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A arte do desbunde

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Page 1: A arte do desbunde

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Loucura é pouco – Acima, o ator e bailarino Paulette; na página ao lado, Wagner Ribeiro, em foto de 1973 feita por Cláudio Tovar

por josé gabriel navarroE, para quem sentir falta de críticas em relação ao es-

tilo deles, parece que não há muito que fazer. “Nenhum ponto negativo nos foi apresentado. As pessoas tinham tanta vontade de falar com eles, tanta admiração... Ninguém deu um depoimento que, em algum momen-to, falasse alguma coisa contra o grupo. Acho que, com o fim trágico, o lado ruim está mostrado de certa forma”, defende Tatiana, a “Tati” dos eternos Dzi Croquettes, com quem conviveu na primeira infância, quando seu pai, Américo Issa, trabalhava como cenógrafo e ilumina-dor do grupo. Eram bons e loucos tempos, afinal. n

A arte dodesbu nde beberam da fonte> secos & molhados

Este é um caso de influência mútua. o primeiro disco do conjunto surgiu um ano depois do primeiro show dos Dzi Croquettes. Mas Ney Matogrosso e o Dzi Cláudio gaya já se maquiavam nos bastidores antes do sucesso chegar. a maquiagem exagerada e andrógina parece ter origem comum aos dois grupos de artistas transgressores.

> as frenéticas a banda de mulheres que agitou as discotecas brasileiras no final

da década de 1970 era formada basicamente por fãs de carteirinha que chegaram a acompanhar o Dzi Croquettes em suas apresentações país afora. a influência fica clara na descontração das canções: quem melhor para ensiná-las a abrir suas asas e soltar suas feras?

> miguel falabella além de escrever para tv, Falabella atua e dirige musicais desde que fez a versão brasileira de The Rocky Horror Picture Show para o teatro, em 1982. a verve cômica vinda dos Dzi percorre toda sua trajetória nessa área, inclusive em sua última montagem, A Gaiola das Loucas.

> claudia raiaCom formação inicial de bailarina, a musa de 1,80m deve muito de seu desempenho aos contatos que teve com lennie Dale, líder do grupo. sua carreira também é marcada por personagens ambíguos, como a transexual Ramona, da novela As Filhas da Mãe (2001/2002), e musicais de sucesso, como Não Fuja da Raia (1991) e Sweet Charity (2006).

RESGATE. ESSA FOI A PALAVRA MAIS USA- da nas resenhas e críticas sobre Dzi Croquettes desde a estreia, há dois anos, nos principais festivais de cinema, até sua chegada ao Canal Brasil neste mês. Pudera: o grupo brasileiro de teatro que dá nome ao filme foi esquecido pelo país, apesar de ter causado um intenso agito cultural aqui e lá fora na década de 1970.

“As pessoas da minha geração diziam: ‘Nossa, esse termo é total-mente Dzi Croquettes’; ou ‘Esse tipo de humor é Dzi’. Quem não era filho de gente que frequentou o show deles e quem tem menos de 35 anos nunca tinha ouvido falar”, contou Tatiana Issa, de 37, que dirigiu e produziu o longa com o amigo Raphael Alvarez, de 36. É possível lembrar-se deles jovens em novelas da TV Globo, e dela como a heroína Ceci em O Guarani (1997). Mas, hoje, o negócio dos dois é ficar por trás das câmeras para contar belas histórias pouco conhecidas do Brasil. Desde que se fixaram em Nova York – Alva-rez já vivia na cidade, atuando em musicais da Broadway, e Tatiana chegou para ficar em 2002 –, resolveram fundar uma produtora também dedicada a mostrar brasilidades ao mundo. Dzi Croquettes, primeira produção da dupla, tem cumprido essa missão com exce-lência e reconhecimento máximo por onde passa.

No Festival do Rio, em 2009, foi eleito Melhor Documentário tanto na categoria do Júri Oficial como na do Voto Popular, um feito inédito. No 14º Miami Brazilian Film Festival, ano passado, não levou o prêmio de melhor documentário, mas de Melhor Fil-me pelo Voto Popular, após competir com obras como Tempos de Paz, de Daniel Filho, e a adaptação para cinema de O Bem Amado. De prêmio em prêmio, Dzi Croquettes tornou-se o documentário brasileiro mais laureado de todos os tempos, conseguindo superar em número os 12 prêmios conquistados por Cabra Marcado Para Morrer (1985), do mestre Eduardo Coutinho.

Tanta festa não aconteceu à toa. A audácia dos Dzi Croquettes ganhou a todos desde a primeira apresentação, em 1972. O líder do grupo de 13 homens, o americano Lennie Dale, misturava ritmos brasileiros com os movimentos espetaculosos do jazz, e seu rigor nos ensaios garantia atuações de grande sucesso, com muita mú-sica, dança e humor (foi Lennie, aliás, quem ensinou a Elis Regina seu célebre balançar de braços na época dos festivais).

O deboche escancarado, outra marca registrada desses artistas, também era de enorme ousadia, ironizando e mesclando estereó-tipos sexuais. As maquiagens andróginas e os figurinos caricatos

CoMo dzi croquettes, ao ContaR a históRia Do lEnDáRio

gRupo DE tEatRo quE balançou o MunDo nos anos 1970, viRou o

DoCuMEntáRio naCionalMais pREMiaDo Da históRia

davam suporte a uma estética especialmente nova – e perigosa – para um Brasil que vivia o auge da ditadura militar e da censura. Censura que, em pouco tempo, fez a trupe debandar para a Europa. Por isso, foi apenas em Paris que os produtores conseguiram fotografias e vídeos do grupo em ação nos palcos. Na capital francesa, os Dzi Croquettes ganharam a admiração do mundo todo, apresentando-se para gente como Mick Jagger e Liza Minnelli, uma espécie de madrinha do grupo. Depois, conforme os anos 1970 acabavam, o grupo foi se desfa-zendo, e na década seguinte alguns de seus integrantes morreram vítimas da AIDS (restam hoje apenas cinco, incluindo Cláudio Tovar, que se casou com Lucinha Lins). Mas seu legado segue pulsante em diversas mani-festações culturais brasileiras (confira no quadro ao lado).

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dzi croquettes, dia 25, segunda, 22h, Canal Brasil, 66