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Eficiência coroada

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EFICIÊNCIACOROADA

pedro marangoni

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Baptista Filho, 47, lembra as jásaudosas águas de fonte, insípidas e inodoras. Nãocheira nem fede. Pertence ao escritório como se fosseum arquivo ou uma caixa de sugestões. Acho que umacaixa de sugestões é mais elucidativa. Está lá, fazparte, mas ninguém mexe ou se importa. Tem trêsternos, um cinza, outro cinza e outro cinza. Gravatas emeias pretas. Barba impecavelmente raspada, três fiosde cabelo alinhados cuidadosamente na testa careca,baixo,quase gordo, óculos de plástico preto. Não larganunca de uma pasta de couro, tipo escolar,pesadíssima. Certa vez, chamado à sala do chefe, adeixara embaixo da mesa. Os colegas a pegaram e coma escada do porteiro a amarraram no lustre. BaptistaFilho quando voltou, sentou-se e os pés calçados com o752 preto procuraram a pasta automaticamente.Empalideceu. Olhou em torno,todos trabalhando, semfitá-lo... Suspense. Levantou-se e foi até a porta dochefe mas titubeou. De repente viu. Lá em cima.Risinhos disfarçados. Baptista Filho conseguiu ficar

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mais pálido ainda, mediu a altura da pasta com osolhos e não teve dúvidas: telefonou para os bombeiros! Susto na telefonista, corre-corre noescritório. _Calma Sr. Baptista Filho, calma! Jávamos tirar para o senhor! Bernadete, cancela aligação por favor! Baptista Filho não disse uma palavra, masnunca mais tentaram outra brincadeira... É interessante, o pessoal do escritório setrata por Nenê, Zezé, Corintiano, Miss Pig (à revelia),Mineiro, mas Baptista Filho é como Deus, só existecom o Filho junto. Nem Baptista, nem Filho, nemEspírito Santo. Muito menos Tista. É Baptista Filho epronto. Ficou. Já em casa, apartamento de doisquartos, financiado, sem garagem, é chamado pelaesposa de... Baptista Filho! Adelaide trabalhava nomesmo escritório, daí... ficou. Adelaide, 40, um ou dois dedos mais altaque o marido, magra, cabelos castanhos quase loiros.Segundo pessoal do escritório, classificada como“comível”, um título que é uma espécie de ameaça – senão se cuidar, em um prazo mínimo passa a “eracomível”, algo nostálgico, sem volta. Dez anos de casamento. Sem namoro.Moradores do mesmo bairro, quase vizinhos, ia e vinhano mesmo ônibus de Baptista Filho, que morava com a

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mãe viúva. Um ano só se cumprimentando, depois umano sentados no mesmo banco, quase sem conversar.Adelaide é que se aproximou, sentia-se mais seguracom um colega. Quando chegou aos trinta, começou aver o gordinho como rechonchudo, o careca como calvo,o esquisito como respeitador. Aí morreu a mãe – dele.Não houve mudança significativa em seucomportamento, mas os ternos começaram a aparecerum pouco descuidados para o olhar atento de umasolteirona. Cansada de rolar sozinha na cama, noiteapós noite, convenceu-se que Baptista Filho era ohomem ideal. Decidiu partir para o ataque. Puxandoconversa no ônibus, na volta para casa, colocou a mãona perna do colega. Baptista Filho ficou roxo,engasgou, retesou-se no assento mas não disse umapalavra. Foram assim até o destino. No dia seguinte Adelaide sentou-se comosempre ao seu lado, meio constrangida, achando quehavia exagerado. Trocaram a meia dúzia de palavrasprotocolares de sempre e eis que observa umamudança em Baptista Filho – está agitado, se mexe noassento, rosto vermelho (olhou para ele de soslaio) eem movimentos um tanto bruscos, bate sua pernacontra a dela, repetidamente. Algo confusa, colocanovamente a mão sobre a perna do agitado quarentão.Pronto, acalmou na hora, aquietou-se! Parece que até

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que semicerrou os olhos. E sem nada dizer, Adelaidecom coração disparado e a mão parada, vai assim até oponto do escritório... Tornou-se então praxe obrigatória a mãona perna, uma espécie de ato sexual para BaptistaFilho, quase uma aberração. Aí, já com tanta intimidade, Adelaideresolveu lhe falar. A mão na perna a estava deixandolouca. Ele simplesmente disse: é... - e dois meses apósestavam casados, assim que Baptista Filho completou elhe apresentou um relatório de pesquisas de custo emvárias igrejas e cartórios. O problema foi que na lua demel o noivo quis continuar respeitador até na cama eAdelaide, já em desespero de causa, teve que pularpara cima. Surpreendentemente o desempenho, meiorústico, foi satisfatório e as medidas suficientes. Eraum sábado, é claro, ele não faltaria ao escritório sópara casar. Passaram o dia arrumando a casa, BaptistaFilho dando as ordens. Logo ela quis mais mais, mas elealegou que a semana estava começando e tinha queestar descansado para o trabalho. E assim acaboudescobrindo que farra, só seria aos sábados e destaforma foi por dez anos... Bem que no começo tentoualguns ataques, todos infrutíferos e então acabou seadaptando, fazendo do suspense de contar os diasmais um tipo de excitação.

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A pedido de Baptista Filho saiu doemprego para cuidar da casa e evitar as piadinhas noescritório que o incomodavam, além de ter medo queAdelaide fosse indiscreta com as colegas. Não queriaser assediado como um objeto sexual, sempre evitaraessas coisas. Queria era produzir, trabalhar para o Dr.Irineu, o patrão. Sua meta, eficiência crescente atéuma aposentadoria honrada... Ela, sozinha em casa, sem filhos – elefizera uma planilha de custos e concluíra serincompatível com seus ganhos – se divertia ouvindo ashistórias das vizinhas, mais ou menos de sua faixaetária, ávidas consumidoras de entregadores de pizza,carteiros, eletricistas e tudo que aparecesse na portaou pudesse ser chamado pelo telefone, enquanto seusinsonsos maridos trabalhavam. Mas Adelaide semantinha firme, afinal antes tinha nada, agora,uma vezpor semana era uma quantidade enorme... E ia tudo na santa paz... até a famosaimplantação do ISTO 8000, o ápice da carreira deBaptista Filho. Dr. Irineu o chamara, juntos assistiramum vídeo sobre o processo de implantação e com osolhos brilhando recebeu um calhamaço de blocos derelatórios e apostilas, com a missão: implante-se! Tudo o que Baptista Filho sonhara estavaalí, a ordem, a disciplina, a eficiência a serviço da

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produção. Iria finalmente acabar com a farra noescritório, tinha poder até para demitir e terceirizarserviços em prol de resultados. _ Confio no senhor, seu Baptista (Dr.Irineu era o único que o chamava assim, uma espéciede distinção) seja impessoal, é uma empresa, não umafamília, não hesite em cortar funcionários se issoreduzir custos, terceirizar serviços se isso se traduzirem eficiência a baixo preço! Um discurso. BaptistaFilho quase chorou. Em verdade chorou sim, abraçadoaos calhamaços, depois que todos saíram. Permaneceuno escritório por quase duas horas, esquecendo até deavisar a aflita Adelaide, isso nunca acontecera antes.Depois, em casa, discorreu sobre a implantação doISTO 8000, métodos de eficiência na empresa atéquase meia noite. Adelaide quase desmaiou, de sono ede tédio. Apesar de ter dormido tarde BaptistaFilho acordou mais cedo e foi abrir o escritório paraadiantar alguns detalhes antes do expediente. O terror, a inquisição, tomaram deassalto a antes pacata e feliz firma. E no casamento,quem era apenas um insonso (sábados à parte),transformou-se num chato especializado, só suportadopelo aparte acima. Na firma, vó Dita e suas faxineirasforam as primeiras a serem demitidas. Terceirizou oserviço, um bando de estranhos mudos em uniformes

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brancos invadiam as salas e em minutos estava tudo emordem pela metade do preço, sem conversas oucafezinhos. Sem encargos sociais.Um sucesso. Toda a secção de apoio que custassemuito ou produzisse pouco foi sendo eliminada eterceirizada. Criou-se a competição entrefuncionários. Acabaram-se as brincadeiras. Todostinham que tentar ser melhor que o colega ao lado.Instalou-se a desconfiança. Mas o resultado financeirocomeçou a aparecer e Baptista Filho exultava. Em casa cortou a ida ao cinema àsquarta-feiras – o total dos gastos era de 25 reais e ofilme na televisão era de custo quase zero. Dos 25reais, tirou 20 e terceirizou a passagem de roupas,uma vez por semana, sendo Adelaide dispensada desteserviço por baixo desempenho – os colarinhos nuncaficavam bons. E Baptista Filho queria tornar eficienteaté mesmo o modo de Adelaide comer, media adistância do prato ao queixo, tentava explicar que se acabeça descesse 1/3, a colher só teria que subir 2/3do trajeto e isso feito em conjunto resultaria emeficiência... Adelaide concordava, submissa,pensando nas noites de sábado. E aí então, chegaramao fatídico incidente... Sabadão. Banho tomado, perfumada,uma semana de devaneios eróticos, até mesmo com o

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ISTO 8000 – Adelaide era um fenômeno, se excitoucom a palavra implantação ! Foi se chegando aorechonchudo, que absorto, fazia contas de cabeça. Começou a se esfregar nele, sua mãofoi descendo, descendo... Baptista Filho: _ Você está agitada, sem método nãovai conseguir dormir, Adelaide! Procure ficar quieta,na posição correta, respiração compassada. Tudo émétodo! Porque com ISTO 8000... Adelaide retirou amão, ficou quieta mas não dormiu um só minuto a noiteinteira. Domingo chocho, ou seja,normal. Adelaide járefeita, parecendo até mais leve, sorrindo. Segunda-feira. Ao anoitecer,BaptistaFilho volta para casa,atrasado só meia hora. Abre aporta e vê, sobre a mesa, uma caixa de pizza e umcapacete. Ignora o capacete – por falta de método oentregador deve ter esquecido. Seu espanto é a pizza.Fizera os cálculos várias vezes e demonstrara àAdelaide que ficava muito mais em conta fazer emcasa, cerca de 70%,um absurdo! _ Adelaide! Abre a porta do quarto de supetão. _ Adê, Adê, Adelaide, quê, quê, quê éisso?!! Isso, Baptista Filho, é eficiência, vocênão estava produzindo neste setor e eu terceirizei!

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E para o entregador de pizza,morenão de 22 anos que havia parado sem saber o quefazer: _ Implanta! Implanta!!

fim...

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