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Minhas ambições são modestas. Quero ser feliz como todo mundo” – observa Edward Ferrars a certa altura de Razão e Sensibilidade ao tratar das expectativas que a família tem para ele. Aqui, como de hábito, miss Austen nos brinda com um sagaz turno de frase – será mesmo uma ambição modesta o desejo da felicidade? Como interpretarmos essa idéia? Como um sentimento perene, acho um tanto difícil – jamais conheci alguém que dissesse ter sido feliz em cada minuto de sua vida (até mesmo Pollyana teve suas dificuldades) e, como bem diz a sabedoria popular “não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe”. Felicidade, para mim, é um estado de espírito que se alimenta de pequenos prazeres: um livro deitada na rede num final de tarde; chocolate quente em dia de chuva; uma conversa espirituosa, um bom filme, outro tanto de música; terminar um trabalho bem feito; encontrar amigos queridos. Por essas e outras, planejar e organizar o III Encontro Nacional da JASBRA foi uma grande alegria. Claro que tivemos alguns problemas pelo caminho – a falta de tempo geral que parece ser uma praga da modernidade, corre-corre, dor de cabeça, muda, ‘desmuda’, e mamãe, porque fui inventar isso? A verdade, porém, é que não me arrependo de um único minuto dedicado a fazer esse encontro acontecer e se fosse necessário entrar nessa tudo de novo, eu iria. Sem nem piscar os olhos. Mais que um congresso, este encontro é uma celebração. Celebração do amor pelas histórias dessa escritora maravilhosa, celebração pelas amizades que ela construiu entre nós. É curioso como, pelo simples motivo de compartilharmos um gosto, acabamos por criar um verdadeiro senso de comunidade. Como sempre digo, não existe nada melhor do que estar em companhia de quem entende suas piadas – e nessa ‘família’ que tem se formado em torno da obra de miss Austen, todos somos capazes de compreender as piadas uns dos outros, compartilhando uma mesma paixão, um mesmo sentimento de

Gazeta de longbourn 2ª edição

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“Minhas ambições são modestas. Quero ser feliz como todo mundo” – observa Edward Ferrars a certa altura de Razão e Sensibilidade ao tratar das expectativas que a família tem para ele. Aqui, como de hábito, miss Austen nos brinda com um sagaz turno de frase – será mesmo uma ambição modesta o desejo da felicidade?

Como interpretarmos essa idéia? Como um sentimento perene, acho um tanto difícil – jamais conheci alguém que dissesse ter sido feliz em cada minuto de sua vida (até mesmo Pollyana teve suas dificuldades) e, como bem diz a sabedoria popular “não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe”.

Felicidade, para mim, é um estado de espírito que se alimenta de pequenos prazeres: um livro deitada na rede num final de tarde; chocolate quente em dia de chuva; uma conversa espirituosa, um bom filme, outro tanto de música; terminar um trabalho bem feito; encontrar amigos queridos.

Por essas e outras, planejar e organizar o III Encontro Nacional da JASBRA foi uma grande alegria. Claro que tivemos alguns problemas pelo caminho – a falta de tempo geral que parece ser uma praga da modernidade, corre-corre, dor de cabeça, muda, ‘desmuda’, e mamãe, porque fui inventar isso? A verdade, porém, é que não me arrependo de um único minuto dedicado a fazer esse encontro acontecer e se fosse necessário entrar nessa tudo de novo, eu iria. Sem nem piscar os olhos.

Mais que um congresso, este encontro é uma celebração. Celebração do amor pelas histórias dessa escritora maravilhosa,

celebração pelas amizades que ela construiu entre nós.

É curioso como, pelo simples motivo de compartilharmos um gosto, acabamos por criar um verdadeiro senso de comunidade. Como sempre digo, não existe nada melhor do que estar em companhia de quem entende suas piadas – e nessa ‘família’ que tem se formado em torno da obra de miss Austen, todos somos capazes de compreender as piadas uns dos outros, compartilhando uma mesma paixão, um mesmo sentimento de enlevo a cada vez que viajamos no tempo, mergulhando nesses livros, e nos encantando com esses personagens tão verdadeiros, tão absolutamente humanos.

Minhas ambições, como as de Edward, são modestas: é levar essas amizades que fiz neste nosso pequeno grande mundo para toda a vida, independente de credos (sim, porque defender qual o melhor Darcy a essas alturas tem quase status de religião!), regiões e línguas; é conhecer novas pessoas que compartilham essa paixão e, pouco a pouco, encontrar outros pontos em comum e infinitas possibilidades; é continuar carregando comigo esse sentimento de leveza, de felicidade e encantamento que é a marca de todos os nossos encontros.

E vocês? Quais são suas ambições?

Longa vida à Gazeta!

Srta. Luciana DarceEditora

O GAZETA DE LONGBOURN é feito por:

Srta. Jane Austen (editora-chefe)Srta. Julia Tabosa (editora e diagramadora)

Srta. Luciana Darce (editora e revisora)

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Moças prendadas e em idade para casar, é bom começarem a pensar nos seus vestidos e penteados. Sr. e Sra. Brandon anunciaram que vão oferecer um magnífico baile para dar início a season deste ano! E todas nós sabemos que os bailes que a jovem e viva Sra. Brandon oferece são sempre inesquecíveis.

Mais um escândalo recaiu sobre a casa do Sr. Ferrars! Sr. Robert Ferrars, que fique bem claro. Não vamos cometer esse erro novamente. A então Sra. Lucy Ferrars foi vista embarcando em um navio com destino à América e, desde então, nunca mais foi vista! Dizem as más línguas que Sra. Ferrars fugiu com um riquíssimo fazendeiro americano que a conheceu enquanto estava a negócios na capital londrina. O que será que a matriarca da família Ferrars dirá sobre mais esse escândalo?

Essa autora tem o prazer de relatar às suas leitoras que um encontro bastante interessante se deu no Pump Room na semana passada. Por obra do destino,

foram reunidas ao mesmo tempo duas das nossas mais queridas duplas: as (antigas) irmãs Bennet e Dashwood! Nos foi relatado que, em pouco tempo, as senhoras já pareciam amigas de infância e um chá da tarde foi marcado para o dia seguinte.

Um intrigante relato chegou ao conhecimento de um leitor desta gazeta. Sr. Willoughby foi visto em uma, digamos, não tão respeitável taberna londrina. No ápice da ebriedade, foi dito que este senhor pronunciou diversas vezes o nome de uma mulher a quem jurou amar por toda a vida. Nosso informante, no

entanto, preferiu não revelar o nome da moça e apenas revelou que ele não começava com S...! Infelizmente, eu deixo essa interrogação para vocês, caros leitores.

Contrariando todas as expectativas, Srta. Margareth Dashwood é a musa dos rapazes. Após ser convidada para passar o

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verão com a adorável e falante Sra. Jennings em Londres, a mais nova Dashwood foi apresentada em um baile. Ao que parece, a menina de jeito energético e sorridente encantou a todos

os rapazes, cansados das moças sempre iguais dos bailes londrinos. Quem diria!

A terceira irmã revela:“Elinor e Marianne sempre me ofuscaram!

Agora eu posso brilhar”

Naquela manhã em especial, o Pump Room estava quase vazio quando Srta. Dashwood, 16 anos, fez-se notar. O céu azulado contrastava com as rápidas chuvas de vento, mas esse fato não pareceu entristecer nossa entrevistada do dia. Pelo contrário, aquele clima parecia combinar com o seu humor ao entrar no aposento, cheia de sorrisos e quase saltitante, esbanjando aquela vivacidade das garotas que já querem ser mulheres, mas ainda não se desligaram da infância em seus gestos e modos.

Srta. Dashwood é a irmã mais nova de Sra. Ferrars e Sra. Brandon, antigas detentoras do título. Não é segredo para as nossas leitoras que muitas pessoas e, em especial, uma autora inglesa muito conhecida, chegaram a afirmar que nossa adorável Margaret “não prometia igualar-se às irmãs em um período mais adiantado de sua vida”. Agora, você, leitora, deve estar se perguntando o porquê de a escolhermos para essa entrevista. É simples, nós, do Gazeta de Longbourn,

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defensoras dos personagens secundários e mal compreendidos, achamos por bem dar o direito de resposta à Srta. Dashwood!

Sem mais delongas visto que a juventude exacerbada de nossa entrevistada não deve ser um ponto favorável para a virtude da paciência – Srta. Dashwood quase nos tomou o caderno de perguntas – eu e minha colega damos início à entrevista dessa edição.

Gazeta de Longbourn – Fale-nos um pouco sobre você.

Srta. Dashwood – Hum, vejamos... embora minha família acredite que sou muito nova e acabarei me livrando dessas “idéias absurdas” quando amadurecer – como se eu fosse alguma fruta esperando para ser colhida, hunf – é óbvio que nasci com alma de exploradora. Um dia, tão logo Bonaparte seja derrotado e eu consiga convencer o Coronel Brandon a financiar a expedição, eu irei subir o Nilo para encontrar finalmente sua nascente e trarei para casa de souvenir algum sarcófago de faraó... com uma múmia dentro. E serei famosa, claro, escrevendo livros sobre minhas aventuras. Enquanto isso, tenho me preparando lendo bastante e estudando cartografia. Eu respondi bem?

GL – Muito bem, Margaret! [Pigarreio] Então, depois de uma breve pesquisa sobre a vida da sua família, eu e Srta. Darce descobrimos um detalhe bastante intrigante. Logo depois da morte do Sr. Dashwood, você, sua mãe e irmãs foram viver em um chalé em Devonshire com, perdoe a indiscrição, uma quantia abaixo do padrão da famíl–

Srta. Dashwood [interrompe a pergunta] - Isso foi tudo culpa de John! Mamãe não gosta que falemos a verdade, mas essa é a verdade! Não me importa o que digam, ele agiu muito errado conosco e acho que nunca poderei perdoá-lo.

GL – Minha nossa! Como o seu irmão pode fazer isso com seu próprio sangue? E a Sra. Dashwood não chamou seu marido ao bom senso?

Srta. Dashwood – Mas se foi justamente por causa de Fanny que John se portou de forma tão vergonhosa e ignorou a promessa que fez ao nosso pai em seu leito de morte! Ela é uma víbora. E não me interessa o que Elinor diga que somos família, detesto aquela mulher e me recuso a chamá-la de irmã!

GL – Melhor mudarmos de tópico! [Srta. Luciana pula algumas páginas do nosso caderno de perguntas] Você acabou de completar 16 anos, que é, para muitos, a idade em que as mocinhas começam a pensar nos rapazes... Já se apaixonou por algum rapaz?

Srta. Dashwood – Não tenho tempo para pensar nisso por hora. Estou ocupada com meus projetos, vê? O Coronel Brandon está me ensinando a ler um astrolábio! Quando estiver no Egito, contudo, talvez outro jovem explorador competindo comigo para encontrar a nascente apareça e após trocarmos alguns insultos e nos perdermos no deserto e tivermos que nos orientar à noite pelas estrelas caminhando de mãos dadas para não nos perdermos, então... [suspira] Quem sabe?

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GL – Então, não é a toa que a descrevem como tão romântica quanto Marianne! Quais são as suas expectativas para o amor?

Srta. Dashwood – Eu ficaria bastante satisfeita em ter a sorte de minhas irmãs e encontrar alguém por quem tenha verdadeiro afeto e que goste das mesmas coisas que eu. Afinal, seria muito difícil prosseguir com minha carreira de exploradora se eu me casasse com alguém que preferisse ficar em casa fumando charutos, não é mesmo?

GL – Agora que tocamos no nome da sua irmã, precisamos fazer uma pergunta crucial. O que exatamente você viu se passando entre Marianne e Sr. Willoughby?

Srta. Dashwood – Eu preferiria não falar sobre isso. Ainda é um assunto doloroso. O que Willoughby fez... se Marianne tivesse morrido, ele teria sido o culpado.

GL – E entre Elinor e Edward Ferrars? A algumas de nossas leitoras sempre pareceu que a união dos dois foi infundada. Você presenciou algum fato que explicasse essa afeição de sua irmã por Sr. Ferrars? O que este cavalheiro fez para merecer o amor de uma moça como Elinor?

Srta. Dashwood – Eles são muito parecidos, claro. Em gênios, em paciência, em ambições... Não consigo entender como ele pode ser irmão de Fanny. E ele foi tão correto, tão decidido mesmo diante de situações adversas... como não admirá-lo? As pessoas viam Edward muito pelo olhar de Marianne, que não podia exatamente aceitar a forma tímida com

que ele se comovia com as coisas que a arrebatavam. Mas creio que Edward conquistou o coração de Elinor por definitivo no momento em que aquiesceu a me ensinar a lutar esgrima. Creio que a cena foi tão ridícula que seria impossível não achá-lo adorável.

GL – Oh! Nossas leitoras ficarão encantadas com essas revelações! Obrigada, Margareth!

Srta. Dashwood – Ora, é um prazer.

GL – Agora precisamos fazer uma pergunta crucial e esperamos que a senhorita não se ofenda. É verdade que você sempre se sentiu ofuscada pelas suas irmãs mais velhas?

Srta. Dashwood – É difícil você ter algum destaque numa família de pessoas extraordinárias... e, claro, Elinor e Marianne eram mais velhas, tinham vantagens que eu não tinha então, logo sempre me ofuscaram, usando suas palavras. Agora estou sozinha, e é minha vez de brilhar.

GL – O que você diria às pessoas que sempre a julgaram como inferior as suas irmãs?

Srta. Dashwood – Vocês ainda irão se surpreender.

GL – Você não nega ser uma Dashwood, querida!

Srta. Dashwood – Faço sempre o meu melhor!

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GL – Depois dessas declarações, vamos às perguntas finais! Diga-nos uma frase que a define.

Srta. Dashwood – “Julgar-se-ia bem mais corretamente um homem por aquilo que ele sonha do que por aquilo que ele pensa.” Victor Hugo.

GL – Alguém em que você admire e se inspire.

Srta. Dashwood – Sir Francis Drake. O primeiro inglês a circunavegar o mundo!

GL – Um livro?

Srta. Dashwood – As Viagens de Marco Polo

GL – Uma música?

Srta. Dashwood – a ópera de Haydn Orlando paladino

GL – Se você pudesse levar alguém para uma ilha deserta, quem seria?

Srta. Dashwood – Sinceramente, essa é uma questão difícil... mas acho que levaria algum engenheiro naval para construir um barco...

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Cara Srta. Woodhouse,

Eu não sei mais o que fazer! Preciso da sua ajuda! Na season passada, eu me apaixonei por um rapaz da minha cidade e, até um tempo atrás, eu pensava que o sentimento era recíproco. Esse rapaz claramente me cortejou, pois em todos os bailes nós dançamos ao menos uma vez. Suas atenções e afeto eram sempre dirigidas a mim. Certo dia ele até mesmo me enviou flores e uma carta secreta dizendo como eu era bela! Mas, para a minha tristeza, nessas últimas semanas ele parece ter se tornado completamente indiferente a minha pessoa! O que eu faço? Será que fiz algo errado?

Deixo meu coração em suas mãos,Ass. Donzela Apaixonada

Amiga Donzela Apaixonada:Você me deixou com uma grave

responsabilidade ao depositar seu coração em minhas mãos, então tentarei ser o mais clara e objetiva possível. Homens não são seres tão complicados de se

compreender. Tenho dois palpites sobre seu caso: (1) seu pretendente encontrou uma moça com um dote mais rico ou (2) ele achou a conquista fácil demais e se desinteressou. Meu conselho, caso se trate da primeira opção, é encontrar um parente rico e moribundo de quem você seja a única herdeira o mais rápido possível. No segundo cenário, basta que o trate com a mesma frieza e altivez e em dois tempos terá reacendido a curiosidade e interesse dele.

Agora, se posso ser completamente franca, minha frágil donzela amiga, a verdade é que eu dispensaria esse rematado idiota. Se ele está fazendo jogos com seus sentimentos, não merece seu afeto, disso tenho certeza. Ele não é um cavalheiro, mas apenas um moleque e você não deve

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perder seu tempo com esse tipo de criatura. Tenho certeza que encontrará em seu caminhos outros pretendentes muito mais dignos de sua atenção.

E pare de pensar que o problema é você!

Querida Srta. Woodhouse,

Estou escrevendo apenas para elogiar a sua coluna. Na verdade, minha vida amorosa vai muito bem! O rapaz mais cobiçado desta season declarou que está aos meus pés. Todas as minhas amigas me invejam. Ele até mesmo já me chamou para conhecer uma de suas propriedades em Bath. É claro que eu aceitei, mas mamãe não pode nem sonhar com isso. Uma moça nunca deveria deixar sua mãe se intrometer nesses assuntos. Se dependesse dela, eu terminaria casada com aquele Duque velhaco e assanhado!

Meus votos de saúde,L. B.

Cara L. B.:Perdoe-me os termos não necessariamente

cordiais, mas, creia-me, não acho que nossas leitoras estejam sentido muita simpatia por você após terem lido essa carta. Afinal “na verdade minha vida amorosa vai muito bem” e

“o rapaz mais cobiçado desta season declarou que está aos meus pés” não enseja muitos sentimentos de solidariedade e é o que vulgarmente chamam de ‘passar na cara’.

Esse é o tipo de observação que deve guardar para você, pois a verdade é que o resto do mundo não compartilha de sua felicidade (mesmo que digam que sim) e invejosos de plantão podem acabar envenenando seu relacionamento.

Incidentalmente, não recomendo que aceite a visita proposta por seu pretendente à Bath. Após terem dito seus votos diante de um clérigo, você terá bastante tempo para passear por todas as propriedades dele – antes disso, qualquer passo em falso pode ser fatal à sua reputação, tornando o duque velhaco e assanhado uma excelente alternativa (não que ele vá querer você depois disso).

Adoro um bom escândalo, como todo o resto do mundo, mas se não

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prestar mais atenção no que diz, pode acabar em maus lençóis. E digo isso literalmente também...

Srta. Woodhouse,

Estou em apuros. Um rapaz se apaixonou por mim. O problema é que ele é meu melhor amigo. Nos conhecemos praticamente desde o berço e eu não vejo nele nada mais que um irmão. Claro que não sou cega aos encantos dele, afinal, meu amigo é muito bonito e amável... Ele é um ótimo homem e qualquer mulher estaria no paraíso ao seu lado. Ele tem o dom de me fazer sorrir quando estou triste, mas também só ele consegue me tirar do sério! Não vê? Nós somos como irmãos! Oh, Emma, querida!Como posso recusá-lo sem ferir seus sentimentos? Não quero perder nossa amizade tão querida para mim! Meu coração palpita só de pensar!

Sua,Senhorita em apuros

Digníssima Senhorita em Apuros:Antes de dispensar

solenemente seu amigo, analise seus sentimentos com mais atenção. Não acho que exista maior indicativo de um profundo afeto do

que quando o cavalheiro em questão “tem o dom de me fazer sorrir quando estou triste, mas também só ele consegue me tirar do sério”.

Caso perceba que, ao final das contas, o amor que sente por essa afortunada criatura não é de qualidade fraternal, parabéns! Seu destino é, sem dúvida, a felicidade, alicerçada no conhecimento e compreensão mútuas – e não acho que exista melhor fundamento para um casamento.

Acredite, falo por experiência própria.

Contudo, se chegar à conclusão de que realmente não pode vê-lo como mais que um irmão, então não arraste essa ladainha por mais tempo: seja franca e direta, exponha aquilo que sente com a máxima clareza. Isso pode, no princípio, abalar a amizade de vocês, mas, se ela for realmente forte e sincera como imagino que seja, ela não se abalará permanentemente.

Emma,

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Essa já é a terceira carta que te envio, por isso, sinto-me confortável para usar o seu primeiro nome. Seus últimos conselhos não surtiram efeito. Eu tentei causar ciúmes no rapaz dançando com seu melhor amigo no baile, mas ele permaneceu como sempre! Sinto que os galanteios e gracejos que ele me dirige são os mesmos que ele dirige às outras moças. Você realmente não acha que ele pode ser assim com todas?

Anseio por sua resposta,A garota de sempre

Prezada Garota de Sempre:Francamente, por que ainda está

perdendo tempo com essa criatura?

Querida Srta. Woodhouse,

Eu não sei nem como começar a escrever sobre a minha situação. Digamos que o meu problema é um pouco diferente dos relatados nas cartas que você usualmente recebe.

Para começar, eu sou uma mulher casada. Muito bem casada, aliás. Meu marido é um senhor respeitável, agradável e atencioso. Isso é mais do que muitas mulheres da nossa sociedade poderiam sonhar. Mas, ainda assim, eu apenas sinto afeição por ele. Uma afeição quase... fraternal.

Você deve estar se perguntando qual o meu grande problema, não é? Acredite, Srta. Emma, meu problema é

bem grande: eu estou apaixonada pelo melhor amigo do meu marido. Uma paixão que eu nunca imaginei que poderia existir e que me faz tremer o corpo inteiro com a mera menção do nome desse rapaz.

Eu já não sei mais o que fazer. Tenho tentado evitar encontros com ele a todo o custo, mas meu marido já começa a desconfiar das minhas desculpas esquisitas. O que eu faço, Srta. Emma?

Agradecida,Uma senhora com sérios problemas

Querida Senhora com Sérios Problemas:Sua situação é,

sem sombra de dúvidas, preocupante. Creio que a questão toda aqui se resume à seguinte pergunta: você acha, realmente, que vale à pena? Esse sentimento é recíproco? Esse homem que a senhora ama, ele está disposto a enfrentar as conseqüências de seus atos? Você está?

Não recomendo embarcar numa aventura sem ter real dimensão dos riscos que corre. Não se engane quanto à situação em que se encontrará se seguir o impulso: você será

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escorraçada da sociedade sem dó ou piedade. Antes de tomar qualquer atitude, tenha absoluta certeza de que o prêmio compensa o sacrifício.Caso contrário, minha sugestão é uma longa, longuíssima temporada no campo...

Prezada Srta. Woodhouse,

Até o último minuto não estive bem certa se deveria ou não enviar-lhe esta carta, mas, como me encontro extremamente angustiada, acredito que a senhorita seja a única pessoa a quem posso recorrer nesse momento. É que eu estou apaixonada. Absoluta, completa e perdidamente apaixonada.

O homem que eu amo é simplesmente o cavalheiro mais maravilhoso que já me foi dado conhecer. Belo, inteligente, elegante, misterioso, sedutor, corajoso, é-me simplesmente impossível resistir aos seus encantos: é o homem dos meus sonhos! Porém, há um grande problema entre nós: o referido cavalheiro não existe – pelo menos não nesta nossa realidade. Ele é um personagem literário, um ser de letras e tinta... que, mesmo assim, ocupa meu pensamento e meu coração como se real fosse, que me faz suspirar de paixão e saudade, e que também torna desinteressantes todos os demais cavalheiros de carne e osso com quem convivo.

Sei que posso parecer maluca a seus olhos... mas, de fato, não sei mais o que fazer. Por favor, preciso de um conselho seu.

Agradeço sua atenção,Dama das Sombras.

Misteriosa Dama das Sombras,Acredite-me quando digo que

essa não é uma aflição exclusiva sua. Recebo dezenas de cartas que tratam desse mesmo tormento.

A primeira observação que faço é que o mundo, de uma forma geral, tem estado carente de verdadeiros cavalheiros – e não falo apenas de belos espécimes masculinos, mas de homens que sejam capazes de escutar, respeitar e admirar, verdadeiramente, suas contrapartes.

Em tal situação, que mais se há de fazer além de nos refugiarmos em nossas imaginações? Sejamos sinceras: nenhum príncipe pode se comparar ao

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companheiro que temos idealizado em nossa mente.

Contudo, se entendo perfeitamente sua situação, o que posso dizer é que não deve se isolar em sua concha. Às vezes, o problema não está apenas ‘neles’, mas também em nossa incapacidade de aceitar o real, com todos os seus defeitos e vícios – e, ainda assim, a despeito de tudo, perfeito para nós mesmos.

Sonhar não faz mal, desde que tenhamos os pés

também a realidade. Não digo com isso que você esteja obrigada a aceitar qualquer um ou o primeiro que aparecer na sua frente – e creio que é perfeitamente possível se viver sozinho – mas sim que você não precisa se conformar com uma ilusão.

Então acorde para a vida, compre um chapéu novo e não perca o próximo baile da cidade! Quem sabe o homem dos seus sonhos não se materializa por lá?

Nessa edição especial comemorativa não apenas do Bicentenário de Razão & Sensibilidade, mas também do nosso III Encontro Nacional, o Gazeta de Longbourn decidiu entrevistar uma das figurinhas mais conhecidas à frente da Jane Austen Sociedade do Brasil: nossa excelentíssima presidente, Adriana Zardini.

Ao final das contas, muita gente se pergunta como foi que tudo começou... e é

exatamente disto que vamos tratar hoje! Seja bem-vinda, Adriana! Pronta para responder nossas perguntas?Adriana Zardini – Sim, estou prontíssima. Obrigada pelo convite!

Gazeta de Longbourn – Como foi que você conheceu Austen? Você se identificou de imediato com ela? Conte-nos como se apaixonou por esse universo.

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Adriana Zardini – Eu conheci Austen ainda na graduação em Letras, por volta de 1998. Naquela época eu tive que ler Emma para um dos seminários sobre a literatura inglesa do século XIX. Eu me apaixonei mesmo por Austen quando morava em Nova York e tive acesso aos livros em inglês. De lá para cá, essa paixão foi só aumentando.

GL – E como surgiu a idéia de criar a JASBRA? Você já conhecia o trabalho de outras sociedades do mesmo tipo espalhadas pelo mundo? Elas serviram como uma inspiração?

AZ – Em fevereiro de 2008 eu criei um blog chamado Jane Austen Club, a intenção inicial era divulgar a obra da escritora e fazer comentários sobre os livros, filmes e novidades. No entanto, em 2009, durante um encontro em Belo Horizonte, eu, Ana Maria Almeida, Cláudia Cristino e Pollyana Coura decidimos oficializar nossos encontros e criamos a JASBRA. Eu já conhecia o trabalho das outras sociedades, principalmente a de Buenos Aires e da América do Norte e foi inspirado nas duas sociedades é que decidimos fazer algo parecido aqui no Brasil.

GL – Em 2009, ocorreu em Ouro Preto o I Encontro Nacional da JASBRA. Estamos agora em nosso terceiro encontro e a cada um deles, a coisa aumenta mais. Vocês tinham noção do que estavam começando quando se reuniram naquele ano? Quais são suas expectativas para os próximos encontros?

AZ – Olha, para falar a verdade, nós não tínhamos noção da quantidade de pessoas

interessadas em Austen e interessadas em realizar encontros e discussões a respeito da autora. Para os nossos próximos encontros regionais, o objetivo é solidificar os grupos já existentes e favorecer a criação de novos grupos/regionais. Em relação aos Encontros Nacionais, a nossa intenção é que eles sejam realizados a cada dois anos em virtude do planejamento e organização, pois requer tempo e muita dedicação.

GL – O que sua família acha do seu papel frente à sociedade? Eles apoiam essa iniciativa? Já estão criando “Síndrome de Darcy”?

AZ – Meu marido e nossa filha me apoiam totalmente. Vez ou outra assistem aos filmes comigo ou participam de algum evento relacionado à Austen. Já os meus irmãos, são um pouco desligados, mas sabem que a irmã lida com Jane Austen. As minhas irmãs já estão acostumadas, participam dos encontros, lêem os livros e assistem aos filmes. Em breve elas já estarão totalmente afetadas pela “Síndrome de Darcy”.

GL – Como você enxerga a produção literária de histórias inspiradas na obra e na vida de Austen? Você acredita que haja mercado para elas no Brasil? O que você acha que está faltando nesse nicho?

AZ – Eu me divirto muito com as continuações inspiradas em Austen. Algumas são um pouco forçadas, outras, porém, são muito criativas. Creio que exista um público para essas obras aqui no Brasil, mas o mais interessante seria que todos conhecessem a obra de Austen antes

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de se dedicarem à leitura dos outros livros. Creio que é mais fácil conhecer a obra de Austen e depois partir para as continuações do que o inverso. Dependendo da idade da pessoa, a leitura de Austen é complicada, quer seja por falta de conhecimento da sociedade da época, falta de traduções, ou pela linguagem usada na tradução/versão original.

GL – Quais são os planos para o futuro da sociedade? Já existe alguma definição sobre data e local do próximo encontro?

AZ – Nosso objetivo é divulgar o estatuto da JASBRA, criar regras para associação e oficializar nossos eventos e artigos com publicações periódicas. Nosso próximo encontro será em 2013 em comemoração ao Bicentenário de Orgulho e Preconceito. O lugar ainda não foi estabelecido porque geralmente fazemos isso no final de cada encontro nacional. Normalmente pedimos aos participantes que desejam hospedar o próximo encontro que façam um levantamento sobre possibilidades e recursos e, caso existam duas ou mais cidades, fazemos uma votação.

GL – Tenho que começar a organizar minha agenda para isso... Agora, vamos à

seção final de perguntas! Diga-nos uma frase que a define.AZ – Não consigo ficar parada!

GL – Alguém em que você admire e se inspire.

AZ – Meus pais são e foram exemplos para mim!

GL – Um livro?

AZ – De Austen? Persuasão, sem sombra de dúvidas.Gostei muito do ‘A menina que roubava livros’.

GL – Uma música?

AZ – She – Elvis Costello

GL – Se você pudesse levar alguém para uma ilha deserta, quem seria?

AZ – Escolha difícil... eu levaria meu marido, ora! Hehehe

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* Ao estrearmos essa coluna, gostaríamos de agradecer a Mr. Collins por ter tão prontamente se oferecido a gerir a mesma, sob a tutela de sua estimada Lady Catherine de Bourgh, que já tinha até mesmo criado um inteiro design do que ela acreditava ser adequado para um espaço como este. Acreditamos, contudo, que sendo a nossa uma instituição tão pequena e simples, tal proteção nos deixaria profundamente... *pigarreia* inibidos. Destarte, embora reconheçamos a grande honra que nos é concedida *pigarreia* preferimos deixar a coluna a cargo de um pároco local, mais conhecedor das necessidades de seu rebanho...

* Os editores desta gazeta, bem como organizadores do III Encontro Nacional gostariam de dar os parabéns pelos quinze anos da senhorita Mariana Cardoso, que como fã de Austen, decidiu, nesta sua data tão especial, dispensar sua festa para vir se reunir conosco. Gostaríamos de oferecer a ela uma valsa de 15 anos com Mr. Darcy, mas infelizmente, isso não será possível - então, faremos aquilo que nos está mais próximo: Mari, desejamos a você muitas e muitas felicidades, sucesso, saúde e, como diria o avô de Miss Darce, uma sorte bem feliz!

* Comemorando um ano de existência, o Clube do Livro da JASBRA/PE irá fazer sua confraternização natalina no dia 17 de dezembro, a partir das 14 horas, na livraria Saraiva. Teremos um debate sobre Um Conto de Natal, de Charles Dickens, confetes, serpentina e fantasmas. Segue o convite:

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* Este espaço pertence a todos os paroquianos alcançados pelo Gazeta. Ou seja, ele pertence a vocês, leitores. Aqui teremos anúncios dos encontros regionais, aniversários, correio amoroso e outras patacoadas. Vocês podem até nos escrever para dizer o quanto nos amam! Então, mandem seus recados! Queremos ouvir vocês [email protected]. Não deixem de participar!