e raciocínio. Poder-se-ia dizer,
então, que além de possibilitar a aproximação do pesquisador ao ambiente virtual, a
internet e as tecnologias mediadoras do ciberespaço nos auxiliam também no avanço
das ideias por meio de suas ferramentas. É nesse sentido que as metodologias
informacionais, como uma terceira face da relação entre pesquisa e internet, trazem
novas possibilidades e padrões de trabalho para os cientistas sociais. Cabe destacar
que tais metodologias podem ser úteis para quaisquer pesquisadores, tanto para os
interessados em pesquisa sobre e na internet quanto para os mais diversos assuntos,
temas, objetos e campos.
Sendo um novo campo emergente, observa-se a convivência de uma polissemia
e de uma baixa precisão conceitual, uma vez que os termos ainda não estão definidos
com clareza e tampouco são consenso entre os pesquisadores. Neste estudo o
contexto virtual será denominado de ciberespaço, termo utilizado por diversos
autores (LEVY, 1999; CASTELLS, 2003; GUIMARÃES JR, 1999; LEWGOY, 2009;
FRAGOSO et al, 2011 entre outros) para designação dos ambientes virtuais de
interação. Correa (2010) considera o prefixo ciber como o elo etimológico entre a
técnica e os processos de sociabilidade virtuais, atuando como o operador da
experiência virtual ao substantivo vinculado.
Visando aproximar-se da construção das estratégias metodológicas em estudos
e pesquisas em ambientes virtuais (ou no ciberespaço), realizei em 2011 uma pesquisa
12
exploratória4, na qual foi possível observar características em comum no que se refere
à abordagem metodológica de uma amostra estudos científicos que se deram no
campo virtual. Esses traços em comum tratavam do que chamei de inovações
metodológicas. A preocupação dos pesquisadores com as especificidades do trabalho
de campo no ambiente virtual seria um indício de que as estratégias para abordagem
do objeto precisariam ser repensadas e, talvez, recriadas. Uma das novidades seria -
diante de um escasso aparato teórico-metodológico - a experimentação de
ferramentas do próprio ambiente virtual para a produção e análise de dados
empíricos.
Apesar dessa importante ideia, o problema ainda se encontrava obscuro, pois a
utilização do termo “inovação” não parecia o mais adequado para tratar do assunto.
Inovação é um termo largamente utilizado para tratar de transformações sobretudo
de ordem econômica. Além disso, o conceito mais frequentemente refere-se à
introdução de processos, produtos, organizações e serviços novos ou
significativamente melhorados com vistas ao mercado. Para diferenciar o caráter de
novidade do objeto, pareceu-me mais prudente nomear as novas abordagens como
novidades metodológicas. Embora construído no contexto dos estudos sobre
produção agrícola, o conceito de novidade5 é útil pois representa o processo de
inovação na produção de conhecimentos como resultado de busca de soluções para
problemas técnicos do cotidiano (OLIVEIRA et al, 2011). Nesse sentido, o
conhecimento científico e o conhecimento técnico (também corriqueiro, quando se
fala em tecnologias de informação e comunicação) interagem em um ajuste de
condições. No caso das novidades metodológicas com relação ao campo virtual, os
conhecimentos sobre circunstâncias materiais e tecnológicas também fazem parte do
trabalho do pesquisador.
Este trabalho tem como objetivo principal analisar a emergência de novidades
metodológicas de estudos em ambientes virtuais e através disso conhecer as práticas
4 SOUZA PEREIRA, Vanessa. Metodologias de pesquisa em espaços virtuais de interação: análise da construção de instrumentos metodológicos em um novo campo de pesquisa. Trabalho apresentado no XXIII Salão de Iniciação Científica da UFRGS, outubro de 2011.
5 Novelty production approach - abordagem da produção de novidades. Aprofunda-se a discussão em: PLOEG, J. D. van der; WISKERKE, J. S. C. (Ed.). Seeds of transition: essays on novelty production, niches and regimes in agriculture. Assen: Van Gorcun, 2004.
13
desses pesquisadores, discutindo os usos dos métodos de pesquisa no contexto do
ciberespaço em uma amostra de estudos. A ideia é examinar se novos métodos ou
adaptações estão sendo construídos para a abordagem dessa nova dimensão da
realidade ou se os métodos tradicionais/estabelecidos têm dado conta da pesquisa
empírica no ambiente virtual. Que metodologias têm sido utilizadas e/ou
desenvolvidas por pesquisadores envolvidos com o objeto em um ambiente virtual.
Para Boudon (1995), "quanto mais imprecisas forem as regras do jogo de uma
ciência, tanto mais legitimamente a sociologia se poderá interessar por ela" (p. 521).
As transformações nas metodologias de pesquisa, incluindo a abordagem teórica,
processos em corrente discussão e interpretação são, portanto, de interesse das
ciências sociais.
A leitura de Dornelles (2008) indicou que vários conceitos das Ciências Sociais
precisam ser repensados. Segundo o autor, seria necessária a desconstrução de
olhares tradicionais sobre a relação entre o online e o offline6. Embora essa dicotomia
seja evitada, Guimarães Jr (1999) aponta que a distinção entre a dimensão presencial
e não-presencial pode ser útil para tratar de peculiaridades da prática social no
ciberespaço. Manter as relações on e offline sempre em primeiro plano poderia
dificultar a reflexão e a observação empírica. Problematizações como essas são o foco
da análise. A ideia é acompanhar a construção metodológica dos estudos (tendo uma
série de indicadores em vista) e destacar as novidades metodológicas associadas ao
trabalho de campo virtual e mediado por computador. A metodologia para
abordagem desse problema é descrita ao longo do segundo capítulo.
Para tratar teoricamente do problema, proponho dois capítulos. O capítulo 3
faz uma discussão sobre o conhecimento científico (especialmente a pesquisa social)
no contexto da sociedade da informação, momento marcado pela emergência dos
espaços virtuais de interação. Também são feitas considerações sobre a construção da
metodologia em um projeto científico na área de ciências sociais. Já no capítulo 4, o
ciberespaço é tratado como campo de pesquisa das ciências sociais, tendo em vista as
6 A tensão entre o online e o offline é uma importante discussão trazida por vários autores. A diferenciação dos ambientes nessa dualidade é fortemente atacada por Levy (1999). Para diferenciar as dimensões com vistas à discussão da pesquisa social no ciberespaço, utilizo os termos presencial e virtual.
14
suas características inerentes e as possibilidades relacionadas à interação social. O
capítulo também mostra como vários autores estão lidando com a corrente discussão
sobre as consequências das diferenças do ciberespaço (com relação ao offline) para o
trabalho de campo em ambientes virtuais.
No capítulo 5, por sua vez, faço a apreciação dos estudos da amostra com vistas
aos indicadores e ao referencial teórico que acompanha o problema. O objetivo da
análise é identificar as novidades metodológicas, contribuindo para a discussão sobre
os usos dessas na pesquisa social em ambientes virtuais.
15
2 METODOLOGIA E PROPOSTA DE ANÁLISE
A fim de analisar a pesquisa na internet e identificar o surgimento de
novidades metodológicas no trabalho de campo virtual, é proposta uma análise das
estratégias metodológicas de trabalhos da área de Ciências Sociais. Junto a essa
pesquisa empírica, busco entender se a construção metodológica de estudos cujo
trabalho de campo se dá em ambientes virtuais apresenta modificações significativas
em relação às metodologias mais comuns dos trabalhos de campo não-virtuais.
Na fase exploratória, a intenção era analisar trabalhos de duas grandes áreas:
Ciências Sociais e Comunicação. O interesse nessas duas áreas veio de algumas
observações que demonstraram que os pesquisadores da área de Comunicação
apresentariam, no momento, uma maior preocupação com o estudo do/no
ciberespaço devido tanto às suas características epistemológicas quanto pela
demanda do mercado de trabalho da área. Entretanto, a discussão sobre os
obstáculos, as vantagens e as limitações da pesquisa cujo campo demanda a mediação
de um computador ainda é pouco problematizada, devido, talvez, a uma maior
familiaridade com as ferramentas virtuais e o próprio ciberespaço, que fazem parte
também do campo de trabalho técnico (ou de mercado) do profissional da
Comunicação na atualidade. Enquanto isso, as Ciências Sociais demonstrariam maior
interesse pelas implicações metodológicas no trabalho de pesquisa, praticando com
mais frequência o “estranhamento” desse novo campo. Contudo, ainda que as
abordagens da Sociologia e da Antropologia tenham se mostrado relativamente mais
preocupadas com as singularidades do trabalho de campo virtual, o número de
trabalhos dedicados ao tema na área ainda é bastante reduzido. A presença
majoritária de pesquisadores da área da Comunicação na amostra pode refletir um
ainda fraco engajamento de pesquisadores de Ciências Sociais na exploração do
campo virtual.
A possibilidade prática dessa análise, no entanto, era inviável tendo em vista o
tempo e o número adicional de questões e conceitos vindos das duas áreas, as quais
16
possuem interesses tão distintos. Por isso, considerei mais proveitoso trabalhar
apenas com as questões de trabalhos das Ciências Sociais. Para construir o corpo
empírico, foi definida uma amostra de teses e dissertações de Programas de Pós-
Graduação (PPGs) registrados no banco de Teses da CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Os trabalhos deveriam ser das áreas
de Antropologia, Sociologia ou Ciência Política de IFES7 brasileiras. Foram
selecionados trabalhos defendidos dos anos de 2005 a 2010 em PPGs com avaliação
trienal da CAPES igual ou maior a 5. O total de trabalhos após esses recortes foi de
onze dissertações e duas teses.
Devido à grande quantidade de dados8, utilizei o software Nvivo 9 como
ferramenta para a análise, tornando essencial o suporte digital. Contudo, embora se
tenha acesso à maioria dos trabalhos, nem todos estavam disponíveis na internet
para consulta e/ou download. Além dos recortes referidos, a amostra sofreu também
outros ajustes. Em primeiro lugar, a busca pela palavra-chave "ciberespaço" não
garantiria que as pesquisas provenientes tivessem o principal atributo de minha
análise: o trabalho de campo em um ambiente virtual. Portanto, após a leitura dos
resumos, alguns estudos foram excluídos da amostra. Além da necessidade do
arquivo digital para análise, em dois casos, a pesquisa não pôde fazer parte da
amostra por problemas técnicos do arquivo, mensagens de erro tanto no Adobe
Reader quanto no NVivo. Por esses motivos, seis estudos foram retirados da amostra,
totalizando sete trabalhos para análise (sendo uma tese e seis dissertações).
Sendo assim, os sete trabalhos são caracterizados por área e universidade de
origem através do gráfico a seguir:
7 IFES: Instituições Federais de Ensino Superior. Conjunto de 52 instituições criadas ou incorporadas e mantidas pela União, constituindo o Sistema de Instituições Federais de Ensino Superior e a Rede Pública de Ensino. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos.IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002, http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=352. Acesso em: 18/6/2012.
8 Cada dissertação possui, em média, cento e cinquenta páginas.
17
Gráfico 1: Distribuição de estudos por área e universidade
Nota-se que a quantidade total de estudos é pequena. No mesmo período,
estão registrados 25 trabalhos com o mesmo recorte na área de comunicação. Essa
diferença corrobora com a afirmação de Jungblut (2009) de que as Ciências Sociais
ainda se mostram tímidas em investigar os múltiplos processos que acompanham as
tecnologias de informação e comunicação. Na dissertação de Amarante (2005) a
comunicação já apresentava maior evidência na quantidade de estudos sobre a
internet:
Recorremos à Internet para colher informações sobre a questão, já que em virtude de sua novidade não existia muito material escrito disponível sobre ela. No decorrer da pesquisa, encontramos algumas dissertações de mestrado tendo os blogs por tema. A coincidência entre elas era o fato de serem da área de comunicação (p. 16).
A mesma autora diz que construiu um breve histórico do surgimento dos blogs
(seu objeto de pesquisa) com base em uma ampla pesquisa pela internet "já que pela
incipiência do objeto pesquisado a bibliografia disponível a seu respeito é muito
reduzida." (p. 18).
Prudêncio (2006), relembra a origem dos estudos da área da comunicação,
18
A pesquisa em comunicação, ao contrário das outras áreas do conhecimento, foi inicialmente estimulada não por um desenvolvimento científico, mas por uma demanda de mercado. Foi o desenvolvimento tecnológico que impulsionou a investigação da presença crescente dos meios de comunicação de massa no cotidiano. (p. 57)
Do mesmo modo relatado por May (2004), ao afastar-se do formato
estruturado, torna-se necessário realizar um esforço de codificação para que possa ser
construído um sentido analítico. Sendo assim, os nós9 de classificação dos elementos
de análise dividiram-se em três grandes grupos: (1) objeto/proposta do trabalho, (2)
definições metodológicas e (3) trabalho de campo virtual. Essa divisão não representa
uma disposição necessariamente conveniente, o que significa que nem todos os
trabalhos apresentaram esses elementos. Mesmo assim, os trabalhos apresentaram,
com diferentes intensidades, referências nesses grandes temas. Os indicadores
formaram "subnós" que especificavam os temas dos elementos de análise.
Quadro 1: Dimensões e indicadores para análise dos estudos
Objeto/proposta do trabalho
• tema e objetivos do trabalho
• recorte empírico
Definições metodológicas
• (novos) conceitos associados ao campo
• presença do pesquisador
Trabalho de campo virtual
• descrição e crítica dos métodos
• instrumentos de produção e análise de dados
No exame dos trabalhos selecionados procedeu-se da seguinte forma:
primeiramente foram lidos o sumário e a introdução, buscando identificar se o estudo
de fato correspondia a delimitação proposta; a seguir, na introdução, quando
possível, identificou-se o tema, os objetos da pesquisa e indícios sobre abordagem do
problema. Em grande parte dos casos esses elementos estavam contidos na
introdução, o que facilitou a minha leitura, visto que aspectos teóricos específicos do
9 O termo “nó” refere-se ao esquema de codificação de trechos através do software Nvivo 9.
19
tema de análise dos estudos não se constituíam como meu objeto. Portanto, nem
todos os trabalhos precisaram ser lidos do início ao fim. Pensando em evitar possíveis
perdas nesse “pulo”, realizei uma busca complementar pelo NVivo buscando algumas
palavras-chave (como ciberespaço, metodologia, presença, etc) no texto não
categorizado para leitura.
É importante ressaltar que a intenção das análises não é dizer quantos estudos
referem quais parâmetros, mas sim trazer a reflexão sobre a emergência das
novidades metodológicas e verificar a ocorrência de mudanças na metodologia de
pesquisa ocasionadas experiências de campo no ciberespaço.
A respeito da construção metodológica, na visão de Feyerabend (1989), a
educação científica, como tem sido feita, leva a uma simplificação da ciência, pois
além de outros fatores, a imaginação do cientista é “restringida e até sua linguagem
deixa de ser própria” (p. 21), na tentativa de ser visto como neutro e isento de
opiniões prévias sobre o tema. Conforme o autor, “as regras metodológicas falam de
teorias, observações e resultados experimentais como se tratasse de objetos claros e
bem definidos, de propriedades fáceis de avaliar e entendidos da mesma forma por
todos os cientistas” (p. 88). Por isso, trago as contribuições desse autor para a
construção da minha proposta de análise, pois penso que o estudo das
transformações no trabalho científico no contexto do desenvolvimento de novos
modos de comunicação e interação precisa de olhares que ultrapassem e se
confrontem com o que já é familiar e estabelecido. Feyerabend faz essa crítica à
“condição de coerência”.
A primeira teoria adequada tem o direito de prioridade sobre teorias posteriores igualmente adequadas. Sob esse aspecto, o efeito da condição de coerência é similar ao efeito dos mais tradicionais métodos de dedução transcendental, de análise de essências, de análise fenomenológica, a análise linguística. Contribui para a preservação do que é antigo e familiar, não porque seja portador de qualquer inerente vantagem-não porque esteja melhor fundamentado na observação do que a alternativa de sugestão recente ou porque seja mais elegante – mas apenas por ser antigo e familiar (p. 48).
20
Dessa forma, busco trazer na análise as diferentes visões dos autores e de suas
explicações para os objetos de estudo, não fazendo um julgamento sobre quais visões
seriam mais adequadas e condizentes com o contexto da virtualidade, mas
contrastando as diferentes abordagens e observando a emergência de novidades
metodológicas.
O local do trabalho de campo nesta análise será chamado de universo, uma vez
que, representando o ciberespaço, não possui as mesmas lógicas de tempo e espaço
que o vocábulo local remete. O quadro abaixo visa apresentar panoramicamente a
distribuição dos estudos por ano, área e universo do trabalho de campo.
Quadro 2: Distribuição dos estudos analisados por ano, área e universo do trabalho de campo
Autor/ano Área Universo do TC
AMARANTE, 2005 Sociologia Blogs e chats
PRUDÊNCIO, 2006 SociologiaSites e fóruns/listas de discussão
SEGATA, 2007 Antropologia Orkut
SILVA, 2008 Antropologia Orkut
CAVALCANTE, 2008 Sociologia Fórum/lista de discussão
BATALHA, 2010 Ciência Política Sites e listas de discussão
BATISTA, 2010 Sociologia Second Life, chats
A nuvem de palavras foi a forma escolhida para apresentar as palavra-chave
dos nove estudos analisados tendo em vista que ela permite apresentar a frequência
das mesmas diferenciando-as por cores e por tamanho segundo a frequência10.
10 A nuvem de palavras foi possível através da ferramenta disponível gratuitamente no site http://www.wordle.net. Acesso em junho de 2012.
21
Nota-se que a palavra-chave mais comum é “ciberespaço”, devido ao foco da
seleção da amostra. Contudo, os outros vocábulos também são importantes pois
demonstram as áreas de interesse dos pesquisadores que trabalharam com o campo
virtual.
Figura 1: Nuvem de palavras com as palavras-chave dos estudos analisados
22
3 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO DO MUNDO E A METODOLOGIA DE PESQUISA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
O objetivo deste capítulo é analisar o contexto da sociedade da informação no
qual emergem novos espaços, os quais são possíveis a partir de tecnologias que
mediam as relações sociais. Busco examinar as potencialidades e desafios que os
espaços virtuais trazem para a construção do conhecimento científico e para as
metodologias de pesquisa das ciências sociais
Na primeira seção proponho, inicialmente, discutir sobre a denominação de
sociedade da informação para designar o contexto da sociedade contemporânea que
envolve os avanços referentes às tecnologias de informação e comunicação. Nessa
direção, levanto algumas contribuições da sociologia do conhecimento para discussão
sobre pesquisa na internet. Na segunda seção do capítulo, retomo a reflexão sobre a
construção metodológica de um projeto científico nas ciências sociais, para no
próximo capítulo tratar sobre a construção metodológica da pesquisa no ciberespaço.
3.1 O CONHECIMENTO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
A sociedade contemporânea (considerada como o final do século XX e início
do século XXI) capitalista e informacional, ainda que apresentando consideráveis
variações em diferentes regiões do mundo, vivencia uma infinidade de processos e
transformações intensas. As transformações podem ser vistas como de ordem
econômica, tecnológica, política, informacional/comunicacional, entre outras. Para
designar a sociedade contemporânea em sua dimensão das relações sociais, utilizo o
termo “sociedade da informação”. Para Werthein (2000), a expressão "sociedade da
informação" começou a ser utilizada para substituir o conceito de "sociedade pós-
industrial".
Das propostas políticas oriundas dos países industrializados e das discussões acadêmicas, a expressão “sociedade de informação” transformou-se rapidamente em jargão nos meios de comunicação,
23
alcançando, de forma conceitualmente imprecisa, o universo vocabular do cidadão (p.71).
Para o autor, as transformações em direção à sociedade da informação já
encontram-se em estágio avançado nos países do Norte11 e se constituem como
tendência dominante para o resto do mundo. Tais transformações têm “definido um
novo paradigma, o da tecnologia da informação, que expressa a essência da presente
transformação tecnológica em suas relações com a economia e a sociedade" (p. 72).
Embora sejam tantas as transformações sociais em curso, neste trabalho o
olhar será direcionado para as implicações das particularidades do campo virtual
(mediado por computador) na construção da metodologia de pesquisa social. Esse
direcionamento está relacionado com o que Suaiden (2007) aponta sobre a
importância dos estudos sobre a sociedade da informação:
Diante dos diferentes modos de pensar, interagir, produzir e consumir estimulados pelo computador e pela internet, a chamada sociedade ou era da informação e do conhecimento representa hoje um desafio à pesquisa acadêmica, sendo também objeto de interesse e atenção de formuladores de políticas públicas, agentes privados e sociedade em geral (p. 11).
Maria Alice Borges (2000) aponta algumas transformações contemporâneas
no setor informacional que se constituiriam em características próprias da sociedade
da informação. Através das novas tecnologias, a informação tem se tornado um
produto comercial, que carrega valor econômico. Além disso, a distância e o tempo da
fonte ao seu destinatário passaram a não ser mais determinantes para o acesso. As
novas tecnologias que possibilitaram o ciberespaço criaram também novos mercados,
serviços, empregos, empresas e, consequentemente, relações.
11 Martins (2010) considera Norte e Sul como divisões do planeta do ponto de visto poder econômico, onde o Sul seria uma espécie de "Terceiro Mundo" (expressão que o autor evita mencionar) e o Norte representaria os países dominantes. Para mais detalhes, ver: MARTINS, Paulo Henrique. Poscolonialidad y antiutilitarismo: desafíos de la teoría sociológica más alla de las fronteras Sur-Norte. Revista Colombiana de Sociología, v. 33, p. 15-43, 2010.
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Dentro desse contexto, considerarei mais especificamente a influência das
características do ciberespaço nos modos de fazer pesquisa, uma vez que esse
ambiente, possibilitado pelos avanços em tecnologia da informação, surge como mais
um campo de estudo das Ciências Sociais. Em virtude de suas grandes implicações na
economia, na política, na cultura e nas relações, além das profundas transformações
nas formas de expressão e no que Lévy (1999) chama de desterritorialização das
mídias, essa nova e emergente dimensão da realidade surge como mais um campo de
estudo para diversas áreas do conhecimento. Entretanto, para tratar sobre pesquisas
no ciberespaço, é necessário abordar antes a organização contemporânea da pesquisa
e do conhecimento científico.
O conhecimento científico ocidental tem se constituído como uma forma
hegemônica de construção da realidade, fundamentada em conceitos, métodos e
técnicas instituídos por uma comunidade que os administra e regula. Para Descartes,
“o cuidado metodológico encerrava-se na visão de que fazer ciência seria basicamente
questão de método e que este seria lógico-experimental” (DEMO, 2002). Embora
tivesse essa tendência à busca da “verdade”, o pensamento de Descartes auxiliou no
progressivo desprendimento entre ciência e religiosidade.
Segundo Demo (2002, p. 352) “conhecer é principalmente questionar e não
verificar, constatar, afirmar”. O objetivo do fazer científico, que é o conhecimento, é
sempre construído, aproximado e temporário, como já apontava Bachelard (1996) ao
tratar a atividade cientifica como uma retificação permanente do erro primeiro e ao
apontar os atos epistemológicos da ruptura, construção e constatação. A atividade
científica está em permanente busca, não por verdades absolutas, mas por
explicações mais adequadas aos objetos de estudo. Como não temos acesso à
“verdade” tampouco podemos explicar a realidade com “certeza”, temos que escolher
a versão que melhor nos convence (ou convém) para abordar, entender e/ou
problematizar um objeto. Além disso, a escolha de uma definição científica nunca é
ideologicamente neutra, pois está ligada a uma visão de mundo, um projeto e um
discurso ideológico (FOUREZ, 1995; MINAYO, 1994). As definições dos conceitos e
dos métodos são decisões teóricas, muitas vezes não intencionais ou não racionais,
mas nunca ao acaso. A cientificidade vai além de um padrão de modelos e normas,
25
sendo mesmo diferentes as abordagens das ciências naturais e sociais.
Diferentemente do que se acreditou por muito tempo, “a cientificidade não pode ser
reduzida a uma forma determinada de conhecer; ela pode conter diversas maneiras
concretas e potenciais de realização (COTANDA et al, 2008).
Para Bachelard (1996), “o conhecimento do real é luz que sempre projeta
algumas sombras” (p. 17). Retoma-se um passado de erros e encontra-se a verdade
em um “arrependimento intelectual”. Contudo, sem uma pergunta/questão não há
conhecimento científico. Para o autor, o conhecimento é a resposta a uma dada
pergunta. Bourdieu et al (1973) também apontam a importância da formulação de um
problema. Para eles, a fronteira entre o saber comum e a sociologia é um
problema/pergunta cuja existência está condicionada à teria. Dessa forma, ir à campo
sem teoria seria como uma sociologia espontânea, baseada somente em pré-noções
do pesquisador. Todavia, os problemas não se formulam espontaneamente, são
criados pelos pesquisadores. "Tudo é construído"(BACHELARD, 1996).
A sociologia do conhecimento busca estudar as condições sociais de produção
do saber e a difusão das ideias, tanto do conhecimento comum quanto do
conhecimento científico. Na perspectiva desta, todo conhecimento seguro de sua
verdade despreza as condições de seu nascimento. Além disso, entende o
conhecimento enquanto produto e produtor de uma realidade histórica, social e
cultural (a sua versão da realidade).
Procurando organizar as diversas contribuições no campo da sociologia do
conhecimento, Boudon (1995) classifica duas grandes abordagens: as macroscópicas,
que tentam evidenciar tendências, ritmos na vida mental e determinar a influência
desses sobre os fenômenos do conhecimento; e as acionistas, às quais interessa
analisar as razões que levam os atores (em determinado contexto social) a
acreditarem em tal teoria ou enunciado. Essa distinção entre as duas abordagens
pode ser característica não só da sociologia como das ciências sociais em geral.
Segundo o autor,
qualquer que seja o campo considerado, certos estudos limitam-se a ressaltar tendências ou relações entre as variáveis, ao passo que
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outros procuram analisar as razões individuais (microscópicas) dessas relações agregadas. Utilizando o vocabulário vigente, os primeiros advêm de uma metodologia holista, os segundos de uma metodologia individualista. (p.523)
O problema da primeira categoria seria a fragilidade e o caráter provisório
desse conhecimento, pois não permite a identificação das reais causas das relações
observadas. Em contrapartida, hoje temos mais clara a visão de que o conhecimento é
temporário e inacabado, seja qual for a abordagem escolhida. Seria importante,
portanto, conhecer, em uma abordagem macroscópica, como as transformações
informacionais estão influenciando o trabalho de pesquisa e a produção de
conhecimento científico.
Segundo Morin (1989), a sociologia do conhecimento constitui-se como um
esforço de compreensão das condições socio-históricas de produção do conhecimento
e dos constrangimentos sócio-histórico aos quais o mesmo não pode escapar. Para o
autor, “o conhecimento científico não pode ser auto-suficiente, devendo submeter-se
a exame, não só epistemológico mas também sociológico” (p. 138). É nesse sentido
que considero essencial a discussão sobre como estão se estabelecendo as
metodologias de pesquisa em ambientes cujas características revolvem os modos de
se fazer sociologia (e ciências sociais).
3.2 A CONSTRUÇÃO DA METODOLOGIA NA PESQUISA SOCIAL
Distinguindo-se do conhecimento comum, o conhecimento científico se
concretiza na atividade de pesquisa, cuja fundamentação se dá através de teorias,
conceitos, métodos e técnicas. A pesquisa constitui-se como atividade básica da
ciência na sua indagação e construção da realidade.
Uma pesquisa inicia com um problema articulado a conhecimentos anteriores,
mas possíveis de demandar novos referenciais. Esses conhecimentos anteriores,
construídos por outros estudiosos, são um sistema organizado de proposições e são
chamados de teorias. Para Minayo (1994), as teorias são tentativas de aproximação e
explicação (parcial) da realidade, contextualizadas e compostas de conceitos. A
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metodologia de pesquisa seria o caminho do pensamento e a prática exercida na
abordagem da realidade. Ela reúne as concepções teóricas da abordagem de um
objeto, as técnicas de investigação, as quais encaminham os impasses teóricos para a
prática, e o potencial criativo do pesquisador (MINAYO, 1994). Sobre o trabalho de
campo, a autora defende que seja um recorte empírico da construção teórica e um
momento prático de confirmação ou refutação das hipóteses e construção de teorias.
A metodologia de pesquisa possui um sentido mais técnico dentro projeto
científico, no qual se constituem regras para definir um objeto e as escolhas
referentes ao trabalho de campo e aos instrumentos para investigação. Boudon e
Bourricaud salientam que a atitude crítica do pesquisador na análise do objeto
também constitui a ideia de metodologia de pesquisa
Contrariamente a uma confusão corrente, essa noção [metodologia de pesquisa] designa, não só as técnicas de investigação empírica e da análise de dados, mas a atividade crítica que se aplica aos diversos produtos da pesquisa (BOUDON e BOURRICAUD, 2000a, p. 336).
Assim, podemos entender que a abordagem metodológica de um estudo
científico visa sistematizar o modo como se estudará um objeto para alcançar os
objetivos propostos. Essa atividade engloba aspectos que devem ser explicitados ao
longo do trabalho científico: o tipo de estudo, qual será a população-alvo da pesquisa
empírica, como os dados serão coletados/produzidos, quais serão os procedimentos
para análise e interpretação dos dados, etc. Porém, sobretudo visa estudar e definir as
escolhas teóricas em busca da compreensão do objeto proposto. As técnicas de
produção e análise de dados são fruto de um processo de construção e constituem o
nível mais operacional das definições metodológicas (COTANDA et al, 2008).
Oliveira (1998) traz um bom exemplo sobre o lugar do método na pesquisa:
Ao se falar, por exemplo, em método Paulo Freire de aprendizagem, a discussão seria muito mais redutora se apenas aludisse aos recursos e instrumentos de que se vale para promover a alfabetização; seria necessário ir além para perceber o embasamento teórico, que dá suporte e consistência ao método. De que modo encara a educação?
28
Quais os pressupostos da relação entre educador e educandos? Como tais questões podem interferir na produção do saber? (p. 21)
Para Bourdieu et al (1999), mesmo as técnicas mais empíricas não são
descoladas das opções teóricas. Os métodos seriam então construídos em função do
objeto. Para ele, são os pressupostos teóricos que fazem os dados empíricos
funcionarem como evidências científicas. Mesmo que os autores referidos defendam
a construção do método em função do objeto, considero que outros fatores também
podem influenciar a construção, entre eles as especificidades do local do trabalho de
campo, como no caso dos ambientes virtuais.
Considerar que a realidade é complexa e não-linear e que o conhecimento é
sempre provisório, não significa, contudo, que nenhum método será capaz de captá-la
satisfatoriamente (DEMO, 2002). Segundo o autor, “em parte, este reducionismo é
natural, inevitável” (p. 361). Ao fazer pesquisa buscamos ordenar e estruturar, o que
representa uma violência analítica, pois a força a caber em categorias estranhas a sua
dinâmica complexa e não-linear. Contudo, mesmo que consideremos que “explicar é
inapelavelmente também simplificar” (p. 361), a explicação teórica organizada se faz
necessária para delimitar/definir o objeto e os objetivos do trabalho científico, visto
que, sem esses, o trabalho do pesquisador seria um emaranhado confuso.
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4 O CIBERESPAÇO COMO CAMPO DE PESQUISA
Este capítulo tem por objetivo apresentar uma reflexão sobre as mudanças no
campo metodológico advindas da emergência do campo virtual. No primeiro
momento, apresento noções sobre o que alguns autores referência no tema tomam
como ciberespaço e suas características. A seguir, o capítulo traz novas contribuições
de autores sobre ferramentas e modos de pesquisa no contexto do ciberespaço,
importantes para o entendimento sobre as transformações nos métodos e técnicas de
pesquisa social.
Considerando que os fenômenos estão sempre em transformação, é possível
inferir que as questões teórico-metodológicas, bem como o conhecimento, são
também históricas e sociais. Os estudos sobre/na internet são exemplos de como
determinadas questões estão associadas com o momento histórico e até às condições
materiais (nesse caso possibilitadas pelas TICs). As problematizações sobre o
trabalho de campo mediado por computador, por exemplo, provavelmente não
existiriam em um contexto diferente da sociedade da informação. Portanto, com o
desenvolvimento de novas ferramentas de interação e dispositivos de comunicação
mediadores do ciberespaço, a pesquisa social na internet encontra novas questões
metodológicas.
4.1 A ONTOLOGIA DO CIBERESPAÇO E A PESQUISA NA INTERNET
O avanço e aperfeiçoamento das TICs viabilizaram o surgimento da internet e
dos ambientes virtuais, sendo atualmente utilizados para uma infinidade de
objetivos. A internet tem se consolidado como ferramenta de trabalho, comunicação e
interação, permeando a rotina de grande parte do mundo contemporâneo, mas
também tensionado as noções de espaço, tempo e lugar (GUTIERREZ, 2009). As
redes sociais virtuais passaram a fazer parte do cotidiano de milhões de pessoas. O
Twitter, por exemplo, apresentou 280% de crescimento no número de twitts entre
março de 2010 e fevereiro de 2011, além de superar a marca de 1 bilhão de twitts
30
semanais em 201112. Redes sociais como o Facebook e o Orkut também demonstram
crescimento, sobretudo no Brasil. Tal crescimento se dá tanto em número de usuários
quanto em tempo de uso/permanência desses sites.
A primeira grande menção ao ciberespaço foi através de William Gibson,
famoso na literatura “Ciberpunk”, que no livro “Neuromancer” (1984) constrói uma
aventura que se passa em um espaço virtual (GUIMARÃES JR., 1999). Pierre Lévy,
um dos pioneiros nos estudos sobre as transformações sociais e culturais a partir das
evoluções técnicas e informacionais, interpretou o ciberespaço como sendo um “novo
espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transação, mas também
novo mercado da informação e do conhecimento” (LÉVY, 1999, p. 32).
A partir de contribuições de diferentes autores, Guimarães Jr (1999) define o
ciberespaço como um “locus virtual criado pela conjunção das diferentes tecnologias
de telecomunicação e telemática, em especial, mas não exclusivamente, as mediadas
por computador.” Este locus apresenta uma alta complexidade e heterogeneidade,
uma vez que é grande a variabilidade de ambientes de sociabilidade e plataformas de
interação, no interior das quais se estabelece uma infinidade de relações, que podem
ser de ordem acadêmica, profissional, pessoal etc.
De acordo com Lévy (1999), desde os anos 1980, a informática perdeu seu
status de técnica e setor industrial particular para começar a fundir-se com as
telecomunicações, a editoração, o cinema e a televisão. Surgiram os hipertextos e a
preocupação com as interfaces gráficas. O número de computadores conectados à
internet cresceu e cresce a cada dia. Como o autor defende, "uma corrente cultural
espontânea e imprevisível impôs um novo curso ao desenvolvimento técnico-
econômico" (p. 32). Em 1999, Lévy já apontava o ciberespaço como uma rede, cujo
ambiente proporcionaria o estabelecimento de arenas e espaços de sociabilidade
(CORREA, 2010). Essas arenas poderiam ser o que hoje chamamos de redes sociais
ou comunidades virtuais.
12 Twitter statistics. Kiss Metrics Blog. Disponível em <http://blog.kissmetrics.com/twitter-statistics/>. Acesso em dezembro de 2011.
31
Sobre a difusão das transformações informacionais no contexto brasileiro, o
Comitê Gestor da Internet no Brasil13 (CGI.br) realiza uma pesquisa anual sobre a
utilização das TICs no país. É um mapeamento por amostra de domicílios que traz
diversas informações sobre as tecnologias de comunicação e a internet no Brasil. Os
dados do ano de 2009 demonstraram o maior aumento na posse de computador e no
acesso à internet desde 2005, em todas as regiões do país. Embora os números ainda
sejam modestos comparados aos de países desenvolvidos (36% dos brasileiros
possuem computador em casa e 27% têm acesso à internet), os números vêm
crescendo a cada ano. Esses dados podem representar uma popularização do acesso à
internet, que pode estar cada vez menos restrita às altas camadas sociais (CGI, 2010).
Dados do IBOPE/NetRatings14 apontam que em fevereiro de 2012 o número de
internautas ativos em residências e no trabalho foi de 48,6 milhões, um aumento de
32% com relação a fevereiro de 2010. Esses dados estão se modificando
13 O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) foi criado pela Portaria Interministerial nº 147, de 31 de maio de 1995 e alterada pelo Decreto Presidencial nº 4.829, de 3 de setembro de 2003, para coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços Internet no país, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados. É composto por membros do governo, do setor empresarial, do terceiro setor e da comunidade acadêmica. Fonte CGI.br - Quem Somos. Disponível em: <http://www.cgi.br/sobre-cg/definicao.htm>. Acesso em: junho de 2012.
14 CETIC.br - Painel IBOPE/NetRatings. Disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/ibope/w-tab02-01-2011.htm >. Acesso em: dezembro de 2011.
Gráfico 2: Posse de computador e acesso à internet. Percentual sobre o total de domicílios.
Fonte: CGI, 2010, p. 123.
32
constantemente, tendendo a um crescimento ainda maior. Políticas públicas, como a
ampliação do crédito e a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)
de computadores e notebooks, têm sido criadas no sentido de viabilizar o acesso aos
meios digitais (o que inclui a posse de um computador e o acesso à internet) a
pessoas de baixa renda, buscando uma maior inclusão digital. A sociedade da
informação, portanto, embora amparada nas tecnologias informacionais, é
constituída também pelos que, por questões socioeconômicas, estão sem acesso às
tecnologias digitais. Esses também constituem a sociedade da informação porque são
parte do mundo e, participando deste, também relacionam-se com as transformações
sociais em curso.
O conjunto de dados apresentados mostra que, apesar de um longo caminho
até uma ampla inclusão digital, o ciberespaço tem se destacado como uma importante
esfera da realidade social, na qual diversos fenômenos e processos sociais são
produzidos (e reproduzidos).
O ciberespaço e as novas formas de interação e comunicação têm sido
interpretado de diversas formas por diferentes autores. Sobre a dificuldade de
definição do ciberespaço, Lewgoy (2009) diz que
A emergência da internet, desde que novas formas de sociabilidade e novos nexos entre o off e online são ali registrados, suscitou um movimento de interpretação que inicialmente tentou captar os traços do fenômeno a partir de antecedentes conhecidos numa narrativa evolucionista tecno-utópica, na qual o passado é uma tentativa imperfeita de constituição e liberação de potenciais apenas atualizados no presente (p. 193).
O estudo do virtual trouxe consigo a necessidade de novos termos para
caracterizá-lo. Em contrapartida, os novos termos são, muitas vezes, utilizados em
uma perspectiva evolucionista e de contraposição ao real.
A chave analítica da virtualização (Lévy, 1999), se afastada a pesada carga de evolucionismo a ela associada, permite visualizar-se a passagem para um outro momento no qual a internet e o ciberespaço
33
passam a ser produtores de metáforas e conceitos que dimensionam as convenções culturais, os dispositivos de classificação do real off e online, quando, por exemplo passamos a falar em “ensino presencial” em oposição ao ensino à distancia, em “deletar” pessoas de nossa lista de amizades ou em fazer etnografias “offline” (LEWGOY, 2009, p. 193).
Por tratar-se de uma questão contemporânea, o contexto virtual ainda sofre
com o status de “não-real”. Os ambientes virtuais ainda recebem um estereótipo de
superficialidade, porém, como apontam Carvalho e Carvalho (2005), os blogs podem
ser "aliados na trajetória da escrita da memória da sociedade" (p. 63). Isso porque se
constituem como uma nova forma de registro de informação da memória
contemporânea. Aos poucos a tensão entre o online e o offline vai se desconstruindo,
considerando-se o virtual como uma dimensão da realidade (DORNELES, 2008).
Levy (1999) se coloca contra a oposição entre virtual e real. Para ele, o virtual é
real, ainda que não se possa fixá-lo em nenhuma coordenada espacial ou temporal.
Esse "existir sem estar presente", sem tempo ou lugar particular, é o que o autor
chama de desterritorialização.
Permeando o cotidiano, a internet propicia que criemos e recriemos fatos e
processos constantemente. Na maioria das vezes associadas à lógica de mercado, as
empresas precisam entender o que está acontecendo nesse contexto e,
principalmente, quais são as potencialidades do ambiente virtual para as suas
atividades, para a captação de clientes, aumento das vendas, engajamento dos
consumidores com a marca, etc. O mercado “solicita” essas informações de diversos
agentes (setor de marketing, empresas de pesquisa, agências de publicidade...). Por
outro lado, no âmbito acadêmico, embora com diferentes fins, também há interesse
em conhecer e teorizar a internet e as práticas dos ambientes virtuais. Considero,
portanto, conforme defende Minayo (1994), que o surgimento do interesse de
pesquisa por um objeto está profundamente ligado à vida prática. Contudo, como
interesse de pesquisa, o ambiente virtual traz também questionamentos sobre as
práticas de pesquisa científica.
Jones (1999 apud Fragoso et al., 2011) aponta diferentes fases dos estudos
científicos sobre internet na história recente, da “pesquisa profética” às preocupações
34
contemporâneas sobre a metodologia. A primeira geração de estudos surgiu logo que
a internet passou a se constituir como uma importante dimensão da vida social. As
pesquisas centravam-se nos rumos desse desenvolvimento, no que a internet se
tornaria. Apesar de importantes, essas pesquisas se detinham no que a internet seria
e pouco se dedicavam a descrever e analisar o que ela era, essencialmente, no
momento.
Com a progressiva popularização da internet nos Estados Unidos na segunda
metade dos anos 1990, os estudos passaram a abordar a internet no cotidiano, porém
ainda com uma visão do ciberespaço como autônomo e deslocado da realidade. Na
primeira década do século XXI, os objetos dos estudos passaram a ser mais
recortados, com populações específicas, buscando uma compreensão dos processos
dentro de suas próprias dinâmicas. Wellman (2004 apud Fragoso et al., 2011)
também analisa a trajetória dos estudos sobre internet e identifica, num primeiro
momento, autores utópicos e distópicos, seguidos do uso de dados provenientes de
espaços virtuais para análises sobre usos e práticas sociais. Para este autor, o
momento atual seria de foco nas abordagens teórico-metodológicas, buscando uma
melhor compreensão dessa realidade.
Quadro 3: Tendências dos estudos sobre internet
Primeira geração
Início dos anos 1990
Rumos do desenvolvimento informacional e possibilidades da internet; dicotomia entre utópicos e distópicos
Segunda geração
Segunda metade dos anos 1990
Internet como parte do cotidiano; estudos dos usos da internet; comparações entre internet e outras mídias
Terceira geração
Primeira década do século XXI
Usos e apropriações da internet com recortes mais profundos
Momento atual Abordagens teórico-metodológicas
Fonte: elaboração própria com base em Fragoso et al (2011).
Em ambas as versões sobre a evolução da pesquisa em cibercultura, nota-se
que as questões mostram-se inicialmente vagas e confusas, fazendo com que os
cientistas busquem progressivamente novas formas de compreender e se apropriar
mais claramente de seu objeto. Na realização dos recortes e na análise empírica,
começaram a surgir as preocupações metodológicas com a pesquisa na internet.
35
Portanto, conforme Postill (2010 apud Fragoso et al., 2011) observa, um ponto
importante das pesquisas atuais tem sido as abordagens teórico-metodológicas para
abordagem do problema.
4.2 O TRABALHO DE CAMPO EM AMBIENTES VIRTUAIS
A geografia, a arquitetura e os fluxos de informação do ciberespaço não
coincidem com o território físico. Apesar de estarmos longe de uma definição sobre a
abordagem de questões sociais no ambiente virtual, pesquisadores têm construído
suas abordagens diante do confronto com um campo diverso que apresenta questões
que exigem reformulações das práticas usuais.. Na rede emergem práticas sociais que
reproduzem formas de agir tradicionais, mas também criam novos modos de fazer
(GUTIERREZ, 2009). Portanto,
No caso da pesquisa em culturas tão novas, como as que estão se estabelecendo no ciberespaço, existe a necessidade de se ampliar o alcance das metodologias criadas e desenvolvidas na pesquisa de fenômenos anteriores a existência de uma dimensão cultural on-line. Por consequência, as metodologias podem se hibridizar, acolher métodos e técnicas umas das outras e receber influências de teorias diversas. (GUTIERREZ, 2009, p. 4)
A autora refere que as mudanças nas formas de se fazer pesquisa estão mais
associadas às novas culturas e não aos espaços novos, como defendo. Contudo,
considero sua contribuição importante, uma vez que os modos específicos de relações
de subculturas no ciberespaço também podem trazer desafios ao pesquisador.
A metodologia qualitativa foi muitas vezes questionada sobre sua validade
como argumento científico, uma vez que a influência pessoal do pesquisador tende a
estar mais presente na análise. Entretanto, especialmente para a sociologia do
conhecimento, quando estamos analisando um objeto, não deixamos de interpretá-lo
com o nosso repertório cultural. Conforme Chalmers (1993) coloca:
36
O que os observadores vêem , as experiências subjetivas que eles vivenciam ao verem um objeto ou cena, não é determinado apenas pelas imagens sobre suas retinas, mas depende também da experiência, expectativas e estado geral interior do observador (p. 51).
Isso significa que mesmo a busca de uma visão objetiva não impede uma
interpretação subjetiva. A objetividade, que é o mais próximo que chegamos da
“neutralidade”, provém de critérios metodológicos definidos pelo pesquisador,
contudo, os procedimentos de produção e análise de dados também recebem
influências subjetivas da experiência do autor.
Gutierrez (2009) comenta iniciativas de pesquisadores na criação de métodos
para pesquisa no ciberespaço. A autora conta a experiência de Montardo e Passerino
(2006 apud Gutierrez, 2009), que utilizaram a netnografia em suas pesquisas. Elas
(…) chamam a atenção para a facilidade da coleta e para a diversidade dos tipos de dados: texto, áudio, vídeo, que podem ser coletados. Todavia alertam para as questões éticas que surgem quando o pesquisador se aproxima da comunidade pesquisada, principalmente em relação ao uso da informação e a identificação dos sujeitos pesquisados.
Além disso, Efimova (2005)15 e Amaral (2008)16 (apud Gutierrez, 2009)
discutem as implicações éticas da presença do pesquisador como membro da
comunidade estudada. As mesmas autoras citadas por Gutierrez propõem que o blog,
além de artefato cultural a ser investigado possa ser utilizado também como
ferramenta etnográfica, sendo empregado como diário de campo.
Outra novidade metodológica é proposta por Braga (2009), que afirmou ter
lido os comentários do livro de visitas do blog que de interesse empírico até o número
3000, operando como o que a autora chama de observação não-participante digital.
15 EFIMOVA, Lilia. Notes on my PhD methodology: introduction. In: Mathemagenic. Ensched (NL), 2005.
16 AMARAL, Adriana. Autoetnografia e inserção online. O papel do “pesquisadorinsider” nas práticas comunicacionais das subculturas da Web. XVII COMPÓS. São Paulo: Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2008.
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Gutierrez (2009), por sua vez, alia a abordagem netnográfica a uma
perspectiva dialética, como uma forma de estar presente no ambiente virtual com um
olhar crítico no movimento que é fundante da própria rede.
Amaral (2010) defende que as diferenças entre online e offline devem ser
mantidas nas descrições das práticas de pesquisa. “Por exemplo, a diferença entre
uma entrevista feita presencialmente e outra feita via MSN ou Skype deve ser incluída
na narrativa. O refinamento das análises sofrerá influências que podem ser
significativas" (p. 126).
Além das questões mencionadas, o cientista social que realiza o seu trabalho de
campo no espaço virtual depara-se com a controvérsia da mediação. Lewgoy (2009)
utiliza o conceito de aura de Walter Benjamin para tratar sobre a questão:
Nesse sentido o trabalho dos antropólogos em buscar compreender culturas alheias por uma metodologia que envolve co-presença fenomenológica (trabalho de campo) é uma espécie de profissão de fé no poder epistemológico do contato intersubjetivo primário (entendido como aquele que mobiliza o maior número de sentidos e o menor número de mediações na comunicação com o outro, oposto, portanto à comunicação mediada por computador). Diante da massiva evidência do virtual, o trabalho de campo presencial torna-se portador de uma espécie de aura metafórica que evidencia e traduz distâncias existenciais, diferenças e choques culturais e assim como irrepetíveis imersões iniciáticas, seguidas da aquisição de uma sabedoria para-esotérica que chamarei de “prática etnográfica tradicional”. (LEWGOY, 2009, p. 189).
Embora a etnografia virtual tenha ganhado muitos adeptos, ainda há
resistência de alguns pesquisadores na aceitação do computador como ferramenta
para incursão/inserção no campo, uma vez que o contato presencial é visto por esses
como elemento essencial. A essencialidade seria principalmente com relação à
qualidade da interpretação, posto que presencialmente utiliza-se uma maior
quantidade de sentidos ao mesmo tempo. É sabido que o trabalho de campo mediado
apresentará limitações, porém, como qualquer método, apresentará também
diferentes vantagens.
38
May (2004), referindo-se mais especificamente à internet como instrumento
de pesquisa, observa que as inovações tecnológicas possibilitam oportunidades para
novas formas de entrevistas: por exemplo, as videoconferências e as entrevistas em
tempo real através da internet. Segundo o autor, essas técnicas apresentam vantagens
quanto ao tempo, custos e transcrição, contudo, como desvantagem há a necessidade
de um conhecimento especializado para o acesso e uso dessas ferramentas. O autor
frisa: “aqui, como sempre, um pesquisador tem que ser cauteloso ao abraçar
entusiasticamente as técnicas mais recentes sem uma conceitualização adequada das
questões que cercam e informam essas práticas” (p. 167).
Outra questão pertinente sobre a pesquisa no ciberespaço refere-se à
publicização dos dados primários. Recentemente em discussão, os conjuntos de
informações quantitativas ou qualitativas coletadas pelo Facebook, Google e
Microsoft, por exemplo, a partir das práticas de seus usuários online são chamados de
“big data”, um verdadeiro tesouro de dados para cientistas sociais. Cabe ressaltar que,
as redes sociais, como espaços de interação social, são também "propriedades" de
empresas (seguindo a lógica capitalista) e, portanto, não são livres e completamente
acessíveis para um cientista acadêmico comum.
De acordo com Markoff (2012), a questão tomou grandes proporções quando,
em uma conferência científica em Lyon (França), três cientistas da Google e da
Universidade de Cambridge se recusaram a liberar os dados utilizados para a
composição de um artigo sobre a popularidade dos vídeos do You Tube em diferentes
países. O presidente do painel de conferências, Bernardo Huberman, disse que no
futuro a conferência não aceitará trabalhos que não mostram os dados ao público.
Huberman, em fevereiro de 2012, publicou uma carta na revista Nature declarando
que os dados privados das empresas podem ameaçar a pesquisa científica sobre a
internet. Isso porque o controle corporativo de dados poderia dar acesso preferencial
a um grupo de elite de cientistas nas maiores corporações.
Se esta tendência continuar, vamos ver um pequeno grupo de cientistas com o acesso a repositórios de dados privados desfrutar de uma quantidade injusta de atenção na comunidade, em detrimento de pesquisadores igualmente talentosos cuja única falha é a falta de
39
direito de acesso a dados privados. (Huberman apud Markoff, 2012. traduzido por mim)
O economista-chefe da Google, no entanto, declarou que a empresa tem a ideia
de abrir os dados, porém esbarram nas questões de privacidade. O artigo de Markoff
relata também que, embora cientistas sociais estejam de acordo sobre a replicação
dos dados, não há consenso sobre a privacidade. Segundo ele, as principais revistas
de ciências sociais não costumam fornecer orientações sobre o compartilhamento de
dados.
Essa questão tem relação com o que Bachelard (1996) defendeu sobre a
construção do conhecimento científico. Para ele, a pesquisa científica tem o objetivo
de cercar e retificar os erros. Porém, como contrapor a interpretação de outro autor
se os dados primários estiverem inacessíveis, como no caso supracitado? Para
Bachelard, a ciência é uma luta contínua contra o erro e as imagens enganosas,
progredindo ao se opor com as ideias em vigência. Como diz Demo (2002), para
Bachelard, a noção de qualidade do conhecimento depende da qualidade
metodológica.
40
5 A EMERGÊNCIA DE NOVIDADES METODOLÓGICAS EM ESTUDOS NO CAMPO VIRTUAL
Este capítulo apresentará a análise dos sete estudos selecionados (dissertações
e teses das ciências sociais), cujo trabalho de campo se dá no espaço virtual. Foram
definidas três dimensões para a análise: (1) objeto/proposta do trabalho, (2)
definições metodológicas e (3) trabalho de campo virtual. Tratarei, na primeira seção,
sobre a caracterização do objeto e da proposta de cada estudo, trazendo os principais
objetivos e os temas. Na segunda seção, o foco será o que chamo de definições
metodológicas, cuja perspectiva engloba os conceitos associados ao campo e a
presença do pesquisador. Por último, abordarei o trabalho de campo no ambiente
virtual, trazendo a análise sobre as diferentes formas de se trabalhar no universo de
pesquisa, além dos métodos e as técnicas de investigação.
5.1 OBJETOS E PROPOSTAS DE TRABALHO
A seguir, apresento os objetos e as propostas de pesquisa, bem como o recorte
empírico dos trabalhos analisados. Para fazer um recorte da realidade que seja
empiricamente viável e verificável, os pesquisadores dos ambientes virtuais deparam-
se com o problema da composição de uma amostra ou da escolha do objeto empírico
em um universo de possibilidades. Cada autor faz uma escolha diferente, baseados
em características do local (site/rede social/blog) e/ou em decisões ligadas à vida
prática.
Quando se fala em estudos cujo campo são redes sociais virtuais, os objetos e
as teorias para abordá-los variam principalmente entre aspectos de interação,
identidade, representação e imaginário. Conforme mapeamento da produção
acadêmica em cibercultura (na área de Comunicação) de Amaral e Montardo (2011),
foram identificados 13 eixos temáticos principais e suas respectivas bases teóricas. No
que se refere à Sociologia, as autoras identificaram Crítica da Técnica/do Imaginário
41
Tecnológico, Apropriação tecnológica, Ciberativismo, Inclusão Digital, Sociabilidade
Online e Entretenimento Digital como as principais categorias de estudo.
Nos estudos que foram objeto de análise deste trabalho os temas são bastante
distintos (até mesmo em virtude das diferentes áreas do conhecimento), contudo,
apresentam influências teóricas em comum. Fazendo um levantamento sobre os
autores mais presentes nos trabalhos analisados, o resultado é o seguinte:
Tabela 1: Frequência de referências e fontes dos autores mais citados pela amosta
Autor Referências Fontes
Manuel CASTELLS 12 6
Pierre LEVY 12 6
Anthony GIDDENS 15 4
Willian GIBSON 6 4
André LEMOS 6 4
Erving GOFFMAN 4 4
Zygmunt BAUMAN 6 3
Judith BUTLER 6 3
Mário GUIMARÃES JR 6 3
James CLIFFORD 5 3
Gilles LIPOVETSKY 5 3
Michel MAFFESOLI 5 3
Fonte: elaboração própria com base nas referências dos estudos da amostra
Entre os 12 autores mais citados, é interessante observar que há dois
pesquisadores brasileiros (Lemos da Comunicação e Guimarães Jr. da Antropologia),
o que considero como uma valorização da produção local sobre o tema. Nota-se
também que mesmo os dois autores mais frequentes (Castells e Levy) não são
unanimidade na amostra, podendo demonstrar que nem os autores mais
estabelecidos são consenso na comunidade científica.
42
Fragoso et al (2011) consideram a internet como um universo de investigação
cujo recorte empírico é particularmente difícil de se realizar. A dificuldade se daria
em função da escala, heterogeneidade e dinamismo. Para os autores dos estudos
analisados, porém, a formação de uma amostra no ciberespaço não demonstrou ser
um problema, pois o objeto de interesse do estudo já trazia o recorte empírico
específico ou ainda o interesse em um objeto empírico trazia o interesse em uma
questão teórica.
A proposta da tese de Prudêncio (2006) tem como tema geral a ação política
na internet. Ela considera que a entrada dos atores sociais na rede oferece um
importante campo de investigação para a teoria social. O foco da autora é a ação
política desses atores no ciberespaço, representada pela presença de websites
dedicados à campanhas com interesses diferentes da grande imprensa. Fala sobre a
produção de informação no ciberespaço, cuja forma editorial se assemelha à
tradicional, porém com uma linguagem própria, adequada ao meio virtual. A autora
defende que "a partir desse 'duelo' simbólico, a internet pode ser pensada como
'ciberespaço público', sem, no entanto, atribuir à sua mera existência a promessa de
uma sociedade mais democrática." Pretende apresentar as formas de construção de
ação política na internet, analisando a trajetória de protestos através de websites
específicos. Prudêncio buscou analisar a trajetória de "protestos que ganharam
notoriedade a partir de Seattle até as duas primeiras edições do Fórum Social
Mundial" (p. 5). Para tanto, observou websites dos grupos ATTAC internacional e
Ação Global dos Povos, além dos serviços de informação a eles conectados
(Indymedia, Rebelion, Nodo50 e La Haine). O problema de pesquisa era como os
websites atribuíam significado aos temas em questão.
O objeto de estudo surgiu, portanto, de uma necessidade de investigar a ação coletiva na sua dimensão simbólica, marcada de forma importante pelo relacionamento com a mídia. Esse aspecto simbólico tem sido pouco valorizado nas análises, sendo considerado secundário. Quero afirmar que ele é fundamental na medida em que é por ele que um problema social é percebido como tal, ou seja, que o papel dos movimentos sociais contemporâneos é justamente revelar, ou re-significar, os problemas coletivos: atribuir novos significados a questões já existentes ou apresentar novas. (p. 3).
43
Segata (2007) descreve o seu ambiente de pesquisa como o entrelaçamento de
espaços no Orkut, no MSN e a cidade de Lontras (interior de SC). O autor percebe a
cidade, situada em um ponto local, como parte de uma rede mais ampla, global, que
proporciona relações de interação diversas. Fala sobre um "movimento de ligação e
religação de amizades e antigas relações e, especialmente, um movimento de
ligação e religação ao local, à terra, especialmente possibilitados pela emergente
construção do ciberespaço no cotidiano das pessoas." O autor delineia como
problema de pesquisa as relações entre local e global, articuladas em espaços virtuais
e reais e mediadas por redes sociotécnicas. Ao longo do trabalho problematiza o
potencial interativo do que chama de “redes sociotécnicas", noções de sujeito,
subjetividade, identidade, corporalidade e fragilidade dos laços construídos no
ciberespaço. Como experiência de campo, escolheu comunidades específicas do orkut
- “Lontras”, “LONTRAS”, “Estudei Regente Feijó” e “E.E.B. Regente Feijó”, cujas
constituições estão associadas à cidade de Lontras.
Cavalcante (2008) tem como tema as mudanças na cultura de consumo
contemporânea decorrentes da interação entre os agentes sociais e a internet.
Investiga o impacto da internet na expansão da subcultura otaku17 e como os
membros vêm adaptando tecnologias digitais para seus propósitos de consumo. O
estudo iniciou com uma análise de um evento importante para os sujeitos da
pesquisa, a Super Amostra Nacional de Animes (S.A.N.A.) em 2006, a qual ele
retornou em 2007 para entrevistas e fotografias. O autor diz, contudo, que "o portal
animespirit.net (...) foi tão imprescindível quanto a S.A.N.A para a reflexão aqui
proposta. O referido portal, construído por jovens experts em design e
programação, fãs de animes e mangás, serviu também como “campo” (p. 26). O
pesquisador, então, criou um perfil no portal e disse ter registrado mais de 160
interações com mais de 60 otakus em aproximadamente seis meses.
Batalha (2010) analisa a relação entre movimentos sociais e mídia e a sua
problemática é se e como a internet pode operar como possibilitadora de uma nova
estrutura de comunicação, apropriada pelos ativistas. Tem como recorte o Centro de
17 Termo utilizado para designar apreciadores da cultura pop japonesa, animes e mangás em geral.
44
Mídia Independente (CMI), uma rede de ativista que se organiza através da internet.
O autor teoriza sobre o conceito de cultura hacker e discorre sobre os fundamentos do
grupo, o qual possui orientações específicas quanto ao acesso, abertura e
compartilhamento coletivo do conhecimento e informação (baseados no movimento
do software livre).
Já Silva (2008), cujo objetivo central é discorrer a respeito de como os corpos e
sexualidades são construídos no contexto on-line, demonstrou grande preocupação
com a constituição do recorte empírico, registrando e detalhando os métodos
utilizados. A autora, descreve a constituição do recorte desde a primeira busca pela
sigla “GLS” (que resultou em mais de 11 milhões de resultados) até a escolha final de
cinco comunidades do Orkut. Ao escolher o Orkut como local para a investigação
empírica, Silva fez um levantamento das comunidades agrupadas na categoria “Gays,
Lésbicas e Bi”. O resultado foram centenas de comunidades para as quais ela
construiu tipologias para organização dos temas.
Ao selecionar as comunidades, busquei aquelas com maior quantidade de membros, as que apresentavam descrições mais detalhadas ou um fórum de discussões bem movimentado. Além disso, achei mais interessante centralizar a pesquisa em comunidades compostas somente por (ou prioritariamente por) homens, visto que eles representam a maior porcentagem de membros nas comunidades listadas como “Gays, Lésbicas e Bi”. Soma-se a isto o desafio de tentar, além de observar, participar - sendo mulher - de comunidades de homens. (p. 15).
A autora afirma que selecionou cinco comunidades, porém diz que a maior
parte da observação e dos contatos se restringiu a uma delas (“Eper”). No trabalho
trata também sobre as identidades on-line e as maneiras como se dá a virtualização
dos corpos e objetos, além de estudar as “relações interpessoais estabelecidas em
uma comunidade on-line (ou virtual) de um programa de relacionamentos (Orkut)
composta por homens que se relacionam afetiva e sexualmente com outros homens”.
No caso de Amarante (2005), a amostra é constituída com vistas à viabilidade
de encontros presenciais. A autora aborda blogs e blogueiros, estabelecendo,
45
primeiramente um perfil dos mesmos, para a seguir analisar a privacidade, e a
tecnocracia, tendo por objetivo “investigar até que ponto seus interesses [dos
blogueiros] ficavam restritos ao ciberespaço e desligados do mundo presencial”. Seu
problema de pesquisa é compreender a sociabilidade no ciberespaço a partir de
conceitos como transformação da intimidade e democratização radical da esfera
pessoal de Anthony Giddens. Para formar a amostra, buscou blogueiros próximos de
sua cidade, pois imaginou que precisaria realizar também entrevistas presenciais.
A proposta era ainda entrevistar preferencialmente blogueiros de determinada idade, entre 25 e 35 anos, cujos blogs revelassem aspectos de sua vida privada, ou seja, que eles os utilizassem como diários e que fossem atualizados pelo menos semanalmente. No entanto, à medida que procurávamos os blogs, utilizando para isto os sítios www.google.com.br, www.blogs.com.br, www.catarinas.blogspot.com e www.kartoo.com tivemos que mudar de estratégia. O sítio mais utilizado passou a ser o www.blogs.com.br, já que este permitia que se fizesse a pesquisa por estado e cidade (embora o www.catarinas.blogspot.com também possibilitasse a pesquisa por cidades, ficamos mais circunscrita ao www.blogs.com.br, pela quantidade de blogs hospedados nele). Este sítio nos informava que em Balneário Camboriú existiam 51 blogs cadastrados; em Florianópolis eram 415 e em Blumenau 92. Em virtude da quantidade de blogs cadastrados, era preciso visitá-los, ler um pouco de seu conteúdo e conseguir formas de estabelecer contato, descobrir os e-mails dos autores. Muitos não deixam seus e-mails disponíveis, ou então estes estão quase que disfarçados, isto é, é preciso fazer um pequeno garimpo para encontrá-los. Alguns não disponibilizavam e-mails, mas tinham sistema de comentários após cada post; então, era por este meio que estabelecíamos contato. (p. 63).
Como veremos adiante, a autora julgou não serem necessários dados
complementares de encontros presenciais. Por fim, ela enviou por e-mail 60
questionários e obteve 27 respondentes, com os quais também entrou em contato
através de chats.
Batista (2010) tem por objetivo estudar as novas configurações que o corpo
humano assume no ciberespaço e compreender como os jogadores vêm projetando
seus corpos e traços identitários através de avatares. O local do trabalho de campo é o
46
jogo Second Life18, o qual a autora também aborda como uma rede social19. Ela
realizou uma etnografia com observação participante junto a 16 indivíduos. A autora
refere que, ao mesmo tempo que traz fluidez nos contatos, a pesquisa no ciberespaço
tem um problema: "os informantes podem estar em qualquer lugar, de forma que a
única saída é perambular sem saber ao certo onde e quando vamos encontrá-los" (p.
28). Portanto, a autora decidiu que
Para acessar os informantes utilizei minha rede de contatos dentro do próprio jogo, construída desde 2007, esperando que os primeiros entrevistados pudessem indicar outros usuários, ou seja, por acessibilidade (snowball). E foi o que ocorreu em alguns casos. Em outros, fui realizando as entrevistas no decorrer do próprio jogo, na medida em que ia encontrando as pessoas. (p. 31).
Nota-se que os estudos possuem diferentes objetos e locais, portanto, não são
comparáveis entre si. A análise tem como foco a emergência de novidades
metodológicas relacionadas ao campo virtual.
5.2 AS DEFINIÇÕES METODOLÓGICAS
A definição de preocupação metodológica está associada à ideia de cuidado
metodológico de Demo (2002), que reconhece que os métodos de pesquisa são
instrumentos incompletos de captação da realidade. Considerar esse fato não
significa abandonar as técnicas, mas sim discutir e explicitar as controvérsias que
surgem na construção das estratégias metodológicas.
As conceitualizações, que aparecem como uma subseção deste item, fazem
menção à construção de novos conceitos concernentes à pesquisa no campo virtual.
Já a presença do pesquisador pode se referir tanto ao sentido de “estar lá” quanto ao
18 Second Life é um ambiente virtual que simula circunstâncias e características da vida social. Foi criado em 1999 e é mantido pela empresa Linden Lab. Para participar é preciso registrar-se. Disponível em: http://secondlife.com
19 “Elegi o SL como objeto empírico deste trabalho por abrigar uma particularidade: trata-se de um jogo diferente, sem objetivos pré-definidos nem missões, e isso tem levado alguns autores, como Pimenta e Varges (2007), a não considerá-lo um jogo, e sim uma rede social.” (p.18)
47
sentido ideológico. As controvérsias do campo virtual, por sua vez, referem-se a
menções sobre o virtual como campo de pesquisa, no qual o pesquisador encontra
características diferentes dos ambientes não mediados.
5.2.1 Conceitualizações
Ao conceituar termos em um local de pesquisa ainda em recente exploração
como os ambientes virtuais, o pesquisador tem ao menos duas possibilidades: (a)
considerar a necessidade de criar novos conceitos, capazes de captar processos e
relações sociais que ocorreriam de forma diferenciada nestes espaços (b) ponderar
que o fato de ser um novo espaço empírico não apresenta a existência de novos
problemas teóricos que demandem a criação de novos conceitos.
Batalha (2010) utiliza o conceito de cultura hacker e esforça-se para que o
mesmo não apresente um sentido diferente do que ele busca tratar:
O conceito de cultura hacker que me refiro, e defendo nessa dissertação, é contrária ao senso comum que vincula o hacker à prática criminosa da quebra de segurança dos sistemas informáticos, invasão e disseminação de códigos maliciosos. […] O conceito hacker também enquadra os simples aficionados por computadores, usuários e simpatizantes do movimento do software livre, que apenas fazem o uso dos programas e produtos originários da cultura e prática hacker.
Segata (2007) e Silva (2008) elegeram o Orkut como campo e demonstraram
preocupação em defini-lo. Segundo os autores, sendo o Orkut em si uma novidade, a
definição depende de como o mesmo se apresenta e de como é experimentado pelos
usuários. Segata (2007) define-o das duas maneiras:
O Orkut, no ciberespaço, se auto-define como uma “comunidade on-line que conecta pessoas através de uma rede de amigos confiáveis”. Nele é possível a criação de uma espécie de “página pessoal”, constituída por perfis (social, pessoal e profissional), onde cada participante preenche uma série de questionários sobre as suas características e preferências (acadêmicas, profissionais, artísticas,
48
esportivas, religiosas, culinárias, afetivas) e a resposta de uma pergunta mais ampla, quem eu sou, entre outras. (p. 19-20)
O autor detalha o campo com precisão, explicando as seções, propriedades e
termos próprios da rede social a partir de suas próprias experiências.
Silva (2008) também detalha o Orkut através de suas experiências e coloca-se
como usuária conhecedora do ambiente. Além disso, a autora traz também falas dos
sujeitos da pesquisa para caracterizar o Orkut. Interessante observar que ela escolhe
o termo programa (e não rede social) para denominá-lo:
O Orkut é um programa criado há cerca de quatro anos e que se tornou uma verdadeira mania entre os internautas brasileiros. (...) Sua proposta é simples: através de um cadastro e posterior abertura de uma conta de usuário, o internauta pode montar um perfil (profile), encontrar velhos amigos ou fazer novos e criar ou participar dos mais diversos tipos de comunidades. Por fazer parte do Orkut desde seus primeiros momentos, pude acompanhar as modificações realizadas e também o “boom” de usuários ocorrido em 2005. (p. 07).
Por outro lado, Amarante (2005) traz conceitos de autores das Ciências Sociais
que não referem-se diretamente a blogs, porém "seus conceitos nos ajudaram a
analisar o fenômeno, na medida em que se referem às características da sociedade
contemporânea" (p. 18). O principal autor que norteia suas considerações é Anthony
Giddens, que também examina as transformações pelas quais passa a intimidade na
modernidade. A autora traz também a ideia de modernidade líquida de Bauman e a
natureza da interação em Goffman. Ela compreende que as conceitualizações já
existentes nas Ciências Sociais podem dar conta do seu fenômeno de interesse.
A conceitualização que se refere à explicação sobre a internet e o virtual
apresenta as diferentes interpretações dos autores.
Amarante (2005) procura entender o virtual com relação ao ciberespaço:
49
Procurar-se-á entender o virtual ligando-o com todas as formas de comunicação que sejam mediadas por computador; portanto, circunscreveremos o virtual ao ciberespaço. Compreendemos o virtual a partir da perspectiva de Castells (2000), pois não se pode delinear precisamente qual realidade não está inserida no virtual. No entanto, na prática, os indivíduos distinguem a comunicação virtual da presencial, esta abrangendo efetivamente a presença física dos indivíduos. Desta forma, para os fins do presente trabalho, esta oposição será mantida. (p. 43)
É interessante notar que pelo fato do virtual não ser claramente definido (ou
definível), a autora opta pelo termo que é utilizado na prática. A autora remonta um
pouco do histórico dos blogs e da internet, respectivamente:
Quando pensamos em pesquisar os blogs, nos deparamos com a questão de o tema ser algo novo, ou mesmo novíssimo em termos de tempo histórico, já que seu formato datava de 1998, ano em que existia apenas meia dúzia de sites que podiam ser descritos como weblogs. Para poder situar nosso objeto propriamente disto, convém antes fazer um pequeno histórico do meio onde ele acontece: a Internet. (p. 15).
A teorização dos autores sobre a internet e o ciberespaço tem admitido a falta
de precisão conceitual. Sendo assim, Segata (2007) vai construindo as suas próprias
visões:
Ao longo da dissertação, os termos “internet” e “ciberespaço” aparecem muitas vezes quase que de maneira sinonímica. Tal fato se dá por uma falta de precisão conceitual desses e de outros termos, como “comunidades virtuais”, presentes na maior parte da literatura especializada. Acredito que uma precisão conceitual é medida urgente para a consolidação do campo da Antropologia do Ciberespaço que vem se construindo e é parte do que proponho como projeto de continuação de pesquisas neste campo, no doutorado. (p. 13).
Bourdieu et al (1999) defendem a expressão do processo pelos quais os
conceitos foram estabelecidos, a fim de prestar assistência a outros pesquisadores
envolvidos no tema, pois do contrário acabam "relegando o desenrolar da intriga para
50
os bastidores e colocando em cena somente os desfechos" (p. 18). De maneira geral,
os autores da amostra reconheceram e explicitaram a construção de novos termos
para abordagem do objeto no ciberespaço, podendo vir a servir de base para outros
pesquisadores no futuro.
5.2.2 Presença do pesquisador
O objetivo desta seção é apresentar as visões dos autores sobre a presença do
pesquisador no campo virtual, observando a ocorrência de novidades metodológicas.
Tanto no trabalho de campo, quanto na análise do objeto, quanto no texto final, o
pesquisador é interveniente. Porém, há diferentes formas de pensar essa presença.
Batalha (2010) diz que para a internet, sendo uma rede distribuída e difusa,
era preciso “estar lá” para uma melhor compreendê-la:
É impossível dar conta da sua complexidade apenas lendo os manuais e os livros que contam sua história, ou acompanhando as últimas notícias e campanhas ativistas ou publicitárias na rede mundial de computadores. Foi preciso navegar na rede, sempre em constante expansão, ir fundo para alcançar e entender os fluxos e os contatos que tornam o CMI um exemplo de uso político por ativistas dentro e fora da Internet. (p. 4).
Silva (2008) problematiza a fundo a questão do “estar lá” e descreve seu
trabalho de campo, que envolveu a participação em uma comunidade do Orkut. Toma
a decisão, enfim, pela postura a adotar como pesquisadora-participante:
Durante a pesquisa de campo, com a autorização para participar da Eper, minha postura foi de interferir o mínimo possível nas discussões, mas optei, como prova do meu compromisso com eles, escrever algumas vezes no fórum. (…) Cabe aqui pensar a respeito dos limites de envolvimento que o pesquisador deve estabelecer em campo: a meu ver, eles são maleáveis e só o acúmulo de experiências pode dizer até onde a participação deve sobrepujar a observação. E quanto aos sentimentos, acredito ser impossível mantê-los afastados da pesquisa e do fazer etnográfico. Afinidades se constroem, preferências também, posicionamentos são tomados todo o tempo.
51
Naquela comunidade, eu era um perfil e o único modo de me fazer presente efetivamente, de marcar um território simbólico foi dialogando com eles, seja na própria comunidade, através de recados (scraps), por depoimentos (testimonials), por e-mail ou pelo messenger. (p. 18).
Mesmo que não demonstre a influência do campo virtual, a ideia de Batalha
(2010) sobre a questão é importante por considerar a observação como uma
intervenção no campo:
Essa relação entre o pesquisador e o objeto pressupõe a superação do limite e do controle dessa relação, reconhecendo que a observação é também uma intervenção no campo, modificando a relação estabelecida por ora entre o pesquisador e os informantes. (p. 11).
O autor também considera que, com as especificidades do campo, "não só a
metodologia precisou ser revisada, mas também uma reflexão crítica do papel do
pesquisador em campo, do pesquisador em relação (de poder) com o seu objeto."
além disso, com base em Melucci20, diz que na pesquisa social é improvável o
conhecimento que não envolva relação entre os pesquisadores e o objeto, seja porque
o foco da observação esteja nas práticas desses sujeitos ou porque esses são
detentores de informações importantes para a pesquisa. Corrobora, enfim, com a
ideia de Melucci de que toda observação (seja presencial ou virtual) é sempre uma
intervenção .
5.3 O TRABALHO DE CAMPO VIRTUAL
Esta seção visa apresentar os métodos e instrumentos utilizados pelos
pesquisadores na abordagem empírica do campo virtual, complementando com as
principais novidades metodológicas das técnicas. Os métodos e técnicas apresentados
a seguir referem-se às escolhas específicas dos pesquisadores dos estudos da amostra.
20 MELUCCI, Alberto. Por uma sociologia reflexiva – Pesquisa qualitativa e cultura. São Paulo: Vozes, 2005.
52
5.3.1 Métodos e técnicas
Todos os estudos analisados optaram por realizar pesquisa qualitativa como
forma de obtenção dos dados e dois deles o fizeram de forma combinada com
pesquisa quantitativa. Mais da metade dos pesquisadores da amostra utilizou a
etnografia virtual como método de abordagem empírica. Os outros métodos
utilizados foram entrevistas por comunicadores instantâneos, e-mail e contatos
através de redes sociais. O quadro a seguir detalha as opções metodológicas adotadas
pelos autores.
Quadro 4: Características metodológicas gerais dos estudos
Autor Universo do trabalho de campo Métodos de pesquisa Trabalho de campo
Amarante, 2005
Blogs Qualitativa e Quantitativa
Virtual
Prudêncio, 2006
Websites dos grupos ATTAC internacional e Ação Global dos Povos e os serviços de informação a eles conectados (Indymedia, Rebelion, Nodo50 e La Haine)
Qualitativa Virtual
Segata, 2007 Comunidades do Orkut associadas à cidade de Lontras-SC
Qualitativa Virtual e presencial
Cavalcante, 2008 Portal animespirit.net e S.A.N.A. Qualitativa e
Quantitativa Virtual e presencial
Silva, 2008 Orkut - Comunidades selecionadas Qualitativa Virtual e presencial
Batalha, 2010 Site e listas de discussão - CMI Qualitativa Virtual
Batista, 2010 Second Life Qualitativa Virtual e presencial
A partir da análise do corpo empírico foi possível observar que alguns autores
já avançaram no desenvolvimento de abordagens metodológicas do ciberespaço. Uma
das metodologias mais difundida seria uma reformulação da etnografia com vistas às
propriedades do ciberespaço, chamada de etnografia virtual21 ou netnografia22
(embora atualmente se utilize mais o primeiro termo).
21 Sobre etnografia virtual, a referência mais comum (tendo como base as minhas leituras e a análise empírica) foi HINE, Christine (Org.).Virtual Methods. Issues in Social Research on the Internet. Oxford: Berg, 2005.
53
Cavalcante (2008) fez uso de estratégias quali-quantitativas de pesquisa,
combinando os campos presencial e mediado Ainda na fase exploratória, realizou
uma enquete, entrevistas não estruturadas e utilizou fotografia em um evento (a
S.A.N.A.). Na internet, utilizou o que chama de “etnografia em ambientes virtuais”.
Cavalcante é um exemplo de como a internet pode proporcionar acesso a um maior
número de pessoas em menor tempo, uma vez que o autor disse ter registrado mais
de 160 interações com mais de 60 sujeitos do início do segundo semestre de 2007 até
janeiro de 2008. Apesar de executar trabalho de campo também presencialmente, o
autor defende os métodos que utilizam a interação por computador
Diferente das técnicas de coleta de dados na “pré-história” da correspondência, a interação via computador é como uma conversa textual, e permite uma relação mais tridimensional, com informações mais contextuais e com maior nível de empatia, uma vez que os indivíduos podem aprofundar-se mais no diálogo, revestido com o “casulo protetor” das telas de computadores. As desvantagens não estão ligadas ao fato de ser uma interação “virtual”, mas ao fato de não existir o feedback da comunicação não-verbal, presente em outras técnicas, embora as pessoas estejam criando formas de superar esta limitação da interação online23. (nota de rodapé que se refere a emoticons) (p. 26).
Segata (2007) também emprega a etnografia virtual e propõe uma reflexão
acerca das especificidades do ciberespaço na pesquisa etnográfica:
Certamente que as especificidades do ciberespaço nos faz também refletir sobre o próprio estatuto de pesquisador: quais as diferenças entre um encontro etnográfico face-a-face e um encontro etnográfico interface, ou, até que ponto um pode possuir melhores qualidades que outro? (p. 16) .
22 Nenhum dos estudos da amostra se referiu à netnografia, porém, há duas importantes publicações citadas por outras referências que utilizam o termo: KOZINETS, R. V. The Field Behind the Screen: Using Ne tnography for Marketing Research in Online Communities. 2002. e, no contexto brasileiro: SÁ, S. P. Netnografias nas redes digitais. In: PRADO, J.L. Crítica das práticas midiáticas. São Paulo: Hacker editores, 2002.
54
Batalha (2010), que também emprega a etnografia virtual, informa sobre as
estratégias de uso do método
Se o grupo possui canais de comunicação, sejam as listas de e-mail ou um canal de bate-papo, os dados podem ser registrados automaticamente, contribuindo para o enredamento das hipóteses da pesquisa e para a análise posterior. O pesquisador pode participar ativamente e orientar discussões, não sendo necessário um encontro face-a-face para interagir ou realizar entrevistas. Porém, como adverte Hine, o desenho metodológico de pesquisa à distância ou mediada por computador pode trazer problemas à pesquisa: ora pela questão da legitimidade dos dados coletados e apresentados na análise, ora pelas questões éticas e de controle que pode haver com a relação face-a-face entre o pesquisador e os informantes. O problema da legitimidade dos dados tem a ver com a própria prática etnográfica tradicionalmente conceituada através da participação, aberta ou encoberta na vida diária do grupo por um longo período de tempo, observando o que acontece, escutando o que é dito, fazendo perguntas – de fato coletando qualquer tipo de dado disponível para jogar luz sobre as questões que orientam a pesquisa. (p. 22).
Batista (2010) realiza uma etnografia com observação participante e
entrevistas. A autora transformou seu avatar pessoal em um avatar-pesquisador e
participou do espaço como usuária. Contudo, as referências da autora sobre o método
não apresentam diferenças da observação presencial.
Além da observação participante, realizamos entrevistas em profundidade com 16 jogadores do SL, de ambos os sexos, com idade média de 30 anos e tempo de experiência no jogo que varia de dois meses a mais de dois anos. Os informantes foram selecionados por acessibilidade (snowball). Essa população está distribuída por algumas cidades do Brasil (Recife, Belém, Santo André, Santos, São Paulo e Porto Alegre), Argentina, Portugal e Estados Unidos. A caracterização dessa amostra é feita em um tópico à parte do primeiro capítulo. (p. 24).
Para as entrevistas, a autora utiliza diferentes recursos: nas virtuais, conversa
por chat diretamente no Second Life ou por texto e voz no Skype. Faz também cinco
55
entrevistas presenciais, que foram gravadas e transcritas. A autora traz importantes
considerações sobre as diferenças encontradas nos dois tipos de entrevista:
Meu objetivo ao optar pelos dois tipos de entrevista – presencial e remota – foi verificar se haveria diferenças substanciais entre as respostas obtidas. É sabido que as entrevistas feitas pessoalmente têm o poder de captar elementos como expressão corporal, tonalidade da voz e a ênfase dada a determinadas respostas. A verdade simbólica do entrevistado, muitas vezes, pode ser apreendida durante uma pausa ou uma gargalhada, por exemplo, e nesse sentido pude desenvolver certa empatia com os entrevistados. Além desse importante elemento face a face, as entrevistas feitas de forma presencial também renderam mais porque pude obter respostas mais completas. Quando algo não ficava suficientemente claro, sempre era possível retornar àquela questão, enquanto que nos chats por vezes precisei abreviar a entrevista porque os informantes demonstravam uma inquietação para se dedicar a outras atividades, no jogo ou fora dele. Outra vantagem das entrevistas presenciais foi poder confrontar as respostas obtidas com a cena que eu estava presenciando, como, por exemplo, quando pedia para que o entrevistado descrevesse seu avatar e apontasse que semelhanças ele teria ou não com seu tipo físico. Nas entrevistas remotas, tive que confiar nas descrições, fossem reais ou fantasiosas, sem o benefício da visualização direta. Essa comparação me ajudou a identificar até que ponto os jogadores estavam levando características suas para seus avatares e vice-versa. (p. 32).
As entrevistas foram feitas a partir de um roteiro semiestruturado testado com
uma informante na fase exploratória do estudo.
Segata (2007) também realiza uma etnografia e faz uma série de
questionamentos sobre essa atividade no contexto virtual, empreendendo uma
discussão metodológica e problematizando a relação pesquisador-pesquisado e o
processo de pesquisa.
Certamente que as especificidades do ciberespaço nos faz também refletir sobre o próprio estatuto de pesquisador: quais as diferenças entre um encontro etnográfico face-a-face e um encontro etnográfico interface, ou, até que ponto um pode possuir melhores qualidades que outro? Até que ponto o pesquisador tem controle sobre as emoções, comportamentos, índices comunicativos – enfim, os dados de campo
56
– em um trabalho, em um encontro face-a-face, onde ele supõe “ver”, “ouvir”, ou “interpretar” o outro, em detrimento à interface? (p. 17).
Além disso, o autor levanta a questão da mediação da comunicação por meio
de computadores e softwares, que suscitam novos códigos negociados, construídos e
compartilhados.
Amarante (2005) afirmou que, após realizar toda a pesquisa e constatar que
não haveria a necessidade de realizar entrevistas presenciais, compreendeu que
poderia ter formatado a amostra de outras formas que abrangessem uma maior
quantidade de dados. A autora, através de mecanismos de busca na internet,
procurou blogs de pessoas que
[…] residissem em Santa Catarina, ou mais precisamente em Florianópolis, Balneário Camboriú e Blumenau, cidades escolhidas devido à proximidade do local de nossa residência. Isto porque, inicialmente, a proposta era entrevistar também alguns blogueiros pessoal e presencialmente, ao invés de apenas por e-mail. Esta etapa, porém, não se realizou, pois não sentimos a necessidade de informações complementares. (p. 63).
A pesquisadora refere que dos 60 e-mails enviados, 27 retornaram com
respostas cuja qualidade foi satisfatória para os objetivos da pesquisa. A autora
também considerou que a quantidade questionários respondidos foi boa (45%) se
comparada com o retorno de correspondências, por exemplo23.
Dessa forma, a autora utilizou a internet como meio facilitador para difundir
as perguntas e receber as respostas dos sujeitos pelos quais tinha interesse.
Silva (2008) constrói sua etnografia através de observação, conversas via
comunicador instantâneo (MSN messenger), encontros offline (os quais chama de
orkontros) e discussões no fórum da comunidade. Na comunidade, decidiu restringir
23 Babbie (2003), no capítulo “Exemplos de desenhos de amostragem”, relata casos e explica as diferenças entre as possibilidades (da época) de envio de questionários, além de questões sobre o retorno e maior quantidade de respostas. Ver: BABBIE, Earl. Métodos de Pesquisas de Survey. 2ª ed. Belo Horizonte: ed. UFMG, 2003.
57
a análise ao período em que estive na comunidade, em virtude da grande quantidade
de tópicos armazenados no arquivo. A autora problematiza as diferenças no trabalho
de campo virtual e suas visões são semelhantes às de Segata (2007) e Batalha (2010).
Já Prudêncio (2006) analisa determinados websites através da análise do
[...] processo de framing das informações, ou seja, como os grupos, nos websites, atribuem significado aos temas em questão. (...) os frames são constituídos na disputa com um outro frame adversário. Ou seja, procurar-se-á saber qual frame alternativo está sendo ofertado nesses websites. (p. 6).
O método de frame analysis foi desenvolvido originalmente por Erving
Goffman e não oferece indicativos de que tenha demandado adaptações significativas
nos métodos pelo fato de o objeto empírico estar em um ambiente virtual.
5.3.2 Especificidades dos métodos e questões éticas
Observei certas especificidades dos métodos e técnicas empregadas pelos
pesquisadores especialmente relacionadas com o campo virtual, das quais duas
abordarei em particular. A primeira diz respeito à forma de comunicação do
ambiente virtual que se vale de signos e símbolos específicos. Estes, dependendo do
objetivo do autor, podem aparecer no texto, porém, ainda que traduzidos,
representam a visão do pesquisador sobre o símbolo. Cavalcante (2008), por
exemplo, mantém a grafia dos entrevistados e explica entre colchetes o que significa
^^24. Ele considera importante manter a grafia dos entrevistados via internet para
“preservar ao máximo o hábito de interação presente nesta tecnologia” (p. 27).
Segata (2007) apresenta as falas dos sujeitos em formatação distinta (refere-se
a isso no corpo do trabalho) e ilustra as páginas através da ferramenta print screen.
24 “Indicativo de expressão facial para algo que gera prazer ou alegria” (p. 52).
58
Durante o trabalho de campo, utilizei como ferramenta de coleta de dados, além do meu diário de campo – onde fazia anotações contextuais – o recurso “Print Screen”, que “congela” a interface do computador em forma de figura. Dessa forma, pude selecionar alguns dos diálogos que considerei emblemáticos às reflexões que fui levantando em minha descrição. (p. 23).
Batista (2010), que realizou observação participante e entrevistas virtuais,
conversa por chat tanto na plataforma de interesse da pesquisa (Second Life) quanto
por texto e voz no Skype. A autora descreve como tratou os dados resultantes dessa
produção:
Das 16 entrevistas, 11 foram feitas on-line, através de chats – Ally, Lipp3, Logan, Ricardoshow, AriadnaDragon, F.D.9, Misshotchilli, Nanda111, Roxeli, Sammi e Silvanaf. Os diálogos foram copiados e levados para um processador de textos (MS Word) e aparecem aqui em seu formato original, com muitas expressões em “internetês”, como vc (você), pq (porque), ñ (não), td (tudo), mt (muito), rsrsrsrs (risos), além de ícones como :), :( (smiley triste), entre outros. Também indicam a hora e o nome do jogador. Duas dessas abordagens foram realizadas com voz – Logan pelo Skype10 e F.D. pelo próprio SL – e foram posteriormente transcritas. (p. 31).
A autora também empregou o print screen para “fotografar” o ambiente:
Os registros fotográficos foram feitos no próprio ambiente do jogo mediante a utilização da tecla PrtScn (Print Screen) e salvas sem qualquer manipulação por meio de um editor de imagens (Photoshop), exceto alguns que foram feitos com o recurso de tirar fotografias que o jogo oferece, e por isso aparentam ser mais “limpas”, sem as caixas de ferramentas que geralmente ficam flutuando na tela. (p. 32-33).
A segunda especificidade diz respeito a ética, privacidade e à forma de
apresentar-se aos entrevistados. A riqueza de dados que a internet pode proporcionar
também conduzem a questões sobre ética em pesquisa. Para discutir essas questões,
May (2004) relata algumas experiências de observação participante oculta, na qual o
59
pesquisador observa sem que os sujeitos saibam que estão fazendo parte de uma
pesquisa. Mesmo que boa parte dos pesquisadores considere que os fins não
justificam os meios, os que utilizaram esse método o justificaram com a natureza de
suas evidências empíricas ou com relações de poder relacionadas a essas.
Para tratar sobre a ética da pesquisa em internet, Fragoso et al (2011) indicam
o documento “Ethical decision-making and internet research: recommendations from
the AOIR ethics working committee”25 produzido pela AOIR (Association of Internet
Researchers). Sobre as premissas éticas iniciais para os autores, o documento
questiona se os participantes sabem que a relação/comunicação entre eles e o
pesquisador é privada. Em caso positivo, os dados são de responsabilidade do
pesquisador e devem ser utilizados pseudônimos nas publicações da pesquisa. Em
caso negativo, como no caso de perfis públicos em redes sociais, considera-se que os
dados são públicos e podem ser monitorados com vistas aos objetivos de pesquisa.
Contribuindo para discussão sobre privacidade na análise de ambientes online,
Elm (2009, p. 75, apud Amaral, 2010) estipula quatro níveis de privacidade a serem
observados: 1) público – aberto e disponível a todos; 2) semipúblico – disponível a
quase todos. Requer ser membro e/ou ter cadastro; 3) semiprivado – requer
pertencer à organização de forma mais profunda; 4) privado – indisponível e fechado.
Batista levanta uma importante questão sobre a ética e a privacidade dos
sujeitos envolvidos na pesquisa:
Todos os entrevistados estavam cientes de que participavam de uma pesquisa e permitiram o registro fotográfico de seus avatares. Para preservar a identidade dos usuários, utilizamos apenas o primeiro nome do avatar na identificação dos depoimentos. (p. 31).
Sobre a autorização para observar e participar da comunidade de interesse
como pesquisadora, Silva (2008) conta que
25 Disponível em: http://aoir.org/reports/ethics.pdf
60
Quando ainda estava no processo de seleção das comunidades e apenas as observava, decidi entrar em contato com os donos, falar da pesquisa e pedir autorização para acompanhar e participar das discussões. De alguns não obtive qualquer resposta, outros autorizaram minha participação e, no caso da Eper, meu pedido de participação foi negado. Apesar da rejeição, neste momento eu já mantinha contato com membros da comunidade, entre eles, Garçon, um dos moderadores. Em uma conversa por e-mail, perguntei a ele por que não havia sido aceita na Eper e, ao que parece, um dos moderadores havia rejeitado meu pedido por pensar que eu fosse um perfil fake. Como Garçon estava devidamente informado sobre a pesquisa, logo depois deste e-mail fui aceita, não apenas como pesquisadora que observa a comunidade e conversa fora dela com os membros, mas também como membro, teoricamente em situação igual a de todos os outros.(p. 41).
Além da questão sobre a presença do pesquisador no campo, tratada
anteriormente e da preocupação ética do pesquisador, há também a desconfiança dos
sujeitos para abrirem-se em um ambiente onde existe vulnerabilidade quanto à
certeza das informações, tanto do sujeito/entrevistado sobre o pesquisador quanto o
contrário.
61
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O campo virtual faz uma provocação ao pesquisador, fazendo-o questionar as
formas de observação, participação, inquirição e análise. A forma como os cientistas
reagem a isso, contudo, é diversa. Este trabalho teve como objetivo destacar questões
acerca das especificidades da pesquisa social no campo virtual, as quais foram
suscitadas através da análise de sete estudos no ciberespaço. Mesmo que a
metodologia de uma pesquisa seja definido pelo seu objeto, as condições específicas
dos ambientes virtuais trazem aos pesquisadores a necessidade de uma reflexão sobre
os usos e os resultados dos dados produzidos pelo métodos.
O estatuto científico das ciências sociais esteve por muito tempo sob suspeita.
Talvez por essa razão haja autores que preferem estudar os fenômenos
contemporâneos com a visão de uma abordagem já estabelecida. Mesmo que boa
parte dos pesquisadores sobre/na internet admita que o campo traz implicações para
a construção do método, não há unanimidade sobre a importância desse
questionamento tampouco sobre quais metodologias seriam mais adequadas às
especificidades do universo de pesquisa.
As hipóteses que guiaram este estudo apontavam que a pesquisa social
demandaria adaptações ou reformulações das metodologias para abordagem do
campo virtual. Essas adaptações/criações foram denominadas como novidades
metodológicas, trazendo a ideia da busca de soluções relacionadas a questões
próprias do ambiente virtual. Para analisar as novidades metodológicas foram
examinadas nos estudos as dimensões do objeto, das definições metodológicas e do
trabalho em campo no ambiente virtual.
Em relação aos conceitos, observou-se que os mesmos foram construídos com
base em referências oriundas de diferentes áreas (como a informática, comunicação e
ciências sociais), mas também através da experiência nesse novo campo de pesquisa.
A questão sobre a trajetória da definição dos conceitos é especialmente útil no
contexto dos estudos em ambientes virtuais em virtude da dinâmica da tecnologia
62
material, que constantemente cria novos dispositivos e possibilidades que precisam
ser denominados.
Sobre o recorte empírico, a composição da amostra foi uma questão pertinente
em alguns dos trabalhos analisados. Resultados de pesquisas em mecanismos de
busca na internet foram a principal forma de compor uma análise preliminar, para
depois se realizar um levantamento sobre a qualidade dessa amostra e fazer os
recortes pertinentes. Por outro lado, quando a pesquisa combinou métodos em
ambientes virtuais e presenciais, o recorte empírico no ciberespaço se deu também
por proximidade espacial, em função da possibilidade física de encontro.
A definição do desenho metodológico e a questão da presença do pesquisador
como observador no campo virtual passaram pelo reposicionamento dos autores,
inclusive quanto a constante atualização para acompanhamento do objeto em um
campo cuja mediação se dá por tecnologias e plataformas dinâmicas, as quais
também demandam certo conhecimento técnico.
Sobre a presença do pesquisador há, além da questão ética da
confidencialidade dos dados, a possível interferência no comportamento dos agentes.
A possibilidade de dispersão ou desencorajamento de um grupo ou comunidade ao
saber que está sendo estudada por um cientista social, porém, não é uma questão
particularmente associada ao campo virtual, uma vez que também acontece em
situações presenciais. A permissão de acesso a dados pessoais, por sua vez, pode ser
concedida tanto por escrito (através de termo de consentimento ou declaração)
quanto de forma previamente controlada/informada pelo próprio usuário, por
exemplo, quando marca determinados álbuns no Facebook como privativos. Em
contrapartida, a questão da privacidade dos dados no ciberespaço ainda está longe de
ser esclarecida. Embora controlados pelo usuário, os dados são de posse de uma
empresa, que os registra e armazena. O uso de dados primários não disponibilizáveis
foi duramente atacado, pois criam desigualdades entre os pesquisadores (associados
e não associados a empresas) e impedem a refutação dos resultados.
A etnografia, bastante utilizada como metodologia de estudos em ambientes
presenciais, apareceu em vários dos estudos da amostra na forma de etnografia
63
virtual, na qual há adaptações associadas às peculiaridades ambiente virtual. As
técnicas como entrevistas e observação, típicas da etnografia, também foram
utilizadas, contudo, através ferramentas do próprio ambiente virtual, como chats e
softwares específicos, ou ainda através de scraps no Orkut e e-mails. Os métodos e as
técnicas aplicados com adaptações e novidades no ambiente virtual, como qualquer
método, apresentam vantagens e desvantagens. Foi interessante perceber que os
métodos escolhidos, adaptados e construídos não variaram significativamente de
acordo com a áreas, representantes tanto da antropologia, quanto da sociologia
quanto da ciência política empregaram a etnografia em seus estudos.
Os autores trataram as problemáticas destacadas neste trabalho de diferentes
maneiras: combinadas ou não com outros métodos, a partir de sua própria
experiência como usuário da internet e/ou com base em métodos típicos da pesquisa
no campo presencial. De forma geral os autores problematizaram a mediação do
computador (e de outras tecnologias) como característica que requer novas reflexões
sobre a abordagem empírica. Eles, portanto, demonstraram que o campo virtual tem
demandado novidades metodológicas. A intensidade e relevância dessas novidades
seriam análises complementares importantes que poderiam contribuir para obter-se
uma maior clareza sobre a influência do campo virtual na construção da metodologia
de pesquisa social.
Embora os autores levantem questões pertinentes suscitadas por seus objetos
empíricos no campo virtual, a discussão sobre as metodologias de pesquisa social no
ciberespaço ainda são pouco estudadas pelas ciências sociais. Como um processo que
leva tempo, as problematizações sobre o campo virtual no futuro provavelmente
serão diferentes com relação às que os autores dos estudos analisados e eu
levantamos, especialmente em virtude do aperfeiçoamento tecnológico das TICs.
Contudo, as discussões, mesmo referindo-se a suportes ultrapassados, podem servir
de base para as novas controvérsias do mundo virtual.
Em virtude do volume e da dimensão que este trabalho pode ter, nem todas as
questões puderam ser tratadas de forma extensiva. Mesmo assim, pude levantar as
controvérsias que pretendia, trazendo a ideia de novidade metodológica como
64
criações e recriações dos pesquisadores com vistas às características específicas do
ciberespaço.
As novidades metodológicas associadas ao campo virtual constituem-se como
um exemplo típico de como as problematizações também são históricas e sociais.
Essa questão não surgiria para os pesquisadores anteriores ao surgimento da
informática, bem como possivelmente não existiria se a internet não tivesse o alcance
que atualmente tem, pois é uma questão própria do nosso tempo e decorre das
condições sociais e materiais da sociedade contemporânea.
65
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68
APÊNDICE – ESTUDOS DA AMOSTRA
Quadro 5: Estudos componentes da amostra
Ano Autor Autor/Título PPG IFES
2005Maria Tereza Teixeira Amarante
Os blogs e os blogueiros: entendendo as transformações da intimidade nas casas digitais. Sociologia Política UFSC
2006 Kelly Cristina de Souza Prudêncio
Mídia ATIVISTA: a comunicação dos movimentos por justiça global na internet. Sociologia Política UFSC
2007 Jean Segata Lontras e a Construção de Laços no Orkut Antropologia Social UFSC
2008Carolina Parreiras Silva
Sexualidades no ponto.com: espaços e homossexualidades a partir de uma comunidade on-line.
Antropologia UNICAMP
2008João Paulo Braga Cavalcante
Conexões entre o Mundo On-line e a “Vida Off-Line”: Otakus e Cultura de Consumo na Era da Internet
Sociologia UFC
2010Marcelo da Luz Batalha
Novas fronteiras para a comunicação ativista em rede: um olhar sobre o centro de mídia independente
Ciência Política UNICAMP
2010 Micheline Gomes Batista
Second Life: corpo e identidade no mundo virtual Sociologia UFPE
Os estudos listados a seguir não foram encontrados em formato virtual:
ELIAS JUNIOR, Alberto Calil. O mundo espírita virtual: navegando pelas malhas da ciência, da tecnologia e da religião. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universidade Do Estado Do Rio De Janeiro, 2009.
FERNANDES, Magda Fernanda Medeiros. "Alguém a fim de tc comigo?" A construção social da sexualidade virtual. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Universidade Federal de Pernambuco, 2006.
Os seguintes trabalhos apareceram na busca no Banco de Teses, porém não realizavam o trabalho de campo em um ambiente virtual:
BORNIA JUNIOR, Dardo Lourenço. Telecentros comunitários e ciberespaço: redes de interações sociais na encruzilhada entre o local e o global. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.
69
KIM, Joon Ho. Imagens da cibercultura: as figurações do ciberespaço e do ciborgue no cinema. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Universidade de São Paulo, 2005.
QUEIROZ, Gustavo Morais. Uma poética do Ciberespaço: Um olhar mitocrítico sobre o clan x Tm e o Game Strike. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Universidade Federal de Pernambuco, 2006.
TONHOZI, Telia Negrão. Ciberespaço, via de empoderamento de gênero e formação de capital social. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006.