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FACULDADE CATÓLICA DE BELÉM VIRNA SALGADO BARRA UMA SÍNTESE SOBRE OS PRINCÍPIOS DA TEOLOGIA E DA FILOSOFIA AGOSTINIANA (SÍNTESE IV) Belém 2017

Uma síntese sobre os princípios da Teologia e da Filosofia Agostiniana - Virna Salgado Barra

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FACULDADE CATÓLICA DE BELÉM

VIRNA SALGADO BARRA

UMA SÍNTESE SOBRE OS PRINCÍPIOS DA TEOLOGIA E DA

FILOSOFIA AGOSTINIANA

(SÍNTESE IV)

Belém

2017

VIRNA SALGADO BARRA

UMA SÍNTESE SOBRE OS PRINCÍPIOS DA TEOLOGIA E DA

FILOSOFIA AGOSTINIANA

(SÍNTESE IV)

Trabalho apresentado à Faculdade

Católica de Belém (FCB-PA), como

parte das exigências para a disciplina de

Seminário II em Agostinho de Hipona,

ministrada pelo Prof. Pe. André Luiz

Maia Teles.

Belém, 26 de novembro de 2017.

1. TEOLOGIA E FILOSOFIA – A SÍNTESE AGOSTINIANA.

Analisando o pensamento agostiniano, percebemos em seus escritos, que ele

sintetizou os componentes da filosofia Patrística - um fundamento racional para a fé

cristã. A síntese que realizou, ele mesmo denominou de filosofia cristã.

Para Agostinho, a fé e a razão complementam-se na busca da felicidade e

da beatitude. Para ele, essas não são alcançadas pelo procedimento intelectual, mas por

ato de intuição e fé. Mas a razão se relaciona com a fé no sentido de provar a sua

correção. Ou seja, a fé é precedida por certo trabalho da razão e, após obtê-la, a razão a

sedimenta.

A razão relaciona-se, portanto, duplamente com a fé. É necessário

compreender para crer, e crer para compreender, “Seja-nos, pois, Deus propício e faça-

nos chegar a entender aquilo em que cremos em que acreditamos. Estamos, assim, bem

certos de estar seguindo o caminho traçado pelo profeta que diz: Se não acreditardes

não entendereis“ 1(AGOSTINHO, 1995. p. 28). A razão e a fé nesse caso, se

relacionam perfeitamente auxiliando o homem na busca de uma crença racional e de

uma compreensão espiritual.

Desse modo, percebemos que, para Agostinho, a filosofia é apenas um

instrumento que transcende seus próprios limites: a Teologia e a Mística. “Agora,

porém, a respeito dessas verdades confiadas a nossa fé, esforçamo-nos de ter

igualmente um conhecimento pela razão, mantendo-as com certeza plena”.

(AGOSTINHO, 1995. p. 31). Apesar disso, este pensador é considerado um grande

filósofo pela análise filosófica que realizou sobre a concepção do mundo, do homem, do

tempo e de Deus, ao longo de sua trajetória.

O primeiro problema filosófico, focalizado por Agostinho, logo após a

conversão (momento em que se encontra com o Bispo Ambrósio e mergulha nos

escritos paulinos, foi o dos fundamentos do conhecimento, sob dois aspectos: se

conhecemos a verdade (crítica ao cepticismo) e como a conhecemos (Teoria da

iluminação). Essa busca se dá, devido a teoria corrente na época de que não é possível

1 Isaías, 7, 9. Cf: Bíblia Sagrada. Traduzida pelos monges de Meredsons - Bélgica. 29. ed. São Paulo.

Ave Maria. 2001. p. 948

encontrar um critério de evidência absoluta e indiscutível, causado pela variabilidade

dos sentidos.

Agostinho tratou desse problema no diálogo Contra os Acadêmicos III. O

erro para ele provém dos juízos que se fazem sobre as sensações e não delas próprias. A

sensação enquanto tal jamais é falsa. Posteriormente, na Cidade de Deus, Agostinho

levou tal argumentação às últimas conseqüências antecipando a reflexão cartesiana,

formulada doze séculos depois: “Se penso, logo existo”. Com isso, atingia a certeza da

própria existência, dando uma resposta contra o cepticismo, demonstrando ser possível

ao homem conhecer algumas verdades entre elas que existe.

[...] Tais verdades desafiam os argumentos dos acadêmicos,

que dizem: Quê? E se te enganas? Pois, se me engano, existo. Quem

não existe não pode enganar-se; por isso, existo. Logo, se existo, se

me engano, como me engano, crendo que existo, quando é certo que

existo, se me engano? Embora me engane, sou eu que me engano e,

portanto, no que conheço que existo não me engano. Segue-se também

que, no que conheço que me conheço, não me engano. Como conheço

que existo, assim conheço que conheço. E quando amo essas duas

coisas, acrescento-lhes o próprio amor, algo que não é de menor

valia. Porque não me engano quanto ao fato de amar, não me engano

no que amo, pois, embora o objeto fosse falso, seria verdadeiro que

eu amava coisas falsas. Que razão haveria para repreender-me e

proibir-me amar coisas falsas, se fosse falso que amo tais coisas?

Sendo certas e verdadeiras, quem duvida que, quando são amadas, tal

amor é verdadeiro e certo? Tanto é verdade, que não há ninguém que

não queira existir como não há ninguém que não queira ser feliz. E

como pode ser feliz, se não existe? (AGOSTINHO, 2001, p. 47).

Essa primeira verdade, isto é, que existo, permiti a revelação da própria

essência do ser humano, ou seja, o homem seria, sobretudo um ser pensante e seu

pensamento não se confundiria com a materialidade do corpo, nota-se neste pensamento

a influência platônica em sua filosofia.

Essa concepção do homem provinha de Platão, para o qual o homem é

definido como uma alma que se serve de um corpo (o corpo é o cárcere da alma).

Agostinho mantém esse conceito com todas as conseqüências lógicas que ele comporta,

no livro VII, cap. 10-12, das confissões.

Desse modo, o verdadeiro conhecimento não seria a apreensão de objetos

exteriores ao sujeito, devido a sua variabilidade, e sim, a descoberta de regras imutáveis,

como o princípio ético segundo o qual é necessário fazer o bem e evitar o mal. Este

conhecimento se refere a realidades não sensíveis cujo caráter fundamental seria a

necessidade, pois são o que são e não podiam ser diferentes.

Da necessidade do conhecimento decorreria a sua imutabilidade e, desta, a

sua eternidade. Porém, essa conclusão revela três tipos de conhecimento, isto é, três

operações: um limitado aos sentidos e referente a objetos exteriores ou suas imagens,

“Compreendes, pois, igualmente que cada sentido tem certos objetos próprios sobre os

quais nos informam, e alguns dentre eles percebem objetos de modo comum?”.

(AGOSTINHO, 1995. p. 83). Este, no entanto, está sujeito as sensações, dependendo

delas para conhecer as realidades ao seu redor.

O segundo refere-se ao sentido comum, interior ou razão inferior, que percebe os

sentidos externos como os seus objetos, que por sua vez percebe o mundo exterior e

suas manifestações, isto é, tal qual se apresenta.

Por último, o sentido que constitui a verdade, ou seja, aquilo que devemos

aceitar como verdade, é a razão ou razão superior, que conhece os sentidos exteriores,

as cinco operações dos sentidos, como também seus objetos e o sentido interior. Este

conhecimento vai além dos dois primeiros, podendo conhecer-se e chegar à ciência.

Chegando a essa etapa percebemos que o conhecimento para Agostinho só é

possível pela razão e uma razão iluminada pela fé, sem esta não é possível conhecer.

Essa verificação permite a indagação se o próprio homem é a fonte dos conhecimentos

perfeitos. Sendo o homem tão mutável quanto às coisas dadas à percepção, ele se

inclina reverente diante da verdade que o domina. Assim, só haveria uma resposta

possível: a aceitação de que alguma coisa transcende a alma individual e dá fundamento

à verdade, Deus, pois Ele é a Verdade, todas as outras manifestações de verdade

participam d’ele.

No entanto, para explicar como é possível receber de Deus o conhecimento

das verdades eternas, Agostinho elabora a doutrina da iluminação divina (auxilio divino,

luz). Entender algo inteligivelmente equivaleria a extrair da alma sua própria

inteligibilidade e nada se poderia conhecer intelectualmente que já não se possuísse

antes, de modo infuso.

A finalidade de Agostinho é de explicar o fato de possuirmos no interior

da mente a mesma verdade eterna pela qual a inteligência tem o poder de tomar

consciência pessoal dessa verdade, que não é construída a partir das experiências

humanas, já que esse conhecimento provém da alma, isto é, ela utiliza-se do corpo para

chegar a conhecer, já que é incorpórea.

Este conhecer aqui apresentado não é um mero ato dos sentidos ou da

razão, e sim um conhecimento absoluto capaz de afastar todas as dúvidas. Como

exemplo, podemos citar a justiça, pois mesmo que tomemos consciência do seu

significado habitual, só podemos ter o acesso ao seu significado pleno pelo auxílio da

iluminação divina.

Agostinho tenta responder a Evódio como isso se dá: “Deus há de me

conceder, como o espero que consiga te responder. Ou melhor, de conceder que tu

mesmo te respondas, instruindo-te interiormente, por aquela Verdade – Mestra

soberana e universal” (1995. p. 76). Para o pensador, só por meio deste trajeto

introspectivo é possível desvelar as verdades que se nos apresentam.

Percebemos que a semelhança nesse ponto entre Platão e Agostinho, só é

desfeita ao compreender Agostinho que a percepção do inteligível na alma, isto é, das

verdades, não se dá como uma descoberta de um conteúdo passado, mas como

irradiação divina no presente, não como na teoria platônica da reminiscência que esse

processo se dá com a recordação das experiências passadas, isto é, em outras vidas.

Agostinho envereda por outro caminho por crer na preexistência da alma. A luz eterna

da razão que procede de Deus atua a todo o momento, possibilitando o conhecimento

das verdades eternas.2

Contudo, a iluminação divina, não dispensa o homem de ter um intelecto

próprio. Ela teria a função de tornar o intelecto capaz de pensar corretamente em

virtude de uma ordem natural estabelecida pelo Criador de quem procede todo bem e

toda força para fazê-lo.

No conhecimento das verdades eternas, a própria luz não é vista, mas

serve apenas para iluminar as ideias. Um outro tipo de conhecimento seria aquele no

2 Designam na filosofia escolástica, princípios que constituem as leis absolutas dos seres e da razão,

emanadas da vontade divina e que o homem pode descobrir pelo pensamento. São proposições da razão,

não de fato. Referem-se não a existência ou inexistência deste ou daquele ser, más a vinculação

necessária das idéias. Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de filosofia. 3.

ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 269.

qual o homem contempla a luz divina, olhando o próprio “sol”: a experiência mística.

Não é apenas contemplar, mas pela fé conhecer e conhecendo crer.

Nesse caso, a experiência mística revelaria ao homem a existência do

Divino e o levaria à descoberta dos conhecimentos necessários, eternos e imutáveis

existentes na alma. O Criador, assim encontrado, é ao mesmo tempo uma realidade

imanente e transcendente ao pensamento. Mas, por outro lado, a natureza divina

escaparia ao alcance do homem, sendo inefável e mais fácil dizer o que Ele não é do que

tentar defini-lo (via negativa de Deus - pensamento dos capadócios).

Agostinho concebe a unidade divina não como vazia e inerte (como

defendia Parmênides de Eléia, Séc. V a. C), mas como plena viva e guardando dentro de

si a multiplicidade. Deus compreende três aspectos: Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai é

a essência divina em sua insondável profundidade; o Filho é o verbo, logos, a razão ou a

verdade, através da qual Deus se manifesta; o Espírito Santo é o amor, mediante o qual

Deus dá nascimento a todos os seres.3

A partir dessa concepção de Deus, Agostinho constrói a doutrina metafísica do

bem e do mal4, revelando mais uma vez sua dependência filosófica em relação ao

neoplatonismo de Plotino, que em sua opinião o mal tinha sua origem na liberdade

humana, (3ª Enéades II e III, e na 4ª, II, 26)5.

Tudo aquilo que é, é necessariamente bom, pois a ideia de bem está

implícita na ideia de ser. Deus, portanto, não é origem nem a causa do mal, da mesma

forma que a matéria também não poderia produzi-lo, pois ela é criatura de Deus.

A natureza do mal deve ser encontrada, portanto, no conceito

absolutamente contrário ao conceito de Deus como ser, ou seja, no não-ser. O mal fica,

assim, destituído de toda a substancialidade. Ele seria apenas privação do bem. Não

3 Cf: AGOSTINHO, Santo. Confissões. 16. ed. Tradução de: Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo.

Paulus. 2003. p. 402-405. 4 Nessa visão centrada em Deus, as respostas se deram em dois níveis: no maniqueísmo – o mal forma o

principio ontológico em si mesmo ou é uma força cósmica presente na natureza (substância) coeterna com

Deus (também substancia), princípio do bem, procurando-se, com isso, preservar a vontade de Deus.

Temos aqui uma explicação de ordem ontológico-cosmológico-materialista, cuja preocupação central é

responder à questão: “Unde malum? – De onde vem o mal? No neoplatonismo /cristianismo – o mal não

forma uma substância; pelo contrário, ele é destituído de substância, é ausência ou defecção do ser. Nesse

caso, o mal é não-ser, que é falta ou distanciamento do bem e não tem consistência ontológica, salvando-

se, também, a bondade de toda a natureza crida por Deus. Temos aqui uma explicação de ordem

ontológico-estético-filosófico-natural, cuja a preocupação é responder à pergunta: “Quid sit malum? –

Que é o mal?. Cf: COSTA, Marcos Roberto Nunes. O problema do Mal na polêmica antimaniquéia de

Santo Agostinho. 1. ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2002. Coleção Filosofia. p. 18-19. 5 Cf: ULLMANN, Reinaldo Aloysio. Plotino: Um estudo das Enéadas. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.

existem, como queriam os maniqueus, dois princípios poderosos a reger o mundo, mas

tão somente um: Deus, infinitamente bom, de quem procede tudo que existe.

Deus é a bondade absoluta e o homem é o réprobo miserável condenado

à danação eterna e só recuperável mediante a graça divina; Eis o cerne da antropologia

agostiniana. Tudo no universo depende de Deus e de sua graça, portanto, tudo é fruto da

graça.

Voltada para a matéria, a alma se acaba pelo contato com o sensível, dando a ele

sua substância, esvaindo-se no não-ser e considerando-se a si mesma como um corpo,

ficando assim passível as interferências sensitivas.

No estado de decadência em que se encontra a alma não pode se salvar

por suas próprias forças. A queda do homem é de inteira responsabilidade do livre

arbítrio humano, mas este não é suficiente para fazê-lo retornar às origens divinas. Tal

poder é privilégio de Deus. Do homem depende apenas o querer, ou seja, dele parte

somente a decisão de querer sair do estado em que se encontra, porém a força para

superar tal situação vem de Deus como graça.

Assim, chega-se à doutrina agostiniana da predestinação e da graça,

intensamente combatida pelo monge Pelágio6 e os seus seguidores, na qual nem todos

os homens recebem a graça das mãos de Deus. Apenas alguns eleitos que estão,

portanto, predestinados à salvação. Nega-se o pecado original e consequentemente a

necessidade da Redenção por meio de Jesus Cristo. Como também o auxílio da graça,

assunto que vamos nos aprofundar mais tarde no terceiro capítulo do nosso trabalho.

Durante a Idade Média, e mesmo depois, não serão poucas as marcas dessa

filosofia agostiniana na Igreja Católica. Inclusive, no surgimento de novas ordens

religiosas, o embate entre, por exemplo, corpo e alma, seguem de maneira constante.

Para isso, basta que se tenha acesso à hagiografia e à devida contextualização.

A ideia de culpa, sem dúvida, também está implícita, um exemplo disto é a obra

Confissões (399/400), que retrata os caminhos percorridos por Agostinho, durante sua

vida antes da conversão, começando com seus primeiros atos na infância até o encontro

com os escritos paulinos, com o bispo Ambrósio, fato que influencia na sua conversão.

No final da obra ele faz uma especulação acerca da criação e todo o seu processo.

6 Nascido na Britânia por volta de 354 e batizado em Roma por volta de 380-384, onde viveu por muito

tempo, e foi uma das vozes mais escutadas de seu tempo. Cf: Dicionário Patrístico e de Antiguidades

Cristãs. Tradução de: Cristina Andrade. Petrópolis, (RJ): Vozes. 2002. p. 1131.

Ninguém se confessa caso não se sinta culpado com relação a algo, pois é de

arrependimento que se trata esta obra, sabendo que, sobra ao homem pecador confessar

senão as suas fraquezas. Agostinho quer, como cristão, abrir a outros o caminho que

trilhou para a conversão. No fundo, Confissões é um incentivo àqueles que se sentem

perdidos e confusos.

O filho de Mônica vem trazer o apoio da graça divina ao espírito perturbado.

Quis dividir sua experiência com todos os que tivessem acesso à sua obra, do contrário

não a teria escrito. Por outro lado, quis também revelar a infinita misericórdia daquele

que o salvou, assim entendia a graça divina, “salvadora”. É o “amém”, o obrigado, de

Agostinho dirigido ao Criador, que lhe reconhecera nas profundezas de seu espírito e a

ele desvelara os segredos mais recônditos e insondáveis de sua consciência, para que

assim pudesse manifestar com suas palavras a verdade de seus sentimentos.

Se outro título tivesse essa obra, poderia ser testemunho, pois que não é outra

coisa senão isso, um testemunho dirigido aos homens de sua época e aqueles que o

sucedeu. E também aí, cumpre-se o lado de apóstolo do Evangelho, em recorte Paulino

e, portanto, com marcas gregas e claramente platônicas. Em Paulo, Agostinho encontra

o valor da humildade cristã como caminho para encontrar a verdade até então obscura,

isto é, o “O Verbo” feito carne que habitou em nosso meio7.

Sobre o Imutável que a tudo move, lança nisso uma lembrança daquele teor

aristotélico do “Ato Puro”, do “motor imóvel”, que movimenta todas as coisas sem ser

movido por ninguém, “Aristóteles”. Agostinho teve conhecimento da obra de

Aristóteles, “As Categorias”, em 374, ou seja, na mesma época que leu o Hortensius,

quando fazia o curso especial de eloquência, em Cartago, através de uma leitura

pessoal8.

Nas Confissões, Agostinho não somente expõe seus variados conhecimentos

filosóficos e teológicos, claro que submetendo os primeiros ao serviço da fé, como

também vai revelando, aos poucos, os caminhos que percorreu para chegar a ser o que

foi.

Neste viés, foi bastante singular e autêntico, porque é da sua experiência que

fala, não relata a história de alguém, é dele mesmo que fala. Agostinho permanece uma

7 Cf: AGOSTINHO, Santo. Confissões. 16. ed. Tradução de: Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo.

Paulus. 2003, p. 196-198. 8 Cf: AGOSTINHO, Santo. Confissões. 16. ed. Tradução de: Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo.

Paulus. 2003, p. 106-109.

figura central tanto no cristianismo como na história do pensamento ocidental. Sendo

influenciado pelo neoplatonismo, particularmente por Plotino.

Agostinho foi importante para o batismo do pensamento grego e sua entrada na

tradição cristã, e posteriormente na tradição intelectual européia. Também importantes

foram seus adiantados escritos influenciadores sobre a vontade humana, um tópico

central na ética, que veio a se tornar um foco para filósofos posteriores, como

Schopenhauer (1788-1860) e Nietzsche (1844-1900).

É largamente devido à influência de Agostinho que o cristianismo ocidental

concorda com a doutrina do pecado original, e a Igreja Católica Romana sustenta que

batismo e ordenações feitos fora dela podem ser válidos (a Igreja Católica Romana

reconhece ordenações feitas na Igreja Ortodoxa Oriental e Ocidental, mas não nas

igrejas protestantes, e reconhece batismos de quase todas as igrejas cristãs)18.

Os teólogos católicos geralmente concordam com a crença de Agostinho

de que Deus existe fora do tempo e no "presente eterno". O tempo só existe dentro do

universo criado, sendo ele criatura, para tanto, Agostinho dedica o livro XI das

Confissões, onde especula a cerca de sua origem, manifestação e seu fim como criatura

de Deus.

São Tomás de Aquino seguiu os passos de Agostinho para criar sua própria

síntese do pensamento grego-cristão (Aristóteles). Dois teólogos posteriores que

admitiram influência especial de Agostinho foram João Calvino (1509/1564)19, que

tinha a mesma concepção de graça apresentada por Agostinho, e Cornelius Jansen. O

calvinismo se desenvolveu como parte da teologia da Reforma, enquanto que o

Jansenismo20 foi um movimento dentro da Igreja Católica; alguns jansenistas entraram

em divisão e formaram suas próprias igrejas.

De todas as faculdades humanas, a mais importante é a vontade, pois

sendo essencialmente criadora e livre, possibilita ao homem aproximar-se ou afastar-se

do Criador. Reside aqui a essência do pecado moral.

O pecado é segundo Agostinho, uma transgressão da lei divina, na

medida em que a alma foi criada para reger o corpo, e o homem, fazendo mau uso do

livre arbítrio, inverte essa relação, subordinando a alma ao corpo e caindo na

concupiscência e na ignorância, afastando-se assim do Criador. Trataremos desta

temática a partir do segundo capítulo, onde percorreremos o caminho traçado por

Agostinho desde a origem da liberdade humana, suas quedas e seu remédio restaurador.

Até aqui, percorremos os pontos fundamentais de seu pensamento, com o

intuito de compreender a importância do conhecimento fornecido por meio dos atos

humanos que são iluminados por Deus. Desse modo, percebemos a importância do

desejo e da vontade em tal percurso. Pois é deles que brota a ação com o intuito de

satisfazer os impulsos do coração.

Nesta busca, o homem pode optar com liberdade por dois caminhos: um

que conduz aos vícios e as paixões e outro que o conduz as virtudes. Os dois caminhos

podem ser traçados por ele. No entanto, cabe a ele escolher aquele que lhe torna feliz.