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VELÓSIAS, OS LÍRIOS DA PANGÉIA Essas são raras mesmo. As canelas-de-ema (velósias) parecem coqueirinhos que podem ir de um palmo até seis metros de altura, geralmente com caules nus e escamosos que lembram as patas dessas aves. Os belos tufos nas pontas dos caules freqüentemente bifurcados exibem, em certas épocas do ano, principalmente a primavera e o verão, espetaculares flores de pétalas roxas, brancas ou rarissimamente amarelas, sempre de cores muito vivas e contrastantes, parecendo pequenos lírios. Algumas são perfumadas. As flores duram poucos dias, mas são logo substituídas porque os botões surgem rápido. Parecem plantas do paraíso, pois são freqüentemente encontradas no alto de montanhas de terrenos muito antigos, onde as paisagens são sempre deslumbrantes, como as da Chapada Diamantina, na Bahia. Lá dezenas de espécies de canelas-de-ema podem ser vistas no alto dos chapadões, nas trilhas e nos vales. Algumas formam arbustos com mais de cinco metros de altura, outras, não chegam a um palmo, principalmente as brancas nas bordas da Cachoeira da Fumaça. As do alto do Morro do Pai Inácio chegam a 2 palmos e produzem

Velósias, flores raras mostram que Brasil foi unido à África

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Pesquisa que fiz em Minas Gerais e no Sertão da Bahia, na Chapada Diamantina, onde encontrei centenas de espécies de canelas-de-ema (Vellozias), uma planta que regularmente nasce sobre pedras nas altas montanas e usa seu tronco felpudo para se alimentar do sereno da madrugada e da poeira orgânica que lhe chega. Muitas espécies são medicinais e o perfume é delicioso.

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VELÓSIAS, OS LÍRIOS DA PANGÉIA

Essas são raras mesmo. As canelas-de-ema (velósias) parecem coqueirinhos que podem ir de um palmo até seis metros de altura, geralmente com caules nus e escamosos que lembram as patas dessas aves. Os belos tufos nas pontas dos caules freqüentemente bifurcados exibem, em certas épocas do ano, principalmente a primavera e o verão, espetaculares flores de pétalas roxas, brancas ou rarissimamente amarelas, sempre de cores muito vivas e contrastantes, parecendo pequenos lírios. Algumas são perfumadas. As flores duram poucos dias, mas são logo substituídas porque os botões surgem rápido. Parecem plantas do paraíso, pois são freqüentemente encontradas no alto de montanhas de terrenos muito antigos, onde as paisagens são sempre deslumbrantes, como as da Chapada Diamantina, na Bahia. Lá dezenas de espécies de canelas-de-ema podem ser vistas no alto dos chapadões, nas trilhas e nos vales. Algumas formam arbustos com mais de cinco metros de altura, outras, não chegam a um palmo, principalmente as brancas nas bordas da Cachoeira da Fumaça. As do alto do Morro do Pai Inácio chegam a 2 palmos e produzem delicadas flores rosa-arroxeadas em forma de sino. São plantas endêmicas, isto é, só existem naqueles locais, e algumas espécies têm distribuição muito restrita. Em épocas de florescimento de velósias, quem vai a Lençóis, na Bahia, ou à pequena Santana da Vargem, em Minas Gerais, se depara com dezenas de espécies floridas que proporcionam um espetáculo único. Os que não têm o privilégio de morar perto dos terrenos mais antigos do Brasil, mas vivem em São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília também podem conferir essas plantas. O Jardim Botânico de Brasília tem um vale de canelas-de-ema do Cerrado que é do tamanho de um campo de futebol e pode ser observado do alto de uma torre-mirante de madeira, com os contornos de Brasília ao fundo.

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Em São Paulo, o Jardim do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), tem um jardim com dezenas de espécies de canelas-de-ema trazidas da Serra do Cipó, em Minas Gerais, região da cidade de Santana da Vargem que está sendo estudada pela USP há meio século. E, no Rio de Janeiro, a Fundação Burle-Marx exibe a coleção do falecido paisagista, internacionalmente apreciada. Quando era vivo, Burle Marx chegou a trazer canelas-de-ema das serras para com elas compor a coleção hoje preservada na fundação. Ele também as incluiu em alguns projetos paisagísticos, sendo hoje poucas as privilegiadas casas que as têm em seus jardins. Hoje em dia, nem Burle Marx, que foi o maior paisagista do mundo, conseguiria recolher plantas nas serras mineiras e chapadões baianos porque a Lei Ambiental e o Ibama não permitem mais a coleta. Infelizmente, a proteção é insuficiente, pois essas plantas tem sido dramaticamente destruídas pelas queimadas e seu número se reduz a cada ano em muitas regiões onde ocorrem. Há algumas décadas, tanto canelas-de-ema como sempre-vivas eram colhidas do mato e vendidas sem problemas em qualquer feira. Toneladas de flores de sempre-vivas foram exportadas. Hoje, com o risco de extinção dessas plantas, seu comércio só é permitido se elas forem produzidas em estufas, o que ainda não está ocorrendo. Segundo a botânica Nanuza Luiza de Menezes, da USP, maior autoridade mundial no estudo das velósias, exemplares dessa planta com mais de três metros de altura devem passar de 500 anos. Isso quer dizer que elas já estavam florescendo quando a esquadra de Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil. A professora, que se dedica à classificação das velósias (taxinomia) também incentiva pesquisas para seu cultivo comercial, que pelo menos preservaria da extinção as plantas adaptadas ao cultivo doméstico. A meta é encontrar exemplares que cresçam e floresçam mais rápido, pois algumas demoram muitos anos para ficarem adultas. O grande problema é que pouca gente está estudando a reprodução dessas plantas por sementes. Na USP, o pesquisador Sérgio Tadeu, do Departamento de Ecologia, chegou a

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obter, a partir de sementes, canelas-de-ema que florescem em dois anos. Uma outra forma de multiplicar as canelas-de-ema, que seria a clonagem, não foi conseguida pela USP. Segundo o professor Gilberto Kerbauy, diretor do Departamento de Botânica e especialista em clonagem de orquídeas, ainda não foi encontrado um processo eficaz de micropropagação (multiplicação de células dos brotos) para esse tipo de planta. Algumas espécies de canelas-de-ema, principalmente a Barbacenia purpurea e a B. squamata, são hoje cultivadas em estufas da Europa como plantas ornamentais de alto preço. Segundo o especialista Pio Corrêa, a Barbacenia purpúrea foi introduzida na Europa causalmente em 1827, quando suas sementes chegaram num carregamento de musgo vindo de Minas Gerais. Cultivadas a partir de sementes, elas surpreenderam os jardineiros pela forma curta e grossa da planta e pelas belas flores roxas com estames amarelo-vivo. Pio Corrêa também conta que os caules resinosos das canelas-de-ema foram muito usados na construção civil, como massa para enchimento de paredes em substituição ao barro, e nas ferrovias, pois queimam com facilidade e produzem muito calor. Imaginem-se as toneladas dessas plantas que devem ter sido queimadas nas serras mineiras no começo da implantação das ferrovias no País, entre os séculos 19 e 20. As canelas-de-ema receberam o nome científico de velósias (Vellozia) em homenagem a ao frade franciscano frei Mariano da Conceição Velloso (1742-1811), que pela primeira vez descreveu uma espécie dessa planta no Rio de Janeiro. Por isso o gênero foi batizado de Vellozia e se confunde com o gênero Barbacenia, de plantas muito semelhantes que também são indubitavelmente canelas-de-ema. As canelas também se adaptaram a alguns trechos de Cerrado, em Goiás e Mato Grosso, perto de serras antigas, de onde provavelmente saíram sob a forma de mutações. Mas a distribuição dessa planta rara não se limita a Minas, Bahia, Goiás e Mato Grosso.

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Elas ocorrem, também muito esparsamente, no alto de montanhas ou em vales de pedra, sempre associadas a terrenos muito antigos em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Também há ocorrência esparsa de velósias em montanhas da Colômbia, na África e na Península Arábica, indicando que essas plantas já existiam quando os continentes ainda não tinham se separado totalmente e havia meios de as sementes serem levadas de um lugar a outro, formando corredores biológicos. Como os continentes começaram a se separar há uns 160 milhões de anos, quando todos estavam unidos num único bloco emerso, a Pangéia, e a separação total entre Brasil e África teria ocorrido há uns 60 milhões de anos, quando deixaram de existir ilhas e blocos emersos que poderiam permitir a migração da vida, isso tem levado alguns a considerarem essas plantas como verdadeiros fósseis vivos. Algumas espécies de canelas-de-ema possuem propriedades medicinais e são usadas por caboclos de Goiás para combater inflamações, por exemplo. Outras, como a Vellozia nanuza, batizada em homenagem à professora Nanuza, maior autoridade mundial no assunto, estão sendo estudadas nos EUA, pois parecem apresentar propriedades viricidas. Como no alto das montanhas a temperatura cai de noite e se forma neblina, mesmo durante períodos de seca, a água é absorvida pelos caules porosos das velósias. Por isso, se cultivadas em casa, em mistura de terra vegetal, areia, carvão picadinho e pó de xaxim, devem ser borrifadas com água todas as manhãs e deixadas em pleno sol. Exemplares de pequeno porte podem ser cultivados sob ripados, como as orquídeas.

Uma história muito antiga

A geologia dos terrenos e a existência dessas plantas que só existem em certos locais do Brasil e da África provam que, em alguma

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época da história do planeta, algumas montanhas da África e da Península Arábica estiveram tão próximas dos morros da Chapada Diamantina e da Serras do Espinhaço e da Mantiqueira, em Minas Gerais, que seria possível chegar até elas só atravessando estreitos braços de mar.

Cerca de um terço do território brasileiro assenta-se sobre conjuntos de rochas muito antigas, formadas na era Pré-Cambriana (entre 4,7 bilhões de anos e 600 milhões de anos atrás). Essas rochas surgiram no resfriamento da superfície do planeta, quando ele ainda era um pedaço de estrela e foi bombardeado por meteoros de gelo. Com o tempo, as chuvas de meteoros foram se acalmando e a Terra transformou-se numa "esfera" coberta de água e de atmosfera, com os antepassados dos atuais continentes unidos num conjunto de blocos emersos.

Esse supercontinente que ainda existia na época dos dinossauros era formado por dois importantes conjuntos de blocos emersos, a Pangéia, ao norte, e a Gonduana, ao sul. Retalhada por estreitos braços de mar, a Gonduana incluía Brasil, África, Índia e Austrália (Gonduana australo-indo-malgaxe).

Constituído por grandes e pequenas ilhas que frequentemente se uniam por causa do acúmulo dos detritos de erosão nos mares rasos que as separavam, esse imenso bloco de terras emersas ficou aglutinado de um lado do planeta desde cerca de quatro bilhões de anos atrás. "As canelas-de-ema e os terrenos onde elas ocorrem constituem relictos de um curioso e antigo momento da história do planeta Terra: a separação dos continentes, que começou mais ou menos abruptamente há 160 milhões de anos", diz o geógrafo Aziz Ab'Sáber, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.

Segundo Ab'Sáber, a separação dos continentes ocorreu por causa do formato assimétrico do planeta, pois havia desequilíbrio entre a terra e a água: de um lado, a crosta exposta; do outro, os oceanos

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profundos. "Isso criou linhas de fragilidade formadas pelo movimento de rotação da Terra." Em algum momento, há 160 milhões de anos, o desequilíbrio entre as terras emersas e o volume de água chegou a seu grau extremo e a terra literalmente "rachou", fazendo os continentes flutuarem, como barcos à deriva.

Na época em que a Pangéia se separou, muitos relictos desse supercontinente continuaram emersos, pois as terras e suas montanhas foram sendo afastadas umas das outras por deslizamentos de placas subterrâneas que afinavam a superfície do planeta, provocando intensa atividade vulcânica, com o magma preenchendo as rachaduras até que fosse atingido o equilíbrio entre terras e mares. Dentre esses relictos que são testemunhos dos tempos da Pangéia estão os campos rupestres. Eles, e o estudo da geologia dos terrenos, que é semelhante, provam que, em alguma época da história do planeta, algumas montanhas da África e da Península Arábica estiveram tão próximas dos morros da Chapada Diamantina e da Serras do Espinhaço e da Mantiqueira, em Minas Gerais, que seria possível chegar até elas só atravessando estreitos braços de mar.

Foi o que aconteceu com as sementes das canelas-de-ema, que se espalharam pelo Brasil, pela África e pela Península Arábica - então vizinhas e hoje separadas por oceanos.

Existem provavelmente algumas centenas de espécies de velósias, muitas delas ainda desconhecidas da ciência. Elas foram se diferenciando isoladas em seus ambientes específicos, a ponto de a maioria das espécies estar reduzida a alguns milhares ou centenas de exemplares que só existem em certas áreas limitadas de alguns quilômetros quadrados e em nenhum outro lugar do mundo. No Brasil, um exemplo são as minicanelas que nascem na beira da cachoeira da Fumaça, na Chapada Diamantina (BA), e têm cerca de um palmo de altura, destacando-se pelas grandes flores roxo-escuras de miolo amarelo contrastante (cerca de 4 cm de diâmetro).

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Outra canela-de-ema rara daquela região é a de flores roxo- claras que ocupa o topo do Morro do Pai Inácio. Elas têm forma de sinos inclinados e a planta não chega a 60 centímetros de altura. O número de exemplares, segundo estimativas, não deve passar dos 500, pois não existem em outras regiões do mundo. Essa espécie possui glândulas resinosas na base do botão floral que, parece, a faz ser também carnívora, pois os insetos grudam nessa resina e lá morrem, fornecendo nitrogênio para a planta. Além das serras e chapadões do Nordeste, de Minas e do norte da Amazônia, é também possível encontrar espécies de velósias nas serras das regiões Sudeste (litoral de São Paulo e Rio) e Sul (campos gerais do Paraná), explica o pesquisador Shinichi Oki, do Centro de Pesquisas de História Natural, entidade patrocinada pelo governo japonês que também estuda essas plantas.

Por serem raras e correrem risco de extinção pela ocupação humana de suas regiões, as canelas- de-ema, assim como os cactos, sempre-vivas e orquídeas dos campos rupestres são plantas protegidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Nos anos 70, o povo colhia sempre-vivas nas serras e as levava para secar nas ruas de várias cidades do sertão em Minas e na Bahia. Depois, com novas leis protegendo a flora, a coleta dessas plantas passou a ser proibida, a não ser com autorização para fins de pesquisa ou projetos econômicos auto-sustentáveis (como o cultivo comercial).

Apesar da proibição, que se tornou mais rigorosa com a nova Lei Ambiental, plantas rupestres como sempre-vivas ou canelas-de-ema têm sido criminosamente roubadas dos santuários que habitam ou vítimas de queimadas (permitidas nas suas áreas de ocorrência - serras e chapadões - por causa do veto a um artigo da nova Lei Ambiental que regulamenta o assunto). Canelas-de- ema (principalmente troncos secos) e sempre-vivas podem ser facilmente encontradas em feiras de flores como a do Mercado Municipal de Belo Horizonte (MG) ou a feira da Ceagesp em São Paulo.

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Pelo menos uma espécie com propriedades medicinais (viricidas) está sendo estudada nos Estados Unidos. As velósias em geral são muito resistentes a pragas, talvez por causa da resina oleosa que produzem (e que pode conter fórmulas de novos antibióticos para uso humano). A nova Lei Ambiental acaba permitindo patente estrangeira de germoplasma brasileiro, pois foi vetado seu artigo 47, que punia com multa e detenção de um a cinco anos "exportar espécie vegetal, germoplasma ou qualquer produto ou subproduto de origem vegetal".

O maior rigor da Lei de Crimes Ambientais, que pune a retirada de plantas protegidas com multa e cadeia, já tem diminuído a coleta predatória dessas plantas. Falta, ainda, que as populações das áreas onde nascem sempre-vivas e canelas-de-ema, por exemplo, dediquem-se ao cultivo comercial dessas plantas, que têm boa aceitação no mercado internacional.

Pesquisas têm sido desenvolvidas para permitir esse cultivo não-predatório, pois as sempre-vivas, por exemplo, produzem flores em menos de seis meses. "O cultivo comercial dessas plantas pode salvar algumas espécies da extinção, como aconteceu com certas orquídeas, que hoje podem ser encontradas até em supermercados das grandes cidades do mundo", diz o professor Gilberto Kerbauy. Um pesquisador da USP, Sérgio Tadeu, do Departamento de Ecologia, por exemplo, obteve, a partir de sementes, canelas-de-ema que florescem em dois anos, atingindo cerca de 60 centímetros de altura - um ciclo menor que o das orquídeas, muitas das quais só florescem de cinco a sete anos depois do plantio por semente. Uma das maiores atrações do jardim do Departamento de Botânica da USP é justamente a coleção de canelas-de- ema trazidas da Serra do Cipó, em Minas Gerais, onde a universidade desenvolve pesquisas há mais de 30 anos.

Em viagem de férias pela Chapada Diamantina, na Bahia, o autor desta reportagem coletou cerca de 30 exemplares de canelas-de-ema (de oito espécies diferentes). Com autorização das autoridades

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locais, foram retiradas apenas amostras de plantas condenadas, em pleno andamento de sete queimadas (percorridas em três dias nas imediações das estradas entre as cidades de Lençóis e Seabra e o Vale do Rio Roncador). Essas plantas se desenvolveram bem em São Paulo, indicando que seu cultivo pode ser viável.

O autor desta reportagem obteve várias floradas sucessivas de canelas-de-ema fazendo pulverização das folhas e dos caules diária com água e a cada semana com uma solução de giberelina (hormônio de florescimento) e adubo foliar. O uso de hormônio de enraizamento num substrato poroso de fibra de coco ou casca de árvore picada, misturado com húmus, carvão e pedriscos, também facilitou a adaptação.

A pulverização diária com água reproduz o sereno existente nos campos rupestres de altitude e pode ser feita com pulverizadores acionados por termômetros, como os de estufas. Embora nas regiões de origem fiquem expostas ao sol pleno, em São Paulo as plantas coletadas pela reportagem desenvolveram-se melhor sob ripados, como as orquídeas.

O estudo das canelas-de-ema tem como pioneiro no mundo o frade franciscano e naturalista mineiro Mariano da Conceição Vellozo (1742-1811), que pela primeira vez descreveu a planta, no Rio de Janeiro do século 18, razão pelo qual foi atribuído ao gênero o nome de Vellozia. Autor de Flora Fluminensis (1790, que descreve mais de 1,7 mil espécies e para a qual fez os primeiros desenhos de canelas-de-ema e centenas de outras plantas), ele é considerado o primeiro grande botânico brasileiro. Não reconhecido na sua época, os desenhos de frei Vellozo foram vendidos como papel velho para fazer cartuxos de guerra (contra as tropas de Napoleão, que haviam invadido Portugal).

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As chapas de uma gráfica portuguesa que recebera de d. Pedro I a incumbência de publicar os desenhos, mas não foi paga, acabaram indo parar nas mãos de um naturalista estrangeiro. "Saint-Hilaire se apresentou na Imprensa Régia de Lisboa a 29 de agosto de 1808, com uma ordem do Duque de Abrantes para que lhe entregassem 554 chapas pertencentes à Flora do Rio de Janeiro, de autoria de frei José Mariano da Conceição Vellozo, as quais se entregaram e levou consigo na mesma sege em que veio", cita o cientista Mário Guimarães Ferri no livro História das Ciências no Brasil. "Não tiveram os brasileiros, pelo visto, um início muito feliz na vida científica, pois nossos pioneiros foram, parece incontestável, vítimas da falta de escrúpulos de um cientista estrangeiro."

Depois, o estudo das canelas-de-ema no Brasil teve outros nomes fundamentais, como os dos cientistas brasileiros Aílthon Brandão Joly (1924-1975) e seus sucessores, Nanuza Luíza de Menezes, Ana Maria Giulietti, Renato de Mello Silva, entre outros. Também se destacam na paleobotânica os trabalhos do professor José Rubens Pirani.

Na Universidade de São Paulo, cujo Departamento de Botânica é um dos centros mundiais de referência sobre o assunto, a soma dos trabalhos desses cientistas já dura quatro décadas no campo da anatomia, da filogenia e da identificação precisa dessas espécies (taxonomia).

O cultivo de canelas-de-ema levadas do Brasil já foi moda entre a aristocracia européia do século 19, desde que um jardineiro inglês passou a cultivar sementes da planta levadas acidentalmente num carregamento de musgo saído de Minas Gerais. Essa curiosidade é citada pelo botânico Pio Corrêa em seu Dicionário das Plantas Úteis no Brasil e das Exóticas Cultivadas. Depois, essa moda passou e a planta foi injustamente esquecida.

Por ocuparem espaços muito restritos na natureza e de paisagem específica, muitas espécies de canelas-de-ema desapareceram para

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sempre, provavelmente ainda durante este século, vítimas de queimadas e depredações praticadas pelo homem. "É uma perda irreparável", lamenta o professor Gilberto Kerbauy, diretor do Departamento de Botânica da Universidade de São Paulo. "O banco de germoplasma do planeta está diminuindo e com isso a vida terá cada vez menos modelos diferentes capazes de resistir a eventuais mudanças climáticas."

A teoria que os continentes não estiveram sempre nas suas posições actuais, foi conjecturada muito antes do século vinte; este modelo foi sugerido, pela primeira vez, em 1596 por um fabricante holandês, Abraham Ortelius. Ortelius sugeriu de que as Américas " foram rasgadas e afastadas da Europa e África por terramotos e inundações " e acrescentou: " os vestígios da ruptura revelam-se, se alguém trouxer para a sua frente um mapa do mundo e observar com cuidado as costas dos três continentes." A idéia de Ortelius foi retomada no século dezanove. Entretanto, só em 1912 é que a idéia do movimento dos continentes foi seriamente considerada como uma teoria científica designada por Deriva dos Continentes, escrita em dois artigos publicados por um meteorologista alemão chamado Alfred Lothar Wegener. Argumentou que, há cerca de 200 milhões de anos, havia um supercontinente - Pangeia=Pangea - que começou a fracturar-se. Alexander Du Toit, professor de geologia na Universidade de Joanesburgo e um dos defensores mais acérrimos das ideias de Wegener, propôs que a Pangeia, primeiro, se dividiu em dois grandes continentes, a Laurásia no hemisfério norte e a Gondwana no hemisfério sul. Laurásia e Gondwana continuaram então a fracturar-se, ao longo dos tempos, dando origem aos vários continentes que existem hoje.A teoria de Wegener foi apoiada em parte por aquilo que lhe pareceu ser o ajuste notável dos continentes americanos e africanos do sul, argumento utilizado por Abraham Ortelius três séculos antes. Wegener também estava intrigado com as ocorrências de estruturas

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geológicas pouco comuns e dos fósseis de plantas e animais encontrados na América do Sul e África, que estão separados actualmente pelo Oceano Atlântico. Deduziu que era fisicamente impossível para a maioria daqueles organismos ter nadado ou ter sido transportado através de um oceano tâo vasto. Para ele, a presença de espécies fósseis idênticas ao longo das costas litorais de África e América do Sul eram a evidência que faltava para demonstrar que, uma vez, os dois continentes estiveram ligados.