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FACULDADE PAULISTA DE ARTES Curso de Graduação em Artes Cênicas Educação no Carnaval: Eduardo Caetano, Arte e Educação através do Desfile de Escola de Samba. Marcos Antonio Passos São Paulo 2011

TCC Marcos Antonio Passos

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FACULDADE PAULISTA DE ARTES Curso de Graduação em Artes Cênicas Educação no Carnaval: Eduardo Caetano, Arte e Educação através do Desfile de Escola de Samba. Marcos Antonio Passos.

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FACULDADE PAULISTA DE ARTES Curso de Graduação em Artes Cênicas

Educação no Carnaval:

Eduardo Caetano, Arte e Educação através do Desfile de Escola de Samba.

Marcos Antonio Passos

São Paulo

2011

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Marcos Antonio Passos

Educação no Carnaval:

Eduardo Caetano, Arte e Educação através do Desfile de Escola de Samba.

Monografia apresentada ao Curso de

Graduação em Artes Cênicas da Faculdade

Paulista de Artes, como requisito parcial

para obtenção do título de Licenciado em

Artes Cênicas.

Orientador: José Carlos de Andrade.

São Paulo

2011

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus que nunca me abandonou mesmo nos

momentos mais difíceis, sendo meu amparo sempre.

Aos meus antepassados, em especial meu pai, que mesmo sem sua

presença física está sempre presente em meus pensamentos e em minha vida.

A meu Pai Ogun Xoroquê, e todos os Orixás e espíritos que fazem parte da

minha vida, da minha estrutura e do meu caminhar. Obrigado Mãe Keleomin por

tudo. Axé Mãe Lecimbe.

A minha mãe, pois sem ela eu não estaria aqui, e todos os meus familiares.

Ao professor e orientador Zecarlos de Andrade, pelas orientações e pela

paciência que teve no momento que mais precisei.

A todos os professores da FPA, pois foram muito importantes para mim e não

esquecendo também de agradecer, a todas as professoras e professores que tive

desde o início da minha caminhada.

Obrigado a meu amigos por tudo, pelo carinho, pela atenção e pelas ideias.

Agradeço muito o ser iluminado Jeferson de Freitas, sem seu apoio eu não

teria terminado esse trabalho.

Agradeço toda família Dragões da Real, vocês foram maravilhosos.

Enfim, muito obrigado Eduardo Caetano, por ter dado a oportunidade de

realizar esse trabalho e essa pesquisa, sem seu apoio e sem suas informações não

teria terminado esse projeto.

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar o trabalho do carnavalesco

Eduardo Caetano no Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mancha Verde e

na Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Dragões da Real, no esforço de

atribuir a esses núcleos elementos indispensáveis à aprendizagem, tais como a

importância da consciência coletiva, motivação, prazer e sentido no aprendizado,

procurando fazer um paralelo com as instituições de ensino tradicionais. Para

elaboração dessa pesquisa usei como metodologia a observação participante, que

nesse trabalho possibilitou um olhar mais minucioso sobre a realidade dos sujeitos

envolvidos o que possibilitou a definição de casos de estudos onde eu pude

aprofundar um pouco mais algumas questões ligadas ao trabalho do barracão.

Definidos os casos e o método, foram realizadas entrevistas com alguns membros

das escolas e com o carnavalesco. Com base nesse material foi realizado um

levantamento bibliográfico a fim de mostrar como a arte, a educação e a informação

estão presentes no carnaval, verificando ainda a potencialidade das escolas de

samba e do carnavalesco nas abordagens pedagógicas dos currículos em sala de

aula. Desse modo meus principais interlocutores teóricos foram BAKHTIN (1993),

BARBOSA (2008), HALL (1997), FREIRE (2004), GARCIA (2002) e PIAGET (1998).

A partir do presente estudo foi possível concluir a relevância de possibilitar uma

educação de modo a construir uma forma de aprendizado que valorize as

experiências, o cotidiano do aluno. No entanto é importante ter em mente nas

necessidades que a nossa sociedade possui e as experiências que tomamos como

base ao pensar no aprendizado para não repetirmos os moldes educacionais

tradicionais. Nesse sentido é importante ressaltar a valorização do cotidiano das

classes populares, que muitas vezes é tido como algo que não deve ser tomado

como exemplo, ou que deve ser modificado, numa supervalorização do cotidiano de

uma elite, ou mesmo de uma classe média em detrimento da experiência vivida

pelas classes populares, classe que mais precisa dessa atenção, bem como de

valorização. Desse modo, uma alfabetização comprometida com o sucesso das

crianças e dos jovens das classes populares, buscando a apropriação da linguagem

como instrumento de critica e afirmação social, sendo assim o resgate do sentido e a

recuperação da autoria.

Palavras-chave: Carnaval; Barracão; Educação; Cultura.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01 Mascaras do Carnaval de Veneza..................................................... 12

FIGURA 02 Carnavalesco Eduardo Caetano........................................................ 14

FIGURA 03 Carro Abre-alas – Mancha Verde/2005............................................. 21

FIGURA 04 Ariano Suassuna em carro alegórico – Mancha Verde/2008........... 26

FIGURA 05 Preparativos para o desfile – Dragões/2011...................................... 27

FIGURA 06 Carro Mancha Verde/2008 – Alma de Palhaço – O carro mais

comentado do ano................................................................................................. 28

FIGURA 07 Carro Alegórico – A Floresta Proibida e a Bruxa – Dragões/2011..... 29

FIGURA 08 Carro Alegórico– João e Maria e a Casa de Doces– Dragões/2011...30

FIGURA 09 Carro Alegórico – As Três Folhas da Serpente e O Músico de

Bremen. Dragões/2011.......................................................................................... 31

FIGURA 10 Carro Alegórico – O Lago Dos Inocentes e o Castelo De Cristal –

Dragões/2011........................................................................................................ 32

FIGURA 11 Mestre-Sala e Porta-Bandeira – Encanto das Borboletas –

Dragões/2011........................................................................................................ 33

FIGURA 12 Comissão de Frente – Fadas – Dragões/2011.................................. 34

FIGURA 13 Comissão de Frente – Magos – Dragões/2011................................. 37

FIGURA 14 Destaques da Dragões – Mago, Chapeuzinho Vermelho e a

Bruxa – Carnaval/2011.......................................................................................... 41

FIGURA 15 Carro Abre- Alas – A Floresta Proibida e a Bruxa............................. 42

FIGURA 16 Ala – Espelho Dos Invisíveis – Dragões/2011................................... 43

FIGURA 17 Desfile das Campeãs – Carnaval/2011.............................................. 44

FIGURA 18 Ala das Baianas – Bruxas – Dragões/2011........................................ 45

FIGURA 19 Diretoria da Escola – Comemoração do Título de Campeã/2011...... 46

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................... 06

2. CARNAVAL E PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL.................................. 11

2.1 Breve Histórico do Carnaval......................................................................... 11

2.2 Carnavalesco..................................................................................................13

3. EDUCAÇÃO E CULTURA................................................................................ 17

3.1 Definindo Cultura........................................................................................... 17

3.2 Cultura e Educação....................................................................................... 18

4 APRENDENDO COM O SAMBA....................................................................... 20

4.1 Escola de Samba Mancha Verde.................................................................. 20

4.1.1 Pesquisa do Enredo de 2005................................................................... 22

4.1.2 Enredo de 2008 – Ariano Suassuna........................................................ 26

4.2 Escola de Samba Dragões da Real – Enredo: A felicidade se Conta

em Contos – Carnaval 2011............................................................................... 28

4.3 Um Olhar Sobre o Processo Educativo no Barracão............................... 34

5. CONCLUSÃO.................................................................................................... 47

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 49

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1 INTRODUÇÃO

Dizem que uma rainha vinda da África como escrava se organizou com mais

alguns escravos e fugiram mata adentro, vestidos de resistência. Brasil, colônia dos

brancos. Lugar habitado por índios que preferem a morte à escravidão. Enquanto

isso, nos portos, cada vez mais chegam navios tumbeiros. O país cresce com a

escravidão, a elite, o comércio, a religião, o massacre, as leis de reis sem virtudes, e

a bomba está prestes a explodir. Existem negros vivendo nas matas, estão distantes

da capital, e os capitães-do-mato estão sempre a procura deles. Eles se preparam

para a guerra, a resistência é o símbolo da luta por igualdade, jamais os brancos

lhes darão a liberdade, por isso não acreditam no sorriso do inimigo. Somente

lutando contra eles é que mostrarão o seu valor. Nesses séculos de luta, quilombos

cresceram e se espalharam por todo o Brasil, guerreiros lutavam com bravura, como

se a liberdade superasse os limites da morte. Viram-se páginas da história e o

massacre continua. Antigamente negros quilombolas, hoje são todos os que fazem

parte da periferia. Somos uma grande fusão, brancos, índios e negros. Ainda

continuamos distantes, longe das capitais, vivendo em periferias entre barracos,

morros, redutos e vielas, selva de casas amontoadas. Liberdade vigiada pelo

sistema, correntes feitas de moedas e de falta de instrução, e a mesma elite ainda

comanda.

Temos que dar continuidade às lutas dos nossos antepassados, manter as

tradições, origens, costumes, temos que criar e educar. Pensar a escola é ir além de

um espaço onde iremos aprender uma gama de conteúdos que irão ser cobrados e

utilizados em provas e concurso. E escola é um lugar de formação de pessoas, e

como pessoas esses alunos têm muito mais do que provas de conteúdos. Estas são

as menos difíceis. Cada indivíduo tem uma prova muito mais difícil de encarar, a

prova da vida.

Da mesma forma que muitos outros alunos, estudei numa escola que

valorizava a cartilha imposta por Parâmetros Curriculares Nacionais, (PCNs) e seus

conhecimentos ainda muito carregados de uma lógica positivista, onde o resultado

quantitativo é posto acima de qualquer outra avaliação. Fui alfabetizado através de

palavras, frases sem sentidos e exercícios mecânicos nos quais dispensavam

raciocínio numa visão fragmentária.

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Partindo disso, ao tentar fazer uma retrospectiva do meu processo de

alfabetização, não me recordo de ter tido contato com revistas, jornais, artigos ou

textos que não fossem os das cartilhas nas escolas onde estudei. Mas é importante

ressaltar que meus pais, sempre transmitiram a paixão pela leitura, embora tivessem

pouca instrução. Meu pai lia e me contava histórias fascinantes que despertava em

mim, o desejo de decodificá-las, em entendê-las, indo além do que estava escrito.

Talvez pela experiência de uma alfabetização mecanicista, que vê na

aquisição do código o principal em todo o processo de leitura e escrita que, ao

ingressar na faculdade, através de uma alfabetização empenhada com a

apropriação da linguagem enquanto instrumento de crítica, visando o resgate do

sentido e a autonomia do sujeito, descobri outro sentido para o ensino, entendendo

o que Paulo Freire nos trás ao dizer que, “saber ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua

construção”. (Freire, 2004, p.47).

O objetivo geral desse trabalho, é investigar as possibilidades de condução de

um processo de educação a partir da realidade cotidiana dos alunos. Para tanto o

presente trabalho terá como pano de fundo o Carnaval e o trabalho do professor,

educador e carnavalesco Eduardo Caetano, fazendo uma análise de alguns

métodos e modelos de programas realizados por ele em algumas escolas de samba

onde trabalhou e ainda trabalha, e seu intuito pedagógico de ensinar samba e

trabalhos artísticos para crianças e jovens, muitos deles carentes, nos barracões e

nas comunidades onde essas Escolas de Samba atuam.

No entanto, no sentido de buscar romper a hierarquia dos saberes

construídos na escola de forma a compreender as diversas leituras de mundo e as

potencialidades dos envolvidos valorizando os saberes provenientes de suas

realidades de vida. Quero ainda partilhar nesse trabalho a importância do Carnaval

como elemento de socialização do individuo em uma sociedade excludente tendo

como foco a educação, os saberes, e o uso da riqueza cultural e diversificada trazida

pelos integrantes do barracão e membros da escola de samba em geral.

Definido o caso a ser estudado, o estudo terá ainda como objetivos

específicos a serem explorados, uma breve exposição do histórico do carnaval de

São Paulo, entendendo sua origem, seu papel dentro das comunidades onde estão

as Escolas de Samba para entendermos a inserção dos jovens nesse processo,

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para então vermos como essa estrutura, que ao longo dos anos ganhou força e cada

vez mais investimentos, afetando a formação desses jovens que desde muito cedo

participam do processo.

Antes de descrever a metodologia que será implementada no presente estudo

é importante relatar o que me motivou a escolha desse tema, sendo essa uma

particular paixão pelo carnaval, paixão essa motivada em grande parte por observar

o amor que a comunidade tem pelo seu pavilhão, o trabalho sério realizado por

muitos profissionais liderados pelo carnavalesco, sempre na intenção de brincar e se

divertir, sem perder o foco no social, e na mensagem a ser passada.

Desde pequeno eu ficava assistindo aos desfiles das Escolas de Samba do

Rio de Janeiro, via os enredos, estudava as histórias que estavam sendo contadas,

e cantadas, e muitas delas eram história do Brasil, eu sonhava em um dia estar

participando disso tudo, mesmo estando tão distante daquela realidade. Muitas

vezes, as histórias dos enredos, acabavam virando material acadêmico no colégio

onde estudava, e eu tinha tal domínio que sempre tirava notas consideráveis por

saber muito do assunto, e o interesse vinha dos desfiles e dos enredos das Escolas

de Samba.

Por ser de uma religião Afro-Brasileira, os enredos sobre cultura africana me

encantavam, e muitas coisas sobre minha religião também aprendi com os enredos,

fazendo com que eu entendesse o valor daquilo tudo, eu sempre acreditei que

carnaval também educa. Esse histórico no mundo do samba serviu não só de

motivação, mas também fez com que eu pudesse observar e entender um pouco do

que ocorre por trás do que é passado pela mídia nos desfiles durante o carnaval.

Nesse sentido após verificar que a Arte e a Pedagogia estavam fortemente

ligadas a essa realidade, parti dessa vivência e desse histórico para a observação e

a participação mais minuciosa dessa realidade, sendo esse o método utilizado na

presente pesquisa.

Passei a observar de perto como crianças cantam sambas aprendendo suas

letras que, em muitos casos utilizam de termos que não estão presentes em seu

universo vocabular e mesmo assim têm facilidade no aprendizado dessas letras e se

interessam em aprendê-las.

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Conforme explicitado anteriormente, a fim de facilitar o estudo e procurando

entender mais detalhadamente uma realidade em particular, foram definidos casos

onde pôde se aprofundar um pouco mais algumas questões, sendo esses casos a

Escola de Samba Dragões da Real, e o trabalho do professor, cenógrafo, estilista e

carnavalesco, Eduardo Caetano.

Definido os casos e o método, foram realizadas entrevistas com pessoas que

participam desse projeto, sendo elas inseridas desde muito cedo em escolas de

samba, algumas delas pelo fato de seus pais já fazerem parte desse meio, seja

trabalhando na confecção de fantasias, alegorias e adereços, na harmonia, na

bateria, intérpretes de enredo, passistas, baianas, comissão de frente, ou ainda

como componentes foliões que também dão o sangue pela Escola e tendo como

continuação de suas casas.

Quero mostrar como a arte e a educação estão presentes no Carnaval,

verificando ainda a potencialidade das escolas de samba nas abordagens

pedagógicas dos currículos em sala de aula, foi feita uma análise empírica sob a luz

da teoria para que, entendendo essa realidade fosse possível lançar propostas para

uma nova abordagem de ensino que aproveite a vivência do aluno, podendo ser

utilizada em outras realidades, não sendo restrita ao samba somente.

Foi possível compreender a relação entre conhecimento e a arte num

movimento circular de saberes, ou seja, a educação num sentido amplo que valorize

as falas dos jovens e pessoas envolvidas no processo observando suas várias

leituras de mundo e diferentes linguagens, usufruindo das suas próprias

experiências na construção do conhecimento atribuindo-lhe sentido, visto que, como

pontua Vygotsky (1998, p. 28), “a compreensão da linguagem escrita é efetuada,

primeiramente, através da linguagem falada.”

O presente trabalho foi estruturado visando fazer um paralelo entre Cultura e

o Aprendizado, para tanto se desenvolveu uma estrutura onde o trabalho foi dividido

em três partes, que serão cada uma dessas partes um capítulo desse estudo.

Na primeira parte é feito um panorama histórico sobre o carnaval, a fim de

entendermos a origem dessa festa e a partir disso pensar na sua introdução no

Brasil, até chegarmos aos dias atuais, e no seu papel social, construído ao longo da

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história, e também um panorama sobre o que é ser carnavalesco, qual sua função, e

suas obrigações dentro de uma comunidade.

Partindo desse histórico, é feita uma pesquisa teórica sobre cultura e o seu

papel na educação, onde é possível verificar através da teoria como a cultura e o

cotidiano é/foi pensado como formas de auxiliar no aprendizado, para com isso

termos um aporte para entrarmos no caso específico que será tratado na terceira

parte do estudo.

Essa terceira parte ficará responsável por fazer uma análise descritiva dos

dois casos escolhidos para estudo, passarei dados dos enredos das escolas de

samba Mancha Verde, e Dragões da Real, como foi o trabalho de barracão, qual foi

a ideia do enredo e onde serão mostradas ainda algumas entrevistas realizadas, a

fim de observarmos o impacto desse tipo de ensino nas pessoas envolvidas.

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2 CARNAVAL E PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL

A partir desse momento será enfocado o Carnaval enquanto festa popular,

capaz de agregar grande número de indivíduos bem como movimentar vultosas

quantias de capital, sendo atualmente responsável por aquecer a economia do país,

mais especificamente no caso do presente estudo a economia da cidade de São

Paulo, sendo ainda responsável pela vinda de grande quantidade de turistas de

outras regiões do país bem como de outros países.

Para melhor entendermos como o Carnaval se tornou esse fenômeno cultural

(e econômico), a partir de agora será feito um breve histórico de como se

desenvolveu essa festa até os dias atuais, e qual é a parte do carnavalesco nisso

tudo.

2.1 Breve Histórico do Carnaval

Antes de entrarmos propriamente dito numa abordagem sobre o Carnaval

paulistano, é importante entendermos a origem do Carnaval enquanto festa popular.

De forma geral, o Carnaval é um espetáculo que, segundo Bakhtin (1993)

teve origem na dramatização, nos rituais e festas a Dionísio. Durante a realização da

festa, há a anulação de algumas regras de comportamento, só se pode viver de

acordo com as leis da liberdade onde “tudo” é permitido lembrando que alguns

extremos são coibidos, estando essa liberdade restrita a seriedade de

comportamento. Nesse sentido o Carnaval surge como cultura do oprimido,

possuindo um aspecto cômico popular e público de caráter universal. Não era uma

simples forma artística de espetáculo teatral. Mas uma forma concreta da própria

vida. É a segunda vida do povo baseada no principio do riso.

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Nesse sentido é importante destacar que o carnaval teve origem antes

mesmo que o Brasil fosse descoberto. No entanto não é possível garantir que tenha

sido nesse momento que o Carnaval tenha tido seu início, pois existem várias

interpretações para isso, variando desde a ideia do seu surgimento a seis mil anos

atrás pelos antigos, para louvar as boas colheitas agrárias, até a ideia de que teria

surgido somente no início da era Cristã. Nesse momento fora o Carnaval

regulamentado pelo Bispo de Roma, Gregório I, o Grande, que em 590

regulamentou as datas do Carnaval, criando a Expressão “Dominica ad carne

levandas”, segundo Araújo (2000) essa expressão que foi sendo abreviada, dando

origem a palavra Carnaval. Não posso ainda deixar de citar o Carnaval de Veneza,

também conhecido por ser um dos carnavais mais antigos do mundo e famoso pelos

seus bailes de máscaras, conforme imagem abaixo:

Figura 01: Mascaras do Carnaval de Veneza

Fonte: www.janelanaweb.com/viagens/veneza.html

No entanto não é única a explicação para a origem da palavra Carnaval,

podendo também ser interpretada como oriunda da expressão “carna vale” (adeus

carne), ou de “carne levamen” (supressão da carne), esta última tendo origem

etimológica referente ao início do período da Quaresma que era, em sua origem,

não apenas um período de reflexão espiritual como também uma época de privação

de certos alimentos, dentre eles, a carne1.

Entretanto, dentre todas as possíveis interpretações para o início do Carnaval,

existe um ponto comum que está presente em todas - sua ligação, como é comum a

grande maioria das festas populares, com fenômenos astronômicos ou da natureza. 1 Segundo: RUSSO, Lilian. Um pouco da história e da origem do carnaval. Disponível em

http://ilove.terra.com.br/lili/palavrasesentimentos/carnaval_mensagem.asp Acesso em: 16 ago. 2011.

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A astronomia, nesse sentido é a responsável por definir a data do Carnaval

para os países que comemoram essa data (países com raízes cristãs).

Definido em 325 d.c, o “Cálculo Eclesiástico”, como foi convencionado

chamar, foi definido pelo Concílio de Nicea (primeiro Concilio Ecumênico do

Cristianismo) como sendo calculado da seguinte forma:

O Dia da Páscoa, por definição, é o primeiro Domingo após a lua cheia que

ocorre após o equinócio vernal, e pode cair entre 22 de Março a 25 de Abril. A

sequência dos dias de Páscoa se repete em ciclos de aproximadamente 5.700.000

anos. Ainda de acordo com essa definição: “O Carnaval acontece 47 dias antes da

Páscoa. Logo o Carnaval pode acontecer de 04 de fevereiro a 9 de março. Corpus

Christi acontece 60 dias depois da Páscoa. Logo Corpus Christi pode acontecer de

21 de maio até 24 de junho.” 2.

Nesse sentido vemos que o carnaval, como o temos nos dias atuais sofre

influência de sua origem no Cristianismo, sendo uma data que serve de ponto de

partida para a Quaresma, período de preparação para a Páscoa.

Por fim é possível observar que o Brasil por sua vez teve o carnaval trazido

pelos portugueses, que trouxeram a brincadeira de loucas correrias, mela-mela de

farinha, água com limão, no ano de 1723, surgindo depois as batalhas de confetes e

serpentinas, chamado de Entrudo.

2.2. Carnavalesco

“só se aprende a fazer carnaval aqui”, (no barracão). O barracão se apresenta, portanto, como o melhor aprendizado para quem quer trabalhar com carnaval. “Essa é uma grande escola”, onde se aprende a arte através

da arte. (Eduardo Caetano).

O carnavalesco é um verdadeiro operador de signos de linguagem. Opera

com informação e elementos, além de (inter) mediar indivíduos provenientes de 2 Informação disponível no site: http://inf.ufrgs.br/cabral/Pascoa.html. Acesso em: 16 ago. 2011.

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diferentes origens e classes sociais e culturais. Como nos ensina o antropólogo

francês Claude Lévi-Strauss, em sua obra O Pensamento Selvagem (1962), o

carnavalesco pode ser entendido também como um bricoleur manuseando e

manipulando signos finitos, classificando-os e pondo-os em ação, tais como escalas

cromáticas, tecidos e suas texturas, efeitos de brilho e leveza proporcionados por

transparências, miçangas, lantejoulas e paetês, descoberta de “novos” materiais

(ráfia e isopor, garrafas pet, cd’s, latas de tinta vazias, canudo de refrigerante), etc.

para contar uma história na avenida.

Figura 02: Carnavalesco Eduardo Caetano

Fonte: Rede de TV Bandeirantes

O carnavalesco por vezes pode atuar como aquele que estabelece a

“negociação” entre o enredo da escola e os objetivos do patrocinador, (isso quando

a escola consegue um patrocínio), estabelecendo, assim, uma convergência entre

os distintos interesses. Porém nem todos os carnavalescos assumem esse papel.

Hoje se fala muito na necessidade da profissionalização das escolas de

samba, entendida como business que envolve a venda dos direitos de transmissão

para as televisões, de fantasias e de cd’s, vagas na rede hoteleira, etc., realçada

pela relevância do carnavalesco, é uma tendência que se consolida. Contudo essa

profissionalização ocorre simultaneamente à ausência de contratos, tratos feitos “de

boca” e sustentados unicamente pela “palavra de honra” do responsável pela escola

de samba, pois nem todas as escolas fazem contrato registrado com esse tipo de

profissional.

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O lugar do carnavalesco como profissional estabelecido e disputado por seus

inventos artísticos deve ser necessariamente contraposto a seu outro lado, o da

precariedade e, por vezes, da descartabilidade diante da falta de um contrato de

trabalho formal respeitado e respeitável. A própria noção de categoria profissional,

tal como ela foi organizada no Brasil após os anos 1930, em sua forma corporativa,

ou seja, com filiação compulsória aos Conselhos, monopólio de representação e

tutela do Estado, precisa ser matizada no caso desses artífices. Nem o Estado se

constituiu em interlocutor dos carnavalescos ao longo do tempo, nem o diploma

universitário tornou-se uma exigência para o “ser artista do carnaval”, esse artista

responsável por um saber especializado, especifico, destacado por sua competência

técnica.

Não podemos, assim, enxergá-los como uma categoria profissional

homogênea e estável que conseguiria se auto-regular e garantir suas demandas por

um piso salarial, nem eles se adéquam as chamadas “profissões imperiais”

(medicina, direito e engenharia) à vinculação entre profissão e credencialismo

acadêmico característica do Brasil.

Perguntado sobre se “as relações pessoais do carnavalesco são mais

importantes” do que a assinatura de contrato com a escola de samba, Eduardo

Caetano afirma que são essas relações que assegurariam o vínculo empregatício do

carnavalesco. Num ambiente fortemente passionalizado, no qual o vínculo racional

dos indivíduos é diminuído pelo âmbito afetivo, pela paixão, torna-se difícil a

predominância das relações profissionais totalmente amarradas com a CLT.

Segundo Eduardo Caetano, do que ele conhece de Carnaval, as relações

pessoais é que são as relações de contrato, de amizade, inclusive de respaldo e de

respeito. Para ele carnaval é uma coisa de paixão, e quando a paixão domina o

afetivo, vai dominar tudo, inclusive nas relações profissionais.

Na minha pesquisa, pude perceber também, a responsabilidade que é

colocada sobre o trabalho do carnavalesco no que diz respeito ao resultado do

desfile da escola de samba, ou seja, a colocação que a escola ficará no Carnaval.

Mas não podemos nos esquecer também, que a maior responsabilidade do

carnavalesco está na plástica apresentada pela escola, o enredo, as alegorias e

fantasias. Porém, como no fim de tudo, o maior responsável pela glória ou não da

agremiação será o carnavalesco, Eduardo Caetano, por exemplo, procura se inteirar

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de tudo, e se diz feliz por isso, afinal, segundo ele, hoje o carnavalesco tem que ter

noção de bateria, comissão de frente, casal de mestre sala e porta bandeira e

harmonia, pois o resultado do seu trabalho, depende desses quesitos também, e

indiretamente ele se sente responsável por isso. Além disso, tem os destaques das

alegorias, e como o Eduardo Caetano tem um leque de amizades nesse meio, ele

acaba levando amigos para ocuparem esses lugares, uma vez que as fantasias são

de alto valor financeiro e quem banca é o destaque, ou seja, esses destaques

desfilam por amor a escola ou pela amizade com o carnavalesco.

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3 EDUCAÇÃO E CULTURA

Parto do pressuposto que o Carnaval é um elemento cultural que participa de

forma ativa da vida da população brasileira, mais especificamente da vida dos

indivíduos que estamos abordando nesse trabalho para os quais o Carnaval é não

somente um elemento cultural, mas também parte de suas identidades.

3.1. Definindo Cultura

Durante muito tempo a cultura foi pensada como única e universal, sendo

essa parte de uma ideologia monoculturalista, ou seja, detentora de uma identidade

única na qual a Educação era o caminho para o alcance das formas mais elevadas

de cultura tendo como modelo os grupos sociais mais educados, portanto mais

cultos. (Veiga-Neto, 2003).

Por muito tempo, a aquisição da leitura e da escrita eram utilizadas como

objeto de dominação, de poder e controle através de uma ideia superior de cultura

que possibilitava á uma minoria da população, as chamadas elites sociais,

econômicas e culturais, detentoras de um saber voltado para o modelo europeu, a

certeza de uma educação escolar voltada para o ensino superior subalternizando o

conhecimento popular.

Nesse sentido o conceito de cultura, porém, é muito mais abrangente, pois

implica em valores, e estando em constante processo de transformação, se

construindo ao longo do tempo na (con)vivência coletiva podendo ser modificado,

desconstruído e reconstruído pelo grupo que a partilha. Sob essa visão a cultura irá

significar tanto o que está a nossa volta, como o que está dentro de nós numa

perspectiva Multiculturalista, perpassando, tudo o que acontece nas nossas vidas e

todas as representações que fazemos desses acontecimentos.

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Segundo o professor Muniz Sodré (1999), cultura é muito mais que uma

concepção patrimonialista, ela está relacionada ao conhecimento, as formas de vida,

aos valores morais, a arte, religião e política. É a dinâmica de relacionamento que o

indivíduo tem com o real dele, com sua realidade, de onde vêm os conteúdos

formativos, ou seja, de formação para o processo educacional.

3.2 Cultura e Educação

A partir dessa concepção de cultura que foi exposta considera-se de uma

importância destacar que não ser letrado nos moldes tradicionais, ao contrário do

que se acreditava, não significa ser inculto.

Partindo disso é importante compreender o que as classes populares vêm

dizendo através do samba, das palavras, dos gestos, do canto, das insatisfações,

alegrias, choro, emoções ou silêncio. Como pontua Trindade (1999), mais

importante que ler palavras é ler o mundo, sem negar a importância da escrita.

Existem diferentes formas de linguagem que também possibilitam diferentes leituras

do mundo e para lê-las é preciso viver, apaixonar-se pela vida, pelo outro para a

partir daí ler os sentimentos, os gestos, os cheiros, os corpos, os sons, a boca, os

ouvidos, os olhos, o coração, as pernas, os braços, enfim, compreender o outro e

compreender-se.

Muitas vezes, as instituições de ensino tradicionais lidam com os alunos das

classes populares como se eles não tivessem suas próprias experiências, seus

próprios saberes, ou seja, como se nada tivessem à ensinar e nenhuma capacidade

para aprender, ou mesmo enxergam essa vivência no aluno como algo negativo,

que deve ser modificado, esquecido em prol de um “correto aprendizado”.

A linguagem oral, por exemplo, é o principal canal das expressões populares

que colabora na construção da memória popular. A Educação formal, por sua vez,

valoriza apenas o que está escrito esquecendo a dimensão oral que é de grande

importância para a vida cotidiana. Era através da oralidade, por exemplo, que as

histórias eram passadas de geração para geração, histórias essas, que, muitas

Page 20: TCC Marcos Antonio Passos

19

vezes, fazem ou fizeram parte do senso comum e deveriam ser abordadas na

dimensão escolar valorizando as vivências dos alunos e atribuindo sentido ao

aprendizado. È importante observar ainda que a não valorização da oralidade pode

ainda ser encarado como uma forma de segregação das classes populares, visto

que muitas não têm acesso à meios de comunicação escritos como jornais, livros e

revistas, sendo o “boca a boca” a forma acessível de comunicação, de informação e

de aprendizado.

É importante, portanto, ter em mente que o conhecimento está presente em

toda parte e de múltiplas formas, porém nem todos eles são ensinados na escola,

existindo uma seleção desses conhecimentos, resultando nos conteúdos

pedagógicos. Em nossa sociedade, os conhecimentos valorizados são os

determinados por processos sociais de controle que constam no currículo oficial e

exaltam a importância de currículos nacionais padronizados, os PCN’s (Parâmetros

Curriculares Nacionais). Dessa forma, o conhecimento das classes populares,

construídos no cotidiano, vão sendo negados na instituição educacional.

Assim, os alunos vão aprendendo a memorizar e repetir, principalmente

através do uso de cartilhas que inibe toda a capacidade criativa e autônoma dos

sujeitos através de conhecimentos específicos que cerceiam o aluno na

compreensão do real.

Vale ressaltar que não se deve retirar a importância contida nos conteúdos

pedagógicos para o desenvolvimento do individuo, bem como de seu futuro

enquanto cidadão e profissional, mas é necessário, porém, que haja a construção

desses conteúdos juntamente com os alunos, para que possam ser entendidas as

demandas desses alunos bem como fazendo que seja atribuído significado àquilo

que está sendo aprendido, o que viabiliza um diálogo construtivo entre os saberes

acadêmicos e os saberes populares.

Com base nisso, ressalto que a alfabetização é um processo contínuo de

construção-desconstrução de conhecimentos, sendo assim, a Escola de Samba

surge como um ambiente alfabetizador visto que este representa um local repleto de

sentido onde a criança e o adolescente se sintam atraídos, indo além das salas de

aula, bem diferente da fragmentação artificial imposta pela hierarquização dos

saberes construídos que padroniza o comportamento como ocorre, normalmente, no

processo de escolarização.

Page 21: TCC Marcos Antonio Passos

20

4 APRENDENDO COM O SAMBA

Após entendermos um pouco sobre as origens do Carnaval e de como a

educação pode ser utilizada em conjunto com a cultura e com a vivência do aluno, a

partir desse momento será feita uma análise das escolas de samba e de seus

enredos, como foram desenvolvidos os enredos, e qual foi a forma pedagógica

utilizada pelo carnavalesco. Colocarei também alguns trechos de entrevistas

realizadas com pessoas que participaram do processo, como, assistentes, ritmistas

da bateria, decoradores, membros da diretoria e foliões.

“O método natural de ensino é a intuição, a lição de coisas, o contato da inteligência com as realidades que ensinam, mediante a observação e a experimentação, feitas pelos alunos e orientadas pelos professores. São extremamente banidos da escola os processos que apelam exclusivamente pela memória verbal, as tarefas de mera decoração, a substituição das coisas e fatos pelos livros, os quais só devem ser usados como auxiliares de ensino.”

3 (LOBO, 1941, p.32)

4.1 Escola de Samba Mancha Verde – Carnaval 2005 e 2008

Enredo: Da Pré-história aos transgênicos: Mato Grosso. Uma Mancha Verde

no coração do Brasil. (Carnaval 2005).

Nesse momento irei fazer uma descrição do local e da escola a partir de

algumas visitas realizadas durante os ensaios na quadra da escola, e também

através de pesquisa realizada com o carnavalesco Eduardo Caetano, e com

pessoas envolvidas nesses enredos. Colocarei também, parte da minha vivência e

da minha pesquisa em relação a esses enredos que tanto me encantaram, falarei

3 Lição de coisas está inserida, como disciplina, no programa de ensino de 1941 para as escolas primárias

(programa mínimo), da Secretaria dos Negócios da Educação e Saúde Pública, promulgado pelo secretário José

Manuel Lobo, em 19 de fevereiro de 1925, que acabou estendendo este programa aos grupos e escolas isoladas.

Page 22: TCC Marcos Antonio Passos

21

sobre a dinâmica do local, e de como se deu a aprendizagem na escola, e no

barracão.

Figura 03: Carro Abre-alas – Mancha Verde/2005.

Fonte: Arquivo Pessoal

Em primeiro contato com a Escola de Samba, observa-se antes de qualquer

coisa, que embora seja uma escola que tenha saído de uma torcida de futebol, em

sua quadra não colocam nada que nos faça lembrar o time, tipo, bandeiras do

Palmeiras, ou hinos do time. Eles são focados na arte do Carnaval, gostam mesmo

é de samba. Prova disso, é que todos os sábados eles fazem uma roda de samba

raiz, que é aberta ao público e que tem como principal alvo os jovens que

frequentam a quadra da escola. A ideia é resgatar sambas antigos e levar ao

conhecimento desses jovens obras de Adoniran Barbosa, Chiquinha Gonzaga, Almir

Guineto, Clara Nunes, Aracy de Almeida, Pixinguinha, Cartola, Ismael Rosa e Noel

Rosa, todos que no passado fizeram parte do mundo do carnaval, nos deixando uma

obra rica, que prende a atenção desses jovens. Juntamente com essa roda de

samba cultural, pude perceber a prática pedagógica de Cachorrão, mestre de bateria

da escola, que aproveitando o interesse desses jovens, dá aula para os novos

ritmistas da escola, quem tem interesse em aprender tocar algum instrumento, basta

Page 23: TCC Marcos Antonio Passos

22

fazer sua inscrição e comparecer nos dias das aulas. Não tem custo e os melhores

são escalados para fazerem parte da bateria da agremiação.

Em um dos encontros com o carnavalesco Eduardo Caetano, ele me explicou

que muitas pessoas, nas suas maiorias jovens que frequentam a quadra da escola,

ao prestigiarem a roda de samba, e tendo contato direto com os ritmistas do grupo e

a obra apresentada, acabam tendo interesse em aprender a tocar também, e logo

procuram o mestre Cachorrão, ou outra pessoa da administração da escola para

fazerem sua inscrição. Ou seja, primeiro tiveram algum tipo de contato com os

instrumentos, e isso despertou o interesse artístico neles. Grandes partes dessas

pessoas se interessam por vários instrumentos, por isso, o mestre de bateria, deixa

os novos alunos terem contato com todos os instrumentos que tiverem interesse, e

depois de acordo com a aptidão de cada aluno, vai direcionando as aulas, mas

jamais impõe ao aluno um instrumento, pois se o novo ritmista ficar com um

instrumento que não goste, ou, que tenha dificuldade em tocar, logo ele abandona

as aulas, e é justamente isso que o Carnavalesco e o mestre querem evitar.

4.1.1 Pesquisa do enredo de 2005

O enredo da escola no ano de (2005) era sobre o Estado do Mato Grosso, e

cada ala representava a fauna a flora e dados históricos do estado, assim como os

carros alegóricos. Eduardo Caetano fez uma pesquisa muito detalhada, e se

preocupou em levar dados concretos e educativos para a avenida. Segundo ele,

pelo fato de também ser professor de artes, e ter contato diário com alunos de várias

classes sociais, entende a dificuldade de alguns alunos com a história em geral, pois

eles não conseguem assimilar os dados históricos, muitos deles alegam que a

matéria de história é difícil por ter muitas datas ou acontecimentos para serem

“decorados”.

Porém Eduardo Caetano não pensa assim, como carnavalesco e antes de

tudo professor de artes, ele acredita, que um enredo detalhado, com boa pesquisa e

Page 24: TCC Marcos Antonio Passos

23

rico em detalhes, depois de desenvolvido prenderá a atenção dessas crianças e

adolescentes, e através da arte, fará com e esses jovens entendam o que ocorreu e

ainda ocorre na história, nesse caso, do Estado do Mato Grosso. Eduardo acredita

que muitos jovens conseguem entender os fatos históricos antes de tudo através de

imagens. Ele diz que é por isso que procura sempre apresentar um enredo de fácil

leitura, para ele além dos jurados, o importante é que o público em geral consiga

entender o que ele quer passar e informar, com os protótipos das fantasias

apresentados para a comunidade, já consegue sentir se através da imagem, a

comunidade conseguiu ou não entender o enredo, se a leitura do mesmo foi fácil e

didática e se foi correta a leitura, se as pessoas presentes tiveram dificuldade de

entendimento ou não, se tiveram dificuldade, ele sempre quer saber que dificuldade

foi essa, pois a leitura por imagem e seu entendimento depende do meio em que

vive o individuo. Ainda segundo Piaget (1998, p.94), “as crianças consideram seus

conhecimentos e seus julgamentos históricos relativos ao grupo social ao qual

pertencem, ou seja, sujeitos à contestação e à revisão da parte dos outros, ou

comuns a todos os homens, e, portanto absolutos.”

Partindo desse pensamento, para elaborar o enredo da Mancha Verde sobre

o estado do Mato Grosso, o carnavalesco Eduardo Caetano procurou começar

contar a história do estado desde a era glacial, onde tudo começou, passando pelos

dinossauros que habitaram a região milhões de anos atrás4, até chegar aos

transgênicos. Segundo ele, além de ser um enredo completo, foi pensado também

na necessidade de passar parte da história do estado através da arte e de uma

forma didática, para conseguir atrair a atenção dos jovens, e aumentar o interesse

dos mesmos para o enredo da escola. E deu certo, conforme os trabalhos do

barracão foram sendo iniciados, muitas pessoas da agremiação vieram tirar dúvidas

sobre o enredo, e sobre a concepção do mesmo, fazendo com que debates fossem

abertos e as dúvidas fossem esclarecidas, pois o carnavalesco acredita que cada

componente da escola tem que saber o porque de sua fantasia e o que ela

representa dentro do enredo. Segundo o carnavalesco, antes de fazer com que os

jurados entendam o seu trabalho, ele tem que fazer com que a comunidade entenda

o mesmo e sintam alegria em estar fazendo parte desse trabalho, e foi isso o que ele

fez nos anos em que foi carnavalesco da agremiação.

4 Fonte de pesquisa, site, PT.wikipedia.org/wiki/Dinossauros_no_Brasil. Acesso em: 16 ago. 2011.

Page 25: TCC Marcos Antonio Passos

24

Conforme os trabalhos do barracão foram tomando corpo, a comunidade foi

entendendo melhor o enredo e conhecendo mais detalhes sobre a fauna e a flora da

região, e o interessante é que muitas dessas pessoas acabaram aprendendo coisas

sobre o estado que nem mesmo nas aulas de história ou de geografia das escolas

onde estudavam tinham aprendido, e isso foi muito gratificante para todos.

E também foi pensado na valorização do negro dentro do estado e na cultura

nacional, no enredo falou-se do negro que faz parte da história do estado,

apresentando seu lado forte e guerreiro, falou-se do negro que fez valer sua cultura,

o carnavalesco diz que é muito importante passar as guerras e lutas vencidas pelo

povo negro, pois negro não foi somente escravo e fraco, negro deixou muita cultura

e sabedoria para todos nós, e isso tem que ser valorizado.

Perguntamos quem já havia ouvido falar de Teresa de Benguela, e por

incrível que possa parecer, a maioria das pessoas não conheciam, mesmo as que

ainda estudavam, passamos a história, pois fez parte do enredo, e dessa forma mais

uma vez, educamos e informamos através da arte.

“Teresa de Benguela viveu no século XVIII, Foi casada com José Piolho, que chefiava o Quilombo do Piolho ou Quariterê, no rio Guaporé, em Mato Grosso. Quando seu marido faleceu, assumiu a chefia do quilombo. Revelou-se uma líder ainda mais implacável e obstinada que o falecido. Valente e guerreira, comandou uma comunidade de três mil pessoas, crescendo de tal forma que chegou a agregar índios bolivianos e brasileiros, fato que incomodou a Coroa, uma vez que influenciava a luta dos bolivianos e americanos (ingleses e espanhóis) para a passagem de mercadorias e internacionalização da Amazônia. A Coroa agiu rápido e enviou uma bandeira para acabar com os quilombolas. Presa, Teresa suicidou-se.”

5

Por outro lado, é sempre bom mostrarmos para os negros da escola que

temos que ter autoestima, que temos valor, que podemos buscar nossos sonhos,

nossa cor de pele não nos fazem melhor nem pior, nossa cultura e nossos

antepassados nos fazem iguais a qualquer raça. Preocupou-se também com os

índios, que até hoje enriquecem a cultura e o artesanato do estado, e que merecem

nosso respeito.

Abaixo letra do samba de enredo do Carnaval 2005, essa letra foi baseada na

sinopse do enredo da escola, desenvolvido por Eduardo Caetano.

5 Citação retirada do site: http://capoeira.wikia.com/wiki/Capoeira_mulheres. Acesso em: 16 ago. 2011.

Page 26: TCC Marcos Antonio Passos

25

MANCHA em poesia Na história foi buscar

um carnaval pra te emocionar Mato Grosso terra cheia de encantos

De metamorfose radical Admirar, sua formação sua grandeza

Relicário de beleza, no coração do meu Brasil Na chalana naveguei, pelo mar de Xarayés

O meu sonho conquistei, encontrei o meu amor Onde o verde é a esperança e o branco é a paz

O meu samba é a MANCHA que o tempo não desfaz Iê eis o bailar das borboletas

Iê a passarada a revoar Flora traz a melodia

Vitória-Régia és o meu cantar Cerrado, que viu nascer a febre do ouro

Em Vila Bela este imenso tesouro Virou cobiça e ambição

No Guaporé negro lutou, contra o terror Quanta bravura, hoje faz valer sua cultura

Alto-Xingú, o índio gigante guerreiro O Araguaia e o povo místico, verdadeiro brasileiro

Cenário de grande ascensão Deus abençoe este grão, tens o futuro a conquistar

O mundo, sagrada raiz Mato Grosso meu estado, meu país

Vai passar a mais querida MANCHA VERDE na avenida

De "chapa e cruz" mato-grossense eu sou Que esplendor

Page 27: TCC Marcos Antonio Passos

26

4.1.2 Enredo 2008 – Ariano Suassuna

O enredo da escola nesse ano de 2008 era sobre a obra do escritor, poeta e

dramaturgo Ariano Suassuna, além da cultura do nordeste que é tão bem retratada

em sua obra. Cada ala da escola representava partes de sua obra, o por esse

motivo, ao apresentar os protótipos das fantasias de cada ala, o carnavalesco

explicava o significado das fantasias e o motivo da ordem do desfile.

Figura 04: Ariano Suassuna em carro alegórico – Mancha Verde/2008.

Fonte: Arquivo Pessoal

Para preparar o enredo e a sinopse, o carnavalesco foi até Pernambuco

entrevistar o homenageado, e com isso saber mais detalhes sobre sua vida e sua

obra. O carnavalesco Eduardo Caetano procura ir a fundo a suas pesquisas, por

esse motivo conta com a ajuda de dois amigos, um é professor de literatura e outra

é professor de história. Diz que sabe qual é a sua responsabilidade ao passar uma

informação, e preparar um enredo tão rico. Depois de fazerem todas as devidas

pesquisas e deixarem a sinopse pronta, começa o trabalho de preparo no barracão.

Page 28: TCC Marcos Antonio Passos

27

Figura 05: Preparativos para o desfile – Dragões/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

O foco inicial do carnavalesco no barracão é explicar a todos o enredo, qual

sua origem, quem é o homenageado e o significado de cada fantasia e cada

alegoria. Eduardo disse que se ele tem uma equipe bem informada o trabalho rende

muito mais, e o que é mais importante, sua equipe pode ajudar nas idéias de

decoração das alegorias e até mesmo na confecção das fantasias. Se a equipe sabe

exatamente a história que será contada os erros diminuem e isso evita o atraso dos

trabalhos.

O carnavalesco diz que Ariano Suassuna é um defensor da cultura do

nordeste, e que essa cultura é muito rica, e embora em São Paulo tenhamos muitos

nordestinos, muitos deles desconhecem quem é Ariano Suassuna, e não sabem

nada de sua obra, com esse enredo, ele diz que conseguirá mostrar a eles e aos

demais integrantes da escola que também não conheciam o homenageado, a

importância da sua obra.

Page 29: TCC Marcos Antonio Passos

28

Figura 06: Carro Mancha Verde 2008 – Alma de Palhaço – O carro mais comentado do ano.

Fonte: Arquivo Pessoal.

O carnavalesco pode usar também muita teatralidade, que por sinal o deixou

muito feliz, pois segundo ele, as artes plásticas e o teatro unidos no

desenvolvimento de um enredo enriquecem muito o visual e a apresentação do

mesmo, fazendo com que a leitura tanto para o público quanto para os jurados seja

mais clara. Vendo pelo lado pedagógico, muitas pessoas possuem facilidade na

leitura visual, acabam entendendo melhor a história na avenida do que na sinopse

começando pela comissão de frente, que representava o Auto da Compadecida, e

que vinha interagindo com o carro abre-alas da escola.

4.2 Escola de Samba Dragões da Real – Enredo: A FELICIDADE SE CONTA EM

CONTOS. Carnaval – 2011.

Esse enredo escolhido pelo carnavalesco fala de contos infantis, mais

propriamente dos contos dos irmãos Grimm, ele partiu para esse tipo de enredo,

pois queria uma escola mais leve, e também um enredo que fosse de fácil leitura,

segundo ele, quem não gosta de contos infantis?

Page 30: TCC Marcos Antonio Passos

29

Figura 07: Carro Alegórico – A Floresta Proibida e a Bruxa – Dragões/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

Além disso, escolheu esses contos, pois eles possuem um lado muito

educativo, no final de cada história podemos discutir com nossos alunos a lição que

podemos tirar do que esta escrito e levarmos para o nosso dia a dia, podemos fazer

um debate e uma reflexão indo para a época em que os contos foram escritos, e

voltando para os dias atuais, fazendo as comparações das obras com nossa

realidade. E qual adulto que não gosta de um conto de fadas, quem não se lembra

de um conto que escutou quando criança?

Eduardo diz que não é um enredo infantil, é um enredo que trás de volta a

criança que existe dentro de cada um de nós, trata-se de um enredo que nos leva há

outros tempos. No inicio da pesquisa ele se preocupou mais em detalhar quando os

contos infantis começaram a serem divulgados e escritos. Segundo ele, em meados

do século XVII e inicio do século XVIII, com a queda do sistema feudal e o

nascimento da família burguesa, a infância passa a ser valorizada. O francês

Charles Perrault e, posteriormente, os alemães Jacob e Wilhelm Grimm e o

dinamarquês Andersen publicaram consagradas obras literárias infantis, as quais

Page 31: TCC Marcos Antonio Passos

30

criaram a partir da coleta de histórias veiculadas pela tradição oral. Esses autores,

através de seus contos, abrangiam além de intentos moralizantes, abordando os

costumes, a moda da elite da época, o encantamento, a magia e, quase sempre, um

final feliz. Os irmãos Grimm têm suas histórias traduzidas em diversas línguas, que

são apreciadas pelo mundo como obras primas da literatura infantil. Seus contos

aliam deslumbramento e ambientes mágicos a temas populares.

Figura 08: Carro Alegórico – João e Maria e a Casa de Doces – Dragões/2011

Fonte: Arquivo Pessoal

Sabemos que a obra infanto-juvenil deve propor temas interessantes que prendam a

atenção do leitor, sem uma linguagem complicada ou demasiada simplificada, que

subestime sua capacidade de interpretação ou seu entendimento. A elaboração do

enredo, fantasias e alegorias, também partiram desse principio, para o carnavalesco

o desfile em si tinha que ser didático, e também deveria aguçar a imaginação de

todos os componentes da escola e do público que estivesse assistindo ao desfile.

Pensando como educador, o carnavalesco diz que não podemos nos

esquecer que a importância da literatura infanto-juvenil é inquestionável,

Page 32: TCC Marcos Antonio Passos

31

principalmente para crianças e jovens em idade escolar, pois desenvolve

potencialidades mentais e espirituais, tanto na área da linguagem, quanto da

escrita. Para ele esse tipo de literatura contribui de forma expressiva para a

concepção integral do ser humano, visto que proporciona uma reorganização das

percepções do mundo. A convivência com textos literários permite que as crianças e

adolescentes sejam melhor capacitados para emancipar-se, desenvolvendo senso

critico, assim, relacionando as obras lidas com a realidade vivenciada por eles

próprios. O que faz com que esse leitor “de asas a sua imaginação”, tornando-se um

personagem da história lida.

Figura 09: Carro Alegórico – As Três Folhas da Serpente e O Músico de Bremen. Dragões/2011

Fonte: Arquivo Pessoal

A meu ver, a importância do conto de fadas é muito grande, pois tudo o que

vivemos nesse mundo é um reflexo do que se passa no mundo do Todo-Possível,

ou seja, no mundo das potencialidades infinitas. Daí que nossos desejos e os

nossos obstáculos nunca se apresentam sob uma forma real, sendo apenas

projeções os nossos condicionamentos mentais. Encontrar o verdadeiro sentido

daquilo que vivemos consiste em descobrir o seu lugar no seio da realidade total.

Page 33: TCC Marcos Antonio Passos

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Figura 10: Carro Alegórico – O Lago Dos Inocentes e o Castelo De Cristal – Dragões/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

O enredo deu maior ênfase às obras: A gata borralheira, Os sete corvos, O

pequeno polegar, João e Maria, Os músicos de Bremen, A bela adormecida, Branca

de neve e os sete anões, O príncipe e o sapo, O flautista de Hamelim, e O

chapeuzinho vermelho.

Samba-enredo 2011

Vem ser criança, vem brincar No mundo da imaginação

Viver a fantasia Voar com meu Dragão

Era a Floresta Proibida Onde a bruxa ali vivia

Fechando os portais da imensidão Terra de encantos com seus personagens

Um mundo mágico de sedução

Espelhos... ao refletir toda magia Os guardiões que proibiam

Page 34: TCC Marcos Antonio Passos

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Os pensamentos a voar No País de faz de contas As três folhas da serpente

Se faz presente... pro encanto se quebrar

Tem sinfonia no ar... que vai te encantar São músicos felizes a tocar

Num reino maravilhoso Que o gênio da garrafa irá mostrar

Tudo era gigante para o pequeno polegar

Flores falam e dançam para uma bela acordar Branca de neve com os sete anões a festejar A casa de doce pra João e Maria, saborear

Me leva oh imaginação prá outro lugar

Onde duendes, fadas, rainhas na passarela vão desfilar No lago dos inocentes surge um castelo de cristal

Eu trago alegria e felicidade Sou Dragões da Real.

Figura 11: Mestre-Sala e Porta-Bandeira – Encanto das Borboletas – Dragões/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

Page 35: TCC Marcos Antonio Passos

34

4.3 Um Olhar Sobre o Processo Educativo no Barracão

Doze equipes foram responsáveis pela execução do trabalho de barracão da

escola para a elaboração do desfile de 2011: ferragem, carpintaria/marcenaria,

escultura, laminação, costura, pintura, espuma, iluminação, mecânica, adereços,

uma equipe de pesquisa de enredo, sendo que essa equipe é constituída de amigos

do carnavalesco, entre eles, professor de história, e professor de literatura, pois para

o carnavalesco a pesquisa do enredo tem que ser séria e rica em detalhes, e por

último, uma equipe que é muito próxima ao carnavalesco, trata-se da equipe de

criação e pesquisa de materiais alternativos, essa equipe será a responsável pela

elaboração dos protótipos das fantasias e pesquisa de materiais alternativos para se

conseguir novos efeitos e textura nas alegorias. É importante dizer que a equipe de

serralheiros e escultores são de Parintins.

Figura 12: Comissão de Frente – Fadas – Dragões/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

Page 36: TCC Marcos Antonio Passos

35

Além das equipes especializadas, constituem o “corpo funcional” do barracão

o pessoal da segurança, portaria, limpeza, e da cozinha. A administração está ligada

a presidência e a diretoria da escola, muitos fundadores fazem parte dessa

administração, trata-se de uma escola de samba nova, completou 11 anos de vida.

A concepção do enredo e a coordenação da produção dos carros alegóricos

no barracão cabem ao carnavalesco. Convém destacar que esse aspecto das

atividades teve especial interesse por mim, na medida em que o andamento do

trabalho no barracão se relaciona não apenas ao tipo de administração da escola,

mas também ao estilo do carnavalesco. Ressaltando que estilo, nesse caso, refere-

se tanto ao aspecto estético quanto à forma de gerenciamento do trabalho. Cada

escola trabalha de um modo diferente, escola e carnavalesco no caso. Tem

carnavalesco que prefere não dar o desenho para a equipe, e sim ir passando a

idéia conforme o trabalho vai sendo executado, o funcionário tem que captar a ideia,

e ir fazendo o seu trabalho. Já o carnavalesco Eduardo Caetano, faz questão de dar

a planta baixa do carro alegórico, com vista lateral, vista frontal e arte final. Aí fica

mais fácil para a equipe trabalhar, pois com o desenho e a explicação do mesmo, a

equipe vai dando o andamento no trabalho mesmo sem a presença do

carnavalesco.

A contratação dos profissionais que trabalharam no barracão foi realizada

pelo presidente da agremiação, com aval do carnavalesco, sendo que muitos

profissionais foram indicados pelo próprio carnavalesco, pois trata-se de pessoas

que já trabalharam com ele em outras agremiações. Outros profissionais foram

formados na própria escola, na verdade, a maioria deles aprenderam a profissão no

próprio ambiente de trabalho, e, para muito deles, ambiente de trabalho é sinônimo

de barracão. O índice de escolaridade verificado não é muito alto, pode-se dizer que

a maioria dos funcionários não possuem o ensino médio completo, mas para esses,

a aprendizagem que se desenvolve no local de trabalho é o elemento preponderante

para a sua formação profissional.

A ideia de uma formação que se dá ao longo do tempo no ambiente de

trabalho é tão arraigada que mesmo aqueles trabalhadores que tiveram acesso à

formação escolar e/ou profissional ressaltam a sua importância. Perguntei sobre

onde aprenderam a sua profissão, esses trabalhadores, invariavelmente,

responderam “na escola e no barracão”, revelando a sua consciência em relação a

Page 37: TCC Marcos Antonio Passos

36

importância da articulação entre os conhecimentos adquiridos na escola e no local

de trabalho. A experiência conta muito, e a ideia de uma aprendizagem que se faz

continuamente na pratica é dominante, para mim, no barracão há sempre a

possibilidade de aprender coisas novas.

A forma de ingresso mais comum no barracão é por meio do convite de

amigos e familiares, ou ainda, através dos mutirões que a escola organiza para

adiantar os trabalhos, isso tudo organizado pelo carnavalesco, a diretoria da escola

e sua equipe. Boa parte do pessoal é muito jovem, e muitos deles tiveram a

oportunidade de “progressão” a partir da aprendizagem no trabalho. Laryssa,

diretora da escola, afirma: “Eu comecei confeccionando fantasias, depois fui para a

bateria, ala das baianas, harmonia e diretora de destaques, hoje além de tudo isso,

cuido dos projetos sociais, enfim, onde precisar eu estarei, pois faço tudo por amor a

escola”.

Além da formação específica, dois aspectos se destacaram no que se refere a

aprendizagem que se efetiva no barracão: a amplitude do universo de trabalho e as

relações humanas que ali se estabelecem. As inúmeras possibilidades abertas pelo

barracão em função da diversidade de atividades que ele comporta dentro de um

mesmo espaço físico foram levantadas por vários integrantes da escola. As palavras

do carnavalesco Eduardo Caetano, ilustram essa situação privilegiada de

aprendizagem propiciada pelo ambiente de trabalho. “No barracão, mesmo sendo da

escultura, ou da costura, um aprende o oficio do outro, pode ser da carpintaria, que

aprenderá tudo sobre ferragem. Porque o barracão é como se fosse uma família só.

Quando um precisa do outro, encontra ajuda, se esse outro não souber, aprenderá a

função do amigo, e assim faço com que todos vão aprendendo”.

O bom relacionamento pessoal também me chamou muito a atenção.

Acredito que a primeira coisa que se aprende, assim de cara, em um barracão é se

relacionar com as pessoas, é conviver com as pessoas e com costumes diferentes,

porque você vê todo tipo de gente lá dentro. Então o meu grande aprendizado lá

dentro foi o aprendizado da vida, o aprendizado da convivência e da tolerância. O

coleguismo e o companheirismo nos leva a facilitar o trabalho do outro.

Na análise do processo de aprendizagem no barracão, o carnavalesco

emerge como mestre, e conta com a ajuda dos chefes de equipe. Os serralheiros e

os escultores são de Parintins, e nesse caso ao serem contratados cada chefe trás

Page 38: TCC Marcos Antonio Passos

37

sua própria equipe, sendo também o responsável pelo treinamento dos mesmos,

porém a supervisão de todo esse trabalho é feito constantemente pelo carnavalesco,

porque as formas como eles organizam o trabalho em suas equipes podem

favorecer ou não o processo de ensino-aprendizagem. Segundo o carnavalesco, nas

demais funções do barracão, grande parte da equipe aprendem a trabalhar através

da observação, ou seja, eles possuem um aderecista muito experiente, e os seus

ajudantes fazendo a observação do seu trabalho vão aprendendo também. Vejo que

isso é feito, por dois fatores, um deles é a falta de mão de obra e vivência na área,

fazendo com que a escola prepare seus profissionais, o outro fator é financeiro, falta

dinheiro para trazer mão de obra especializada de fora.

Figura 13: Comissão de Frente – Magos – Dragões/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

Para o carnavalesco, essa também é uma oportunidade para esses jovens

aprenderem uma profissão, saírem das ruas, e também irem se acostumando com o

ambiente profissional, suas normas e suas regras. É evidente que nem todos os

jovens se dedicam totalmente, mas a oportunidade é dada a todos. Com o passar

Page 39: TCC Marcos Antonio Passos

38

dos dias, o carnavalesco vai analisando como esses jovens estão se saindo, por

exemplo, ele verifica se o jovem que foi aprender carpintaria está se saindo bem, se

essa é realmente a habilidade dele, e principalmente se esse jovem está gostando

desse tipo de oficio, pois para ele, esse é um dos principais caminhos para que esse

jovem não desista do que está aprendendo e fora isso, se o aluno gostar do que faz,

ele aprenderá com maior facilidade. Se na sua observação, identificar algum

aprendiz insatisfeito em uma determinada área, ele faz a mudança sem problemas,

o que vale é sempre a habilidade do aprendiz.

A formação proporcionada pela escola é considerada importante para a

aprendizagem do conteúdo do trabalho. Convém destacar que, com poucas

exceções, a parcela dos entrevistados que considera essa formação relevante é

exatamente aquela que apresenta os maiores níveis de escolaridade. A disciplina

que foi citada com maior frequência, dentre aquelas que apresentam afinidade com

o trabalho desenvolvido, foi a matemática. Pois no barracão, ler plantas, “ver”

medidas, conhecer escala, e saber porcentagens tem muita importância. História e

Geografia também são importantes para o entendimento do enredo, e o enredo por

sua vez, ajuda os integrantes do barracão entenderem mais de história e geografia.

Sobre o assunto, Eduardo Caetano destaca que, “os jovens que vem trabalhar,

através do enredo aprende história e geografia, através de materiais de geometria

como a régua, fazendo contas para esquadrinhar um desenho para ampliar, ou

fazendo uma conta para dar o número certo de espelhinhos, eles sem saber estão

aprendendo mais de matemática.”

O trabalho geralmente é passado do carnavalesco para o chefe de equipe, e

esse distribui as tarefas para os demais componentes do barracão, a tarefa tem a

supervisão final do carnavalesco e até mesmo do presidente da escola. O

carnavalesco passa as informações de um forma clara e didática, tirando todas as

dúvidas que forem surgindo no decorrer das reuniões ou dos trabalhos no barracão.

O conhecimento do processo de trabalho revelou-se como um conhecimento

comum. Todos foram capazes de descrever com detalhes as etapas do trabalho que

é desenvolvido no barracão. Etapas que não são compreendidas por eles como

momentos isolados, mas que, pelo contrário, são sempre associadas à ideia de uma

“engrenagem.”

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39

Mas, apesar do profundo conhecimento que têm do processo de trabalho, há

uma etapa que não está ao seu alcance: a concepção do enredo que está sendo

executado. Em decorrência, desconhecem também o plano de trabalho que organiza

as suas atividades. È evidente que os chefes de equipe ao serem contratados, ficam

sabendo qual é o plano do carnavalesco, mas isso dá a eles apenas uma noção

geral do trabalho, com o passar do tempo, e já com os trabalhos no barracão, é que

o carnavalesco vai dando maiores detalhes, vai passando as mudanças que forem

necessárias fazer, vai explicando o enredo e a importância desse enredo. Embora o

enredo seja sobre contos infantis, muitos integrantes da escola e do barracão

desconheciam várias histórias que seriam contadas, por esse motivo, houve a

preocupação do carnavalesco em explicar o enredo e cada história que seria

contada, ele acredita que não basta dar um desenho e mandar a equipe fazer a

alegoria e a fantasia, o que importa acima de tudo é que ele saiba o que está

fazendo, o significado de cada coisa dentro do enredo, não adianta simplesmente

mandar fazer uma cobra, quem está trabalhando na alegoria tem que saber em qual

parte do enredo essa cobra entra, qual é a história, o significado, assim tudo é feito

com mais detalhes, e o funcionário tendo conhecimento do motivo daquela cobra

estar sendo feita, poderá até dar ideias, para melhorarmos o trabalho. Para o

carnavalesco, após o início dos trabalhos de barracão, o conhecimento do enredo

não pode mais ficar restrito somente a ele.

Perguntei sobre a importância de que esse conhecimento seja estendido a

todos os trabalhadores, e eles se dividiram. Alguns afirmam não haver nenhuma

necessidade de conhecer o enredo para o desenvolvimento do seu trabalho. Outros

afirmam que, embora não haja necessidade, o conhecimento do enredo possibilita

um maior envolvimento com o trabalho. E há ainda uma outra parcela que entende

que o conhecimento sobre a concepção artística do enredo lhes permite maior

controle e participação no processo de trabalho, bem como um melhor desempenho

profissional. Expressões como “é melhor porque eu sei o que vou estar fazendo”,

porque “eu vou ter mais chance de pesquisar” ou ainda porque “aí a gente pode dar

ideia para o carnavalesco” revelam esse sentido.

Para finalizar, gostaria de apontar um aspecto que atraiu a minha atenção

durante o período em que estive acompanhando o carnavalesco e o trabalho do

barracão: o tipo de vínculo que esses trabalhadores estabelecem com o trabalho e

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com seus colegas de barracão. Acredito que isso merece destaque pela importância

que assumem no processo de ensino-aprendizagem na medida em que contribuem

para a criação de um ambiente favorável para o desenvolvimento do mesmo.

Observei um grande envolvimento dos trabalhadores com sua atividade, que

pode ser medido pela participação intensa do grupo na busca de soluções para os

desafios que surgem no desenvolvimento do trabalho, e isso se estende a toda a

diretoria da agremiação, eles são unidos e se respeitam, e passam isso a todas as

pessoas do barracão. Esse envolvimento pode ser explicado não apenas pelo fato

de que a esmagadora maioria gosta de carnaval, tendo grande satisfação de deixar

sua marca no produto final do trabalho, mas principalmente pelo fato de eles

gostarem do trabalho que realizam. Laryssa, ao contar como começou a trabalhar no

barracão, explicita a sua paixão: “só não participei do primeiro carnaval, acho que

fazem algo perto de dez anos, já transitei por diferentes departamentos, no início,

fazíamos tudo até mesmo confeccionar fantasias, já desfilei de destaque,

componente de ala, bateria, harmonia, baiana e etc...; Posso dizer que já passei por

todos os setores, não só como alguém da organização da escola, mas como

membro, o amor pela escola é maior do que qualquer cargo, onde a Dragões

precisar, estarei lá! Eduardo Caetano também fala da sua ligação com o trabalho de

uma maneira muito expressiva: “minha paixão pelo que faço é meter a mão no

trabalho mesmo, eu não sei ficar somente dando ordem, eu gosto de dar o exemplo

e fazer também.”

Não posso deixar de falar dos projetos sociais que a escola de samba realiza

todos os anos, não é um projeto direcionado aos funcionários do barracão, mas sim,

para as pessoas da comunidade, sendo em sua maioria, crianças e adolescentes

carentes, em relação a isso, a diretora Laryssa, falou: “em dezembro de 2003

realizamos o primeiro Natal solidário da escola, esse Natal eu sempre fiz a anos em

abrigos e hospitais, com a escola achei que poderia atingir um número maior de

crianças carentes, e fizemos para 500 crianças, desde então organizo e realizo essa

festa, acho importante não só a festa mas resgatar a possibilidade dessas crianças

sonharem e desejarem algo melhor para elas, oferecer mesmo que em um dia a

possibilidade de se sentirem queridas, respeitadas e importantes, além desse

projeto levo as crianças do abrigo da qual sou voluntária para desfilar, para eles

participarem dessa grande festa e da nossa grande família Dragões da Real. Esse

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foi o primeiro ano que tivemos de fato um espaço físico, com a construção da

quadra, antes nos impedia de ir a diante com projetos sociais, temos em vista

parcerias com instituições do bairro para ampliar nossos projetos e atender mais

crianças carentes com aulas de música, dança e artes”.

O que mais chamou a minha atenção, foi o fato de ter sempre uma coisa

diferente para se fazer. Não é coisa igual. Um boneco é diferente do outro, uma

peça é diferente da outra, tudo tem um motivo, cada peça é parte da história que

será contada, e todas elas tem sua importância, nenhuma delas tem uma

importância maior ou menor, todas são iguais, pois no dia do desfile, é o detalhe que

fará a diferença, e se uma dessas peças, por algum motivo for deixada de lado e o

jurado ver, a escola perdera ponto.

Figura 14: Destaques da Dragões – Mago, Chapeuzinho Vermelho e a Bruxa – Carnaval/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

Essa responsabilidade é passada para todos que trabalham no barracão, o

carnavalesco explica isso a todos os colaboradores, pois segundo ele, todos devem

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saber o que estão fazendo, o significado de cada passo e o seu lugar dentro do

enredo.

As alegorias são levadas ao Anhembi uma semana antes do desfile, os carros

vão desmontados e uma equipe fica junto aos carros para fazerem a montagem dos

mesmos, outra equipe fica no barracão para fazerem os acabamentos finais. A

correria nesses dias é enorme, e lembro que os carros ficam expostos ao tempo, ou

seja, se chove o trabalho de montagem e acabamento é extremamente prejudicado.

Garra, coragem, amor e dedicação são as palavras mais importantes nesses dias,

além da união, pois sem ela nada sai. Toda montagem é seguida de acordo com os

desenhos feitos pelo carnavalesco, ele supervisiona tudo e nos ajuda no que for

preciso.

Figura 15: Carro Abre- Alas – A Floresta Proibida e a Bruxa.

Fonte: Arquivo Pessoal

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Evidente que nem tudo sai perfeitamente como se espera, e nesse momento

mais uma vez entra a criatividade do carnavalesco, e seu exemplo de ação e

dedicação. Um exemplo disso ocorreu no carnaval de 2011, um dia antes do desfile,

o ateliê responsável pela confecção de doze fantasias do abre-alas da escola,

devolveu o material e informou que não faria as fantasias por excesso de trabalho,

houve um certo nervosismo na escola pois sem essas fantasias era certo que a

escola entraria perdendo preciosos pontos. O carnavalesco manteve a calma, se

reuniu com alguns diretores e começaram a confeccionar as fantasias no barracão,

viraram a noite, e no final, tudo deu certo. Falando a respeito desse ocorrido com o

carnavalesco ele informou que sempre está preparado para tudo, e que na medida

do possível, prepara sua equipe também.

Figura 16: Ala – Espelho Dos Invisíveis – Dragões/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

Outra coisa curiosa, e que é muito presente na escola, é o trabalho em equipe

e o amor por tudo o que fazem, amor verdadeiro e puro pelo samba e pela arte.

Penso que muitas empresas que vivem fazendo campanhas motivacionais para

seus funcionários, muitos deles com super salários e que se dizem desmotivados,

deveriam ficar ao menos uma semana no barracão da escola de samba para verem

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como funciona. Digo isso, pois na escola de samba Dragões da Real, o presidente e

toda a diretoria não possuem salário, todos eles exercem suas profissões e com isso

se sustentam, a escola é dirigida pela paixão, assim como eles, a maioria dos

integrantes do barracão fazem tudo pela arte, pois também não possuem salário, ao

contrário, muitos deixam seus familiares em casa nos dias de folga do trabalho e vão

para o barracão prestarem serviços para a escola. Vejo que todos estão a busca de

um mesmo objetivo, se unem para isso, acreditam na ideia do carnavalesco e

transformam a arte em realidade, se auto motivam, e isso ocorre não pelo dinheiro,

mas pela busca de um mesmo ideal, são forças que se unem por acreditarem

verdadeiramente na mesma causa.

Figura 17: Desfile das Campeãs – Carnaval/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

No dia do desfile, tudo deve estar em ordem, a correria é grande e não temos

tempo a perder. As alegorias ficam na concentração, todas juntas, uma ao lado da

outra. Mais ou menos duas horas antes do início do desfile, começamos a colocar os

destaques nos carros, depois os semiestanques e por último a composição, nada

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pode estar errado, todos possuem seu lugar determinado pelo carnavalesco, cada

fantasia conta uma parte do enredo, se errarmos nessa hora, prejudicamos o

trabalho de um ano inteiro. Outra coisa muito importante, é a união nesse momento,

todos devem estar focados no objetivo e no enredo, conforme as alas estiverem

entrando na avenida, a harmonia vai colocando entre elas os carros alegóricos de

acordo com o enredo, não pode perder tempo, se algo der errado pode fazer um

buraco entre as alas e a escola perde ponto em evolução.

Figura 18: Ala das Baianas – Bruxas – Dragões/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

Garanto que colocar em média 2.500 componentes na avenida, sendo que

90% deles pagam por suas fantasias, separar todos por alas, passar as regras do

desfile para eles, pois mesmo pagando pela sua fantasia, o componente não pode

colocar nada a mais nela, não pode trocar as botas ou as sapatilhas, não deve tirar

acessórios ou o chapéu da fantasia na avenida, fazer com que todos entendam o

que é a evolução, e fazer esses componentes cantarem o samba da escola para

segurar a harmonia e o canto, não é fácil, mas é mágico, e muito gratificante.

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Figura 17: Diretoria da Escola – Comemoração do Título de Campeã/2011.

Fonte: Arquivo Pessoal

A Quarta-Feira de cinzas certamente é um dia de descanso para todos, mas

já começam a sentir saudade, pois o barracão é entendido pela maioria do grupo

como o espaço de um exercício profissional e de aprendizagem que lhes confere

identidade e respeito na sociedade.

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5 CONCLUSÃO

Ao longo desse estudo procurei discutir a educação de modo a construir uma

forma de aprendizado que valorize as experiências, o cotidiano do aluno.

No entanto, é importante ter em mente as necessidades que a nossa

sociedade possui e as experiências que tomamos como base ao pensar no

aprendizado para não repetirmos os moldes educacionais tradicionais. Nesse

sentido, vale ressaltar a valorização do cotidiano das classes populares, que muitas

vezes é tido como algo que não deve ser tomado como exemplo, ou que deve ser

modificado, numa supervalorização do cotidiano de uma elite, ou mesmo de uma

classe média em detrimento da experiência vivida pelas classes populares, classe

que mais precisa dessa atenção, bem como de valorização.

Desse modo, uma alfabetização comprometida com o sucesso das crianças e

jovens das classes populares, buscando a apropriação da linguagem como

instrumento de crítica e afirmação social, sendo assim o resgate do sentido e a

recuperação da autoria.

É preciso, portanto, que o educador saiba e valorize as múltiplas formas de

conhecimentos existentes no mundo que nem sempre estão presentes na escola, os

saberes cotidianos socialmente construídos dos educandos, suas experiências,

enfim, a realidade na qual estão inseridos. É necessário ainda que não haja

hierarquização ou negação dos saberes dando maior importância a uns e

inferiorizando outros, devendo haver a busca de um diálogo entre esses saberes, o

rompimento entre as barreiras de modo a atribuir sentido à aprendizagem que se

constrói individual e socialmente na interação humana.

Como afirma Paulo Freire (2004), o ser humano é cultural, histórico,

inacabado e consciente de seu inacabamento, capaz de intervir no mundo, assim

sendo, o educador não é a única fonte de conhecimento e sua forma de interagir

com o educando determina na construção do sucesso ou do fracasso escolar.

A partir disso, vejo que o professor e artista Eduardo Caetano, tem um papel

dialógico na ação pedagógica confrontando conhecimentos no sentido de ampliar o

saber sendo o articulador, mediando á aprendizagem, bem como a escola pode ser

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um espaço em potencial para troca e socialização de conhecimentos, de múltiplas

relações que permitem a criação de novos conhecimentos, de circularidade de

saberes, uma escola emancipatória e multicultural que reconheça e respeite os

saberes prévios do educando, não devendo, no entanto ser descartados outros

espaços visto que, o processo de aprendizado pode se dar nos mais diversos

lugares, como foi possível verificar nesse estudo.

Um último aspecto que levantei nestas conclusões diz respeito à

aprendizagem do conteúdo do trabalho no barracão e às suas relações com a

escolaridade dos trabalhadores. Sobre esse tema entendo que um dos aspectos

fundamentais ao se pensar as relações entre trabalho e educação é o fato de que,

mesmo considerando a enorme expansão escolar demandada pela revolução

industrial, que tornou a escola o espaço predominante de educação, o trabalho

continua a ser um importante ambiente de aprendizagem. Pois a formação que se

realiza no trabalho de barracão assume grande relevância em função dos baixos

índices de escolaridade de alguns integrantes da equipe. Grande parte dos

integrantes do barracão integra um grupo social que, excluído da escola regular, tem

na escola de samba seu maior espaço de formação.

É importante ressaltar ainda que o presente estudo não visou esgotar o tema,

pretendo servir de base para estudos futuros e complementares, visto que há uma

escassez de estudos que abordem essa temática, o que ao mesmo tempo que em

alguns momentos serviu de obstáculo no avanço deste, fez com que a motivação

fosse maior, visando explorar essa questão e trazer para o âmbito acadêmico esse

debate tão importante para um melhor aproveitamento do ensino, principalmente nas

camadas mais carentes da nossa sociedade.

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