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Texto 2 tecendo a manhã e fragmento passagem das horas

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Page 1: Texto 2 tecendo a manhã e fragmento passagem das horas

TECENDO A MANHÃ

João Cabral de Melo Neto

Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã. ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.

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Fragmentos: Passagem das Horas

Fernando Pessoa

Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.

Não sei se sinto demais ou de menos, não sei (...)

A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a

roçar, a ranger A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de

ficar no chão, de sair De todas as casas, de todas as lógicas e de

todas as sacadas, (...)

Sentir tudo de todas as maneiras, Viver tudo de todos os lados,

Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo (...)

Multipliquei-me, para me sentir

Para me sentir, precisei sentir tudo, Transbordei, não fiz senão extravasar-me,

Despi-me, entreguei-me (...)

Sentir tudo de todas as maneiras, Ter todas as opiniões,

Ser sincero contradizendo-se a cada minuto, (...)

Eu, o investigador das coisas fúteis, (...)

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Eu, tudo isto, e além disto o resto do

mundo... (...)

Sou eu que me bato, que me trespasso, que me ultrapasso! (...)

Meu ser elástico, mola, agulha, trepidação.