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Teologos barth, paul tilich, etc
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Teologia é um vocábulo que encontra sua origem na junção de duas palavras
gregas: “Theos”, que significa Deus,e “logos”, que significa discurso ou razão.
Logo, a teologia é o estudo de Deus e de sua relação com o universo. Ela é
também o estudo das doutrinas religiosas e das questões de divindade. Toda
dissertação ou raciocínio sobre Deus, constitui uma teologia.
O estudo de Deus é da máxima importância. Como disse o reformador João
Calvino: “Quase toda sabedoria que possuímos, ou seja, a sabedoria
verdadeira e sadia, consiste em duas partes: o conhecimento de Deus e de nós
mesmos”.
O homem é irremediavelmente um animal religioso. Desde a antiguidade, Deus
tem sido a principal preocupação do escrutínio humano. Sócrates, Platão,
Aristóteles e todos os pensadores gregos importantes formularam teorias
teológicas especulativas sobre Deus. A existência de Deus para esses homens
era algo totalmente racional e necessário.
Diferentemente da teodicéia Socrática, Platônica ou Aristotélica, o cristianismo
apresenta-se como religião revelada. Há pouca necessidade de especulações
e elucubrações metafísicas, pois ele já parte do pressuposto de que Deus se
revelou em sua Palavra, e na plenitude dos tempos nos falou por meio do seu
filho Jesus, que andou entre nós pregando e fazendo milagres, sendo
crucificado no tempo em que Pôncio Pilatos era governador da Judéia. Os
apóstolos, encarregados por ele de pregar a sua mensagem ao mundo,
escreveram sua biografia e eventos relacionados ao cristianismo. Esses
registros documentais começaram a surgir após um breve hiato, não maior que
trinta anos. É interessante notar que quando os primeiros relatos começaram a
circular, muitas das testemunhas oculares dos fatos por eles narrados ainda
estavam vivas. Ora, caso a narrativa apresentada por eles fosse considerada
fantasiosa ou mítica, não faltariam pessoas para desmascará-los. No entanto,
nos dias apostólicos não houve alguém que pudesse por em dúvida a
historicidade de Jesus. Nem mesmo o Talmude, em todo o seu zelo judaico,
nega que Jesus de Nazaré tenha feito milagres.
Ainda segundo a narrativa bíblica, esse Jesus nasceu de uma virgem,
exatamente como vaticinara o profeta Isaías cerca de setecentos anos antes
do seu nascimento. Ele era da descendência de Davi, e ressuscitou ao terceiro
dia, havendo aparecido aos seus apóstolos e a uma multidão de mais de
quinhentas pessoas (1Coríntios 15.6). Sua morte não foi um evento fortuito,
contingente – ela foi providencial. Através do seu sacrifício, todos nós podemos
chegar perto de Deus e, confessando as nossas iniqüidades, receber o seu
imerecido perdão.
Os dois últimos parágrafos são um resumo do cristianismo bíblico e ortodoxo.
Por ortodoxo, entende-se o bojo essencial do cristianismo histórico. Essa visão
ortodoxa das Escrituras foi preservada ao longo dos anos, embora em alguns
períodos da história não faltassem grupos para elaborar uma teologia diferente,
apresentando novos e estranhos pressupostos sob os quais a Bíblia deveria
ser interpretada.
As primeiras controvérsias surgiram quando o cristianismo ainda era uma
religião recente: Primeiro os judaizantes, depois os docetistas, no século
segundo foram os gnósticos, no século terceiro, Ário, e nos séculos seguintes
também não faltaram homens controversos cujo exacerbado intento era
comprometer a ortodoxia. O auge da controvérsia ocorreu na idade média e no
início da era moderna quando o romanismo, em seu afã de arrecadar fundos
para a construção da basílica de São Pedro, espoliou o povo europeu sob
promessa de livrar as pobres almas do purgatório, e isso sem falar na
comercialização de ícones, tais como espinhos da coroa de Cristo, pedaços da
cruz na qual ele morreu, crânios (isso mesmo, plural – crânios) de João Batista,
e tantas outras invencionices humanas que o “infalível” Papa e a “Santa” Igreja
Católica homologavam sem nenhuma inibição. Tal era o abandono da Bíblia.
Caso a situação continuasse assim, seria realmente o fim da ortodoxia. Porém,
nesse mesmo tempo houveram homens impulsionados pelo zelo ardoroso da
verdade, que assumiram a tarefa de lutar pela manutenção da ortodoxia. Foi
então que surgiram nomes como Martinho Lutero, João Calvino, Felipe
Melanchton e Zuínglio, que não temendo a fúria de Roma, expuseram os
abusos do clero católico e iniciaram o movimento que hoje conhecemos como
a Reforma. Sua alcunha era Sola Fide, Sola Gratia, Sola Scriptura e Soli Deo
Gloria. Desde então o movimento protestante, oriundo da Reforma religiosa,
tem sido o principal preservador da ortodoxia.
Desde a época da Reforma, o mundo passou por uma série de transformações,
e porque não dizer, pelas maiores transformações de toda a nossa história.
Das caravela ao ônibus espacial, da bússula ao GPS, o mundo sentiu o
impacto da tecnologia e essa mudança teve grande influência no pensamento
ocidental. O Renascimento no século dezesseis, o Racionalismo do século
dezoito, o Romantismo do século dezenove e todas as mudanças pela qual o
mundo passou tiveram seu impacto sobre a teologia. O Renascimento trouxe
de volta a ortodoxia, o Racionalismo, por sua vez, introduziu a crítica, a teologia
liberal e o deísmo, e o Romantismo foi o portão de acesso para o
existencialismo cristão, ou neo-ortodoxia.
Todo pensador está de certo modo envolvido com as idéias do seu tempo.
Esse é um axioma antigo, porém válido. O contexto sócio-cultural, os conceitos
filosóficos, o progresso tecnológico, a economia e os conflitos mundiais
interferem indubitavelmente na maneira de pensar, e desde a Reforma até os
nossos dias, não faltaram mudanças. Isso ocorreu de tal maneira e em tão
grande quantidade que, se fossemos enumerá-las uma a uma, milhares de
páginas seriam escritas, e isso não é nenhuma hipérbole.
Embora não seja possível listar de forma exaustiva os pensadores que
exerceram influência no cenário teológico contemporâneo, faz-se necessário
mencionar ao menos três deles: Immanuel Kant, Charles Darwin e Karl Marx.
O pensamento de Immanuel Kant é, sem dúvida, o grande divisor de águas da
filosofia moderna, de modo que seu nome representa para a filosofia o mesmo
que Copérnico representa para a ciência. Sua formação é um pouco eclética,
para não dizer estranha: começou seu estudo dentro do pietismo, sendo depois
influenciado pelo Iluminismo, em especial por Jean-Jacques Rousseau e
Christian Wolff. Um dos filósofos da sua época, G.E. Lessing, propôs que “os
eventos contingentes da história não podem servir de base para o
conhecimento do mundo transcendente, eterno”. Segundo essa concepção,
existe um abismo intransponível entre nós e Deus, e nós simplesmente não
podemos passar para o outro lado e conhecê-lo. Ele é Todo-Transcendente. É
nesse contexto que Kant aparece. A própria idéia de Deus como “Todo-
Transcenente” ocorre inúmeras vezes em sua obra, sendo um dos principais
postulados da sua filosofia. Essa idéia se transformaria no paradigma principal
da neo-ortodoxia.
O nome Charles Darwin é comumente associado à teoria evolucionista.
Embora já houvesse muitos modelos evolucionistas antes dele e tenham
surgido muitos outros depois, é quase impossível ouvir seu nome sem associá-
lo a teoria da evolução das espécies.
Em 1831 Darwin partiu para uma viagem ao redor do mundo para fazer
observações científicas, levando na viagem o livro de Charles Lyell, Princípios
de Geologia. Em 1839 ele começou a escrever a obra que se tornaria o seu
legado, concluindo-a em 1844. Não se sabe ao certo por que, mas o fato é que
Darwin levou 15 anos para imprimi-lo. É possível que a razão da demora resida
no temor da indignação que seu livro poderia lançar. EmOrigem das Espécies,
Darwin faz a polêmica afirmação de que todos nós procedemos de um
ancestral comum e animalesco, não havendo essencialmente nada que confira
dignidade ao homem. O acaso nos gerou, portanto, não há Deus. Essa é a
conseqüência lógica da sua cosmovisão.
Filho de judeus, Karl Marx nasceu em Trier, na Alemanha, em 1818. Foi, sem
dúvida, um gênio intelectual, obtendo seu doutorado em filosofia aos 23 anos.
Ele foi muito influenciado pelas idéias de Ludwig Feuerbach, o qual dizia que o
homem não foi criado à imagem de Deus, mas Deus foi criado à imagem do ser
humano. Sua filosofia lançou as bases do Socialismo. O pensamento de Marx
é um pensamento voltado para o trabalho. Para Marx, não é o conhecimento
espiritual que transforma a existência e, consequentemente, a vida social, mas
exatamente o contrário: com a revolução, o corpo social transforma também a
sua subjetividade. Esse pensamento servirá de base do movimento da
“teologia da libertação”, na segunda metade do século vinte.
Embora seja útil apontar todos os ascendentes do pensamento teológico do
século vinte, tal tarefa seria muito pesarosa e fugiria ao escopo da nossa
pesquisa. Certamente há muitas outras vertentes que influenciaram o
pensamento teológico no século passado e contribuíram para o abandono da
teologia ortodoxa no século vinte. Mas não foi só o pensamento renascentista,
iluminista ou evolucionista que exerceu influência sobre a teologia do século
passado: a intempérie do início do século vinte também contribuiu para as
diversas variações ocorridas na teologia contemporânea. Só na sua primeira
metade, houve duas guerras mundiais. Esse processo de guerras consecutivas
contribuiu de certo modo para uma perda de identidade do homem do século
vinte. Essa perda de identidade e falta de objetividade resultante do pós-guerra
foi a coluna principal do existencialismo. Em um mundo desorganizado e
desumanizado, a única certeza que o homem tem está relacionada a sua
própria existência. Desde então houve um grande desenvolvimento da uma
filosofia centrada no “Eu”, e nomes como Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre
ganharam projeção mundial. Os pressupostos existencialistas destes
pensadores também tiveram grande influência no pensamento teológico
contemporâneo.
Esta obra não é fruto de toda uma vida de esmero teológico e nem tampouco
nenhum grande logro acadêmico. Ela é muito simples e até limitada,
oferecendo apenas uma pequena introdução à matéria de teologia
contemporânea. “TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA: Uma análise do
desenvolvimento do pensamento teológico no século vinte”, encontra sua
justificativa na necessidade de conhecermos as mudanças históricas que vêm
acontecendo no cenário teológico mundial. Ela certamente servirá de guia no
estudo da Teologia Contemporânea, podendo ser utilizada por professores nos
seminários.
A perspectiva adotada é conservadora, como entendemos ser também a
teologia apostólica, porém, conservadorismo não é sinônimo de ignorância ou
apatia intelectual. Muitas pressuposições da teologia contemporânea nos são
úteis, principalmente no campo da critica textual, mas não podemos jamais
sacrificar as nossas crenças fundamentais no altar do pós-modernismo.
A pós-modernidade não tem influenciado apenas os teólogos em sua maneira
de pensar, mas também os pastores e líderes das nossas denominações. A
Bíblia tem sido abandonada, e quando aparece, é permutada. Que ao examinar
as correntes teológicas que serão apresentadas nessas páginas, ninguém
assuma uma postura indiferente. Nosso desejo é que ao ler o conteúdo
programático dessa dissertação, o leitor, seja teólogo, pastor ou leigo, possa
assumir uma postura de apologeta e juntar-se a nós na luta pela manutenção
da ortodoxia bíblica, por aquela unidade fundamental que havia em nossos
irmãos primitivos.
KARL BARTH (1886-1969)
Karl Barth foi um dos maiores pensadores protestantes do século XX.
Karl Barth nasceu em Basel, Suíça, no dia 10 de maio de 1886. Barth foi um
teólogo de confissão calvinista. Filho de pais religiosos, foi educado em meio a
pastores conservadores. Suas influências acadêmicas foram Kant, Hegel,
Kierkegaard e teólogos como Calvino, Baur, Harnack e Hermann. Até 1911,
ainda jovem, esteve Karl Barth vinculado ao protestantismo liberal
antidogmático e modernista de Adolf von Harnack (1851-1930), invertendo a
seguir sua posição. Em 1911 começou a pastorear uma pequena igreja do
interior da Suíça e aí ficou até 1925. Durante esses anos conheceu Eduard
Thuneysen, amigo que acompanhou e contribuiu em suas reflexões teológicas.
Nessa época seu grande desafio era o que pregar a cada domingo. Em 1914,
ele e Thuneysen resolveram buscar uma resposta ao desafio da pregação.
Durante quatro anos, Thuneysen estudou Schleiermacher e Barth estudou
Paulo. Como fruto desses estudos, em 1919, Barth publicou seu Comentário à
Epístola aos Romanos.
Estudou em Berna, Berlim, Tuebingen, Marburgo. Algum tempo pastor
em Genebra e em Safenwil. A partir de 1921 passou a ensinar teologia na
universidade alemã de Goettingen; em 1925, na de Muenster; em 1930, na de
Bonn. Em 1935, por sua atitude anti-nazista, foi obrigado por Hitler a refugiar-
se em Basiléia, de cuja universidade foi professor, onde lecionou até 1961. Na
Alemanha, deu ainda, na qualidade de professor estrangeiro, lições em Bonn,
em 1946 e 1947.
Karl Barth faz parte da chamada “teologia dialética” ou “da crise”, junto
a J. Moltmann, E. Brunner, R. Bultmann, F. Gogarten e outros. Barth deu nome
a um movimento: o barthismo, que propõe uma total e coerente adesão à
Palavra de Deus, equivalente ao objetivismo da revelação bíblica e ao fato
histórico da encarnação, contra o imanentismo da cultura moderna geral e em
particular do “protestantismo liberal”. Procurou renovar a teologia
desvinculando-a da tradição fideísta de Schleiermacher (1768-1834), para
recolocá-la na reforma do século 16. A teologia de Barth é uma reação frente a
Schleiermacher e, em geral, contra a cultura do Romantismo e do
Iluminismo.Barth rejeitou a analogia entre Deus e a criatura, para destacar a
transcendência divina, advertindo que somente é válida a via negativa de
acesso a Deus, de acordo com a expressão de Kierkegaard sobre a infinita
diferença qualitativa entre o tempo e a eternidade.
Com o destaque da transcendência divina abriu largo espaço entre
Deus e o homem. Abandonado o homem existencialmente a si mesmo, não
tendo senão a fé como caminho para o alto. Cristo é o intermediário, como se
diz na Epístola aos Romanos, e comentada por Barth. A teologia de Barth
recebe muitos nomes: teologia da crise, teologia dialética, teologia
kerigmática,teologia da Palavra.
Participou, como observador, do Concílio Vaticano II. A doutrina de
Barth está presente em seus numerosos discípulos e em sua extensa e valiosa
obra escrita. Destacamos seu monumental Die Kirchliche Dogmatik (10 vols.,
1955) e o Comentario à epístola aos Romanos (1919); Humanismus (1950), e
outras.
Karl Barth faleceu em dezembro de 1969.
Podemos sintetizar sua teologia nos seguintes pontos:
1) Barth destaca a absoluta transcendência de Deus. Deus é o único
positivo, o ser. O homem, no entanto, da mesma forma que o mundo, é a
negação, o não ser. Justamente por não ser nada, o homem não tem a
possibilidade de autoredenção; nem ao menos de conhecer Deus, mas
somente de saber que não o conhece.
2) A iniciativa vem de Deus, que irrompe no mundo do homem através
de sua revelação e palavra. A teologia de Barth é, por isso, a teologia da
palavra. A revelação de Deus é o objeto da teologia. Barth centra toda a sua
atenção na revelação e palavra de Deus na Bíblia.
3) Barth vê a revelação de Deus na Bíblia como algo dinâmico, não
estático. A palavra de Deus, diz Barth, não é um objeto que nós controlamos
como se fosse um corpo morto que podemos analisar e dissecar. Na realidade
é como um sujeito que nos controla e atua sobre nós. E essa Palavra é capaz
de nos fazer reagir de um jeito ou de outro.
4) A Palavra de Deus é o acontecimento mediante o qual Deus fala e
se revela ao homem através de Jesus Cristo. E como isto se torna realidade? A
Bíblia, Palavra escrita de Deus, é a testemunha do acontecimento da
Revelação de Deus. O Antigo e o Novo Testamento colocam Jesus Cristo
como o “Cordeiro de Deus”, anunciado por João Batista. Por isso, sem dúvida,
desde seus primeiros anos como pastor, Barth teve sobre sua mesa a pintura
de Grünewald em que João Batista mostra Jesus Cristo crucificado.
5) Hoje, através da Palavra proclamada, a Igreja é testemunha da
Palavra revelada. Sua proclamação baseia-se na palavra escrita, a Bíblia. Deus
serve-se desta palavra proclamada e escrita, e se transforma em palavra
revelada de Deus, quando ele quer falar-nos através dela.
A ênfase da teologia de Barth está na revelação de Deus em Jesus
Cristo. A única palavra de Deus está em Jesus Cristo. Toda relação de Deus
com o homem se dá em Cristo e através de Cristo. Em sua forma negativa, isto
significa a exclusão da teologia natural. Positivamente, tudo deve ser visto e
interpretado a partir de Cristo ou, empregando a expressão barthiana, a partir
da “concentração cristológica”. O pecado original não pode ser entendido
independentemente de Cristo. A fé também não é fruto de um raciocínio nem
está fundamentada em um sentimento subjetivo. “Em Jesus Cristo não há
separação do homem de Deus, nem de Deus do homem.”
Barth prega que “a mensagem da graça de Deus é mais urgente que a
mensagem da Lei de Deus, de sua ira, de sua acusação e de seu juízo”. A
teologia de Barth exerceu e continua exercendo uma influência decisiva na
constante procura da palavra autêntica e verdadeira de Deus. Sua condição de
“crente” que não invoca nenhum mérito diante de Deus é o melhor estímulo
para os cristãos de todos os tempos.
Produziu obra volumosa, ainda que sob poucos títulos:- Comentário à
epístola aos romanos (1919);- O cristão na sociedade (1920);- A ressurreição
dos mortos (1924);- A palavra de Deus e a teologia (1925);- A dogmática cristã
(26 vols, 1932-1969);- A teologia protestante no século 19 (1947).
PENSAMENTOS DE KARL BARTH
“Devemos falar de Deus. Somos, porém, humanos e como tais não
podemos falar de Deus. Devemos saber ambos, nosso dever e nosso não-
poder, e justamente assim dar glória a Deus”
"Que o Pai ama o Filho e que o Filho é obediente ao Pai, que Deus se
entrega ao homem neste amor e, nesta obediência, assume a baixeza do
homem para elevá-la à sua altura, que o homem se torna livre neste
acontecimento, pelo fato de escolher por sua vez a Deus que o elegeu, eis em
absoluto uma história que não pode, como tal, ser interpretada por equívoco
como uma causa imóvel que produz efeitos quaisquer"
"É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra o jornal".
"Tudo o que digo de Deus é um homem quem o diz".
"Se se nega a Trindade temos um Deus sem beleza".
"Igreja existe ali onde a pessoa humana presta ouvidos a Deus"
"O culto constitui a ação mais momentosa, mais urgente e mais
gloriosa que pode acontecer na vida humana".
"Que Deus enquanto Deus seja capaz de tal condescendência, de tal
rebaixamento de si mesmo, que esteja disposto e pronto para isto: eis aí - o
que muitas vezes se desconhece neste caráter concreto - o mistério da
'divindade de Cristo'"
"Precisa morrer em Cristo o homem que escolhe para si o
materialismo, lendas e fábulas ou a transitoriedade do mundo; o homem que se
esquece que nada tem que não tivesse recebido e precisasse receber
novamente de Deus; o homem que quer safar-se do paradoxo da fé; o homem
que já não quer, ou que ainda não quer, abrir mão de sua confiança na
sabedoria, na ciência, nas coisas certas e palpáveis do mundo, e do conforto
que este oferece, para depender exclusivamente da graça de Deus. Precisa
morrer em Cristo o homem que tenha qualquer outro pretexto para se apoiar,
que não seja 'esperança'."
"Justamente de Jesus Cristo, não sabemos nada de tão certo quanto
isto: em uma livre obediência a seu Pai, escolheu ser homem e, como tal, fazer
a vontade de Deus"
"Eis, portanto, qual é a realidade de Jesus Cristo: Deus mesmo em
pessoa está presente e age na carne. Deus mesmo em pessoa é o sujeito de
um ser e de um agir realmente humanos. E é justamente assim, e não de outra
forma, que este ser e este agir são reais. É um ser e um agir autêntica e
verdadeiramente humanos... Sua humanidade (de Jesus) não é senão o
atributo da sua divindade, ou antes, em termos concretos: ela não é senão o
atributo, assumido no decurso de um rebaixamento incompreensível, da
Palavra que age em nós e que é o Senhor".
"Como filho do homem e portanto como ser humano, Jesus Cristo só
existe pela ação de Deus: pelo fato de ser primeiramente o Filho de Deus...
Mas a humanidade de Jesus, em si e como tal, seria um atributo sem sujeito".
A TEOLOGIA DIALÉTICA DE KARL BARTH E A REVOLTA CONTRA O
LIBERALISMO TEOLÓGICO
7 DE OUTUBRO DE 2009 6 COMENTÁRIOS
Tendo já comentado a influencia da filosofia kantiana para a teologia do século
vinte, passemos agora a discorrer sobre a teologia contemporânea em si.
Em 1919, um jovem pastor de uma pequenina igreja da Suíça escreveu um
comentário tão radical que certo escritor disse que Karl Barth pegou uma carta
escrita em grego do primeiro século e transformou em uma carta urgente para
o homem do século vinte. Um teólogo católico disse que esse comentário aos
Romanos foi uma revolução copernicana na teologia protestante que acabou
com o predomínio do liberalismo teológico. Ele foi, de fato, uma bomba que
Barth lançou no cenário teológico contemporâneo.
Diz-se da segunda versão do comentário aos Romanos, totalmente revisada e
publicada em 1921, que ela foi ainda mais revolucionária que a primeira.
Porém, de qualquer forma, 1919 tem sido para muitos o ponto de partida da
teologia contemporânea.
A influência da obra de Karl Barth nessa nova era da teologia é enorme. Ele
transformou a teologia do século vinte em teologia da crise. Foi ele quem
dominou o ambiente teológico, formulou os problemas e apresentou as
hipóteses de maior relevância, e desde então tem estado no centro da teologia
moderna. Não há nenhuma dúvida de que o pensamento de Barth dominou o
pensamento teológico do seu tempo. Ele produziu um impacto tão grande na
teologia protestante, que todo teólogo do nosso século que quiser estudar
teologia a sério, pode se opor à sua teologia ou acolher suas idéias, mas não
pode jamais ignorá-la se quiser conhecer a situação teológica contemporânea.
O que havia nesse comentário do pastor Barth que sacudiu os alicerces
teológicos do século vinte? Quais foram os princípios que Barth apresentou e
que se converteram no legado de uma nova era teológica? Harvie M. Conn,
aluno do Dr. Cornelius Van Til, esboça alguns princípios que emanam do
comentário de Karl Barth aos Romanos e que parecem ter desempenhado o
papel mais influente na formação das novas variantes teológicas. Esses
princípios serão abordados nos tópicos a seguir.
3.1- A revolta teológica contra o liberalismo teológico foi uma das mais notórias
características da teologia barthiana.
Barth havia aprendido teologia aos pés de dois grandes teólogos liberais, à
saber: Harnack e Herrmann. O Jesus do mentor de Barth, Harnack, não era o
filho de Deus único e sobrenatural, mas a encarnação do amor e dos ideais
humanistas. A Bíblia do mentor de Barth, Herrman, não era a Palavra infalível
de Deus, e sim um livro extraordinário, ainda que ordinário, cheio de erros e
que exigia uma crítica radical para encontrar a verdade. A medida de toda a
verdade era a experiência, o sentimento. A teologia desses dois mestres e
também a de Barth era o Idealismo teológico, caracterizado por uma profunda
veia de pietismo e de preocupação pela prática da experiência religiosa cristã.
Em 1919, e com muito mais força em 1921, Barth se encarregou de repudiar
grande parte desse liberalismo clássico.
A primeira guerra mundial e seus horrores acabaram por soterrar o idealismo
teológico liberal. A culta Alemanha, a liberal Inglaterra e a civilizada França
lutavam como animais ferozes. Nesse ínterim, os mestres liberais de Barth se
uniram com outros teólogos para declarar seu apoio à Alemanha, o que
demonstrou que eles eram mestres de uma religião atada a uma cultura, e não
a Deus. O comentário de Barth aos Romanos surgiu então como repúdio de
seus antigos mestres liberais. O liberalismo fazia de Deus algo imanente ao
mundo; Barth se opôs a isso e apresentou Deus como “Totalmente Outro”. O
subjetivismo do liberalismo do século 19 havia colocado o homem no lugar de
Deus; Barth exclamou: “Seja Deus, e não o homem!”. O liberalismo havia
exaltado o uso aculturado da religião; Bart condenou a religião como o pecado
máximo. O liberalismo edificou a teologia sobre a base da ética, Barth quis
edificar a ética sobre a base da teologia.
3.2- O comentário de 1921 de Barth propôs uma nova idéia de revelação.
Em oposição ao antigo liberalismo, Barth enfatizou a necessidade que o
homem tem da revelação, e chamou suas idéias de Teologia da Palavra de
Deus. Barth, porém, insistiu na distinção entre a Bíblia e a Palavra de Deus.
Este era seu legado kantiano.
Segundo Barth, pode-se ler a Bíblia sem ouvir a Palavra de Deus. A Bíblia é
simplesmente um livro, mas, pelo menos, um livro através do qual nos pode
chegar a Palavra de Deus. A relação entre Deus e a Bíblia é real, porém
indireta. A Bíblia, diz Barth, “é a Palavra de Deus enquanto Deus fala por meio
dela [...] a Bíblia se transforma em palavra de Deus nesse momento”. Para ele,
até que a Bíblia se torne real para nós, até que ela nos fale da nossa situação
existencial, ela não é Palavra de Deus. Esse é o conceito barthiano de
revelação.
3.3- A dialética de Barth, ou teologia do paradoxo.
O comentário de Barth também introduziu um novo método para explicar a
teologia, a dialética. Esse termo ficou rapidamente associado à obra de Barth,
ainda que o método tenha sido tomado por empréstimo do teólogo
existencialista Soren Kierkgaard. Kierkgaard havia dito que toda afirmação
teológica era paradoxal, não podendo ser sintetizada. O homem devia somente
conservar ambos os elementos do paradoxo. É esse ato de sustentação do
paradoxo que Kierkgaard chama de “salto de fé”.
Tal conceito influenciou muito a teologia barthiana, de maneira que quando
preparava o comentário aos Romanos, Barth afirmava que “enquanto estamos
na terra, não podemos fazer outra coisa em teologia a não ser utilizar o método
de afirmação e contra-afirmação. Não nos atrevemos a pronunciar em forma
absoluta a palavra definitiva [...] O paradoxo não é acidental na teologia cristã.
Ele pertence, em certo sentido, ao coração do pensamento doutrinário”. A
própria natureza da revelação, segundo Barth, é um paradoxo: Deus é o oculto
que se revela; conhecemos a Deus e conhecemos o pecado; todo homem é
escolhido e também reprovado em Cristo; o homem é justificado por Cristo,
mas ainda é pecador. Certo comentarista observou que, segundo a teologia
dialética de Barth, a revelação que vem de cima para o homem, ao encontrar a
contradição do pecado e finitude humana, só pode ser assimilada pela mente
humana como sendo um paradoxo.
3.4- O comentário de Barth veio reafirmar a transcendência absoluta de Deus.
Um dos pressupostos de Barth, que também é um legado kantiano, é que Deus
é sempre sujeito, nunca objeto. Deus não é simplesmente uma unidade no
mundo dos fenômenos; ele é infinito e soberano, “Totalmente Outro”, e só pode
ser conhecido quando nos fala. “Ele não pode ser explicado como qualquer
outro objeto pode ser, apenas podemos nos dirigir a Ele [...] Por esta razão,
não cabe à teologia medí-lo em uma forma de pensamento direto ou unilinear”.
Não podemos falar a respeito de Deus. Apenas falamos a Deus. Segundo
Barth, a própria natureza de Deus exige que as afirmações que lhe dirigimos
sejam revestidas de contradição: “Não podemos considerá-lo perto, a não ser
que o consideremos longe”.
Sem dúvida o grande tema de Barth, em oposição declarada ao liberalismo, foi
a “infinita diferença qualitativa” entre eternidade e tempo, céu e terra, Deus e o
homem. Não se pode identificar Deus com nada no mundo, nem sequer com
as palavras da Escritura. Deus chega ao homem como a tangente que toca o
círculo, mas na realidade não o toca. Deus fala ao homem como a bomba
explode na terra. Depois da explosão, tudo o que resta é uma cratera abrasada
no terreno, e essa cratera é a igreja.
3.5- O comentário de Barth também demarcou a fronteira entre a história e a
teologia.
A teologia do século dezenove se dedicou a procurar o Jesus histórico por
detrás do Cristo sobrenatural da Bíblia. Os liberais clássicos como o professor
de Barth, Harnack, se dedicaram a buscar nos evangelhos – os quais eles
condenavam como não-confiáveis – os fatos históricos sobre Jesus. Barth
asseverou que essa busca é um a busca sem importância, pois, segundo ele, a
revelação não entra na história, apenas a toca como uma tangente toca um
círculo. Segundo Barth, não há nada na história sobre o que possamos basear
a fé. A fé é um vazio preenchido não pela história, mas pela revelação.
Profundamente influenciado pelos conceitos de história de Kierkgaard e de
Franz Overbeck, Barth dividiu a história em dois níveis: Historie e Geschichte.
Ainda que ambos os termos possam ser traduzidos por história, no alemão, a
conotação que essas duas palavras têm é bem diferente. Historie é a totalidade
dos fatos históricos do passado, podendo ser comprovada
objetivamente. Geschichte se ocupa daquilo que une essencialmente, que
exige algo de mim e requer meu compromisso. Segundo Barth, a ressurreição
de Jesus pertence ao âmbito deGeschichte, não de Historie. Para ele, o âmbito
da Historie de nada vale para o crente. Jesus deve ser confrontado no âmbito
de Geschichte.
Mais uma vez a influência do pensamento de Immanuel Kant sobre a teologia
de Karl Barth, principalmente no que concerne ao mundo dos fenômenos e dos
números é muito grande, podendo-se até dizer que a teologia contemporânea
tem sua raiz em Konigsberg, na Prússia. Ao longo do desenvolvimento da
teologia contemporânea, as idéias kantianas de fenomenal e numenal “volta e
meia” reaparecem com uma nova roupagem. Alguns tomam o tema e o
ampliam, porém sua influência continua sendo grande a ponto de podermos
designar o século dezoito e o pensamento de Kant como protótipo da teologia
contemporânea.
3.6- Objeções à teologia dialética de Karl Barth.
Há, sem dúvida, algumas críticas que se pode fazer à obra de Barth. Ele
mesmo reconheceu alguns de seus excessos e poliu boa parte dos argumentos
que enfatizou a princípio, e até certo ponto, pode-se dizer que
elesuavizou algumas idéias mais incisivas. O que passo a expor agora, são
algumas críticas que se podem fazer ao pensamento de Barth.
Em primeiro lugar, ainda que as idéias de Barth representem uma revolta
contra o liberalismo clássico, suas idéias podem ser chamadas de novo
liberalismo. Barth não conseguiu se livrar do ponto de vista crítico liberal das
Escrituras. Por causa dos seus pressupostos liberais, Barth não aceita a
inerrância da Bíblia, chegando mesmo a afirmar que toda a Bíblia é um
documento humano falível e que buscar partes infalíveis nas Escrituras é
“simples capricho pessoal e desobediência”. A inerrância das escrituras é uma
das diferenças cruciais entre o liberalismo e o cristianismo ortodoxo, e o
posicionamento de Barth nada mais é que uma opção por ficar em cima do
muro.
Sua idéia de revelação, em última instancia, é puramente subjetiva. Para Barth,
a diferença entre a Bíblia como meramente um livro e a Bíblia como a Palavra
de Deus depende exclusivamente da reação humana frente a este livro.
Embora em uma atitude de revolta contra o liberalismo ele tenha exclamado:
“Seja Deus e não o homem”, na prática, dentro da sua teologia dialética, o
homem é entronizado no centro da experiência religiosa.
O resultado final da dialética de Barth é a destruição da verdade objetiva. Se
toda comunicação histórica e toda experiência direta com Deus se encaixa em
uma concepção pagã de Deus, como poderemos aproximar-nos da verdade
sobre Deus? Também a sua insistência em descrever Deus como “Totalmente
Outro” faz de Deus um ser indescritível. Como Deus não é um objeto no tempo
e no espaço, e visto que a “inescrutabilidade e recondidez formam parte da
natureza de Deus”, o homem não pode conhecê-lo diretamente, afirma ele. A
questão é: se Deus é assim tão indescritível e insondável, de que maneira o
homem pode conhecê-lo?
A separação que Barth faz da Historie e da Geschichte, traz à tona a
problemática concernente à historicidade da obra redentora de Cristo como
fundamento do cristianismo. Ela argumenta na tradição de Nietzche e
Overbeck, separando o cristianismo da história, e ao fazê-lo, acaba por solapar
a base do cristianismo. É claro que o propósito de Barth foi tirar do liberalismo
o monopólio quanto ao método de interpretação, mas ao fazê-lo, também
privou o cristianismo do seu lugar na história.
Ao que vemos, embora a teologia de Barth tenha sido responsável por uma
prática religiosa em que os valores evidenciam a religiosidade do cristão, ele
jamais conseguiu se libertar completamente do liberalismo teológico de seus
mestres Herrmann e Harnack. Ele revoltou-se contra o liberalismo teológico,
argumentou contra ele, mas não pode livrar-se de seus pressupostos. Tal como
Kant, Barth confina Deus ao mundo dos números e apresenta a dialética – a
teologia do paradoxo – como sendo à única teologia possível. Ele exclui a
razão a priori e deixa a porta fechada à percepção humana.
Sua teologia é de suma importância para o século vinte e, de fato, quase todo o
pensamento teológico moderno até a década de setenta envolverá a
perspectiva de Barth. Podemos aceitar seus pressupostos ou acirrar-nos contra
ele, mas nenhum teólogo de nossa época poderá jamais ignorar a teologia
dialética de Karl Barth e sua influência no cenário teológico contemporâneo.
TEOLOGIA DO SER: PAUL TILLICH E A FRONTEIRA ENTRE O
LIBERALISMO RACIONALISTA E A TEOLOGIA EXISTENCIALISTA
7 DE OUTUBRO DE 2009 1 COMENTÁRIO
Há pelo menos três grandes vultos teológicos do século vinte. Já
apresentamos dois deles, à saber: Barth e Bultmann. Queremos agora
apresentar o terceiro deles, Paul Tillich.
Tendo fugido da tirania de Hitler em 1933, Paul Tillich se tornou professor
do Union Theological Seminary, em Nova Iorque. Embora fosse um homem de
grande erudição, sua intelectualidade não o privou de prestar importantes
serviços sociais e religiosos. Exerceu capelania durante os quatro anos da
Primeira Guerra Mundial e participou do Movimento Socialista Religioso na
Alemanha. Sua experiência como capelão no período da guerra fez com que
ele tivesse uma vívida impressão dos problemas sociais. Há quem pense que
seu existencialismo teológico tenha surgido nesse período e especificamente
por causa dos horrores da guerra, mas tal comentário será sempre
especulação. Ao chegar nos Estados Unidos, dedicou seu tempo para ajudar
os refugiados da Europa.
Tillich é mesmo uma figura controversa. Na Europa ele é considerado um
liberal e ferrenho opositor de Barth e Brunner. Na América do Norte, no
entanto, ele é considerado como pertencendo a escola neo-ortodoxa e em
alguns círculos teológicos, ele é mencionado em conjunto com Barth e Brunner.
Porém, apesar das semelhanças, Tillich desenvolveu um sistema teológico que
resiste a qualquer rótulo, e talvez, por essa razão, não formou especificamente
uma escola teológica específica. O fato é que Tillich se valeu das elucubrações
de ambas as partes, neo-ortodoxa e liberal, coletando “supostamente” o que
havia de melhor nessas duas escolas. O teólogo Willian H. Hordern define a
teologia de Paul Tillich como sendo “a fronteira entre o liberalismo e a neo-
ortodoxia”, e é isso mesmo que ela é. Ele se situa exatamente no centro, entre
a crítica destrutiva da desmitologização e o existencialismo neo-ortodoxo.
Apesar de não ter formado uma escola específica, é provável que somente
Rudolf Bultmann tenha exercido uma influencia igual no cenário teológico
mundial. Sua profunda erudição e seus conhecimentos de história, filosofia,
psicologia, arte e análise política, além de sua especialidade, a teologia, lhe
renderam o título de “teólogo dos teólogos”, apelido pelo qual é conhecido hoje
nos círculos acadêmicos.
14.1 – Pressupostos da teologia de Paul Tillich.
Parte da popularidade de Tillich nos círculos acadêmicos deve-se a sua
profunda preocupação em encontra alguma forma de relacionar a mensagem
da Bíblia com as necessidades do século vinte. Falando do “princípio de
correlação”, ele argumenta que deve haver uma correlação entre os problemas
do homem e a fé cristã. Se por um lado a filosofia naturalista não pode
responder os questionamentos do homem, por outro lado, segundo ele, o
“sobrenaturalismo do cristianismo histórico” é muito transcendente para que o
homem possa encontrar nele a resposta. A mensagem do cristianismo surge
como “um conjunto de verdades sagradas que apareceram em meio à situação
humana como corpos estranhos procedentes de um mundo estranho”. Como
encontrar a verdade? E de que modo podemos construir uma teologia?
Para Tillich, começamos definindo a religião. A religião não é apenas uma
questão de ter determinada crença ou praticar certas ações. Para Tillich, o
homem é religioso quando está “essencialmente preocupado”. A preocupação
essencial é aquela que tem prioridade sobre todas as preocupações da vida.
Essa preocupação, segundo ele, tem o poder de elevar o homem sobre si
mesmo. Ela se resume na entrega total de nosso ser. Essa preocupação
essencial é o que determina nosso ser ou o não-ser. Nós nos preocupamos
essencialmente quando ponderamos sobre aquilo que tem o poder de destruir
ou de salvar-nos. Nossa preocupação é essencial quando ponderamos sobre
aquilo que é a soma da nossa realidade e a estrutura e objetivo da nossa
existência. O essencial é o próprio Ser, ou aquilo que tradicionalmente
chamamos de Deus.
Este Ser (com maiúscula), paradoxalmente não é nem uma coisa nem um ser.
Ele esta além do ser ou das coisas. Deus não é apenas o Ser, mas também o
poder de Ser por si mesmo, e isso foge a nossa compreensão. Não podemos
compará-lo a nada a fim de defini-lo, pois mesmo que o considerássemos
como o ser mais elevado, o estaríamos reduzindo a um objeto e uma criatura.
Por isso, para Tillich, afirmar a existência de Deus é tão ateu quanto negá-la,
isso porque o Ser transcende à existência. Ele é a resposta simbólica do
homem para a sua busca de bravura para superar as situações que o limitam,
tais como o ser e o não-ser que tanto o angustiam.
Quanto ao pecado, Tillich o define em função do ser e da alienação do Ser. A
responsabilidade pelas tensões da vida moderna não está relacionada a um
conceito clássico de pecado, o que seria uma explicação superficial e simplória.
O pecado é a alienação do fundamento do nosso ser.
Em sua cristologia, ele define Jesus como o símbolo no qual se supera a
alienação, em que se rompe a distância. Cristo é o símbolo do “Novo Ser”, no
qual se dissolve toda alienação que tenta diluir a unidade do homem com
Deus. A palavra “símbolo” é resultado do repúdio de Tillich por qualquer
interpretação ortodoxa acerca da pessoa e da obra de Cristo. Segundo ele, a
afirmação “Deus se fez homem” é uma afirmação não apenas paradoxal, mas
também sem sentido. O relato da crucificação é mencionado como lendário e
contraditório. A ressurreição, segundo ele, significa simplesmente que Jesus foi
restituído à sua dignidade na mente dos discípulos.
As descrições da salvação em seus aspectos, tais como justificação,
regeneração e santificação também estão sujeitas à reinterpretações. A
regeneração é descrita por ele como “ser incorporado na Nova Realidade
manifesta em Jesus”, como portador do “Novo Ser”. A justificação também não
é um ato soberano de um Deus pessoal, e sim uma palavra simbólica que
indica que o homem é aceito apesar de si mesmo. A santificação é o processo
através do qual o Novo Ser transforma a personalidade e a comunidade fora da
igreja.
14.2 – Objeções à teologia de Paul Tillich.
Quando nos deparamos pela primeira vez com a obra de Paul Tillich, temos a
impressão de estar diante de um incrível tratado teológico produzido por uma
mente enciclopédica, precisa, sutil e tremendamente criativa. No entanto, sua
teologia não é especificamente cristã, e sim uma “tradução” da linguagem
teológica em termos teosóficos e ontológicos. As vezes essa tradução nos
ajuda a ver as coisas sob uma luz mais clara e profunda, porém na maioria das
vezes, sua tradução faz violência tanto ao Espírito quanto à letra que ele
traduz.
Há várias objeções que se pode fazer à teologia de Tillich, entre elas a sua
rejeição da Bíblia como palavra de Deus. Seguindo os moldes neo-ortodoxos e
liberais, ele argumenta que a Bíblia, interpretada da maneira tradicional, não é
aplicável aos problemas da nossa época. Por esta causa, Tillich utiliza a
filosofia para analisar os problemas mais profundos da existência do homem
contemporâneo. No entanto, a maior falta dele não foi substituir a teologia pela
filosofia. Como escreveu o crítico Kenneth Hamilton, “sua maior falha foi
substituir a Palavra de Deus pela palavra do homem”.
O “princípio da correlação” de Tillich afirma que a filosofia pode dar-nos uma
analise adequada da situação humana. A Bíblia, nesse caso, pode até
aparecer, mas estará sempre em plano secundário.
Sua doutrina definitivamente não é doutrina bíblica. Não entendemos o porquê
Paul Tillich insiste em empregar a palavra Deus com sentido cristão. Sua idéia
de Deus não é trinitária e nem pessoal. Deus é um poder racional que penetra
a profundidade do ser, mas não é uma pessoa que se comunica ou com quem
possamos ter comunhão. O conceito de “Ser” que Tillich apresenta se
assemelha muito mais a um aspecto desse mundo do que existe por si só e
independe de sua criação. No sistema dele, não há mais distinção entre
Criador e criatura. Também não conseguimos entender que tipo de Deus pode
estar além da transcendência, e que não é nem sobrenatural nem natural.
Sua cristologia também é uma fraude. Tillich reduz Jesus a um mero símbolo, o
que faz dele um absoluto nada. Essa teologia diluída poderia ser bastante
aceitável para um budista ou um hindu. Religiosos de ambos os grupos
certamente abraçariam com alegria seus pressupostos, exceto pela sua
afirmação de que só ele foi e é o Cristo. A soteriologia de Tillich não tem
significado concreto, exceto como um símbolo a mais para descrever uma
situação existencial que não tem relação com o Deus Vivo.
Vemos em Paul Tillich um sério compromisso com a filosofia existencialista, ao
mesmo tempo em que podemos perceber seu particular descaso para com a
Palavra de Deus. Ao negar a historicidade dos fatos narrados no Novo
Testamento, a ocorrência literal dos milagres e o maior milagre do cristianismo:
a ressurreição, Tillich remove o fundamento e a esperança da fé cristã. Imagino
o que diria o apóstolo Paulo a um pregador como Paul Tillich: “E, se não há
ressurreição de mortos, então, Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não
ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé; e somos tidos por
falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele
ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não
ressuscitam. Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não
ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis
nos vossos pecados. E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram. Se
a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais
infelizes de todos os homens”(1Coríntios 15.13-19). Não sei ao certo como
Paulo argumentaria com Tillich, mas creio que seria algo assim.
Se por um lado Tillich é considerado excelente erudito (e eu diria até um bom
filósofo), sua interpretação meramente existencial do cristianismo faz dele um
teólogo ruim, da perspectiva ortodoxa. Assim como Bultmann, ele lança tantas
dúvidas acerca dos milagres e da ressurreição que de nenhuma maneira,
segundo os princípios paulinos, sua teologia pode ser chamada cristã.
Conclusão: Qual será a cara da teologia do século XXI?
7 DE OUTUBRO DE 2009 3 COMENTÁRIOS
Neste trabalho apresentamos as principais escolas teológicas do
século vinte e seus respectivos arautos. É claro que nessa abordagem, alguns
nomes inevitavelmente ficaram de fora, e outros, como Emil Brunner, não
puderam ser apresentados em um capítulo próprio. Não tivemos com isso
nenhuma intenção de reduzir a importância Brunner ou qualquer outro teólogo
contemporâneo, apenas tentamos apresentar os nomes associados às
respectivas escolas, e nesse aspecto, o nome de Brunner está bem associado
ao de Karl Barth e à teologia dialética.
Nossa exposição começou com uma abordagem panorâmica do
pensamento de Kant, Marx e Darwin, e da influência desses pensadores sobre
a teologia contemporânea. Apesar de ser mencionado já na introdução, demos
também a Immanuel Kant um capítulo à parte, pois temos considerado que sua
influência sobre a teologia do século vinte é maior que o de qualquer outro. Um
contemporâneo de Kant que também influenciou a teologia do século vinte foi
Soren Kierkgaard, mas não lhe dedicamos um capítulo especial porque
entendemos que ele foi um teólogo cristão e não especificamente um filósofo
secular como Kant e Marx. Também entendemos que seu nome caberia melhor
em um ensaio sobre a teologia do século dezenove, o que um dia faremos, se
Deus permitir.
O teólogo de maior projeção dentro da teologia contemporânea é Karl
Bath. Consideramos injusto que nomes como Barth, Bultmann e Tillich, tenham
tanta repercussão quando outros como Pannemberg e Cullmann, muito mais
ortodoxos que os três primeiros, são quase ignorados. Parece que a
popularidade de um teólogo está mais relacionada ao grau de inovação que ele
apresenta do que com a coerência lógica, bíblica e sistêmica de seus escritos.
A grande lição que o século vinte nos ensinou foi: “saia da linha ou seja
esquecido”. Ainda bem que não escrevemos nossas obras para obter lisonjas
dos homens.
Barth inspirou-se na filosofia existencialista e principalmente em Kant
para elaborar o seu conceito teológico de Deus, definindo-o como Totalmente-
Outro. Ao fazê-lo, inevitavelmente isola Deus do outro lado do abismo,
tornando difícil conhecê-lo e relacionar-se com ele. Seguindo Kant, ele faz
distinção entre Historie e Geschichte, alegando que a primeira diz respeito à
história objetiva e secular, enquanto o segundo diz respeito à história subjetiva
e sacra, sendo equiparada à própria fé. Os milagres, a ressurreição e outros
atos sobrenaturais narrados na Bíblia não são Historie, e sim Geschichte,
portanto, não devem ser confrontados na esfera secular. Em suma, tais
acontecimentos não são eventos históricos. Uma distinção semelhante ocorre
em Bultmann, que propõe uma distinção entre história e fé, entre o Jesus
histórico e o Cristo kerigmático. Para Bultmann, o Jesus descrito nos
evangelhos não é o Jesus histórico, e sim uma mera narrativa mítica. Ele
insiste que a Bíblia está cheia de mitos, e que deve ser desmitificada por nós.
Bultmann também nega todo valor objetivo da Bíblia como Palavra de Deus,
equiparando-a a qualquer narrativa antiga. Quanto aos milagres, ele é cético:
todas as narrativas miraculosas não passam de mitos.
Para refutar a teologia de Bultmann, surge o Dr. Oscar Cullmann com
a Heilsgeschichte, ou simplesmente “História da Salvação”. Para Cullman não
existe duas histórias, uma cristã e uma secular, aliás, ele sequer admite uma
história secular. Para ele, toda história é História da Salvação. A história
abrange os atos portentosos de Deus em favor da nossa redenção. Uma
característica interessante de Culmann é que ele aceita o desafio de Bultmann
e apresenta suas elucubrações partindo de alguns pressupostos da crítica
formal, porém, discordando dele quanto às conclusões. A sua ênfase é
extremamente cristológica, o que levanta inclusive algumas objeções sobre a
sua teologia. De qualquer forma, a teologia de Cullman é uma ponta de
esperança para o pensamento teológico contemporâneo, bem como
Pannemberg, que construiu a sua teologia tendo por base a história. Em uma
época em que os teólogos faziam questão de distinguir entre teologia e história,
Wolfhart Pannenberg construiu uma teologia sobre o alicerce da história,
salvando assim a historicidade do cristianismo.
Porém, apesar de Cullmann e Pannemberg terem prestado um
relevante serviço á ortodoxia (ainda que nenhum deles é considerado
literalmente ortodoxo), nem todos os teólogos contemporâneos assumiram a
mesma postura. A maioria deles parecia estar mais ligada às idéias de seu
tempo do que à Palavra de Deus, aliás, a própria expressão “Palavra de Deus”
caiu em desuso no decorrer do século vinte.
Na década de sessenta, surge um grupo de teólogos cujo exacerbado
esforço era elaborar uma teologia que estivesse mais próxima dos problemas
da humanidade. O problema é que essa idéia foi levada ao extremo. O patrono
da teologia secular, Dietrich Bonhoeffer ficou conhecido por participar de
um complot contra a vida de Hitler. É essa teologia ativista que os teólogos
secularistas propõem. A Cidade Secular, de Harvey Cox, Honest to God, do
“bispo” John Robinson, foram as principais obras desse movimento. Outro
importante teólogo secularista foi Paul Van Buren. Ele foi sem dúvida o mais
radical deles. Nessa mesma época surge na América Latina a Teologia da
Libertação, com pressupostos bastante semelhantes. Buscando inspiração não
na Bíblia, mas na filosofia socialista de Karl Marx, essa nova escola teológica
agitou o cenário teológico nas décadas de sessenta e setenta. No Brasil, o
principal expoente dessa nova e estranha doutrina é o ex-padre e
posteriormente professor da PUC-SP, Leonardo Boff. A heresia fomentada por
católicos romanos como Juan Luís Segundo, Hugo Assman e Gustavo
Gutiérrez Merino; e protestantes como Rubem Alves, Emílio Castro, José
Míguez Bonino e o então missionário no Brasil, Richard Shaull, buscava
consolidar uma teologia que pudesse oferecer respostas ao clima ditatorial e à
crise econômica latino-americana. A resposta por eles é uma afronta à teologia,
sobretudo à teologia protestante, pois faz do marxismo o maior dos atos de
Deus na história.
Várias outras tentativas de amoldar a teologia à praxe modernista
também foram elaboradas. Joseph Fletcher afirmou que a moral não é
absoluta. Nossos atos não deveriam ser julgados por padrões absolutos e uma
ética relativa se infiltrou na teologia contemporânea. Usando pressupostos do
existencialismo, do pragmatismo e das filosofias relativista e positivista, a Ética
Situacional apregoa uma teologia na qual os fins justificam os meios. Não há
conduta errada quando se quer alcançar um fim nobre. Esse pragmatismo
também está presente na Teologia da Libertação e na Teologia Secular, mas
nada tem a ver com a Bíblia, que nos ensina que melhor é o sofrer fazendo o
bem do que fazer o mal para que os advenham bens. Pecar deliberadamente
para que a graça seja mais abundante, militância contra governos que se
oponham aos nossos valores, tudo isso soa dissonante ao supremo às
palavras de Jesus no sermão do monte. Somos bem-aventurados quando
somos perseguidos e vilipendiados, e não o contrário. A Ética Situacional,
assim como outras teologias modernas, nega o sobrenaturalismo das
escrituras e se esforça para reinterpretar as narrativas miraculosas em termos
existenciais. Desse modo, a morte de Cristo não foi substitutiva, e sim uma
demonstração de amor.
Em seu afã de apresentar uma teologia que pudesse se adequar aos
padrões mundanos e às crenças seculares, muitos teólogos do século vinte
perderam completamente o senso de direção. Como homens loucos, eles
corriam desesperados em busca de uma associação que pudesse “salvar” à
teologia. A Bíblia cada vez mais parecia um livro ultrapassado e cada vez mais
os teólogos procuravam muletas seculares para amparar à Bíblia. Vemos isso
na teologia do padre católico Teilhard Chardin. Esse teólogo católico teve a
mente tão doutrinada pelas teorias evolucionistas que chegou a apresentar o
próprio Deus, aquele que a Bíblia descreve como imutável, como um Ser em
evolução. Não é preciso dizer que ele teve que fazer um esforço hercúleo e
muita eisegese para conciliar o criacionismo bíblico e o evolucionismo, duas
teorias totalmente opostas uma à outra.
Outra mostra desse desespero é a teologia de Jurgen Moltmann,
conhecida como Teologia da Esperança. Essa teologia é de ênfase
escatológica, mas a escatologia de Moltmann nada tem a ver com a noção
tradicional que envolve o retorno de Cristo e a entrada dos crentes no estado
eterno. Na perspectiva de Moltmann, nem mesmo Deus é eterno, uma vez que
ele decidiu entrar no tempo, tornando-se um ser meramente temporal. Esse
conceito tem suas base na filosofia ateísta de Nietzche e aparece também na
Teologia do Processo. O “Deus Finito” não é o único problema da teologia de
Moltmann: ele também nega que a ressurreição de Cristo seja um fato
histórico. Ora, “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé”. A moralidade de
Molmann, assim como a de Fletcher, é relativa e pragmática. Para ele não
existe o problema da violência versus não-violência. A questão central não é a
violência em si, e sim se a violência é justificável ou injustificável. Para Cristo,
porém, a violência é desaconselhável em qualquer situação.
Charles Hatshorne é o preconizador da Teologia do Processo. A
característica principal dessa teologia é a afirmação de que Deus é um ser
temporal e está sujeito ao tempo, bem como a mudanças e a evolução moral. É
fácil fazer um paralelo entre Moltmann e Chardin: assim como Moltmann, ele
afirma que Deus tornou-se finito e temporal, e como Chardin, ele assevera que
Deus está em constante processo evolutivo. Contudo, apesar da semelhança
com as teologias de Moltmann e Chardin, a principal influência de Hatshorne foi
o matemático e filósofo Alfred North Whitehead. Essa teologia também é
conhecida pelo nome de Teísmo Aberto e Teísmo do Livre-Arbítrio. Deus,
segundo essa concepção, não é um Ser Onisciente, mas um ser finito e
limitado ao tempo. Ele fatalmente não pode prever o futuro. A conseqüência
direta dessa teologia é simples: se Deus não tem o controle dos contingentes
futuros, não há nenhuma razão para depositarmos nele alguma confiança.
Esse teísmo anti-bíblico mina toda confiança que o crente deposita na Bíblia, e
deve ser logo descartado.
O teólogo mais controverso do século passado, no entanto, não foi
Hatshorne, Bultmann ou Barth, mas um que se posicionou bem na fronteira
entre esses dois pensadores: Paul Tillich. Valendo-se de pressupostos
existencialistas e liberais, Tillich elaborou uma teologia que ficou conhecida
pelo nome Teologia do Ser. Ele propõe reinterpretações da Bíblia, muito das
quais beiram o absurdo. Entre as doutrinas por ele modificadas estão a
encarnação, a natureza do pecado e a própria salvação. Sua própria teologia
está baseada em um ser impessoal, reduzido à mera força racional e criadora.
A ressurreição também é reinterpretada por ele, retirando assim a base da
esperança cristã (cf. 1Co 15.13-19). Embora em alguns círculos Paul Tillich
seja citado como o “teólogo dos teólogos”, da perspectiva conservadora ele
não passa de um herege.
Reservamos os dois últimos capítulos para abordar dois movimentos
que estão em acelerado crescimento em nosso país, à saber, o
pentecostalismo e o neopentecostalismo. Nascido na Califórnia, o moderno
movimento pentecostal teve como principal pregador o pastor William Seymour,
e o principal teólogo e sistematizador das doutrinas pentecostais foi Charles
Parham. Não foi apenas a importância dessas duas teologias no cenário
brasileiro que lhe renderam um lugar especial neste trabalho, mas também a
dissociação dessas dois movimentos das demais escolas contemporâneas de
intrepretação teológica. O pentecostalismo, como já vimos, encontra suas
raízes no Movimento de Santidade e tem em John Wesley seu principal
antecessor. Trata-se de uma tentativa de voltar à fé cristã primitiva, de tal forma
que o movimento foi chamado em seus primórdios deRestauração da Fé
Apostólica. Muitos excessos foram cometidos nessa tentativa de retorno ao
modo de culto primitivo, mas isso não desqualifica o movimento como um todo.
De modo geral, podemos perceber no pentecostalismo certo frescor. Ele surge
como chuva serôdia em meio ao árido cenário teológico do século vinte e
mantém-se na contramão de Bultmann, Barth, Tillich e dos demais teólogos de
influência no século vinte. Hoje, mais de um século depois, olhamos ao nosso
redor e indagamos pelas igrejas liberais e neo-ortodoxas. Como disse o Rev.
Hernandes Dias Lopes em palestra no congresso Vida Nova de Teologia, “as
igrejas liberais nasceram fadadas ao fracasso”. É simplesmente impossível
encontrar uma só igreja liberal com membresia superior a cem membros. As
igrejas pentecostais, ao contrário, vivem abarrotadas e há constante
necessidade de se construir novos templos.
O neopentecostalismo surge na década de setenta como uma
deturpação do movimento pentecostal e como reflexo de uma cultura
capitalista. O próprio neopentecostalismo é um materialismo disfarçado de
cristianismo, prostrado ante Mamon em adoração. A tendência dos “poderosos”
sempre foi usar o poder em benefício próprio, e não demorou para que um
grupo de pentecostais, esquecendo do exemplo de Jesus na tentação de
Mateus capítulo quatro, estabelecesse uma teologia para verter as bênçãos
espirituais em materiais e essas sobre si mesmos. Kenyon, Cooperland e
Hagin formam a ala mais materialista do movimento, enquanto Benny Him
endossa a fileira espiritualista. No Brasil, os principais expositores desse
movimento pragmático-mercantil são RR. Soares e Edir Macedo. Atualmente
há também pregadores pentecostais aderindo à idéias do movimento
neopentecostal, como por exemplo o Pr. Silas Malafaia, da Assembléia de
Deus, que inclusive escreve livros sobre prosperidade e promove a Bíblia de
estudo do Morris Cerrullo, a Bíblia da Batalha Espiritual e Vitória Financeira,
que já ganhou o apelido de Bíblia do Milhão.
É difícil enumerar uma a uma as diversas conclusões à que chegamos,
haja vista que ao final de cada capítulo são apresentadas várias objeções às
respectivas escolas, e repeti-las agora seria uma tarefa enfadonha e pouco
proveitosa. A análise da teologia do século vinte nos ensina pelo menos três
coisas. A primeira é que do ponto de vista conservador, nem sempre há justiça
em teologia. Parece que para ganhar projeção no meio evangélico é preciso
romper com os antigos padrões e fomentar o erro no seio da cristandade.
A segunda conclusão à que chegamos é que mui dificilmente um
pensador escapará às idéias do seu tempo. Os teólogos do século vinte foram
grandemente influenciados pelas idéias teológicas e filosóficas de pensadores
anteriores a eles. Quer seja por Immanuel Kant, Sheleiermacher e Soren
Kierkgaard, como no caso de Brunner, Barth, Tillich e outros tantos teólogos
neo-ortodoxos, ou por Nietzche e Overback, como é o caso de Jurgen
Moltmann, o certo é que nenhum deles escapou das influências do seu tempo.
Qualquer que leia a obra de Teilhard Chardin logo se dará conta de que o
evolucionismo para ele está acima da teologia e que as idéias de Darwin são
mais aludidas por ele que os portentosos atos de Cristo. Até no
pentecostalismo podemos perceber as idéias previamente concebidas por John
Wesley e no neopentecostalismo, vemos de cara a influência da filosofia
pragmatista norte-americana e até mesmo idéias da seita Ciência Cristã. Tudo
isso torna o trabalho do teólogo muito árduo, aumentando a necessidade de
apologistas cristãos entre nós. A verdade é que herdamos uma teologia
deturpada, fruto do casamento da teologia com a filosofia existencialista. Isso
porém, não significa que toda filosofia seja ruim; há também a boa filosofia e
como disse C.S. Lewis, “se não há razão para existir a filosofia, que ela exista
ao menos para refutar a filosofia ruim”. O problema é quando a filosofia ruim ou
irracional arroga para si o status de verdade universal.
A terceira conclusão é que embora seja muito difícil escapar do nosso
invólucro cultural, não devemos sujeitar a nossa teologia às novas tendências,
correntes filosóficas e modismos pós-modernistas, à fim de agradar as mentes
contemporâneas. Essa tentativa foi feita no século passado por neo-ortodoxos
e liberais, e fracassou. No entanto, aquelas igrejas que permaneceram fiéis à
tradição reformada e ao cristianismo histórico, permanecem até hoje. A razão
disso é que o homem não está simplesmente buscando uma doutrina para
concordar; ele está em busca de uma fé para viver. A necessidade do homem
ainda é a salvação. É por isso que um evangelho sem cruz, sem salvação,
ressurreição ou imposições morais, ainda que pareça agradável aos ouvidos no
início, logo será abandonado: Ele fatalmente fracassa por não pode satisfazer
às exigências da alma humana.
Diante de tudo o que temos exposto, ainda permanece uma pergunta:
Até que ponto nós somos ortodoxos? Muitos teólogos do século passado se
perderam nas idéias do seu tempo de tal forma que as suas abordagens
dificilmente podem ser consideradas cristãs. E a nossa teologia? Ela ainda
pode ser considerada cristã? Ora, hoje estamos analisando a teologia do
século vinte, mas amanhã serão analisados os pressupostos teológicos do
século vinte e um. O que dirão da nossa teologia? Ou será que nós não temos
pressupostos? Sim, os temos. E na verdade, nós analisamos e julgamos a
teologia contemporânea à luz das nossas pressuposições, isso porque, como
bem afirmou o controverso Rudolf Bultmann, “é impossível exegese sem
pressupostos”. Portanto, nesse início de século, faz-se necessária a avaliação
dos nossos paradigmas e não apenas a simples adequação dos mesmos à
interpretação bíblica. Precisamos olhar para os erros do passado e com muita
cautela construir a teologia do futuro. Devemos nos esforçar ao máximo para
fazer da Bíblia o nosso pressuposto básico, se quisermos construir um edifício
teológico bem alicerçado para o futuro.
Terminamos assim a nossa introdução à difícil matéria de teologia
contemporânea. Não foi possível apresentar uma obra completa ou fazer uma
analise dos pormenores dentro de cada escola. Entendemos que tal esforço
cabe mais a uma enciclopédia que a um ensaio de teologia. A nossa principal
intenção, além de introduzir estudantes de teologia no panorama teológico do
século vinte, é levá-los a refletir sobre as bases sobre a qual a teologia do
século passado foi edificada, incitá-los a pensar de modo crítico e com isso
propor uma analise concernente ao fundamento sobre o qual construiremos a
teologia do século vinte e um. Agora, cabe a cada teólogo fazer a sua parte
nesse edifício, e amanhã, com certeza, saberemos o resultado dessa
construção. No momento, uma música do cantor evangélico João Alexandre
parece representar bem o quadro do protestantismo brasileiro. Esperamos que
o que hoje é um fato, amanhã seja apenas história.
É proibido Pensar – João Alexandre
Procuro alguém pra resolver meu problema
Pois não consigo me encaixar nesse esquema
São sempre variações do mesmo tema
Meras repetições
A extravagância vem de todos os lados
E faz chover profetas apaixonados
Morrendo em pé, rompendo a fé dos cansados,
Em suas canções
Estar de bem com a vida é muito mais que Renascer
Deus já me deu sua palavra e é por ela que ainda guio o meu viver!
Reconstruindo o que Jesus derrubou
Recosturando o véu que a cruz já rasgou
Ressuscitando a lei, pisando na graça
Negociando com Deus
No Show da Fé milagre é tão natural
Que até pregar com a mesma voz é normal
Nesse evangeliquês Universal
Se apossando dos céus
Estão Distantes do Trono, caçadores de Deus, ao som de um shofar
E mais um ídolo importado dita as regras para nos escravizar…
É proibido pensar.